Arquitetura e Urbanismo Faculdade de Artes Visuais Universidade Federal de Goiás cultura de baile: identidade e cultura LGBTQIA+ nas ballrooms de Goiânia Isadora Gonçalves Nogueira 2023
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Cultura de Baile: Identidade e cultura LGBTQIA+ nas ballrooms de Goiânia
Isadora Gonçalves Nogueira
Trabalho de conclusão de curso I, apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás.
Orientador: Prof. Dr. Fernando Antônio Oliveira Mello
Fevereiro de 2023
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4 Resumo Introdução Comunidade LGBTQIA+ Cultura Ballroom Cena Ballroom Goiana Lugar Referências Projetuais Partido Referências Bibliográficas 05 06 10 15 26 36 46 56 62
RESUMO
A chamada cena ballroom ganhou destaque nos Estados Unidos, na década de 1980. Os conhecidos bailes eram um dos poucos espaços seguros onde a comunidade LGBTQIA+, duramente perseguida, encontrava acolhimento e liberdade. Reunidos em locais improvisados e marginalizados, por vezes clandestinos, os membros da cultura de baile disputavam diversas categorias entre si, integrando shows, desfiles, dança e moda. Para além do ambiente festivo, os bailes tornaram-se um gueto para a comunidade, firmando-se como movimento político de resistência e contribuindo na criação da identidade desse grupo. Com sua própria estrutura e dinâmica, a cultura de baile propagou-se pelo mundo e, ainda hoje, é parte da vivência LGBTQIA+. Pretende-se, então, compreender a cultura de baile no Brasil, tendo os membros da cena ballroom na cidade de Goiânia como protagonistas e, assim, propor um espaço adequado para esse público. A metodologia se apoiará em pesquisas teóricas, entrevistas, formulários e pesquisas de campo.
Palavras-chave: Ballroom; Cultura de Baile; LGBTQIA+; Arquitetura de Resistência.
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INTRODUÇÃO
Originadas nos Estados Unidos, as ballrooms se popularizaram na década de 1980 e consolidaram-se como lugar de liberdade, diversão, criatividade e mostra de talentos da comunidade LGBTQIA+. Registradas no documentário de Jennie Livingston, Paris is Burning (1990) e, mais recente, na série Pose (2018), de Ryan Murphy, as ballrooms são mais que simples bailes ou festas. Carregam um caráter político de resistência e proporcionam um ambiente seguro para a comunidade, desde os anos de 1950/60.
Partindo do contexto da chamada “cena ballroom” como uma das representações da cultura LGBTQIA+, o objetivo do presente trabalho é compreender como esses bailes chegam e são adaptados ao contexto brasileiro, levando-se em consideração aspectos regionais e sua característica de insurgência e de resistência. Com foco na cidade de Goiânia, pretende-se desenvolver o projeto de um espaço para a cena
ballroom na região central da cidade: um lugar para a valorização, visibilidade e liberdade de corpos muitas vezes marginalizados.
Os balls, ou bailes, estiveram ligados a um público composto majoritariamente por pessoas negras e latinas que combinavam shows, moda, dança e competição:
a community and network of Black and Latina/o women, men, and transgender women and men who are lesbian gay, bisexual, straight, and queer. The Black and Latina/o queer members of this community use performance to create an alternative discursive terrain and a kinship structure that critiques and revises dominant notions of gender, sexuality, family and community (BAILEY, Marlon M. 2011, p. 367 apud PARRINE, Raquel, 2017)1
Vale lembrar que, antes do apogeu das ballrooms, Nova Iorque foi palco de um fato his-
1 “uma comunidade e rede de contatos de mulheres, homens e transgêneros negros e latinos que são lésbicas, gays, bissexuais, heterossexuais e queer. Os membros queer negros e latinos desta comunidade usam a performance para criar um terreno de discurso alternativo e uma estrutura de laços afetivos que critica e revisa as noções dominantes de gênero, sexualidade e comunidade (BAILEY, Marlon M. 2011, p. 367 apud PARRINE, Raquel, 2017, tradução própria)”.
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tórico também protagonizado por LGBTs: a Revolta de Stonewall, que ocorreu em 1969 e reuniu uma série de movimentos contra as frequentes e violentas abordagens policiais que culminavam na prisão de lésbicas, gays, transsexuais e travestis pelo simples fato de externar padrões estéticos e atitudes afetivas em público. Movimentos que chegaram a conflitos extremos entre a comunidade LGBT e a polícia local, tornando-se um marco da luta organizada em garantia de seus direitos civis. Ainda assim, já na década de 1980 e com a culminância das ballrooms, o ambiente sociocultural de Nova Iorque (bem como o do país) pouco evoluiu, continuando dominado pela normatividade branca e heterossexista, perpetuando-se repressões a outras sexualidades e identidades de gênero.
Mesmo que muito tenha sido conquistado desde então, as ballrooms seguem sendo, para muitos, um dos poucos lugares seguros e de livre expressão. Propagada mundo afora, a cultura de baile fundiu-se com as regionalidades de cada local e, no Brasil, resultou numa cena ballroom à brasileira, incluindo gêneros musicais locais nas
apresentações, como o funk, desenvolvendo seus próprios dialetos e adaptando até mesmo suas próprias categorias de disputas.
São diversos os grupos que se mobilizam em defesa da cultura de baile no país. Em Goiânia, a cena foi instaurada há pouco tempo, em 2017. Desde seu marco inicial, transformou-se e ganhou espaço, marcando presença até mesmo em festivais de música, como o Vaca Amarela, realizado em setembro de 2022 no Centro Cultural Oscar Niemeyer. Contudo, mesmo após tanto histórico de luta, a exclusão e marginalização dessa comunidade são evidentes. Assim, umas das principais contribuições do trabalho será discutir e evidenciar a cultura de baile goiana e a luta de minorias marginalizadas, bem como a questão identitária desse grupo. Para além do espaço festivo, pretende-se pensar outras necessidades prementes no que diz respeito a saúde, formação e colocação profissional, direitos civis, moradia temporária, dentre outras demandas que serão mapeadas ao longo da pesquisa. Pensar um lugar de apoio na cidade para a comunidade LGBTQIA+ é assumir e respeitar sua existência, bem
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como materializar sua existência no core urbano. Trata-se de assumir a comunidade em sua complexidade social, indo contra os apagamentos de suas memórias que, em grande medida, pretendem invisibilizar e desarticular os movimentos de luta por igualdade de direitos e de existência.
Por se tratar de um fenômeno recente na cidade e que está em processo de construção, a pesquisa terá um caráter exploratório. Dessa forma, a metodologia se apoiará, principalmente, em pesquisas bibliográficas, na netnografia, em entrevistas, formulários/ questionários e no trabalho de campo de natureza cartográfica. Pretende-se mapear pessoas, grupos, características, conflitos, fluxos e apropriações já existentes. As pesquisas serão teóricas, audiovisuais e também serão analisados conteúdos virtuais em redes como YouTube, Instagram, Twitter e TikTok, visto a vasta produção de conteúdo relacionado ao tema nos meios digitais e nas redes sociais. As entrevistas e formulários/questionários serão realizados com membros da cena ballroom goiana, a partir de um roteiro prévio, porém aberto. As pesquisas de campo
serão realizadas em eventos e bailes promovidos pela comunidade LGBTQIA+. Busca-se, também, com o reconhecimento dos dados e a investigação científica, cartografar a cena ballroom goianiense, representando-a de forma gráfica, de maneira a possibilitar o desenvolvimento de um projeto de arquitetura para o espaço de existência e de manifestação da cultura LGBT na cidade.
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COMUNIDADE LGBTQIA+
Identidades de gênero e orientações sexuais diferentes da heteronormatividade sempre existiram na história da humanidade, sendo interpretadas de formas diferentes de acordo com a época e a cultura. A criminalização dessas relações e expressões de gênero ocorreu à medida que o cristianismo e a moral europeia se expandiram. Na época, a visão da Igreja sobre esses sujeitos e suas práticas tornava-se, gradativamente, mais radical, apoiando-se em concepções equivocadas que julgavam a homossexualidade como antinatural, condenando-a como pecado (SANGIULIANO, ANGELO, 2020). A perpetuação desse pensamento, especialmente por uma instituição tão poderosa, fortaleceu a discrimação contra esses sujeitos, destinando-os à segregação ou à uma vida em segredo.
