
10 minute read
Em poucas palavras
Sub-humanos e sobre-humanos
Khaled Diab é um jornalista e escritor com dupla cidadania egípcia e belga, que passou metade de sua vida na Europa e a outra metade no Oriente Médio, inclusive dois anos em Jerusalém. Como tantos outros jornalistas que têm uma visão de primeira mão (e não de ouvir falar) das sociedades do Oriente Médio, seus escritos tratam Israel de forma muito mais equilibrada do que a esmagadora maioria da imprensa, principalmente a árabe, para a qual Israel e os israelenses são a essência do mal e da desumanidade.
Advertisement
Diga-se de passagem que esta visão majoritária no lado árabe da imprensa é repetida por parte da imprensa israelense e judaica que faz observações semelhantes, porém com o sinal trocado. A “nossa” porção de demonização do inimigo é certamente menor, mas isto não chega a ser motivo de alívio, visto que só teremos paz quando estas facções forem diminutas em ambos os lados do conflito e prevalecer a percepção que demônios não são parte do cenário.
Num texto de 27 de agosto passado, Khaled comenta a insanidade da teoria conspiratória que grassava no Egito e que foi endossada pelo primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, segundo a qual Israel estaria por trás da derrubada do presidente egípcio Morsi.
Claro que esta teoria não se dá o tra-
Jcarillets / iStockphoto.com
Qual teria sido o método de lavagem cerebral utilizado para convencer dezenas de milhões de pessoas a saírem às ruas pedir pela destituição do governo da Irmandade Muçulmana? balho de explicar qual teria sido o revolucionário método de lavagem cerebral que Israel utilizou para convencer dezenas de milhões (sim, dezenas de milhões!) de pessoas a saírem às ruas pedir pela destituição do governo da Irmandade Muçulmana. Mas as teorias conspiratórias são assim mesmo – quanto mais fabulosas, melhor.
No texto, Khaled faz uma observação muito interessante: ele diz que a imprensa árabe demoniza os israelenses através de um jogo duplo: ao mesmo tempo em que os caracterizam como tendo personalidades sub-humanas, capazes das maiores barbaridades, os temem por terem poderes sobre-humanos, capazes dos mais formidáveis feitos.
Desta forma os árabes constroem um imaginário que empurra o inimigo israelense para fora do mundo real, na direção de uma esfera mitológica de alguma outra dimensão, o que leva à falsa convicção de que é impossível transformar o inimigo num amigo e converter anos de guerra em anos de paz. Khaled conclui avaliando que é muito confortável para regimes populistas e totalitários construir a imagem de um intratável inimigo externo e que infelizmente este processo complica muito a solução do conflito.
Não há como negar a sabedoria da análise de Khaled Diab. ü

Inkit / iStockphoto.com
Um vídeo sobre a saúde das mulheres postado pela empresa israelense Clalit teve centenas de milhares de acessos em países árabes.
Apenas humanos
No primeiro semestre deste ano, a empresa israelense de serviços de saúde Clalit postou uma série de vídeos no Youtube a respeito de vários tópicos: amamentação, monitoramento da gravidez, detecção precoce de doenças etc. Pensando em beneficiar os clientes árabe-israelenses, os vídeos foram postados também em árabe.
Com o passar do tempo, os profissionais da Clalit tiveram a grata surpresa de ver que seus vídeos em árabe estavam atraindo uma atenção explosivamente maior do que o previsto no lançamento. Mais de um milhão e cem mil pessoas haviam acessado os vídeos até o final de setembro, ou seja, praticamente todos os árabes de Israel teriam acessado os vídeos! Eles exultaram brevemente com a perspectiva da conquista completa de um mercado inteiro, o sonho de qualquer empresa.
Porém, o mistério da superexposição dos vídeos foi rapidamente desvendado: meros 5% dos acessos (quarenta e cinco mil) provinha de Israel, todo o restante era originado dos países árabes. A Arábia Saudita tinha mais de quinhentos mil espectadores, o Egito pouco mais que cento e cinquenta mil e assim por diante, incluindo todos os vizinhos de Israel e alguns países mais distantes como o Marrocos e a Argélia. Até a combalida Síria entrou na lista com pouco mais de dez mil visitas aos vídeos da Clalit.
A maior parte das visitas focou nos vídeos sobre a amamentação e os espectadores árabes não se limitaram apenas a assistir os vídeos. A Clalit recebeu mensagens de agradecimento, encorajamento e perguntas.
