
REFLEXÕES
e
ITU/SP – No. 13, setembro de 2024
e
ITU/SP – No. 13, setembro de 2024
Thômas Felipe Rodrigues1
Emerson Freire2
Resumo. A proposta de uma breve reflexão acerca do potencial de contribuição de um curso intitulado “English to Face Inequalities” para a mobilidade social e desenvolvimento do capital cultural de alunos da Fatec Itu e comunidade externa, se dá através da análise de referenciais bibliográficos que visam conceituar os pilares deste curso, a saber-se o Inglês enquanto Língua Franca e o material didático enquantoinstrumentodecolonizador efacilitador damobilidade social dosestudantes.Abreveretomada acerca do papel da Extensão Universitária e do Desenvolvimento da Cultura no âmbito das instituições de Ensino Superior faz-se necessária para contextualizar o debate sobre a mobilidade social, partindose para tal, da reflexão acerca da função das Fatecs para a promoção da extensão, sob a ótica das contribuições de Bourdieu acerca do capital cultural.Ainda se desenvolve neste texto a compreensão da importância da representatividade dos integrantes de grupos minorizados nos materiais didáticos, assim como os desafios para a promoção da representatividade nos processos de geração de imagens neste curso específico, dado o fenômeno aqui livremente traduzido enquanto “vieses codificados”, o que implica na sub-representação de pessoas pertencentes a grupos minorizados em bancos dados utilizados por inteligências artificiais. Compreende-se através deste estudo, não apenas a relevância do tema, mas a urgência de estudos que abordem com profundidade os assuntos aqui apresentados, assim como a elaboração de materiais didáticos que considerem a urgência de recortes temáticos voltados para a decolonização no âmbito do fomento à extensão e à cultura no Ensino Superior Tecnológico.
Palavras-chave: extensão; mobilidade; representatividade; decolonização; ensino tecnológico
Resumen. Reflexiones sobre la experiencia del curso de extensión “Inglés para enfrentar las desigualdades”: movilidad social y desarrollo del capital cultural de los estudiantes de Fatec Itu y la comunidad externa La propuesta de una breve reflexión sobre el potencial aporte de un curso titulado “Inglés para enfrentar las desigualdades” para la movilidad social y el desarrollo del capital cultural de los estudiantes de Fatec Itu y la comunidad externa, se realiza a través del análisis de referencias bibliográficas que tienen como objetivo conceptualizar los pilares de este curso, a saber, el inglés como lengua franca y el material didáctico como instrumento descolonizador y facilitador de la movilidad social de los estudiantes. Un breve repaso del papel de la Extensión Universitaria y el Desarrollo Cultural dentro de las instituciones de Educación Superior es necesario para contextualizar el debate sobre la movilidad social, a partir de una reflexión sobre el papel de las Fatecs en la promoción delaextensión,desdelaperspectivadelosaportesdeBourdieusobreel capital cultural.Lacomprensión de la importancia de la representación de miembros de grupos minoritarios en los materiales didácticos aún está en desarrollo en este texto, así como los desafíos para promover la representación en los
1 Formado em Letras com Licenciatura Plena para o ensino das línguas portuguesa e inglesa pelo CEUNSP, Graduado em Pedagogia pela Intervale, Pós-Graduado em Coordenação Pedagógica pela Ufscar Sorocaba e Mestrando em Gestão e Desenvolvimento da Educação Profissional do CEETEPS. É coautor do Curso de Inglês para a Diversidade Lift, oferecido em parceria entre o Conselho Britânico e a Revista Nova Escola.Atualmente é Professor de Língua Inglesa na Fatec Itu, atuando na docência e em projetos de extensão voltados para a música e a diversidade. E-mail: thomas.felipe@fatec.sp.gov.br.
2 Possui doutorado em Sociologia pela Unicamp e realizou pós-doutorado em Sociologia da Tecnologia também na Unicamp. Ganhador do Prêmio Rumos Pesquisa do Instituto Itaú Cultural. É Professor no Programa de PósGraduação em Educação Profissional do CEETEPS e na Fatec Jundiaí, onde também coordena o Núcleo de Estudos de Tecnologia e Sociedade. É pesquisador do grupo Conhecimento, Tecnologia e Mercado. Email: emerson.freire@cpspos.sp.gov.br.
ITU/SP – No. 13, setembro de 2024
procesos de generación de imágenes en este curso específico, dado el fenómeno aquí traducido libremente como “codificado”. sesgos”, lo que implica la subrepresentación de personas pertenecientes agruposminoritarios enlasbasesdedatosutilizadasporlainteligenciaartificial.Atravésdeesteestudio se entiende no sólo la relevancia del tema, sino la urgencia de realizar estudios que aborden en profundidad los temas aquí presentados, así como el desarrollo de materiales didácticos que consideren la urgencia de apartados temáticos dirigidos a la descolonización en el ámbito de la desarrollo a la extensión y la cultura en la Educación Tecnológica Superior.
Palabras clave: extensión; movilidad; representatividade; descolonización; enseñanza tecnologíca.
Abstract. Reflections on the experience of the extension course “English to face inequalities”: social mobility and development of cultural capital of Fatec Itu students and the external community.Theproposalforabriefreflectiononthepotentialcontributionofacourseentitled“English to Face Inequalities” for social mobility and development of cultural capital of Fatec Itu students and the external community, is carried out through the analysis of bibliographical references that aim to conceptualize the pillars of this course, namely English as a Lingua Franca and the teaching material as a decolonizing instrument and facilitator of students' social mobility. A brief review of the role of University Extension and Cultural Development within Higher Education institutions is necessary to contextualize the debate on social mobility, starting with a reflection on the role of Fatecs in promoting extension, from the perspective of Bourdieu's contributions on cultural capital.The understanding of the importance of representation of members of minority groups in teaching materials is still being developed in this text, as well as the challenges for promoting representation in the image generation processes in this specific course, given the phenomenon here freely translated as “coded biases”, which implies the underrepresentation of people belonging to minority groups in databases used by artificial intelligence. Through this study, not only the relevance of the topic is understood, but the urgency of studiesthataddressindepththesubjectspresentedhere,aswellasthedevelopmentofteachingmaterials that consider the urgency of thematic sections aimed at decolonization within the scope of development to extension and culture in Higher Technological Education.