Somente no fim do século XIX, promovidos por reflexões críticas feitas pelo movimento feminista, iniciou-se questionamentos acerca dos ideias de gênero e suas deter-
minações sociais (BOFFI; SANTOS, 2020). Levadas adiante, essas discussões conquistaram visibilidade, permitindo a elaboração dos primeiros estudos de sexualidade e gênero, introduzidos por Sigmund Freud e Michel Foucault, cujas obras foram fundamentais para os estudos preliminares da teoria queer2 (SANGIULIANO, ANGELO, 2020). Mesmo com a constância e amplificação dos debates sobre o assunto, ainda hoje é enorme a desinformação e a manutenção de ideias equivocadas e violentas contra os que não seguem a lógica binária de gênero.
No contexto norte-americano dos anos 1960, além da opressão pela sociedade, as leis também prejudicavam quem não pertencia à norma heterossexista. Relacionamentos entre pessoas do mesmo gênero eram proibidos em grande parte dos municípios dos Estados Unidos e negavam-se direitos básicos a qualquer indivíduo que vivia sua verdadeira expressão de gênero e de sexualidade (SANGIULIANO, ANGELO, 2020). Além disso, a homossexualidade - nominada erroneamente
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2 Linha teórica de estudos sobre gênero e sexualidade, defendida por teóricos como Judith Butler.
na época de “homossexualismo” - permanecia incluída, de forma equivocada, como uma patologia na CID (Classificação Internacional de Doenças), reforçando o estigma social e, desse modo, contribuindo com a marginalização dessas pessoas (COELHO, 2020).
Nesse cenário carregado de ignorância e preconceito, a comunidade LGBTQIA+ contentava-se com a clandestinidade para promover seus encontros e reuniões. Ainda assim, esses locais eram frequentemente invadidos por policiais, que violentavam e prendiam seus frequentadores e funcionários. No entanto, em meio a uma crescente onda de lutas sociais que marcaram a década de 1960, bem como a insurgência da homossexualidade em revistas, jornais, arte e teatro (LOURO, 2001), ocorreu
uma das primeiras articulações documentadas da comunidade.
No dia 28 de junho de 1969, no bar Stonewall Inn, um dos pontos de encontro para pessoas LGBT em Nova Iorque, acontecia outra batida policial. Todavia, cansados de tanta perseguição e violência, o público presente reagiu. Uniram-se e resistiram à truculência policial, culminando em uma rebelião prosseguida por dias que, posteriormente, ficou conhecida como a Revolta de Stonewall. A partir disso, o movimento de luta em defesa dos direitos civis da população LGBTQIA+ se fortaleceu e, unidos pelo mesmo propósito, estabeleceram-se como comunidade, organizando-se e resistindo. Iniciava-se, assim, um longo período de manifestações e lutas por direitos civis.
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Imagem 1 - Foto da primeira noite das rebeliões. Fonte: site Hypeness.
Imagem 2 - Revolta de Stonewall. Fonte: site Hypeness.
Uma das figuras marcantes em Stonewall foi Marsha P. Johnson. Ativista, drag queen e negra, Marsha frequentava o bar e esteve na linha de frente das rebeliões. Sua vida, documentada no filme A Morte e Vida de Marsha P. Johnson (2017), dirigido por David France, foi marcada por um intenso ativismo. Além de Stonewall, Marsha fundou a Gay Liberation Front3 e, posteriormente, junto de Sylvia Rivera - amiga e companheira nos ativismos -, criaram a Street Transvestite Action Revolutionaries4, oferecendo abrigo e suporte a pessoas LGBTs desabrigadas.
A luta avançava e mostrava resultados otimistas, com um número crescente de pessoas aderindo aos protestos e marchas. Além disso, em 1973, a Associação Psiquiátrica Americana oficializou que a homossexualidade não se caracterizava como doença psíquica ou distúrbio de conduta sexual, acontecimento tido como uma das primeiras grandes conquistas da comunidade LGBTQIA+ (BRASIL, 2002).
No entanto, já na década de 1980, veio outro golpe
3 Frente de Libertação Gay
4 Revolucionários da Ação de Travestis nas Ruas
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Imagem 3 - Revolta de Stonewall. Fonte: site Hypeness.
Imagem 4 - Revolta de Stonewall. Fonte: site Hypeness.
Imagem 5 - Militantes marchando por direitos civis após a Revolta de Stonewall. Fonte: site Hypeness.
Imagem 6 - Militantes marchando por direitos civis após a Revolta de Stonewall. Fonte: site Hypeness.
dado pela desinformação: a epidemia de Aids. A humanidade presenciava, naquele momento, uma doença desconhecida e perigosa que impactou severamente a população LGBTQIA+. Não demorou muito para que o estigma e a discriminação fossem incitados, relacionando a doença à comunidade e culpando-os pela epidemia. Nos meios científicos, a doença era chamada de “Gay Related Immunedeficiency” (GRID), na mídia e entre a população, denominavam-na como “câncer gay” ou “peste gay” (PARKER, 1991, apud TERTO JR., 2002).
Frente à falta de informação e o preconceito, agravou-se a vulnerabilidade da
comunidade. Todavia, mobilizaram-se e enfrentaram a epidemia, articulando-se em organizações não governamentais (ONGs) com ações focadas para a assistência e prevenção da Aids, trazendo assuntos sobre sexo seguro, diversidade, sexualidade e direitos humanos, especialmente àqueles que viviam com HIV/Aids. Essas mobilizações possibilitaram a parceria entre as instâncias governamentais e a sociedade civil. No Brasil, surgiu o Programa Nacional de Controle das DST e Aids, fundamental no combate à epidemia (BRASIL, 2002).
Esse histórico de organização e luta da população
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Imagem 7 - Marsha e Sylvia Rivera durante a Parada de Orgulho Gay de Nova York, em 1978. Fonte: Revista Digital Híbrida.
LGBTQIA+ possibilitou transformações sociais significativas. Ainda assim, é importante pontuar que trata-se de uma comunidade muito ampla que engloba diversas identidades. O sujeito pós-moderno, como explica Hall (2002), possui uma concepção identitária fragmentada, ou seja, que constitui diversas identidades. Portanto, o indivíduo LGBT não é apenas LGBT mas, para além disso, é atravessado por dimensões de classe, nacionalidade, etnicidade, raça e gênero (MONTEIRO; SILVA, 2018). Como indivíduos fragmentados, aqueles mais marginalizados (negros, latinos, travestis e trangêneros) constataram que a postura política dentro da comunidade não os abrangia e suas reivindicações e costumes eram, por vezes, negados. Em busca de uma afirmação identitária, bem como políticas que atendessem suas necessidades, formaram-se guetos, onde reuniam-se com seus semelhantes e podiam expressar-se verdadeiramente. Foi dentro da cultura ballroom que muitos desses indivíduos asseguraram seu direito à liberdade e celebraram sua singularidade.
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CULTURA BALLROOM
Apesar da imprecisão acerca do período de origem da cultura ballroom, bem como seus idealizadores e primeiros bailes, para Lawrence (2011), perseguir tal informação pode nos levar à segunda metade do século XIX, quando, em Nova Iorque, aconteciam bailes de máscaras frequentados por queers5. Um dos primeiros bailes registrados aconteceu em 1869, organizado por Hamilton Lodge em sua residência no Harlem, o Palácio Rockland, considerado o “lugar mais queer” para se estar na época (HARLEM WORLD MAGAZINE, 2021). Posteriormente, no início do século XX, esses bailes passaram a acontecer com maior frequência, visto sua popularização, sendo realizados até mesmo em lugares considerados nobres, como o Madison Square Garden (LAWRENCE, 2011).
Nessas festividades, era comum a prática do travestismo, na qual homens vestiam roupas consideradas femininas, além de usarem peruca e aplicarem maquiagem, enquan-
to as mulheres vestiam roupas consideradas masculinas (LAWRENCE, 2011). Denominados, futuramente, como Drag Queens ou Drag Kings, esses sujeitos encontravam um lugar seguro em meio à uma sociedade heterossexista, que os desprezava. Promovia-se, ali, danças, desfiles e concursos de fantasias.
Como desdobramento do iniciado no século XIX, a
5 Queer: todo indivíduo que não se identifica com a heterocisnormatividade, ou seja, com a imposição da heterossexualidade ou cisgeneridade.
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Imagem 8 - Palácio Rockland, no Harlem. Fonte: Harlem World Magazine.
