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Jaime Barzellai

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Ricardo Sichel

Ricardo Sichel

o Brasil em israel: um caso de amor musical

Há dezenas de grupos israelenses que tocam MPB e que são compostos na sua maioria por israelenses que aprenderam a música e hoje ensinam “a cadência do samba”. Claro que também há pessoas nascidas no Brasil nestes grupos. A música brasileira está lançando raízes próprias em Israel.

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Acervo de discos e fotos: Jaime Barzellai

Jaime Barzellai

Amúsica brasileira é bastante tocada nas rádios de Israel e isto não vem de hoje. No final dos anos 60, a bossa-nova e o samba eram gêneros muito tocados nos EUA e na Europa e Israel embarcou nessa onda, porém com uma intensidade diferente. A música popular brasileira entrou definitivamente no gosto dos israelenses por causa do espírito alegre que músicos e artistas em geral percebiam no Brasil. Eles passaram a traduzir músicas e aprender a tocar os instrumentos com o mesmo espírito dos brasileiros em busca da leveza brasileira de ser. Num país que luta pela existência todos os dias, um pouco de leveza é muito bem-vinda.

A partir da música o interesse dos israelenses pelo Brasil cresceu. Muitos dos melhores artistas do Brasil se apresentaram em Israel. As rádios tocam chorinho, música clássica, pagode, forró, axé, funk e outros. Música brasileira para todos os gostos, inclusive as de gosto duvidoso. Ouve-se de tudo, toca-se de tudo e tem espaço para todos nas rádios.

Há dezenas de grupos israelenses que tocam MPB e que são compostos na sua maioria por israelenses que aprenderam a música e hoje ensinam “a cadência do samba”. Claro que também há pessoas nascidas no Brasil nestes grupos, mas elas não são a maioria. A música brasileira está lançando raízes próprias em Israel.

A capoeira é outro fenômeno brasileiro fortemente sentido em Israel. Ela está presente nas escolas, nas academias e até em treinamentos militares. A maior parte das escolas públicas de Israel oferece aulas de capoeira para os jovens, como matéria eletiva, coisa que não acontece no Brasil. Parece que o israelense gosta mais da nossa cultura do que nós mesmos. A dança contemporânea

Matti Caspi no show “Eretz Tropit 87”, integrando músicos brasileiros e israelenses.

do Brasil também ganhou seu espaço. E também tem o futebol... mas, pensando bem, vamos deixar isto para lá, pelo menos até nos recuperarmos do vexame da última Copa.

Não tenho dados concretos para dizer de que forma e quanto exatamente isso tudo influenciou a cultura de Israel. Algumas pesquisas foram feitas, artigos sobre assunto foram escritos, até um documentário foi produzido por F. Ivaniska como tese acadêmica. E eu testemunhei um pouco disto tudo, pois, nas décadas de 70/80, tive a oportunidade de estar junto com pessoas que, a meu ver, foram decisivas na propagação da MPB em Israel.

O radialista Eli Israel, o cantor e compositor Matti Caspi, o guitarrista Ori Harpaz e a base da Lehakat Bror-Chail, Marcos Adoni-Bacá, eu e meus irmãos Salvador e Mori Panta Barzellai como ritmistas e com muitos convidados amigos, como o violonista Oren Perlin, o baixista Carlos Gornic, os irmãos Missuk, Zelio Smith, e outras dezenas de pessoas, profissionais e amadores, que certamente também contribuíram de várias maneiras para essa difusão.

O que eu faço aqui é um pequeno relato pessoal, longe de ser a história definitiva, das experiências que vivi no meio musical de Israel, outras que li e ouvi, e como produtor nos últimos 30 anos na ponte Rio/Tel Aviv, divulgando a MPB em Israel e a música israelense no Brasil. Vou elencar alguns pontos relevantes em ordem cronológica, esperando que eles contribuam para o entendimento da evolução deste processo.

