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Vai que não cola
from Conte Que Eu Conto
- Precisamos convencer Júlio! afirmou Magda. - Sem essa, Magda! Você sabe o quanto ele é careta para enfrentar...Vai dizer que é muito perigoso e ele é bolsista... Não quer se meter numa fria... respondeu Ana. - Concordo com Ana. A gente tem que se virar sem Júlio. Esqueça, Magda, por favor! retrucou César. Estavam na sala de estar da casa de Magda. Bolavam um plano de “cola” para a avaliação de matemática a ser aplicada na semana seguinte e precisavam do apoio de Júlio, o fera nessa disciplina. - Gente, se Júlio cooperasse, eu mesma poderia dar uma ajuda a ele em Inglês, pois “manjo” bem a matéria, mas ele é radical, pô! disse Kátia. - Mais uma vez, concordo com César.Vamos desistir da ideia, Tales respondeu. - Acho melhor chamar o colega para estudarmos juntos, aí a gente melhora. Que tal? - N Ã O! - Gritaram todos - Deixe de ser bobinho, Tales! - Pois é! Estamos perdendo tempo aqui com discussão! Até agora, ninguém pegou nos livros, muito menos nas apostilas, para encarar os assuntos da prova!, reclamou Tales. 66

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- Mesmo estudando, ninguém vai passar - Afirmou Magda. -
Não dá para aprender, pois são páginas demais... É bem complicado. Aliás, tudo em matemática é um horror! - Que pessimismo, pô! Não é passar em matemática. Eu quero entender mais a matéria, porque sei que é muito importante para nossa vida - gritou Tales. - Júlio poderia colaborar, mas ele tem lá seus motivos... - Então, vamos armar um “plano de cola “ para a prova, e acaba a confusão! argumentou Kátia. - Isso! Vamos em frente! concordou Magda. - Nada de celular, por favor! Os professores já sacaram essa, e todos sabem que os telefones são recolhidos e colocados sobre a mesa deles para que ninguém cole, disse Tales. - Toda a razão! O p..l..a..n..o deve ser bem t..r..a..m..a..d..o e secreto. Morre aqui. - Cada um terá 20 minutos para pensar numa coisa bem legal e diferente, OK? Magda afirmou. - Colé, amiguinha! Enquanto vocês pensam ai, eu vou pegar o livro e dar uma estudada básica, sacou? - Argumentou Tales. - Nossa! Que egoísta!, foi a vez de Kátia - É... Mas na hora do aperto, vai querer participar numa boa... Egoísta! Na verdade, todos estavam desesperados com a tal prova, só não queriam admitir o fato. Gostavam do professor, considerado pela turma “gente fina” . Além disso, ele explicava bem, tratava os alunos com muita cordialidade, era extremamente atencioso. Reconheciam, assim,que o problema estava na Matemática, e não no querido mestre. Como haviam saído de uma gincana escolar de grande repercussão, não se exercitaram o bastante, e os estudos os garotos puseram meio de lado. Agora, só restava uma saída para o problema da prova:“colar” , o que não era muito legal. Não havia, contudo, outro jeito, pensaram. Bem... Após alguns minutos, Magda quebrou o silêncio: 67

- Gente, já sei o que e como fazer – disse, aos berros. - Calma, menina! Quer que toda a vizinhança saiba, é?, reclamou César. - Ah... Me deixe, viu César! - Tive, agora mesmo, uma ideia genial! Vou contar a vocês... Aos sussurros para que ninguém escutasse, inclusive você, caro leitor, ela disse como seria. - Plano perfeito! Todos aplaudiram Magda quando ela concluiu.
A sineta soa forte, principalmente para o esperto grupinho. Dia da terrível prova de matemática.Todos na sala nervosos, nem chegam a se olhar de tão tensos que estão, até mesmo Júlio, “o cobra” . Este, coitado, sua demais, apesar da manhã fria, mas tem a incumbência de, feita a prova, deixar o gabarito no local que Magda indicou. O professor entra na sala no horário estabelecido. Depois de um “bom dia” bem caloroso, não muito sincero aos ouvidos da turma, e umas palavras de incentivo, o mestre recolhe todos os aparelhos de celulares. Em seguida, abre o envelope das avaliações e começa a distribuí-las. O silêncio, na sala, é sepulcral.Todos dão início à leitura das instruções gerais e das perguntas da prova. O professor parece animado, acredita num bom “ feed-back “ da turma. Alguns minutos passam. As canetas, borrachas e os lápis começam a mexer-se nas páginas brancas do rascunho. “Bom sinal, ” pensa o matemático. Dá uma espiada nos semblantes de seus alunos e verifica que, em alguns, há certa tensão; em outros, sorrisos leves e discretos. Ele estranha apenas o comportamento de Júlio. Esse aluno que sempre se destaca durante as aulas, 68

