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Pânico no parque

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Um breve pulsar

Um breve pulsar

- Gente! Uma mochila embaixo de um banco! – gritou uma mulher. - Onde? – perguntou um homem que por ali passava. - Embaixo daquele banco.Tá bem ali... respondeu. - Bomba? – alguém sugeriu. - Só pode ser bomba! - Que nada, meu povo! É despacho – outro curioso falou. - Vixe! Oxente! Macumba numa mochila...Tá doido, é? –retrucou uma senhora. Era o que mais se ouvia, naquele fim de tarde, na praça. Pessoas atordoadas corriam de um lado para o outro. Muitos chegaram a esconder-se por entre as árvores e o coreto. Enfim, um verdadeiro pânico! - Cadê a polícia? – perguntou um senhor de idade. - E o Esquadrão antibomba? – um jovem acrescentou. - Não! Tem que chamar o Batalhão de Operações Especiais (BOPE), da Polícia Militar, para fazer o desmonte do artefato, opinavam.

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- Gente, os repórteres dos jornais da cidade, a rádio e a TV também, todos já estão a postos. - Vou ficar aqui, não quero perder nenhum lance. – disse uma jovem que parecia muito interessada em fazer pose para a lente da TV. - É melhor se afastarem... Olhem a fita de isolamento, por favor..., disse um policial chamado para controlar a situação. - Saiam, por favor! Já falei com modos, afinal sou autoridade, continuou a avisar. - Mais uma vez, por favor, afastem-se! Olhem a fita de isolamento! Isso não é espetáculo! Vão para casa! É muito perigoso permanecer aqui..., insistia o PM. Outro agente chamava a atenção: - Ô, meu filho, largue a fita! Tá brincando, é? Não é brincadeira, não! Se não quer voar pelos ares da cidade, solte a fita, pegue um rumo e vá para casa, que lá é o lugar mais seguro! - Seu “ puliça “ , você não é meu pai! Só saio daqui quando eu quiser, e pronto. – respondeu o garoto desaforado. - É para seu bem, mano.Vou chamar meu superior, O.K. ? Que menino levado! Pensou o policial enquanto procurava o comandante.

Nisso, no ônibus, parado próximo à praça, um pequeno tumulto se formava. As pessoas deixavam seus assentos, tão desejados no dia a dia, e, em pé, perguntavam ao condutor : - O que tá acontecendo? - Vamos ter calma, gente, por favor. O policial esteve ao lado de minha janela e me orientou a retirar vocês. Há suspeita de uma bomba na praça, por isso todos devem deixar o veículo. Por favor, sem agonia, sem pressa! 34

- Como assim... Bomba?, indagou uma senhora. - Tá surda, é, dona? Uma bomba em plena praça, e estamos bem perto do local, grosseiramente, um jovem reforçou. Em meio ao alvoroço, gritos de desespero: - NÃO! NÃO ! NÃO PODE SER! Moço, por favor, abra logo a porta! A tal mochila é minha! Juro, é minha!, afirmou uma senhora no fundo do ônibus. Em seguida, o caos. Para alguns, a mochila se encontrava no coletivo; para outros, a declarada dona do objeto era uma terrorista. Assim, aglomerados e com medo, dirigiram-se à saída gritando: - Abra as portas, motorista! Não dá para ficar aqui! Muitos ficaram nervosos, caíram no chão, foram pisoteados. Uma cena chocante de agonia e aflição. Até mesmo o chofer e o cobrador saíram em disparada, sem saber para aonde ir. O ônibus foi largado na rua. Esqueceram-se de ajudar D. Pérola, coitada, que gritava: -

“A mochila é minha!” Todos os passantes, é claro, afastavam-se dela.

