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Victor Dweck
lições de uma israel empreendedora
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victor dweck
Aprimeira vez em que associei Intel a Israel foi quando meu pai, após uma visita ao Technion, Instituto de Tecnologia Israelense, nos anos 1990, me trouxe de presente uma apostila da Faculdade de Engenharia Elétrica, falando sobre a arquitetura do chip 8088 da Intel. Metade das páginas em inglês, metade em hebraico, fiquei impressionado que, naquele instituto de tecnologia, um aluno poderia realmente aprender como funcionava aquele chip, o famoso processador do meu primeiro computador.
Alguns anos depois, estudando Engenharia Elétrica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pude voltar a folhear a mesma apostila com um pouco mais de conhecimento. Mesmo cursando uma boa disciplina de Arquitetura de Computadores, seguia impressionado com o nível de detalhe com o qual ensinavam a arquitetura daquele processador em Israel.
O que eu não sabia naquele momento, e só descobri recentemente por ocasião da leitura do livro Start-Up Nation, de Dan Senor e Saul Singer (publicado no Brasil pela Editora Évora sob o título Nação Empreendedora), é que aquele chip havia sido desenvolvido em Israel, nos laboratórios da Intel em Haifa, e que a IBM o havia escolhido em 1980 para ser o processador utilizado no seu primeiro computador pessoal, o PC.
No livro, a história da Intel de Israel é contada desde os seus primórdios, quando Dov Frohman, sobrevivente órfão da Shoah naturalizado israelense, que integrara a primeira equipe de engenheiros da Intel americana após sua fundação em 1968, conseguiu persuadir os sócios da empresa a montar o primeiro laboratório de desenvolvimento fora dos EUA. Naquela época, em 1973,
a empresa enfrentava um período de escassez de engenheiros na Califórnia. Dov aproveitou o momento para realizar um desejo antigo: voltar a Israel trazendo uma tecnologia de ponta para ser desenvolvida por lá.
O relato também relembra o período da Guerra do Golfo em 1991, quando o mesmo Dov decidiu manter a fábrica da Intel aberta, contrariando ordens do governo. Ele acreditava que fechar a fábrica, mesmo que por alguns dias, seria colocar em risco o futuro sucesso da ainda pequena economia hi-tech israelense. Foi comunicado aos funcionários da empresa que “ninguém seria punido por não comparecer”.
Para sua surpresa, e de toda a diretoria da Intel americana, no dia seguinte à decisão, mesmo havendo um ataque iraquiano ao país, 75% dos funcionários apareceram para trabalhar. Passados mais uma noite e mais um ataque, a presença aumentou para 80%. A mensagem da filial israelense da Intel era clara: nem com bombas caindo em seu país aquela fábrica iria parar sua produção de chips.
Superando a Muralha da Energia
Mais recente, a última grande história da Intel israelense relatada no livro conta como o grupo de Haifa foi responsável pela grande guinada que a empresa deu em 2003 ao lançar o processador Centrino para laptops. Foram necessários três anos para convencer a matriz da empresa de que a única saída para seguirem produzindo chips cada vez mais velozes, sem que o superaquecimento inviabilizasse o acoplamento do chip a computadores portáteis, seria reduzindo a frequência do clock de processamento – que dita o ritmo em que são executadas as operações dentro do processador – e distribuindo com mais eficiência as instruções fornecidas ao chip. Isso ia contra a tendência do mercado, em que mais velocidade de clock sempre significara melhor desempenho. O que a equipe israelense estava sugerindo era que seria me-
A trajetória da Intel de lhor a empresa enfrentar logo essa muIsrael demonstra bem algumas características dança de conceito para que não acabasse tendo de enfrentar depois a Muralha de Energia – o problema insolúvel do presentes na sociedade superaquecimento de chips mais velozes israelense, que a dentro de computadores portáteis com transformaram em um espaço cada vez menor para ventoinhas. celeiro de empresas start-ups de tecnologia: Os momentos da Intel de Israel descritos acima demonstram bem algumas características presentes em abundância o espírito sionista na sociedade israelense, indispensáveis de Dov, que dedicou para transformá-la em um celeiro de sua carreira para empresas start-ups de tecnologia: o esdesenvolver uma pírito sionista de Dov, que dedicou sua carreira para desenvolver uma tecnolotecnologia de ponta gia de ponta em e para Israel; a responem e para Israel e a sabilidade e dedicação para entregar o responsabilidade e melhor produto a qualquer custo, mesdedicação para entregar o melhor produto a mo vivendo em um período de guerra, e, ainda, a chutzpá1 e perseverança da equipe de Haifa para convencer a maqualquer custo, mesmo triz americana a mudar completamente vivendo em um período de paradigma. de guerra. Podemos adicionar a essas características outras citadas inúmeras vezes no livro como responsáveis em maior e menor grau pelo sucesso israelense na criação de start-ups. Entre elas, está o serviço militar obrigatório, com seu efeito disciplinador, gerando costumeiramente uma ampla rede de bons relacionamentos pessoais e ainda formando elites intelectuais ao selecionar os jovens mais qualificados para seus grupos especiais – é comum ver jovens que pertenceram a esses grupos lançando start-ups ou então indo trabalhar para uma delas. Uma outra é a presença de excelentes universidades, com qualidade reconhecida internacionalmente e famosas por estarem entre as instituições que mais publicam artigos científicos no mundo. As políticas de incentivo do governo para o desenvolvimento do setor de alta tecnologia, desde a criação do Estado, com a intervenção direta de Shimon Peres há 60 anos, é outro fator. E não menos importante, a população de imigrantes que soma quase 40% da população do país, com destaque para a enorme massa de imigrantes soviéticos, tecnicamente qualificados, que inundou o país no início dos anos
1990. O imigrante, de acordo com os autores do livro, tem mais apetite para arriscar e ousar, dado que já se sujeitou ao risco de se deslocar para morar lá.