A bossa-nova correu o mundo na década de 60 com João Gilberto/Stan Getz, Frank Sinatra/Tom Jobim e até mesmo antes disso com a trilha sonora do filme “Orfeu Negro”, e Israel não ficou imune. Nessa época, algumas tentativas de se produzir sambas foram feitas, como “Carnaval Banachal”, mais tarde regravada pela cantora Sarit Hadad. A Lehakat Kaveret, de Danny Sanderson, a maior banda de Israel de todos os tempos, se arriscou num samba meio quadrado, “Haolam Sameach”, em seu terceiro disco. A cantora de grande sucesso, Ilanit, que passou sua infância no Brasil, gravou alguns sucessos de Dorival Caymmi, tais

À esq., disco “Eretz Tropit Meshagaat”, de 1987; à dir., “Bo Le Rio”, de Yehudit Ravitz e musicas de Jorge Ben Jor, gravado em 1983.

como “É doce morrer no mar”. Há também algumas curiosidades dessa época. Yehoram Gaon, um dos maiores cantores de Israel, gravou a música “Custe o que custar” em hebraico, “Al Teshate Baahavá”, de Shimrit Or, vencedora do Festival de San Remo de 69 defendida pelo cantor Roberto Carlos. Yonathan Geffen, famoso poeta e compositor, entregou ao Duo Dudaim em 70 a letra da música “Milchamá zé Rá” (Guerra é Ruim), com música do Geraldo Vandré, de “Prá não dizer que não falei de flores”. Sérgio Mendes, com o “Mas que nada”, de Jorge Ben, “Upa neguinho”, “Roda”, era o que se tocava na rádio.

Matti Caspi, músico e compositor, foi o pioneiro a compor em hebraico com ritmo reconhecidamente brasileiro. Em seu primeiro disco há uma bossa-nova, “Eich she Kochav Meez”, e depois o sambinha “Hine Hine”, que colocaram o cantor em destaque nos projetos de música brasileira em Israel. Assim, em 74 a Rádio Kol Israel resolveu fazer uma produção denominada “O Mar”, com músicas de Dorival Caymmi e chamou o cantor para ser o produtor musical. “Maracangalha”, “Samba da minha terra” e “O vento” estão no disco, mas o grande sucesso desse projeto, cantado até hoje, é a “Marcha dos pescadores”, dos Dudaim.

É importante ressaltar que nessa época havia somente uma ou duas estações de rádio e um único canal de TV com uma programação bem limitada. Por esse motivo, quando aparecia algo na TV ou se ouvia na programação de rádio, praticamente todos os israelenses ouviam. E assim, ao som de músicas de Caymmi, uma audiência quase total em Israel ouvia o locutor Eli Israeli

Ao som de músicas de na programação noturna da rádio Galei Caymmi, uma audiência Tzahal ler em hebraico, com um vozeiquase total em Israel ouvia o locutor Eli rão incomparável, capítulo após capítu lo do livro Mar Morto, do escritor baia no Jorge Amado. Outros grandes músi Israeli na programação cos, como Yoni Rechter, também do Kanoturna da rádio Galei veret, juntamente com o poeta Elia MoTzahal ler em hebraico, har, fizeram canções memoráveis como capítulo após capítulo, “Shir Nevua Cosmi” e a traduzida “Hu kara bishmá”, “Alguém me avisou”, de o livro Mar Morto, Dona Ivone Lara, cantada lindamente do escritor baiano pelo percussionista Joca Perpignan em

Jorge Amado. seus shows. O conjunto Sheshet, o cantor e compositor Shemtov Levy e o maestro Ilan Mochiach também mostraram em 1977 uma leve guinada de MPB em suas obras. Em 1978 aconteceu uma superprodução, um especial para a TV no gramado central do Kibutz Bror-Chail (de população predominantemente brasileira) chamada “Eretz Tropit Iafá” (País Tropical). Talvez pela novidade, pelo colorido, pela quantidade de músicos no palco, essa produção é considerada pelos críticos a mais significativa envolvendo a música brasileira em Israel, exatamente por ser a pioneira. Ela contou com músicos de primeira linha do cenário de Israel como o próprio Matti Caspi, Yehudith Ravitz, Korin Halal, Tzila Dagan, Parvarim, Ori Harpaz, Shlomo Idov, Iorik Ben David, Arale Kaminski, além da Batucada de Bror-Chail que ditava todo o ritmo do programa. Essas músicas definitivamente entraram nas casas e nos corações das pessoas por serem músicas alegres e traduzidas de uma forma singular pelo poeta Ehud Manor, que buscava fazer uma tradução com a mesma sonoridade do original. Músicas escolhidas com a ajuda de Ori Harpaz, como “Casa de bamba” (Etzli babait) “País Tro-

