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O s\u00E9culo do \"Doutor do Bai\u00E3o\"

NOS 100 ANOS DE NASCIMENTO DE HUMBERTO TEIXEIRA, SUA DEFESA DOS DIREITOS AUTORAIS E DA MÚSICA NACIONAL É TÃO LEMBRADA QUANTO OS CLÁSSICOS QUE COMPÔS SOZINHO OU COM LUIZ GONZAGA E OUTROS PARCEIROS

Por Cristina Fuscaldo, do Rio

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Se a música brasileira se tornou mais rica, os compositores passaram a estar mais protegidos e nossa cultura ficou mais conhecida no exterior foi por causa, entre outros, de Humberto Teixeira. O parceiro de composição mais famoso de Luiz Gonzaga, com quem escreveu clássicos como “Asa Branca”, foi fundador e diretor da União Brasileira de Compositores (UBC). E, além da maior visibilidade para a música nordestina, deixou sua marca também na política ao conseguir, como deputado federal, aprovar na década de 50 a Lei Humberto Teixeira, que permitia a divulgação da música brasileira fora do país através de caravanas financiadas pelo governo federal, em convênio com o então Ministério da Educação e Cultura. Se fosse vivo, esse advogado e compositor cearense de Igatu teria completado 100 anos em janeiro. E, para sua filha, a atriz Denise Dumont, estaria tão “apaixonadamente hiperativo” quanto sempre foi.

“Imagino que ele estaria ocupado, como sempre, tentando melhorar o mundo, lutando pelos direitos dos artistas nas mídias de agora e, é claro, fazendo música, poesia e engarrafando nuvens. Acho também que ele estaria muito triste com a volta da seca. Sempre teve esperança de ver 'Asa Branca' se tornar somente poesia, e não mais um retrato da realidade. Meu pai morreu durante a ditadura militar. Portanto, acredito que estaria certamente satisfeito, apesar de todas as imperfeições, com o fato de vivermos em uma democracia”, diz Denise.

Humberto Teixeira nasceu em 5 de janeiro de 1915 e, aos 15 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro. Quando se formou em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil (hoje UFRJ), já tinha composto sambas, marchas, xotes, sambas-canções e toadas. Mas foi só em 1945 que formou a aliança mais famosa de sua carreira: a parceria com Luiz Gonzaga começou durante uma conversa em que ambos concordaram com a ideia de valorizar os ritmos nordestinos, começando pelo xote e pelo baião. O primeiro sucesso da dupla foi “Meu Pé de Serra”. Depois, vieram “Assum Preto”, “Juazeiro”, “Qui Nem Jiló”, “Respeita Januário” e tantos outros.

Grupo da 1ª Caravana UBC: Humberto Teixeira, Guio de Moraes, Trio Yraquitan (Edinho, João e Gilvam), Sivuca, Abel Ferreira, Pernambuco do Pandeiro, Dimas Sedicias

“O principal legado que ele deixou para a música brasileira foi o baião, fonte na qual muitos de nossos grandes compositores beberam e de onde muitos gêneros musicais se desenvolveram. E, como advogado e deputado federal, as leis que passaram a proteger os compositores. Ele foi um dos primeiros advogados a se especializar em direitos autorais. A parceria com Luiz só acabou porque papai se afiliou à UBC, onde ele lutou com unhas e dentes pelo direito do autor e pela divulgação de nossa música pelo mundo. Luiz não quis se afiliar e, na época, isso ia contra as regras da associação, de modo que a parceria passou a não ser mais permitida. Décadas depois, eles se uniram novamente e fizeram um disco com novas músicas”, lembra Denise.

Humberto Teixeira e seu parceiro Luiz Gonzaga

FESTAS, EVENTOS E SARAUS CASEIROS

Humberto também escreveu muitas canções sozinho, entre elas “Benzim”, “Dono dos Teus Olhos” e “Sinfonia do Café”. A primeira após a ruptura com Gonzaga, “Kalu”, fez o maior sucesso. Com Sivuca, compôs “Adeus, Maria Fulô” e “Baião de Salvador”. Com Lauro Maia, “Catolé” e “Samba da Roça”. E, com Rildo Hora, “Xengo”. Aparecem entre seus parceiros os nomes de Felícia de Godoy, Carlos Barroso e até Ivon Curi. Denise, que tinha apenas 24 anos quando o pai faleceu, aos 64, em 3 de outubro de 1979, lembra-se bem da infância musical que teve traduzida em festas, eventos e saraus caseiros.

“Papai era um homem de bem. Amigo dos amigos. Patriarca da família toda, pois meu avô, seu pai, morreu cedo, levando-o, como irmão mais velho, a cuidar de minha avó e de seus oito irmãos e irmãs. Ele tinha um sorriso lindo e aberto, mas era também bravo e rígido em relação às mulheres da família e a mim especialmente. Ele era brilhante, extremamente inteligente e academicamente educado. Fez duas faculdades, de Medicina e Direito. Lia muito e me deu de presente esse amor aos livros. Acho também que ele tinha depressão e nunca se recuperou da separação de minha mãe. Se tivesse sobrevivido, nós seríamos bastante próximos. Ele se foi muito cedo”, lamenta a herdeira.

Humberto Teixeira foi casado com a atriz Margarida Teixeira e só teve uma filha. Para aplacar a dor da saudade, em 2009, Denise Dumont, mãe dos dois únicos netos do compositor, produziu o documentário “O Engarrafador de Nuvens”, cuja direção ficou a cargo de Lírio Ferreira, e a fotografia, de Walter Carvalho. Denise fica feliz toda vez que o nome de Humberto Teixeira é lembrado, mas, no ano do centenário do “doutor do baião”, acha que ele merece mais:

“Todas as homenagens são bem-vindas, mas ainda acho que foram feitas poucas. Um homem que deixou essa obra tão importante, tanto artística quanto política, deveria ser muito mais reconhecido e celebrado. Mas eu sou a filha única, portanto, meu ponto de vista não é exatamente objetivo… Acho que, na verdade, ele merece ser muito mais lembrado e reverenciado! Ele deveria ter nome de rua, estátua, praça, feriado…”

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