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Rafael Stern

arik einstein: transformando o ato de cantar em poesia

A cultura israelense, nos anos que antecederam a Independência, assim como nos primeiros anos após, enfatizava muito o coletivo. A dança era a hora em que todos dançavam juntos numa grande roda. Não havia espaço para o individual.

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Arieh (Arik) Einstein nasceu em Tel Aviv em 1939. Filho de pais artistas, foi membro do movimento juvenil haShomer haTzair, atleta (campeão juvenil de salto em altura) e se consagrou em Israel por sua linda voz e músicas que marcaram gerações. Crescendo junto com o país, teve participação fundamental para criar uma identidade cultural israelense.

Começou sua carreira musical nos corais das lehakot tzvaiot, as bandas do exército que entretiam as tropas. Aos poucos foi ganhando músicas solo, e sua linda voz atraiu artistas que queriam ouvir suas poesias e canções interpretadas por ele. Homem humilde, que “gosta de ficar em casa”, abandonou os palcos porque tinha vergonha de se apresentar, achava que não era feito para isso. Além de escrever muitas letras, também atuou em filmes de comédia e clássicos infantis. Um artista e um poeta completo.

Sempre admirei o mundo da poesia. Como fiz muitos anos de teatro, tive contato com muitos textos, muitos poetas, e o Arik foi a minha porta de entrada para o mundo da poesia em hebraico. A poesia é distinta de outras formas de arte. Ao invés de utilizar cores, formas, sons, movimentos, texturas, ou outros elementos, ela utiliza única e exclusivamente as palavras.

A poesia pode ser sobre o tema mais triste do mundo, mas pela simples escolha das palavras, as rimas, a combinação, isso se torna bonito. O triste pode

se tornar belo, e a poesia se utiliza de uma mágica para tornar isso possível. E prova que, diferentemente da matemática, a ordem dos fatores pode sim alterar o produto. E o que já é belo por si só, a poesia o torna eterno e etéreo.

Um dia, descobri que o Arik não escreveu a letra de muitas das músicas que cantou. Isso me deixou um pouco decepcionado, me fez achar que perdeu um pouco a graça. Mas quanto mais eu descobria os diferentes autores das músicas que ele cantava, mais fui abrindo a minha cabeça para um fato muito simbólico. Grandes poetas da língua hebraica tiveram suas palavras entoadas pela voz macia e aveludada de Arik Einstein: Avraham Halfi, Bialik, Lea Goldberg, Rachel, Naomi Shemer, Natan Yonatan, Meir Ariel, Shalom Chanoch, Yonatan Gefen, e muitos outros. Eu não sei quantos deles escolheram pessoalmente, ou tiveram suas homenagens póstumas na voz do Arik, mas sei que quando tantos poetas geniais, muitos deles também músicos, escolhem ou têm escolhidas as suas poesias para serem cantadas pelo mesmo intérprete, algo de especial ele deve ter.

Além da voz linda, percebe-se que Arik coloca sua alma na música. No vídeo da música Tzaar Lach, que ele canta com a jovem Yehudit Ravitz, tendo entre eles o piano de cauda de Yoni Rechter, o olhar dele, quando canta “assim indicam os olhos”, já me diz tudo. A interpretação da poesia Atur Mitzchech Zahav Shachor (Sua Testa Está Adornada com Ouro Preto), de Avraham Halfi e melodia de Yoni Rechter, com o Arik, a Yehudit Ravitz e a Korin Alal parece uma música do paraíso que sem querer caiu na terra, e ficamos com ela. Arik abriu a minha cabeça para o fato de que poesia não é só um arranjo de palavras. Poesia pode ser um ato. Arik Einstein transformou o ato de cantar em poesia.

A cultura israelense, nos anos que antecederam a Independência, assim como nos primeiros anos após, enfatizava muito o coletivo. A dança era a hora em que todos dançavam juntos numa grande roda. As músicas eram todas conjugadas no plural e enfatizavam como o povo, em conjunto, estava comprometido com o processo de criação do país, da transformação da terra, da criação de cidades. Não havia espaço para o individual, era um projeto conjunto, e a própria estrutura organizacional dos kibutzim (coletivista) e moshavim (cooperativista) evidenciava isso.

