Artigo 6 Edição 13 - 2024

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ITU/SP – No. 13, setembro de 2024

O IMPACTO DA GESTÃO DA POLÍTICA DE COMÉRCIO EXTERIOR SOBRE A ATIVIDADE ECONÔMICA E O MERCADO DE TRABALHO

Cristiane Meire dos Santos1

Graziele Viana dos Santos2

Thiago Santana Teles3

Resumo. Este estudo analisou o impacto da gestão das políticas comerciais sobre a atividade econômica e o mercado de trabalho. Além de revisitar teorias do comércio internacional, discutiu os seus instrumentos e efeitos e fez uma análise da política comercial brasileira em dois períodos distintos. A revisão bibliográfica mostrou que os liberais defendem o livre comércio e os keynesianos a imposição debarreirastarifáriasenão-tarifárias.Apesquisadocumentalevidenciouquenoperíodoemqueagestão da política comercial brasileira esteve sob a égide de iniciativas liberalizantes, houve desequilíbrio das contas externas, baixo crescimento do PIB e elevação do desemprego e da informalidade do trabalho, ao contrário do que ocorreu quando esteve sob a égide de políticas protecionistas. A conclusão foi que a gestão da política de comércio exterior tem impactos sobre a atividade econômica e o mercado de trabalho.

Palavras-chave: Teoria Liberal; Teoria Keynesiana; gestão; atividade econômica; emprego.

Resumen. El impacto de la gestión de la política comercial exterior en la actividad económica y el mercado laboral. Este estudio analizó el impacto de la gestión de la política comercial en la actividad económica y el mercado laboral. Además de revisar las teorías del comercio internacional, discutió sus instrumentos y efectos y analizó la política comercial brasileña en dos períodos distintos. La literatura revisada mostró que los liberales defienden el libre comercio y los keynesianos defienden la imposición de barreras arancelarias y no arancelarias. La investigación documental mostró que durante el período en que la gestión de la política comercial brasileña estuvo bajo la égida de iniciativas liberalizadoras, hubo un desequilibrio en las cuentas externas, un bajo crecimiento del PIB y un aumento del desempleo y de la informalidad del trabajo, contrariamente a lo que ocurrió cuando estaba bajo la égida de políticas proteccionistas. La conclusión fue que la gestión de la política de comercio exterior tiene impactos en la actividad económica y el mercado laboral.

Palabras clave: Teoría Liberal; teoría keynesiana; gestión; actividad económica; trabajo.

Abstract. The impact of foreign trade policy management on economic activity and the job market.This study analyzed the impact of trade policy management on economic activity and the labor market. In addition to revisiting theories of international trade, it discussed its instruments and effects and analyzed Brazilian trade policy in two distinct periods. The literature reviewed showed that liberals defend free trade and Keynesians defend the imposition of tariff and non-tariff barriers. The documentary research showed that during the period in which the management of Brazilian commercial policy was under the aegis of liberalizing initiatives, there was an imbalance in external accounts, low GDP growth and an increase in unemployment and informality of work, contrary towhat occurred when it was under the aegis of protectionist policies. The conclusion was that the management of foreign trade policy has impacts on economic activity and the job market.

Keywords: Liberal Theory; Keynesian Theory; management; economic activity; job.

1 Tecnóloga em Gestão Comercial pela Fatec Santana de Parnaíba. E-mail: cristiane.santos34@fatec.sp.gov.br.

2 Tecnóloga em Gestão Comercial pela Fatec Santana de Parnaíba. E-mail: graziele.santos4@fatec.sp.gov.br.

3 Tecnóloga em Gestão Comercial pela Fatec Santana de Parnaíba. E-mail: thiago.teles01@fatec.sp.gov.br

I Introdução

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Adam Smith criou a Teoria das Vantagens Absolutas, por meio da qual afirmou que cada país deveria se especializar na produção daquilo que possui vantagens sobre os outros países. David Ricardo, por sua vez, elaborou a Teoria das Vantagens Comparativas, segundo a qual mesmo aquele país que não possua uma vantagem absoluta deve se especializar na produção daquelas mercadorias que produz com custos menores. Se todos os países assim o fizessem e exportassem os excedentes, a tendência seria a universalização do desenvolvimento. Essa Teoria do Comércio Internacional fundamentou a Tese Liberal Clássica do Livre Comércio, que vigorou por décadas.