pical” (Eretz tropit iafá), “Você abusou” (Azor li azor) “Naquela mesa” (Ha guitarist) “Fio Maravilha”, “Canta canta minha gente”, “Samba em prelúdio”, “A felicidade”, entre outras. Com o sucesso do programa, foram feitas muitas outras apresentações do gênero. Um ano depois, a cantora Yehudih Ravitz, que se tornaria uma das maiores de Israel, gravou seu primeiro disco com o sambinha carro-chefe “Lakachta”, música de Caspi e a bossa ‘Mi laahavá”, de sua autoria.

Havia entre os músicos de Israel a compreensão de que uma nova onda estava chegando. O pessoal da Lehakat Bror-Chail, que era o motor e a alma da maioria dessas gravações com ritmo brasileiro, intensificou o trabalho e a convivência com esses artistas. Não pensavam comercialmente, até porque shows, gravações, ensaios e encontros eram feitos fora do horário de trabalho do kibutz. O que se queria era tocar música com alegria e sempre com artistas amigos que ali frequentavam nos fins de semana. Corria-se de um canto a outro de Israel junto a artistas consagrados e em todos os shows que precisassem de uma boa percussão, uma batucada bem brasileira, lá estava o pessoal de Bror-Chail animando a festa.

Como nossos amigos da cidade torciam pelo Hapoel Tel Aviv, a batucada tanto no futebol como no basquete, também fazia a alegria do público. Em eleições e passeatas do partido trabalhista lá ia a batucada. Ia também aos programas de TV e faziam propagandas com produtos relacionados ao Brasil ou a coisas tropicais. Ficamos amigos de muitíssimos músicos. E com o Arik Einstein desenvolvemos uma relação especial. Ele tornou-se praticamente um membro da família. Conhecia todos pelo nome. Tinha uma memória fantástica. Sabia tudo de música, sabia tudo de esportes. Sabia tudo de tudo. Tornou-se amigo do Salvador desde os anos 80 até o seu último dia de vida, em dezembro do ano passado. Uma das grandes alegrias que tive na minha vida foi ter tocado percussão em seu disco “Iosheval ha gader” e no especial para TV no programa de maior audiência visto na época. Aliás, a camisa do kibutz na capa deste disco foi o Salvador que lhe deu para trocar a dele que havia rasgado. A foto na capa foi somente uma brincadeira entre os dois. Nada de homenagem ao kibutz. Pelo contrário. Grande parte dos membros do kibutz não gostava dessa movimentação de famosos invadindo o seu gramado.

Se musicalmente Matti Caspi teve grande importância, eu diria imprescindível, o radialista Eli Israeli foi fundamental para a divulgação dessa grande onda que estava por vir. Na sua adolescência, Eli veio para o Rio de Janeiro com seus pais, que foram enviados para dar suporte à área de educação judaica no Colégio Hebreu Brasileiro. Se apaixonou pela cidade e pela música principalmente. Fora a locução, era um DJ bem famoso e nas festas sempre colocava músicas brasileiras. Na rádio Galei Tzahal tinha um programa diário do meio-dia às duas da tarde tra-

Show “Erez Tropit Iafá 78”, com Matti Caspi, Yehudith Ravitz, Parvarim e a Batucada Bror-Chail.

Disco “País Tropical”, do conjunto Parvarim Tropical, destaque para a música “Laranja Madura”, que em hebraico foi traduzida como “Matok HaTapuach”.

zendo sempre alguma novidade escolhida dos mais de dois mil discos de música brasileira que levei comigo para o kibutz. Eram músicas de Alceu Valença, João Bosco, Moraes Moreira, Milton Nascimento etc. A mais marcante de todas elas, acredito eu que esta seja a música brasileira mais famosa em Israel, era o “Trem das onze”, de Adoniran Barbosa. Na voz de Gal Costa, a música fechava o programa diário em alto astral.