Quando Arik escreveu e cantou com Miki Gavrielov a música Ani ve Ata (Eu e você vamos mudar o mundo; Eu e você, e então virão todos...) houve uma profunda quebra de paradigma. Agora já não era mais o mito fundador, aquela figura lendária que estava falando. O coletivo ganhou identidade. O coletivo é formado por “eu” e “você”. E quando se ganha identidade, quando se tem a noção de que existem indivíduos particulares dentro do coletivo,

e que cada um traz um universo inteiro dentro de si, pode-se “mudar o mundo” e incorporar ainda mais indivíduos nesse coletivo. Os indivíduos que formaram Israel não eram uma massa uniforme, era um agrupamento de diversas origens, diversas histórias, diversas razões para estarem ali. E as tentativas de homogeneizar esses indivíduos pela narrativa do mito fundador causou graves crises na sociedade israelense durante décadas.

Junto com grandes parceiros musicais, como Miki Gavrielov e Shalom Chanoch, Arik Einstein foi responsável por introduzir em Israel um gênero que foi muito combatido durante anos, numa postura quase zelota por parte do governo. O rock estava se popularizando no mundo inteiro e os Beatles foram proibidos de tocar em Israel em 1965 devido ao receio de que o gênero representado por eles pudesse perverter a juventude israelense. Israel queria preservar sua cultura, que ainda tinha como referência a hora e as bandas militares, da influência estrangeira, a assimilação, a “helenização”.

Pouco a pouco, Arik e seus parceiros foram introduzindo guitarras elétricas, ritmos mais ousados, chegando até a cantar versões traduzidas de músicas dos Beatles. O álbum Poozy foi o marco que mudou para sempre o cenário da música israelense. Outra grande revolução Outra grande revolução foi com a foi com a música Prag. Lançada pouco tempo música Prag (Praga). Lançada pouco tempo depois da Guerra dos Seis Dias, quando a euforia sionista estava no seu depois da Guerra dos auge, essa ousada música foi uma homeSeis Dias, foi uma nagem à Primavera de Praga, que teve homenagem à Primavera fim com a invasão soviética à Tchecosde Praga, que teve fim lovaquia. Enquanto até então as músicas enalteciam Eretz Israel, o que se enfatizou com a invasão soviética com a vitória surpreendente na Guerra à Tchecoslovaquia. Seu dos Seis Dias, Shalom Chanoch escreveu sucesso representou e compôs, e Arik Einstein cantou uma uma vitória cultural “música que eles sonharam sobre Praga”. – Israel era um país Com o sucesso dessa música, a sociedade israelense também demonstrou que esnormal, com seus êxitos tava aberta às questões do mundo. A vie problemas internos, tória militar representou uma vitória fíe que queria estar sica – Israel estava lá para ficar. O sucessintonizado e integrado ao que acontecia so da música Prag representou uma vitória cultural – Israel era um país normal, com seus êxitos e problemas internos, e no mundo. que queria estar sintonizado e integrado ao que acontecia no mundo. O lado globalizado de Arik Einstein também se manifestou em relação ao Brasil. Ele frequentava assiduamente o kibutz Bror Chail (kibutz com alta concentração de imigrantes brasileiros, referência nacional como um pedacinho do Brasil dentro de Israel), e membros do kibutz participaram de diversas de suas gravações. Na capa do álbum Svahir Arik aparece acenando e vestindo a camisa de

A Balada sobre Yoel Moshe Salomon

Essa música conta a história dos fundadores da cidade de Petach Tikva. Yoel Moshe Salomon era um rabino e foi um dos idealizadores do movimento de saída das muralhas das milenares cidades que já existiam em Israel. Essa música me ensina que a vida é para quem acredita. Ele ficou sozinho na colina, sem nenhuma garantia de que veria ou ouviria pássaros.

Letra: Yoram Teharlev Melodia: Shalom Chanoch Numa manhã úmida, no ano 5638 (1878), na época da colheita [das uvas

Saíram de Yafo, sobre cavalos, cinco cavaleiros Stamper veio, e Gutman veio, e Zerach Barnet E Yoel Moshe Salomon com uma espada na cinta

Com eles cavalgou Mazaraki, o médico grisalho Ao longo do Yarkon o vento canta nos juncos Ao lado de UmLaves eles estacionaram, bem no pântano e no [matagal

Bror Chail, e no álbum Yoshev al haGader a música beShvichei haSamba é uma linda homenagem ao Brasil, ao samba, contendo inclusive partes em português.