Em breve, o aniversário dos oito anos de Meirinha. D. Pérola, a mamãe mais coruja do bairro, promoveria uma festa bem singular, diferente, à moda antiga. Idealizara fazer na própria rua onde morava. Para isso, já tinha ido à Prefeitura pedir, com sucesso, uma licença. Fecharia, então, a Rua das Flores enquanto durassem os festejos, cerca de duas horas. Muita graça, cor e originalidade marcariam o evento especial de sua única e querida filha. Ideia brilhante, elogiada por todos os moradores, parentes e 35

amigos de Meirinha. Contratou pipoqueiro, carrinho de sorvete, “baleiro” para servir os convidados; na porta da casa, uma mesa repleta de docinhos e um enorme bolo lindamente decorado. Este brindaria, com as velinhas acesas, para a felicidade de todos, o instante mágico dos “Parabéns” . D. Pérola havia pensado, também, em diversões para a turma: jogo da Amarelinha, pintado na rua; além disso, brincadeiras com corda, rodas cantadas, pião, tudo bem definido, orquestrado com gosto. Seria uma festa original, comunitária. Pois bem. Foram semanas para a organização de tudo. D. Pérola tinha certeza do total êxito do plano. Acertos prontos, hora da execução dos trabalhos. Partir para as compras. Procurar, em casas comerciais ou supermercados, produtos mais baratos para a confecção de doces e bolo, artigos para decorar a mesa, a casa, a rua. Coisa boa! Assim pensava ela todas as vezes que saía com essa finalidade. Era tudo quanto desejava: realizar, ao mesmo tempo, o sonho da filhota e a própria fantasia de uma celebração inesquecível. Depois de muitas idas e vindas, encontrou uma loja com preços razoáveis. Aproveitou a chance para adquirir os itens anotados em sua extensa lista. Ufa! Finalmente! Cumprida a missão, bateu cansaço. Uma jornada e tanto, ela concluiu, mas bem satisfeita, pois tudo estava conforme o previsto. D. Pérola colocou os embrulhos dentro de uma velha mochila, de considerável tamanho, que ela teve a ideia de levar no dia da maratona.Isso evitaria que carregasse inúmeros pacotes na triunfal volta para casa. Sentia-se, na verdade, exausta. Caminhou um pouco e resolveu descansar, alguns minutos, em um banco convidativo, na praça, justamente sob uma árvore vistosa.Tão confortável ali...

Sombra boa...Ventinho gostoso... Acomodada, ela comprou um picolé, marca já conhecida, de um vendedor que passava. Para não manchar com os respingos a preciosa mochila, colocou-a embaixo do banco. No interior da mesma, estavam artigos os quais, pela quantidade, representavam peso para seus ombros cansados. A brisa da tarde a acariciava, chamando-a para um cochilo. D. Pérola não resistiu e, durante cerca de 15 minutos, tirou uma gostosa soneca. Foi despertada por uma buzina estridente. - Socorro, meu Deus! Que horas são estas? Eu... Santa Cecília! Vou perder minha condução! Correu para o ponto de ônibus. Agoniada, no entanto, esqueceu-se de pegar – vejam só! – a mochila. O veículo chegou no horário costumeiro. D. Pérola fez sinal com a mão. Subiu os degraus e entrou. Em um lugar ao fundo, sentou-se. Até relaxava um pouco quando percebeu o alvoroço dos passageiros um tanto assustados. Dali mesmo, a voz decidida, estridente, forte: - NÃO! É MINHA MOCHILA! É MINHA MOCHILA!