Keywords: extension; mobility; representation; decolonization; technological teaching
1 Introdução
A superação das desigualdades sociais é um desafio inerente a todas as sociedades e perpassa inevitavelmente os espaços de formação acadêmica. No Brasil, apenas em 1988 a constituição trouxe de forma mais ampla e clara a educação como direito de todos (Brasil, 1988). No âmbito do Ensino Superior, por conta de diversos desvios da sua função social, entende-se que muito há que se discutir e investir para que, de fato, o desenvolvimento cultural e a promoção da igualdade sejam contemplados com a relevância que merecem nas instituições, sobretudo nas públicas, a fim de que se ofereçam cursos que formem cidadãos para o gozo da autonomia e de maior dignidade, assim como para que propicie, através da formação, o acesso aos mais diversos bens sociais. Silva e Fonseca (2018) apresentam esta problemática trazendo à luz a deficiência das políticas públicas para a educação, sobretudo no contexto da Educação Profissional e Tecnológica de nível de graduação, em desenvolver de maneira conjunta e equitativa as três dimensões correlativas e essenciais para a formação neste nível, o ensino, a pesquisa e a extensão, caracterizando os que os autores intitulam como tripé manco, dado que
ITU/SP – No. 13, setembro de 2024
geralmente, as instituições de ensino superior privilegiam apenas uma das dimensões no ensino superior, a do ensino.
O curso “English to Face Inequalities”, em desenvolvimento na Fatec Itu, constitui-se de uma ação integradora entre as dimensões ensino, pesquisa e extensão, por meio da elaboração de um curso de Inglês e sua aplicação para a comunidade externa e alunos necessitem de suporte extra para desenvolvimento da Língua. Partindo-se do pressuposto de que a aprendizagem efetiva demanda o respeito à realidade dos aprendizes (Freire, 1987) e considerando as habilidades em língua inglesa como um indicador de mobilidade social (Graddol, 2006), o curso que é objeto desta pesquisa, tem como intencionalidades principais constituir-se enquanto instrumento para o desenvolvimento linguístico e cultural dos estudantes, corroborando com o aumento da mobilidade social destes, para tanto, tem-se o cuidado durante o desenvolvimento do curso, de promover a curadoria para escolha de textos e elementos gráficos que melhor representem o público alvo, assim como a pesquisa para averiguação da efetividade deste em cumprir seus propósitos.
O presente artigo propõe-se, a partir de um breve estudo bibliográfico pautado em referenciais voltados para a compreensão da cultura decolonizada, da mobilidade social e da representatividade em materiais didáticos, promover a reflexão acerca de como os diversos elementos culturais presentes no processo de elaboração de um curso de Inglês intitulado “English to Face Inequalities”, em desenvolvimento no contexto da Fatec Itu, tendo como premissa a concepção do Inglês como Língua Franca e, portanto, uma língua disseminada globalmente, possui o potencial para a promoção do desenvolvimento do capital cultural dos alunoscomoelemento facilitadordamobilidadesocialdestes,constituindo-seassimcomoparte de um processo decolonizador e de um instrumento importante para o desenvolvimento integral das funções das instituições de Ensino Superior, no âmbito da Fatec Itu
O problema que se coloca é o da necessidade de ações extensionistas no âmbito das Instituições de Ensino Superior Tecnológico e da demanda pela produção de materiais para o Ensino de Língua Inglesa nos diversos elementos linguísticos e visuais sejam desenvolvidos de forma a representar, intencionalmente, integrantes de grupos minorizados, como proposta para promoverodesenvolvimentocultural emobilidadesocialdos estudantes.Aconcepçãodo curso em desenvolvimento parte do pressuposto de que a cultura, conforme enfatizado por Vygotsky (1988),temumpapelessencialparaodesenvolvimentodopensamentoedalinguagemhumana. Sendo assim, entende-se, a partir da concepção do materialismo histórico-dialético, que serve como base para a pesquisa de diversos autores como Paulo Freire, Frantz Fanon, aqui citados, entre outros, que a correlação entre os conteúdos abordados no contexto educacional com o contexto de vida dos alunos, sobretudo aqueles adultos, é essencial para a suas aprendizagens.
ITU/SP – No. 13, setembro de 2024
Sabendo-se que o curso que serve como objeto de estudo apresentado no presente artigo tem como público alvo estudantes que não tiveram oportunidades de aprender a Língua Inglesa previamente, pretende-se explicitar o potencial dessa experiência para o desenvolvimento do capital cultural dos estudantes, o que segundo Bourdieu (2007), constitui-se como forma importante de poder social, visto que a cultura se constitui dos recursos culturais possuídos por um sujeito, o que pode incluir a educação, habilidades, conhecimentos, comportamentos, gostos e a capacidade de apreciar obras culturais, para tanto, há de se considerar as três dimensões do capital cultural, a saber: i) o capital cultural incorporado, que se refere à cultura internalizada pelos indivíduos; ii) o capital objetivado, que diz respeito aos bens físicos possuídos como livros e obras de arte, iii) o capital institucionalizado, que se refere às credenciais e qualificações educacionais formalmente reconhecidas.
Portanto, o objetivo geral deste texto é analisar o potencial dos elementos culturais em um curso de inglês para o enfrentamento das desigualdades para o desenvolvimento cultural dos estudantes e da comunidade participante no projeto, visto que se entende que o presente curso ofereça, a partir da análise do seu processo de construção, importantes elementos que desvelam as nuances presentes no processo de desenvolvimento do material didático abordado pelo texto.
