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Deborah B. Erlich
lod: visões antagônicas, será Possível a coexistência?
deborah B. erlich
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Com 8.000 anos de existência, Lod é a mais antiga cidade continuamente habitada de Israel. Os muçulmanos acreditam que em Lod será realizada a batalha do final dos tempos. Durante o tempo da Mishná e do Talmud a cidade era considerada o segundo mais importante centro espiritual judaico, tendo à frente apenas Jerusalém. Os romanos costumavam referir-se à cidade de Lod como “Cidade de Deus”, que, ironicamente, para nós brasileiros, faz lembrar o filme homônimo que retrata a vida de um garoto residente da favela tentando sobreviver em meio à realidade desesperadora da pobreza e do crime. Hoje, Lod é mais conhecida em Israel como a cidade do crime, do fracasso e da falta de esperança, sendo um reflexo da incapacidade da gestão administrativa e urbana.
Lod é uma cidade mista: são 75.000 habitantes, sendo 69,2% judeus e 23,6% árabes (22,4% muçulmanos e 1,1% cristãos). A maioria dos residentes árabes vive nos bairros do norte da cidade e a maioria dos judeus nos bairros do sul.
A cidade, que se encontra a 12 minutos de viagem de Tel Aviv, conheceu nos últimos 15 anos oito prefeitos diferentes. Devido aos problemas de desintegração social, pobreza e discriminação, a prefeitura declarou falência e o governo teve que nomear uma comissão para gerir a cidade.
Em fevereiro de 2011, um raio de esperança surgiu em Lod, quando Meir Nitzan, o mitológico prefeito da cidade de Rishon Letzion por 25 anos, concordou em chefiar o comitê responsável pela prefeitura de Lod. Aos 79 anos, Lod representa a periferia cultural. A cidade é o reflexo do racismo que existe em Israel entre judeus e árabes. A cidade vive em constante conflito, sendo que a questão árabe-judaica paira no ar todo o tempo. É, certamente, um microcosmo da nossa realidade.
Meir recebeu a quase impossível incumbência de salvar Lod.
O aclamado documentário, “Lod, Entre o Desespero e a Esperança”, do canal 8, acompanhou a tentativa de reabilitar a cidade por Meir Nitzan durante dois anos. A série foi reconhecida como uma das mais importantes feitas em Israel nos últimos anos e comparada à série de televisão norte-americana “The Wire’, criada pelo escritor e repórter policial David Simon e transmitida pela HBO nos Estados Unidos.
A série de seis episódios de 50 minutos cada foi criada por Eyal Balahsan e Uri Rosenwaks e nos levou a conhecer Lod através de fascinantes personagens (ou heróis do cotidiano) em sua luta diária pela sobrevivência.
Ela começa com o assassinato da esposa de Abu – Gariba –, um dos chefes dos dois clãs (hamulas) árabes beduínos da cidade de Lod, que se encontram em constante conflito sanguinário. Meir Nitzan, o novo prefeito da cidade, chega ao local do assassinato que se deu a 30 metros da estação policial e é confrontado com os gritos da população local que reclama da corrupção policial e da insegurança. A partir daí fica impossível parar de acompanhar o seriado que, diferentemente de “The Wire”, retrata a realidade nua e crua onde ninguém está representando.
Acompanhamos de perto a vida dos cidadãos: as hamulas, a Juliet Cohen e Mor, seu filho adolescente, que largou a escola e está prestes a se tornar um marginal, ao Sheikh da Grande Mesquita de Lod incitando o povo contra a polícia israelense, a Aaron Atias, o líder do grupo de jovens ortodoxos sionistas batalhando para reassentar famílias judias nos bairros que hoje são de maioria árabe, ao jovem chefe da polícia de Lod, Doron Turgeman, lutando para controlar o caos da cidade, a Faten Al-Zeinati, mulher árabe ativista social lutando pela integração entre árabes e judeus na cidade, a garota judia de origem russa que se apaixona por um jovem árabe, e muitos outros.
