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O novo da Gal
PRESTES A COMPLETAR 70 ANOS (50 DE CARREIRA) E EM CONSTANTE EVOLUÇÃO, A CANTORA DÁ, COM “ESTRATOSFÉRICA”, CONTINUIDADE A UM PROJETO DE TRANSFORMAÇÃO INICIADO EM “RECANTO”
Por Leandro Souto Maior, do Rio
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“Vão comparar esse meu disco novo com os que fiz no período do Tropicalismo, na virada dos anos 60 para os 70, mais orientada para o rock”, começa Gal Gosta ao falar sobre “Estratosférica”, seu segundo trabalho em quatro anos com pegada claramente contemporânea. “Mas se trata mesmo é de uma renovação artística. É um momento importantíssimo, instigador, animador”. Beirando os 70 anos (a ser cumpridos no próximo dia 26 de setembro), 50 deles dedicados a uma carreira produtiva e relevante, a baiana, de fato, há muito não parecia tão empolgada com o próprio trabalho.
Dona de inconfundível timbre, Gal não cogita pendurar as cordas vocais tão cedo. Depois de confiar a um Caetano Veloso igualmente em permanente evolução a concepção de “Recanto” (2011), e este dividir a produção com o filho Moreno, agora ficou a cargo deste último e do carioca Alexandre Kassin a orquestração do trabalho. Para o novo repertório de inéditas, pinçou - junto do jornalista Marcus Preto - canções fresquinhas de uma turma que inclui Marcelo Camelo, Céu, Jonas Sá, Criolo, Rogê, Lira (ex-Cordel do Fogo Encantado), Thalma de Freitas, Alberto Continentino e Mallu Magalhães - esta, autora de “Quando Você Olha Pra Ela”, peça frequente nas rádios país afora.
Gal sustenta que a nova fase veio com as texturas eletrônicas, experimentais, de “Recanto”. Agora, o momento é mais pop, e foi essa a linguagem escolhida por Moreno e Kassin.

NO REPERTÓRIO, CAETANO, TOM ZÉ, MARISA MONTE...
Velhos parceiros também contribuíram com músicas para o novo lançamento. O próprio Caetano, por exemplo, reaparece, com “Você Me Deu”, composição dele em parceria com outro filho, Zeca, de apenas 23 anos. “Caetano, não tem jeito, sempre terá espaço nos meus discos”, constata a amiga.
De Tom Zé, Gal gravou “Por Baixo” (retomando um contato que remete ao primeiro disco solo dela, em 1969, quando “Namorinho de Portão” ganhou destaque na bolacha). Milton Nascimento fez com Criolo “Dez Anjos”, lindamente cantada por ela. E o recém-falecido produtor Lincoln Olivetti (1954- 2015), que já trabalhara com a cantora nos anos 1980, é coautor de “Muita Sorte” (com Rogê). A faixa-título do disco traz também seu último arranjo para metais.
“Aquela canção me lembrou o trabalho que o Lincoln fez em ‘Festa do Interior', do meu disco 'Fantasia', de 1981”, ela compara. “E ainda teve um presente da Marisa Monte, que me mandou uma música sem eu sequer ter solicitado, 'Amor Se Acalme', que adorei e acabei gravando”, acrescenta.
Disco nas lojas, o momento é de preparar o show para cair na estrada. A turnê de lançamento, prevista para começar agora em agosto, coincide com a comemoração pelas cinco décadas de carreira - contadas a partir do primeiro compacto, de 1965, que trazia “Eu Vim da Bahia”, de Gilberto Gil, e “Sim, Foi Você”, de Caetano. Portanto, entre novos sons, estarão no roteiro sucessos e surpresas. “A ideia é misturar o 'Estratosférica' com músicas que gravei ao longo da vida e outras que eu nunca cantei antes”, planeja.
São tantas músicas, tantos discos... “Tudo o que gostaria de cantar não cabe em apenas um show”, suspira Gal.
UM OLHO NO PASSADO E DOIS NO FUTURO
Antes de “Estratosférica”, Gal apresentou o show intimista “Espelho D'água” (título também de uma faixa do novo álbum, parceria de Marcelo Camelo com o irmão Thiago) e rodou o país com o espetáculo “Ela Disse-me Assim”, no qual resgatou a obra do cantor e compositor Lupicínio Rodrigues (1914-1974) e que promete ganhar registro em disco. “As canções dele sempre foram uma fonte de inspiração. Trago o Lupicínio para os meus discos e shows desde os anos 60”, rememora, enaltecendo o compositor de clássicos como “Vingança” (1951) e “Volta” (1957). “A música de Lupicínio desafia a linha do tempo.”
Mesmo revisitando o passado, Gal Costa segue de olho em um futuro estratosférico, conforme a letra da faixa de abertura do novo CD, o rock “Sem Medo Nem Esperança” (de Antônio Cícero), perfeitamente traduz: “Nada do que fiz/Por mais feliz/ Está à altura/Do que há por fazer”. “Essa música diz tudo sobre a fase que estou vivendo”, resume a quase setentona, que, ano que vem, ganhará um documentário sobre sua fase tropicalista, a da virada da década de 1960 para a de 1970. “A juventude atual é influenciada pelo Tropicalismo, e vão comparar esse disco novo com o que fiz naquele período, mais orientada para o rock. Eu me sinto lisonjeada de que aquele momento histórico ainda seja uma referência forte”, orgulha-se.