14 minute read

Seção Livros

RESENHAS LIVROS

Catch the Jew!

Advertisement

De Tuvia Tenembom, editado em 2015 por Gefen Publishing House, Jerusalém.

Este é seguramente o livro mais engraçado que você vai ler a respeito do conflito entre árabes e judeus no Oriente Médio. Nenhum dos seus cinquenta e cinco (!) capítulos é desprovido de humor, sendo alguns absolutamente sensacionais.

E ao mesmo tempo, se você for um sionista, este é um dos livros mais tristes que você vai ler a respeito do conflito. Principalmente por conta dos fatos que ele revela e da bem fundamentada percepção do autor do livro a respeito do futuro de Israel.

Tuvia Tenembom nasceu em Bnei Berak, Israel, em 1957, num lar ultra-ortodoxo e anti-sionista. Há 33 anos abandonou a perspectiva de ser tornar mais um Rabino na longa linhagem de sua família, porque, em suas palavras, “decidi que Deus era forte o suficiente para tomar conta de si mesmo sem a minha ajuda”. Foi para Nova Iorque, onde vive até hoje, e adquiriu formação acadêmica, sendo diplomado em matemática, ciências da computação, escrita dramática e literatura. É o fundador e diretor artístico do “Te Jewish Teater of New York”. Fala fluentemente inglês, alemão, hebraico e árabe.

Apoiado por sua nada convencional formação e experiência de vida, Tuvia escreveu dois livros (além de 16 peças de teatro e inúmeros artigos) igualmente nada convencionais. O primeiro se chama “I Sleep in Hitler’s Room” e o segundo é este que estamos analisando: “Catch the Jew!”.

Ambos os livros são o fruto de prolongadas imerções jornalísticas, respectivamente, na Alemanha e Israel. Se apresentando como jornalista alemão (o que ele realmente é, pois contribui com publicações alemãs) e omitindo (mas jamais mentindo a respeito) sua identidade judaica, ele obtém entrevistas extremamente reveladoras. Principalmente em Israel, onde o fato de entender árabe, sem que seus interlocutores tenham o menor vislumbre disso, faz com que ele capte com perfeição o que se passa por trás do teatro armado em algumas visitas e entrevistas.

E de teatro Tuvia (ou Tobi, o jornalista alemão, que é como ele se apresentou em Israel) entende muito! A partir disso ele revela o quadro hilariante e assustador da encenação palestina a respeito da crueldade da ocupação israelense; da insistente e virulenta manipulação antiisraelense perpetrada pelas ONG internacionais (principalmente as alemãs); e da insegura e apologética (com relação ao conflito que lhe foi imposto pelos árabes) identidade dos judeus israelenses.

A seguir trechos extraídos do “Portão 54” (o autor titula os seus

capítulos como “portões”, visto que cada um deles descreve uma abertura que lhe foi franqueada), a respeito de sua experiência numa das famosas demonstrações anti ocupação da aldeia de Bil’in:

“Lenta, mas consistentemente, o show vai tomando forma, e os vários atores se colocam em suas posições. Primeiro os jornalistas europeus e a mídia árabe. Carregando grandes câmeras, pequenos microfones e outros equipamentos, eles se movem para suas posições no ‘palco’. Eu imaginava que o jornalismo descreve os eventos, mas percebo que é o contrário. Como posso ver aqui os jornalistas são os protagonistas e apenas depois deles terem se colocado os demais também se colocam.”

“Cada pessoa aqui tem um papel único dentro do show. Em outras palavras: todos são atores. E tudo funciona em etapas: jornalistas tomam posição, crianças vendem quinquilharias, e o coro - os anciãos que rezam - está agora se colocando em seu lugar.” …

“Na direita brancos esquerdistas levantam grandes cartazes contra o racismo dos judeus no momento em que o imam berra pesadas injunções racistas em árabe. Os dois grupos, árabes rezando e estrangeiros de kefiah fazem uma combinação muito interessante.” …

“As câmeras de TV filmam enquanto os Shabab continuam com mais e mais tiros e os soldados respondem com uma barragem de latas de gás lacrimogênio.” …

“Ato III, cena 4. A Sky News está deixando a arena.

Ato III, cena 5. Lentamente os demais jornalistas e times de filmagem começam a se afastar.

O New York Times publicou uma resenha na qual glorifica o filme 5 Câmeras Quebradas, a respeito dos protestos de Bil’in e nomeado para o Oscar. Se você está sentado em Nova Iorque e vê o documentário consegue acreditar que o que você vê é real. Mas quando você está aqui em Bil’in e entende árabe você tem a percepção correta. Os ‘protestos de Bil’in’ são um show de “Alá está com vocês, matem os judeus!”