Todos os personagens, verdadeiros cidadãos de carne e osso, vão expondo com tremenda sinceridade, diante das câmeras, seus medos, raivas e sonhos, retratando de for-
O expectador está ma emocionante o mosaico cultural da convidado a se identificar com um cidade e a constante tensão causada pela coexistência. Citando a crítica israelense do jornal Maariv (Elkana Shor). “A série leque amplo de aborda um assunto familiar, mas com o opiniões, desde a tratamento certo, torna-se brasa ardente.” extrema direita sionista Entrevistei Eyal Balahsan, um dos israelense até os dois criadores da série. Eyal também é o responsável pela pesquisa dos persoantissionistas e a nagens e pela produção do documentáfavor da resistência rio e aqui nos conta um pouco dos dois violenta. São todos anos de filmagem. seres humanos. O principal obstáculo para Devarim – Seria Lod um microcosmo da complexidade do conflito árabe-judeu resolver os problemas em Israel? é levar estas pessoas Eyal Balahsan – Lod é uma cidade ao diálogo. E às vezes mista, como é Akko ou Haifa, mas, difetenho a sensação de que isto é possível. rentemente destas cidades, Lod não se situa geograficamente na periferia. Ela é periférica no sentido cultural. Lod, com sua carga de preconceito e dificuldades, também representa Israel. Estou sendo cauteloso com minhas palavras, mas esta é a questão principal, Lod representa a periferia cultural. A cidade é o reflexo do racismo que existe em Israel entre judeus e árabes. A cidade vive em constante conflito, sendo que a questão árabe-judaica paira no ar todo o tempo. É, certamente, um microcosmo da nossa realidade. É como o problema israelense-palestino; cada personagem na série apresenta a sua verdadeira face, sem maquiagem. Caso Atias (lider do grupo ortodoxo sionista), por exemplo, e o Sheikh (Imã da mesquita), se sentassem para dialogar, resolveriam uma série de problemas, porém são pessoas de pensamento radical que se recusam a dialogar. Só eles podem resolver o conflito, pois representam a autoridade e a liderança. Devarim – O que o motivou a fazer um documentário sobre Lod? Eyal Balahsan – Os jornais noticiaram uma série de assassinatos em Lod, 11 ao todo, e Bibi (Netanyahu) foi visitar a cidade, comprometendo-se a investir recursos nela. Meu parceiro Uri e eu achamos que seria interessante ver o que estava acontecendo por lá. Quando chegamos, ficamos pasmos com a negligência municipal
e administrativa numa cidade que se encontra a 12 minutos de Tel Aviv!
Foi surpreendente ver como a cidade carece de serviços básicos, infraestrutura, instalações, escolas e educação informal. São 7.000 crianças em risco em uma cidade de 70.000 habitantes. É impossível não sentir a tensão produzida pela complexidade cultural. A energia das pessoas em Lod é intensa, porém se orienta na direção errada.
Existe um documentário americano chamado “Brick City” que é uma série que acompanha o prefeito da cidade de Newark, em New Jersey, nos Estados Unidos, lutando para acabar com quase meio século de violência, pobreza e corrupção na cidade. Achamos que com a entrada de Meir Nitzan em Lod estaria ocorrendo um processo semelhante à cidade de Newark e resolvemos documentar este processo.
Devarim – Logo no início do documentário somos testemunhas do assassinato de um dos integrantes do clã árabe beduíno, dando a impressão de que o documentário seria sobre o conflito sanguinário destas duas famílias, mas em seguida vão acontecendo outras coisas, como, por exemplo, o retorno de Gilad Shalit e do prisioneiro árabe a Lod, além das manifestações populares contra o custo de vida em Israel. O objetivo inicial do documentário era focar apenas nos assassinatos?
Eyal Balahsan – Não planejamos nada. Sabíamos que Meir Nitzan seria uma figura central e resolvemos acompanhá-lo. Mas as coisas foram acontecendo em Israel e em Lod e nós estávamos lá documentando tudo.
A cidade é um microcosmo da realidade israelense. Sendo assim, a libertação de Gilad Shalit e, paralelamente, a do prisioneiro árabe que retorna à sua família em Lod é um exemplo de como o conflito árabe israelense está o tempo todo abaixo da superfície e pairando no ar. Vemos como o nacional e o regional estão intrinsicamente ligados. Em Lod, diferentemente de Tel Aviv, não tem como fingir que não se vê, a realidade está na nossa cara.
