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Paulo Geiger
o que não, sim. e o que sim?
paulo geiger
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Sem criar suspense, vamos logo desvendando o título. Diz respeito à falência das ideologias proativas, que concebiam um sistema, uma estrutura de relações, uma forma de vida de acordo com certos princípios e se punham em ação para realizá-las. As ideologias, a partir de uma maneira de ver, visavam a criar algo, a servir a algo, a lutar por algo. Num mundo em que as ideologias ‘transformadoras’ cederam à vida como ela é, em que os princípios não resistiram às paixões, em que as utopias foram desmistificadas pela realidade, suas lutas deixaram de ser pela afirmação de algo, e passaram a ser pela negação do oposto.
As ideias em favor de algo têm tido sua expressão principal na negação do outro, aquele que é contra esse algo. A construção de regimes e a luta pela prevalência de ideias se faz pela destruição de seus opositores, pela repressão aos contestadores, pela demonização dos adversários, muito mais do que pela autorrevolução de conceitos, adaptação a novas condições, abandono de slogans ultrapassados, adoção de caminhos de convivência em lugar de hegemonias totalitárias. Com a perda das bandeiras ideológicas, com a derrocada de antigos ideais humanistas, ser a favor de algo começa, TEM de começar, em ser contra algo. Todos já sabemos o que NÃO: não à burguesia, não ao neoliberalismo, não à imprensa difamadora, não ao capitalismo, ao imperialismo, aos EUA, não ao sionismo e a Israel, não aos judeus, não ao não islamismo. Em muitos lugares, não à democracia, não importando qual seja a alternativa a esse NÃO. As ideologias contemporâneas começam por negar, as escolhas são plebiscitárias, como na informática tudo se constrói num sistema de apenas duas variáveis: sim ou não.
O que não, sim, já sabemos, sabemos antes de qualquer outra coisa.
E o que sim?
Penso muito nisso quando penso em nós, como judeus brasileiros, como judeus sionistas (ou não sionistas), e tento pensar como judeu israelense que também sou. Li recentemente na edição internacional do Jerusalem Post que, aos 150 anos do nascimento de Theodor Herzl, foi realizada uma excursão que percorria seu roteiro espacial e temporal em Budapeste, Viena, Paris, Jerusalém. Herzl partiu da busca de um não ao não, de uma resposta à negação do judeu – o antissemitismo – para reconstruir em forma de ideologia contemporânea, nacional, política e social um grande sim histórico. Essa excursão nos caminhos de Herzl foi em busca de um ‘sim’ que se possa construir hoje, apesar de todos os ‘nãos’.
Porque mais de um século depois, o povo judeu, o sionismo e Israel precisam de novo dizer não ao não, e grande parte da construção de sua ideologia também se faz em ser contra, lutar contra, defender-se contra. O que não se pode, não se deve, não se admite constitui o fundamento das decisões, dos programas, das políticas. Como se defender da assimilação, das novas ameaças de extermínio, do antissemitismo ressurgente, de flotilhas ‘pacíficas’, dos perigos de concessões de Israel a inimigos que não escondem sua intenção de destruí-lo, dos ‘inimigos’ internos que estão dispostos a essas concessões, de um mundo cada vez mais hostil e demonizante, do insidioso processo de deslegitimação, que quer voltar as páginas da história para antes de novembro de 1947, de uma bomba atômica iraniana, da estigmatização do Estado dos judeus, do povo dos judeus, dos judeus? Sem dúvida, é preciso encontrar a resposta, o não a isso tudo. O que não se pode, sim, isso sabemos muito bem.
E o que sim?
Ante a realidade atual e sem desconsiderá-la, se não tivesse havido 1947, e antes disso 1897, sem a ONU e sem Herzl, pensemos, à luz do que aprendemos nesse mais de um século, no que seria hoje nosso SIM, que futuro pensaríamos para o povo judeu, com base em sua história, suas crenças, sua vocação de ser um povo só e o mesmo povo de Maamad Sinai. Existe um sionismo para os dias de hoje? Qual a visão estratégica para uma nação judaica a partir da realidade? Enquanto se luta contra o que é inaceitável, pelo que sim lutar?
Para pensarmos juntos até o próximo Devarim, e depois dele.
Joey Gates / iStockphoto.com
