A memória como projeto: tensões e limites da patrimonialização da capoeira

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entendimento de um determinado “sentido” nas políticas públicas no Brasil mais recente que aproxima categorias como cultura popular, folclore e patrimônio imaterial. No Brasil o entendimento do Movimento Folclórico27, em seu debate com as ideias de “nacionalpopular” e cultura popular28, auxilia a interpretação num tempo mais longo da capoeira e das ações entendidas como no campo da cultura para algo que depois seria consagrado como patrimônio imaterial. A compreensão deste processo no interior da dinâmica de racionalização, na construção de um corpo burocrático, centrado na ideia de interesse coletivo legitimado na ideia de passado, presente e futuro comum das ações no campo do patrimônio e a ideia de cidadania dialogam com o pensar de práticas diversas que não necessariamente foram alvo das ações no patrimônio cultural. Entendo que as ações no campo do “popular” podem ser inseridas no que entende-se hoje como políticas culturais, e compreendidas como projetos de entrada na modernidade. Na perspectiva de Carlos Alberto Dória (2003, p.12), o Estado, ao ““engolir” e colocar para dentro do seu aparato gerencial o que a burocracia entende ser de relevante como forma de cultura material ou imaterial”, define o que é “cultura” no interior da modernidade através do espectro das políticas culturais. No primeiro tópico deste capítulo trabalho a ampliação das ações para o patrimônio cultural que se insere na dinâmica mais extensa de revisão da ideia do estado-nação. Pois, não obstante no século XIX o estado-nação tenha assumido papel destacado nos programas culturais e institucionais de constituição das identidades, entendido como ente maior deste projeto de construção da modernidade, após a Segunda Grande Guerra Mundial, progressivamente fortalecem-se identidades coletivas de novo tipo. Tensões inerentes ao projeto redutor das identidades nacionais baseadas na ideia universal de cidadania, incapaz de dar conta da heterogeneidade das experiências sociais, assumiram papel mais relevante

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Luiz Rodolfo Vilhena localiza o Movimento Folclórico no período de 1947-1964, “marcado por uma grande mobilização em torno desse tema, que foi identificada pelos seus próprios integrantes na época como “movimento folclórico””, tendo como marco a criação da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, em 1958 (VILHENA, 1997, p.21). 28 Embora esteja entendendo a capoeira no campo da cultura popular, sigo a proposta de Marilena Chauí de fugir da armadilha de definir o que é ou deixa de constituir a “cultura nacional-popular”, mas sim buscar as tensões e instrumentos existentes nesta definição, buscando “as maneiras pelas quais em diferentes momentos e por diferentes sujeitos essas ideias e imagens são construídas e por que o são, deixando vir à tona diferentes modos de articular ou de separar os dois termos, em vez de buscarmos “o” nacional-popular que se materializaria em todas as manifestações culturais” (CHAUÍ, 1989; p.85).


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