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NOCA DA PORTELA: PROJETOS E SONHOS PARA DAR E VENDER

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PRESTES A COMPLETAR 83 ANOS, SAMBISTA FAZ SHOW SOLO, GRAVA COM A VELHA GUARDA E QUER VER SUA VIDA CONTADA EM LIVRO

Por Cristina Fuscaldo, do Rio

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Duas coisas mantêm Noca da Portela vivo e ativo: o trabalho intenso em prol do samba e a esperança de ver sua escola do coração sair vencedora de um carnaval com enredo seu. Este ano ele chegou perto. “ImagináRio - 450 Janeiros de uma Cidade Surreal”, parceria com Celso Lopes, Charlles André, Vinicius Ferreira e Xandy Azevedo, o sétimo enredo que Noca emplacou na escola de samba, ajudou a levar o G.R.E.S Portela ao quinto lugar. Nascido em Leopoldina (MG), em 1932, Osvaldo Alves Pereira completará 83 anos em 12 de dezembro com muitos sonhos ainda a realizar, mas sem poder parar muito para pensar neles: afinal, a agenda está cheia. Além de seguir fazendo shows, divulgando algumas de suas mais de 400 composições – entre elas, as canções do último de seus sete álbuns solo, “Cor da Minha Raça” –, Noca participará do lançamento do primeiro DVD da Velha Guarda da Portela ainda este ano. Fora isso, terá de dar conta dos encontros e reuniões na quadra da escola, das palestras e conversas sobre política – tema que adora e pelo qual já muito trabalhou – e da abertura de seu baú de memórias para uma biografia que deseja lançar. Tudo isso movido a muita energia e bom humor.

O senhor não nasceu no Rio, mas parece mais carioca do que muitos nativos. Como se descobriu um amante da Cidade Maravilhosa?

Eu cheguei ao Rio com 5 anos. Aos 14, quando fui morar no Catete, fiz meu primeiro samba sobre o Grito do Ipiranga e ganhei a disputa do enredo da escola da samba Irmãos Unidos do Catete. Meu pai perguntou se era meu mesmo, e as pessoas me deram apelidos como Assombração e Sobrenatural. O (jornalista) Mário Filho me chamava de Sobrenatural de Almeida. Fui um moleque atrevido, disputei com grandes compositores da época. Esse foi o primeiro passo para eu me tornar o Noca da Portela, mas ainda passei pela escola Foliões de Botafogo e pela Paraíso de Tuiuti de São Cristóvão, da qual sou o único dos fundadores ainda vivo.

O senhor começou a compor cedo e se casou cedo também, né?

Saí do Catete com 20 anos e morei no Morro do Tuiuti, em São Cristóvão, onde conheci minha esposa, com quem vivi por 58 anos até ela falecer, há dois. Está aí outra coisa sobrenatural: um sambista ficar casado tanto tempo com a mesma mulher. O nome dela? Eu a chamava de Dona Heroína Conceição. Todo mundo perguntava como ela conseguia segurar esse crioulinho, e Conceição dizia que eu tinha um bom coração, que era ótimo pai e marido. Agora apareceu uma mulher querendo se casar, e eu já disse que namorar, tudo bem, mas casar de novo, não. Quero fazer que nem Monarco: só quero vadiar.

Por que o samba “Virada”, gravado por Beth Carvalho, é seu, mas está registrado no nome de Conceição Vilela Pereira, sua esposa?

Houve uma época em que estava brigado com a editora, e aí acabei registrando 80 músicas minhas no nome dela em uma outra editora. Fizemos uma procuração em que ela me dava o direito de responder por essas composições. Depois que ela morreu, comecei o inventário para passá-las novamente para meu nome, e meu objetivo é levá-las para a UBC.

E quando o senhor começou a gravar suas composições?

Na década de 50, um cantor do casting da Rádio Nacional chamado Swing gravou “Marlene, Meu Bem”, uma homenagem que fiz à grande cantora Marlene. Fui gravado como autor por muitos nomes, como Elizeth Cardoso, Nelson Gonçalves, Nara Leão, MPB 4, Roberto Ribeiro, Maria Bethânia, Maria Rita… Beth Carvalho foi quem mais gravou músicas minhas: 12 sambas. Tenho mais de 400 composições, mais de 300 gravadas. Também tive muitos sambas vencedores em blocos de rua do Rio, no Cacique de Ramos, no Simpatia é Quase Amor, no Bloco do Barbas… E gravei discos com o Trio ABC da Portela, além dos meus individuais. O “Cor da Minha Raça” foi produzido pelo Rildo Hora e é independente. Ele me deu muita alegria, pois viajei o Brasil todo fazendo shows de divulgação.

E os sambas que fez para a Portela?

Na Portela, disputei 15 vezes em 48 anos e cheguei à final 13 vezes, sendo que ganhei 7. Tenho dois estandartes de ouro, o prêmio do jornal “O Globo”. Tenho um sonho que coloco sempre nas minhas preces: o de ver a escola ser campeã com um samba que tenha a minha assinatura também.

Por falar na escola, o que podemos esperar desse DVD da Velha Guarda da Portela?

É o nosso primeiro e será lançado no segundo semestre de 2015. Temos participações especiais da Marisa Monte, da Maria Rita, do Zeca Pagodinho, do Paulinho da Viola e da Cristina Buarque. Eu estou gravando o primeiro samba que fiz para a escola, em 1969, junto a Picolino e Colombo, intitulado “Portela Querida”. Lembro que levamos esse samba a um festival da UBC e ganhamos o primeiro lugar.

O senhor faz parte da história da UBC!

Sim! Foram, inicialmente, 25 anos de parceria, aí passei uma temporada fora e voltei faz três anos. O bom filho à casa torna, né? Acho muito importante termos uma instituição responsável pelos nossos direitos. Todo músico deveria se interessar por esse tema, assim como acho importante interagir com a política. Fui respeitado por todos, de Brizola a Roberto Freire. Fui empossado secretário de Cultura do Estado do Rio de Janeiro em 2006 e, um ano depois, recebi do (então) presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma comenda da Ordem de Rio Branco por serviços prestados à Nação. Eu fiz a faculdade da vida e, nela, me tornei professor. Aprendi a me expressar, fazer discurso, ter o jogo de cintura necessário para conseguir sobreviver. E, graças a Deus, todo esse respeito eu devo ao samba. É por isso que digo que ele não é só meu, mas do povo.

Com tanta e tão rica história, o senhor deveria escrever ou deixar que escrevam sua biografia.

Já tenho uma pessoa para escrever. E estou muito ansioso. Acho importante para qualquer ser humano ter a sua vida escrita em um livro. Seja essa biografia autorizada ou não. Acho uma besteira quererem proibir. Se eu fosse do júri (do Supremo Tribunal Federal que, em junho, por unanimidade liberou a publicação de tais obras mesmo sem a autorização prévia do retratado), também teria dado meu voto a favor da liberação. Por que não? Os autores têm de poder contar histórias, fazer novelas, filmes… É importante para a cultura do país!

Seu Noca, muito obrigada pela ótima conversa. Foi um prazer.

Se você sentir saudade, liga pro meu celular, liga pro meu celular, não deixa a saudade imperar…

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