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Rabino Joseph A. Edelheit
COMPARTILHANDO NOSSOS PESADELOS E NOSSO AMOR
Rabino Joseph A. Edelheit
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Onovo governo esquerdista de Madri enfrentou seu primeiro teste há poucos meses, quando seu representante encarregado da pasta de cultura foi obrigado a se desculpar por tuitar piadas sobre o Holocausto. Ativistas universitários norte-americanos favoráveis ao BDS (Boicote-Desinvestimento-Sanções) rotularam o conflito israelense-palestino como sendo uma forte opressão a um grupo fragilizado e estabeleceram alianças com as organizações do campus defensoras dos direitos das minorias negras, latinas, asiáticas, indígenas, feministas e gays. Tais coalizões, que conectam a causa palestina a temas como a brutalidade policial e aos direitos de imigração e dos gays, surpreenderam muito as pessoas que ocupam há mais tempo posições de liderança judaica, pois há menos de uma geração eram elas que faziam parte destes grupos, tidos como progressistas.
Duas moças de 17 anos, de Nova Iorque, relataram terem sido vítimas de repetidos atos de “bullying” anti-semita: enfiaram dinheiro na boca de uma delas, a outra passava por suásticas pintadas a torto e a direito nos corredores e armários da escola. No entanto, as autoridades daquele Distrito Escolar de Pine Bush Central, praticamente rural, muito pouco esforço fizeram para combater o abuso.
O cidadão branco de classe média/alta de Missouri, acusado de assassinar três pessoas em dois locais judaicos em um subúrbio de Kansas City no ano passado, disse a um tribunal que as mortes tinham sido necessárias e eram um direito seu. “Eu queria ter certeza de que, antes de morrer, eu tivesse matado ou A postura mais produtiva que podemos ter para enfrentar todo tipo de ódio é o trabalho comunitário visando o estabelecimento de parcerias. O antissemitismo não é só um problema para os judeus. Este tipo de ódio também surge contra os negros, as mulheres, os deficientes, os pobres e ignorantes, a comunidade GLBT e assim por diante.
atacado alguns judeus”, declarou ele a um jornal. Nenhuma das vitimas era judia.
Uma auditoria do antissemitismo realizada pela Liga da Anti-Difamação da America concluiu que em 2014 os incidentes antissemitas haviam aumentado 21% em todo o território norte-americano, em “um ano especialmente violento para os judeus”.
Há pouco tempo um jogo de futebol holandês foi interrompido por uma horrenda manifestação por parte dos torcedores, que entoavam ofensas antissemitas, fazendo com que os diretores do time da casa, o Utrecht, se desculpassem pelos gritos chocantes que vinham das arquibancadas, como por exemplo, “Hamas, Hamas, judeus ao gás” e “Judeus são os melhores para queimar”.
Apareceu um lembrete de que o manifesto de Hitler, “Mein Kampf”, proibido desde a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial será finalmente republicado na Alemanha em 2016, embora com notas críticas, uma vez que o copyright vigente, detido pelo estado da Bavaria, expira no final deste ano.
É possível que o retrocesso mais assustador nestas décadas tenha sido o momento em que o presidente do Conselho Central dos Judeus da Alemanha, Josef Shuster, disse que os judeus deveriam considerar não usar seus kipot tradicionais em algumas “regiões problemáticas” de Berlim, para evitar hostilidades.
Estas são umas poucas das “manchetes” mais óbvias que nos falam de antissemitismo hoje em dia, e naturalmente não inclui os assassinatos de judeus na Franca, na Bélgica, e os cometidos pela ISIS simplesmente porque as vitimas eram judeus!
