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Raul Cesar Gottlieb

por que judeus e muçulmanos devem se respeitar mutuamente

Resenha do livro the Jew Is not My enemy, de tarek Fatah

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Inexistem no Corão referências derrogatórias ao judaísmo e aos judeus. O antissemitismo começa a aflorar na literatura religiosa islâmica no corpo literário chamado “hadith”, que reúne escritos de diversas fontes, compiladas nos séculos que se seguiram após a morte de Maomé.

raul Cesar gottlieb

Acapa do livro The Jew Is Not My Enemy, de Tarek Fatah1 , sobre o antissemitismo islâmico traz uma frase do “National Post” qualificando o livro como “franco, humilde e corajoso”, o que certamente é verdade. Contudo, ele é também assustador.

Não que as ideias do escritor ou seu estilo de vida coloquem medo. Muito pelo contrário, este bioquímico que se tornou jornalista é integralmente identificado com os valores democráticos da civilização ocidental e, caso fosse judeu (ele é muçulmano), poderia estar integrado em qualquer uma das sinagogas e instituições do mundo liberal judaico. Ele valoriza a liberdade de expressão e respeita as escolhas individuais. Nasceu no Paquistão e mora no Canadá, onde preside o Muslim Canadian Congress, uma organização cujo slogan é a curiosa frase “Figthing Islamism on behalf of Muslims” (lutando contra o islamismo em favor dos muçulmanos), que advoga a separação de religião e estado e se opõe ferozmente à adoção da sharia (a lei religiosa muçulmana) pela população islâmica do Canadá.

Seu livro assusta não pelas ideias do autor, mas pelo quadro que pinta. Ele traça um perfil do Islã que é leitura indispensável para quem quiser entender não apenas o mundo de hoje, mas principalmente o dos próximos anos. E este perfil é o de uma cultura virulentamente antissemita.

Tarek Fatah sustenta que o antissemitismo entre os muçulmanos é avassalador, e ele faz isto com método e com abundância de evidências. A população de países que não têm presença judaica alguma – como o seu Paquistão natal –

considera os judeus a maior praga da humanidade e atribui a eles todos os males que devastam o mundo.

Um pequeno exemplo relatado por ele: “Andando em Clifton, um dos bairros chiques de Karachi, num dia agradável da primavera de 2006, uma faixa pendurada através da rua capturou a minha atenção. Ela dizia: ‘A gripe aviária é uma conspiração judaica’”. Ele segue contando que seu instinto foi de considerar a faixa como alguma espécie de piada, mas que ao pesquisar o assunto constatou que esta visão estava arraigada à população: Israel seria o culpado pela gripe aviária, que teria disseminado com o intuito de aniquilar a indústria aviária da Indonésia, uma nação muçulmana.

Ele cita muitos outros exemplos, todos tendo como pano de fundo a convicção inabalável pela grande maioria da população dos países islâmicos que os “Protocolos dos Sábios de Sião” é uma obra verdadeira, baseada em fatos históricos e não, como está amplamente provado, uma mistificação antissemita da polícia política czarista, que descreve os supostos planos dos judeus para controlar a humanidade.

Tarek é um religioso que ama e admira a sua religião e que faz questão de distinguir o que é um “islamista” de um “muçulmano”. Ele define muçulmano como a pessoa que adere aos “cinco pilares básicos do Islã”, estabelecidos por Maomé no Corão: (1) a crença na unidade de Deus; (2) a obrigatoriedade de pagar uma taxa anual para mitigar a situação dos mais pobres; (3) a obrigação de jejuar entre o nascer e o por do sol um mês por ano, para mostrar solidariedade com os pobres e os famintos; (4) havendo condição física e financeira, peregrinar ao menos uma vez na vida à Meca cumprindo o ritual do “hadj” e (5) rezar cinco vezes ao dia. Ele explica que nenhum destes cinco princípios requer a construção de uma entidade política, mas que o islamista afirma que é impossível praticar os cinco princípios sem ter autoridade política e que, então,

usa a identidade do Islã para construir entidades políticas. O islamista é a pessoa que usa o Islã como ferramenta para a construção de estruturas de poder.

A partir de sua identificação com a religião muçulmana, Tarek se ocupa seriamente em seu livro na pesquisa das referências aos judeus no Corão e na literatura religiosa posterior. Ele esclarece que inexistem no Corão referências derrogatórias ao judaísmo e aos judeus, havendo inclusive surpreendentes (para os dias de hoje) referências de Maomé confirmando que a Terra de Israel pertence aos judeus por mandamento divino. Existem relatos no Corão que denigrem a conduta de alguns judeus, mas nunca como um grupo e sim como ações individuais no cenário histórico da vida de Maomé em sua luta militar pela conquista da Península Arábica.

O antissemitismo começa a aflorar na literatura religiosa islâmica no corpo literário chamado “hadith”, que reúne escritos (ensinamentos, ensaios, relatos históricos, biografias piedosas, etc.) de diversas fontes, compiladas nos séculos que se seguiram após a morte de Maomé. O hadith inclui passagens fortemente antissemitas e o autor se ocupa diligentemente em desautorizar estas passagens, provando a sua falsidade histórica e explicando a intenção política dos autores. Salta aos olhos dos leitores do livro que o autor se incomoda profundamente com o antissemitismo e que se empenha ao máximo para deixar o mais claro possível que a religião islâmica não o endossa.