A Grande Depressão, crise econômica iniciada nos EUA, mas que se espalhou pelo mundo e que teve como consequência o desemprego em massa, colocou em xeque a Teoria Liberal Clássica e fez surgir a Teoria Keynesiana, que propôs a intervenção do Estado por meio de políticas econômicas para promover a retornada do crescimento econômico e a busca do pleno emprego; uma delas, a política de comércio exterior protecionista.

É neste contexto que se insere o problema desta pesquisa, qual seja identificar qual seria o impacto da gestão de política de comércio exterior sobre a atividade econômica e o mercado de trabalho. A pesquisa tem por objetivo geral avaliar o impacto da gestão de política de comércio exterior sobre a atividade econômica e o mercado de trabalho. A hipótese é que a política de comércio exterior protecionista, conforme formulada por Keynes, tende a estimular o crescimento da economia e a geração de emprego.

Em termos específicos, a pesquisa busca revisitar as teorias do comércio internacional, em especial a liberal clássica e a keynesiana; discutir os instrumentos da política de comércio exterior protecionista e seus possíveis efeitos; e avaliar os resultados da política de comércio exterior, considerando dois períodos históricos, um sobre a égide de políticas liberais e outro sob a égide de políticas protecionistas.

OBrasil viveum período dedefesa eretomadadopensamento liberal. Estudaros efeitos da gestão da política de comércio exterior protecionista, em contraposição à política de cunho liberal, permitirá elucidar fatos, de modo a contribuir com este expressivo e importante debate socioeconômico.

Paraatingir os objetivos propostos,as técnicas utilizadas foram apesquisabibliográfica, por meio de leituras de livros e artigos científicos relacionados ao tema, e a pesquisa documental, por meio da consulta de institutos especializados em dados estatísticos sobre comércio exterior, atividade econômica e emprego.

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O trabalho foi desenvolvido em duas partes. A primeira parte destinada ao estado da arte do tema, ou seja, a abordagem sobre as teorias liberal e keynesiana do comércio internacional contemplando os instrumentos da política de comércio exterior protecionista e os seus possíveis efeitos sobre a atividade econômica e o mercado de trabalho. A segunda parte destinada à análise comparativa dos resultados da política de comércio exterior brasileira, considerando dois períodos históricos, um sob a égide de políticas comerciais liberais (década de 1990) e outro sob a égide de políticas comerciais keynesiana (década de 2000).

2 A Teoria Liberal Clássica e a Teoria Keynesiana do comércio internacional

Com o advento do capitalismo, surgiu o liberalismo econômico, uma doutrina que, de acordocomBezerra(2011),defendiaalivreconcorrência,ocâmbiolivre,apropriedadeprivada e a não intervenção governamental na economia. Segundo pensadores como Thomas Hobbes e Jeremy Benthan (apud Hunt; Sherman, 2004), os homens eram egoístas, frios e calculistas e todas as suas decisões tomadas com base em avaliações racionais, frias, imparciais e originadas na busca pelo prazer ou pelo alívio da dor. Para Adam Smith (apud Hunt; Sherman, 2004), que é considerado o pai da economia, o mercado age como uma “mão invisível” que conduz os estímulos egoístas dos homens para práticas que resultam no bem-estar da sociedade. Foi dessa forma que se fundamentou a doutrina do Laissez-faire, que se baseava na ideia de que o Estado deveria ser mínimo, dedicando-se ao objetivo de manter e preservar a ordem, a paz, a proteção e a segurança interna e externa, mas sem nunca interferir na atividade econômica.

