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raças comporiam uma nação24. Segundo José Carlos Reis (2002, p.26), neste projeto de Martius é essencial que o português apareça como o senhor da colonização e inventor do Brasil como sujeito ativo da história, sendo o ator que permitirá a história do cristianismo e da engenhosidade da colonização acontecer. Ainda neste projeto de escrita da história, Martius dá muito menos atenção à história indígena, sendo apenas importante na construção de mitos. Reis (2002, p.27) chama atenção de que para Martius a história dos negros escravos deveria ser contada seguindo a seguinte questão: “o Brasil teria tido um desenvolvimento diferente sem a introdução dos negros escravos?”. Pergunta que até Gilberto Freyre, segundo Reis (2002), teve como resposta por parte dos historiadores: “foi pior”. Sobre este primeiro projeto desta geração do IHGB Guimarães assim escreve: Ao definir a Nação brasileira enquanto representante da ideia de civilização no Novo Mundo, esta mesma historiografia estará definindo aqueles que internamente ficarão excluídos deste projeto por não serem portadores da noção de civilização: índios e negros. O conceito de Nação operado é eminentemente restrito aos brancos, sem ter, portanto, aquela abrangência a que o conceito se propunha no espaço europeu. Construída no campo limitado da academia de letrados, a Nação brasileira traz consigo forte marca excludente, carregada de imagens depreciativas do “outro”, cujo poder de reprodução e ação extrapola o momento histórico preciso de sua construção. (GUIMARÃES, 1988, p.3)
O recuo histórico à constituição do IHGB nos chama a atenção para três especificidades que são importantes para entender as práticas já no âmbito restrito de preservação do patrimônio cultural: a necessidade de se produzir uma escrita sobre a nação em função de uma história universal; a valorização da colonização portuguesa, em detrimento da experiência indígena e africana; e os vínculos entre o Estado e a escrita da nação. Guimarães (1988) aponta para uma inter-relação entre o Estado e a escrita historiográfica no século XIX. Vale atentar, neste sentido, para as semelhanças do momento de institucionalização das ações de preservação nos anos 1930. Este projeto vitorioso de algum modo ressoará nas práticas da década de 1930, e aponta para um projeto inacabado de constituição da nação. 24
Lilia Schwarcz, acerca da importância da discussão racial no limiar da república, afirma que “o cruzamento das raças era entendido, com efeito, como uma questão central para a compreensão dos destinos dessa nação” (2011, p.14). Na dinâmica desta questão esta identidade passa a uma identificação mais complexa e unitária conforme o país vai se tornando também mais complexo e íntimo, mas sem perder a centralidade nos debates sobre a identidade nacional, como em análises como a de DaMatta: “podemos ser então a um só tempo e simultaneamente o branco colonizador e civilizado, o preto escravo que corporifica a forma mais vil de exploração de trabalho – a escravidão – e, finalmente, o índio, dono original da terra, marcado por seu amor à liberdade e à natureza” (1997, p.261).