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Vittorio Corinaldi

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Amir Taheri

Amir Taheri

DIAGNÓSTICO E PROGNÓSTICO NA SOCIEDADE ISRAELENSE

O acontecido no processo do soldado El-Or Azaria é apenas uma amostra do que já há tempo vem acontecendo com o Poder Judiciário: um ataque contínuo por parte dos círculos de direita, no sentido de limitar a autonomia dos tribunais e condicioná-la à orientação do governo.

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Vittorio Corinaldi

Sinais preocupantes de doença se fazem notar na sociedade israelense de hoje. À sua frente, quem deveria conduzir a ação e o debate para as urgentes tentativas de saneamento, assume, ao invés disso, atitudes absolutamente contrárias à postura de líder responsável que se espera de um governante.

Cada dia vêm à tona novos sintomas patológicos, que se manifestam praticamente em todos os setores da vida do país. O mais grave é, sem dúvida, a revelação dos interesses corruptos que se infiltraram no processo de compra de submarinos e navios para a Marinha de Israel, e que – alcançando montantes astronômicos desviados para os bolsos de alguns personagens envolvidos – constitui uma perigosa transformação na tradição de isenção e objetividade que sempre foi associada ao tratamento dado aos assuntos de defesa, e um golpe fatídico na até hoje unânime confiança que se outorga ao Tsahal – o Exército de Defesa de Israel.

Outro episódio em que o prestígio do exército se vê contestado é o do soldado El-Or Azaria, recentemente condenado por tribunal militar a 18 meses de prisão, pena anunciada após um longo processo que despertou fortes polêmicas e emoções. Azaria foi acusado de ter matado a sangue frio na cidade de Hebron um árabe que já fora subjugado após um ataque terrorista que perpetrou, e jazia ferido ao solo, sem mais representar perigo.

O caso, plenamente comprovado e documentado, foi inflado por círculos da direita radical, que, ainda antes do veredicto final, e encorajada por prematuras e irresponsáveis declarações dos próprios ministros a começar por Neta-

niahu, transformou o caso num desafio da “esquerda” àquilo que muitos consideram o legítimo e patriótico comportamento do soldado israelense.

O conceito de “esquerda” inclui naturalmente também a própria Justiça Militar, que – contrariamente à imagem que o nacionalismo extremista procura criar – se manteve firme e autônoma, não se deixando influenciar pela atmosfera de ruidosa demagogia que acompanhou o processo.

O soldado acusado, agora revestido pela imagem de herói perseguido, parece ser um dos inúmeros jovens manipulados pela propaganda direitista, que sistematicamente vem procurando manchar e deslegitimar tudo o que se relaciona com os cidadãos árabes de Israel ou com os palestinos dos territórios (“ocupados”, segundo a opinião da maioria; “libertados” segundo os radicais messiânico-nacionalistas). Acredito que seu comportamento no incidente de Hebron foi instintivamente instigado por essa atmosfera de violento “patriotismo” patrocinada pelo poder estabelecido, e ele se deixou levar na corrente de um “amor” piegas a que seu público simpatizante e sua emotiva família o arrastaram.

Azaria foi representado na Corte militar pelo advogado Yoram Sheftel, astuto magistrado que se celebrizou pela defesa de réus cuja aparente e provada culpabilidade apresentava, porém, dúvidas jurídicas difíceis de refutar. O que no passado acabou em absolvição, como a do conhecido caso do criminoso nazista ucraniano Demianjuk.

Sheftel se distingue também por um discurso agressivo e provocativo, que não hesita em ofender e contestar até mesmo pedras básicas do edifício nacional israelense. No caso de Azaria, seu método não surtiu efeito. No entanto, ele ainda procura conduzir por vários meios a uma solução de anistia, que deveria ser concedida pelo Chefe do Estado-Maior do Exército, o General Gadi Eisenkot. Este personaliza bem a linha objetiva que prestigia as instituições da estrutura do Exército, como o Tribunal Militar, cujas decisões ponderadas não podem ser despre-

O atual espírito da zadas ou modificadas por força de pressociedade israelense não permite esperar sões alheias ao conteúdo jurídico. E não há motivos não já avaliados no processo que possam fazer prever redução ou canuma volta à linha celamento da pena. Assim, é de se esperar declaradamente que acalorados debates ainda acompanhalaica dos anos do rão o caso – formalmente encerrado com estabelecimento a entrada do soldado na prisão. E também o comandante do Exército será vítichalutsiano. Ganha ma de virulentas acusações de “esquerdisimportância a visão ta”, características da linguagem fomentaliberal do Judaísmo da pelo governo.

