
11 minute read
O lugar ideal
O projeto da Chácara Meninos de 4 Pinheiros não só tira os jovens das ruas, como dá a eles a chance de sonhar
Texto: Thiana Perusso Fotos: Melvin Quaresma Edição: Getulio Xavier e Caroline Stédile
Qual o seu sonho? Essa é uma das primeiras perguntas feitas aos garotos que chegam à Chácara Meninos de 4 Pinheiros. Localizada em Mandirituba, a entidade tem a finalidade de dar assistência e educação integral às crianças e adolescentes das classes menos favorecidas e que estão em situação de vulnerabilidade social. Mas o objetivo principal daqueles que estão coordenando todo o processo é, principalmente, fazer com que esses jovens saiam de lá caminhando rumo aos sonhos que já tinham ou que ali encontraram.
Tudo começou há 30 anos, quando o ex-frade carmelita Fernando Francisco de Gois voltou do Nordeste e, após conviver com muita miséria percebeu que defenderia a causa a favor das crianças e adolescentes de rua. Para ele, o melhor jeito de descobrir uma maneira de ajudar essas pessoas, seria estando totalmente em contato com elas. Assim, começou a habitar a Vila Lindoia, que passou a ser conhecida como Comunidade Profeta Elias. Essa favela havia sido formada por pessoas que vieram do norte do Paraná e que após um acordo com o proprietário do terreno, ocuparam o espaço com o princípio da Bíblia de que “se a terra é de Deus, ela não pode ser vendida”.
Após o acordo ter sido feito, foi formada uma associação de moradores, na qual cada um pagava 10% do salário mínimo para permanecer no local. Mas, segundo o ex-carmelita, mesmo a comunidade conseguindo esse espaço, as crianças e adolescentes permaneciam marginalizadas. Assim, ele resolveu tomar uma atitude e começar a sua missão ali e iniciou um trabalho de contraturno escolar, trabalhando com diversas atividades, como teatro, música e complemento disciplinar. “Antes de ir para as ruas, as crianças estão inseridas na favela, então eu precisava estar nesse meio. Precisei aprender a lidar com a violência, as drogas, os traficantes. Foi nesse momento que tive que sair da congregação da igreja, pois eles não aceitavam que ela fosse inserida nesse cenário”, confessa.
Depois de conseguir organizar a Comunidade Profeta Elias, Fernando foi às ruas, para conhecer a situação de quem estava inserido nesse meio. “Levava os meninos da comunidade comigo e íamos com pandeiro, fazíamos uma roda e começávamos a tocar. Assim ia juntando cem, até 150 pessoas. Eu perguntava o que poderia fazer para ajudá-los. Eles diziam que não precisavam só de acolhimento, mas de um lugar que fosse projetado com eles e para eles. ‘O governo pensa de cima para baixo, não pensa na gente. Somos meros telespectadores’, eles me diziam”, conta.
A partir disso, Fernando começou a pensar em maneiras de tirar essas crianças e jovens das ruas, indo fazer pesquisas à noite para tentar achar uma solução. Ele não tinha medo. Até que em uma noite muito fria, no terminal do Guadalupe, Fernando se deparou com uma cena que jamais esqueceu: um grupo de dez jovens usando muitas drogas. Ele começou a conversar com eles, sem imaginar que sua pergunta seria respondida naquela madrugada curitibana.
Um dos meninos o entregou uma espada-de-são-jorge e pediu para que plantasse para ele, pois ele não tinha onde plantar. Fernando perguntou o motivo de o garoto estar tão preocupado com a planta, e ele respondeu que não morava na rua antes e vivia com os pais, mas quando vieram para cidade, o pai não deu conta de sustentá-los e ele teve de morar na rua. De repente, um rapaz virou para o ex-frade e Ao lado direito, Fernando e os globos onde os sonhos que ajuda a realizar são colocados.
O monge
o questionou: “Por que você não constrói uma chácara? Assim poderíamos conviver com animais, meio ambiente e principalmente, ficar distante das drogas.”
O sonho só começou
Depois daquela noite, Fernando começou a colocar o pedido dos meninos em prática. Juntou o dinheiro que tinha com o de um grupo de mulheres que apoiaram a causa e, após o projeto ter sido aprovado, em 91, comprou a chácara de 11 alqueires na Região Metropolitana de Curitiba, em um lugar longe da cidade e perto da natureza. Mas a construção das casas iniciou apenas em 93, quando a comunidade ao redor do terreno apoiou a causa. “Foi muito difícil convencer os moradores, todos eram contra. Para eles, os meninos seriam um perigo. Só depois de mostrarmos a importância da organização, eles concordaram.”
Ao chegar o primeiro grupo de meninos, em 93, Fernando perguntou para eles: “O que vocês querem ser no futuro?”. Eles diziam que queriam ser policiais, para baterem nas pessoas, pois até hoje, só apanharam. “Comecei a pensar em como trabalhar com esse tipo de criança. A motivação precisava vir de mim. E, lendo um livro, comecei a trabalhar com o sonho. Quando alguém chega aqui, a primeira coisa que quero saber é qual o sonho
dela. Geralmente elas dizem que não têm. Mas eu digo que precisam ter um caminho para seguir e que se eles não têm, em breve terão”, explica.
A sala onde foi feita a entrevista com o Fernando é cheia de bolas de isopor, coloridas, bonitas e com palavras como “engenheiro”, “professor”. Dentro de cada uma delas, há o projeto de vida de cada menino que ali habita. Uma vez por mês, o
Noeli de Oliveira, a educadora

