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Paulo Geiger

israel: para ser um estado Judaico e democrático paulo Geiger

Na última edição de “Cócegas no raciocínio” analisamos a premissa de que Israel é, a partir do projeto sionista moderno, um Estado judaico e democrático, e que nem conceitualmente nem historicamente isso implica em contradição. Judaico no sentido de ‘Estado nacional do povo judeu’, o Estado-nação a que todos os povos têm direito, e não no sentido de ‘o Estado da religião judaica’. Democrático no sentido de que, como todos os Estados nacionais de todos os povos, é também o Estado de todos os seus cidadãos, que gozam dos direitos de cidadania, dos plenos direitos humanos de opção religiosa, política, cultural.

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Mencionamos a confusão inadvertida ou proposital que se faz em relação ao significado de ‘judaico’, atribuindo-lhe conotação religiosa, em parte devido ao fato único de que no povo judeu se professa uma única religião, também chamada de ‘judaica’. Propusemos, e propomos nesta continuação, atribuir à religião o termo ‘mosaica’, apenas para diferençar os dois conceitos. Nesse aspecto, o Estado judaico teria uma maioria mosaica, e minorias de outros povos e de outras religiões, como em quase todos os Estados democráticos.

Para completar essa análise, é preciso confrontar o conceito com a realidade atual, e visualizar de que maneira, na prática, diante de todos os problemas reais que hoje Israel enfrenta, o conceito de um Estado judaico e democrático se configure num fato inequívoco, em benefício do Estado, dos israelenses e do povo judeu histórico, cujo Estado nacional é Israel.

Para isso seria necessário:

1) A definitiva aceitação de que Israel é o Estado nacional do povo

judeu. Esclarecida a questão ‘terminológica’, seria inconcebível que o povo judeu fosse um dos únicos povos no mundo ao qual seria negado um Estado nacional. Um povo de quase 4.000 anos que se manteve como povo, e que mesmo durante 2.000 anos de dispersão não deixou de ver o Retorno à sua pátria histórica como a sua redenção e a realização de seu destino. Mesmo que não se tenha de mobilizar todo o histórico de vulnerabilidade, massacres e a Shoá, o direito de autodeterminação que a modernidade outorgou a todos os povos seria o bastante. Inconcebível que, sob o pretexto da confusão com conceitos étnicos e religiosos, a liderança palestina, que reivindica um Estado palestino para o povo palestino, se recuse a aceitar a ideia de um Estado judaico para o povo judeu. Lembrando que o povo árabe estabeleceu cerca de quinze Estados nacionais árabes. O reconhecimento de um Estado nacional não viola os direitos das minorias de outros povos que nele vivam. Contanto que seja um Estado democrático.

2) A separação entre religião e Es-

tado. A partir do entendimento de que isso não seria em detrimento do culto religioso, nem da religião mosaica nem de qualquer outra religião praticada no Estado. Os valores da religião mosaica, suas tradições, o cumprimento de suas mitsvot, a comemoração de seus chaguim tornaram-se muito mais intensos quando deixaram de ser centralizados numa entidade política ou religiosa, seja monárquica, seja sacerdotal. O Templo, arquétipo de um mosaísmo centralizado, ao deixar de existir transformou-se em sinagogas próximas de cada judeu, em congregações, em comunidades, que se tornaram o território da vivência religiosa dos judeus. A plena vida religiosa em Israel, a dos judeus mosaicos, como a dos outros povos e das outras religiões, não só não precisa da cúpula estatal, como sofre com esta ao perder a diversidade, a liberdade de expressão e de nível de devoção, que em toda religião pertence à decisão de indivíduos e comunidades, e não de governos e Estados.

3) Uma solução definitiva para o conflito com os palestinos. Evidentemente, Israel não depende, nem pode depender, das decisões de terceiros para configurar seu caráter de Estado judaico e democrático. Mas as consequências de um conflito do qual é mais vítima do que causador (no sen-

tido de que o conflito lhe foi imposto, há quase cem anos, pela intransigência árabe em não reconhecer o direito do povo judeu a um pequeno Estado-nação entre todos os Estados-nação que os povos árabes estabeleceriam na região) tornaram-se por sua vez a causa de radicalizações e complicações de percurso que interferem na visão consciente de um modelo de Estado que reflita os ideais do sionismo moderno: um Estado judaico integrado na região e no mundo. As consequências do conflito induzem às vezes a posturas reativas às ameaças e riscos reais, quando é preciso construir um projeto proativo de futuro para o Estado judaico e democrático e não apenas garantir sua sobrevivência ante essas ameaças reais. A solução do conflito é parte necessária e condição de Israel como Estado judaico e democrático.

4) O apaziguamento das tensões internas da sociedade israelense.

A separação entre Estado e religião e o fim do conflito com os palestinos deverão concorrer para o fortalecimento de uma sociedade que já é democrática, quando as liberdades individuais já existentes deixarão de ser pressionadas por conflitos nacionais, sociais, econômicos ou religiosos. Isso significa não somente que os cidadãos árabes não serão mais o alvo da desconfiança quanto a suas lealdades e terão o lugar pleno que merecem ter como cidadãos do Estado, não somente que todas as religiões, inclusive as várias correntes do mosaísmo serão, em suas crenças, culturas e rituais, uma questão de escolha individual e não de política de Estado, mas também que as prioridades do Estado judaico e democrático se inspirem na visão de justiça social e equanimidade que é o apanágio do povo judeu, de sua história e da visão de seus profetas, corroborada pelo ideal original do sionismo moderno, que visava não só a um lar nacional para o povo judeu, mas também sua integração total na região, no mundo e na humanidade.

5. Finalmente, que o Estado judaico e democrático continue a ser o Estado nacional do povo judeu

onde quer que judeus se encontrem, sem prejuízo dos direitos de todos os seus cidadãos não judeus, e sem prejuízo dos direitos de cidadania de que os judeus usufruem e da lealdade dos judeus como cidadãos dos países em que vivem. Que é, sem tirar nem pôr, a visão estratégica do sionismo, que levou à criação do Estado de Israel. O Estado judaico e democrático de Israel não é uma utopia. Nunca foi como conceito. Não será na prática se o ideal sionista for retomado não só em sua essência como também em seus fazeres.

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