Como devemos reagir em 2015, 70 anos depois da liberação dos campos de morte da Europa nazista? Será que a decisão do povo judeu de realizar seu caráter nacional singular em Israel se transformou na mesma fonte de ódio que levou Teodor Herzl a desenvolver o Sionismo, com o objetivo de mitigá-la? Quando os judeus do mundo todo apóiam o direito do nosso povo de ter uma nação, uma cultura, e sim, um governo democrático que como todos
Minha afirmativa os governos comete erros, será que todos básica de que os judeus precisam os judeus passam a ser responsáveis pelo governo de Israel? O fato de que eu canto HaTikvah com lágrimas nos olhos e sauaprender e ensinar dade no coração faz com que eu seja um como lutar contra toda cidadão desleal para com o pais onde vivo e qualquer forma de e educo minha família? discriminação é um Há um texto rabínico, o Talmud da Babilônia, Kidushin 29a, no qual aprenideal que vai exigir demos o que é preciso que um pai faça muita preocupação por seu filho e que inclui ensinar a criança comunitária e um a nadar. Isto seria uma peculiaridade anvolume de construção tiga? Não, é uma obrigação pratica de sode relacionamentos brevivência! A partir deste texto rabínico compreendemos que em nossos dias toquase infinito. Para dos os pais judeus estão obrigados a enmim, este objetivo sinar a seus filhos a nadar na feia profunfinal, construir didade do ódio na internet, a nadar conrelacionamentos, é o nosso alvo mais tra as marés selvagens das afirmativas da imprensa e também a nadar nas correntes perigosas das notícias diárias sobre Israel importante. – somos obrigados enquanto pais, avós, irmãos mais velhos, e líderes comunitários a ensinar a geração que nos segue a sobreviver às marés crescentes de antissemitismo. Em 1654, quando os primeiros 23 judeus oriundos do Recife, no Brasil, chegaram aos Estados Unidos, se depararam com o mesmo antissemitismo cristão europeu que levara os judeus holandeses já ali estabelecidos a fugirem da Inquisição portuguesa. Hoje os mais de seis milhões de judeus que ali vivem nos EUA têm muito poder em todos os níveis da cultura, da economia e do governo, mas ainda assim há um ranço persistente e irracional de ódio. No Brasil, em uma população de 205 milhões de habitantes não se contam mais de 100 mil judeus; em outras palavras, praticamente só há judeus nas cidades grandes, e, no entanto, segundo a auditoria global da Liga Anti-Difamação cerca de 22 milhões de brasileiros adultos demonstram ter atitudes antissemitas. A pesquisa pede que a pessoa concorde ou não com dez afirmativas: os judeus são mais leais a Israel do que a seu próprio pais; os judeus têm poder demais no mundo dos negócios; os judeus têm poder demais nos mercados financeiros internacionais; os judeus ainda falam demais sobre o Holocausto; os judeus só se interessam pelo que aconte-
ce com eles; os judeus controlam demais os assuntos globais; os judeus controlam demais o governo dos Estados Unidos; os judeus se acham melhores do que os outros; os judeus controlam demais a imprensa global; os judeus são responsáveis pela maioria das guerras no mundo. Os adultos brasileiros tiveram um índice composto de 16%, ou seja, em uma população adulta de 135.545.027 pessoas, 22 milhões (16%) acreditam que as afirmações acima são provavelmente verdadeiras!
Será que se educarmos a população inteira estes 16% mudarão de idéia? Este é o modelo que vem sendo usado desde o final do século XIX. Mas, se pensarmos em quão poucos são os judeus que vivem no Brasil, como seria possível para a grande maioria dos brasileiros vir a concretamente conhecer um judeu? Há 13 anos leciono em uma universidade onde se contam menos de 50 judeus em um universo de 17 mil alunos: esta proporção me ensinou que tal modelo educacional vai precisar de tempo e recursos extraordinários. Quando não há judeus – ausência total de judeus – para desafiar a afirmação mais absurda, só podemos depender dos não judeus! A não ser que ensinemos a todos a necessidade de dividir o peso da obrigação publica e comum de proteger aquele que está ausente, nós judeus seremos obrigados a aceitar uma vida de isolamento e marginalização.
Há hoje uma população de 16,5 milhões judeus em uma população global de 7,3 bilhões de pessoas; de novo, somos poucos demais para sermos objeto do ódio de alguém, mas, como escreveu Jean Paul Sartre em 1945, o que inspira ódio é a ideia do judeu, mais do que o próprio judeu. Ao ensinarmos as nossas crianças a nadar nas águas da intolerância cega, que continuam muito perigosas, somos obrigados a mostrar a elas que quando alguém está se afogando por causa de sua raça, religião, orientação sexual, habilidades ou condição marginalizada, se ficarmos indiferentes ou decidirmos ser apenas espectadores estaremos permitindo que todos ignorem os judeus... e como a história já nos ensinou tão dolorosamente, qualquer um de nós pode vir a ser um espectador!
A postura mais produtiva que podemos ter para enfrentar todo tipo de ódio é o trabalho comunitário visando o estabelecimento de parcerias. O antissemitismo não é só um problema para os judeus! Alunos judeus de uma escola em Nova Iorque relataram terem encontrado suásticas desenhadas nas paredes e nos escaninhos, às vezes com mensagens tipo “Morra judeu” ou ofensas como “Assassi-
Mstay / iStockphoto.com Revista da Associação Religiosa Israelita-ARI | devarim | 31

no de Cristo” e “Judeu nojento” e piadas de mau gosto a respeito dos números tatuados nos braços dos sobreviventes do Holocausto. Contaram como tinham sido empurrados, esmurrados, provocados e humilhados e terem estado em ônibus onde seus colegas bradavam “poder branco” e faziam a saudação nazista. O ex-líder da Ku Klux Klan que assassinou três pessoas em um Centro Comunitário Judaico cometeu estes ataques com o objetivo de interromper “o genocídio judeu da raça branca”.
