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Em Poucas Palavras
Esta seção costuma comentar acontecimentos variados de interesse do mundo judaico, ocorridos durante os meses que separam duas edições consecutivas da seção em Devarim. Porém, como a edição atual está sendo fechada ainda durante a escalada de violência de julho-agosto de 2014, ela focou integralmente nas questões relacionadas com o controle do Hamas sobre a faixa de Gaza e suas consequências.
A ética e a vida
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A definição sobre o que é “identidade judaica” é um dos temas mais controvertidos em nosso debate comunitário. Há quem defina o judaísmo exclusivamente como uma religião e quem o defina como uma cultura ou uma civilização, com os mais variados matizes entre estes polos. Centenas de milhares de horas são dedicadas a discussões sobre a nossa identidade sem que se chegue a uma conclusão.
Contudo há um indiscutível ponto de convergência entre todas as posições: o judaísmo nasceu de uma visão ética que revolucionou a forma como o ser humano enxerga o mundo e é a partir deste núcleo que irradiam os diversos formatos e percepções que compõem as diversas vertentes judaicas.
Os judeus costumam discordar sobre tudo, porém são unânimes no orgulho de terem outorgado à humanidade os dez mandamentos e a visão monoteísta. Podemos afirmar sem muito medo de errar que a esmagadora maioria dos judeus do mundo acredita que “judaísmo” é quase um sinônimo de “ética”.
Assim que, quando o Estado de Israel é acusado de gravíssimas falhas morais, ficamos extremamente angustiados, pois é o principal pilar da nossa identidade que está sendo gravemente contestado.
Neste momento de angústia é fundamental lembrar que a vida precede a ética, pois o imperativo moral só pode ser exercido em vida. Ou seja, é preciso estar vivo para agir de forma correta para com o semelhante. Assim que a primeira injunção moral sempre é: “Escolha a vida, mantenha-se vivo!”
Rabi Hilel (século 1 a.e.c. – século 1 d.e.c.) deixou isto registrado de forma magistral em seu famoso aforismo: “Se eu não for por mim quem será? Mas se eu for apenas por mim, quem sou eu? E se não agora quando?” Ou seja, só é possível se conduzir de forma ética se você estiver vivo. E nem o cuidado consigo nem o cuidado com os outros podem ser adiados para um momento mais oportuno, eles têm que ser exercidos todos os momentos de todos os dias.
Durante os angustiantes momentos em que Israel se defende contra inimigos que tentam aniquilá-lo com todas as forças ao seu dispor, a sabedoria de Hilel resgata o norte moral judaico: antes de tudo é preciso manter-se vivo, mesmo quando isto acarreta destruir quem nos ataca.
Israel não tem porque se envergonhar ao defender a vida de seus cidadãos e nem nós, judeus que vivem na dispersão, temos porque nos envergonhar pelas necessárias ações militares conduzidas em nome da vida. Sim, elas geram imagens terríveis e causam sofrimento indescritível, mas são necessárias, pois tanto Israel como os judeus têm o direito inalienável à vida.
Proporcionalidade
O uso desproporcional da força é a principal acusação assacada contra o Exército de Israel em suas últimas campanhas. Contudo, poucas pessoas sabem definir com alguma precisão o que significa o conceito da proporcionalidade na legislação internacional sobre a guerra.
A semântica da palavra não ajuda o entendimento. Por conta dela as pessoas são levadas a crer que numa guerra é preciso que haja equilíbrio de forças, devendo as partes mais capacitadas conterem o uso de sua superioridade para nivelar o combate. O termo induz à percepção de que há “desproporcionalidade” quando uma parte impõe mais danos ao inimigo do que aqueles que sofre.
Contudo, o conceito de proporcionalidade na guerra passa bem longe disto, não envolvendo nenhuma medida numérica.
Um ataque é considerado injustificado quando mira em alvos não militares e é considerado desproporcional quando a força usada para neutralizar um ativo militar do inimigo é maior do que a vantagem que se espera obter com o ataque.
Ataques contra alvos militares podem causar danos a não combatentes sem que isto seja considerado crime de guerra e o ataque é considerado desproporcional quando usa mais força do que o estimado necessário para neutralizar o alvo militar.
A desproporcionalidade se baseia, então, em critérios subjetivos (estimativas são sempre imprecisas), o que torna ridícula a contabilização dos danos a civis em ambos os lados da guerra para provar uma suposta desproporcionalidade nos ataques militares.
Jornalismo hoje
O jornalismo, inclusive o brasileiro, parece estar evoluindo para um estágio no qual a única função das cabeças passará a ser a estética. Jornalistas divulgam falas de pessoas que produzem quantidades impressionantes de mentiras, sem ousar minimamente contestar o seu entrevistado.
“Estamos aqui para divulgar versões e não para verificá-las”, parece ser o lema do jornalismo moderno. E com isto o jornalismo vai se transformando numa irresponsável máquina de propaganda enganosa, visto que o consumidor (talvez a vítima seja a denominação mais adequada neste caso) ainda imagina que o jornalismo usa algum filtro de veracidade no que divulga.
A população de Gaza dobrou nos últimos 20 anos. Contudo, a “informação” que Israel estaria perpetrando genocídio no território ganha trânsito livre na imprensa que se limita a divulgar informações de fontes suspeitíssimas sem confrontá-las com os fatos. Haveria também um bloqueio inumano contra Gaza, mas não se encontram casos de subnutrição ou de epidemia no território. Na mesma categoria se encontra a suposta limpeza étnica por parte de Israel, um país judaico onde um em cada cinco habitantes não é judeu, proporção que se mantém estável há dezenas de anos.
