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Yoram Hazony
israel soB lentes europeias
Yoram hazony
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Israel é denunciado continuadamente na mídia internacional e nos campi universitários por supostas violações aos direitos humanos. A última grande campanha aconteceu no ataque à flotilha turca que pretendeu violar o bloqueio à Faixa de Gaza. Daqui a alguns meses será alguma outra coisa: ou um incidente numa barreira, ou uma ação contra terroristas, ou algo diferente. O motivo ainda não sabemos, mas a campanha certamente virá.
Independentemente do fato em si e da habilidade dos porta-vozes de Israel, sabemos com certeza que a consequência do futuro incidente será mais um vilipêndio contra Israel. Sabemos que mais uma vez não seremos tratados como uma democracia defendendo sua liberdade e sim como uma vergonha para a humanidade. Novamente veremos tudo o que consideramos justo e precioso sendo pisoteado. Nos envergonharemos pelos judeus que tentam se dissociar de Israel, e até mesmo do judaísmo, no esforço vão de melhorar a sua imagem frente aos amigos. E mais uma vez subirá o nível de antissemitismo.
Quanto às reações dos amigos de Israel diante das campanhas de difamação, elas se dividem assim: os que tendem à esquerda culpam as políticas israelenses e os que tendem à direita culpam a falta de habilidade das relações públicas. Sem dúvida que Israel poderia ter políticas melhores e relações públicas mais competentes, porém, na minha visão, nem uma coisa nem a outra alteraria a situação porque nenhuma das duas está no cerne do problema.
Nada evidencia melhor este fato do que a retirada de Gaza em 2005, que criou um Estado islâmico beligerante a 40km de Tel Aviv. Há os que julgam que isto foi favorável aos interesses de Israel e há os que discordam, mas todos percebem que a retirada em nada mudou a onda de difamação que sofremos. O que quer que esteja movendo a tendência de aumento do ódio contra Israel Quanto às reações dos amigos de Israel diante das campanhas de difamação, elas se dividem assim: os que tendem à esquerda culpam as políticas israelenses e os que tendem à direita culpam a falta de habilidade das relações públicas.
move-se independentemente dos acontecimentos. Para os nossos opositores, fatos nada são além de oportunidades para alimentar mais ódio. E enquanto não entendermos qual o motivo disto seremos incompetentes para combater esta gravíssima tendência.
O restante deste texto será dedicado ao entendimento do que efetivamente está por trás da objeção a Israel.
Os paradigmas e os fatos
Em 1962 o professor de Berkeley, Thomas Kuhn, publicou o livro The Structure of Scientific Revolutions, que explica como funciona a busca pela verdade no mundo científico. Kuhn argumenta que a visão tradicional – na qual cientistas conduzem experiências replicáveis e acumulam fatos verificáveis, ambos constituindo o corpo das verdades científicas – não é real. O que acontece de verdade é que os cientistas são treinados para ver o mundo através de um conjunto inter-relacionado de conceitos, que ele apelidou de paradigma. O paradigma não apenas determina a interpretação que o cientista dá aos fatos, como identifica quais fatos serão interpretados. Os fatos que não se conformam ao paradigma são descartados como irrelevantes.
Kuhn também demonstrou que as coisas não acontecem sempre assim. A história da ciência é pontilhada por momentos de mudança de paradigma, tal como quando a física aristoteliana foi desbancada pela newtoniana e quando esta foi substituída pela ciência de Einstein. Kuhn chamou estes momentos de “revoluções científicas” e em seu livro ele disseca dezenas destas situações. Kuhn afirma que só cientistas que aceitam os mesmos paradigmas discutem. Não há um processo de persuasão entre os que sustentam paradigmas opostos fazendo com que dificilmente um lado consiga provar suas teses ao outro.
