A IDADE DA ALIENAÇÃO - edição n.º 22 jornal SBNL

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Bandung Uma beleza desconfortável, aceitar que o mundo é como o vemos. Um deixar aparecer o mais patético do ser humano, que não se decide por aprovação. Toda a voz já foi silêncio como antes da vida não estávamos mortos, mas isentos. Como um Deus mortal se debruça sobre o penhasco e deixa ao vento o seu destino, eu me deito sobre o alcatrão em hora de ponta. Em toda esta dança mental parada há espaço para a euforia. Uma euforia do saber, da realidade, do ter sem prender, do ver o mundo que não se entrega, que não precisa de nós. Uma beleza daquelas que nos desorienta e que nos rouba a identidade, para nossa felicidade. Uma natureza férrea e contemporânea que se ergue impessoal e tão belamente desumana, irracional e inevitável. Porque todo o indivíduo foge de si, porque todos nascemos e já sabemos que algo está errado, e tudo está errado porque todos nascemos. Nascemos sobre o que não se percebe e inventamos palavras perante um mundo inominável. Uma beleza desconfortável porque só se extrai da pobreza e da má sorte, uma beleza desconfortável porque não pode ser descrita, uma beleza desconfortável porque no indistinto da sua impessoalidade está a resposta para tudo o que assombra a criatura do ser e a sua contra-criatura, dever-ser. Está lá e é invisível, incomunicável, imperceptível. Uma beleza desconfortável porque não se dá nem se esconde, porque não responde, porque não é absoluta nem particular. Uma beleza desconfortável porque não tem sentido.

Ana B. Pereira


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