Há um mito de que a paz chegará através das mulheres. Quem sabe a amamentação ajude na concretização deste sonho? Porque quando os dois lados se perceberem como igualmente humanos o primeiro grande passo para a reconciliação estará dado. ü
Mochilofobia eletiva
Idade de 21-22 anos. Óculos escuros protegendo o alto da testa e não os olhos. Sandália nos pés chova ou faça sol. Mochila, bermuda, camiseta, relógio grande na mesma mão peluda que agarra o tablet onde baixou o Lonely Planet, um dicionário português e outro espanhol, além das centenas de dicas dos amigos que já desbravaram aquelas trilhas nos anos passados. Nunca sozinhos, mas também nunca em grandes grupos, andam em duplas ou em tripla companhia.
Você nem precisa chegar perto e ouvir o hebraico rascante e o português precário que emerge com a ajuda do dicionário eletrônico. Já de longe se percebe que são israelenses recém-saídos do longo período de serviço militar obrigatório que estão correndo o mundo para saciar a fome de liberdade tolhida no exército, antes de se amarrar numa faculdade e batalhar por um lugar no mais vibrante mercado high tech do mundo.
Eles se esparramam por toda a América do Sul um dos seus destinos favoritos, junto com a Índia e com os países do Extremo Oriente.
O comércio os adora. Principalmente as pousadas mais jeitosinhas e de baixo custo, os bares descompromissados com o luxo e os empreendimentos dedicados ao trekking. Em alguns lugares cardápios, cartazes e instruções são bilíngues – português (ou espanhol) e hebraico. Um bando de jovens adultos procurando espairecer da tensão do Oriente Médio através de aventuras em novas paisagens. Criam pouquíssima confusão, não se embebedam irresponsavelmente, não desrespeitam os locais.
Mas há os que os temem! O senador chileno Eugenio Tuma, o chefe da campanha da candidata à presidência e ex-presidente Michelle Bachelet, considera que os mochileiros israelenses são um “risco à integridade territorial do Chile” e afirmou no programa “Controversia” da TV chilena que “constitui-se numa ingenuidade por parte do Chile e de sua segurança não perceber o que ocorre com os nume-

Encrier / iStockphoto.com
Um importante senador chileno alerta para um numeroso contingente das forças armadas de Israel mapeando a Patagônia.
A Federação Internacional de Tênis suspendeu a Tunísia da Copa Davis de 2014 por proibir seu atleta de enfrentar um israelense.
rosos contingentes que chegam como civis, mas que são egressos das forças armadas de Israel, e que vêm até aqui fazer mapas... grande parte da sinalização da zona [a Patagônia chilena] está escrita em hebraico... a cada ano entram de oito a nove mil israelenses, sem nenhuma necessidade de visto”.
Assusta-se o senador e nós nos assustamos com o susto dele. Como é possível distorcer de forma tão maligna a inofensiva atração turística que nosso continente exerce sobre os jovens de Israel? Eles vêm para cá atrás de paisagens, de liberdade e de céus abertos. O senador chileno, figura importante em seu partido, vê neles super-homens que pretendem anexar o Chile ao Oriente Médio, construindo uma fabulosa ponte sobre continentes e oceanos.
E fica no ar a incômoda pergunta ao senador: os muitos jovens de outras nacionalidades que também procuram as magníficas paisagens da Patagônia também são uma ameaça à integridade territorial do Chile? ü neio Tashkent Challenger no Uzbequistão, em outubro deste ano.
O atleta tunisino e seu irmão e empresário Amir Jaziri condenaram a decisão da federação de seu país, declarando que ela era “chocante, pois trazia a política para o mundo do esporte”. Enquanto isto, o atleta israelense declarou que Jaziri é “um bom amigo”, acrescentando que ele “realmente queria jogar”.
A reação dos atletas não surpreende, pois entre pessoas que mantêm interesses comuns a fraternidade é a regra e não a exceção. Isto ocorre mesmo entre cidadãos de países que não mantêm relações diplomáticas, como Israel e Tunísia. Os atritos costumam acontecer no nível institucional, mormente quando as instituições se tornam propriedade de indivíduos que colocam o apego ao poder antes dos interesses coletivos que representam.