Nem uma montanha de fatos será capaz de mudar a mente de um cientista que foi treinado no contexto de um paradigma diferente, porque a estrutura pela qual ele enxerga o mundo é diferente e os fatos em si significam
Nada evidencia melhor algo completamente diferente para ele. este fato do que a retirada de Gaza Como então os cientistas mudam suas mentes? Kuhn diz que em muitos casos eles nunca mudam e que toda uma geraem 2005, que criou ção tem que desaparecer antes que a coum Estado islâmico munidade científica abrace um novo pabeligerante a 40km radigma. Max Planck, ao analisar sua carde Tel Aviv. Há os que reira escreveu: “Uma nova verdade científica não triunfa pelo convencimento de seus julgam que isto foi oponentes, mas porque seus oponentes finalfavorável aos interesses mente morrem e surge uma nova geração de Israel e há os que familiarizada com a nova verdade”. Aliás, discordam, mas todos desde Darwin conhecemos uma análise percebem que a retirada similar sobre este processo. em nada mudou a A deslegitimação de Israel onda de difamação que sofremos. O que quer As ideias de Kuhn tiveram grande imque esteja movendo a tendência de aumento do pacto na academia. No campo das relações internacionais estudos concluíram que as nações também são percebidas conforme ódio contra Israel move- um conjunto fechado de conceitos – um -se independentemente paradigma – e que suas ações, independos acontecimentos. dentemente da forma como são realizadas, pouco fazem além de reforçar expectativas preexistentes. No entanto, percebo que o pensamento de Kuhn ainda não impactou a forma como os amigos de Israel lidam com a progressiva deslegitimização do país na arena internacional. A maior parte ainda está convencida que se os fatos forem mais bem conhecidos ou melhor apresentados a visão sobre Israel melhorará consideravelmente. Infelizmente não me parece que isto seja verdadeiro. Vencer as batalhas da mídia é necessário para a defesa de Israel a curto prazo, porém estes embates pouco farão para melhorar a posição de Israel. Esta vem se deteriorando não por conta de um conjunto de fatos, mas porque o paradigma pelo qual as pessoas educadas do Ocidente enxergam Israel mudou. Estamos testemunhando a transição de paradigmas no que diz respeito à legitimidade de Israel como nação soberana. O antigo paradigma, que é o que garantiu legitimidade ao Estado de Israel como a nação-estado do povo judeu, é fruto do pensamento que entendeu ser a liberdade dos povos dependente do direito de se defender do assalto predador dos impérios multinacionais. A história moder-

na dos Estados nacionais surgiu da luta da Inglaterra e da Holanda contra as pretensões universais do Império Hispânico-Austríaco dos Habsburgos.
A derrota do ideal universal na Guerra dos Trinta Anos em 1648 levou ao estabelecimento de um novo paradigma político na Europa, no qual um revitalizado conceito de Estado nacional adquiriu o direito de defender sua forma de governo, suas leis, sua religião e seu idioma contra a tirania dos impérios. A proposta de Herzl de um estado soberano para o povo judeu era aderente a este modelo.
Contudo, a ideia da nação-estado não apenas deixou de florescer no período subsequente ao da fundação do Estado de Israel, como entrou em colapso. Com o movimento em direção à União Europeia, as nações da Europa estabeleceram um novo paradigma pelo qual a nação-estado soberana não só deixou de ser percebida como a detentora da chave para o bem-estar da humanidade como passou a ser vista como a fonte de um mal incalculável. Por que tantos franceses, ingleses e outros estão dispostos a desmontar seus Estados e trocá-los por um regime internacional? É preciso lembrar que visões divergentes às de nação-estado se desenvolvem desde 1795 a partir das ideias de Kant.
As duas guerras mundiais do século 20 são as responsáveis pela mudança de paradigma. Os soviéticos e os marxistas atribuíram a carnificina das duas guerras mundiais ao modelo das nações-estado. Este argumento teve pouca acolhida na Europa do entreguerras, mas tudo mudou após a Segunda Guerra, quando o nazismo foi visto como o fruto podre da nação-estado alemã. O fato das nações se armarem e deliberarem internamente como usar seu poder militar passou a ser percebido como barbárie e uma brutal degradação da humanidade.
Quero deixar claro que, no meu ponto de vista, esta linha de argumentação é absurda. O cerne da ideia da nação-estado é a autodeterminação política dos povos, o que limita suas aspirações políticas ao governo de apenas uma nação. O estado nazista foi o exato oposto disto ao tentar reproduzir o Santo Império dos Habsburgos. Contudo, muitos europeus não pensaram assim e adotaram a visão de que o nazismo foi fruto do conceito de nação-estado levado ao seu extremo mais terrível.
A visão pós-nacional encontrou seguidores em toda a Europa e o fato é que, em 1992, apenas uma geração após a Segunda Grande Guerra, os líderes europeus firmaram o Tratado de Maastricht estabelecendo a União Europeia como um governo internacional, que retirou dos Estados-membros vários poderes históricos da independência nacional.
