A memória como projeto: tensões e limites da patrimonialização da capoeira

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nas mais diversas ações contempladas em editais públicos e nos pontos de salvaguarda para a prática no Dossiê de registro, em 2008. No âmbito do Edital de número 2 (2005), do Programa Cultura Viva, foram aprovadas 15 ações para a capoeira, com somente dez contempladas61. Este edital foi exclusivo a ações voltadas para a capoeira e na Bahia, o que gerou uma gama de críticas e posicionamentos contrários, que exigiam a ampliação do edital para todo o país (COSTA, 2010, p.293). A partir do segundo semestre de 2006 é mais evidente os contornos da agenda nacional e internacional para a capoeira que culminará com seu registro. É possível mapear uma série de ações públicas de fomento com objetivos e sentidos que assemelham-se às que caracterizei no capítulo dois como patrimônio cultural imaterial. Estas ações baseiam-se na ideia comum de reconhecimento da capoeira como um ativo cultural útil às demandas de políticas de reparação e reconhecimento do passado de repressão e discriminação. Nesta perspectiva, a capoeira insere-se na ideia de “discriminação positiva”. Foi nesse sentido que Juca Ferreira, enquanto secretário executivo do Minc, no lançamento do Programa Capoeira Viva, em 2006, no Museu da República, expressou os motivos pelos quais vinha em boa hora o Programa: desde que o Ministro da Cultura Gilberto Gil assumiu o Ministério, tomou a decisão de que não sairia do Ministério sem modificar a relação do Estado brasileiro com a capoeira. (...) Durante muito tempo a capoeira foi perseguida, era associada a uma questão de polícia no Rio, na Bahia, Pernambuco (...). Mas hoje a gente vive um momento importante na sociedade brasileira, que é a tentativa de reparar esse erro histórico e recolocar a questão da República, dos direitos e oportunidades iguais para todos, e a capoeira não poderia estar fora disso62.

Na mesma fala, mais à frente, Juca Ferreira ressalta o erro por parte do Estado ter tratado a capoeira anteriormente no campo da Educação Física, ressaltando que os mestres teriam mais intimidade com a “complexidade” e as “diversas dimensões” da prática do que professores de educação física. Elenca uma série de medidas que estavam sendo tomadas como o reconhecimento da capoeira como patrimônio, o reconhecimento pelo MEC do 61

Não consegui uma lista dos projetos aprovados, nem algum tipo de informação disponível no Minc sobre os resultados deste Edital. Costa (2010) não discorre sobre os objetivos e resultados do edital e dos projetos contemplados, apenas afirma que para além deste edital, a capoeira se faz presente em diversos Pontos e Pontões de Cultura contemplados pelo programa Cultura Viva, mas como de forma secundária. 62 A fala do secretário Juca Ferreira e do diretor do Museu da República citada a seguir, Ricardo Vieiralves, foram publicadas em 2007, em revista de divulgação de algumas ações dos resultados do Edital Capoeira Viva 2006.


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