Surgido no século XVIII, quando ocorreu a Revolução Industrial Inglesa, o liberalismo econômico fundamentou as bases para o sistema capitalista, consolidando de vez o pensamento econômico e social. De acordo com Hunt e Sherman (2004), essa doutrina, que acabou se constituindo na primeira teoria genuinamente econômica, a Teoria Liberal Clássica, defendia que, no ambiente interno, a tendência da economia seria o crescimento econômico com o mais perfeito equilíbrio das forças produtivas, pois o mercado seria autorregulado ao ponto de resolver rapidamente qualquer desajuste, de tal sorte que, como afirma Carvalho e Silva (2002), a economia capitalista estaria desprovida da possibilidade de crises econômicas e desemprego que não fosse voluntário. No ambiente externo, ou seja, no que diz respeito ao comércio exterior, a Teoria Liberal Clássica abrigou duas importantes teorias: a Teoria das Vantagens Absolutas, de Adam Smith, e a Teoria das Vantagens Comparativas, de Davi Ricardo. Como diria Santos at al. (2015), a crença de Adam Smith era que a riqueza de uma nação não se origina do estoque de metais preciosos, como diziam os mercantilistas, mas sim do trabalho; ou seja, o valor de um bem depende da quantidade de trabalho necessária para produzi-lo. Nesta perspectiva, Smith (apud Santos et al., 2015) argumentou que o livre

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comércio poderia incentivar a geração de riqueza, contanto que cada país se especializasse na produção de mercadorias e serviços nas quais conseguisse produzir com mais eficiência e menores custos que outros países, trocando os excedentes com países cuja produção desses mesmos bens fosse menos eficiente e mais cara. Para Smith (apud Santos et al., 2015), em prevalecendo esse processo de especialização e trocas, a tendência seria o desenvolvimento econômico de todos os países.

Segundo a perspectiva de Smith, portanto, a prosperidade de uma nação está ligada ao aumento da eficiência do trabalho, que é impulsionada pela divisão das tarefas. Como destaca Marinho (2011), no comércio internacional, um país exporta bens que pode fabricar a um custo mais baixo do que outros e importa aqueles que seriam mais caros de produzir localmente; cada país deve se especializar na fabricação dos produtos que pode produzir de forma mais eficiente.

O entendimento de que a essência da teoria do comércio internacional de Smith reside no princípio da vantagem absoluta é compartilhada também por Carbaugh (2004), segundo o qual, para Smith, em um cenário com dois países e dois produtos, o comércio internacional e a especialização serão vantajosos quando um país consegue produzir um determinado bem com uso menor de mão de obra do que o outro país, enquanto o segundo país tem essa vantagem na produção de outro tipo de bem. Marinho (2011) alerta, porém, que para a divisão internacional do trabalho beneficiar o mundo todo seria necessário que cada nação fosse mais eficiente na produção de pelo menos um bem, em comparação com seu parceiro comercial, de modo que, por consequência, uma nação importaria os bens nos quais não possuísse essa vantagem de custo absoluto e exportaria aqueles para os quais teria uma produção mais eficiente.

David Ricardo, por sua vez, aperfeiçoou a teoria de Adam Smith sobre o comércio exterior ao desenvolver a Teoria das Vantagens Comparativas. Para Ricardo (apud Carvalho; Silva, 2002), ocomércio entrepaísesseriafavorável em qualquer circunstância,ouseja,mesmo um país que não possua vantagem absoluta na produção de mercadorias e serviços deveria se especializar na produção daquelas mercadorias ou serviços que produz com os menores custos de produção. Ao se especializar na produção de bens que possua esta vantagem comparativa, a produção cresceria e o país poderia trocar os excedentes dessa produção com outras mercadorias produzidas de forma mais eficiente e com menores custos por outros países. Com isso, Ricardo reforça a tese de Smith, de que a especialização e o livre comércio provocariam a universalização do desenvolvimento econômico (Ricardo apud Fedrigo, 2010).

A Teoria Liberal Clássica do Comércio Internacional fundamentou, portanto, a tese do Livre Comércio, que vigorou por décadas. Como afirma Fedrigo (2010), do mesmo modo que no ambiente interno o Estado não deveria interferir na atividade econômica, no ambiente internacional, o Estado não deveria interferir nas relações de trocas entre os países, seja por meio da taxa de câmbio, de barreiras tarifárias ou barreiras não-tarifárias.