Muitos não aceitam este curso de ação e ainda não está claro se as nações-estado da Europa conseguirão reter alguns aspectos de sua soberania ou se os Estados independentes da Europa serão em breve meras lembranças. No entanto, estamos testemunhando o nascimento de uma geração que, pela primeira vez em 350 anos, não reconhece a nação-estado como fundamental para a liberdade. Há um novo e poderoso paradigma sendo formado, com sérias consequências.
A lição da tragédia
Sinto uma dor no coração ao pensar na perspectiva da Grã-Bretanha, que foi culturalmente uma luz para o mundo, desaparecer para sempre do palco da história. Mas o foco deste texto é Israel, então analisemos como nosso país é visto à luz do novo paradigma que está se espalhando pela Europa.
Consideremos Auschwitz. Para a maioria dos judeus Auschwitz tem um significado especial: não foi a Orga-
nização Sionista de Herzl quem convenceu a maioria dos judeus da necessidade premente de um Estado soberano. Foi Auschwitz e o aniquilamento dos seis milhões que fez isto. Daqueles horrores emergiu a lição de que a tragédia aconteceu por causa da dependência na proteção militar de terceiros. Ben Gurion articulou isto com clareza cristalina em 1942: “... somos o único povo do mundo do qual se permite ser o sangue derramado... e isto por um único pecado: ... porque nós judeus não temos uma instância política, não temos um exército, não temos independência nem pátria ... concedam-nos o direito de lutar e morrer como judeus...1 .”
Nestas palavras está evidente o vínculo entre a Shoá e o que Ben Gurion chamou de “o pecado da impotência judaica”. A lição de Auschwitz para os judeus é que eles confiaram nas pessoas decentes da América e da Grã-Bretanha, mas estes virtualmente nada fizeram. Hoje a maioria dos judeus continua acreditando que a única coisa que impede que este capítulo da história se repita é o Estado de Israel.
Porém, os europeus também tiraram suas conclusões de Auschwitz e elas são completamente opostas às nossas. Para eles os campos de extermínio são a prova definitiva do mal que advém de permitir que as nações decidam sozinhas sobre o uso de seu poder militar. A solução para prevenir o mal é desmantelar a Alemanha e todos os demais Estados da Europa e unir todos os povos da Europa sob um único governo. Eliminando o Estado nacional o caminho para Auschwitz estará fechado para sempre.
Vejam que, segundo este entendimento, Israel não é a resposta a Auschwitz e sim à União Europeia. Vejam que ambos enxergam os milhões assassinados pelos nazistas e ambos reconhecem a barbárie destes atos. Mas neste ponto termina a concordância e acontece o que Kuhn sugere, dois indivíduos podem olhar para os mesmos fatos e, através de paradigmas diferentes, ver coisas diversas:

Paradigma A: Auschwitz representa o indescritível horror de mulheres e homens judeus assistindo nus e impotentes seus filhos serem assassinados sem um mísero rifle para protegê-los.
Paradigma B: Auschwitz representa o indescritível horror dos soldados alemães usando sua força contra terceiros sustentados apenas pela visão de seu próprio governo sobre seus direitos nacionais e interesses.
Estas duas visões do mesmo fato são praticamente irreconciliáveis. Numa, a fonte do mal é a ação dos assassinos, na outra, é a impotência das vítimas. Olhando para Israel através destes paradigmas derivamos para:
Paradigma A: Israel representa mulheres e homens judeus empunhando rifles para defender seus filhos. Israel é o oposto a Auschwitz.
Paradigma B: Israel representa o indescritível horror dos soldados judeus usando sua força contra terceiros sustentados apenas pela visão de seu próprio governo sobre seus direitos nacionais e interesses. Israel é Auschwitz.
Para os judeus, o fato dos sobreviventes dos campos de extermínio terem conseguido empunhar armas sob uma bandeira judaica foi um movimento em direção à justiça. De forma alguma isto sanou o que havia acontecido, porém garantiu aos sobreviventes a força que, se tivesse chegado alguns anos antes, teria evitado a tragédia. Neste sentido, Israel é o oposto a Auschwitz.
Para os europeus, o fato do povo que estava tão próximo do ideal de autorrenúncia ao nacionalismo pegar em
armas para constituir um Estado nacional aproxima-o do caminho que levou os alemães a construir os campos de extermínio. Neste sentido, Israel é Auschwitz.