Ao divulgar de forma acrítica estas e outras tolices, o jornalismo desgasta voluntariamente a sua função de pilar da democracia para se transformar em instrumento de propaganda nas mãos daqueles que se dedicam a mentir da forma mais ousadamente descarada.
Dez em dez vezes estes mentirosos são ditaduras, assim que, com a sua atitude de mero propagador de qualquer tipo de informação, o jornalismo está se transformando num instrumento de fomento de ditaduras.
Os suspeitos de sempre
“Prendam os suspeitos de sempre” ordena o policial francês no final do clássico “Casablanca” – considerado um dos melhores filmes de todos os tempos. O policial sabia perfeitamente que as pessoas que mandou prender não têm nada a ver com o assassinato em questão, mas era preciso mostrar alguma atividade.
A realidade imita a ficção cada vez que alguém cita as colônias que Israel construiu na Cisjordânia como a causa da violência em Gaza. Pois, eis que o Hamas não tem o menor prurido em definir como “ocupação” todo o Estado de Israel e como “colônias” todas as suas cidades, de norte a sul. Quando o Hamas fala em “colônias” ele está se referindo a Tel Aviv e não a Ariel na Cisjordânia, como supõem os mais desavisados.
Já que o objetivo do Hamas é acabar com o Estado de Israel por inteiro, por que será que a situação específica do território disputado desde 1967 é invocada cada vez que se fala no que Israel teria que ter feito para evitar o assalto perpetrado a partir de Gaza? Ora, só pode ser pela mesma razão que o policial do filme manda prender pessoas que ele sabe inocentes – para criar uma imagem.
Imagem que no caso do Oriente Médio é multifacetada. Por um lado existe a intenção (voluntária ou não) de negar que a única forma de neutralizar a ideologia niilista do Hamas é uma guerra que resulte em sua destruição total, coisa que o mundo não deixa Israel travar na esperança míope que o problema desapareça por si só.
Por outro lado existe a insensata suposição que em qualquer disputa ambos os lados compartilham um pouco da razão e um pouco da culpa e como as colônias são inegavelmente um trágico passo em falso de Israel, elas são invocadas sempre que se sente a necessidade de contrabalancear alguma barbaridade perpetrada pelos Palestinos.
As colônias não são o motivo do assalto do Hamas a Israel, mas elas entram no

cenário para equilibrar o jogo, visto que o mundo democrático tem muita dificuldade em aceitar as intenções totalitárias e genocidas do Hamas, independentemente de todas as evidências e das desassombradas declarações deste grupo.
Conflito! Qual conflito?
Um conflito pressupõe que as partes nele engajadas disputem a mesma coisa. Nas relações internacionais, dois Estados almejando o direito de explorar com exclusividade os mesmos recursos naturais ou a soberania sobre um mesmo território configuram situações de conflito.
A disputa entre Israel e os Palestinos dificilmente se enquadra na definição acima. Até os acordos de Oslo em 1993 a OLP – entidade que representa todos os grupos Palestinos – não reconhecia Israel e não disputava nada com o Estado judaico. A OLP queria a destruição de Israel, o que não configura um conflito, visto que Israel não almejava a destruição dos Palestinos. Lembrando que o Estado Palestino não foi formado em 1948 por decisão estratégica dos países árabes, endossada pelos palestinos.
A partir dos acordos de Oslo e da aceitação pelas partes do conceito de “dois Estados para dois povos”, é possível falar num conflito, pois existem partes do território da Cisjordânia (Jerusalém e arredores e algumas áreas ao longo das fronteiras do cessar fogo de 1949) que são disputadas pelas partes. Existem outras questões em disputa, como o chamado “direito de retorno”, pelo qual os Palestinos querem garantir o direito de poder viver em Israel (ou seja, querem que a soberania num território lhes franqueie o direito de viver num outro). Algumas destas questões podem ser classificadas como um “conflito” e outras, tais como o “direito de retorno”, não.
Contudo, existem grupos Palestinos como o Hamas e a Jihad Islâmica que, mesmo fazendo parte da OLP, continuam declarando abertamente que o seu objetivo é a destruição total de Israel e não de formar um Estado Palestino ao lado de Israel. Neste caso não estamos diante de um conflito e sim de um assalto, que é como deveria se classificar a situação onde um lado quer destruir o outro.
A relevância de classificar corretamente o que é um conflito e o que é um assalto resulta do fato que num conflito é possível negociar, ceder uma parte das demandas para chegar a uma solução de compromisso. Num assalto isto é impossível. Quando um dos lados quer a vida do outro não há negociação possível, pelo simples fato que não há o que ceder.
Há um cartum que resume com perfeição a diferença entre o conflito e o assalto. O secretário de Estado Kerry está sentado numa mesa entre o Benjamin Netaniahu e um personagem representando o Hamas. Kerry mostra a Netaniahu um papel onde se lê: “Demandas do Hamas: morte de todos os judeus do mundo” e pergunta: “Estas são as demandas dele, será que dá para você oferecer pelos menos a metade?”
A insistência do mundo para que Israel ceda alguma coisa para conseguir segurança advém da confusão que é feita entre conflito e assalto. Acredita-se em solução via negociações, pois se acredita na existência de um conflito, quando o que está acontecendo é um assalto.
Talvez as palavras mais corretas nem sejam “conflito” e “assalto”. Mas mesmo assim é preciso criar uma distinção entre estas duas realidades e urge passar a usar a terminologia correta.