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Rabino Joseph Edelheit

mãos estendidas soBre o rio de janeiro

rabino joseph edelheit

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Ele está literalmente em todo lugar para onde se olha na Zona Sul. Às vezes no escuro, ou entre nuvens, ele parece estar flutuando, outras vezes ele exibe as cores da seleção brasileira, ou as cores da bandeira, ou um branco celestial incrível. Seja de dia, seja de noite, sempre que se olha para os morros que permeiam a cidade do Rio de Janeiro se vislumbra a estátua do Cristo Redentor sobre a montanha do Corcovado, no Parque Nacional da Floresta da Tijuca.

Desde 1931, quando foi inaugurada, até 2010, ela foi a estátua de Jesus mais alta do mundo. Em 2007 foi eleita uma das Sete Novas Maravilhas do Mundo, quando mais de 10 milhões de brasileiros foram instruídos a ligar para “4916” e votar pelo Cristo Redentor. As outras seis maravilhas modernas incluem dois sítios famosos de povos indígenas antigos no México e no Peru, assim três das sete maravilhas estão no nosso hemisfério; as demais incluem a Grande Muralha da China, a antiga cidade arqueológica de Petra, na Jordânia, o Coliseu de Roma e o Taj Mahal em Agra, na Índia. Assim que a única das sete maravilhas modernas considerada um símbolo ativo do Cristianismo Ocidental é o Cristo Redentor.

Construído pela Igreja Católica do Rio, a um custo de US$ 250.000 (atuais US$ 3.300.000), algumas pessoas o consideram o símbolo da cristandade brasileira. Apesar do Cristo Redentor estar situado no topo de um morro que faz parte de um parque nacional brasileiro, a Igreja Católica consagrou o local, de modo que batizados e casamentos podem ser ali celebrados.

Neste último verão durante a Copa do Mundo, autoridades da igreja local provocaram um alvoroço quando proibiram o uso de filmagens usando a imagem da estátua, alegando que ela é sagrada. A mídia imediatamente protestou, temendo que esta famosa atração turística estivesse subitamente sendo usada para obrigar o Rio secular a se curvar diante da autoridade da Igreja Católica.

Em 2013, o New York Times escreveu: Apesar da icônica estátua do Cristo Redentor se erguer sobre a cidade, há uma profunda ansiedade entre os católicos quanto ao futuro da sua fé, já que há uma crescente secularização e indiferença à religião aqui. Somente 65% dos brasileiros atualmente declaram ser católicos, uma redução em relação aos mais de 90 por cento em 1970, conforme o censo de 2010. O declínio foi tão brusco e contínuo, especialmente no Rio de Janeiro, que um dos principais líderes católicos do Brasil, o Cardeal Cláudio Hummes, enfatizou: “Perguntamo-nos com ansiedade: por quanto tempo o Brasil vai continuar sendo um país católico?”

Mais tarde a arquidiocese admitiu o que parecia óbvio: o Cristo Redentor não é uma imagem sagrada, mas não obstante é, conforme dito acima, um ícone. A palavra passou a significar muitas ideias: notável, celebrada, promovida com todo zelo, reverenciada, consolidada, oculta, autêntica, invejável, facilmente reconhecida, memorável, importante, querida, estereotipada e atípica, representativa e incomum, chique e popular.

Você pode encontrar a imagem da estátua em todos os lugares do Rio: como lembranças para turistas nas lojas e mercados públicos, na forma de joia, em madeira e pedra, em cartazes na traseira de táxis, na televisão, em bolsas usadas para compras de supermercado, camisetas e placas de boas-vindas para milhões de visitantes no aeroporto. Como é possível que uma imagem supostamente sagrada seja reproduzida de forma banal na Feira Hippie da Praça General Osório?

Desde minha primeira visita ao local em novembro de 2011, eu me pergunto como os judeus no Rio se relacionam com a estátua. O nome, Cristo Redentor, usa a tradução para o grego da palavra hebraica, Mashiach, Messias. Os judeus normalmente não usam essa palavra, simplesmente chamam Jesus pelo nome, não pelo seu título – o Salvador.

Nas quatro oportunidades em que levei amigos que visitavam o Rio ao Corcovado, eu fiquei surpreso por esta cidade católica ter uma estátua de um Jesus em pé e não

Vejam a seguir o resultado da reflexão proposta pelo Rabino Edelheit, por alguns membros da comunidade judaica do Rio (em ordem alfabética do último sobrenome).

Rafael Azamor – professor

Viver no Rio de Janeiro e olhar esta estátua de braços abertos demonstra o espírito carioca, segundo o qual estamos de braços, mentes e corações abertos para a diversidade cultural e social em que vivemos. Lembra-nos ainda da importância da coexistência.

Oren Boljover – chazan

É só ir lá para comprovar que se trata somente de um ponto turístico. Na hora da visita nada se percebe, além disso, mesmo tendo ciência que a Igreja administra o local e que de vez em quando aconteçam lá eventos religiosos. O Corcovado é o mirante mais alto da Cidade Maravilhosa. Por que privaríamos um visitante de uma beleza assim? Por que há uma estátua? Seria também como não ir às pirâmides do Egito porque é o túmulo de um faraó. E por último: “Cristo Redentor” é o nome que o Paul Landowsky deu à sua obra.

