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Rabino Reuben Nisenbom
oração alêinu leshaBêaCh
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rabino reuben nisenbom
Aoração Alêinu Leshabêach começa com estas palavras: “Devemos louvar ao Senhor de todas as coisas e outorgar grandeza ao Criador do Universo”. É a oração que conclui o serviço religioso. Também introduz, em Rosh Hashaná e Iom Kipur, a seção que inclui o toque do shofar, denominada Malchuiot (o reino de Deus), que tem lugar no serviço adicional denominado Mussaf, quando solenemente é proclamada a era messiânica de Deus.
No ritual ashkenazi, nestas duas festividades, o rabino ou o oficiante e/ou a congregação se ajoelham literalmente. No restante do ano há só uma inclinação de joelhos e cabeça quando chegamos às palavras: vaanachnu korim (nos ajoelhamos) umishtachavim (nos prostramos, nos inclinamos) umodim (e glorificamos, agradecemos).
É uma oração de versos curtos, cada um contendo umas quatro palavras com um ritmo marcado e com formas paralelas em cada verso em relação ao anterior. É uma das mais sublimes orações judaicas, escrita em linguagem exaltada.
Um rabino do século III da era comum é considerado seu autor, porém é quase certo que seja anterior a essa época. Tradições populares atribuem sua composição a Josué/Yehoshua, ou aos homens da Grande Assembleia, durante o período do 2° Templo, o que faz sentido, já que ela não cita a futura restauração do Templo e faz referência à prática da prostração no Templo.
Por outro lado, no misticismo primitivo da corrente cabalística denominada Merkavá (a carruagem do profeta Ezequiel) foram encontradas versões do Alêinu Leshabêach. No século IV da era comum esta oração foi colocada antes do Kadish. Este artigo estreia uma nova seção em Devarim, na qual rabinos liberais das congregações da América Latina escreverão sobre o significado, a história e as transformações no texto das orações. A cada número da revista será abordada uma reza diferente.
O conteúdo da oração
O tema central é o reino de Deus e seu louvor através do gesto de se colocar de joelhos (literalmente ou não) diante da sua gloriosa majestade pela escolha de Israel, Seu povo. O parágrafo final contém a esperança fervente de que no Dia de Deus, esse dia final da história, com a instauração do Seu reino messiânico, todos os povos reconhecerão Adonai como o único e verdadeiro Deus.
Alguns parágrafos do Alêinu marcam fortemente a não escolha dos outros povos, o horror diante da idolatria, o desaparecimento dos ídolos e da veneração de outros deuses. Isto levou a situações de agudo conflito entre o mundo gentio e o judaísmo e inclusive a situações de censura destes parágrafos e à perseguição dos judeus em algumas comunidades.
Censura
Na Era Medieval esta oração foi censurada pela igreja, porque via nela um insulto ao cristianismo, já que há uma parte que diz: “shehem mishtachavim lehevel varik umitpalelim el el lo ioshía” (porque [os não judeus] se prostram diante da vaidade e do vazio e rezam para um deus que não salva – lo ioshía) e os cristãos viam isso como uma blasfêmia a Jesus. Alguns judeus apóstatas dos séculos XIV ao XVII concluíram que o valor numérico de varik e de ioshía coincidia com o nome de Ieshu (Jesus).
Em algumas comunidades judaicas cuspia-se quando se chegava à palavra varik, contudo o Rabbí Isaiah Horowitz proibiu esse costume indecoroso. Os judeus defenderam-se dos éditos de censura de 1703 na Prússia, renovados em 1716 e 1750, dizendo que a oração é pré-cristã e também alterando o tempo do verbo, do presente “shehem mishtachavim” (eles se prostram), para o passado “shehaiú”, ou seja, “eles [os pagãos] costumavam se prostrar”.
Esta frase foi finalmente eliminada do ritual ashkenazi, se bem que os judeus sefaradim e orientais a mantiveram e hoje está restaurada novamente entre alguns ashkenazim.
O tema messiânico na segunda parte do Alêinu foi utilizada como uma profissão de fé, tal qual o Shemá, e cantada pelos mártires por Kidush Hashem (para santificar o Sagrado nome de Deus), como o caso do martirológio dos judeus de Blois em 1771 e dali em diante até aos terríveis tempos da Shoah, pelas vítimas antes de morrer, que afirmavam sua fé inquebrantável na vinda do Mashiach.
Modificações rituais
No ritual reformista esta oração é cantada solenemente diante do Aron HaKodesh, com a Arca aberta, símbolo da sua grande importância.
Originalmente no ritual reformista foram eliminadas as seguintes frases, por terem sido consideradas ofensivas aos outros povos, como “que não nos fez como o resto das nações e nos separou do resto dos povos, para que não compartilhássemos seu destino”.
No entanto, no novo Sidur “Mishkan Tefilá”, editado pela Conferência de Rabinos Reformistas Americanos (CCAR), voltaram a incluir esta frase em hebraico, só que modificando a tradução para o inglês, que diz: “que nos deu um destino único entre as nações”. Em outra versão, o texto original em hebraico é modificado e diz “nosso destino é unificar Seu Nome e nossa missão concretizar Seu reino”.