Por causa desta música, a cantora tornou-se referência da música brasileira, levando-a a fazer quatro visitas para se apresentar em Israel. Como o tempo de rádio era pouco e a vontade de apresentar os novos ritmos do Brasil era enorme, Eli Israeli, que já apresentava um programa noturno, “Tziporei Laila Brazilaiot’, que tinha como abertura “Aquarela do Brasil”, de Ari Barroso, me chamou para editar com ele alguns programas na rádio. Foram mais de 130 programas semanais noturnos sobre a MPB, desde samba, clássico, romântico, carnaval, choros, rock, trio elétrico, temáticos com pássaros, instrumental, vocais, dedicado às mulheres, sertanejo, caipira, valsas e por aí vai. Era uma viagem daquilo que o Brasil tinha de mais belo. Formou-se um elo quase familiar entre os artistas de Tel Aviv e o pessoal de Bror-Chail no qual eu me incluo juntamente com meus irmãos, além de Bacá Adoni, talvez o primeiro percussionista brasileiro de fato em Israel, que, de todos do grupo, foi o único que seguiu carreira. Início dos anos 80. Esses sim, podemos dizer que foram os anos de maior intensidade de música brasileira em Israel e de músicas israelenses originais com ritmo brasileiro. O cantor mais famoso de Israel, Arik Einstein, gravou com o grupo o sambinha “Beshivchei Ha Samba’, com música do guitarrista Itzhak Klepter. Shemtov Levy gravou o samba original “Bo Elai Parpar”, inspirado na música infantil, Matti Caspi gravou dezenas de sambas em hebraico, muitas com o grupo Parvarim. Tropical era o nome do disco do duo de Ori Harpaz e Yossi Hoory, que tinha “Laranja madura”, “Ponteio” e “Regra três” como destaques. Miki Gabrielov, Natanela, Arik Si-

Os anos 80 foram nai, David Broza e Chava Alberstein foram alguns cantores que também trabaos anos de maior lharam com o grupo. intensidade de música A passagem do Jorge Ben, hoje Benbrasileira em Israel e jor, em junho de 83, com a Banda do Zé de músicas israelenses Pretinho que o acompanhava, foi bem marcante. Além de uma partida de futeoriginais com ritmo bol entre as bandas no kibutz, com churbrasileiro. rasco e música, seguimos para o show da

noite no Eichal Há Tarbut de Tel Aviv. A principal sala de concertos da Filarmônica havia se transformado num verdadeiro caldeirão musical onde o cantor teve uma performance memorável e o público de duas mil e duzentas pessoas dando seu show à parte.

Após o show entramos com a banda no estúdio para fazer a base do disco da cantora Yehudith Ravitz, intitulado “Bo Le Rio”, um dos maiores sucessos da cantora em toda sua carreira. Este disco, gravado em uma noite, contém somente músicas do Benjor e letras de Yakov Guilad. Entre os sucessos estão: Santa Clara, Taj Mahal, Que Pena, Que Maravilha e Zazoeira.

É de se destacar que no início dos anos 80 começaram a chegar mais cantores famosos do Brasil. É o caso de Gal Costa, que fez um show que ficou na história no Eichal Ha Tarbut de Tel Aviv. Jorge Benjor e Gilberto Gil também marcaram presença mais de uma vez, além de Caetano Veloso, Elba Ramalho, Djavan e Ney Matogrosso, que se apresentaram no Estádio Blumfield de Tel Aviv na mesma noite. Na época também passaram por lá Alcione, Maria Bethânia, Nazaré Pereira e Egberto Gismonti.

A música brasileira, o futebol e a cultura brasileira em geral foram sempre muito bem aceitos em Israel, a ponto de virar praticamente uma obsessão e uma passagem obrigatória entre os milhares de jovens mochileiros a viajar pelo Brasil depois do serviço militar. Ao retornar para Israel, esses jovens traziam consigo na bagagem ritmos, manias, jeitos e amor pelo Brasil. Havia a necessidade de promover encontros, festas entre esses grupos, já que no final dos anos 80 houve uma leve queda nas visitas de artistas internacionais a Israel. Houve também uma dispersão da base do grupo musical de Bror-Chail. Moti Adoni (Bacá) continua fazendo música em Tzfat, onde mora. Salvador (Salva) vive em Tel Aviv e é comentarista esportivo na TV de Israel. Eu resolvi voltar ao Brasil e o DJ Mori Panta entendeu a necessidade de juntar as pessoas e passou a promover todas as quintas-feiras na praia de Tel Aviv festas dançantes para mais de mil pessoas por noite.

