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Monique Sochaczewski
os judeus do azerBaijão
monique sochaczewski
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Na virada de outubro para novembro de 2014, o prestigioso jornal israelense Haaretz publicou uma série de artigos de opinião sobre as relações entre Israel e o Azerbaijão, estimulada pela recente visita do ministro da Defesa de Israel, Moshe Ya’alon, a Baku. O primeiro a tratar do tema foi o historiador Yair Auron, criticando a venda de armas por parte de Israel aos azerbaijaneses. A seu ver, estes últimos usariam estas armas para cometer genocídio contra os armênios e vendê-las, portanto, seria como “vender armas para a Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial”.
Os acadêmicos Maxime Gauin e Alexander Murinson responderam de imediato, ressaltando os “paralelos absurdos” e a “indignação seletiva” de Auron. Para estes, há de se levar em conta os interesses nacionais israelenses e com isto trouxeram à tona o fato de que cerca de 40% do petróleo consumido em Israel vem daquele país e que ele representa um importante cliente para a indústria hi-tech israelense. Lembram ainda que a Armênia tem um passado de articulações com grupos guerrilheiros palestinos hostis a Israel.
Por fim, o jornalista Reshad Karimov também criticou veementemente Auron, lembrando que Israel se tornou um dos principais parceiros comerciais do Azerbaijão e que o país é também “lar de uma comunidade judaica há mais de 2.000 anos, baseada em Baku e na cidade nordestina de Guba. Hoje esta comunidade é de 20.000-25.000 judeus, similar às populações judaicas do Irã e da Turquia”. Krasnaya Sloboda fica a 165 quilômetros ao nordeste de Baku e acredita-se ser a única cidade totalmente judaica fora de Israel. É lar da maior comunidade judaica no Azerbaijão, aqueles que ali são denominados de judeus da montanha.
Na página anterior, entrada da sinagoga dos judeus da montanha em Baku.
Sinagoga dos judeus da montanha em Baku.
Segundo a última estatística oficial de 2004, o número de judeus no Azerbaijão era de 11.000, mas, como escreveu Karimov, a cifra agora é incerta e gira na casa dos 20.000 judeus, configurando-se, portanto, uma das maiores comunidades judaicas em país muçulmano. A ideia deste texto é justamente tratar desta longeva e relativamente vasta presença judaica no Azerbaijão, levando em conta a literatura acadêmica existente a este respeito e também minha experiência de viagem recente ao país. O intuito é apresentar brevemente os judeus azerbaijaneses e tratar também de seu papel nas relações próximas entre o Azerbaijão e Israel, certamente as melhores entre um país muçulmano e o Estado Judeu.
Os judeus azerbaijaneses podem ser divididos em três grupos: judeus da montanha, ashkenazim e judeus georgianos. Os judeus da montanha configuram-se o maior subgrupo e vivem em sua maioria em Krasnaia Sloboda, no nordeste do país, mas há também expressiva presença na capital Baku. É também na capital que vive a maioria dos judeus ashkenazim e dos judeus georgianos.
Os judeus da montanha
Krasnaya Sloboda fica a 165 quilômetros ao nordeste de Baku e acredita-se ser a única cidade totalmente judaica fora de Israel. Ela é lar da maior comunidade judaica no Azerbaijão, aqueles que ali são denominados de judeus da montanha (Gorskie Evrei), mas que se autodenominam Juur. Krasnaya Sloboda se separa de Guba, cidade de maioria muçulmana, pelo rio Qudiyalçay. Os números são incertos, mas acredita-se que ali vivam cerca de 4.500 judeus atualmente (Huseynov, 2011:51).
Os judeus da montanha vêm intrigando estudiosos
desde meados do século XIX, pois não há consenso sobre sua origem. O termo surgiu pela primeira vez em um documento da administração colonial russa no Cáucaso em 1825, um período de anexação ativa por parte dos czares do território em que viviam. Localmente, porém, eram conhecidos como “dzhukhur”, que quer dizer “outra fé”, para distingui-los dos muçulmanos locais. Aparentemente, os russos passaram a denominá-los judeus da montanha para distingui-los dos judeus ashkenazim, que passaram a conhecer melhor com a expansão de seu império no século XVIII e inclusão dos judeus que viviam na Polônia. A língua que falam é um amálgama de dialeto antigo persa e hebraico e é tanto conhecida como Tat como Juhuri.