Imagem 9 - Página de revista mostrando os bailes. Fonte: Harlem World Magazine.
cultura ballroom começava a se firmar principalmente no Harlem, bairro com grande concentração de bailes, cujo número de frequentadores aumentava cada vez mais. Cabe destacar que, na década de 1920, o Estado de Nova Iorque começou a intensificar suas reações às relações homossexuais, criminalizando-as e, consequentemente, atacando os bailes. Na tentativa de contê-los, os policiais aumentaram significativamente a regulamentação e os aprisionamentos. Ainda assim, o grupo permanecia crescendo e se fortalecendo, reunindo milhares de pessoas nesses eventos (LAWRENCE, 2011).
Já na década de 1960, surgiram questionamentos sobre questões raciais evidenciadas nos bailes, o que levou a cultura ballroom a se estabelecer da forma conhecida atualmente. Embora houvessem participantes negros e brancos, as competições favoreciam as queens brancas, que levavam a grande maioria das premiações. Dessa forma, a cena começou a se fragmentar e as queens negras introduziram seus próprios bailes.
Uma das poucas queens
negras a vencer um baile organizado por brancos foi Crystal LaBeija, retratada no documentário The Queen (1968), dirigido por Frank Simon. LaBeija combatia o viés racista predominante nos bailes e, unindo-se a outra drag queen, Lottie, promoveram um evento exclusivo para queens negras, o “Crystal & Lottie LaBeija presents the first annual House of LaBeija Ball”6 (LAWRENCE, 2011). Essa união, seguida do baile, foi determinante na formação das Houses, ou Casas - um tipo de estrutura familiar criada na comunidade que abriga jovens expulsos de casa por suas famílias biológicas -, bem como para a consolidação da cultura ballroom, como hoje é conhecida.
6 Crystal e Lottie LaBeija apresentam o primeiro baile anual da Casa LaBeija.
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Imagem 10 - Pepper LaBeija. Fonte: documentário The Queen, de Frank Simon (1968), YouTube.
Casas ou Houses
As chamadas Houses, ou Casas, refletem a estrutura de laços afetivos estabelecida entre os membros dessa cultura. O termo, portanto, não se refere a edificações concretas, mas à maneira que esses sujeitos se relacionam socialmente. São formadas por grupos de jovens LGBTQIA+ que oferecem moradia, apoio afetivo, proteção e suporte financeiro para outros membros da comunidade. Além disso, participam dos bailes, buscando reconhecimento com as premiações. É
importante destacar que muitos dos jovens que recorrem às Casas foram rejeitados por suas famílias biológicas. Na vivência LGBT, cenários de intolerância familiar são lamentavelmente comuns, acarretando em violências, humilhações e completo desprezo. Dado o histórico da comunidade, marcado pela forte estigmatização e preconceito, sobretudo nas décadas de 1960 a 1980, muitos jovens encontravam-se desamparados, sem apoio algum de suas famílias, levando-os à procura de abrigo como questão de sobrevivência e acolhimento.
Com o apoio e suporte oferecidos nas Casas, criou-se
relações familiares, mesmo sem possuírem nenhum grau de parentesco. O funcionamento das houses segue uma hierarquia: a coordenação e as regras são estabelecidas por uma mother (mãe) e/ou father (pai), representados, geralmente, por membros mais velhos da comunidade, capazes de oferecer suporte e aconselhar os mais novos, suas children (crianças ou filhos), que herdam o sobrenome correspondente à Casa, representando-a nos bailes e estendendo seu legado.
O “Crystal & Lottie LaBeija presents the first annual House of LaBeija Ball”, promovido em 1972, marcou a formação da primeira House. A partir disso, começaram a surgir outras Casas que se espalharam por Nova Iorque, especialmente no Harlem e Brooklyn, protagonizadas por pessoas negras, latinas e transsexuais (LAWRENCE, 2011). Muitas das Houses que surgiram entre as décadas de 1970 e 1980 mantiveram seu legado até os dias atuais, como a House of Xtravaganza, a House of LaBeija e a House of Ninja, mencionadas em Paris is Burning (1990).
Para além dos bailes e competições, esses grupos ofereciam um lugar de apoio,
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tanto financeiro quanto afetivo, incluindo pessoas habituadas com exclusões, abandono social, político e familiar, bem como uma série de violências. Reunindo-se entre seus semelhantes, encontraram, pela primeira vez, o sentimento de pertencimento. Percebe-se, então, que os bailes não eram apenas um lugar de entretenimento, mas também um espaço seguro para indivíduos marginalizados. Um lugar onde tinham liberdade para celebrar e serem quem verdadeiramente são.
Bailes ou Balls
Os bailes, ou balls, um dos pilares da cultura ballroom, tiveram seu apogeu na década de 1980. Promovidos pelas Casas e usualmente realizados em locais clandestinos, caracterizam-se como eventos protagonizados por pessoas negras, latinas, periféricas, transsexuais e travestis da comunidade, onde realizavam uma série de performances e desfiles, além de concorrerem em categorias específicas. As categorias se
estabeleceram ao longo dos anos, desempenhando um papel importante a partir do baile promovido por Paris Dupree em 1981, o Paris is Burning, como apontado por Kevin Ultra Omni, fundador da House of Omni. Surgiram, então, diversas outras categorias: “[...] Then in the early 1980s, we separated the categories out, so there was a category called butch realness and another called models effect and another called face. Then we created all these other categories, like executive, town and country, ethnic, and they continued to develop through the eighties”7 (LAWRENCE, 2011).
A preparação para um baile exigia grande esforço dos competidores e ainda mais dos organizadores. Participar e/ou promover um baile trazia reconhecimento e grandeza para as Casas, especialmente para a dos ganhadores. Os participantes apareciam em trajes elaborados, adaptando-os de acordo com a categoria na qual competiam, que eram diversas: Moda Parisiense, Estilo Execu-
7 “Então no começo dos anos 1980, nós separamos as categorias, então tinha a categoria chamada butch realness e outra chamada models effect e outra chamada face. Então criamos todas essas outras categorias, como executivo, cidade e campo, étnico, e elas continuaram se desenvolvendo durante os anos oitenta” (LAWRENCE, 2011, tradução própria).
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tivo, Traje de Alta Costura, Supermodelo, Realness8 etc. Além de demonstrarem seus talentos artísticos e criatividade, buscavam impressionar o público e os jurados, que os avaliavam e decidiam quem seria o vencedor. Aqueles que levavam o Grand Prize9, representavam toda a Casa a qual pertencia. Além de estabelecerem categorias e certos rituais, desenvolveu-se também nos bailes dialetos específicos que denominavam comportamentos ou características pertencentes à cultura. Um exemplo disso é a prática denominada de
throwing shade (jogar shade), muito comum entre os competidores dos bailes, que consiste na ação de sutilmente insultar seu rival usando movimentos corporais. Essa prática influenciou o surgimento da notável dança conhecida, atualmente, como Voguing, ou Vogue.
8 Categoria que “vende” uma realidade proposta.
9 Grande Prêmio.
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Imagem 11 - Baile em Nova Iorque, no Harlem, 1988. Foto: Catherine McGann.
Imagem 12 - Desfile de moda em um baile de Nova Iorque, cena retirada do documentário Paris is Burning. Fonte: Everett Collection.
Imagem 13 - Dançarinos de vogue. Fonte: site revista Vogue Australia.