Foi dele também a ideia de dar continuidade aos batuqueiros que ali se reuniam e montou a Batucada Tel Aviv. Um grupo que se reunia simplesmente para batu-

É de se destacar que car. Fora muitos e muitos convites para no início dos anos 80 começaram a chegar eventos, casamentos e bnei-mitsvá. Desse grupo saíram outros, como Morango, Amazonas, Coco-loco, Trio Brasil, e tammais cantores famosos bém os artistas que mais tarde viriam fordo Brasil: Gal Costa, mar o maior grupo de percussão de IsraJorge Benjor e Gilberto el, o Mayumana.

Gil, Caetano Veloso, Foi justamente numa dessas noites em 1987 que surgiu a Capoeira em Is-

Elba Ramalho, Djavan, rael. Um grupo liderado pelo pionei-

Ney Matogrosso, ro nesta arte, hoje, Mestre Isac, se reuAlcione, Maria Bethânia, nia para uma roda no samba das quin-

Nazaré Pereira e tas na praia. Com a adesão de muitos is-

Egberto Gismonti. raelenses que tiveram a oportunidade de aprender a jogar na Bahia, hoje são dezenas de academias espalhadas por Israel, adotadas principalmente pelas crianças, estimuladas pelos pais como uma atividade física, rítmica e criativa. Nesse ano, fui convidado pelo Matti Caspi para montar uma banda com 15 ritmistas, 4 dançarinas, 3 músicos de sopros (entre eles David Ganc e Humberto Araújo), uma cantora, um percussionista e um acordeonista (Julinho do acordeão) para se juntar à banda-base dele composta por oito músicos israelenses. Foi uma superprodução que correu Israel por cinco meses. Para este show Caspi compôs forró, baião, xaxado e maxixe, o original em hebraico, que teve uma boa recepção do público. A cantora Silvinha, que ainda faz muito sucesso, nunca mais voltou ao Brasil. O percussionista Luís Carlos, da Banda do Zé Pretinho, ficou mais alguns meses ensinando israelenses a batucar. Nessa época chegava a Israel a seleção brasileira de Romário, Miller, Evair para um amistoso contra Israel. O jogo terminou 4x0 para o Brasil, mas o resultado foi o que menos importou, diante da festa que fizeram israelenses e brasileiros no estádio de Ramat Gan. No início dos anos 90 surgiram outros personagens que também fazem parte desse movimento, que, de uma forma ou de outra, contribuíram para que a música brasileira seja mais conhecida e divulgada. Destaco o cantor baiano Fernando Seixas, que trouxe um pouco do sotaque e do axé music baiano. Gravou a música de sua autoria “Eizebalagan’ (Que bagunça), de grande sucesso nas rádios. Recentemente gravou com a Banda Etnix e continua se apresentando nos palcos de lá. Joca Perpignan é um músico, percussionista, que tam-

bém faz muito sucesso em Israel. Já trabalhou com artistas de ponta como Matti Caspi, Yoni Rechter e hoje com o cantor Idan Raichel. Joca é o criador do Trio Tucan, basicamente um grupo instrumental com composições próprias, assim como seu último disco recém-lançado, “Manso Balanço”, muito elogiado pela crítica especializada. Joca fará alguns shows em Israel na companhia do percussionista Naná Vasconcelos, um dos maiores do mundo.

Na mesma época e um pouco mais adiante começou a chegar a Israel outra leva de artistas. O principal deles foi o maestro Tom Jobim, que foi convidado pelo Festival Jerusalém de 1996 e, juntamente com sua banda, fez um show memorável diante das muralhas da cidade velha. Este foi seu último show, conforme está devidamente documentado no filme “A música segundo Tom Jobim”, de Nelson Pereira dos Santos.

Marisa Monte, o Grupo Corpo, Olodum, Armandinho, Daniela Mercury, Edu Lobo, Roberto Menescal viajaram para Israel, e até a apresentadora Xuxa para promover seu programa infantil no canal para as crianças. Como curiosidade, ao ser questionada sobre se estaria com medo de viajar para Israel algumas semanas após o assassinato do primeiro ministro Itzchak Rabin, foi enfática ao afirmar: “Agora mesmo é que eu vou dar meu apoio às crianças e a Israel”.