mostra-se bastante nervoso. Seria um mal-estar? Aproxima-se e pergunta: - Tudo bem, Júlio? - Tu...Tudo. - Ele responde. Tal resposta é a pior possível e, no momento, Júlio acaba de levantar suspeita... - Vamos que vamos! Temos que concluir a prova, mais tarde vou apurar, reflete o educador. Correm uns 50 minutos. Antes a entregar a prova, Júlio pergunta se pode copiar o gabarito para, no intervalo, conferir junto aos colegas. O professor permite, pois não vê nisso empecilho algum. Júlio sai da sala apressadamente e se dirige à biblioteca. Precisa deixar o gabarito entre as folhas do livro “O Homem que Calculava, “ de Malba Tahan, pois fora assim combinado. Chega ao local, abre a porta, olha para todos os lados. A sala principal está vazia. Melhor, pois ele não quer que ninguém o veja praticando um“ delito “ . O garoto está muito, muito nervoso, a ponto de não reparar que a funcionária da biblioteca, D. Iraci, cochila, discretamente, sentada à mesa bem no cantinho. Mais do que qualquer outra pessoa do colégio, ela sabia que, nos dias de prova nenhum aluno visita “seu recanto mágico “ , como assim ela o chama. Pois bem. D. Iraci levanta-se da cadeira, na pretensão de atender o ilustre visitante, mas nem chega a isso. Antes mesmo de falar qualquer coisa, nota que os passos são muito rápidos e dirigidos a uma determinada estante. Estranho... Ronda um mistério até porque, além da ligeireza no andar, existe uma movimentação esquisita na busca dos livros no móvel. Os dedos de Júlio correm trêmulos e agitados a ponto de derrubar alguns livros e provocar um barulho indiscreto. Algo, contudo, faz D. Iraci paralisar: 69

- Soluços? Lamentos? Alguém não se deu bem na prova? Por que veio até aqui? ela pensa. De repente, um livro retirado da estante, de modo brusco, é apenas aberto. Uma adolescente mão masculina coloca, na primeira página, um pequeno papel. "Ah... É cola, sim, é cola ! Vou me esconder e averiguar quando esse aluno cair fora daqui!" Dito e feito.Tão logo Júlio se retira, D. Iraci, que já tinha visualizado o título da obra vai, com pressa, até o livro e o abre. Exatamente: o gabarito da prova! Que danadinhos, esses meninos... Chega a rir da situação, mas quer dar um troco, e bom, isso sim! Ri, ainda mais, de sua criativa ideia! Decorridos cerca de 10 a 15 minutos, a porta da biblioteca abre-se novamente e, dessa vez, um aroma se espalha e domina o ambiente. D. Iraci, ainda sentada no mesmo local, não se mexe, porém observa tudo pelo canto do olho. Somente espia o doce caminhar de Magda que, segura, vai à procura do livro “O Homem que Calculava“ . Nem olha para os lados, tão certa de encontrar o tesouro. O plano parece dar certo, Magda pensa. Já enganou o professor de Matemática, alegando um mal-estar; em seguida, trocou o caminho do banheiro pelo da biblioteca; finalmente, chegou ao local onde havia, cuidadosamente, combinado. Agora, é copiar o gabarito, voltar à sala e espalhar as respostas a todos do grupo. Sorridente, ela pega o livro e, com total segurança, abre-o. Afinal, sabe muitíssimo bem onde achar a “joia” tão preciosa. Interessante é que não está indecisa nem mostra nervosismo algum. Apenas sente-se vencedora por conseguir bolar um maravilhoso plano e se safar, numa boa, dessa. Uma surpresa a tomou, contudo, inesperadamente. Havia, sim, um pedaço de papel timbrado do colégio e, nele, lia-se o seguinte: VÃO ESTUDAR ! COLA, NÃO ! 70

Bem. Até hoje, o professor de Matemática e diversos alunos desconhecem a razão pela qual Magda e Júlio são criticados e perseguidos por alguns colegas. D. Iraci, se quiser, que conte.