Tuvia conclui seu livro da seguinte forma:

“Testemunhar o tremendo investimento e inúmeras tentativas dos europeus, especialmente os alemães, todas direcionadas para desestabilizar os judeus nesta terra, em Israel, foi uma experiência extremamente perturbadora. Ser coberto de amor pelos árabes simplesmente porque eles imaginavam que eu era um Ariano, um Alemão, foi muito incômodo. Observar os judeus e ver quão impotentes eles são, mesmo agora que têm seu estado, foi muito angustiante.

Se a lógica faz algum sentido, então Israel não vai sobreviver. Assediado por ódio de dentro e de fora, nenhum país pode sobreviver por muito tempo.

Milagrosamente os judeus construíram um dos países mais sofisticados, intenso e belo de nossos tempos, mas o que eles estão fazendo para preservá-lo? Eles se odeiam, eles se contradizem, eles estão cheios de medos e muitos correm para obter um outro passaporte; eles querem voltar para a Polônia, para a Áustria, para a Alemanha - países nos quais seus antepassados foram caçados e mortos.”

É realmente um livro muito triste, escrito com muita leveza, porém muito triste. Demonstra com fatos e evidências no campo que o ódio aos judeus continua muito vivo na Europa e que cresce assustadoramente entre os árabes. Contudo, mais que isto, mostra que os judeus continuam se culpando pelo ódio a eles dirigido. Depois de ler o livro de Tenembom ficamos com a impressão que os judeus parecem não conseguir perdoar o seu próprio sucesso.

Herege

De Ayaan Hirsi Ali, editado em 2015 pela Companhia das Letras, São Paulo.

Em ______, um grupo de ______ fortemente armados, vestidos com máscaras negras, irrompeu num ______ em ________, abrindo fogo e matando um total de _______ pessoas. Os atacantes foram filmados gritando “Alahu akbar!”.

Falando numa coletiva para a imprensa, o Presidente ______ disse: “Nós condenamos este ato criminoso perpetrado por extremistas. Sua tentativa de justificar a violência em nome da religião da paz não vai, contudo, ser bem sucedido. Nós também condenaremos com igual determinação aqueles que usarem esta atrocidade para um pretexto para cometer crimes de ódio islamofóbico”.

Assim começa o mais novo livro de Ayaan Hirsi Ali e ela afirma que a fórmula acima descreve dezenas de situações recentes. Para particularizalas basta preencher as lacunas. O livro foi escrito neste ano após o atentado ao Charlie Hebdo, contudo aquele atentado não lhe trouxe nenhuma percepção nova. De fato, há 13 anos Ali se dedica à missão de revelar ao mundo que o Islã não é a “religião da paz” ou “do amor”, muito pelo contrário.

E se fosse apenas para fazer esta revelação não seria necessário escrever mais um livro. Em suas três obras anteriores – Infiel (2007), A Virgem na Jaula (2008) e Nômade (2010) – isto já havia ficado meridianamente claro. A partir da condição sub humana da mulher no Islã, Ali denuncia a cultura violenta e supremacista na qual nasceu e da qual se afastou para a felicidade de nós todos, que ganhamos uma observadora muito corajosa. Uma analista que não hesita em declarar publicamente que enquanto para o ocidente a igualdade entre todos os humanos é algo indiscutível, para o Islã, oprimir a mulher é uma questão de princípios.

A novidade deste livro de Ali é que nele ela propõe a solução para a violência no Islã: uma reforma religiosa, tal qual aconteceu no judaísmo e no cristianismo.

Ela divide os muçulmanos (independente de serem sunitas, xiitas, etc.) em três grandes grupos: o primeiro é composto pelos fundamentalistas que afirmam a necessidade de viver estritamente conforme a lei religiosa islâmica, que acreditam não ter sido modificada desde o sétimo século da era comum. Mas muito mais que isto, eles acreditam que é uma imposição de sua fé religiosa obrigar todos os demais a pensar e agir como eles. Eles tentam não apenas seguir os ensinamentos de Maomé, mas também emular o seu comportamento guerreiro. São eles que chamam os judeus e cristãos de “macacos” e “porcos” e definem o judaísmo e o cristianismo como “religiões falsas”.