Gravou um clipe da música “Let’s bring the peace”, escrita especialmente para esta visita bem ao estilo “We are the world”. A música “Ilariê” é cantada até hoje nas festas infantis em todo o país e nas animações de batucadas em português e em hebraico.

Igualmente digno de nota é o fato de o canal de novelas Viva ter importado as principais novelas da Globo, como Esperança, Avenida Brasil, Laços de Família e Senhora do Destino. Faladas em português, legendadas e com as trilhas sonoras originais, as novelas agradaram muito aos israelenses que, através delas, se familiarizaram com a língua e com o jeito brasileiro.

Nos últimos 12 a 13 anos, artistas renomados, como Caetano Veloso, Gal Costa e Giberto Gil, voltaram outras vezes a se apresentar, além de outros artistas menos conhecidos que fizeram shows, workshops e parcerias em Israel e no Brasil.

Uma das maiores, senão a maior, produção brasileira realizada em Israel foi a de Roberto Carlos em 2011. Mais de mil pessoas viajaram do Brasil para se juntar a outros quatro mil sul-americanos no Anfiteatro das Piscinas do Sultão em Jerusalém. O show, que virou um especial de TV, teve um dos mais bonitos e um dos mais caros cená-

Disco “Bossa Nova Israelit”, com musicas originais em hebraico e ritmo brasileiro.

rios já feitos em Israel. O auge do show foi quando o cantor interpretou a música de Naomi Shemer, “Yerushalaim shel zahav”, em hebraico.

A partir de 2005 vieram Casuarina, Yamandu Costa, Guinga, Daniela Szpilman, Fabiana Cozza, Denise Reis, Hamilton de Hollanda, Cristina Braga e muitos outros. Surgiram várias parcerias musicais deles com músicos e grupos atuantes em Israel, como o caso do Chôrole, Samba do Bom, Bossa Trio de Giba Perelman, Roberto Mendes, Daniel Ring, Jacob Fainguelernt, Ba Freire, Marcelo Nami, Salit Lahav, Noa Peled, muitos formados na conceituada Escola de Música Rimon. Os percussionistas israelenses Rony Ivrin, Zohar Fresco, Boaz Berman, Oren Balaban aprenderam bastante o ritmo, além de Gadi Seri, o mais requisitado de todos, que dedicou um disco em homenagem ao maestro Tom Jobim chamado Arabossa, um CD instrumental com os maiores sucessos do maestro em ritmo oriental.

Numa retrospectiva, eu diria que o artista mais próximo do Brasil durante anos foi sem dúvida o Matti Caspi. Porém, outros cantores também tiveram um flerte com a MPB. Rami Kleinstein canta um samba original de mui-

A música brasileira, to sucesso, Kol Mashe Tirtzi, apresentado o futebol e a cultura brasileira em geral recentemente em português e hebraico no show realizado na ARI no Rio de Janeiro. Um dos maiores cantores da atualidade, foram sempre muito Idan Raichel teve uma leve parceria com bem aceitos em Israel, o músico Carlinhos Brown. David Broza a ponto de virar uma fez algumas parcerias com a cantora vioobsessão e uma lonista Badi Assad. Agora foi lançado um CD da cantora Achinoam Nini (Noa), passagem obrigatória no qual ela canta em hebraico a versão da entre os milhares de música “Paz”, de Gilberto Gil e João Dojovens mochileiros a nato, fruto de um encontro que a cantoviajar pelo Brasil depois ra teve no palco com o cantor João Bosdo serviço militar. co no último verão, no Festival de Música de Eilat, dirigido por Dubi Lenz, grande incentivador e atuante em todo esse processo. Tudo isso junto e misturado numa tremenda salada musical. Podemos dizer que sim, Israel tem um sério caso de amor com a música brasileira. Jaime Barzellai é educador de formação, ex-assessor de imprensa e divulgação do Consulado-Geral de Israel, ex-diretor-geral da Confederação Israelita do Brasil, ex-conselheiro e diretor de comunicação da Fierj, correspondente no Brasil do jornal Yedioth Ahronoth e da rádio Galei Tzahal por 18 anos, empresário artístico, produtor musical, representante da IL-Productions na América Latina.

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