Voguing ou Vogue
O Voguing, também chamado de Vogue, é um estilo de dança que surgiu dentro da cultura ballroom, sendo introduzido em diferentes categorias dos bailes. Possui três subdivisões, o Old Way10, o New Way11 e o Vogue Femme12. Sua origem, segundo David DePino, importante DJ da comunidade vogue, deu-se em um clube noturno chamado Footsteps, em
Nova Iorque:
Paris Dupree was there and a bunch of these black queens were throwing shade at each other. Paris had a Vogue magazine in her bag, and while she was dancing she took it out, opened it up to a page where a model was posing and then stopped in that
pose on the beat. Then she turned to the next page and stopped in the new pose, again on the beat. [...] Another queen came up and did another pose in front of Paris, and then Paris went in front of her and did another pose [...] This was all shade—they were trying to make a prettier pose than each other—and it soon caught on at the balls. At first they called it posing and then, because it started from Vogue magazine, they called it voguing (LAWRENCE, 2011).13
Seguindo o ritmo da música e posando como modelos da revista Vogue, os competidores também abusavam de expressões faciais, alimentando o shade na competição. A notável dança extrapolou os limites dos bailes por conta
10 Modo clássico do voguing, como realizado na década de 1980.
11 Voguing com novos desdobramentos, incorporados na atualidade.
12 Um dos desdobramentos do estilo New Way.
13 “Paris Dupree estava lá e um monte dessas queens negras estavam jogando shade umas nas outras. Paris tinha uma revista Vogue em sua bolsa e enquanto estava dançando, ela tirou da bolsa, abriu em uma página onde tinha uma modelo posando e parou naquela pose com a batida da música. Então ela virou para a próxima página e parou em uma nova pose, novamente junto com a batida. [...] Outra queen veio e fez uma outra pose na frente de Paris, e então Paris foi na frente dela e fez outra pose (...). Isso tudo era shade - elas estavam tentando fazer uma pose mais bonita que a outra - e isso logo pegou nos bailes. Primeiro eles chamaram de posing e depois, por ter começado por conta da revista Vogue, chamaram de voguing” (LAWRENCE, 2011, tradução própria)
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da “necessidade do acompanhamento de uma música para o Voguing” (SANTOS, 2018). Dessa forma, alguns membros praticavam seus movimentos em clubes noturnos e discotecas de Nova Iorque, o que chamou atenção de DJs e outros frequentadores do local, colaborando com a divulgação da dança. Assim, no final da década de 1980, a dança vogue começava a aparecer nas mídias e redes de comunicação da época, como jornais, televisão e revistas, elevando sua visibilidade (SANTOS, 2018).
Nesse cenário, alguns dançarinos de vogue participaram de importantes eventos, como desfiles de grandes marcas e videoclipes musicais. Além disso, no início da década de 1990, Jennie Livingston lançava seu premiado documentário Paris is Burning, fundamental na divulgação da cultura ballroom, bem como do voguing. A cultura também foi notada pela cantora Madonna, ícone pop, que lançou a música chamada Vogue, acompanhada por um videoclipe com integrantes dos balls, levando-os também em sua turnê mundial, a Blond Ambition Tour. Tais acontecimentos foram marcantes para a comunidade, colocando-a em
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Imagem 16 - Dançarino de vogue. Fonte: documentário Paris is Burning (1990).
Imagem 17 - Dançarino de vogue. Fonte: documentário Paris is Burning (1990).
Imagem 15 - Dançarino de vogue. Fonte: documentário Paris is Burning (1990).
Imagem 14 - Dançarino de vogue. Fonte: documentário Paris is Burning (1990).
evidência para o público geral. Contudo, há ressalvas quanto à apropriação e a forma de representação adotadas tanto por Livingston quanto por Madonna, que supostamente utilizaram a cultura como meio lucrativo e de autopromoção, colocando os próprios membros da ballroom em segundo plano e sem a devida recompensa financeira (LAWRENCE, 2011).
Independente de sua popularização fora da cena ballroom, o voguing é parte fundamental em sua construção. No contexto que está inserida, a dança surge como for-
ma de resistência e, ao mesmo tempo, crítica social. O voguing inclui movimentos que exploram e evidenciam corpos marginalizados, é uma demonstração de liberdade. Além disso, a imitação das poses feitas por modelos em grandes revistas traz a reflexão acerca dos espaços ocupados pela comunidade, que é extremamente segregada; levanta-se, então, questionamentos sobre onde são “bem-vindos” e se, em algum momento, seriam os seus corpos e/ou de seus semelhantes representados naquelas revistas.
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Imagem 18 - Dançarino de vogue. Fonte: documentário Paris is Burning (1990).
Cultura Ballroom Atualmente
A cultura ballroom enfrentou dificuldades no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, impactada pela perda do interesse popular sobre a cultura e com a morte de muitos membros da comunidade, incluindo alguns dos mais renomados como Papper LaBeija, Willi Ninja e Paris Dupree, que faleceram no início dos anos 2000 devido à complicações da Aids. Permaneceram, então, marginalizados, com raras exceções alcançando algum sucesso e condições financeiras adequadas. Somando isso, indagou-se acerca do fim da cultura ballroom (SANTOS, 2018). No entanto, notou-se uma nova leva de membros que se apropriaram desse espaço e, mesmo fora dos holofotes midiáticos, o número de houses só cresceu, como apontado por Lawrence (2011). Difundindo-se mundo afora, a cultura ballroom está em constante expansão e transformação, sendo parte fundamental da vivência e história LGBTQIA+. Atualmente, além de oferecerem um lugar seguro, protagonizam ações essenciais para a comunidade, como a prevenção contra o HIV. As houses, junta-
mente às autoridades locais e ONGs, investem nesse movimento, iniciado na década de 1990 com a criação da House of Latex e a realização de um baile anual destinado à conscientização dos membros e à arrecadação de fundos para campanhas contra o HIV (LAWRENCE, 2011).
É importante indicar que, o contexto apresentado anteriormente acerca do funcionamento das ballrooms é ligado à cultura norte-americana, visto sua origem na periferia de Nova Iorque. Ainda que o funcionamento das ballrooms pelo mundo seja ditado por esse contexto e replique suas normas, nota-se variedades em seu funcionamento de acordo com a localização, como afirma Santos (2018):
Da mesma forma que os Ballrooms na atualidade não são mais exatamente a mesma dinâmica observada em sua fase de explosão midiática nos anos 1980, apesar de uma constante luta pela permanência de certas regras, rituais e atividades, é ingênuo pensar que sua migração para localidades bastante diversas ao que se tem na cidade de Nova York no bairro do Harlem, não irá
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promover mudanças e alterações conforme o transcorrer de sua transnacionalização (SANTOS, 2018).
Imagem 19 - Izzy Feiticeira, jurado do ball Floripa is Burning (2021). Fonte: Matheus Trindade.
Imagem 21 - Casa das Feiticeiras nno ball Floripa is Burning (2021). Da esquerda para a direita: Manu, All, Ever, Luiza, Will, Deca, Izhy, Maritza e Lucas Lara. Fonte: Matheus Trindade.
Imagem 20 - Manu Feiticeira, dançando vogue no ball Floripa is Burning (2021). Fonte: Matheus Trindade.
CENA BALLROOM GOIANA
As práticas da cultura ballroom alcançaram, em especial, o Brasil, chegando em Brasília em 2011, com a criação da House of Hands Up, primeira house brasileira, como afirma Alexandra (2023). Daí em diante, a cultura propagou-se país afora, originando a cena goianiense, em 2017, quando, segundo Silva (2021), três artistas goianos viajaram pelo país a fim de estudar e pesquisar a cultura ballroom. Juntos, fundaram a Kiki House14 of A’trois, pioneira na cidade, tendo Flavys A’trois e Gleyde A’trois como mothers e Lucas Syuga A’trois como father. Posteriormente, surgiram outras Casas, como a House of Witch e a Casa Dionisi. Além dessas, existem, atualmente, a Casa Maldosa, a House of Juicy Couture, a Casa de Euforia e a Casa Laroyê.
2023). Ainda assim, as houses resistiram e, especialmente no pós-pandemia, voltaram a promover eventos pela cidade. Vale ressaltar a importância da criação e manutenção dessa comunidade como rede de apoio, considerando que, atualmente, o Brasil é o país que mais mata pessoas transsexuais e travestis no mundo, de acordo com a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transsexuais). Portanto, no contexto goianiense, destaca-se projetos como o Cultura de Baile Goiânia, idealizado pela Casa Laroyê em 2021, e o COB.TV (Centro Oeste Ballroom TV/Central Online Ballroom), que colocam a comunidade LGBTQIA+ negra e periférica em evidência, registrando e divulgando a cena como forma de prestigiar sua história e promover mudanças sociais.
Em publicação feita no Instagram, os idealizadores dos projetos afirmam:
As ballrooms goianienses tiveram seu clímax em 2019, mas foram amenizadas em 2020, devido à pandemia de COVID-19 (ALEXANDRA, 14 “Atualmente o termo House ou Haus é utilizado para nomear as maiores houses na cena mainstream, que possuem expansão e integrantes internacionais. Já o termo kiki house é utilizado para nomear casas que se manifestam dentro de uma determinada realidade local, regional, ou nacional. Ambas se constituem conceitualmente enquanto houses” (SILVA, 2021)
A Cultura de Baile em Goiânia é um projeto político de vida construído e fundamentado pela Casa de La-
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royê no ano de 2021, quando pessoas trans e travestis racializadas fora da branquitude (negras e originárias) voltaram a frequentar as ruas da cidade no período pós-pandemia. [...] a Cultura de Baile é a forma Goiana de construir e adentrar à comunidade Ballroom, a partir das nossas corporalidades, demandas territoriais, afetivas, profissionais e tudo mais que pudermos alcançar para que o bem viver de pessoas trans e travestis negras e originárias, periféricas e positHIVas de nosso território possa ser possível (CULTURA
DE BAILE GOI NIA, 2022).