Densidade de start-ups
Hoje, o país ostenta a maior densidade de start-ups do mundo. Somadas, passam de três mil e oitocentas. A bolsa americana Nasdaq, que lista um grande número de empresas de tecnologia do mundo todo, possui mais empresas israelenses listadas do que empresas do continente europeu. Citando apenas algumas dessas companhias, temos a Teva, que atua na área de genéricos farmacêuticos, a Check Point, fornecedora de produtos para segurança de dados, e a Given Imaging, desenvolvedora de equipamentos médicos, famosa pela pillCam, uma pílula que filma e transmite em tempo real seu percurso pelo aparelho digestivo e é muito usada para diagnósticos gastroenterológicos. Em 2008, os investimentos de capital de risco recebidos em Israel per capita foram 2,5 vezes maiores que nos EUA, mais de 30 vezes maiores que na Europa, 80 vezes maiores que na China e 350 vezes maiores que na Índia. Em números absolutos, Israel nesse período atraiu perto de US$ 2 bilhões, mesmo valor de captação do Reino

Unido, cuja população é nove vezes maior que a de Israel.
Tive a oportunidade de viver nesse país start-up entre 2004 e 2008. Ao cursar o mestrado em Engenharia de Gerenciamento de Informação no Technion, pude estudar com professores que sonham com o Prêmio Nobel e com alunos que sonham em ser o próximo Bill Gates ou Steve Jobs. Dando aula para turmas de graduação, vi alunos com um compromisso dentro de sala que nunca tinha visto antes. Muitos deles julgavam-se “velhos” por ainda estarem na graduação com vinte e poucos anos, atrasados pelos anos no exército, pois se comparavam aos jovens de outros países, como os americanos. Por conta disso, davam tudo de si nas aulas para terminar logo, bem formados, e partir para o mercado de trabalho. Um pouco da autoconfiança e chutzpá israelense podiam ser vistas também quando muitas vezes alunos vinham choramingar míseros décimos de pontos na nota, pois eles julgavam que 10 era a nota mínima aceitável para refletir seu desempenho.
Voltando ao livro, a história que é contada logo na introdução demonstra o nível de audácia que pode ter um projeto de start-up israelense. Um caso emblemático é o da Better Place, a empresa israelense que foi criada com o maior investimento inicial já visto no país, um aporte de US$ 200 milhões. O israelense Shai Agassi, seu fundador, era até 2007 o executivo mais cotado para assumir o cargo de CEO da multinacional alemã SAP. Naquele ano, após ser convidado para participar do Forum for Young Leaders, em Davos, e sair de lá intrigado com o desafio lançado aos líderes ali presentes – “O que fazer para termos um mundo melhor em 2030?” –, decidiu dar vida ao projeto que apresentara no encontro. Sua ideia? Retirar o mundo da dependência do petróleo.
Nesse projeto audacioso, a Better Place busca solucionar a problemática do carro elétrico – custo alto para a bateria e tempo longo de recarga – criando uma rede de postos de abastecimento para carros elétricos, em que o motorista vai trocar a bateria de seu carro ao invés de recarregá-la. Além disso, em parceria com a Renault-Nissan e
Tive a oportunidade de com o governo de Israel, a empresa gaviver nesse país startup entre 2004 e 2008. rante ter postos de troca por todo o país e ainda carros cujo preço fica mais barato do que o seu similar a gasolina. Isso é Ao cursar o mestrado garantido pela proposta de negócio que a em Engenharia de empresa vislumbra.
Gerenciamento Nas palavras do próprio Shai, “a Betde Informação no ter Place funcionará da mesma forma que uma provedora de celular: você comprará Technion, pude estudar um plano de uso do carro baseado em quicom professores que lometragem no lugar dos minutos e terá sonham com o prêmio um carro elétrico. Assim, a empresa pode-
Nobel e com alunos rá diluir o custo da bateria e do carro peque sonham em ser o los anos de compromisso que você assinou com ela. Bem-vindo à época do carro 2.0!”próximo Bill Gates ou Assisti uma vez a uma palestra de Shai Steve Jobs. Agassi no Technion e fiquei impressionado com seu discurso. Ele dizia que uma pessoa poderia ter na vida três momentos profissionais. O primeiro deles seria o momento de trabalho. Nesse período, a maior preocupação que a pessoa tem é a de realizar bem suas tarefas. O segundo momento seria o da carreira. Nessa fase, a pessoa já se preocupa em construir um futuro profissional, tem ambições bem definidas e busca trilhar o rumo certo para alcançá-las. O último momento, que são poucas as pessoas que o atingem, é o momento da missão. Ele definiu que sua missão seria entregar às filhas um mundo melhor do que aquele que recebeu e, para isso acontecer, acreditava que o mundo teria de deixar de depender do petróleo. Dessa maneira, os países hostis a Israel se enfraqueceriam sem que qualquer guerra humana acontecesse e, de quebra, suas filhas viveriam num país mais seguro. Se a empresa de Shai conseguirá colocar em prática esse ambicioso projeto, eu não sei. Mas que certamente Israel, com todas as empresas start-ups que pipocam de norte a sul do país, será dentro de dez anos um better place, disso eu não tenho a menor dúvida.
Notas
1. Palavra de difícil tradução para o português, significando um misto de atrevimento com audácia. Victor Dweck é mestre em Engenharia de Informação pelo Technion (Instituto de Tecnologia Israelense), ex-maskir da Chazit Hanoar e sócio da ARI.