É evidente que nenhum estudo sobre o antissemitismo no Islã pode passar ao largo do Estado de Israel e mais precisamente do conflito israelense-palestino. Assim que o livro dedica um capítulo à pergunta “Estará Israel alimentando o Antissemitismo?”, no qual se encontram ao menos uma informação interessante e uma visão pessoal do autor sobre como resolver o conflito.

A informação diz respeito ao sentimento que os árabes israelenses nutrem com relação ao seu país. Tarek vi-

sitou Israel em 2008 e esteve em diversas comunidades muçulmanas, conversando com clérigos, políticos e pessoas comuns. Em cada encontro ele formulou a pergunta direta: “Como um muçulmano, você se sente vivendo num Estado que pratica o apartheid?”. Transcrevendo a resposta diretamente do livro: “Invariavelmente a resposta foi um categórico não. Um homem de vinte e tantos anos na cidade de Shibli (na qual uma placa onde se lê ‘Allahu Akbar’ adorna a entrada da cidade), ao norte de Israel, me disse, ‘wallah al azeem – com Deus como testemunha – eu jamais trocaria a minha cidadania israelense por nenhum destes países árabes que não sabem tratar os seus cidadãos com dignidade’. Formulei a mesma pergunta ao Imam Mohammad Odeh na entrada de sua espetacular mesquita ao norte de Haifa. Ele sorriu antes de admitir: ‘nós muçulmanos temos dificuldades, sem dúvida, e sentimos que Israel deve terminar a sua ocupação na Cisjordânia, mas dizer que os muçulmanos vivem em estado de apartheid é uma mentira’. Depois de um tour pela mesquita, onde oramos, ele me convidou para a sua casa. O que se seguiu foi um longo e pungente relato de um palestino vivendo como cidadão israelense, um imam de uma mesquita e o líder de uma comunidade de duas mil pessoas. A dor estava escrita em seu rosto, porém suas queixas não eram dirigidas a Israel mas à corrupção intelectual das pessoas que lideram os palestinos. Eu perguntei se ele, verdadeiramente em seu coração, se sentia um israelense e ele, sem hesitação, disse ‘Sim’”.

Não obstante sua credibilidade, atestada pela liderança do Muslim Canadian Congress, ao voltar para o Canadá e contar sobre sua experiência em Israel, os correligionários de Tarek duvidaram do relato, tendo uma pessoa até mesmo sugerido que ele foi enganado pelo Mossad, que sub-repticiamente teria conseguido fazê-lo encontrar apenas com agentes disfarçados de muçulmanos. Ou seja, o sentimento anti Israel é tão forte no mundo islâmico que até entre muçulmanos liberais e reformistas ele se manifesta com força.

Na visão do autor, as políticas de Israel estão sim fomentando o antissemitismo. Ele não tem a menor dúvida de que a ocupação de Israel na Cisjordânia é um fator que causa

Imam Mohammad Odeh, grande tensão junto ao mundo islâmico e de uma mesquita em Haifa: “Nós muçulmanos que Israel deveria, para seu próprio bem, desocupar a região o quanto antes. Estranhamente, Tarek Fatah não vê contraditemos dificuldades, sem ção alguma em incentivar Israel a confiar dúvida, e sentimos que nas lideranças palestinas, que se alinham

Israel deve terminar indiscutivelmente entre as forças islâmicas a sua ocupação na que ele combate vigorosa e corajosamente. Ele acredita que, por algum motivo que Cisjordânia, mas dizer não chega a revelar, a retirada de Israel da que os muçulmanos Cisjordânia vai fazer emergir naquele terrivivem em estado tório um Estado muito diferente de todos de apartheid é uma os demais Estados árabes, que ele reconhementira”. ce como retrógrados, totalitários, opressores de seus povos e fomentadores de instabilidade. É uma posição curiosa, principalmente vinda de uma pessoa que reconhece ser a humilhação por ter perdido a proeminência cultural que mantinha há séculos atrás uma das razões do ressentimento do Islã com relação ao ocidente. E mesmo sendo curiosa, não é, infelizmente, original. No epílogo do livro, Tarek Fatah faz um apelo pelo entendimento entre toda a humanidade e conclama aos muçulmanos a mostrar respeito pelos judeus e os judeus a mostrar respeito pelos muçulmanos. Mas, mostra que há uma diferença significativa entre os dois grupos: “Procurando com afinco, a pessoa sempre achará o judeu bizarro que insulta o Islã e o profeta Maomé. Poderá até mesmo topar com um Rabino que caçoa dos árabes. Quando o ex-Rabino chefe Sefaradi de Israel, Ovadia Yossef, disse ‘Deus se arrependeu de ter criado os árabes’, seu comentário odioso foi uma exceção à regra. Por outro lado, para achar um clérigo Islâmico ou um político cuspindo ódio com relação aos judeus não é preciso olhar muito longe. De Jacarta a Jerusalém basta assistir ao sermão de sexta-feira numa mesquita para ouvir o Imã reprovando violentamente os ‘Yahud’ e rezando pela vitória do Islã e a derrocada dos judeus”. A clarividência de Tarek Fatah é rara entre os muçulmanos, o que aumenta a relevância de seu livro e dá urgência à sua proposta de uma reforma religiosa no Islã. Raul Cesar Gottlieb é diretor da Devarim.

Notas

1. http://www.amazon.ca/The-Jew-Not-Enemy-Anti-Semitism/dp/0771047843 – publicado em dezembro de 2011 por McClelland & Stuart.

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