Progressista, na qual O acontecido neste processo, porém, uma sadia consciência é apenas uma amostra do que já há tempo vem acontecendo com o Poder Judijudaica atualizada ciário: um ataque contínuo por parte dos com o mundo de círculos de direita, no sentido de limitar hoje procura uma a autonomia dos tribunais e condicionáinterpretação aberta e inquiridora das raízes, -la à orientação do governo. Isto é particularmente grave porque, em Israel, não havendo até hoje uma admitindo também um Constituição, é o Supremo Tribunal que contingente não fanático funciona como instância constitucional, de culto e cerimonial. e nessa veste põe freio à avalanche de leis populistas, antidemocráticas e hostis aos direitos elementares dos cidadãos, que um Parlamento estranho às suas verdadeiras funções e orientado por interesses menores e politiqueiros vem sistematicamente tentando sancionar. O diagnóstico negativo do estado da sociedade israelense se manifesta também em outros casos agora presentes na pauta do debate público, que se procura distorcer para desviar a atenção da probabilidade de que o primeiro-ministro (e sua gananciosa, caprichosa e influente esposa, refratária aos princípios de modéstia e de transparência fiscal que se exige de sua posição) venham a ser chamados a processo em virtude de escusos comportamentos no terreno pessoal, familiar ou público. Neste último, é inverossímil a tese que Netaniahu sustenta, de que não estava a par das negociatas que seus emissários e homens de confiança praticaram usando de suborno e distorção de dados, ou explorando posições-chave em consórcios vitais para o país. Netaniahu tem reputação de despejar sobre outros a responsabilidade por erros e desfeitas, assim como creditar para si sucessos de que não é o autor.

Recentemente fez convocar um grande comício de seu partido, o Likud (organizado nos moldes de campanha eleitoral pelo deputado Bitan, o grosseiro e agressivo chefe da coalisão parlamentar), no qual se lançou com violência contra indefinidos solapadores de seu governo que ele identifica genericamente como “a Esquerda” e “a Imprensa”.

Menosprezando o fato de que as investigações agora em curso são levadas a cabo pela autoridade policial e pela Procuradoria do Estado por ele próprio indicados, ele faz uso da mesma linguagem incitatória que o caracterizou em outros momentos dramáticos de sua carreira. E antecipando-se a qualquer decisão judicial que estabeleça o destino das investigações de que é objeto, ele representou no comício o papel do “inocente perseguido”, pleiteando demagogicamente o apoio da massa contra nebulosas instituições hostis, que se interpõem em seu “eficiente”, “patriótico”, “dedicado” caminho na defesa do país, que ele desinteressadamente conduz com gestos de monarca!

Mas não é pelo aspecto sensacionalista das notícias que resolvi trazer o assunto a estas páginas: a enumeração dos resultados do mau governo de Netaniahu poderia ser alargada consideravelmente, dentro de um espírito talvez vingativo, talvez mexeriqueiro, que não cabe num periódico como Devarim.

O que sim me motiva é a expressão de revolta e profunda preocupação com que assistimos a uma imoral, inescrupulosa e cínica utilização do patrimônio material e espiritual contido na experiência sionista.

Apesar do justificado orgulho ou do pretensioso ufanismo com que essa experiência é apresentada à opinião judaica e mundial, ela ainda é demasiado frágil, demasiado assentada em anseios de valores universais de justiça e humanismo, para ser manipulada e ameaçada por traficantes; para ser arena de conchavos, instrumento de poder por parte de indivíduos indignos da validade ética do inigualável movimento. E é preciso que todo judeu de consciência, em Israel e na Dispersão, laico ou religioso, reformista ou ortodoxo, liberal ou conservador – levante sua voz, materialize seu protesto antes que seja irremediavelmente tarde! Antes que critérios setoriais e interesses particulares de maior ou menor fundamento político, ideológico, cultural ou teológico; de maior ou menor suposta lógica econômica – ponha por terra a inédita criação que a História não mais nos deixará repetir!

O caminho para isto será certamente árduo e penoso. Ele terá que passar pelo inevitável abandono dos assentamentos judaicos na Cisjordânia: passo impossível de ser dado enquanto o governo for manipulado por interesses

setoriais e continuar a ser controlado pela pressão política do partido Nacional-Religioso (genericamente identificável pelo uso da “kipá” de crochê).

