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Alan M. Dershowitz
O CASO PELA INDEPENDÊNCIA CURDA E A QUESTÃO PALESTINA
Publicado originalmente pelo Gatestone Institute e reproduzido sob permissão.
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Mais de 90% da população curda do Iraque votou pela independência do Iraque. Embora o referendo não seja vinculante, ele reflete a vontade de um grupo minoritário que tem uma longa história de perseguição e falta de pátria.
O referendo de independência é um passo importante para remediar a injustiça histórica infligida à população curda na sequência da Primeira Guerra Mundial. Contudo, mesmo tendo milhões de pessoas saído às ruas para comemorar, está claro que os desafios de se chegar ao estabelecimento de um Curdistão independente estão apenas começando. O primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, disse: “Vamos impor a soberania do Iraque em todas as áreas do Governo Regional do Curdistão (KRG) com a força da constituição”. Ao mesmo tempo, outros legisladores iraquianos exigiram o julgamento dos parlamentares curdos que organizaram o referendo – destacando especificamente o presidente do KRG, Masoud Barzani.
Enquanto Israel apoiou imediatamente o pleito curdo pela independência, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, tentou extorquir Israel, ameaçando encerrar o processo de normalização diplomática entre os dois países, a menos que esse apoio fosse retirado. Vale ressaltar que o país apoia fortemente a criação de um Estado para os palestinos, mas não para a própria população curda. A liderança palestina, que busca criar um Estado para o seu povo, também se opõe à independência para os curdos. A hipocrisia abunda na comunidade internacional e isso não deve surpreender ninguém.
O caso pelo Estado Palestino é pelo menos tão convincente como o caso do Estado Curdo, mas você não saberá disso se observar a forma pela qual muitos países apoiam o Estado Palestino, mas não o Estado Curdo. O motivo dessa disparidade tem pouco a ver com os méritos dos seus respectivos casos e tudo a ver com os países dos quais ambos procuram ficar independentes. A razão para esse duplo padrão é que poucos países querem opor-se à Turquia, ao Iraque, ao Irã e à Síria; mas muitos desses mesmos países não têm problema algum em demonizar o Estado-nação do povo judeu. Aqui vai, então, o caso comparativo entre curdos e palestinos.
Antes de tudo, um pouco de contexto histórico. Na sequência da Primeira Guerra Mundial, as forças aliadas assinaram um tratado para remodelar o Oriente Médio a partir dos restos do derrotado Império Otomano. O Tratado de Sèvres de 1920 estabeleceu os parâmetros para um Estado Curdo unificado, embora sob controle britânico. No entanto, este Estado nunca foi implementado devido à oposição turca e sua vitória na Guerra de Independência Turca, na qual parte do território destinado aos curdos tornaram-se parte do moderno Estado Turco. Como resultado, a região curda foi dividida entre a Turquia, a Síria, o
Alan M. Dershowitz
Refugiados curdos em Erbil, no Curdistão, Iraque, em 2014.
Iraque e o Irã, e os curdos foram dispersos pelo norte do Iraque, sudeste da Turquia e partes do Irã e da Síria. Embora ninguém saiba hoje o tamanho exato desta população, estima-se que existem cerca de 30 milhões de curdos vivendo nessas áreas.
Em contraste com o povo palestino, que adere às mesmas tradições e práticas que seus vizinhos árabes, além de falarem a mesma língua, os curdos têm idioma singular (embora diferentes grupos falem diferentes dialetos), possuem uma cultura própria, assim como código de vestimenta e feriados. Enquanto a história e a genealogia dos palestinos estão interligadas com a dos seus vizinhos árabes (a população da Jordânia é de aproximadamente 50% palestina), os curdos se mantiveram em grande parte apartados dos Estados onde moram, constantemente aspirando a autonomia política e nacional.
Ao longo dos anos, aconteceram inúmeros protestos e revoltas das populações curdas contra os Estados onde residem. Alguns governantes usaram força bruta para reprimir a dissidência. Considere a Turquia, por exemplo, onde a “questão curda” influencia a política interna e externa mais do que qualquer outra questão. Sofrendo do que alguns historiadores se referem como “Síndrome de Sèvres” – a paranoia decorrente da tentativa dos aliados de destacar partes do antigo Império Otomano para um Estado Curdo – o presidente Erdogan submeteu a população curda do país ao terror e à tirania, incluindo o aprisionamento para os curdos que são pegos “cometendo o crime” de falar sua língua nativa.
Mas talvez nenhum grupo tenha tido pior sorte do que os curdos do Iraque, que agora totalizam 5 milhões – aproximadamente 10-15% da população iraquiana. Sob o regime baathista da década de 1970, os curdos foram sujeitos à “limpeza étnica”. Sob o governo de Saddam Hussein, foram enviados para campos de concentração, expostos a armas químicas e muitos foram sumariamente executados. Estima-se que cerca de 100 mil curdos foram mortos nas mãos do regime baathista. Portanto, “ressarcimento” é um fator inteiramente apropriado a ser considerado – embora certamente não seja o único – no apoio ao estabelecimento de um Curdistão independente no norte do Iraque.