A COB.TV é um projeto híbrido criado na Comunidade Ballroom para o mundo. Colocando a comunidade LGBTQIA+ preta y periférica em destaque. Uma plataforma de produção e difusão de conteúdo sobre a Cultura Ballroom através da comunicação de impacto. Um acervo central de arquivos para o registro histórico da Ballroom no Centro Oeste do país, mantendo assim, o compromisso com a comunidade de ter sua história contada garantindo o acesso a informação. A proposta de profissionalização de nossas atividades, junto a
uma devolutiva social para a comunidade que atuamos. Uma potência para a realização de ações que causem impacto social junto a oportunidade de desenvolvimento de negócios sociais. Um trabalho que conta com a colaboração de cada pessoa que constrói a Comunidade Ballroom de alguma forma [...]. Registrar para eternizar. Criando para impactar (COB.TV, 2020).
Para compreender melhor a cena ballroom goianiense, faz-se necessário apresentar alguns eventos realizados na cidade durante o ano de 2022, divulgados em redes sociais pelas Casas, organizações e seus membros.
Baile da Restituição
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Imagem 22 - Publicação de divulgação do baile no Instagram. Fonte: Cultura de Baile Goiânia e Festival Vaca Amarela.
O Baile da Restituição foi realizado no dia 16 de setembro de 2022, no Centro Cultural Oscar Niemeyer, em Goiânia. Foi organizado através de uma parceria entre o coletivo Cultura de Baile Goiânia com o festival Vaca Amarela, evento importante de música e diversidade na cidade que realizou sua 21º edição. Suas categorias dividiram-se em:
i) Runway (Fechado - corpos trans): categoria fechada para celebração de corpos trans, ou seja, somente pessoas transsexuais ou travestis poderiam participar. Os participantes deviam desfilar por uma passarela, afirmando sua beleza e poder. No evento, homenagearam o Iyalodês, festival de artes trans que mapeia a produção artística local.
ii) Hands Performance (Apt“Amarelo”): é um dos elementos do Vogue Femme e configura-se como uma categoria específica nos bailes. O objetivo era criar uma narrativa explorando movimentos feitos com os braços, mãos e dedos, seguindo a batida da música. Era obrigatório o uso de um objeto ou acessório de cor amarela nas mãos.
iii) Face (Fechado - Transmasculinidades. “Beleza Ancestral”): categoria fechada para transmasculinos. O objetivo era destacar o rosto dos participantes, exaltando seus traços e beleza ancestrais. Aqui, expressões faciais são valorizadas, o famoso “carão”.
iv) Batekoo (Fechado - “Pessoas Grandes e Gordes Racializades”): categoria fechada para pessoas racializadas, grandes e gordas. Foi o momento para colocar o corpo em movimento, especialmente os quadris, como o nome sugere, acompanhando batidas de funk e brega funk.
v) Baby Vogue X Beginners (Apt - “Prepara-trans”): categoria que celebrou o projeto do cursinho Prepara Trans, que atuou de 2016 a 2021 na luta pelo acesso à educação de pessoas transsexuais e travestis em Goiânia e região. Seus participantes são membros novos da cena ballroom que poderiam performar o vogue na subdivisão de sua escolha (Old Way, New Way ou Vogue Femme). O traje era livre, mas era obrigatório utilizar algum elemento que remetesse à educação.
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vi) Vogue Femme (FechadoFemme Queens “Salve suas forças”): categoria fechada para mulheres trans e travestis. A categoria buscou evidenciar a violência que atinge mulheres trans e travestis no Brasil, país que mais as assassina no mundo. Buscaram, também, reforçar como a cultura de baile é construída por e para elas como forma de sobrevivência.
Com o apoio do próprio festival, cada categoria contou com prêmios em dinheiro. O line-up do baile contava com a participação da Princesa Karliiz Laroyê e a mãe Aurora Crystal Abloh como chanter15, a mãe Gustava Souza Laroyê como comentadora, Lukas Laroyê como host16 e Maurício Ture e Odara Manicongo Laroyê como DJs. Os jurados contavam com a mãe Pietra Laroyê, Princesa Andry Laroyê, Imperatriz Alêzinha Mamba Negra, mãe Flavys A’trois e Orí 00717.
Workshop de Chant e de Old Way
O workshop foi realizado no Centro Cultural da Universidade Federal de Goiás (UFG), no dia 15 de setembro de 2022. Ministrando o workshop de Chant, a mother Aurora Cristal Abloh, da cena de Brasília, demonstrou e ensinou sua potência vocal. O workshop de Old Way, por sua vez, foi ministrado pelo Legendary Sintra 007, dançarino que domina esse estilo vogue. Os organizadores pediram a colaboração de R$ 10,00 para os interessados em participar.
15 Narração. Uma das pessoas responsáveis por comandar o evento. Pessoa que faz o chant, ou seja, narra a batalha e interage com o público, acompanhada por uma batida musical.
16 Anfitrião. Uma das pessoas responsáveis por comandar o evento. Narra o baile e interage com o público.
17 Pessoas que participam dos bailes mas não estão associados a uma Casa adotam o “007” após o nome.
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Imagem 23 - Publicações de divulgação dos workshops no Instagram. Fonte: Cultura de Baile Goiânia.
Made in Roça Ball
A’trois e da mother Rodrag Witch, pioneiras da cena ballroom em Goiânia. A Legendary Elvira Cachorra 007 foi a host e chanter do evento. A música foi comandada pela DJ Legendary Ursula 007, que agitou o baile. Suas categorias, todas com Grand Prize18 e Cash Prize19, eram:
i) Runway (Looks All Jeans): categoria onde os participantes deveriam desfilar e posar na passarela utilizando trajes compostos inteiramente por peças jeans, exibindo o “look”.
O Made in Roça Ball celebrava os cinco anos da cena na cidade, iniciada em 2017, e ocorreu no dia 24 de setembro de 2022, na Federação de Teatro de Goiás (FETEG), localizada no Setor Sul, em Goiânia. O baile contava com bar no local, pedia a contribuição de R$ 10,00 com nome na lista e R$ 15,00 na portaria. Além disso, contava com uma Lista T, na qual pessoas transsexuais ou travestis que enviassem o nome via direct do Instagram, entravam no evento gratuitamente. O painel de júri contou com a participação da mother Pietra Laroyê, mother Flavys
ii) Baby Vogue (Look estampado de vaquinha): destinada a competidores novos na cena, que deveriam dançar vogue, mostrando suas técnicas em trajes estampados de vaquinha.
iii) Batekoo (Irmãs Caipirinhas (Tag Team)): a categoria exigia inscrição prévia pelo direct do Instagram. A participação era em dupla, que deveria apresentar uma coreografia ao som de funk ou brega funk, com duração de 1 minuto. Os looks também foram avaliados, sendo fundamental a semelhança nos trajes da dupla.
18 Grande prêmio, não necessariamente em dinheiro.
19 Prêmio em dinheiro.
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Imagem 24 - Publicação de divulgação do baile no Instagram. Fonte: Cultura de Baile Goiânia.
iv) Old Way (Looks em tons terrosos): os participantes deveriam performar a dança vogue seguindo o estilo Old Way. Seus trajes deviam exibir paletas em tons terrosos, remetendo ao território, terras e natureza.
v) Vogue Femme Ota (A dona da boiada): a categoria foi aberta para todos os interessados em participar, desde que seguissem os movimentos dessa subdivisão do vogue. Os trajes deveriam representar poder e liderança.
Aulão de Redação para o Enem 2022 + Treino de Vogue Femme
sino Médio (ENEM), a Casa de Laroyê, junto à Cultura de Baile Goiânia, ofereceram aulas de redação para pessoas da cena ballroom, bem como para pessoas trans e travestis. As aulas aconteceram no dia 15 de outubro de 2022, no Lago das Rosas, sendo lideradas pela mãe Gustava Laroyê. Em seguida, realizou-se Treinos de Vogue Femme, comandados pela Princesa Andreza Laroyê.