Mas apesar desse lado revolucionário, Arik Einstein emprestou sua voz às músicas mais lindas e tradicionais do repertório clássico das shirei moledet, as canções da pátria. Shir haEmek, Chofim, Ein Gedi, Zemer Ahava laYam, Eretz Israel, Laila Laila são apenas exemplos de algumas que ganharam belíssimas versões na voz de Arik. Seus álbuns Eretz Israel haYeshana vehaTova (A Boa e Velha Terra de Israel) contêm verdadeiros hinos de amor a Israel, e representam a visão mais clássica e sonhadora que os poetas pioneiros e sionistas tinham de uma terra que podia não ser natal originalmente, mas que assim se tornou por uma adoção repleta de amor e entrega.

Quando o trio Chalonot haGvohim (formado por Arik Einstein, Josie Katz e Shmulik Krauss) começou a fazer sucesso na Europa, Arik se sentiu como um peixe fora d’água. Deixou o trio e voltou para Israel. Posteriormente, teve a oportunidade de fazer dois shows nos EUA. Segundo ele, aceitou a proposta para ter a oportunidade de assistir ao vivo o basquete americano. Foi nessa oportuni-

E sobre uma colina pequena subiram para observar as redondezas

Disse para eles Mazaraki, depois de uma hora curta: “Não escuto pássaros, e isso é um sinal terrível Se não se veem pássaros, a morte reina por aqui Vale a pena sair rápido, eis que me vou” O médico pulou sobre seu cavalo, por prezar pela própria saúde E os três companheiros se dirigiram para voltar à cidade com ele

Disse então Yoel Salomon, seus dois olhos delirantes: “Eu vou ficar essa noite sobre esta colina” E ele ficou na colina, e entre meianoite e a luz De repente surgiram para Salomon asas de pássaro Para onde ele voou, por onde ele pairou, não há ninguém que [saiba Talvez isso tenha sido apenas um sonho, talvez apenas uma lenda

Mas quando a manhã subiu novamente além das montanhas O vale maldito se encheu com o canto de pássaros E há quem diga que até hoje, ao longo do Rio Yarkon Os pássaros cantam sobre Yoel Moshe Salomon

dade que escreveu a letra de San Francisco al haMaim (São Francisco sobre a Água), em que ele reconhece como a paisagem da cidade americana é linda, mas que isso comprova definitivamente seu amor por Israel, “pequena, quente e maravilhosa”.

Muitos artistas têm suas próprias imagens nas capas de seus álbuns, como o próprio Arik, em boa parte de seus discos. Mas no álbum Eretz Israel haYeshana vehaTova vol. 3, a capa é um antigo mapa da terra de Israel. A imagem de Arik Einstein se confunde com a própria imagem de Israel.

Uma característica que muito admiro no Arik é sua capacidade de identificar potenciais talentos. Ele ficou conhecido por suas parcerias, ajudando jovens e principiantes artistas a alavancarem suas carreiras. Arik lançou álbuns e músicas com jovens talentos como Yoram Gaon, Shmulik Kraus, Josie Katz, Shalom Chanoch, Miki Gavrielov, Ytzhak Klepter e Yoni Rechter (ambos ex-integrantes da banda Kaveret), Shem Tov Levi, Yehuda Poliker, Yehudit Ravitz, Korin Alal, Peter Rut. Recentemente gravou uma música com Shlomo Artzi.