Este tipo de ódio também surge contra os negros, as mulheres, os deficientes, os pobres e ignorantes, a comunidade GLBT e assim por diante … qualquer comunidade que ignore crianças judias vítimas de bullying certamente vai também ignorar o aluno negro pobre que chega descalço porque não tem sapatos ou a adolescente deprimida que se vê totalmente marginalizada ao tentar contar a sua família que é lésbica. Se não pudermos compreender que, se não defendermos os direitos humanos básicos de todos os que sofrem a ignomínia de serem o outro, nem ao menos começaremos a compreender que a luta contra o antissemitismo exige que defendamos qualquer indivíduo que não faca parte da cultura dominante. Os judeus forçados a sobreviver perseguições religiosas do passado ajudaram a criar sociedades mais abertas capazes de compreender que o pluralismo religioso é a medida de uma democracia saudável. Se não protestarmos quando negam a uma minoria muçulmana o direito de ter alimentos que sua religião lhe permite, ou quando é negado a mulheres muçulmanas o direito de se cobrir de acordo com a sua cultura, como é possível que os judeus esperem ter o direito de usar chapéus ou kipot em lugares públicos? Quando os judeus ignoram a intolerância em qualquer forma, estamos ignorando as mesmas pessoas que responderam sim as afirmações estereotipadas da pesquisa da ADL.
Minha afirmativa básica de que os judeus precisam aprender e ensinar como lutar contra toda e qualquer forma de discriminação é um ideal que vai exigir muita preocupação comunitária e um volume de construção de relacionamentos quase infinito. Para mim, este objetivo final, construir relacionamentos, é o nosso alvo mais importante. Passei a maior parte da minha carreira profundamente comprometido com o que chamamos de relações inter-religiosas. Meu doutorado foi em Teologia Cristã, e enquanto tive um púlpito, passei mais tempo com sacerdo-
tes do que com rabinos. Muitos membros da minha congregação ficaram confusos, alguns se queixaram, e para outros, isto era uma falha significativa em minha liderança. Depois de me aposentar e me tornar professor em tempo integral em uma universidade estadual, em quase todos os meus cursos não há judeus, mas mesmo assim estou convencido de estar trabalhando em prol da comunidade judaica para, em ultima análise, diminuir as raízes do antissemitismo.
Para estabelecermos relacionamentos precisamos correr o risco de descobrirmos se somos capazes de fazermos ver ao outro o nosso sofrimento. Aparentemente é contraintuitivo despender tempo precioso preparando o outro para a nossa dor. Isto fica claro em uma historia que Elie Wiesel gosta de contar a respeito do mestre hassídico Rabino Moshe Leibof Sasovwho, que ensinava: “A prendi com um camponês como amar os homens. Ele estava sentado em uma estalagem com outros camponeses, bebendo. Ficou calado, como todos os demais, durante muito tempo, mas quando foi impulsionado pelo vinho, perguntou a um dos homens sentados ao lado dele: “Diga-me, você me ama, ou não me ama?” O outro respondeu “Eu te amo muito”. Então o primeiro camponês retrucou: “Voce diz que me ama, mas você não sabe do que eu preciso. Se você me amasse de verdade, saberia”. O outro não soube o que responder, e o camponês que tinha feito a pergunta tornou a ficar calado. Foi o que ensinou o Rabino Moshe Leib: ”Conhecer as necessidades dos homens e carregar o peso de sua dor – este é o verdadeiro amor dos homens”.
