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Paulo Geiger
UMA DOENÇA ADULTA DO Paulo Geiger ESQUERDISMO: O ANTI-ISRAELISMO
Lênin identificou uma doença infantil do comunismo, que ele, em 1920, chamou de esquerdismo. O esquerdismo hoje não é uma doença, é o status quo dos que se consideram herdeiros do projeto socialista, que no aspecto institucional perdeu quase toda a relevância, embora ideologicamente ainda se apresente como alternativa para muitos, num mundo tão fragmentado, dolorido, radicalizado e ainda radicalizante.
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O esquerdismo, como um socialismo cuja prioridade hoje não é um projeto humanista e sim uma luta centrada em conflitos políticos de poder, está sujeito a suas próprias doenças. Mais de 170 anos após o Manifesto Comunista, exatos 100 anos após a Revolução Russa, não se pode dizer que sejam doenças infantis. E meu objetivo aqui não é analisar as esquerdas contemporâneas, mas especular sobre um aspecto que, em minha visão, tem todos os sintomas de uma doença, uma doença adulta do esquerdismo, a do anti-israelismo.
A etiologia, ou estudo das causas de doenças, dificilmente vai localizar no anti-israelismo da esquerda uma causa ideológica. Como explicar essa oposição sistêmica, obstinada, a um país e uma sociedade — mesmo em sua atual configuração capitalista, mesmo com uma predominância de políticas de direita no governo e na sociedade, mesmo ainda não tendo resolvido a questão de sua ocupação de terras que o senso comum internacional entende devam ser de um Estado palestino independente – em que os níveis de democracia, de paridade social (para não dizer ‘igualdade’, pois quando existem classes, elas não são ‘iguais’), de respeito a direitos humanos, às mulheres, às várias diversidades de opinião, às opções de sexo e cultura, da prevalência do estado de direito, são MUITO superiores aos de quase todos [quase não, TODOS] os seus vizinhos, que a esquerda, estranhamente poupa, e com os quais até compactua? Como explicar?
Como explicar a identificação das esquerdas, ainda na época da URSS e do bloco soviético, com estados reacionários em sua essência, ou teocráticos, ou ditatoriais, como o Egito, depois a República Árabe Unida, a Síria, o Iraque, armando-os até os dentes contra uma nação até então dominada pelo espírito pioneiro e socialista dos chalutzim, da Histadrut, dos kibutzim e moshavim, onde se desfilava no dia 1º de Maio desfraldando bandeiras vermelhas? Por que, hoje, organizam boicotes acadêmicos, culturais, econômicos, em universidades, na Unesco, nos partidos ‘de esquerda’ por todo o mundo, contra uma nação democrática onde vigora a livre expressão, inclusive da esquerda, onde a esquerda tem lugar no Parlamento, enquanto poupam de suas críticas e represálias regimes teocráticos, autoritários, onde ser de esquerda, ou dissidente, ou homossexual, pode ser arriscar a vida?
Há quem aponte, simplificando, causas de natureza política internacional. Israel não se filiou, ao nascer, ao bloco soviético, apesar do apoio da URSS e seus aliados à sua independência. Havia milhões de judeus no mundo ‘Ocidental’, e isso naturalmente pesou para uma neutralidade oficial de Israel, mas com uma identificação cultural com os valores do Ocidente, e os Estados Unidos. Numa época de Guerra Fria, isso acabou sendo imperdoável. Porém, ao contrário das oposições políticas a governos e regimes que caracterizam as posições da esquerda em outros casos, a oposição a Israel aprofundou-se para se tornar, hoje, sistêmica, estrutural, conceitual, incondicional.
Israel é amigo e aliado dos Estados Unidos, e isso justifica, para esquerda, a oposição ao atual governo de Israel, e a má vontade com a sociedade israelense, que tem elegido esse governo e parece se firmar numa posição ideológica de direita. Só que a esquerda não é contra somente o governo atual de Israel. É contra Israel, contra a sociedade israelense, contra o Sionismo, conceito que fundamenta a própria existência de Israel como estado do povo judeu. Contra o Sionismo, que, se por um lado nasceu nas cabeças burguesas de judeus europeus emancipados, se realizou ao longo de mais de cinquenta anos no trabalho obreiro e socialista dos chalutzim, nos kibutzim e moshavim, no ideal ideológico de transformar o povo judeu num povo de operários e agricultores.
Claro que sempre se pode criticar a política, as ações, as ideias, a tendência do governo e da sociedade israelense. São muitos os israelenses que o fazem. São muitos os judeus, no mundo inteiro, que o fazem. Mas, ao contrário de outras críticas a outros governos e outras sociedades, a esquerda estigmatiza tudo que tenha o nome de Israel, inclusive, às vezes, sua existência.
Porque o anti-israelismo da esquerda não tem lógica, não tem ideologia, não tem explicação. É uma doença. Não infantil, e, sim, senil, alzheimeriana, demente, esquizofrênica. Só enxerga o que sua venda ideológica lhe impõe como realidade. E muitas vezes a causa mais provável dentro desse quadro, a mais compatível com esse tipo de sintoma, é o velho e sempre disponível antissemitismo.