Marco Dana - empresário

Começando por uma solução pragmática, mudaria o cenário da foto histórica da Connections, colocando-a no Pão de Açúcar que também é um ótimo cartão postal no Rio de Janeiro. O Corcovado é uma imagem que transcendeu a sua função, tornando-se um ícone da nossa cidade, como aconteceu com a bossa-nova, lembrando a Devarim anterior, que se tornou um ícone musical de nossa cidade. Para finalizar, sou de uma época em que podíamos ir na madrugada apreciar a cidade e hoje isto é, infelizmente, impossível.

Victor Dweck – engenheiro

Para mim, a imagem do Cristo Redentor no alto do morro do Corcovado está mais associada ao Rio turístico, de fotos e vídeos que enaltecem a beleza da cidade. Como judeu, não vejo problema algum em visitar a estátua e aproveitar a incrível vista do Morro do Corcovado. Porém, não acho apropriado usarmos a foto de um grupo no pé do Cristo para ilustrar um encontro judaico realizado no Rio. Para essa foto, sugiro o Pão de Açúcar.

Jeanette Bierig Erlich – professora de judaísmo

Acho bonita! O meu neto, aos três anos, despedindo-se de mim no aeroporto, para ir morar em Sydney, viu e me pediu uma pequena réplica de madeira da estátua que para mim sempre significou “um grande abraço”. Relutei, mas sentindo que a estátua nada a mais lhe representava, acabei dando. Está com doze anos. Não fez efeito algum sobre as suas convicções religiosas.

Felipe Beer Frenkel – servidor público

A revista The Economist em 2010 dedicou uma edição ao Brasil, com a manchete “Brazil takes off”. Na capa a estátua do Cristo voava como um foguete. A imagem utilizada na reportagem ilustra meu pensamento: foi transcendido seu sentido religioso, certamente importante para muitos, transformando-se primordialmente num símbolo nacional.

Leonardo Kaufman Gorodovits – estudante de economia

Acredito que o Cristo Redentor é hoje, com justiça, um dos maiores símbolos do Rio e do Brasil. Ainda que logicamente carregado de conotação religiosa, creio que o monumento se relaciona muito mais com o sentimento de ser brasileiro do que com o sentimento de ser cristão.

Ana Beatriz Torres – tradutora e intérprete de conferências

O Cristo Redentor faz parte da história da cidade. Sempre que eu o avisto me lembro mais do que nada da vista de tirar o fôlego que de lá podemos ter da nossa deslumbrante cidade.

agonizando crucificado. Esta imagem é muito mais protestante do que católica. Enquanto a vista do Rio de Janeiro desde o Corcovado é uma das melhores, é impossível ir ao local e ignorar a imensidão da estátua. Turistas do mundo inteiro lotam a base para tirar fotos com os braços abertos, imitando a estátua e dependendo do dia e da hora, a fila no pé ou no topo do morro pode levar horas. Gostaria de entrevistar as pessoas sobre sua relação com a estátua: é como estar em uma igreja em Roma, apreciando uma famosa escultura em mármore esculpida por Michelangelo ou caminhar pela Via Dolorosa na antiga Jerusalém, ou será apenas como qualquer outra atração turística famosa, como a Estátua da Liberdade?

Este é o cartão postal do Brasil, um ícone que vai passar a ser ainda mais usado na preparação para os Jogos Olímpicos de 2016. Para os judeus do Rio de Janeiro, temos a curiosa pergunta abaixo: Em maio de 2015, quando os judeus progressistas do mundo inteiro vierem à nossa cidade para a primeira conferência judaica internacional da história, deveríamos planejar uma visita coletiva ao Corcovado e inclusive tirar uma foto do grupo aos pés do Cristo Redentor?

Perguntei a judeus que cresceram no Rio e cujas vidas seculares e judaicas se encontram ancoradas à cidade que está imediatamente representada por essa imagem, qual é a sua relação com o Cristo Redentor. Obtive três respostas distintas: (1) Respeito: a estátua e a imagem são religiosas, especificamente enquanto símbolo cristão; (2) Reconhecimento: a importância histórica e econômica da estátua para a identidade do Rio; (3) Indiferença: é apenas um mirante de onde é possível ver o Rio todo. A vida judaica no Rio é dinâmica e uma população relativamente pequena sustenta uma diversidade de instituições. Contudo, quando indagados sobre O Cristo, eles parecem ter mais curiosidade sobre a questão do que sobre a estátua. É realmente possível ignorar uma das Sete Maravilhas do Mundo moderno, porque nós, judeus, ainda nos sentimos desconfortáveis até mesmo com a ideia de ídolos?

Para o Rio de Janeiro receber as Olimpíadas será um dos pontos altos da cidade por muitas décadas. E para a ARI, ser a anfitriã da reunião da World Union for Progressive Judaism é um reconhecimento histórico da presença judaica na América Latina.

Como estamos em fase de planejamento desse momento único, dediquemos apenas alguns minutos a pensar em como vamos explicar a realidade sempre presente do Cristo Redentor nas nossas vidas, e não apenas como mais um na lista de atrações turísticas da cidade.

Rabino Josef Edelheit é diretor de Estudos Judaicos e Religiosos na Universidade Estadual de St. Cloud, Minnesota, EUA, e diretor fundador da Living India.

Traduzido do inglês por Ana Beatriz Torres.

Caratti / iStockphoto.com Revista da Associação Religiosa Israelita-ARI | devarim | 57

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