O novo Sidur reformista americano inclui também outras versões tradicionais do Alêinu, com os seguintes parágrafos da oração original:
Ele estende os céus e fundamenta a terra. Sua majestosa morada está nas alturas celestiais e o poder da Sua Presença, na magnificência do mais elevado. Ele é nosso Deus e não há outro.
Na verdade é nosso Rei incomparável, como está escrito na sua Torá: Conhece este dia e leva-o em teu coração, que o Eterno é Deus nas alturas celestiais e aqui na terra. Não há outro.
Portanto, temos esperança em Ti, Adonai, nosso Deus, que em breve [possamos] ver a glória do Teu poder, que fará desaparecer os ídolos da terra, e os deuses serão realmente destruí-

dos, e então será aperfeiçoado o mundo com o reino de Deus Todo Poderoso, e assim todos os seres humanos invocarão Teu Nome e todos os ímpios dirigirão seus corações a Ti.
No Sidur conservador editado pelo Conselho Mundial de Sinagogas e pelo Seminário Rabínico Latino-Americano, versão do Rabino Marcos Edery z´l, não há referências às nações da atualidade e só se faz uma vaga menção à idolatria ou aos falsos valores de forma generalizada, sem citar os povos ou as sociedades de hoje.
No Sidur Imanu-El, editado por mim, tentei refletir as ideias mais universalistas dos valores judaicos, conforme a corrente reformista americana, que entende o judaísmo como uma religião em evolução dentro dos processos históricos, e a halachá (lei rabínica) não como um mandato fixo ou fortemente tradicionalista, mas também em evolução histórica.
Discordo da inclusão dos textos mais chauvinistas do Alêinu, que refletem as novas correntes neotradicionalistas dentro da Reforma, mais semelhantes ao conservadorismo do que às teologias originais e universalistas da reforma americana.
Não queremos que nossos textos sagrados reflitam animosidade, juízos de valor e desqualificação dos outros povos, religiões ou grupos humanos para reafirmar e fixar nossa cosmovisão religiosa e pertencimento como povo de Israel. Por outro lado, assim como ficamos indignados quando outras religiões ou ideologias desqualificam a nós ou a grupos humanos, queremos continuar preservando nossos ideais de respeito e dignidade para com todos.
O Alêinu representa uma belíssima oração judaica, símbolo da expressão de nossa finitude enquanto seres humanos perante esse mistério inescrutável que chamamos de Deus.
E, por fim, através dela, reafirmamos nossa convicção de ir trilhando, a cada dia, o caminho rumo à era messiânica, através do tikun olam, a reparação de um mundo com mais paz, mais justiça e justiça social, para uma sociedade de irmãos na riqueza de nossas diferenças.
Esta visão transforma a cada um de nós em meshutaf (parceiro) de Deus, neste reino messiânico, tendo cada um sua própria missão nesta vida, como ser único, ori-
Não queremos que ginal e irreprodutível na maravilhosa tanossos textos sagrados reflitam animosidade, refa, através do judaísmo nas suas múltiplas versões, para criar uma sociedade humana com homens livres, criativos e juízos de valor e dignos de seu nome pelo respeito e pela desqualificação consideração com a sacralidade da vida. de outros povos, Acredito que a versão do Alêinu em religiões ou grupos nosso Sidur Imanu-El reflete esses ideais: Reverenciemos o Deus da Vida e entoehumanos para mos orações ao Senhor da natureza, que ao reafirmar e fixar nossa criar os céus e a terra permitiu que Sua glócosmovisão religiosa ria se expressasse no Seu universo e que Suas e pertencimento como maravilhas fossem reveladas ao coração do povo de Israel. homem. Ele é nosso Deus e não existe outro. Por isso nos inclinamos com reverência e agradecimento perante o Soberano do Universo, o Santo, bendito seja. Alêinu leshabêach laadon hakol, latet guedulá leiotzêr bereshit, vanáchnu korim umishtachavim umodim lifnei mêlech malchei hamlachim hakadosh baruchu. Venemar vehaia Adonái lemêlech al kol haáretz. Baiom hahu ihiê Adonái echad, ushmô echad. Senhor, que não esteja distante o tempo em que Teu nome seja louvado em toda a terra, quando o ceticismo e o erro desapareçam. Rezamos com fervor para que a chegada desse dia em que todos os homens como irmãos nos voltemos a Ti com amor, quando a corrupção e o mal deem lugar à integridade e à bondade, quando a superstição deixe de escravizar as mentes e a idolatria não mais cegue os olhos, quando todos aqueles que habitam a terra saibam que só Tu és o Senhor e Pai e que todos nós, criados à Tua imagem e semelhança, nos tornemos um em espírito e em irmandade, para estar sempre unidos a Teu serviço. Então Teu reino messiânico se estabelecerá sobre a terra e se cumprirá a palavra do Teu profeta: “O Senhor reinará por todo o sempre”. Nesse dia o Senhor será único e Seu nome único. Neste dia te pedimos em forma especialíssima pelos enfermos, pelos que estão tristes e por aqueles que estão sós em nossa comunidade, pelos pobres e necessitados do nosso país, pelos judeus do silêncio e pelos nossos irmãos em Tzion. O Rabino Reuben Nisenbom é membro da CCAR e fundador do Centro de Espiritualidade Judia Mishkán, de Buenos Aires, afiliada à WUPJ. Traduzido do inglês por Beatriz Gorenstin.