2 Arelevância da promoção da Extensão nas Fatecs
Sendo a Fatec Itu o espaço onde o curso “English to Face Inequalities” é desenvolvido e aplicado, faz-se necessário retomar o papel da instituição para a promoção de práticas extensionistas, sobretudo aquelas voltadas para a promoção da cultura e da diversidade. No Brasil, a educação superior tem seu início com a chegada dos Jesuítas, por volta de 1553, períodoestedemuitainfluênciadas Universidades Europeias.Dentre os primeiroscursos oferecidos nas faculdades, estavam os que formavam em assuntos de guerra. Com a Independência do Brasil em 1822, há a descentralização do Ensino Superior, e em 1827 são criados cursos de Direito em São Paulo e Olinda, ainda apresentando um caráter extremamente elitizado. Após a Proclamação da República, em 1889, há uma nova expansão da Educação como demanda de latifundiários que desejavam que os filhos fossem bacharéis e doutores. Em 1901, se dava a reestruturação do Ensino Básico que permitia, mediante submissão à fiscalização federal, que instituições públicas e privadas tivessem as mesmas prerrogativas que asfaculdades federais,sendoassim,umaveztendoseusestudosconcluídos,osalunospoderiam se inscrever em quaisquer cursos superiores no país sem a exigência de estudos preparatórios (Cunha, 2007, p. 158).
e
ITU/SP – No. 13, setembro de 2024
Cunha (2007) aponta que após a Revolução de 30, em 1931, é promulgado o Estatuto da Universidade Brasileira e, em 1934, é criada a Universidade de São Paulo. Ainda em 1931, é promulgado o Decreto nº 19.851 (Brasil, 1931), intitulado Estatuto das Universidades Brasileiras, que determina que o ensino universitário tem por finalidade elevar a cultura geral, estimular a investigação científica em quaisquer domínios dos conhecimentos humanos, habilitar ao exercício de atividades que requerem preparo técnico e científico superior, assim como favorecer a coletividade harmônica entre os objetivos de professores e alunos.
Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação permite a criação de novos cursos de graduação. A Universidade Federal de Brasília é criada neste período, tendo o enfoque no desenvolvimento da cultura e tecnologia. Em 1968, é promulgada a chamada Lei da Reforma Universitária, que propõe a pesquisa, o desenvolvimento das ciências, letras e artes e formação profissional como objetivos do Ensino Superior, além de reforçar a autonomia das universidades. Em 1971, após o golpe de 1964, há ampliação da educação básica para 8 anos e a estruturação do ensino secundário profissionalizante e apenas em 1996, a Lei nº 9.394/96 (Brasil, 1996) ressalta a importância e a indissociabilidade entre o ensino, a cultura e a extensão universitária.
As Faculdades de Tecnologias (Fatecs) surgiram em 15 de janeiro de 1968, tendo como sua maior missão atender a demandas inerentes ao mercado de trabalho. Em sua criação, o Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS), que administra as Fatecs e Etecs, fora denominado inicialmente de Centro Estadual de Educação Tecnológica, passando ao nome atual somente em 1973. Com a criação da UNESP em 1976, o CEETEPS é transformado em autarquia em regime especial, vinculada à Universidade, constituindo a Fatec enquanto instituição essencial para a promoção da mobilidade social de seus estudantes e egressos, visto que seu público alvo é formado por estudantes, em sua maioria advindos de escolas públicas, que obtém maiores possibilidades de ingresso no mercado de trabalho através da instituição e os cursos nela oferecidos.
O ensino, a pesquisa e extensão são constituintes dos currículos da Fatec, porém, sofrese do mesmo problema do tripé manco sinalizado por Silva e Fonseca (2018). Dado o contexto não apenas institucional, mas econômico, político e cultural do país, ainda há importantes passos a serem dados de forma a garantir que estas dimensões do tripé ocorram de forma integrada, sobretudo no que se refere à extensão. Uma pesquisa recente de Silva e Machado (2022)propõeo estudo sobreas práticas extensionistas noâmbito das Fatecs, identificandoque, de acordo com professores(as) entrevistados(as), apenas 50% das unidades possuiriam um plano ou política de extensão e que, ainda que compreendam a importância desta dimensão do ensino superior, existem dificuldades atreladas ao tempo dos seus contratos, a recursos e à ausência de uma política institucional para tal.
e
ITU/SP – No. 13, setembro de 2024
Ao realizar uma pesquisa documental acerca do desenvolvimento da dimensão cultural nos Cursos Superiores de Tecnologia (CSTs), Oliveira, Freire e Batista (2020) constatam que as práticas extensionistas constituem-se elementos essenciais para a formação integral dos estudantes do Ensino Superior, visto que não há evidências dos benefícios de um currículo focado estritamente na dimensão técnica, em detrimento da pesquisa e da extensão e cultura. Antes, ao contArário, a literatura e os estudos apontam os diversos benefícios das práticas culturais para o desenvolvimento dos estudantes. A produção dos autores oferece fortes subsídios para a compreensão da necessidade do desenvolvimento de práticas extensionistas e fomento à cultura e à extensão, tendo sobretudo, o contexto das Fatecs.
3 A relação entre Educação Profissional e Tecnológica, Mobilidade Social e Empregabilidade
A compreensão do termo mobilidade social é essencial para a discussão do Ensino Superior como elemento para a melhoria da qualidade de vida de alunos e egressos. De acordo com Oliveira (2010), o termo mobilidade social é entendido como o movimento de indivíduos ou das unidades familiares entre categorias socioprofissionais, podendo ocorrer dentro de uma classe ou entre diferentes classes.
Martins (2016) contribui significantemente para a contextualização do termo mobilidade social no Brasil, embasando-se em Bourdieu e Souza para tal. Para a autora, as Instituições de Ensino Superior possuem um papel essencial para a promoção do acesso de seus estudantes adiferentes espaços sociais daquelespropiciados porseus pais, oqueé caracterizado enquanto inserção vertical. À luz de Bourdieu, a autora ressalta a importância do Ensino Superior para o desenvolvimento dos capitais cultural, social e econômico dos estudantes.