Ball do Comboio
Pensando na aproximação do Exame Nacional do En-
O Ball do Comboio fez parte da programação da Mostra Comboio - Mostra de Ações Culturais e Artísticas do Instituto Federal de Goiás, Campus Aparecida de Goiânia. Realizado entre os dias 19 e 22 de Ou-
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Imagem 25 - Publicação de divulgação do aulão e treino no Instagram. Fonte: Cultura de Baile Goiânia.
Imagem 26 - Publicação de divulgação do baile no Instagram. Fonte: Cultura de Baile Goiânia.
tubro de 2022, no próprio IFGAparecida de Goiânia, a Mostra contou com uma programação rica, diversa e totalmente gratuita, oferecendo oficinas de vogue e outros estilos de dança, apresentações artísticas, batalhas de danças (com premiação em dinheiro), batalhas de MCs (com premiação em dinheiro), oficina de mixagem e um encontro de tambores.
O baile ocorreu no dia 19 de outubro e contou com a participação de Karliiz Lebara como chanter, Flávys A’trois como comentadora e Fernanda A’trois como host. As juradas foram: mãe Lanna Maldosa, Princesa Andry Laroyê e Sofia Witch. As categorias, todas com premiações em dinheiro, dividiram-se em três:
i) Runway: durante o desfile e caminhada, os participantes reconheciam o curso de Técnico Integrado em Modelagem do Vestuário (EJA) do IFG, “nos lembrando que cedo ou tarde o importante é caminhar rumo aos nossos sonhos e realizá-los” (FLAVYS ATROIS, 2022). O traje era livre.
ii) Hands Performance: nessa categoria, os participantes deveriam demonstrar respeito
e gratidão pelos profissionais da pedagogia através de movimentos realizados com as mãos e braços.
iii) Vogue Femme Ota: aqui, os participantes deveriam mostrar o poder da arte e da educação, utilizando seus corpos e movimentos característicos do Vogue Femme.
Mini Ball de Natal
O Mini Ball de Natal foi promovido pela Cultura de Baile Goiânia, no dia 25 de Dezembro de 2022, na casa da mother Stormy Matamba, com o objetivo de celebrar o natal juntos, oferecendo um espaço para aqueles que não possuíam
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Imagem 27 - Publicação de divulgação do baile no Instagram. Fonte: Cultura de Baile Goiânia.
companhia. Durante a semana do evento, promoveram treinos de Runway, Old Way, Vogue Femme e Chant. O evento era gratuito para pessoas trans e travestis, mas pedia colaboração de R$ 10,00 para os demais, valor que seria destinado a ações sociais e culturais da cena ballroom. As categorias do evento foram Baby Old Way, Baby Vogue Femme, Face (fechado para pessoas trans e travestis), Runway com objeto natalino, Vogue Ota, Realness Performance, Batekoo, Cata o Beat, Beginners e Baby Comentador X Baby Comentador
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Imagem 28 - Publicação de divulgação do baile e do treino no Instagram. Fonte: Cultura de Baile Goiânia.
Imagem 29 - Publicação de divulgação do baile e do treino no Instagram. Fonte: Cultura de Baile Goiânia.
Imagem 30 - Publicação de divulgação do baile e do treino no Instagram. Fonte: Cultura de Baile Goiânia.
Imagem 31 - Publicação de divulgação do baile e do treino no Instagram. Fonte: Cultura de Baile Goiânia.
Particularidades das balls de Goiânia
Como mencionado anteriormente, o funcionamento das ballrooms apresenta certas variedades de acordo com a localidade e mantém alguns aspectos semelhantes aos realizados nos Estados Unidos. É o caso da cena goianiense. Observando o funcionamento dos bailes apresentados, percebe-se que alguns nomes e termos são mantidos no original, em inglês, promovendo uma experiência parecida com a norte-americana. Em relação à música e dança, houve a introdução de passos e músicas do gênero funk e brega funk durante as performances, realçando a cultura brasileira nessas práticas, especialmente na categoria Batekoo, evidenciando a inserção dessa cultura no contexto regional. Percebe-se essa mesma característica no Made in Roça Ball, com o tema completamente enraizado na cultura regional goiana, caracterizada pelo peão, sertanejo, uso de botas, chapéus e jeans, conceito proposto pelos organizadores do baile. Ademais, nota-se a valorização do voguing, que destaca-se em todos os eventos. Em relação aos workshops, percebe-se que, para além de sua função de aprendizado, esse espaço de socialização é a oportunidade de interação de novos membros com aqueles já estabelecidos dentro da comunidade ballroom. Além disso, é uma forma de divulgação da cultura, visto que podem ensinar uma parte de suas peculiaridades e características, além de chamar a atenção de outras pessoas que podem se interessar e adentrar na cena. Cabe mencionar a importância das aulas de redação promovidas pela e para a comunidade ballroom. Considerando a vulnerabilidade social desses sujeitos, o acesso à educação de qualidade é dificultado. A oferta de aulas acessíveis e a possibilidade de adentrar em universidades é fundamental para iniciar mudanças sociais na vida dessas pessoas.
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LUGAR
Setor Central como referência para a comunidade LGBTQIA+
Em Goiânia, o Setor Central apresenta-se como parte principal do projeto e da formação da cidade, pensado para comportar usos, em sua maioria, institucionais, comerciais e de serviços, concentrou, por muito tempo, a vida urbana da cidade. Todavia, como apontado por Rosa (2021), como parte mais dinâmica da cidade, o centro sofre constantes transformações em suas formas de apropriação. De algumas dé-
cadas para cá, observa-se mudanças de usos e, por vezes, um esvaziamento dessa região, sobretudo como área residencial e comércios que antes a caracterizavam como centralidade principal. Além disso, usos consolidados, incluindo os institucionais, se deslocaram para localidades consideradas mais valorizadas. O autor afirma, ainda, que surgiram novos usos e ocupações, especialmente no período noturno, contribuindo para evitar o completo abandono do centro.
Atualmente, a região possui uma disparidade visível em relação a seu funcionamen-
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Brasil
Goiás
to diurno e noturno. Em horário comercial, percebe-se a predominância de atividades comerciais e de prestação de serviços, com intensa movimentação de automóveis e pessoas. Já no período noturno, o centro passou a ser visto como um lugar ocupado pelos “marginalizados”, entre eles, membros da comunidade LGBTQIA+. É possível, então, identificar certos territórios queer na região, compreendendo espaços que possuem relações de gênero, poder e domínio, que foram estabelecidas por processos político-sociais ocorridos ao longo do tempo (ROSA, 2021).
Os ditos sujeitos “marginais” - que vivem à margem dos padrões sociais e da moral religiosa - circulam e habitam o centro, encontrando uma região no meio urbano para suas existências e manifestações. A ocupação desses espaços por esses corpos “marginais” caracteriza-se como uma forma de resistência, “uma vez que sua presença constitui um exercício de poder contrário à produção heterocêntrica, hegemônica e normativa do espaço urbano” (MISKOLCI, 2016, p.24 apud ROSA, 2021).
37 Goiânia Setor Central
Onde no Centro?
Entendendo o Setor Central como lugar de intensa movimentação LGBTQIA+, faz-se necessário apontar alguns espaços que ocupam ou que já foram ponto de encontro da comunidade. Vale ressaltar que, devido à forte repressão moral presente na cidade, alguns desses locais seguiam e/ou seguem aspectos de clandestinidade.
Segundo Vaz e Mello (2021), na década de 1980, bares gays se estabeleceram na rua 8 com a rua 2 e na rua 4 com a rua 24. Posteriormente, em 1996, realizou-se, pela primeira vez, a Parada do Orgu-
lho LGBT em Goiânia, tendo a Praça Cívica como ponto principal. Além disso, a região que compreende as ruas 2, 6, 7 e 8 era identificada como ponto de encontro de garotos de programa durante a noite. Ademais, o lazer noturno é marcado por membros da comunidade, que frequentam a Rua do Lazer, os bares Zé Latinhas e Liberté, na rua 8, e o Babylon Liberty Pub, na rua 7. Enquanto isso, no período diurno, funcionam saunas, clubes, cinemas adultos - com destaque para o Cine Astor - e hotéis rotativos destinados a esse grupo. Rosa (2021) também identificou outros territórios queer, apontados no mapa a seguir.