Devarim – Quando Gilad Shalit foi libertado, eu estava grudada em frente à televisão acompanhando com grande emoção o encontro dele com sua família. No documentário assistimos a cena dramática em que a senhora árabe esperava no mesmo dia o retorno de seu filho após 28 anos na prisão israelense como parte do acordo de troca de prisioneiros. Não foi uma cena fácil de digerir.
Eyal Balahsan – Sim, tudo se interliga. Por exemplo: no mesmo dia às cinco da manhã eu estava lá com a família árabe e tudo acontecendo ao mesmo tempo – minha esposa me enviando mensagens – “Gilad chegou ao Egito”, “Gilad deu um telefonema” –; meu coração batia forte. Foi um dia extremamente emocional. Vejo a mãe do prisioneiro árabe chorando de emoção à espera de seu filho. O retorno de Gilad Shalit foi um evento dramático acompanhado por toda a sociedade israelense que se emocionou coletivamente. Somos parte dela e, ao mesmo tempo, de repente eu estava lá vendo a mãe árabe abraçando o filho prisioneiro de Israel que volta à sua casa após 28 anos. Não pude ficar indiferente ao sofrimento dela. Então Atias (o líder sionista ortodoxo) aparece e diz: “Mas você é um terrorista, não vamos nos esquecer disso”. Aquele prisioneiro tentou matar soldados com uma granada que não explodiu e sua intenção de matar era clara. Por outro lado, você acha que um homem que tentou matar soldados e não conseguiu deve cumprir pena de 28 anos na prisão? Se um homem atirar uma granada em alguém na rua e ela não explodir talvez ele cumpra pena de sete anos, no máximo, não é? A questão da justiça fica complicada. Por outro lado, eu sou judeu, me identifico com Gilad Shalit e me identifico também com Atias, acho que há verdade em suas palavras. No entanto, passaram-se 28 anos... ele pagou seu preço e, felizmente, a granada não explodiu. O governo israelense decidiu libertá-lo, sua mãe não é culpada por isso. Fui testemunha da alegria, dele sendo carregado como um herói pela família e pelos amigos e, para complicar mais ainda, vemos ele agradecendo a resistência contra Israel por sua libertação. Foi complicado me manter imparcial e continuar normalmente com meu trabalho.
Devarim – Faten consegue passar esse sentimento de forma muito clara quando ela diz com lágrimas nos olhos

que está feliz com o retorno de Gilad Shalit, mas que não pode mostrar esse sentimento de felicidade dentro de sua própria comunidade.
Eyal Balahsan – Definitivamente, o conflito árabe judeu pode ser visto pela maneira que Faten o entende: ela é uma árabe orgulhosa de sua identidade assim como eu sou orgulhoso da minha identidade judaica. Isso faz com que a gente sinta respeito por ela, pois ela entende que vivemos em um mosaico cultural e devemos nos identificar com a dor, a tristeza e a felicidade do outro para podermos coexistir. Em minha opinião, a identidade judaica se fortalece assim, entendendo as diferenças e aceitando-as, assim como somos diferentes em outras partes do mundo. Nossa abordagem no documentário é bem aberta, apresentamos a extrema-direita e o Movimento Islâmico do Norte, que é considerado pelos israelenses, paralelo ao Hamas, um movimento radical. Nós mostramos o seu lado radical extremista e também o lado prático do movimento e trazemos também a sua esperança. Apresentamos as questões de forma equilibrada. O expectador está convidado a se identificar com um leque amplo de opiniões, desde a extrema direita sionista israelense até os antissionistas e a favor da resistência violenta. São todos seres humanos. O principal obstáculo para resolver os problemas é levar estas pessoas ao diálogo. E às vezes tenho a sensação de que isto é possível. Enquanto o Estado não se manifestar e não apresentar um planejamento de inserção desta população, enquanto não houver investimento, nada vai mudar. Nesse aspecto a realidade é parecida com a das favelas no Brasil. A negligência do Estado perpetua a pobreza e o crime.
Devarim – Conforme os capítulos vão se desenrolando tem-se a sensação de que realmente é possível, o documentário nos faz resgatar a esperança perdida.
Eyal Balahsan – Atias e Faten são a esperança, ouvi dizer que hoje em dia Atias a apoia.
Devarim – Vemos isso na última cena.