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Apesar da força dos argumentos da Teoria Liberal Clássica, o capitalismo foi levado a umaprofundacriseeconômica,comumentechamadadeAGrandeDepressão.Iniciadaem1929 nos EUA, com a quebra da bolsa de valores de New York, ela contaminou toda a economia dos EUA e se espalhou pelo mundo capitalista. Como descreve Huberman (2004), essa crise trouxe várias consequências, entre as quais a queda na atividade econômica, a falência de inúmeras empresas e o aumento do desemprego. A título de exemplos, no período, a atividade industrial e agrícola foi reduzida a cerca de 50%, mais de 5 mil bancos suspenderam as suas atividades e 85 mil empresas registraram falência (Hunt; Sherman, 2004). Por decorrência, o desemprego chegou a 25 % na Inglaterra e nos EUA, a 31% na Dinamarca e na Noruega e a 44% na Alemanha (Hobsbawn apud Fedrigo, 2009, p. 131).

Nestecontexto, obritânicoJohn MaynardKeynes formulou aTeoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, quando defendeu a intervenção do Estado na economia. Conforme descrito por Reis (2023), Keynes sustentava que, ao contrário do que defendiam os economistas liberais, a economia não possuía mecanismos automáticos de ajuste e que a livre concorrência e o livre comércio não podiam garantir o pleno emprego das forças produtivas, de modo que o governo deveria tomar medidas ativas para promover o crescimento econômico e garantir o pleno emprego, razão pela qual recomendou a implementação de políticas econômicas que estimulassem a demanda, a produção e a criação de empregos. Reis (2023) enfatiza que o intervencionismo defendido por Keynes se daria por meio de políticas econômicas; a política fiscal, a política monetária e a política de comércio exterior.

Como argumentam Viceconti e Neves (2013), no que diz respeito à Política Fiscal, a proposta foi que o governo aumentasse os seus gastos, por meio de investimentos em ações voltadas para a sociedade, como obras públicas de infraestrutura; no que diz respeito à Política Monetária, que o Banco Central administrasse a oferta da moeda e a taxa de juros, de modo a facilitar o crédito; quanto à Política de Comércio Exterior, que envolve as transações de mercadorias e serviços entre países, a proposta foi a adoção de políticas protecionistas, como desvalorização cambial, imposto sobre importações e subsídios às exportações, com a finalidade de fomentar as exportações e restringir as importações. Em conjunto, essas medidas estimulariam o consumo, o crescimento econômico e a geração de emprego, além de evitar possíveis instabilidades e crises na economia e no mercado de trabalho.

A Política Econômica, portanto, nada mais é do que um conjunto de ações praticado por um determinado país. Essas ações podem envolver medidas fiscais, monetárias e comerciais, com o intuito de alcançar objetivos macroeconômicos, como crescimento econômico, redução do desemprego e equilíbrio externo. Este é um tema de extrema importância, e está relacionado à forma como o governo conduz a economia do país.

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3 Os instrumentos da política de comércio exterior protecionista e seus possíveis efeitos

No que diz respeito à gestão da Política de Comércio Exterior, segundo formulação de Keynes, o Estado teria a disposição um conjunto de instrumentos, a começar pela taxa de câmbio. O aumento da taxa de câmbio, por exemplo, é uma estratégia que implica na desvalorização da moeda nacional frente à moeda estrangeira. Como explica Marinho (2011), a medida torna os produtos nacionais relativamente mais baratos para os compradores estrangeiros e os produtos estrangeiros mais caros para os consumidores domésticos. Assim, sempre que o país aumenta a taxa de câmbio, a tendência é um aumento nas exportações e uma redução nas importações, o que melhora o desempenho da sua balança comercial. O oposto tende a ocorrer quando o governo reduz a taxa de câmbio.

Outro instrumento da Política de Comércio Exterior protecionista é o imposto aplicado sobre o valor dos produtos importados. De acordo com Marinho (2011), a exemplo do aumento da taxa de câmbio, o imposto sobre importações4 encarece os produtos estrangeiros para o consumidor nacional, de modo que se o país cria ou aumenta um imposto sobre importações, a tendência é uma redução das importações, o que melhora o desempenho da sua balança comercial. O oposto tende a ocorrer quando o governo reduz o imposto sobre importações.