38 Av. Goiás rua 7 Av. Araguaia rua1 Praça Cívica Av.Tocantins rua 8 Av.Anhanguera 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 rua4 rua5 Av.Paranaíba Av. Goiás rua4 Av.Anhanguera rua3 rua5 Av.Paranaíba Av.Anhanguera rua2 Av.Tocantins Av. Araguaia rua3
1. Lan House A
2. Supermercado Bretas
3. Lan House B
4. Banheiro Vila Cultural
5. Cine Astor
6. Lan House C
7. Yes Bar e Pub
8. Lan House D
9. Athena Pub
10. Banheiro Grande Hotel
11. Babylon Liberty Pub
12. Lan House E
13. Banheiro Shopping Araguaia
14. Lan House F
15. Saunda Très Chic
16. Benzinho e Cine Santa Maria
N
17. Cine Apollo
0 100 200 400m
Territórios Queer (2015-2020). Elaboração da autora baseada no mapa feito por Rosa (2020).
Mapa 1 - Territórios Queer (2015-2020). Elaboração da autora baseada nos dados levantados por Rosa (2020).
Observa-se, ainda, nessa região, a promoção de eventos destinados à comunidade. O mais recente ocorreu em janeiro de 2023, onde representantes do movimento LGBTQIA+, junto a empresas, entidades governamentais e ONG’s, promoveram uma semana de atividades em celebração ao dia da visibilidade trans, comemorado no dia 29 de janeiro, passando pelo Colégio Lyceu, na rua 21, pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Políticas Afirmativas, na rua 99 e em setores do entorno, como o Setor Sul e o Setor Marista.
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Imagem 32 - Publicação de divulgação do evento no Instagram. Fonte: Parada Goiás.
Imagem 33 - Publicação de divulgação do evento no Instagram. Fonte: Parada Goiás.
Imagem 34 - Publicação de divulgação do evento no Instagram. Fonte: Parada Goiás.
Imagem 35 - Publicação de divulgação do evento no Instagram. Fonte: Parada Goiás.
Local de intervenção
Todo esse mapeamento - de lugares, práticas, usos e apropriações - mostrou algumas ruas e avenidas que se colocam como eixos estruturadores do movimento LGBTQIA+ no Setor Central, dentre eles a rua 7, que está entre os pólos da diversidade de gêneros que se estende da região da rua 8 até a região da rua 20; e da Praça Cívica até a avenida Paranaíba. Assim, optou-se como local para desenvolvimento da
proposta projetual, uma quadra situada entre a rua 7 e a Avenida Goiás.
Nela está o Babylon
Liberty Pub, um dos pontos de encontro para a comunidade LGBTQIA+ na região, direcionado mais para os membros gays, com funcionamento noturno. Nota-se, ainda, estacionamentos, edifícios residenciais e/ou mistos, além de edifícios comerciais e de prestação de serviços. Alguns destes encontram-se em estado de abandono e precariedade.
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Imagem 36 - Imagem de satélite do Setor Central. Fonte: Google Earth.
41 Av.Goiás rua7 Av.Araguaia rua1 rua2 PraçaCívica rua8 N 0 50 100 200m quadra de intervenção Av.Goiás rua7 Av.Araguaia rua1 rua2 PraçaCívica rua8 N viela7 0 50 100 200m vazio/abandonado/ subutilizado lazer noturno (Babylon Liberty Pub) serviço residencial comercial misto estacionamento Av.Goiás rua7 Av.Araguaia rua1 rua2 PraçaCívica rua8 N 0 50 100 200m quadra de intervenção nascer do sol pôr do sol ruídos ventos - ESE QUADRA DE INTERVENÇÃO USOS E OCUPAÇÃO CLIMA E RUÍDOS
1 ou 2 pavimentos
3 ou 4 pavimentos
5 a 10 pavimentos mais que 10 pavimentos
42 tráfego leve tráfego leve a moderado tráfego muito intenso ponto de ônibus quadra de intervenção setor central Av.Goiás rua7 Av.Araguaia rua1 rua2 PraçaCívica rua8 N 0 50 100 200m
FLUXOS ALTURAS
A rua 7 possui um baixo fluxo de automóveis, enquanto a Viela 7 restringe-se, basicamente, ao fluxo de pessoas, com alguns poucos veículos circulando apenas para estacionar. A Avenida Araguaia, conectada à rua 7, possui um tráfego intenso de veículos, bem como a Avenida Goiás, localizada do outro lado da quadra. As duas avenidas possuem pontos de ônibus próximos. Em relação às alturas do entorno imediato, bem como da quadra, nota-se que a maioria das edificações possuem de 1 a 2 pavimentos. Alguns edifícios em altura se destacam, especialmente na quadra de intervenção.
43 N
44 Av.Goiás rua1 PraçaCívica rua8 N 0 50 100 Captura da imagem: abr 2022 © 2023 Google Goiânia, Goiás abr 2022 er mais datas Goiânia, Goiás Google Street View abr 2022 Ver mais datas Captura da imagem: abr 2022 © 2023 Google Goiânia, Goiás Google Street View abr 2022 Ver mais datas 73 R. 1 subutilizado
Imagem 42 - Edifício subutilizado. Fonte: Street View.
Imagem 43 - Edifício subutilizado. Fonte: Street View.
Goiânia, Goiás Google Street View abr. 2022 Ver mais datas 80 Av. Goiás Captura da imagem: abr. 2022 © 2023 Google Goiás
Imagem 44 - Edifício subutilizado. Fonte: Street View.
45 rua7 Av.Araguaia rua2 200m lotes de intervenção intervenção na viela casarão semi-demolido estacionamento Captura da imagem: abr. 2022 © 2023 Google Goiânia, Goiás Google Street View abr 2022 Ver mais datas 130 R. 7 viela 7
Imagem 39 - Acesso à viela 7 pela rua 7. Fonte: autoral.
Imagem 40 - Interior da viela 7. Fonte: autoral. Imagem 41 - Saída da viela para a rua 7. Fonte: autoral.
Imagem 45 - Estacionamento do Gaúcho. Fonte: Street View.
Imagem 46 - Casarão semi-demolido. Fonte: autoral.
REFERÊNCIAS PROJETUAIS
Teatro Oficina, Lina Bo Bardi
O Teatro Oficina Uzyna Uzona, mais conhecido apenas por Teatro Oficina, foi fundado em 1958 por José Celso Martinez Correa. Localiza-se em São Paulo, no bairro da Bela Vista, Rua Jaceguai, e funciona como um teatro manifesto, com apresentações teatrais, musicais, performáticas e de dança, incorporando diversos meios artísticos e grandes espetáculos.
Ao longo dos anos, o Teatro passou por diversas reformas, uma delas, inclusive, em 1966, devido a um incêndio que quase o destruiu por completo. Em 1981, o CONDEPHAAT tombou o Teatro como Patrimônio Público Estadual, sob administração da Secretaria de Estado da Cultura, visto seu estado precário e sua importância histórica e artística, especialmente ao teatro brasileiro. Nessa época, Lina Bo Bardi e Marcelo Suzuki já apresentavam estudos para o espaço, mas não foram levados adiante. Todavia, em 1984, Lina comandou sua reforma, juntamente ao arquiteto
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Imagem 47 - Teatro Oficina. Fonte: Archdaily.
Imagem 48 - Fachada Teatro Oficina. Fonte: Archdaily.
Edson Elito, que foi concluída somente em 1994. No novo projeto, a ideia principal era incorporar a Rua ao espaço cênico. Para isso, aproximou-se a arquitetura ao contexto territorial, resultando em um espaço democrático.
O projeto possui uma passarela central feita com tábuas de madeira, com cerca de 1,50 metros de largura e com 50 metros de comprimento entre o acesso frontal e o fundo, marcando o eixo do espetáculo, aproximando o conceito da Rua e inovando nos limites entre palco e plateia. Próximo ao centro da passarela, estruturada na alvenaria, há uma cachoeira com um sistema que deságua no espelho d’água construído. As grandes esquadrias de vidro, em um dos lados das paredes, criam uma relação entre interior e exterior. A vegetação no espaço interno, encontrada em um canteiro, também traz à tona essa relação. O pé direito do edifício é de aproximadamente 13 metros de altura.
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Imagem 49 - Teatro Oficina. Intervenção autoral na foto destacando proximidade entre palco e plateia. Fonte: Archdaily.
Imagem 50 - Apresentação no Teatro Oficina. Fonte: Archdaily.
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Imagem 51 - Cobertura metálica com sistema deslizante. Fonte: Archdaily.