Ao lado esquerdo, os jovens se divertem no pátio. Ao lado direito, a educadora Noeli exibe o livro que, desde 2001, reúne as assinaturas de quem passa por lá.
A educadora

projeto social abre a bola e analisa se o menino conseguiu dar conta de suas metas. Na mesma sala, há também os espelhos com fotos de meninos que superaram a linha da pobreza, depois de passar pela fundação. “Tento extrair o que tem de bom nas pessoas. Sempre digo para eles que, para mim, não importa de onde eles vieram, mas para onde eles querem chegar”, diz o fundador da chácara.
A Chácara Meninos de 4 Pinheiros possui convênio para acolher meninos de Curitiba, São José dos Pinhais, Almirante Tamandaré e, em breve, de Araucária. Os municípios que desejam uma vaga encaminham um relatório técnico indicando se o garoto mora na rua, se é usuário de drogas, se está envolvido com violência e se perdeu o vínculo com a família. Caso ele se enquadre nesses quesitos, ele é acolhido. O objetivo é que a criança ou adolescente reestabeleça o vínculo familiar e, caso isso não ocorra, ele é encaminhado para outra família, por meio do poder judiciário, ou segue a vida sozinho, caso esteja profissionalizado e tenha condições para tanto. “Entre 2012 e 2013 tivemos 50 retornos familiares e aqueles que não retornaram, foram adotados. Um menino, por exemplo, foi adotado por um casal de lésbicas”, conta.
A ajuda para sustentar a chácara vem de vários locais. As prefeituras auxiliam com um valor para cada menino, que atualmente somam 40. “Um adolescente infrator custa uns R$ 7 mil para a prefeitura, e aqui na chácara, em torno de R$ 1,5 mil. Ou seja, se gasta muito menos na prevenção.” A Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) auxilia com alimentação e com bolsas para os meninos. Além desses locais, a chácara recebe doações de empresários e de igrejas.
O ambiente é dividido em casas, cada qual com faixas etárias diferentes. No ambiente, os meninos vão para a aula, com um ônibus da prefeitura que os buscam e os levam, fazem atividades pedagógicas, aulas de capoeira, jogam futebol, pescam, dentre outros afazeres. Além do espaço da chácara, os meninos possuem atendimento odontológico e médico em um posto de saúde especial para eles. A equipe conta com educadores, pedagogos, psicólogos, médicos homeopatas, cozinheiros, motoristas, num total de 40 profissionais, na busca do mesmo bem comum.

Após 31 anos trabalhando com a população de rua, Fernando garante que quem mais ganhou foi ele. “Aprendi a viver só com o necessário, a mediar conflitos, mas, acima de tudo, aprendi a ajudar uma parte da população a sonhar de novo. Quanto mais você dá, mais você recebe.” Após muitos desafios, o ex-carmelita está saindo da chácara, pois vai realizar o sonho dele: morar na rua. “Na minha metodologia de vida, o que serve para o outro, também serve para mim. Acima, os jovens se divertem nas aulas de leitura. Ao lado direito, Miguel Serres Jr. olha a chácara que mudou sua vida.
Miguel Serres Júnior, 16, morador da chácara
O engenheiro