Corroborando com as proposições de Martins (2016), dados apontam que possuir formação superior é um elemento chave para que pessoas consigam alcançar novos patamares sociais. De acordo com a pesquisa de Veloso, Barbosa e Peruchetti (2022), o aumento da oferta educacional após o início da década de 90 tem influência direta na diminuição da informalidade no mercadodetrabalho, umavezquepessoasmais bem formadas setornam capazes deoferecer mão de obra especializada. O estudo também comprova que trabalhadores que possuem entre 9 e15 anos de estudo têm gradativamentemenos chances deestarem desempregados,tais dados devem ser analisados considerando a recessão ocorrida entre 2014 e 2017 e o período de pandemia por conta de sua influência no mercado de trabalho. A pesquisa de Martins (2016), ainda que realizada no contexto da Cidade de Porto Alegre, traz elementos que comprovam que o ensino superior permite a inserção no mercado
ITU/SP – No. 13, setembro de 2024
de trabalho mais qualificante, o que implica na possibilidade de o egresso atuar em atividades que mobilizem os saberes de sua área de conhecimento, em condições adequadas para o desenvolvimentodeseutrabalho,oqueinclui,contrataçãoportempoindeterminado,osdireitos trabalhistas, a adequação de seu salário e demais benefícios.
Martins (2016) ainda apresenta uma importante contribuição metodológica para a compreensão da mobilidade social no Brasil, ao promover a análise de dados inerentes à inserção profissional e à mobilidade social de alunos e egressos de instituições no Ensino Superior Tecnológico na região de Porto Alegre, a autora postula, à luz dos referenciais, e comprova, através dos resultados da pesquisa, que o acesso ao ensino superior corrobora com o acesso dos egressos e estudantes a espaços que não frequentavam, o que serve como parâmetro para mensuração do desenvolvimento de seus capitais social e cultural. Ainda é defendido que a despeito do tempo para ingresso no mercado de trabalho, a remuneração daqueles que possuem formação superior, tende a ser mais alta, assim com sua inserção mais qualificante, o que implica que o acesso ao Ensino Superior permite a atuação em empregos para os quais os egressos se formaram. Entende-se também que o acesso ao conhecimento científico e às experiências culturais no âmbito do Ensino Superior, sejam essenciais para o desenvolvimento do capital cultural dos estudantes e egressos.
Dados fornecidos pelaAssessoria deAvaliação Institucional do Centro Paula Souza, ao repórter Casimiro (2023, n.p.), publicados no site “O Atibaiense”, apontam a empregabilidade de 90% dos egressos da Fatec, sendo que “os números mostram que, entre os tecnólogos empregados, 95,7% têm vínculo formal de trabalho, considerando 71% com carteira assinada, 15,8% enquanto servidores públicos, 3,7%, microempresários, e 3,7%, autônomos regulares.
Ainda que para esta reflexão não se disponha de uma análise profunda dos dados, o confronto com os elementos apresentados por Martins (2016) possibilita a percepção da mobilidade social desses egressos nos itens capital social e capital econômico, o que configura fortemente evidências de mobilidade social.
4 O inglês como língua global e o seu papel para a promoção da mobilidade social
A escolha da metodologia para a elaboração do curso “English to Face Inequalities” corrobora com duas vertentes de materiais para o Ensino da Língua Inglesa, a saber a metodologia Content and Language Integrated Learning (CLIL) que consiste na utilização da Língua Inglesa para o Ensino dos mais diversos componentes, e o conceito de English as a Lingua Franca, que diz respeito ao papel do Inglês enquanto uma língua globalmente utilizada,
ITU/SP – No. 13, setembro de 2024
porém com um enfoque maior na diversidade desta língua e na necessidade do respeito às características culturais dos países que falam a língua e os falantes, o que tem implicações profundas dos processos de colonização e descolonização atravessados por países não anglófonos, onde a língua inglesa se estabeleceu ou enquanto primeira língua ou enquanto segunda língua, assunto este amplamente discutido pela literatura em linguística aplicada. Também há de se compreender a importância do Inglês enquanto língua global, dada a correlação do termo com elementos ligados à mobilidade social dos falantes da Língua Inglesa. Jenkins (2007, p. 02) argumenta que “o inglês como língua franca deve ser visto como um meio de comunicação internacional utilizado por falantes de diferentes línguas maternas, e não apenas como uma língua de propriedade dos países anglófonos”. Visto que, por sua característica decolonizadora, no presente curso se opta pela representação priorizada de sujeitos falantes da Língua Inglesa que não sejam oriundos de países hegemônicos, buscando representar ao máximo a visão destes sujeitos sobre sua própria cultura e seus hábitos, entendese a relevância de conceber o uso do Inglês como Língua Franca enquanto elemento central para o desenvolvimento do curso.
A compreensão da Língua Inglesa enquanto língua Global, nos termos de Crystal (2012), que precede a discussão sobre Inglês com Língua Franca, apresenta uma grande contribuição para a compreensão das habilidades na língua inglesa como elementos possibilitadores da interação em um mundo globalizado.A necessidade do uso do inglês como língua global tem sido amplamente discutida por estudiosos como David Graddol. Em seu relatório "The Future of English?" Graddol (1997), aponta que o inglês se tornou a língua franca devido a uma combinação de fatores históricos, econômicos e culturais, assim, o inglês não é apenas uma ferramenta de comunicação internacional, mas também um meio de acesso ao conhecimento científico e tecnológico. Graddol (1997) argumenta que a competência em inglês ofereceumavantagem competitivanomercado detrabalho globalizadoeéessencialpara a mobilidade social e econômica visto que para ele, o inglês não é mais visto como a língua de um único país ou grupo de países. Ele é uma língua global que está em constante evolução e adaptação, sendo moldada pelas necessidades e usos dos falantes ao redor do mundo. Esse papel do inglês como língua global é reforçado por outros pesquisadores. Segundo Crystal (2012), a disseminação do inglês está ligada à sua adoção em diversas áreas do conhecimento e da economia, fazendo com que ele seja essencial para o desenvolvimento pessoal e profissional.