Há ampla bibliografia e longevo debate sobre as origens dos judeus da montanha e alguns chegaram mesmo a duvidar de seu judaísmo. Yehuda Chernyi (1835-1880) e Il’ia Anisimov (1862-1928) foram os primeiros a desenvolver pesquisa a seu respeito. Chernyi, um judeu russo, contou com recursos da “Sociedade pela Promoção da Educação entre os Judeus da Rússia” para estudá-los entre os anos de
Na fase final do 1867 e 1879. Em 1870 publicou o livro domínio soviético, em 1989, o número de Judeus da Montanha. Já Il’ia Anisimov era ele próprio um judeu da montanha com estudos acadêmicos em São Petersburgo. judeus ashkenazim Ele fez uma ampla viagem pelo Cáucaso no Azerbaijão era em 1886, com bolsa de estudos da “Sociede 31.000, vivendo dade Arqueológica de Moscou”, e de suas basicamente em Baku, pesquisas publicou em 1888 o relatório “Judeus da Montanha do Cáucaso”. Para
Sumgayit e Ganja. o primeiro tratava-se de fato de judeus, mas diferentes dos congêneres europeus em termos morais e costumes, “que eles adotaram dos vizinhos das montanhas, tendo vivido entre eles por séculos” (Goluboff, 2004). Para Anisimov, o distanciamento que os judeus da montanha procuravam manter da educação, mais do que ser prova de seu atraso, era o entendimento que tinham de que esta distanciava da fé e os subjugava. Três explicações ganharam peso ao longo do século XX para dar conta das origens dos judeus da montanha. Para a primeira delas, eles descendiam de judeus capturados pelos assírios e babilônios na Antiguidade. No século V teriam se mudado para o Cáucaso oriundos da Pérsia, a fim de escapar de perseguições. Já a segunda teoria dizia que os ancestrais dos judeus da montanha eram os Kaza-
Referência aos judeus do Azerbaijão no Centro Cultural Heydar Alyiev.

res, um grupo de convertidos ao judaísmo que governou a área do Azerbaijão e Daguestão atuais da metade do século VII ao fim do século X, quando foram derrotados pela expansão islâmica. Por fim, segundo a terceira teoria, os judeus da montanha emergiram de um longo processo de mistura entre descendentes de judeus antigos e pagãos locais que mais tarde se converteram ao Islã.
Durante o período soviético, a pouca literatura a respeito dos judeus da montanha localizava-os em um espectro mais amplo de falantes de Tat, que calhavam de ser judeus. Eram feitas amplas referências aos escritos de Chernyi e Anisimov visando, sobretudo, localizar e erradicar sobrevivências de religião, individualismo burguês, opressão feminina e nacionalismo que ameaçassem a ordem socialista (Gobunoff, 2004: 133).
Com a independência do Azerbaijão em 1991, passou a ser crescente a busca por parte dos judeus da montanha por autoentendimento e reconhecimento. Despertou-se novo interesse acadêmico a seu respeito, com a realização de algumas conferências internacionais no início do novo milênio. A autoimagem deste grupo é a de mais pobres e mais tradicionais do que os judeus europeus e de que compõem a comunidade judaica mais antiga do mundo.
Os Ashkenazim
Os primeiros ashkenazim chegaram ao Azerbaijão em 1810 e a comunidade se formou em 1832. Ao longo do século XIX somavam poucas dezenas, mas com o boom do petróleo em Baku no final deste século sua presença cresceu enormemente. Em 1897, segundo o Censo da População do Império Russo, somavam 2.430 habitantes da cidade. Em 1913, já eram 10.000, configurando-se 4,5% da população da cidade (Huseynov, 2011: 51).
Para além da indústria petrolífera, muitos atuaram como profissionais liberais, trabalhando como advogados e médicos. Construíram escolas de todo o tipo, bibliotecas e organizações caritativas foram organizadas para ajudar as famílias judias pobres. Durante o período soviético, porém, as instituições foram fechadas ou esvaziadas.
Na fase final do domínio soviético, em 1989, o número de judeus ashkenazim no Azerbaijão era de 31.000, vi-
Com a independência vendo basicamente em Baku, Sumgayit e do Azerbaijão da União Soviética, em 1991, o Ganja. Com a independência em 1991, muitos imigraram e os que ficaram reconstruíram ou construíram instituições, país teve que buscar como a Sociedade da Amizade Azerbaisua identidade nacional. jão-Israel (Huseynov, 2011: 52). Houve uma confluência de interesses em Os Georgianos Os judeus georgianos são também covalorizar suas minorias, nhecidos como kartli ebraeli. Desde o sécomo a judaica. culo XI há referência a estes judeus na literatura georgiana, mas acredita-se que eles teriam chegado inicialmente àquela região do Cáucaso depois da destruição do primeiro templo, em 586 A. C. Um segundo fluxo ali chegou com a destruição do segundo templo, em 70 D. C. Regiões georgianas como Gori, Gagra, Oni, Batum, Kutais, Akhalsix, Kulashi e Tiflis, foram áreas de residência compacta dos chamados ebraelis. Sendo normalmente minorias, gradualmente perderam a sua língua nativa e passaram a adotar o idioma georgiano e também o russo. A presença dos ebraelis no que é hoje o território do Azerbaijão data dos séculos XVIII e XIX, e se dá, sobretudo, na cidade de Baku, mas há também presença próxima à fronteira da Geórgia atual. Os números também são incertos, mas fala-se de cerca de 700 judeus georgianos vivendo atualmente no Azerbaijão.