Um terceiro instrumento da política de comércio exterior protecionista é o subsídio às exportações, que funciona como um imposto negativo. Marinho (2011) relata que subsidiar exportações incentiva os produtores a vender no exterior, tornando mais lucrativa a exportação do que a venda no mercado doméstico. Com isso, as exportações tendem a crescer, o que também pode melhor o desempenho da balança comercial do país.

As barreiras não tarifárias são aquelas que não envolvem impostos a serem pagos de importação/exportação e que controlam ou dificultam a entrada de mercadorias no país. Segundo Marinho (2011), são decorrentes da necessidade de cumprimento de exigências técnicas estabelecidas em regulamentos e surgem de acordo com as características de determinados produtos. Como relata Carvalho e Silva (2002), dentre as barreiras não tarifárias existe a imposição de cotas que se trata do controle quantitativo dos produtos, ou seja, limitam a quantidade de bens importados que podem entrar no país durante um determinado período. Como destaca Salvatore (2000), sua utilização pode ter como objetivo a proteção da agricultura doméstica ou a melhora do Balanço de Pagamentos do país que as impõem. Regulamentações sanitárias, de saúde, inspeção, padrões de segurança, problemas com documentação, dentre outros procedimentos que impeçam ou dificultam o comércio, também são utilizadas como barreiras não-tarifárias.

4 Cabe esclarecer que o imposto sobre importações pode ser ad valorem (percentual sobre o valor do produto) ou específico (valor fixo por unidade importada). O primeiro é normalmente aplicado sobre produtos industriais, de modo que protege o produto final, enquanto os segundo é aplicado sobre produtos de primeira necessidade e commodities, de modo que protege as matérias-primas locais. Para maiores detalhes ver Marinho (2011).

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Ao estimularem as exportações e restringirem as importações, esses instrumentos da Política de Comércio Exterior acabam protegendo a economia nacional e estimulando a produção doméstica, o consumo interno e a geração de empregos (Carvalho; Silva, 2002).

4 Resultados da política de comércio exterior brasileira

Como abordado anteriormente, existem duas teorias importantes do comércio exterior: a liberal, que defende a especialização e o livre comércio, e a keynesiana, que propõe medidas protecionistas. Esta parte do trabalho tem por objetivo fazer uma análise comparativa dos resultados da política de comércio exterior, tomando por base a economia brasileira, considerando dois períodos históricos: um sob a égide de políticas comerciais liberais (década de 1990) e outro sob a égide de políticas comerciais keynesiana (década de 2000).

4.1 A política de comércio exterior brasileira na década de 1990

Na década de 1990 o governo brasileiro começou um extenso procedimento de liberalização econômica, marcado pela valorização da moeda nacional e pela redução do imposto sobre importações. Como adverte Fedrigo (2010), além da estabilização dos preços, esperava-se com as medidas a retomada do crescimento econômico e do desenvolvimento, mas os dados indicam que houve deterioração das contas externas brasileiras, refluxo da atividade econômica e aumento das taxas de desemprego e de informalidade do trabalho.

Do ponto de vista do imposto sobre importação, os dados indicam que houve uma redução significativa da tarifa média incidente sobre os produtos importados pelo Brasil. Como pode ser visto no Gráfico 1, a tarifa média caiu de 39,5% em 1989 para 13% em 1995, tarifa esta que se mantive estável nos anos seguintes.

Gráfico 1 - Alíquotas nominais médias de importação Brasil 1989-1996

Fonte: Lacerda (apud Fedrigo, 2010, p. 59).

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No que diz respeito à taxa de câmbio não foi diferente. Os dados indicam uma redução de cerca de 50% na taxa real efetiva de câmbio, já que ela passou de um índice de 120 em 1988 para pouco mais de 60 em 1998, como ilustra o Gráfico 2.