ITU/SP – No. 13, setembro de 2024
5 Sobre o curso “English to Face Inequalities” e a demanda por cursos voltados para a diversidade
Considerando o pressuposto de que a linguagem se desenvolve dentro de um contexto cultural e histórico, há de se entender também que uma vez que a história e a cultura estão constantemente em movimento e em processos recíprocos de transformação, através da ação humana sobre mundo, é necessário igualmente conceber que as metodologias de ensino e pesquisa de Línguas, hão de assumir a flexibilidade necessária para buscar desenvolver conhecimentos linguísticos de maneira crítica, considerando-se a maior gama possível de aspectos que interfiram na aprendizagem de uma Língua.
Em seu prefácio para Language and Thought, Kozulin (1986) comenta a importância da cultura, alegando que a maior contribuição de Vygotsky para a compreensão da Linguagem e do Pensamento não se dera por conta dos aspectos meramente psicológicos do desenvolvimento, antes, se dão por conta da consciência cultural atribuída ao objeto de pesquisa, ainda que mantendo a psicologia enquanto ferramenta conceitual.
Kalantzis e Cope (2004, p. 49) apontam duas condições que impactam a aprendizagem, a saber-se o engajamento da identidade dos sujeitos sua subjetividade ou senso de si e o potencial do engajamento para ampliar os horizontes de conhecimento e capacidade, o que corrobora profundamente com a ideia de que este curso de Línguas, voltado para aspectos decolonizadores, possui o potencial para o desenvolvimento do capital cultural dos participantes assim como, de ser um elemento motivador para a aprendizagem da Língua Inglesa. Kalantzis e Cope (2004, p. 40) ainda oferecem preciosas contribuições para a compreensão de como a representatividade serve como elemento motivador para as aprendizagens dos estudantes, visto que se constituem como elementos que propiciam a identificação do estudante com aquilo que ele estuda.
O curso “English to Face Inequalities” surge da necessidade de se ter, no âmbito da Fatec Itu, um material didático gratuito que propicie aos estudantes o aumento do repertório cultural elinguísticodestes,aopasso quepermitaa suaautoidentificação enquanto pertencentes ao universo das pessoas falantes de Língua Inglesa, o que se faz por meio da representação e respeito à diversidade. A equipe de desenvolvimento do curso “English to Face Inequalities” é formada inicialmente pelo professor autor e quatro alunos estagiários do curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas da Fatec Itu. O professor autor é responsável pelos scripts e seleções de textos utilizados nas unidades do curso, assim como da elaboração das sequências didáticas, explicações gramaticais e demais elementos inerentes à estrutura didática deste, pela coordenação do programa de iniciação científica voltado para o estudo e compreensão da
ITU/SP – No. 13, setembro de 2024
efetividade da proposta deste curso e de sua aplicação e o programa de monitoria, voltado para o desenvolvimento técnico e aplicação do material. Na primeira etapa do projeto foram estabelecidos personagens de diferentes etnias, sendo estes estudantes de um curso de letramento paraadiversidade.Para contextualizar omaterial, assim como suaidentidadevisual, houve a colaboração de três alunos estagiários voluntários. Para a segunda etapa do projeto, a iniciar-se em agosto de 2024, haverá o suporte de 3 alunos monitores, 2 alunos estagiários voluntários e uma aluna bolsista de iniciação científica.
Naprimeiraetapado curso,os estagiáriosforam responsáveis por auxiliarnaelaboração e revisão do design do curso, elaboração de vozes artificiais através da plataforma Eleven Labs e elaboração de ilustrações. Sempre que necessário utilizou-se histórias em quadrinhos, valendo-se para tal de mesas digitalizadoras ou tablet e aplicativos de edição de desenhos. Há também o processo de desenvolvimento de um aplicativo que visa propiciar, ao final de cada unidade do curso, a prática dos conhecimentos desenvolvidos através da simulação de aplicações presentes no cotidiano, que mobilizem o conteúdo estudado, como minis aplicativos integrados para compras em supermercados, redes sociais, entre outros. No final da primeira etapa do processo de escrita do curso, finalizada em julho de 2024, um novo estagiário, aluno de Análise e Desenvolvimento de Sistemas, professor e fluente em inglês, ficou responsável pela revisão ortográfica do curso.
O curso constituir-se-á de seis níveis baseados no Common European Framework, que compreende uma escala amplamente utilizada para a identificação dos níveis de inglês de falantes nativos e não nativos, havendo em cada nível quatro unidades, sendo que cada unidade conterá quatro aulas com conteúdos novos e uma aula de revisão.Até o presente momento, duas unidades do primeiro nível foram aplicadas. As seções do material didático são divididas em: Integration, In Context, A world of words, On tip of the tong, Grammar Spot, Grammar Practice e Your turn, havendo subseções para ampliação do vocabulário e explicação de subtópicos linguísticos ou culturais.
Aseção Integration apresenta um contexto através de histórias em quadrinhos autorais, no qual são apresentados os integrantes de um curso de letramento para a diversidade, advindos de países falantes do Inglês como segunda língua, ou falantes do inglês como Língua Franca.A elaboração desta seção é um elemento importante no sentido de promover a pesquisa sobre hábitos dos personagens representados que variam desde as maneiras como se cumprimentam até as histórias de seus países e continentes. A elaboração das primeiras unidades demandou reescrita de personagens, visto que algumas nacionalidades escolhidas não possuíam representações de sua pronúncia em inglês nos aplicativos pesquisados, problema este que será aprofundado em textos futuros.