Henrique de Lima, 16, morador da chácara
Vou lutar por políticas públicas nas ruas e já juntei uma equipe para coordenar a chácara, inclusive, um ex-menino será o novo presidente. É o que eu digo para eles: o que recebeu aqui, não devolva para mim, devolva para a sociedade”, finaliza o idealizador do projeto.
Mãe postiça
Noeli de Oliveira da Silva, 49, viveu na Comunidade Profeta Elias, que era uma favela muito pesada, com famílias pobres e carentes. Segundo ela, a decadência era tão grande que viviam cinco famílias juntas na mesma casa, a valeta ficava na frente das residências e o lixo transbordava. Na época, todos da comunidade saíram do norte do Paraná na busca por uma vida melhor. Mas, ao contrário do que todos imaginavam, o governo queria acabar com as favelas e não organizá-las.
Em contrapartida, Fernando e os demais carmelitas apareceram para ajudar a comunidade a terem uma vida mais justa, fazendo um trabalho pedagógico até conseguir amparar o ambiente totalmente. “Meu sonho sempre foi ser educadora infantil, de uma escola que eu conhecia. O Fernando me ensinou, eu fiz um concurso e trabalhei por 14 anos nesse local.”
Noeli frequentou a Chácara Meninos de 4 Pinheiros desde o início, quando não havia nada construído. Mas há 12 anos ela trabalha como educadora da instituição. No início, trabalhou com as crianças e, depois, pode ampliar seus conhecimentos com os adolescentes. “Acabei ficando tão apegadas a eles, que não consegui dividir a profissão com a minha vida pessoal. Eu me sentia mais do que educadora e, sim, uma mãe. Não achava justo ter minha casa e deixar eles aqui, sem uma mulher para dar janta, dar banho. Não conseguia separar”, desabafa.
Depois de entrar em depressão e perceber que estava perdendo a vida pessoal e deixando os filhos e marido de lado, Noeli amadureceu bastante. “Em nenhum momento deixei de amar o que eu faço, de amar cada um aqui e, enquanto tiver saúde, quero ajudar. Para mim, o Fernando é um anjo e não é fácil existir pessoas como ele”, finaliza a educadora.
Meninos dos sonhos
Goleiro, soldado ou engenheiro? Apesar de cada menino ter as suas particularidades, eles têm o objetivo comum de realizar um sonho. A maioria deles chegou à chácara sem saber direito o motivo e sem querer estar ali.
Miguel Serres de Araújo Júnior, atualmente está com 16 anos, mas chegou à chácara com 9. Mesmo sem entender direito tudo o que estava acontecendo, já na primeira noite conheceu vários meninos que o convidaram para jogar videogame. “Me senti acolhido”, conta.
Para ele, a chácara é muito importante. Além de ter conseguido o primeiro emprego por intermédio dela, Miguel descobriu em meio aos cursos e atividades que realizou ali, sua paixão por informática e por programação e identificou que o seu sonho é ser engenheiro de Mecatrônica. “O trabalho da chácara é esse, ela nos ajudar a perceber que somos alguém, não um nada”, desabafa emocionado.
Miguel está no primeiro ano do ensino médio e já está batalhando para atingir seus objetivos. “Eu olho os espelhos e penso: ‘Se eles conseguiram, por que eu não consigo?’. Eu ainda vou voltar aqui e ajudar toda essa molecada.” Para o futuro engenheiro, o momento que mais o marcou foi quando ganhou uma madrinha. “Ela sempre me diz: ‘Você quer as coisas? então trabalhe por elas’, ela me ajuda muito.”
Tímido e com um olhar baixo, Henrique de Lima, 16, é o tipo de rapaz que parece quieto, mas é só fazer uma palhaçada que já abre um sorriso. Com um olhar doce, o rapaz, que já está na chácara há três anos, possui três sonhos: ser jogador de futebol, ser policial, mas o mais importante para o menino é servir o Exército. “Desde pequeno eu quis ser soldado, pois sempre vi na tevê”, confessa.
A adaptação na chácara foi difícil para Henrique. Já nos primeiros dias, o rapaz brigou com alguns meninos, pois ele estava muito triste de estar ali. Depois de um tempo, ele fez amizades e conseguiu se adaptar. “Nunca imaginei estar Ao lado direito, Henrique de Lima, que sonha em ser soldado.
O soldado

num abrigo, mas vejo como esse acolhimento foi bom para mim. Antes, eu não era nada... Não tinha o carinho da minha mãe.”
Geralmente, o que une os meninos que chegam é o futebol. Eduardo Santana da Costa, 15, sonha em ser goleiro e ao chegar um novo menino na fundação, ele sempre mostra as atividades que o local oferece e principalmente: chama-o para jogar bola com ele. “Sem dúvidas, a chácara foi e é o melhor lugar para mim. Faço questão de receber os novos jovens que chegam com o mesmo carinho que me receberam”, conta Eduardo.
Eduardo Santana, 15, morador da chácara

Ao lado esquerdo, Eduardo Santana exibe com orgulho seu caderno de matemática. Ao lado direito, Eduardo no lugar onde sonha trabalhar.
O goleiro