Os judeus azerbaijaneses e seu papel na relação com Israel
Com a independência do Azerbaijão da União Soviética, em 1991, o país teve que buscar sua identidade nacional e caminhos que lhe dessem o máximo de autonomia econômica e política em um ambiente dominado por duas potências importantes – a Rússia e o Irã. Aconteceu, por exemplo, toda uma revalorização de sua especificidade turca e com isso se aprimoraram as relações com a República da Turquia. Houve de certa forma uma confluência de interesses em valorizar suas minorias, como a judaica. Por um lado, o Azerbaijão começava a esboçar sua autoimagem de encruzilhada de civilizações e de histórico de tolerância, bastante marcante atualmente. Por outro lado, o Estado de Israel buscava aproximar-se do país, interessado em obter dele fornecimento de petróleo e vender armamentos, para

Monique Sochaczewski, ao centro, e os jovens brasileiros que participaram da viagem ao Azerbaijão em julho de 2014.
além de cooperação em diversas áreas como segurança, militar, energia, telecomunicações, medicina, comércio, educação e cultura (Murinson, 2014: 15). E, por fim, a própria comunidade judaica, sobretudo os judeus da montanha, passava a buscar autoconhecimento e reconhecimento fosse no âmbito do novo país, como na diáspora judaica maior (Goluboff, 2004).
É com este pano de fundo complexo que podemos entender o crescente ativismo em torno dos judeus azerbaijaneses. Há, portanto, significativa presença judaica no Azerbaijão e esta ajuda a dar força às relações bilaterais amistosas entre este país e Israel. A memória de boas relações históricas da comunidade judaica com a maioria azerbaijanesa é ressaltada como importante elemento psicológico para a legitimidade e continuidade da ampliação das relações bilaterais (Murinson, 2014: 10).
* * * Como se viu, a presença judaica no Azerbaijão é antiquíssima e muito relevante no âmbito das relações internacionais de Israel e na imagem de nação tolerante pregada pelo governo azerbaijanês. A visita ao país é válida e recomendada para os interessados em conhecer, in loco, sobretudo os intrigantes judeus da montanha. Uma maneira de ampliar a introdução ao país, porém, é a leitura do livro O Orientalista, de Tom Reiss, que trata da biografia de um judeu ashkenazi de origens georgianas, mas nascido em Baku, autor do livro nacional Ali e Nino. Seu nome era Lev Nussimbaum, mas ele ficou também conhecido como Kurban Said e Essad Bey.
Bibliografia
Auron, Yair. “Israel must not sell arms to the Azeris”. In: Haaretz, October 26, 2014. Gauin, Maxime; Murinson, Alexander. “Baku to the future: Azerbaijan, not Armenia, is Israel´s true ally”. In: Haaretz, October 29, 2014. Karimov, Reshad. “Why Azerbaijan is good for Israel and the international community”. In: Haaretz, November 2, 2014. Goluboff, Sasha L. Are they Jews or Asians? A cautionary tale about Mountain Jewish Ethnography. In: Slavi Review, Vol. 63, N. 1 (Spring, 2004), pp. 113-140. Huseynov, Rauf. Jews in Azerbaijan. In: IRS, n.7, 2011, p. 48-54. Krasnaya Sloboda – unique settlement of Jews in Azerbaijan. In: Azer-
News, 2/6/2014. Murinson, Alexander. The ties between Israel and Azerbaijan. In: Mideast Security and Policy Studies, The Begin-Sadat Center for Strategic
Studies, n. 110, October 2014. Reiss, Tom. O Orientalista: o mistério de uma vida estranha e perigosa.
Rio de Janeiro: Record, 2007.
Monique Sochaczewski é pesquisadora bolsista da Escola de Ciências Sociais CPDOC/FGV e coordenadora do MBA em Relações Internacionais da FGV-Rio.