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INTRODUÇÃO

Originadas nos Estados Unidos, as ballrooms se popularizaram na década de 1980 e consolidaram-se como lugar de liberdade, diversão, criatividade e mostra de talentos da comunidade LGBTQIA+. Registradas no documentário de Jennie Livingston, Paris is Burning (1990) e, mais recente, na série Pose (2018), de Ryan Murphy, as ballrooms são mais que simples bailes ou festas. Carregam um caráter político de resistência e proporcionam um ambiente seguro para a comunidade, desde os anos de 1950/60.

Partindo do contexto da chamada “cena ballroom” como uma das representações da cultura LGBTQIA+, o objetivo do presente trabalho é compreender como esses bailes chegam e são adaptados ao contexto brasileiro, levando-se em consideração aspectos regionais e sua característica de insurgência e de resistência. Com foco na cidade de Goiânia, pretende-se desenvolver o projeto de um espaço para a cena ballroom na região central da cidade: um lugar para a valorização, visibilidade e liberdade de corpos muitas vezes marginalizados.

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Os balls, ou bailes, estiveram ligados a um público composto majoritariamente por pessoas negras e latinas que combinavam shows, moda, dança e competição: a community and network of Black and Latina/o women, men, and transgender women and men who are lesbian gay, bisexual, straight, and queer. The Black and Latina/o queer members of this community use performance to create an alternative discursive terrain and a kinship structure that critiques and revises dominant notions of gender, sexuality, family and community (BAILEY, Marlon M. 2011, p. 367 apud PARRINE, Raquel, 2017)1

Vale lembrar que, antes do apogeu das ballrooms, Nova Iorque foi palco de um fato his- tórico também protagonizado por LGBTs: a Revolta de Stonewall, que ocorreu em 1969 e reuniu uma série de movimentos contra as frequentes e violentas abordagens policiais que culminavam na prisão de lésbicas, gays, transsexuais e travestis pelo simples fato de externar padrões estéticos e atitudes afetivas em público. Movimentos que chegaram a conflitos extremos entre a comunidade LGBT e a polícia local, tornando-se um marco da luta organizada em garantia de seus direitos civis. Ainda assim, já na década de 1980 e com a culminância das ballrooms, o ambiente sociocultural de Nova Iorque (bem como o do país) pouco evoluiu, continuando dominado pela normatividade branca e heterossexista, perpetuando-se repressões a outras sexualidades e identidades de gênero.

1 “uma comunidade e rede de contatos de mulheres, homens e transgêneros negros e latinos que são lésbicas, gays, bissexuais, heterossexuais e queer. Os membros queer negros e latinos desta comunidade usam a performance para criar um terreno de discurso alternativo e uma estrutura de laços afetivos que critica e revisa as noções dominantes de gênero, sexualidade e comunidade (BAILEY, Marlon M. 2011, p. 367 apud PARRINE, Raquel, 2017, tradução própria)”.

Mesmo que muito tenha sido conquistado desde então, as ballrooms seguem sendo, para muitos, um dos poucos lugares seguros e de livre expressão. Propagada mundo afora, a cultura de baile fundiu-se com as regionalidades de cada local e, no Brasil, resultou numa cena ballroom à brasileira, incluindo gêneros musicais locais nas apresentações, como o funk, desenvolvendo seus próprios dialetos e adaptando até mesmo suas próprias categorias de disputas.

São diversos os grupos que se mobilizam em defesa da cultura de baile no país. Em Goiânia, a cena foi instaurada há pouco tempo, em 2017. Desde seu marco inicial, transformou-se e ganhou espaço, marcando presença até mesmo em festivais de música, como o Vaca Amarela, realizado em setembro de 2022 no Centro Cultural Oscar Niemeyer. Contudo, mesmo após tanto histórico de luta, a exclusão e marginalização dessa comunidade são evidentes. Assim, umas das principais contribuições do trabalho será discutir e evidenciar a cultura de baile goiana e a luta de minorias marginalizadas, bem como a questão identitária desse grupo. Para além do espaço festivo, pretende-se pensar outras necessidades prementes no que diz respeito a saúde, formação e colocação profissional, direitos civis, moradia temporária, dentre outras demandas que serão mapeadas ao longo da pesquisa. Pensar um lugar de apoio na cidade para a comunidade LGBTQIA+ é assumir e respeitar sua existência, bem como materializar sua existência no core urbano. Trata-se de assumir a comunidade em sua complexidade social, indo contra os apagamentos de suas memórias que, em grande medida, pretendem invisibilizar e desarticular os movimentos de luta por igualdade de direitos e de existência.

Por se tratar de um fenômeno recente na cidade e que está em processo de construção, a pesquisa terá um caráter exploratório. Dessa forma, a metodologia se apoiará, principalmente, em pesquisas bibliográficas, na netnografia, em entrevistas, formulários/ questionários e no trabalho de campo de natureza cartográfica. Pretende-se mapear pessoas, grupos, características, conflitos, fluxos e apropriações já existentes. As pesquisas serão teóricas, audiovisuais e também serão analisados conteúdos virtuais em redes como YouTube, Instagram, Twitter e TikTok, visto a vasta produção de conteúdo relacionado ao tema nos meios digitais e nas redes sociais. As entrevistas e formulários/questionários serão realizados com membros da cena ballroom goiana, a partir de um roteiro prévio, porém aberto. As pesquisas de campo serão realizadas em eventos e bailes promovidos pela comunidade LGBTQIA+. Busca-se, também, com o reconhecimento dos dados e a investigação científica, cartografar a cena ballroom goianiense, representando-a de forma gráfica, de maneira a possibilitar o desenvolvimento de um projeto de arquitetura para o espaço de existência e de manifestação da cultura LGBT na cidade.

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