ITU/SP – No. 13, setembro de 2024
A seção In Context, vale-se de textos autênticos, autorais, ou adaptados, para o aprofundamentodosassuntosapresentadosnaseção Integration,podendoostextosseremorais, escritos ou multimodais. Toda seção In Context vale-se de ilustrações geradas com uso de Inteligência Artificial, a princípio, pelo professor autor, e que têm o objetivo de representar grupos minorizados. Durante processo de criação das imagens para as primeiras unidades do material, constatou-se vieses digitais, o que se deu através da sub-representação de pessoas oriundas de grupos sociais minorizados, termo brevemente abordado neste artigo, o que demandou diversas tentativas de geração de imagens para a representação adequada da diversidade de gênero, raça e nacionalidades que se pretende alcançar neste material.
As seções Grammar focus e Grammar Practice têm a função de contextualizar a gramática, a partir dos textos. Todas as atividades são realizadas considerando-se o campo de vocabulário apresentado nos textos de abertura de cada lição.As seções A world of words e On the tip of the tongue, aprofundam o vocabulário alvo de cada lição, sempre respeitando o contexto apresentado. Em ambas as seções, a princípio, são utilizadas imagens do banco de imagens Canva, que apresenta uma grande diversidade de fenótipos.
Para a primeira etapa do projeto, foram selecionados dez estudantes, através de candidatura via Google Forms, sendo 7 estudantes da comunidade interna e três estudantes da comunidade externa. Todos os estudantes do curso são pertencentes a grupos minorizados, ou engajados em causas voltadas para estes grupos. Há durante a interação informal com os estudantes, a percepção de que o design do curso tem cumprido seu papel de engajar estas pessoas. Há grande interesse dos participantes pelos elementos culturais presentes nos textos, tais como especificidades como diferença dos significados dos gestos em diferentes culturas, as atividades de expansão em que por exemplo, a partir de um texto se solicita a pesquisa e o compartilhamento dos significados dos nomes dos alunos, entre outros.
Para a além do desenvolvimento de habilidades em Língua Inglesa, o que já é considerado capital cultural e social, através do curso, os estudantes têm se engajado em demais atividades oferecidas pelo Núcleo de Música Arte e diversidade da faculdade, tais como rodas de conversa e visita à Universidade de Campinas para roda de conversa sobre a diversidade. Ainda que em sua fase inicial, tendo apenas 4 meses de aplicação, percebe-se o potencial do curso para promoção, através a língua, do amplo desenvolvimento dos estudantes.
Ao decorrer do curso há de se analisar o efetivo desenvolvimento dos estudantes na Língua Inglesa e a presença do conteúdo cultural apresentado em suas produções, confirmando então, o quanto a dimensão decolonial do presente curso, corrobora com o desenvolvimento do pensamentocríticodos alunos ealunasecom oaumentodesuaautonomia,através deprocessos dialógicos de leitura do mundo e compreensão das práticas sociais que permeiam o urso do inglês em diferentes partes do mundo.
ITU/SP – No. 13, setembro de 2024
6 Acompreensão das desigualdades como elemento para a promoção das aprendizagens
A compreensão das injustiças sociais estabelece-se enquanto ponto de partida para a promoção de uma educação que valorize as culturas menos privilegiadas e que promova a igualdade. Dussel (2010) caracteriza a concepção educação moderna como resultado de um processo eurocêntrico e que parte de um falso pressuposto de que esta cultura estaria acima das demais cultura, para que então houvesse apropriação e usurpação destes espaços e corpos.
Fanon (1968) apresenta uma importante contribuição teórica e biográfica para a compreensão das desigualdades sociais e as suas consequências para o indivíduo que enfrenta a violência da exclusão, como para as culturas que são intencionalmente apagadas pelos processos colonizadores. O autor postula que “A imobilidade à qual o colonizado está condenado só poderá ser revertida se ele decidir pôr fim à história da colonização, à história da pilhagem, para fazer existir a história da nação, a história da descolonização.” (Fanon 1968, p. 38).
O autor apresenta inúmeras contribuições que fogem os limites desse texto e que podem ser mais desenvolvidas em futuros trabalhos como, por exemplo, ao aprofundar as consequências do colonialismo para a descaracterização dos sujeitos, em busca de uma subjetividadequenãolhesépertinente,sendoassimenvolvidosnabuscadeumaideiademérito que mascara os abusos pelos quais os menos privilegiados são submetidos. Para Fanon (1968, p. 198) “nos processos colonizantes, a cultura nacional é, sob o domínio colonial, uma cultura contestada, cuja destruição é empreendida de maneira sistemática e muito rapidamente uma cultura condenada à clandestinidade”. A proposição do autor remete ao apagamento diversas culturas, crenças, religiões, costumes, entre outros, em detrimento às culturas de países hegemônicos impostas para que se atenda ao que Bourdieu define enquanto habitus, ou seja, os modos de fazer e agir dos grupos aos quais alguém pertence ou deseje pertencer.
Compreender os elementos históricos e sociais inerentes à decolonização faz-se essencial para as práticas propostas no curso “English to Face Inequalities”, como se verá adiante, dado que assim como Fanon apresenta a resistência como elemento inerente à prática educativa, Freire (1987, p. 30) argumenta que "não é na resignação, mas na rebeldia em face das injustiças que se afirma a mulher ou o homem". Essa perspectiva revela a importância de se reconhecer o contexto dos alunos e sua posição social para a efetividade da educação, especialmente na educação de adultos. Ainda segundo Freire, a conscientização crítica é fundamental no processo educativo, pois permite aos indivíduos reconhecerem a sua realidade e atuarem para transformá-la. Freire destaca que "a educação autêntica não se faz de A para B ou deAsobre B, mas deAcom B, mediatizados pelo mundo" (1987, p. 41). Isso implica que o educador, e os recursos utilizados em ambientes educativos, devem levar em consideração a
e
ITU/SP – No. 13, setembro de 2024
vivência, as experiências e a realidade dos alunos como ponto de partida para o processo educacional.