Gráfico 2 - Índices da taxa de câmbio (1992=100) Brasil 1988-1998

Fonte: Indicadores DIESP (apud Fedrigo, 2010, p. 60).

A política de Comércio exterior brasileira do período incorporou outras iniciativas liberalizantes. Uma delas foi a extinção da maior parte das barreiras não-tarifárias herdadas de períodos anteriores. Como relata Averbug (1999), em conjunto, essas medidas reduziram significativamente o grau de proteção da economia local.

Essa liberalização comercial causou um desajuste nas contas externas brasileiras. Como é possível verificar na Tabela 1, o Balanço de Transações Corretes (BTC) do Brasil acumulou déficits crescentes no período 1989 – 1998, com exceção do ano de 1992, que teve um superávit de US$ 6,1 bilhões. Além da queda no saldo da balança comercial, o déficit no BTC foi provocado pelo aumento significativo do déficit no Balanço de Serviços, que passou de US$ 15,3 em 1989 para US$ 25,8 bilhões em 1999.

Tabela 1 - BTC - Resultados líquidos - Brasil

BalançodeTransaçõesCorrentes

BalançaComercial

BalançodeServiços

TransfrênciasUnilaterais

Fonte: Conjuntura Econômica (2004, p. XVI – XVII).

– Em US$ bilhões

É importante lembrar que o déficit no BTC só não foi maior porque as exportações cresceram sob o efeito da Lei Complementar 87 de 1996. Conhecida como Lei Kandir, a referida lei instituiu isenção do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre exportações de produtos primários, especialmente agrícolas e semielaborados. No caso desses produtos, a redução da taxa de câmbio foi compensada, portanto, pela redução do ICMS (Brasil, 1996).

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Gráfico 3 - Participação % do Brasil no comércio mundial 1989-1998

Fonte: BACEN (apud Fedrigo, 2010, p. 70).

A liberalização comercial impactou também sobre a participação brasileira no comércio mundial. Como pode ser visto no Gráfico 3, a participação das exportações brasileiras no comércio mundial caiu de 1,18% em 1989 para 0,91% em 1998. A participação das importações, por seu turno, praticamente dobrou no período, já que passou de 0,66% em 1989 para 1,11% em 1998.

Tabela 2 - Taxa de variação anual do índice de volume do PIB em relação ao ano anterior - Brasil 1989-1999 – Em %

Variação realdo PIB em %

Média do período

Fonte: Conjuntura Econômica (2004, p. XIX).

Obviamente, a enxurrada de importados trouxe dificuldades para a economia nacional. Como ilustra a Tabela 2, além de ter oscilado bastante, a taxa anual média de crescimento do PIB entre 1989 e 1998 foi de apenas 2,0%. Como lembra Fedrigo (2010), menos do que a média da década anterior, considerada perdida pelo baixo desempenho do PIB que apresentou.

Gráfico 4 - Desemprego aberto - Variação anual média em % da PEA - Brasil 1989-1998

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Do ponto de vista do mercado de trabalho, o impacto da liberalização também foi negativo. Como pode ser visto no Gráfico 4, o desemprego no Brasil aumentou rapidamente, passando de 3,3% para 7,6% entre os anos de 1989 e 1998, o equivalente a 120% de aumento. Mas não parou por aí. Associada ao desemprego, a informalidade do trabalho também teve grande elevação, visto que o emprego com carteira assinada diminui de 56% para 46% no período1989– 1988.ComomostramosdadosdoGráfico5,noperíodo,oempregosem carteira assinada passou de 20% para 25%; o por conta própria de 20% para 24%.

Gráfico 5 - População ocupada por posição na ocupação em % - Brasil 1990-1998

Fonte: IBGE (apud Fedrigo, 2010, p. 80).

4.2 A política de comércio exterior brasileira na década de 2000

A partir de 1998, o Brasil passou por uma nova mudança do ponto de vista da política de comércio exterior. A começar pela taxa de câmbio, que passou de 1,16 em 1998 para 3,08 em 2003. Como ilustra o Gráfico 6, a partir de então ela caiu paulatinamente, mas, ainda assim, permaneceu bem acima daquela de 1998.

