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Ricardo Sichel

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Andre Nudelman

Andre Nudelman

a visão de uma raBina liBeral em Berlim

entrevista com a Rabina Gesa ederberg

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A vida judaica na Alemanha vive ainda sob a sombra da Shoá, isto tanto no que diz respeito à vida interna das congregações como também no relacionamento com a comunidade maior. A recordação faz parte do dia a dia.

por ricardo sichel

Conheci a Rabina Ederberg, da sinagoga da Oranienburger Strasse, em Berlim, durante o último Yom Kipur, quando fui muito bem recebido por sua comunidade tanto em Kol Nidre como no dia de Yom Kipur. Eu estava na cidade a trabalho e fiquei muito bem impressionado pelo clima participativo e caloroso das rezas, muito distante da lendária frieza germânica. Acreditando ser interessante mostrar um pouco do incrível renascimento judaico na Alemanha aos leitores de Devarim, pedi uma entrevista à rabina, que prontamente concordou em responder via e-mail as perguntas que formulei.

Devarim – A senhora poderia fazer uma apresentação e os motivos pela escolha do Rabinato?

Gesa Ederberg – Eu diria inicialmente que a profissão me escolheu. Eu comecei ministrando aulas para Bnei Mitsvá e percebi que estas me davam prazer, como também aos alunos. Depois disso criamos uma nova Chavurá, uma vez que os serviços religiosos tradicionais em Berlim não nos deixavam satisfeitos, e desta forma eu me tornei responsável pelo novo ofício religioso, o que, igualmente, me dava prazer. A partir daí imaginei que seria mais adequado estudar, o que fiz no Instituto Schechter em Jerusalém.

Devarim – Como a senhora avalia a vida judaica na Europa e na Alemanha, em especial após a queda do Muro de Berlim?

Gesa Ederberg – Na Alemanha houve uma profunda alteração da vida judaica após a queda do Muro de Berlim pela imigração oriunda da antiga União Soviética, como também pelo surgimento de uma nova geração, que objetivava fixar domicílio na Alemanha. Por isso foram tomadas várias iniciativas com criação de instituições de forma a tornar a vida judaica mais diversa.

Devarim – Como é o reconhecimento das comunidades não ortodoxas pela Confederação Judaica da Alemanha e pelas Federações Estaduais?

Gesa Ederberg – O reconhecimento pela Confederação Judaica da Alemanha é positivo. Em nível estadual ainda surgem alguns conflitos locais, mas, na minha percepção, estes decorrem mais de questões pessoais do que em função de temas religiosos ou filosóficos.

Devarim – E como é o relacionamento entre comunidades não ortodoxas e as ortodoxas? A senhora é reconhecida como rabina?

Gesa Ederberg – O relacionamento depende muito da situação local, das pessoas de cada local. Em algumas cidades existe apenas uma sinagoga; não há como falar em relacionamento. Em outras cidades temos congregações distintas, mas que pouco ou nenhum contato mantêm entre si. Contudo, também existem cidades onde as sinagogas de todas as denominações estão organizadas numa estrutura comum (por exemplo, em Berlim ou Frankfurt) que funciona muito bem.

Eu sou de Berlim, onde há cooperação numa mesma estrutura e acho que esta proximidade é positiva, na medida em que a diversidade passa a ser sentida diariamente. Eu tenho boas relações com alguns colegas ortodoxos, que, apesar de não reconhecer uma conversão feita por mim,

apreciam o nosso trabalho e participam em conjunto de fóruns de discussões. E estes convivem bem com outros rabinos ortodoxos que preferem ficar mais distanciados de nós. Como disse, tudo depende das pessoas. Devarim – Como é a relação entre as comunidades da Europa e Alemanha com o Estado de Israel? Gesa Ederberg – O Estado de Israel ocupa um lugar central para os judeus na Alemanha. Muitos têm parentes lá e viajam com regularidade. O Ginásio Judaico de Berlim, por exemplo, tem um proOs jardins de infância grama de intercâmbio com a Leo Baeck judaicos em Berlim têm listas de espera Highschool de Haifa. Yom Hatzmaut é celebrado com grande destaque, e assim por diante. e jovens israelenses têm vindo também. Em Devarim – Como a senhora analisa a pequenas comunidades vida judaica atual na Alemanha, em estem sido mais difícil, até porque os jovens pecial após a vivência do nazismo? Gesa Ederberg – A vida judaica na Alemanha vive ainda sob a sombra acabam se mudando da Shoá, isto tanto no que diz respeide lá. Mas nas grandes to à vida interna das congregações como cidades a vida judaica também no relacionamento com a coé bastante intensa, munidade maior. A recordação faz parte do dia a dia, estando presente também criativa e instigante. nas cidades. Mas a recordação da Shoá não é tudo. A imigração nos propõe grandes desafios tanto na absorção de novas famílias como na medida em que provoca a necessidade do fortalecimento, talvez mais que no passado, de uma educação judaica. Também me é bastante prazeroso observar que contatos com comunidades no exterior foram estabelecidos, de forma que em nossa sinagoga, em quase todo shabat, temos turistas do mundo inteiro. Os jardins de infância judaicos em Berlim têm listas de espera e jovens israelenses têm vindo também. Em pequenas comunidades tem sido mais difícil, até porque os jovens acabam se mudando de lá. Mas nas grandes cidades a vida judaica é bastante intensa, criativa e instigante.

Devarim – Como a senhora analisa o antissemitismo na Europa e na Alemanha? Em vários países se discute a proibição da circuncisão (brit milá) e do abate ritual. A senhora acredita que haja nisto um fundo de antissemitismo?

Gesa Ederberg – É uma questão complicada. De uma parte o antissemitismo é evidente, por outro lado algumas pessoas pensam estar defendendo questões de direitos humanos e de proteção aos animais sem perceber que utilizam o discurso antissemita. Isto dificulta a discussão: quando eu participo de uma discussão e afirmo tratar-se de argumento antissemita isto causa revolta, porque ninguém admite o preconceito, o que a princípio é positivo. Porém isso dificulta as coisas.

Além do antissemitismo clássico de direita, existe um de esquerda, que muitas vezes se camufla como críticas a Israel, como também há um antissemitismo particular dos imigrantes árabes, que ficou despercebido, mas que agora tem sido objeto de medidas corretivas. Mas a recordação da Eu vejo com preocupação que, após Shoá não é tudo. A imigração nos propõe as discussões havidas na Alemanha acerca da circuncisão e do abate ritual, que tiveram um resultado jurídico positivo, o degrandes desafios bate passou a ganhar campo na Europa tanto na absorção de sem que tenhamos a certeza de qual será novas famílias como a conclusão dos diversos países. na medida em que Devarim – Como a senhora vê o futuprovoca a necessidade ro das comunidades judaicas na Europa do fortalecimento, talvez e na Alemanha? mais que no passado, de Gesa Ederberg – Eu sou bem otiuma educação judaica. mista em relação à Alemanha, na medida em que ninguém há 20 anos imaginaria a evolução ocorrida. A situação é diferente na Hungria e na França em função do crescimento do antissemitismo. Porém, eu acredito muito que seja importante a manutenção de uma intensa e diversa vida judaica na Alemanha e na Europa. Ricardo Sichel é conselheiro da ARI, ativista, professor universitário (Unirio) e Procurador Federal.

SeanPavonePhoto / iStockphoto.com Revista da Associação Religiosa Israelita-ARI | devarim | 39

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