Tentem enxergar através de olhos europeus. Imaginem-se um orgulhoso holandês, cuja nação foi a primeira a acender a tocha da liberdade nacional. “Estou disposto a sacrificar esta herança gloriosa e dizer adeus ao meu país em nome de algo superior – em nome de uma aliança política internacional que no futuro vai acolher toda a humanidade –, estou disposto a fazer isto em nome da humanidade”. E quem se levanta contra esta visão? Logo os judeus! Os judeus que mantêm seu pequeno e egoísta Estado. Como se atrevem? Será que estão tão degenerados que não se lembram de seus pais em Auschwitz? Não, eles não se lembram porque foram seduzidos e pervertidos pelo mesmo mal que acometeu previamente os alemães. Israel é Auschwitz.
Então, não é por acaso que Israel é constantemente comparado aos nazistas. Esta escolha não é feita apenas por seu valor retórico. Na Europa, e onde mais o paradigma tenha se espalhado, a comparação com o nazismo é tão natural como lama depois da chuva.
E isto, a meu ver, responde a pergunta inicial deste texto: por que os fatos não importam mais, como pode ser que, mesmo quando Israel está inegavelmente certo, o país é denunciado em campanhas de vilipêndio que ficam mais agudas a cada passar de ano – como pode o ódio a Israel ter aumentado depois da retirada de Gaza? A resposta é que, mesmo quando provocado por algum incidente – o caso da flotilha turca, por exemplo –, o ódio a Israel não depende de nenhum destes fatos. Ele depende do rápido avanço de um novo paradigma que enxerga Israel, e principalmente o uso da força para sua defesa, como sendo fundamentalmente ilegítimo. Se você acredita que Israel é uma variante do nazismo, as campanhas de relações públicas são irrelevantes: um Auschwitz melhorado ainda é Auschwitz.
E o novo paradigma que advoga o fim dos Estados nacionais leva à conclusão que Israel tem que deixar de existir. Afinal de contas, se a Alemanha e a França deixarão de existir, por que não Israel? E se não choram pelo fim da Inglaterra e da Holanda, por que chorariam por Israel?
O perigo no campo das palavras
Israel continua a ser ameaçado militarmente, mas se um dia desaparecer não será pela via militar e sim pela das palavras. Da mesma forma como a União Soviética caiu, um dia judeus e não judeus deixarão de entender porque Israel precisa existir e então, com rapidez assustadora, o Estado judeu independente desaparecerá.
A defesa de Israel no campo de batalha depende da constante reavaliação das fontes de ameaça e dos meios para neutralizá-las. No campo de batalha das ideias o Estado de Israel corre um perigo nunca antes igualado, que não provém dos nossos tradicionais inimigos e que não pode ser combatido com métodos tradicionais. Não se pode combater um paradigma com fatos, visto que estes fatos ou são descartados por irrelevantes ou são reinterpretados de forma a justificar o paradigma. Só se consegue combater um paradigma com outro paradigma. E o paradigma que deu luz ao Estado de Israel está em frangalhos.
Temos que estabelecer um novo paradigma ou revitalizar o que entrou em colapso. Não há espaço aqui para falar sobre como isto pode ser feito e eu gostaria de deixar apenas um ponto de partida: mudanças de paradigma não se assemelham a campanhas eleitorais ou a esclarecimentos sobre aspectos da política. Mudanças de paradigma podem levar uma ou mais gerações para acontecer e esta batalha não é retratada pela mídia que sempre noticia a partir do ponto de vista do paradigma que abriga.
Esta batalha é travada principalmente através de livros, que expõem ideias com profundidade e na academia aonde estes livros são estudados e discutidos. A reconstrução do paradigma que garantiu a fundação do Estado de Israel depende da vitória desta batalha.
Notas
1 Discurso de Ben Gurion numa seção especial da Assembleia Nacional em 30 de novembro de 1942. Arquivo Central Sionista, J/1366.
Yoram Hazony vive em Jerusalém, é mestre de Estudos Asiáticos pela Universidade de Princeton e doutor em Teoria Política pela Universidade de Rutgers. É o fundador e o reitor do Shalem Center de Jerusalém, mantém o blog www.jerusalemletters.com e escreve regularmente artigos para o The New York Times, The New Republic, Commentary, Azure e Ha’aretz. Seus livros incluem The Jewish State: The Struggle for Israel’s Soul (Basic Books, 2000) e The Dawn: Political Teachings of the Book of Esther (Shalem Press, 2000). Traduzido do inglês e condensado por Raul Cesar Gottlieb