Gráfico 6 – Taxa nominal de câmbio (R$/US$) – Posição Dezembro - Basil 1999 - 2008

Fonte: IPEADATA (2023a, n.p.).
Com carteira assinada
Por conta própria Sem carteira assinada Empregadores

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Além da elevada taxa de câmbio, no período entraram em cena outras ações governamentais, que ajudaram a ampliar os fluxos comerciais com o exterior. De acordo com Fedrigo (2010), houve, por exemplo, uma importante diversificação do destino das exportações brasileiras, especialmente para a China, Índia, Japão e países da América do Sul. Por decorrência, houve uma sensível melhora das contas externas brasileiras. Como pode ser visto na Tabela 3, não só o saldo da BC se recuperou, mas também o saldo do BTC, que passou de um déficit de US$ 33,4 bilhões em 1998 para US$ 4,2 bilhões em 2003. E continuou positivo até 2007. De acordo com BACEN (2010), o déficit no BTC registrado em 2008 foi resultante especialmente do déficit US$5,6 bilhões na conta de viagens internacionais e de US$33,9 bilhões a título de remessa líquida de lucros e dividendos.

Tabela 3 - BTC - Resultados líquidos - Brasil 1998 – 2008 - Em US$ bilhões

BalançodeTransaçõesCorrentes

BalançaComercial

BalançodeServiços

TransfrênciasUnilaterais

Fonte: BACEN (2000 – 2010, quadro 01).

Em face da política comercial adotada no período, o Brasil melhorou a sua participação nas exportações mundiais. Como pode ser visto no Gráfico 7, a participação do Brasil nas exportações mundiais passou de pouco mais de 0,8% em 1999 para 1,4% em 2011. Um crescimento a ordem de 0,6% no período.

Gráfico 7 – Participação percentual do Brasil nas Exportações Mundiais 1999 -2011

Fonte: WDI apud Garcia (2019. p. 19).

e

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Comoeradeseesperar,amelhoranascontasexternasprovocouumaligeirarecuperação da atividade econômica. Com mostram os dados do Gráfico 8, os investimentos produtivos, por exemplo, medido pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), passaram de 16% para 20% do PIB entre 1999 e 2009. Um crescimento de 25% no período.

Gráfico 8 – Investimento em FBCF em % do PIB – Brasil 1999 - 2009 15 17 19

Fonte: IBGE/CNA (2003 – 2009, tab. 1846).

O PIB, cujo crescimento anual médio tinha sido de 2,0% no período anterior, também cresceu entre 1999 e 2008, em média 3,5% ao ano, como permitem deduzir os dados do Gráfico 9. Observa-se, como era de se esperar, que o PIB cresceu na esteira da melhora das contas externas brasileiras a partir de 2003.

Gráfico 9 – Variação % do volume do PIB – Posição do IV Trimestre - Brasil

Fonte: IBGE/CNT (1999 – 2009, tab. 5932).

Com a recuperação da atividade econômica, o desemprego, que tinha crescido 120% no período1989–1998,voltouacair atéatingir7,8% em 2008, como ilustram os dados doGráfico 10. Em síntese, melhoraram as contas externas e com elas os investimentos privados. Com mais investimentos, caiu a taxa de desemprego.

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Gráfico 10 - Desemprego aberto - Variação anual média em % da PEA - Brasil 1999-2008

Associada à queda no desemprego, melhorou também a qualidade do emprego. Como pode ser visto no Gráfico 11, a partir de 2003 o grau de informalidade, medida pela relação entre a população ocupada sem registro em carteira ou por conta própria e o total da população ocupada, que vinha subindo desde o início da década anterior, caiu ininterruptamente a partir de 2003, alcançando 42,8% em 2009. Na contramão desse processo, obviamente, cresceu a proporção da população empregada com carteira assinada, ou seja, com os direitos trabalhistas assegurados.

