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INTRODUÇÃO
Quando finalizava a escolha do material de análise para a produção do texto desta tese, foi noticiado que o Ministério dos Esportes passou a considerar a capoeira como esporte1. Ainda que não seja o centro de discussão da tese, chamou-me atenção a repulsa com que alguns setores da capoeira receberam esta notícia. A princípio, uma discussão que passava despercebida em minhas reflexões, uma vez que me concentrava nas ações do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para a capoeira, imprimiu a necessidade de refletir também sobre a diversidade de projetos para a capoeira indo além do campo da cultura. Percebi que as ações no campo da cultura não podem ser interpretadas isoladamente das variadas formas pelas quais a capoeira é tratada nas políticas públicas no Brasil. Durante a história, a capoeira foi alvo de longos debates e interpretações que vão da criminalização à culturalização da prática, passando pela sua “esportivização”. Estes projetos não ocorrem estanques e constituíram demandas e acordos ao longo da história desta prática, com maior ou menor intensidade. O projeto de criminalização da capoeira teve seu apogeu no final do século XIX e certamente impactou na construção de uma imagem estigmatizada da prática e de seus praticantes que ainda merece atenção. O projeto de esportivização se iniciou no final de século XIX, mas é especialmente no século XX que ele se consolida. Já o projeto culturalizante da capoeira, ou cultural, começa a ganhar força no início do século XX, caminhando lado a lado à perspectiva de boa prática esportiva, mas com interfaces mais estreitas com o movimento folclorista a partir da segunda metade do século XX e com um enquadramento da capoeira como um resquício da cultura africana, vinda no período da escravidão. Evidentemente, estes projetos estiveram em diálogo e não podem ser entendidos senão em relação, seja em disputas, seja em encontros que vão além da ideia de afeto à prática. Entendo que a patrimonialização da capoeira se insere no projeto mais recente de culturalização da prática.
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A resolução foi publicada em fevereiro de 2016. No capítulo cinco tratarei de forma mais abrangente deste reconhecimento e dos debates seguintes a ele.