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Vem ver, menino vem ver



História do maracatu em Curitiba guarda casos de amor e alegria que só o tambor pode contar
Texto: Amanda Souza Fotos: Amanda Souza Ilustração: Rosinha
No começo dos anos 2000, um pedacinho da cultura popular brasileira foi trazida do Nordeste para o Sul. Vindos, mais especificamente, do estado de Pernambuco, o cavalo-marinho, o caboclinho, o coco, a ciranda, o maracatu, chegaram a Curitiba pelas mãos de pessoas apaixonadas pelo universo da cultura popular.
Foi na virada do século que a Oficina de Música de Curitiba, evento que acontece na cidade desde 1983, trouxe uma integrante da nação Estrela Brilhante de Recife para dar um curso sobre maracatu de baque virado. Essa foi a primeira vez que o maracatu ganhou as ruas de Curitiba. “A gente saiu ali do Largo da Ordem e foi até o Memorial. E era assim: cinco alfaias, quatro caixas, cinco ou seis ganzás, três gonguês e agogôs e umas 20 pessoas todas fantasiadas de rei e rainha, embaixador e embaixatriz, catirinas”, conta o professor de artes Pedro Solak, de 40 anos, participante da oficina.
Origens
O maracatu de baque virado, também conhecido como maracatu nação, é uma manifestação cultural popular de origem afro-brasileira, fortemente ligada com o candomblé, que surgiu em meados do século XVIII , na região onde hoje existe o estado de Pernambuco. A história mais aceita e difundida sobre o seu surgimento, conta que o maracatu nasceu das coroações do Rei do Congo, uma das poucas práticas realizadas pelos escravos que eram permitidas pelos senhores de engenho.
Com o fim da escravidão, o maracatu passou, aos poucos, a se tornar uma manifestação típica do carnaval recifense. Mas foi na década de 1990 que, depois de um processo de decadência vivido durante quase todo o século XX, o movimento Mangue Beat – que tinha como principais expoentes Chico Science e a banda Nação Zumbi – foi um dos responsáveis pelo que se chamou de “boom do maracatu”.
Foi nesse contexto que a manifestação saiu de Recife e se apresentou não só ao resto do país, como ao resto do mundo. Com seus tambores, suas danças, suas calungas, seus reis, suas rainhas e toda a riqueza da sua tradição.
Boi Faceiro
Em Curitiba, o maracatu não chegou sozinho, veio acompanhado de outras manifestações da cultura popular. Poucos anos depois da fatídica Oficina de Música de Curitiba, que havia iniciado, sem saber, um
alfaia
caixa agbê ou xequere

movimento que se estende até hoje na cidade, um grupo de universitários, com a ajuda do músico e bailarino Luciano Fagundes, passou a estudar, praticar e conhecer cada vez mais o tesouro nordestino que estava sendo redescoberto pelo resto do país.
“Montamos uma turma de mais ou menos 20 pessoas e lá começaram os encontros semanais [...]As aulas não eram só de maracatu. Trabalhávamos cavalo-marinho, caboclinho, coco, ciranda e etc.”, conta Luciano Fagundes, de 31 anos. O comprometimento e interesse dos alunos fez com que, em 2003, a turma se tornasse um grupo. “Eis que nasce o Boizinho Faceiro (um sonho que eu tinha: montar um boizinho na cidade de Curitiba)”, explica o músico.

No mesmo ano, o grupo começou a fazer arrastões pelo centro da cidade. Na época chamados de cortejos, as saídas passaram a acontecer sempre na última sexta-feira do mês, quando o Boizinho Faceiro ia para as ruas tocar, principalmente, maracatu. Um hábito que virou tradição e acontece até hoje.
“Para sair pra rua a gente não podia levar o CD pra dançar o caboclinho, o cavalo-marinho, e o que aconteceu? Levamos os instrumentos para a rua com o maracatu. E todo mundo dizia: “Ai, o grupo de maracatu!”. “Na verdade, a gente fazia um monte de outras coisas e o maracatu era uma coisinha de leve”, conta Pedro Solak, ex-integrante do Boizinho Faceiro e um dos protagonistas da história da maracatu em Curitiba.
mineiro ou ganzá gonguê


Adeus, companheiro

O grupo abriu as portas da cidade para a cultura popular. Mas, entre as diversas manifestações praticadas por eles, foi o maracatu que estimulou a criação de novos grupos, nascidos da vontade de pesquisar e conhecer cada vez mais esta tradição.
Os grupos Maracaeté, Estrela do Sul e Voa Voa surgiram quando o Boizinho ainda vivia. Foi a época de ouro do maracatu na cidade, quando quatro maracatus coexistiram. Com o fim desses grupos surgiu o Itá, que, em 2012, deu lugar ao Maracatu Aroeira.

Tradição A internet é, hoje, uma importante ferramenta de pesquisa. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais da metade dos brasileiros já está conectada à web. “A internet possibilita um acesso que essa distância de mais três mil quilômetros [entre Curitiba e Recife] impede”, afirma o estudante de Artes Visuais Rodrigo Melo, de 24 anos, integrante do Maracatu Aroeira. Mas não foi sempre assim. As primeiras informações começaram a chegar à cidade pr meio da experiência pessoal de cada um com a cultura popular. O maior exemplo é Luciano Fagundes, criador do Boizinho Faceiro e sobrinho do artista e músico brasileiro Antônio Nóbrega. Por intermédio do tio, Fagundes teve a oportunidade de mergulhar na cultura popular. Além de diversas oficinas de música e dança com mestre e artistas da cultura popular, realizou uma imersão cultural, sobretudo no estado de Pernambuco, conhecendo ainda mais coisas, pessoas e histórias. O conhecimento de Fagundes foi a base para dar início às aulas, que posteriormente se tornariam o Boizinho Faceiro. Depois do boom do maracatu, nos anos 1990, o acesso foi se tornando cada vez mais fácil e cada vez mais gente começou a ir para Pernambuco conhecer as manifestações culturais. “A gente tenta ir pra lá pelo menos uma vez por ano, no carnaval, o estudo que temos é lá. Quando a gente não consegue o jeito é escutar CDs, gravações, assistir a vídeos. Além disso,sempre tentamos trazer as pessoas referências de Recife para dar oficinas aqui”, conta um dos coordenadores do Maracatu Aroeira, Paulo Henrique Portes, de 21 anos.
Acima de tudo, o que fez nascer e o que faz perpetuar a cultura popular brasileira é a paixão. “O encantamento que tive com o universo da cultura popular aconteceu de maneira muito forte. Encontrei pessoas que trazem valores, sobre tudo, humanos. Existe uma verdade muito bonita no ‘brincar’ do povo, isso toca profundamente”, conta Luciano Fagundes. Além disso, é preciso lembrar que “O encantamento que tive com o universo da cultura popular aconteceu de maneira muito forte. Encontrei pessoas que trazem valores, sobre tudo, humanos.” Luciano Fagundes, músico e bailarino por trás da folia e da alegria das manifestações populares, sua função social dentro das comunidades é fundamental. “A cultura popular ainda não é vista e reconhecida com o seu potencial ‘salvador’, ela traz uma ‘boa nova’ para o mundo. Há vida, novidade, movimento, beleza, pulso e etc. Ela tem o poder de conectar o ser humano consigo mesmo, pelo menos comigo é assim!”, conclui Fagundes.