E é justamente por causa disso que a decisão adotada por unanimidade pela ITF é admirável. Representantes de 210 países, ou seja, o mundo todo, focaram exclusivamente no esporte, mandando uma forte mensagem contra a intolerância motivada por questões não esporti-
Sensatez no esporte
Numa decisão unânime, a Federação Internacional de Tênis (ITF) suspendeu a participação da Tunísia na Copa Davis de 2014 por conta da proibição imposta pela federação tunisina de tênis ao atleta Malik Jaziri, forçando a sua desistência na disputa com o atleta israelense Amir Weintraub pelas quartas de finais do tor-


vas. A decisão da ITF é admirável também por ser tristemente pouco frequente. Recentemente, numa competição de natação no Qatar, os atletas israelenses foram apresentados com um retângulo em branco ao lado dos nomes, enquanto que todos os demais tinham a sua bandeira nacional. Não houve reação alguma por parte da federação mundial de natação ou por qualquer outro foro.
Os “cartolas” do tênis mostraram mais sensatez do que os cientistas que defendem um boicote às universidades israelenses, subordinando o avanço da ciência a questões políticas. Quem diria que esportistas seriam mais sábios que cientistas?! Como se vê, conhecimento científico não pode ser confundido com visão e sabedoria.
Uma nota final: mesmo beneficiado pela vitória por WO, Weintraub acabou eliminado do torneio por um atleta russo. Contudo, ele foi “vingado” por seu compatriota Dudi Sela, o mais bem ranqueado tenista israelense, que bateu o russo na final e ganhou o torneio. Fica a dúvida se a decisão da federação tunisina não ajudou Israel a fazer bonito em Tashkent. ü
O fato e a versão
A Autoridade Nacional Palestina, talvez movida pela necessidade de esconder seus rotundos fracassos políticos e administrativos, resolveu há alguns meses encomendar uma análise nos ossos do seu falecido presidente, Yasser Arafat, para determinar se ele havia sido envenenado. Um time de cientistas suíços e um time de cientistas russos conduziram análises de forma independente nos restos mortais de Arafat e chegaram às seguintes conclusões:
Os suíços concluíram que o envenenamento era uma possibilidade que não poderia ser descartada, porém não havia condição alguma de determinar se realmente aconteceu. Ou seja, não disseram nem sim nem não. Os russos concluíram que o envenenamento não ocorreu de forma alguma. Ou seja, decretaram um categórico não.
A partir destas (in)conclusões a Al Jazera noticiou que Arafat havia sido envenenado e os palestinos se apressaram a deduzir que apenas Israel poderia ter sido o perpetrador. A campanha de desinformação palestina ignorou o laudo russo e a dúvida do laudo suíço, não se preocupando também em contar para o mundo como foi que um agente israelense conseguiu chegar tão perto de Arafat a ponto de ter ministrado o veneno.
Num primeiro momento boa parte da imprensa (inclusive a brasileira) caiu no conto da Al Jazera, encomendado pelos palestinos, e apontou o dedo acusador contra Israel. Apenas no dia seguinte a notícia foi corrigida. Claro que o desmentido foi bem-vindo, mas o dano da primeira impressão já havia sido causado.
Algo semelhante aconteceu na suposta destruição do arsenal químico da Síria, que animou boa parte dos consumidores de noticiário do mundo como sendo o prenúncio de uma era em que os conflitos seriam todos resolvidos pela negociação. Um pouco mais de atenção às palavras do inspetor da ONU teria deixado o mundo menos excitado. Ele disse que todos os locais de produção de armas químicas indicados pelo governo sírio haviam sido inutilizados. Ou seja, podem existir muitos outros lugares não denunciados pelos sírios e estes não foram mexidos. Além do que não houve uma só palavra sobre os armamentos já estocados.
Mas a imprensa comemorou a destruição do armamento químico da Síria como se a diplomacia tivesse marcado um golaço contra a barbárie. Infelizmente, neste caso, se houver um desmentido ele custará as vidas das vítimas do próximo ataque químico na guerra civil da Síria.
O conhecido jogo de criar factoides para sensibilizar os incautos e os distraídos continua sendo praticado com muita consistência. Convém sempre ir às fontes da informação e checar as conclusões dos noticiários. Na era da internet esta possibilidade está aberta para todos. ü

O suposto envenenamento de Yasser Arafat: o laudo suíço foi inconclusivo e o russo foi negativo.