Imagem 52 - Cobertura metálica com sistema deslizante. Fonte: Archdaily.
Imagem 53 - Detalhes da estrutura de aço das galerias que comportam o público. Fonte: Archdaily.
Imagem 54 - Camarim. Fonte: Archdaily.
Para comportar o público, foram feitas galerias laterais instaladas sobre estruturas desmontáveis com perfis tubulares de aço, acomodando 350 lugares distribuídos em 4 níveis. Essa disposição contribui com a aproximação entre público e espetáculo, visto que as barreiras atribuídas ao teatro tradicional foram ignoradas. No que diz respeito ao conforto térmico, o projeto conta com soluções como: aberturas no nível térreo e exaustores eólicos na cobertura, há circulação de ar pelo efeito “chaminé”. Em relação à materialidade, os arquitetos se preocuparam em conservar os resquícios históricos do local, mantendo os tijolos à vista das paredes laterais, incluindo algumas peças em concreto para auxiliar no travamento e contraventamento, que são sobrepostos pelas estruturas metálicas que comportam áreas como platéia, sanitários, camarins etc. Além disso, esses materiais favorecem a qualidade acústica e luminotécnica. A cobertura metálica também conta com um sistema parcial deslizante, colaborando com a ventilação, além de configurar outra interação com a área externa.
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Imagem 55 - Teatro Oficina. Fonte: Archdaily.
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Imagem 56 - Plantas do Teatro Oficina. Fonte: Archdaily. Imagem 57 - Cortes do Teatro Oficina. Fonte: Archdaily.
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Imagem 58 - Detalhe materialidade. Fonte: Archdaily.
Imagem 59 - Detalhe materialidade. Fonte: Archdaily.
Casa 1
O Casa 1 é um centro de acolhimento e cultura LGBTQIA+, sediado no centro da cidade de São Paulo, e foi fundado em 2017 por Iran Giusti, jornalista e relações públicas, com o propósito de acolher membros da comunidade que foram expulsos de casa. O projeto se mantém através de doações e apoio da população. Atualmente, a organização conta com três frentes de atuação: Centro de Acolhida, Clínica Social e Centro Cultural.
Centro de Acolhida (República de Acolhida): foi a primeira ação da Casa Um. Localiza-se em um sobrado na esquina das ruas Condessa de São Joaquim e Bororós. O espaço foi adaptado para esse fim e conta com nível térreo e pavimento superior. No térreo, dividiram três espaços: a biblioteca comunitária Caio Fernando Abreu, a sala de atendimento paliativo
Claudia Wonder (aberta para o público geral em situação de rua, também distribuem roupas e produtos de higiene pessoal)
e a sala de convivência Vitor Angelo. O pavimento superior comporta o núcleo de moradia, funcionando como abrigo temporário, com prazo máximo de 4 meses, para jovens de 18 a 25 anos. Possui um quarto com 10 beliches (comporta 20 pessoas), área de serviço, cozinha e dois banheiros. O objetivo é realizar um trabalho multidisciplinar, com assistência social, para que os jovens acolhidos possam desenvolver autonomia e se estabelecerem.
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Imagem 60 - Fachada Centro de Acolhida. Fonte: site Casa Um. Imagem 61 - Dormitório Centro de Acolhida. Fonte: site Casa Um. Imagem 62 - Cozinha Centro de Acolhida. Fonte: site Casa Um.
Clínica Social: localiza-se na Rua Lettieri, 65, e conta com 10 salas de atendimento individual. Oferecem atendimento psicoterápico continuado, atendimento psiquiátrico, acompanhamento com nutricionistas, plantão de escuta e várias terapias complementares. Todos
esses serviços são gratuitos ou com valores sociais. Os profissionais passam por uma seleção e contínua formação a fim de atender adequadamente comunidades vulneráveis, especialmente pessoas LGBTQIA+ e/ou negras. Atuam também em pesquisas e projetos.
Centro Cultural: movido em 2017 para o Galpão Casa 1, localizado na Rua Adoniran Barbosa, o Centro Cultural é formado por um térreo e mezanino. No térreo, encontra-se o pátio, ateliê, salão de atividades, duas salas de aula, cozinha e banheiros. O mezanino possui duas salas de atendimento e uma região particular onde Iran Giust mora. O local comporta uma variedade de atividades, como aulas de ioga, aulas de línguas, exibição de filmes e
apresentações teatrais. Quando promovem eventos maiores, os portões do galpão são mantidos abertos, aproximando o espaço público e privado.
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Imagem 63 - Fachada Clínica Social. Fonte: site Casa Um. Imagem 64 - Sala de atendimento Clínica Social. Fonte: site Casa Um. Imagem 65 - Sala de atendimento Clínica Social. Fonte: site Casa Um.
Imagem 66 - Fachada Centro Cultural. Fonte: site Casa Um.
PARTIDO
Princípios norteadores do projeto
Baseando-se no estudo do Setor Central e da quadra de intervenção, assim como na análise acerca das ballrooms, define-se 5 princípios que nortearão o desenvolvimento do presente trabalho:
Acolhimento
Oferecer abrigo temporário para aqueles que necessitam de acolhimento por terem sido expulsos de casa, sem ter onde ficar. A ideia é que seja um alojamento, como uma casa, que possibilite o restabelecimento do equilíbrio psicológico e financeiro.
Apoio
Disponibilizar assessoria jurídica e atendimento psicológico. Além disso, dar suporte às ONGs e organizações governamentais, possibilitando um trabalho em conjunto entre comunidade e órgãos públicos.
Saúde
Disparar campanhas e disponibilizar atendimento por profissionais da saúde. É relatado por muitas mulheres trans sofrerem ofensas e acusações preconceituosas nos atendimentos em postos de saúde convencionais. Além disso, os portadores do vírus HIV necessitam de acompanhamento regular que garanta a adesão ao tratamento e trabalhe com medidas paliativas para minimizar os efeitos colaterais dos medicamentos.
Trabalho e Estudo
Oferecer cursos e assessorias, que busquem a formação e a
empregabilidade. A ideia é que com formação profissionalizante, os aprendizes possam oferecer serviços para comunidade como forma de gerar renda para a manutenção do espaço.
Visibilidade e Cultura
Criar espaços para festas e bailes, seguindo a cultura ballroom: suas performances artísticas, políticas e sociais. Além disso, criar áreas livres e pontos de encontro seguros para a comunidade LGBTQIA+.
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Ballroom
Seguindo o princípio de permeabilidade, pretende-se estabelecer eixos de travessia entre o edifício, as ruas e a viela. Pretende-se, também, criar um espaço com conexão entre interior e exterior, com acessos e aberturas que permitam a incorporação da rua ao espaço. Sua configuração volumétrica seguirá o formato do terreno.
Viela 7
A viela é o elemento aglutinador do projeto, ligando os espaços entre si. Propõe-se potencializar seu uso como espaço público, intervindo com equipamentos urbanos, espaços verdes e pontos de encontro, incrementando os edifícios propostos.
Acolhimento, apoio e saúde
O espaço seguirá uma configuração volumétrica parecida com a que existia, seguindo a ideia de casa. Busca-se incorporar privacidade ao local, princípio importante nessa tipologia, pensando em um espaço mais reservado e com conforto. Dessa forma, não haverá no terreno nenhum eixo de travessia com acesso à viela. O afastamento frontal será mantido, além disso, pátios e jardins serão incluídos.
PROGRAMA
Acolhimento, apoio e saúde
. dormitórios
. DML . banheiro
. vestuários
. salas de estar
. cozinha
. área de serviço
. jardim
. sala atendimento psicológico
. sala atendimento jurídico
. sala atendimento médico
Administração, trabalho e educação
. recepção e atendimento
. sala de administração
. sala de reunião
. sala de aula
. sala para cursos profissionalizantes
. sala para ONGs
. salão de beleza
. ateliê de costura
. banheiro
. DML . depósito
. copa e estar
Ballroom
. recepção e atendimento
. passarela
. arquibancada
. palco (caixa cênica)
. bar
. camarim
. galeria
. controle de sons/luzes
. banheiro
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PRÓXIMOS PASSOS
Pretende-se, na segunda etapa do trabalho, realizar as pesquisas de campo e aplicar as entrevistas com membros da comunidade ballrom de Goiânia. Em seguida, será produzida a cartografia para mapear os dados recolhidos. Em paralelo, será feita a elaboração do projeto arquitetônico proposto.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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66 Isadora Gonçalves Nogueira Goiânia 2023