Gráfico 11 - Informalidade do trabalho em % da população ocupada – Brasil 1998 - 2009

Como previa Keynes, portanto, as políticas comerciais governamentais de caráter protecionistas têm o mérito não só de melhorar as contas externas, mas também, e por decorrência, estimular a atividade econômica e a geração de empregos, o que estimula o consumo e novos investimentos privados, conduzindo a economia para um ciclo virtuoso, marcado por crescimento econômico e redução do desemprego, com a consequente melhoria das condições de trabalho.

Fonte: IPEADATA (2023c, n.p.).

5 Considerações finais

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O objetivo deste trabalho foi analisar o impacto da gestão de política de comércio exterior sobre a atividade econômica e o mercado de trabalho. A hipótese foi que a política de comércio exterior protecionista, conforme formulada por Keynes, tende a estimular o crescimento da economia e a geração de emprego. Para tanto, além de revisitar as teorias do comércio internacional, em especial a liberal clássica e a keynesiana, discutiu os instrumentos da política de comércio exterior protecionista e seus possíveis efeitos.

A primeira parte discutiu o estado da arte do tema, ou seja, abordou as teorias liberal e keynesiana do comércio internacional, contemplando os instrumentos da política de comércio exterior protecionista e os seus possíveis efeitos sobre a econômica e o mercado de trabalho.

Por meio da pesquisa bibliográfica, demostrou que Adam Smith e David Ricardo, dois importantes economistas liberais clássicos, foram defensores de uma divisão internacional do trabalho pautada pela especialização e pelo livre comércio, segundo a qual se cada país se especializasse na produção daquilo que o faz de forma mais eficiente, com menor custo, e trocasse entre si os excedentes produzidos, a tendência seria o crescimento econômico e a universalização do desenvolvimento.

Com a Grande Depressão, John Maynard Keynes contestou a Teoria Liberal Clássica e defendeu a intervenção do Estado na economia por meio de políticas econômicas, entre as quais a política de comércio exterior protecionista. Ao contrário de Smith e Ricardo, Keynes defendeu que por meio da imposição de barreiras tarifárias e não tarifárias, o governo poderia estimular o consumo, o crescimento econômico e a geração de emprego, além de evitar instabilidades e crises.

A segunda parte fez uma análise comparativa dos resultados da política de comércio exterior brasileira, tomando por base dois períodos históricos distintos: um sob a égide de políticas comerciais liberais e outro sob a égide de políticas comerciais keynesiana.

No primeiro caso, os dados indicam que na década de 1990 o governo brasileiro implementou uma ampla liberalização econômica, por meio da redução da taxa de câmbio e do imposto sobre importações. Os resultados da política comercial foram a deterioração das contas externas, queda na atividade econômica e aumento no desemprego e da informalidade do emprego. A situação só não foi pior porque em 1996 foi implantada a Lei Kandir que, ao isentar as exportações de produtos primários, manteve as exportações em alta.

No segundo caso, os dados mostram que na década de 2000 o Brasil passou por uma reviravolta em sua política de comércio exterior. A taxa de câmbio subiu consideravelmente e o governo tomou medidas que diversificaram o destino das exportações, o que resultou em uma melhora significativa nas contas externas brasileiras. Os investimentos produtivos e o PIB cresceram. O desemprego diminuiu e com ele a informalidade do trabalho.

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A conclusão foi que a gestão da política de comércio exterior pode ter impactos significativos sobre a atividade econômica e o mercado de trabalho. No Brasil, as políticas liberais implementadas na década de 1990 trouxe oportunidades, já que provocou uma competitividadeentreprodutosnacionaiseimportados,mastambémmuitosdesafios.Asperdas de divisas e o ônus em termos do passivo externo herdado são incalculáveis. Por sua vez, embora mais eficazes na promoção do crescimento econômico e na redução do desemprego, as políticas protecionistas podem criar um ambiente menos propício a inovações e ganhos de produtividade.

É importante frisar que os resultados dos períodos históricos analisados podem ter sido influenciados por outras variáveis, como instabilidade econômica, mudanças na legislação e outras políticas econômicas, em especial a taxa de juros, que quando alta desestimula os investimentos produtivos e a geração de empregos e, por dedução, quando baixa, exerce efeito contrário; tema para próximos estudos.

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