Não precisamos estabelecer grandes relacionamentos para compartilhar tarefas comunitárias normais com outros, ou para celebrar as vitórias de nossos times e nem tampouco quando somos convidados para compartilhar as alegrias familiares de alguém. Até mesmo quando somos solicitados a ajudar alguém com algum problema físico, ou se nos pedem um empréstimo – a intimidade do dinheiro! – ou se um amigo nos pede conselhos sobre seu negócio ou sobre seus filhos: nem mesmo estes casos exigem demais de nos enquanto indivíduos. A contrapartida
Aprendi com os é o momento em que estes mesmos amirelacionamentos que a escuridão do nosso gos precisam que compreendamos que estão “sofrendo – precisam de nós”. Este é o desafio significativo de honestidade para passado se dispersa as duas pessoas. quando o nosso Pare e pense por um momento no que compromisso com significa admitir que está com medo. Para o Outro nos ajuda a muitas pessoas, a disposição de compartilhar sua fragilidade emocional é um ato compreender além de intimidade extraordinária. No entando nosso sofrimento. to, por vivermos em uma época de ter-
Juntos podemos ror global horroroso, o medo se tornou perscrutar o futuro e uma forma barata e vulgar tanto de hunossa capacidade de milhação como de manipulação. O medo se tornou tão onipresente que nos fez ficar compartilhar todos os impacientes e ate desdenhosos quando alsofrimentos nos une em guém nos diz que precisa de nossa presenesperança e coragem. ça para que possa se acalmar, que precisa de nos para ser confortado ao sentir-se aterrorizado por seus piores medos. Tenho o esboço de um livro que intitulei Aprendendo o Ódio, baseado em minhas aulas sobre antissemitismo, religião e racismo. Planejo co-escrevê-lo com um grande amigo não judeu, um homem verdadeiramente de bem que dirige o Centro para a Educação pelo Holocausto em nosso campus. Ele também é professor de um dos cursos de antissemitismo tão autêntico quanto o meu. Nosso relacionamento no decorrer dos últimos 13 anos tem sido o meu laboratório para o aprendizado de como criar a confiança necessária para possibilitar o compartilhamento dos temores mais profundos de judeu cujo objetivo profissional mais importante não deixara de ser a inigualável sobrevivência da vida judaica. Este relacionamento que encoraja perguntas ao invés de procurar respostas tem nos ajudado a ter fé de que nossas discussões nunca estarão terminadas, pois respostas põem fim a conversas! Aprendemos um com o outro que nenhum relacionamento sobrevive ao peso insuportável da raiva e do medo constantes, além da exigência de que cada decisão só possa ser mensurada pela severidade de nossa dor. Os judeus precisam aprender a ensinar a seus filhos que nosso passado não é só e meramente a pressão e o stress constantes da sobrevivência e do ódio. Em outras palavras, precisamos fazer mais do que ensinar aos nossos filhos que a sua sobrevivência como judeus é obrigatória depois de
Auschwitz, ou estaremos dando a Hitler uma vitória póstuma. Os judeus, o judaísmo e o exclusivo valor da vida judaica devem ser mais do que uma recusa desafiadora de negar ao inimigo a vitória, dizendo-lhe que, embora nos odiasse, ainda estamos aqui! É difícil fazer com que nossos amigos entendam este comportamento desafiador. Melhor ensinarmos nossos filhos a nadar, não apenas para que sobrevivam e não se afoguem, mas também para que relaxem, se exercitem, brinquem, e aproveitem a aventura das ondas!
Por ocasião de Tishá B`Av, o dia 9 de Av, o calendário judaico nos oferece um desafio interessante, uma oportunidade anual de aprendermos a equilibrar nossos sofrimentos e nossas forças, que nos é demonstrada pelo calendário tradicional como sendo um momento de jejum e luto pela destruição de ambos os Templos de Jerusalém, em 586 a.c., e 70 e.c. Evidentemente seria fácil ver de que maneira os desastres do passado podem nos ajudar a compreender até que ponto a vida judaica tem sido feita de sofrimento, mas enquanto judeus progressistas, cabe-nos ultrapassar esta barreira. Esta é a conclusão da reflexão do rabino Stephen Fuchs, ex-presidente da World Union for Progressive Judaism sobre este ponto: para os judeus reformistas, Tishá B`Av pode ser um dia de luto e um dia de alegria. Choramos a destruição do Templo, mas nos ale-
O Rabino Moshe Leib gramos por termos desenvolvido maneiensinou: ”Conhecer as necessidades dos ras resistentes e fortes para prosperar enquanto judeus. Enquanto choramos pelas tragédias do passado buscamos e testamos homens e carregar o maneiras de ir em frente e enfrentar o fupeso de sua dor – este turo com esperança e coragem! é o verdadeiro amor E é isto o que aprendemos ao comdos homens”. partilharmos o peso de nosso sofrimento, ao nos arriscarmos fazendo perguntas para aqueles que dizem amar-nos, compartilhando tanto nossos pesadelos como nosso amor. Aprendi com os relacionamentos que a escuridão do nosso passado se dispersa quando o nosso compromisso com o Outro nos ajuda a compreender além do nosso sofrimento. Juntos podemos perscrutar o futuro e nossa capacidade de compartilhar todos os sofrimentos nos une em esperança e coragem. O antissemitismo não acabará, mas a eterna e característica presença dos judeus e da vida judaica, que sempre fará desaparecer toda escuridão também não, até mesmo e muito especialmente quando os outros pensarem que esta chama será extinta pelos ventos do ódio. O Rabino Joseph A. Edelheit é diretor de Estudos Judaicos e Religiosos na Universidade Estadual de St. Cloud, Minesota, EUA. Traduzido do inglês por Teresa C. Roth.