Eyal Balahsan – Sim, a cena no centro comunitário. No início filmamos o centro comunitário deserto, sem atividade alguma, nos surpreendeu o fato da cidade não ter um centro comunitário, que é tão comum nas outras cidades de Israel. Devarim – O fato de vocês terem filmado influenciou os acontecimentos?
Eyal Balahsan – Não, os problemas estavam amontoados sobre a mesa de Meir Nitzan. A maioria da população judaica, por exemplo, não sabia que estávamos filmando o polêmico Sheikh da Grande Mesquita de Lod; ele aparece muito no documentário, foi uma grande surpresa para todos. Mas não posso dizer ao certo se as filmagens impulsionaram processos que já estavam em andamento.
Devarim – Você foi o responsável pela pesquisa dos personagens. Como se dá esse processo? Eyal Balahsan – O documentário baseia-se nos personagens. O objetivo era conhecer o mosaico urbano, explorar e entender quem é quem, eu quis entender quem é líder de opinião. Por exemplo, o Sheikh da Grande Mesquita é uma pessoa muito influente, o Movimento Islâmico do Norte é um fator significativo para a população árabe. No início ele se recusou a ser entrevistado, mas achamos que ele deveria ser entrevistado por ser uma figura central. Tive que convencê-lo. No início ele surgia acompanhado de mais dez pessoas até que depois de muitos encontros finalmente concordou em nos levar para sua casa. Ele viu o produto final. Os árabes não acreditavam que exporíamos a realidade de forma equilibrada e sensata. Queríamos trazer a voz de cada um e acho que conseguimos.
Devarim – Como você adquiriu a confiança das hamulas em meio aos assassinatos?
Eyal Balahsan – Eu só consigo “vender o peixe” quando acredito nele. Eu acompanhava tudo o tempo todo; a violência de perto, essa proximidade constante com as hamulas fez com que eu soubesse de muita coisa. Nós sempre fomos sinceros com eles, mesmo que nem sempre estivessem satisfeitos com isso. Quando me pediam para não relatar algo, eu não relatava. Por exemplo, uma vez me deram uma dica, me falaram para estar com uma das famílias num tal dia porque poderia acontecer algo. Cheguei lá e a polícia apareceu. Então comecei a filmá-los. O policial quis saber o que eu estava fazendo lá e fiz a mesma pergun-
ta a ele (risos). Toda informação que recebia dos personagens era estritamente confidencial. Sou obrigado a proteger os entrevistados e as fontes, a minha única obrigação de acordo com a lei é avisar a polícia caso saiba de um assassinato. Talvez até tenhamos contribuído para a “sulkha” (processo de reconciliação) que se dá durante o documentário. Porque toda vez que um dos integrantes das hamulas me perguntava o que o outro lado pensava, eu dizia que a dor era a mesma.
Devarim – O processo todo levou dois anos de investigação, certo? Alguma vez você sentiu medo?
Eyal Balahsan – Sim, foram dois anos de trabalho diário, centenas de horas de câmera. Nós estávamos preparados para qualquer evento, os menos dramáticos também, o dia a dia. Filmamos as reuniões semanais de Meir Nitzan na Prefeitura com a polícia e uma grande quantidade de material. O maior elogio que recebi foi quando houve um evento onde era proibida a presença da imprensa. Nós chegamos com nossas câmeras e quando alguém perguntou o que estávamos fazendo lá os responsáveis responderam que o Canal 8 não figurava como imprensa (risos).
Não senti medo, eles confiavam em mim, pois fui muito direto com eles. Durante os dois anos de filmagem desenvolvemos uma relação de confiança. E hoje nós ainda estamos lá. Esta é a única maneira da câmera captar a profundidade do sofrimento dos cidadãos. Mostramos a vida como ela é, não ocultamos nada tanto do lado bom quanto do lado ruim. E ao final todos ficaram satisfeitos com o resultado.
Devarim – O documentário mostra o bairro com as ruas de terra, sem iluminação ou esgoto, o lixo amontoado, com as casas construídas sem permissão onde as duas hamulas em guerra uma com a outra controlam e afetam o cotidiano da população. Isso me fez lembrar as favelas no Rio de Janeiro.