À diferença dos demais partidos ortodoxos (que, mais do que pela santificação da Terra Prometida, se preocupam com a manutenção das gordas regalias que, em troca do apoio à coalisão governamental, lhes são concedidas para a continuidade de suas instituições e seus guetos anacrônicos) – o Partido Nacional-Religioso (rebatizado como “O Lar Judaico”) coloca como ponto principal de sua plataforma a anexação de todo o território da suposta Eretz Israel bíblica. Seus adeptos não se distinguem por características de roupagem que facilmente revelam a identidade dos demais judeus ortodoxos, mas sim adotam a vestimenta moderna e algumas atitudes de abertura para costumes atualizados – que, porém, mascaram uma intransigência religiosa tão severa quanto a dos ultraortodoxos. Para fazer justiça, é necessário afirmar que não todos os ortodoxos modernos são nacionalistas-messiânicos. Contudo, quase todos os religiosos nacionalistas-messiânicos são ortodoxos.

Sua crença cega na trilogia indivisível: Povo de Israel, “Torá” de Israel, Terra de Israel os encaminha para o serviço militar ativo (negado pelos demais grupos ortodoxos), como um caminho para consolidar a progressiva anexação do território palestino.

Eles vêm ocupando cada vez mais cargos de comando e graus de oficialidade nas fileiras do Exército, empenhando-se na introdução de um regulamento religioso que – sem negar o prestígio das Unidades Combatentes de Elite – vem sorrateiramente modificando o caráter aberto e democrático do Tsahal numa direção condizente com costumes religiosos ortodoxos obsoletos e discriminatórios.

O líder do partido (que se considera candidato à cadeira de primeiro-ministro) é também o atual ministro da Educação. Jovem empreendedor proveniente do setor da Indústria high-tech, até pode criar uma ilusão de político moderno, disposto a dialogar com todos os ramos do público judaico e israelense. Atrás disso, porém, se esconde a mesma linha de fanatismo messiânico, aplicada não só ao

É hora de pôr fim ao assentamento nos territórios, como tamexaustivo conflito já secular, e empregar bém à difusão da doutrina religiosa infiltrada nas mais diversas modalidades do ensino, desde o infantil até o acadêmico. recursos materiais Acredito que uma das chaves para o e intelectuais para almejado saneamento do poder públiencontrar com co israelense está na neutralização desinteligência e boa-fé a sas tendências “messiânicas”. O atual es pírito da sociedade israelense não permi solução sensata a que te esperar uma volta à linha declaradaa maioria do público mente laica dos anos do estabelecimenjudaico aspira, e que to chalutsiano. Ganha então importântambém o parceiro cia a visão liberal do Judaísmo Progressispalestino não se ta, na qual uma sadia consciência judai ca atualizada com o mundo de hoje pro negará a aceitar. cura uma interpretação aberta e inquiridora das raízes, admitindo também um contingente não fanático de culto e cerimonial. Será, então, dentro de uma corrente desta natureza que partidos oponentes à atual situação poderão, embora mantendo a gama de opiniões e fontes diferentes que cultivam, chegar à substituição das forças que hoje estão no poder. A realidade contaminada do presente momento terá que terminar, e é preciso que o esforço conjunto do público israelense equilibrado e do judaísmo mundial esclarecido restituam o feito sionista à sua única, autêntica e vital vocação pacífica, democrática e humana. Se isto não se der, nenhum argumento nos porá em posição de merecido reconhecimento por parte da comunidade dos povos. E nenhum artifício de sobrevivência pela espada garantirá a continuidade de nosso contestado renascimento. É hora de pôr fim ao exaustivo conflito já secular, e empregar recursos materiais e intelectuais – não para novos e cada vez mais sofisticados ou absurdos instrumentos de defesa, e sim para encontrar com inteligência e boa-fé a solução sensata a que a maioria do público judaico aspira, e que também o parceiro palestino (contrariamente a quanto a retórica de Netaniahu procura fazer crer) não se negará a aceitar. Vittorio Corinaldi é arquiteto formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-SP), vive em Israel desde 1956. Foi membro do Kibutz Brach Chail e atuou em diversas funções ligadas à arquitetura, planejamento e organização dentro do movimento kibutziano.

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