Se através do curso “English to face inequalities” pretende-se promover práticas educativas para o enfrentamento das diferenças, há também de se estabelecer no processo de produção deste curso parâmetros para que os recursos audiovisuais empregados no material desenvolvido corroborem para a representatividade dos sujeitos participantes do curso e dos sujeitos e realidades retratados através do curso, uma vez que de acordo com a literatura a discriminação perpassa os diversos âmbitos de comunicação e produção cultural, seja através da não representatividade ou através da subpresentatividade que é abordado pela tese de doutorado de Campos (2019). Para além da constatação da deficiência da representatividade nas mídias impressas, há de considerar a transposição dos vieses invisíveis para as tecnologias da informação, visto que o curso “English to face inequalities” tem como parte do seu processo criativo a geração e utilização de imagens por inteligência artificial, o que tem revelado deficiências, principalmente ao buscar-se representar grupos minorizados. O documentário Coded Bias, dirigido por Shalini Kantayya (2020), explora as implicações éticas esociais douso de inteligência artificiale reconhecimento facial,destacando como esses sistemas frequentemente perpetuam e amplificam preconceitos raciais e de gênero.
A narrativa centra-se na pesquisa de Joy Buolamwini, do MIT Media Lab, que descobre que muitos sistemas de reconhecimento facial falham ao identificar corretamente rostos de pessoas não brancas e mulheres. Buolamwini e outros especialistas entrevistados no documentário argumentam que esses vieses resultam de dados desiguais e práticas de programação que refletem as discriminações existentes na sociedade. O documentário enfatiza a necessidade urgentederegulamentaçãoesupervisãomais rigorosas dessastecnologias paragarantir quenão reforcem desigualdades estruturais.
Os elementos presentes no documentário também se revelam no processo de produção deste material, visto que durante a etapa de produção dos capítulos iniciais do material, demorou-se em algumas lições um tempo consideravelmente maior para que se conseguisse gerar imagens que representassem a diversidade, principalmente quando os prompts incluíam elementos que atrelassem características de prestígio social a pessoas pretas ou pessoas transgênero.
Os cuidados na elaboração de um curso de Inglês para a diversidade podem tornar-se ineficientes caso não se conceba a relação intrínseca entre o desenvolvimento técnico e estético deste e o aspecto cultural que este material assume, ainda mais considerando-se o contexto da extensão universitária em um curso de tecnologia e o problema brevemente contextualizado das lacunas nas práticas de extensão e pesquisa nas Instituições de Ensino Superior (IES) do Brasil.
ITU/SP – No. 13, setembro de 2024
Em Cultura e Técnica, Simondon (2009, p. 170) traz à tona a discussão sobre a necessidade de superação da dicotomia cultura e técnica, entendendo que o desenvolvimento técnico não deve ignorar as subjetividades dos sujeitos que se fazem valer de uma ferramenta tecnológica, tais como o relacionamento destes sujeitos com determinados objetos técnicos enquanto instrumentos, as possibilidades de reinvenção da aplicabilidade destes instrumentos, assim como, e sobretudo, os aspectos estéticos que comportam, e, portanto, afetivos da produção. Não por acaso, Simondon alertava uma entrevista que “faltam-nos poetas técnicos”, conforme lembra Freire (2018).
Entende-se, portanto, que a construção de um curso de língua inglesa, enquanto uma atividade que contém aspectos técnicos e estéticos. Considerando o material enquanto instrumento para a facilitação do desenvolvimento da linguagem, há de se considerar, também, a relação dialógica do texto com seus leitores e as infinitas ressignificações que surgem da exploração do conteúdo apresentado, dado a sua forma, conteúdo e organização, via as ilustrações propostas, imagens e sons criados analogicamente ou por inteligência artificial, e demais recursos didáticos que se façam presentes no material.
Aindaem Simondon (2009,p. 09),vale ressaltarqueanão “reconciliação entrea cultura e a técnica”, por meio da formação de uma cultura técnica que considera a dimensão estética, traz perigos semelhantes aos observados por Fanon (1968, p.199) acerca da deturpação da estética pelos movimentos colonizadores.
Anegação cultural, o desprezo pelas manifestações nacionais motoras ou emocionais, o banimento de qualquer especialidade de organização concorre para engendrar condutas agressivas no colonizado. Mas tais condutas são do tipo reflexo, mal diferenciadas, anárquicas, ineficazes.
Considere-se adicionalmente que Fanon (1968, p. 198) ainda alerta:
Enquanto as massas mantêm intactas as tradições mais heterogêneas para a situação colonial, enquanto o estilo artesanal se solidifica num formalismo cada vez mais estereotipado, o intelectual lança-se freneticamente na aquisição furiosa da cultura do ocupante, tendo o cuidado de caracterizar pejorativamente sua cultura nacional, ou encastela-se na enumeração circunstanciada, metódica, passional e rapidamente.
Com isso mente e voltando ao âmbito das discussões sobre a representatividade de grupos minorizados em materiais didáticos, Campos (2019) apresenta importantes contribuições para a compreensão da importância dessa representatividade, assim como das graves consequências de sua não existência. De acordo com Frenette (1999, p. 88-89, Apud Campos 2019, p. 30):
Através de um terrorismo estético diluído por todas as camadas de nossa sociedade, vai-se humilhando toda uma raça dizendo ostensivamente que a beleza é branca. E uma das faces mais evidentes desse terrorismo, que age na surdina, é a exclusão da estética negra nos mais influentes setores da sociedade, passando sobretudo pela mídia, que, num processo ininterrupto de ausência, vai desprezando aqueles que não nasceram brancos.
e
ITU/SP – No. 13, setembro de 2024
Assim, a dimensão estética na construção técnica de um “simples” curso de língua estrangeira tem implicações sociopolíticas de extrema relevância para o aprendizado sobre processos decolonizadores.
7 Considerações finais
A breve revisão bibliográfica acerca dos conceitos de mobilidade social, cultura decolonizada e Inglês enquanto Língua Franca comprovam o potencial e a relevância do desenvolvimento de um curso de Inglês para o Enfrentamento das Desigualdades no contexto inicial da Fatec Itu, visto que os referenciais apontam tanto a carência da representatividade de pessoas pertencentes a grupos minorizados em mídias e materiais de ensino, como o potencial motivador que estes materiais têm.