Em contraste, os palestinos sofreram muito menos mortes nas mãos de Israel (e da Jordânia), mas muitos na comunidade internacional citam as mortes palestinas como uma justificativa para o Estado palestino. Por que este duplo padrão?
Há muitos outros motivos convincentes a favor do Estado Curdo. Em primeiro lugar, os curdos iraquianos têm sua própria identidade, práticas, linguagem e cultura. Eles são uma nação coerente com profundos laços históricos
com o seu território. Eles têm suas próprias instituições nacionais que os distinguem de seus vizinhos, seu próprio exército (o Peshmerga) e sua própria estratégia de petróleo e energia. O direito internacional estipulado no artigo 1º da Convenção de Montevidéu sobre os Direitos e Deveres dos Estados estabelece as bases para o reconhecimento da soberania do Estado. O decreto afirma: “O Estado como pessoa de Direito Internacional deve reunir os seguintes requisitos: (a) população permanente, (b) território determinado, (c) governo e (d) capacidade de estabelecer relações com os demais Estados”. O KRG atende a esses critérios, pelo menos tão bem como os palestinos.
Além disso, a Região Autônoma Curda no norte do Iraque – a entidade mais próxima a um Estado que os curdos jamais tiveram – prosperou e manteve uma relativa paz e ordem no contexto de um governo iraquiano fraco e ineficaz e de uma brutal guerra civil. Como tal, ela é uma ilha de estabilidade numa região eivada de violência sangrenta, destruição e Estados fracassados.
Por que, então, os Estados Unidos – juntamente com a Rússia, a UE, a China e as Nações Unidas – se manifestam contra a independência de uma das maiores etnias sem um Estado, ao mesmo tempo em que apoiam fortemente a constituição do Estado Palestino? O Departamento de Estado dos EUA declarou estar “profundamente desapontado” com a ação tomada pelos curdos, enquanto a Casa Branca emitiu uma declaração chamando-a de “provocativa e desestabilizadora”. Essencialmente, a comunidade internacional cita dois fatores para justificar sua ampla rejeição: – Que a independência Curda causará um efeito desestabilizador num já frágil Iraque que pode reverberar em Estados vizinhos com populações curdas; – Que o esforço pela independência desviará a atenção do esforço mais abrangente de derrota do ISIS – que está sendo combatido em grande parte pelas forças da Peshmerga Curda.
Esses argumentos não são convincentes. O Iraque é um Estado fracassado que foi atingido por uma guerra civil nos últimos 14 anos e a população curda no norte representa a única estabilidade real nesse país, ao mesmo tempo em que ela assume o maior papel militar no combate
A liderança palestina, à ocupação do território iraquiano pelo que busca criar um Estado para o seu ISIS. Também não há nada a sugerir que um Curdistão independente suspenda sua cooperação com a coalizão anti-ISIS. Até povo, também se opõe porque a manutenção da cooperação só à independência para traria benefícios para sua recém-conquisos curdos. A hipocrisia tada soberania. Além disso, os curdos iraabunda na comunidade quianos foram um parceiro-chave para a coalizão dos EUA que derrubou o regiinternacional e me de Saddam Hussein e impediu novas isso não deve tensões sectárias nesse país. Uma coisa é surpreender ninguém. clara: se os Estados Unidos continuarem a negligenciar seus “amigos” e aliados na região – aqueles na linha de frente na luta contra o ISIS – o dano à sua credibilidade só aumentará. Israel é a única democracia ocidental a se manifestar em apoio à independência curda no norte do Iraque. Esperava-se que, em coerência com sua luta pelo Estado Palestino, a Autoridade Palestina (AP) apoiasse os esforços curdos para a independência. No entanto, a AP se alinhou na posição oposta. Hasan Khreisheh, do Conselho Legislativo Palestino, declarou sobre o referendo: “Os curdos são uma nação, da mesma forma que os árabes, os franceses e os ingleses. Mas este referendo não é um passo inocente. O único país a apoiá-los é Israel. Uma vez que Israel está por trás deles, então, do meu ponto de vista, precisamos ter cuidado”. Claramente, não há limites para a hipocrisia da Autoridade Palestina. Nem há limites para a hipocrisia daqueles estudantes universitários e professores que demonstram eloquente apoio ao Estado palestino, mas ignoram ou se opõem aos curdos. Quando foi que você leu sobre uma manifestação em favor dos curdos em um campus universitário? A resposta é nunca. Ninguém que apoie o Estado para os palestinos pode opor-se moralmente à independência curda. Mas eles o fazem porque é a hipocrisia do duplo padrão, e não a moral, que caracteriza o debate sobre o conflito israelo-palestino. Alan M. Dershowitz é Felix Frankfurter, professor emérito de Legislação na Harvard Law School e autor, entre outros livros, de Trumped Up! How Criminalization of Political Differences Endangers Democracy, recém-lançado. Traduzido do inglês por Raul Cesar Gottlieb.
PeterHermesFurian/istockphoto.com Revista da Associação Religiosa Israelita-ARI | devarim | 35