Ela cita uma estimativa que apenas três porcento dos muçulmanos podem ser definidos como fundamentalistas, mas isto não significa que eles sejam insignificantes, pois 3% de 1,6 bilhões de pessoas (48 milhões) podem fazer um estrago considerável. E além disso, Ali acredita que a proporção seja bem maior. O segundo grupo compõe a grande maioria dos muçulmanos. São pessoas comprometidas com a essência de sua fé, mas que não se inclinam para a violência. Frequentam as mesquitas, se alimentam e se vestem conforme ordena a religião e focam na observância religiosa.

Contudo, estes muçulmanos têm um grande problema: suas crenças religiosas os colocam em difícil tensão frente a modernidade. Os valores do racionalismo e da individualidade são fundamentalmente corrosivos para as sociedades tradicionais, especialmente para as hierarquias baseadas no gênero, idade e herança social.

Para muitos destes muçulmanos, depois de anos de dissonância provocada pela tensão acima descrita, parece só haver dois caminhos: abandonar o Islã completamente (como fez Ali) ou relegar a rotina de observância religiosa para os fundamentalistas que rejeitam a modernidade do Ocidente.

E é para estes muçulmanos que Ayaan Ali escreveu o seu livro. Claro que ela entende que eles provavelmente não vão prestar atenção para uma pessoa que abandonou a fé, que se tornou uma apóstata e uma infiel. Mas ela espera que eles possam reconsiderar se conseguir persuadi-los a pensar nela não como uma apóstata, mas como uma herege (daí o título do livro), como uma dissidente.

Ali se coloca firmemente no terceiro grupo de muçulmanos que ela identifica: os dissidentes, os muçul-manos

que buscam mudanças. Aqueles que concluíram que não conseguem mais ser crentes, contudo desejam firmemente se engajar no debate sobre o futuro do Islã. São pessoas que chegaram à conclusão que sua religião tem que mudar para que seus seguidores não sejam condenados a um ciclo interminável de violência política.

Ela identifica cinco pilares que devem ser modificados ou sumariamente descartados no Islã: divina de Maomé, junto com a leitura literal do Corão. te, em vez de na vida antes da morte. derivada do Corão, o hadith e o restante da jurisprudência islâmica. -

zer cumprir a lei Islâmica pela imposição do certo e proibição do errado. ou guerra santa.

O livro analisa cada um destes pontos, reconhecendo que muitos muçulmanos se sentirão desconfortáveis com a análise crítica. Mas ela afirma que é justamente a total falta de pensamento crítico que prejuduca o Islã hoje e que mesmo que o livro acenda apenas uma pequena faísca de discussão ela já se sentirá recompensada.

O livro é otimista. Contra todas as evidências ela imagina que a reforma do Islã já tenha começado, mesmo que timidamente. Ali termina seu livro comentando as palavras do clérico iraquiano Iyad Jamal Al-Din:

“Não devemos embelezar as coisas e dizer que o Islã é uma religião de compaixão, paz e água de rosas, e que tudo está bem”.

Ela diz que as coisas realmente não estão bem, mas que o simples fato destas palavras poderem ser proferidas é uma das razões pela qual ela acredita que a Reforma Islâmica já tenha começado.

Nós todos somos testemunhas do imenso benefício que a Reforma Judaica causou aos judeus, que conseguiram se inserir no mundo e progredir tremendamente sem ter que abandonar a sua religião e suas tradições. Até mesmo o mundo ortodoxo, que declara não ver valor na Reforma, adotou inúmeras de suas posições e conseguiu a inserção no Ocidente democrático. Sem a menor dúvida que se as teses de Ayaan Hirsi Ali forem vitoriosas o mundo será um lugar melhor de se viver.

Vanbeets / iStockphoto.com Revista da Associação Religiosa Israelita-ARI | devarim | 69

The Talmud – A Biography

De Harry Freedman, editado em 2014 por Bloomsbury Publishing, Londres.

Oprefácio e a introdução compõem um excelente resumo deste interessante livro. Assim que a seguir reproduzimos todo o prefácio e o começo da introdução:

PREFÁCIO

Esta á a história de um livro. Um livro que define a religião dos judeus. Um livro que, provavelmente, define os judeus.

Muitos livros não têm uma história, no máximo têm uma narrativa sobre a história de sua publicação e a subsequente receptividade pelo público. Mas o Talmud tem mais do que uma simples história, ele tem uma história conturbada. Uma história que, de muitas formas, reflete a história do povo judeu.

O Talmud foi composto como um registro das discussões entre os estudiosos e os sábios na antiga diáspora judaica das cidades e aldeias próximas a Bagdá. A medida em que os judeus se dispersaram pelo mundo o Talmud foi com eles, viajando por rotas comerciais e migratórias para o Magreb, Europa, Arábia e o Leste. Ele se tornou o fundamento do sistema legal judaico, o alicerce da fé judaica. Para os judeus ele se tornou ainda mais importante que a Bíblia.