Eyal Balahsan – Aqui também tem o fator da cultura beduína, a cultura de tribos, com seus códigos de honra. Nesse sentido eles são clãs e não gangues. Vemos boas pessoas que se perdem no caminho. É claro que a pobreza leva-os a este lugar. Acho que isso é parte da negligência do governo. As pessoas vivendo na pobreza desorganizada que se perpetua. Não se estabeleceu uma política de regulamentação destas casas. A população que vive lá quer se sentir parte da sociedade, suas famílias vão crescendo e eles não têm onde construir. O governo não tem planos de construção. Assim se desenvolve uma cultura de alienação, o pensamento geral é “se eu não faço parte da sociedade então eu não preciso pagar impostos”, criando-se assim um antagonismo para com o Estado.
Enquanto o Estado não se manifestar e não apresentar um planejamento de inserção desta população, enquanto não houver investimento, nada vai mudar. Nesse aspecto a realidade é parecida com a das favelas no Brasil. A negligência do Estado perpetua a pobreza e o crime. Estas pessoas não têm uma verdadeira chance de se inserir na sociedade e em minha opinião só a educação pode alcançar isso. Educação é a base de tudo; neste sentido, a nova escola de segundo grau que foi construída agora no bairro mais pobre de Lod, o bairro “Rakevet”, pode ser vista como um símbolo de mudança. O objetivo é que as crianças árabes possam, finalmente, terminar a escola e fiquem mais afastadas do crime e das drogas.
Devarim – As eleições para prefeito em Lod acontecerão em mais alguns dias. Vocês pretendem gravar mais capítulos?
Eyal Balahsan – Sim, o Canal 8 tomou uma decisão sem precedentes e decidiu acompanhar a cidade de Lod por mais de uma temporada; normalmente não se faz isso em séries de documentário e nós estaremos lá para ver. Vamos acompanhar as eleições e tudo mais. Serão pelo menos mais três episódios que serão transmitidos em 2015. Será que ainda há esperança? Vamos ver. Poder fazer isso é um grande privilégio.
Devarim – Houve outros casos de assassinato desde então?
Eyal Balahsan – A tensão é constante por lá, não houve assassinatos, mas a bomba pode explodir a qualquer momento.
Devarim – A sua história pessoal está ligada a Lod de alguma forma?
Eyal Balahsan – Cresci na cidade de Bnei Brak e na minha escola a maioria dos alunos era de Pardes Katz, um bairro pobre e carente de Bnei Brak; 80% das crianças era de Pardes Katz e o restante do meu bairro, que era considerado um bairro “bom”. Além disso, minha mãe era pro-
fessora no colégio, eu era o melhor aluno da sala e era visto como o branquela, o “ashkenazi”. Embora seja somente metade ashkenazi (minha mãe é proveniente da Polônia e meu pai de Trípoli, na Líbia), eu era alvo de violência e aprendi a ser violento também até que mesmo eu perdia o controle. Quando passei para outra escola, não entendi por que não havia violência lá, pois essa era a minha realidade.
Quando você me perguntou se não senti medo, nesse sentido, não senti medo. A violência não é uma coisa nova para mim e eu sempre soube me proteger. Essa adrenalina faz eu me sentir vivo. Além disso, basicamente sempre estive em conflito com o meu lado “ashkenazi” e meu lado “mizrachi”. Entre os tripolitanos eu sou “o ashkenazi” e entre os ashkenazis eu sou “o tripolitano”. Amo isso, essa coisa de pertencer e não pertencer ao mesmo tempo. É um sentimento muito intenso, minha identidade é complexa; bem, então me sinto confortável com a complexidade e a diferença.
Na minha infância, com minha avó ashkenazi, sentávamos à mesa posta com garfo e faca e com minha avó de Tripoli, eu me sentava com as mulheres no quarto enquanto os homens comiam no chão da varanda. Sinto-me em casa em Lod, há algo desconfortavelmente confortável. Tenho noção que estou me colocando em risco, mas tenho confiança.

Entrevista conduzida em hebraico, traduzida para o português e editada por Deborah B. Erlich, mestre em Assistência Social Clínica e Terapia de Grupo pela Universidade Bar-Ilan. Deborah vive em Israel desde 1992 e atualmente reside em Tel Aviv.
Nota do Editor: O documentário acabou de ganhar o prêmio de melhor série para televisão do “Fórum de Documentaristas” de Israel e Eyal Balahsan ganhou o prêmio de melhor pesquisador de documentários.