Mesmo machucada com os empurrões e chega-pra-lá recebidos dentro do ônibus, D. Pérola encontrou forças para chegar à praça e dizer: - Policial? Oh! Policial, posso falar com o senhor? - Dona, afaste-se! Não está vendo a faixa de isolamento? Aqui está muito perigoso... - Mas eu tenho algo a confessar mais importante ainda! - Ah, me poupe! Estamos todos aflitos, aguardando a chegada do Esquadrão antibombas da Polícia Militar e a senhora a me dizer

que tem coisa mais importante... - É... É que... A tensão era demais, e ela se viu em desespero.Afinal de contas, toda a economia feita durante o ano, transformada em artigos do aniversário de Meirinha, estava entocada naquele objeto... – NÃO! Sem mais aguentar o clima, D. Pérola gritou: - Policial, A MOCHILA É MINHA! - O quê? A senhora revelou o quê? - Repito: a mochila é minha! Só me dê passagem, por favor! Assim posso pegá-la e mostrar o que pus dentro dela. Por favor, eu lhe peço! Pelo amor de Deus! - Não é assim, minha senhora, deixar passar... Controle-se, por favor! Tem certeza do que está afirmando? - Tenho sim. Quer saber tudo que ela contém? -Um momento.Vou chamar o comandante. Não saia daí, tá certo? Alguns segundos passaram, no entanto longos para ela como horas. À sua frente, surgiu um homem corpulento, de meiaidade, devidamente uniformizado. Com gentileza, ele quis saber: - Qual o problema, senhora? - Senhor policial, é como já esclareci a seu subordinado: aquela mochila é minha. Ele nem me deixou explicar direito... Minha cabeça vai explodir se eu não recuperar a mochila! Embalados dentro dela há enfeites, lembranças, latas de doces, manteiga, chocolate em pó e granulado, gomas de mascar... Eu comprei isso tudo hoje à tarde para o aniversário de Meirinha. - Mas quem é Meirinha? - É minha filha! Puxa vida... Estou nervosa demais... Guardei todo meu dinheiro para comprar essas coisas. Não gosto de carregar muitas sacolas, por isso arrumei tudo na mochila, entendeu? Por favor! Agora me deixe passar. 38

- Como posso ter certeza de que está falando sério? Não posso me expor nem meus policiais a um perigo desses... Se não for verdadeira sua história? - Tenho lá cara de terrorista? Apenas me deixe entrar, por favor! Aí, pego a mochila, abro e lhe mostro o conteúdo. Senhor, minha festa está lá dentro, os ingredientes do preparo, quero dizer. - Nada!, respondeu o policial. - Vamos aguardar alguém do esquadrão antibombas, O.K.? Não insista! D. Pérola, desanimada, calou-se e começou a observar o parque. Pretendia, de qualquer maneira, furar o cerco, agarrar a mochila, voltar a sua casa e à vida normal. Em que confusão se metera... Ela abalou-se com o gesto do comandante. Procurou um jeito de controlar-se, mas parecia difícil, ou melhor, impossível. Sentia-se ansiosa, aflita para sair daquele embaraço. Percebeu que se tornava o alvo dos curiosos e, envergonhada, procurou afastar-se. Como um gato, espreitou-se apesar da multidão que já invadia a praça. Começou a andar lentamente. Pouco adiante, viu um trecho sem faixa de isolamento, um pouco longe do banco onde se achava a mochila, porém era a única, grande e última chance de chegar até lá. Não é que Deus ajudou? Enquanto ela refletia em como alcançar o banco, por sorte ou força divina, as pessoas distraíram-se com a sirene do carro do esquadrão antibombas. Dai, não deu outra: D. Pérola atravessou a larga rua, com rapidez comparável à de uma leoa, segurou a mochila e a ergueu, mas a ergueu bem alto... Do outro lado da praça, temerosos, todos se abaixaram de vez, TODOS!

Ausência total de palavras.

O silêncio se quebrou três dias depois do caso. Data do aniversário de Meirinha.Tudo, enfim, absolutamente fantástico como D. Pérola antevira. Melhor ainda: um sucesso nacional, pois o ocorrido deixou-a famosa. Assim, foi grande a repercussão da festa. Dela participaram, além de familiares e amigos, emissoras de TV local e, até, de outros estados; autoridades, repórteres e artistas estiveram presentes para conhecer e prestigiar a sensação do momento: a destemida senhora que, sozinha, conseguira desbaratar o mistério da mochila na praça.

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