
5 minute read
CULTURAIS RECENTES
entendimento de um determinado “sentido” nas políticas públicas no Brasil mais recente que aproxima categorias como cultura popular, folclore e patrimônio imaterial. No Brasil o entendimento do Movimento Folclórico27 , em seu debate com as ideias de “nacionalpopular” e cultura popular28 , auxilia a interpretação num tempo mais longo da capoeira e das ações entendidas como no campo da cultura para algo que depois seria consagrado como patrimônio imaterial. A compreensão deste processo no interior da dinâmica de racionalização, na construção de um corpo burocrático, centrado na ideia de interesse coletivo legitimado na ideia de passado, presente e futuro comum das ações no campo do patrimônio e a ideia de cidadania dialogam com o pensar de práticas diversas que não necessariamente foram alvo das ações no patrimônio cultural. Entendo que as ações no campo do “popular” podem ser inseridas no que entende-se hoje como políticas culturais, e compreendidas como projetos de entrada na modernidade. Na perspectiva de Carlos Alberto Dória (2003, p.12), o Estado, ao ““engolir” e colocar para dentro do seu aparato gerencial o que a burocracia entende ser de relevante como forma de cultura material ou imaterial”, define o que é “cultura” no interior da modernidade através do espectro das políticas culturais. No primeiro tópico deste capítulo trabalho a ampliação das ações para o patrimônio cultural que se insere na dinâmica mais extensa de revisão da ideia do estado-nação. Pois, não obstante no século XIX o estado-nação tenha assumido papel destacado nos programas culturais e institucionais de constituição das identidades, entendido como ente maior deste projeto de construção da modernidade, após a Segunda Grande Guerra Mundial, progressivamente fortalecem-se identidades coletivas de novo tipo. Tensões inerentes ao projeto redutor das identidades nacionais baseadas na ideia universal de cidadania, incapaz de dar conta da heterogeneidade das experiências sociais, assumiram papel mais relevante
27 Luiz Rodolfo Vilhena localiza o Movimento Folclórico no período de 1947-1964, “marcado por uma grande mobilização em torno desse tema, que foi identificada pelos seus próprios integrantes na época como “movimento folclórico””, tendo como marco a criação da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, em 1958 (VILHENA, 1997, p.21). 28 Embora esteja entendendo a capoeira no campo da cultura popular, sigo a proposta de Marilena Chauí de fugir da armadilha de definir o que é ou deixa de constituir a “cultura nacional-popular”, mas sim buscar as tensões e instrumentos existentes nesta definição, buscando “as maneiras pelas quais em diferentes momentos e por diferentes sujeitos essas ideias e imagens são construídas e por que o são, deixando vir à tona diferentes modos de articular ou de separar os dois termos, em vez de buscarmos “o” nacional-popular que se materializaria em todas as manifestações culturais” (CHAUÍ, 1989; p.85).
Advertisement
nos conflitos e debates ideológicos e institucionais, apontando para novas variáveis com as quais os estados-nação passam a negociar na implementação dos projetos de modernidade. Eisenstadt (2001, p. 139) afirma que estas variáveis são múltiplas e as identifica como movimentos que vão do feminismo ao étnico, passando pelo ecológico e fundamentalismo religioso. Estes movimentos vão de encontro à centralidade do estadonação, na concepção tradicional de se pensar num povo fincado em determinado território. Para alguns destes movimentos, a cultura fundamenta demandas de reconhecimento e políticas de redistribuição. O lugar tradicional ocupado pelo estado-nação será reavaliado e entendido como necessariamente capaz de responder às demandas sociais de finais do século XX e início do XXI, entendendo-se que este deve ser forte o suficiente para assegurar direitos sociais e ao mesmo tempo a inserção no cenário competitivo internacional. Este estado estaria entre o modelo antigo do estado de bem estar social intervencionista e o modelo neoliberal conservador. Em especial na América Latina e no Brasil, essa revisão foi acentuada, talvez de forma tímida no espaço público, mas impactando um cenário de recomposição da economia pós-período hiperinflacionário dos anos 1980 e a percepção de que a simples diminuição do Estado das décadas de 1990 e 2000, não trouxe melhoras significativas nos índices que medem o bem estar e satisfação social29. A abertura do Estado aos movimentos sociais se coloca como imperioso e a discussão das formas como a burocracia estatal deve responder às novas demandas sociais – especialmente quanto às reivindicações de direitos por parte das ditas minorias –, se não inauguram, mostram uma inquietação da sociedade quanto às questões de representação e capacidade efetiva das políticas públicas. É neste contexto que nas últimas décadas observa-se uma guinada na ampliação e complexificação do que entende-se como patrimônio cultural, impactada por demandas mais amplas de reconhecimento. No campo teórico, diferentes propostas deram origem a propostas teóricas que de forma generalizada ficaram conhecidas como multiculturalismo30 que estão relacionadas às novas agendas e movimentos.
29 Baseio-me aqui genericamente na interpretação de Silberman (1993) sobre diferentes tradições de formação dos Estados, ainda que o autor seja tímido na tentativa de pensar o caso de países da América Latina e não aponte para uma possível diferenciação da tradição espanhola da portuguesa que tenha gerado impactos substanciais. 30 Luiz Augusto Campos (2016) ressalta a variedade de perspectivas que são trabalhadas como constituintes do conjunto de autores tidos como multicultaralismo. A partir das diferentes concepções de cultura em autores
No segundo tópico proponho um olhar para as políticas culturais no Brasil, indo além das ações no âmbito do patrimônio. Entendendo que há um caminho, ainda que intermitente, de fortalecimento da cultura como elemento da cidadania nacional, que passa pelas tensões apontadas acima e, simultaneamente, que exige ações mais contundentes para o campo. Equilibrando-se entre ações centralizadoras e de valorização das identidades múltiplas, especialmente a partir do primeiro governo do presidente Luís Ignácio Lula da Silva (2003-2006), o Ministério da Cultura demonstra um sentido de (re)localização das ditas culturas populares.
2.1 A construção do registro como instrumento para o patrimônio cultural imaterial
Para Dominique Poulout (2011, p.30), ao longo do século XX, a noção de patrimônio irá desvincular-se da ideia de um passado que permanece entre nós para tornarse uma “representação da historicidade”, como um “presente do passado”. O patrimônio assume-se assim como uma construção impactada por debates políticos e disciplinares. A percepção da necessidade de novos patrimônios, o reconhecimento de bens intangíveis e imateriais e o debate do patrimônio mundial evidenciou a necessidade de revisão dos instrumentos ao mesmo tempo que num caminho reflexivo apontou para a questão do poder existente no processo de consagração de bens. Como discuti no capítulo anterior, as políticas para os patrimônios culturais constituíram-se em função da produção de identidades nacionais, num explícito e construído vínculo com o passado dos grupos. A partir da segunda metade do século XX há o que podemos chamar de ampliação do conceito de patrimônio cultural. Ainda que de forma lenta, após a Segunda Guerra Mundial, bens e práticas, até então desprezados pelas políticas para o patrimônio, passam a ser valorizados. A partir da percepção do caráter seletivo das ações no campo do patrimônio e a consequente exclusão de parcelas significativas nas listas de patrimônio surgem duras críticas tanto às instituições nacionais
de destaque no debate do multiculturalismo (Will Kymlicka, Iris Marion Youg e Bhikhu Parekh) o autor aponta um conjunto mais heterogêneo do que que homogêneo nas concepções de cultura.