Ademais, compreende-se que o fortalecimento da identidade e da subjetividade dos sujeitos envolvidos no processo de construção do curso, constituem-se elementos essenciais, quando atrelados à formação acadêmica e em língua oferecidas pelo curso, para a mobilidade social destes, tendo o acesso à faculdade em si, como elemento de mobilidade, visto que para muitos destes participantes, estar no ambiente acadêmico já constitui-se uma quebra de ciclos e um sinal de mobilidade transgeracional.
Compreende-se igualmente que o presente projeto propicia a compreensão do potencial do curso para o desenvolvimento da extensão universitária, para a melhora das habilidades em inglês dos alunos, para o entendimento de elementos ligados à mobilidade social dos alunos, paraapromoçãodainclusãosocialecultural eadescentralizaçãodacultura noensinodeinglês. Pretende-se na continuidade desta pesquisa, valendo-se para tal da coleta de dados dos estudantes, estagiários, monitores e alunos de iniciação científica envolvidos neste, compreendercom mais profundidade eformaisolada,os elementos apresentados deformamais geral neste primeiro texto como a problemática dos vieses codificados e os aspectos tecnoestéticos presentes no processo de construção deste curso, assim como a análise da efetiva mobilidade social dos estudantes e egressos deste curso.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Brasília, DF: Presidência da República, 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em: 25 nov. 2023.
. Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931. Estabelece o Estatuto das Universidades Brasileiras. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 13 abr. 1931. Seção 1, p. 8257.
Revista de Ciência, Tecnologia e Cultura da FATEC Itu
ITU/SP – No. 13, setembro de 2024
. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia paraAssuntos Jurídicos. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Brasília, v. 134, n. 248, 23 dez 1996. p. 27 833-27 841
CAMPOS, Rosália Maria Rodrigues de. Uma análise do negro no material didático: avanços e permanências. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019, p. 39.
CASEMIRO, Wagner. Empregabilidade nas Fatecs supera os 90%. O Atibaiense, Destaque Política, 4 maio 2023. Disponível em: https://site.oatibaiense.com.br/2023/05/ empregabilidade-nas-fatecs-supera-os-90/. Acesso em: 01 set. 2024.
CODED Bias. Direção: Shalini Kantayya. Produção: 7th Empire Media. EUA, 2020. 1 vídeo (85 min). Disponível em: Netflix.
CUNHA, LuizAntônio Constant Rodrigues da. AUniversidade temporã: o ensino superior da Colônia à Era Vargas. São Paulo: UNESP, 2007.
CRYSTAL, D. English as a Global Language. Cambridge University Press, 2012.
DUSSEL, E. Meditações anticartesianas sobre a origem do antidiscurso filosófico da Modernidade. In: SANTOS, B.S.; MENESES, M.P. (orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.
FANON, F. (1968). Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro, RJ: Editora Civilização Brasileira
FREIRE, Emerson. “Faltam-nos poetas técnicos”: Em direção a uma formação tecnoestérica. In: FREIRE, Emerson; VERONA, JulianaA.; BATISTA, Sueli S.S. (orgs.) Educação Profissional e Tecnológica. Extensão e Cultura. Jundiaí: Paco Editorial, 2018, p. 15-40.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GRADDOL, David. English Next. UK: British Council, 2006.
______. The future of English? Londres: British Council, 1997.
JENKINS, J. English as a Lingua Franca:Attitude and Identity. Oxford University Press, 2007.
KALANTZIS, Mary; COPE, Bill. Designs for learning. E–Learning, v. 1, n. 1, 2004.
KOZULIN, Alexei. Prefácio. In: VIGOTSKY, Lev Semyonovich. Language and thought: selected writings. Cambridge, MA: MIT Press, 1986.
MARTINS, Bibiana Volkmer. Expansão e diversificação do ensino superior no Brasil: a mobilidade social e a inserção profissional dos jovens estudantes e egressos de cursos superiores tecnológicos na região metropolitana de PortoAlegre-RS. 2016. Tese (Doutorado em Administração) - Escola deAdministração, Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, PortoAlegre, 2016.
OLIVEIRA, D.A. Mobilidade social. In:OLIVEIRA, D.A.; DUARTE,A.M.C.; VIEIRA, L.M.F. DICIONÁRIO: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2010.
e
ITU/SP – No. 13, setembro de 2024
OLIVEIRA, Priscila Santos; FREIRE, Emerson; BATISTA, Sueli Soares dos Santos. Cursos superiores de tecnologia, extensão e cultura. Revista Humanidades e Inovação, v. 7, n. 6, 2020, p. 19 - 33.
SILVA, Fábio; MACHADO, Michel.Aextensão no âmbito da educação profissional de nível tecnológico: estudo exploratório em uma instituição de ensino pública do Estado de São Paulo. In: XVII Simpósio dos Programas de Mestrado Profissional, SIMPROFI –Educação, Trabalho e Produção Sustentável, São Paulo/SP, Brasil, outubro de 2022. p. 331-651.
SILVA, RafaelAlves da; FONSECA, Thiago SilvaAugusto da. Ensino-pesquisa-extensão: um tripé manco. In: FREIRE, Emerson; VERONA, JulianaAugusta; BATISTA, Sueli Soares dos Santos (orgs.). Educação profissional e tecnológica: extensão e cultura. Jundiaí: Paco Editorial, 2018. p. 71-91. Ebook.
SIMONDON, Gilbert. Cultura e tecno-estética. Tradução de Caio Miranda. São Paulo: Ed. 34, 2020.
SOUZA, Jessé. Os Batalhadores e a Transformação do Brasil. In: SOUZA, Jessé (Org). Os Batalhadores Brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora? 2. Ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012, p. 09-57.
VELOSO, Fernando; BARBOSA; Fernando; PERUCHETTI, Paulo. Impactos da educação no mercado de trabalho. Instituto Brasileiro de Economia, Brasília, DF, 2022.
VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente São Paulo: Martins Fontes, 1988.