Depois que Rabin foi assassinado, foi lançado um álbum duplo chamado Shalom Chaver, com músicas em homenagem ao primeiro-ministro assassinado. A maioria das músicas já existia, mas quando colocadas num contexto de lembrança de Rabin, ganharam um sentido especial. Esse foi o caso da música Livkot Lecha, que Aviv Gefen compôs e escreveu para um amigo que morrera muito antes num acidente de carro. A música ganhou uma versão linda de Arik Einstein, que foi escolhida para ser a primeira música do primeiro disco. A primeira música do segundo disco também é de Arik e é a única do álbum duplo que foi escrita especialmente para a ocasião. A letra é dele e a melodia é de Shem Tov Levi. Enquanto todas as atenções se

voltavam para o homem que morreu, Arik pensou na mulher que ficou viva, sozinha. A música é dedicada à viúva de Rabin, Léa. O nome da música é Ze Pitom Nafal Alea (De repente se abateu sobre ela). A genialidade é que, no hebraico, quando se usa uma preposição como al (sobre) ou el (para), junto com o pronome pessoal hi (ela), junta-se numa palavra só. Ao invés de al hi ou el hi fica alea e elea. Mas pode-se usar também com um substantivo al José, el Ana, e, é claro, al Lea e el Lea. A música é toda feita na base desse trocadilho e esse é um dos motivos da minha paixão pela poesia.

A morte de Arik Einstein no dia 26 de novembro de 2013 devido a um aneurisma foi um evento que traumatizou Israel e teve um alcance inimaginável. O país ficou em luto, o clima era parecido com o de Yom haZikaron. As pessoas sentiram como se tivessem perdido um fami-

liar muito próximo e querido. Muitos choraram de saudades e de desamparo.

Mas o que mais me admirou na morte de Arik foi como ela conseguiu, por alguns momentos, unir a sociedade israelense como um todo. O assassinato de Ytzhak Rabin foi um trauma profundo para boa parte da sociedade israelense. Mas setores da direita, religiosos ou laicos, não compartilham da dor da perda desse líder que foi apoiado por muitos, mas despertou revoltas em diversos setores da sociedade. A recente morte do rabino Ovadia Yossef, que levou um milhão às ruas para o seu enterro, não foi tão sentida ou lamentada por muitos setores laicos da população. Mas a morte de Arik foi sentida por quase todos. Esquerdistas ou direitistas, laicos ou religiosos.

As músicas de Arik Einstein fizeram parte da vida de quase todos os adultos israelenses. E me admira como os

Em seus discos, pouco a pouco, Arik e seus parceiros foram introduzindo guitarras elétricas, ritmos mais ousados, chegando até a cantar versões traduzidas de músicas dos Beatles, mudando o cenário da música israelense.

laicos e os religiosos, que não conseguem concordar em quase nada, compartilharam da mesma dor na sua morte.

Arik Einstein teve um grande amigo e parceiro em suas manifestações artísticas (como no filme clássico Metzitzim), Uri Zohar. Quem conhece Uri Zohar de antigamente ainda tem dificuldade de se referir a ele com o seu título atual, rabino Uri Zohar. Ele se tornou um rabino ultraortodoxo e dois de seus filhos casaram com as duas filhas de Arik Einstein, seu grande amigo de juventude, que, para isso, fizeram teshuvá, ou seja, se tornaram ortodoxas também. O vídeo de um dos casamentos é impressionante e mostra a elite cultural laica israelense dançando animadamente com os ortodoxos de capa preta, um vislumbre talvez da Era messiânica. Essa união entre as filhas de Arik Einstein e os filhos do rabino Uri Zohar despertou grande simpatia do público ortodoxo pela

As músicas de Arik figura de Arik. Diversas manifestações de Einstein fizeram parte da vida de quase todos lamento e tristeza por sua morte, além de demonstrações de homenagem e respeito por quem ele foi, me deixaram profunos adultos israelenses. damente emocionado ao perceber como E me admira como os ele conseguiu unir de forma tão bonita as laicos e os religiosos, emoções e as sensações de setores tão seque não conseguem parados da sociedade israelense. Obrigado, Arik, por me ajudar a suconcordar em quase blimar as minhas angústias, celebrar minada, compartilharam nhas alegrias, apreciar minha tranquilida mesma dor na dade, viver meu amor e me ensinar lisua morte. ções de vida. Rafael Stern é carioca, formado Pelo EliezerMax e pelo Habonim Dror, em Geografia pela UFF e atualmente é mestrando em Clima e Ambiente pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Foi sheliach de juventude na comunidade judaica de Manaus. Em Israel, estudou pósgraduação em Estudos Ambientais no Machon há Aravá e trabalhou no Instituto Weizmann.

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