Os judeus habitaram entre muitas e diversas culturas. Eles intercambiaram ideias e perspectivas com seus vizinhos. Os primeiros contatos entre o Judaísmo e o Islã produziram uma intensa fertilização intra-cultural, cujos efeitos ainda podem ser discernidos na lei Talmúdica e Islâmica. Os encontros medievais entre os judeus e os cristãos foram menos benignos, a Igreja considerava o Talmud como o obstáculo que a impedia converter os judeus. Sua resposta foi desafiá-lo, queimá-lo, banílo e censurá-lo.

Gerações posteriores, particularmente na Europa protestante, exploraram o Talmud por suas ideias, apesar destas gerações também estarem direcionadas para converter os judeus. Encontramos filófosos e poetas, republicanos e reis, clérigos e professores, todos sondando o Talmud, buscando inspiração, apoio e validação para os seus pontos de vista específicos.

Mas o mais formidável desafio ao Talmud veio dos próprios judeus. Rejeccionistas, pretensos messias e sábios o vilipendiaram, procurando deslegitimizá-lo ou, no mínimo, diminuir a sua influência. Mas, como os judeus, a capacidade de sobrevivência do Talmud não tem limites. Hoje em dia ele é estudado por mais pessoas que em qualquer momento de sua história.

Por uma perspectiva a história do Talmud é a história dos judeus. Por uma outra, ele é uma janela para o desenvolvimento da civilização do mundo. A história do Talmud é o testamento do que pode acontecer, para o bem e para o mal, quando a literatura de uma cultura entra em contato, ou em conflito, com as crenças e valores de uma outra. Por outro lado, ele ilustra as consequências de uma sociedade auto contida e que olha para dentro quando os seus textos definidores são confrontados com novas ideias vindo do exterior.

O Talmud é um clássico da literatura mundial. É uma obra maciça, antiga e aparentemente impenetrável. Pessoas dedicam as vidas ao seu estudo. Mas este livro não é sobre o que está contido no Talmud. Esta é a história sobre o que aconteceu ao Talmud e o seu papel na história do mundo, na religião e na cultura. Este livro não é uma obra para eruditos ou especialistas. É um livro para os que querem conhecer a história de de um dos grandes clássicos da literatura antiga, apesar de ser muito menos manuseado, fora do círculo judaico, do que Homero, Chaucer ou Ovídio. O conteúdo do Talmud pode ser exotérico. Mas sua história pertence a nós todos. Por que praticamente não existe nenhum centímetro quadrado na superfície do mundo sobre o qual a sua história não tenha, a um determinado momento, atuado.

INTRODUÇÃO – O QUE É O TALMUD?

Cada nação tem suas leis. Poucas nações registram sistematicamente os processos, as discussões filosóficas e os argumentos legais que levaram àquelas leis. Todos sabem que as leis existem por algum motivo. Mas o motivo em si não faz muita diferença no cotidiano das pessoas.

Os judeus são diferentes. O mesmo valor é atribuído ao estudo do processo pelo qual suas leis emergiram do que ao conhecimento das leis em si. Na verdade, é dito que estudá-las é mais importante do que observá-las, visto que o estudo conduz á observância.

Os judeus são conhecidos como o Povo do Livro. Mas na na verdade eles são o povo dos dois livros. O livro mais antigo, a Bíblia Hebraica é considerado sagrado, a palavra de Deus revelada. Mas o livro mais recente, o Talmud feito pelos homens, é o mais significativo para se entender o judaísmo.

A Bíblia Hebraica é o fundamento da religião judaica. É a base da crença judaica e origem de sua ética, ritual e legislação social. Mas a Bíblia trata de conceitos, princípios e generalizações; ela raramente se pronuncia sobre o detalhe de suas injunções. Já o Talmud é o registro de discussões que aconteceram ao longo de séculos, discussões que se apoderaram dos princípios estabelecidos pela Bíblia e deram formato à religião.

Concluíndo, agora sem mais citar o texto original: o livro que contém a nossa tradição milenar é fruto de uma tradição judaica ainda mais antiga – a investigação e o questionamento a respeito da nossa relação com Deus e do nosso relacionamento com os demais humanos e com a natureza em todas as situações da vida. Porque entendemos que sem a discussão e adequação continuada de Suas leis estaríamos traindo a confiança que Deus nos confiou ao depositá-las conosco.

O Dr. Harry Freedman produziu um importante registro histórico, de leitura extremamente agradável e interessante. Vale a pena ler sua obra.

This article is from: