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Carreira
DEPRESSÃO, ANSIEDADE, ‘BURNOUT’: PROBLEMAS SUBMERSOS
Natureza da criação e do mercado musical gera estresse e desencadeia transtornos de humor, mostram pesquisas; Brasil carece de dados e políticas públicas
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de_ São Paulo
Aplausos, curtidas, seguidores, flashes, elogios. Frustração, rechaço, solidão, burnout, depressão. A vida de um compositor ou intérprete, e quem vive disso sabe, pode ser uma gangorra emocional, mas os problemas psicológicos ou psiquiátricos derivados da instabilidade financeira, da grande exposição e da necessidade de atender às expectativas alheias e alcançar o “sucesso” são subdimensionados.
O Brasil, para se ter uma ideia, não dispõe de um só grande estudo sobre o tema — menos ainda, de políticas públicas para acolher criadores musicais e artistas afetados por transtornos de humor. Dados gerais ajudam a dar uma dimensão à situação: segundo a OMS, 5,8% da população brasileira já sofreram algum episódio de depressão clínica; 9,3% lidam com crises de ansiedade; e um levantamento da Associação Internacional de Controle de Estresse (Isma, em inglês) revela que 72% dos trabalhadores nacionais já tiveram picos de estresse. Destes, 32% chegaram ao esgotamento nervoso (ou burnout, uma síndrome recentemente incluída no catálogo oficial de doenças da OMS).
“É mais comum esse tipo de manifestação entre artistas que passam mais tempo sós, isolados, como compositores e escritores, do que entre aqueles que sobem ao palco e socializam. Mas não podemos ignorar o poder de fatores como abuso de álcool e drogas, a exposição permanente ao julgamento alheio, a busca pelo sucesso e outros fatores como favorecedores da ansiedade e da depressão”, enumera o psicoterapeuta Carlos D’Oliveira.
Sem apoio, com equipes reduzidas, muitas vezes sem dinheiro até para buscar ajuda, os pequenos independentes podem ser os mais afetados. É o que revela um estudo feito esse ano com 1.500 deles na Europa pela distribuidora sueca Record Union. Nada menos que 73% dos independentes que responderam ao questionário revelaram lidar constantemente com transtornos de humor relacionados à sua criação artística, sendo os mais comuns ansiedade, estresse e depressão. Jovens de até 25 anos são os mais afetados, com uma prevalência de 80%.
Entre os gatilhos para os transtornos de humor, o estudo europeu encontrou medo do fracasso (67%), insegurança financeira (59%), pressão pelo sucesso (58%), solidão (51%) e julgamento alheio (44%). Um número alto (51%) busca sentir-se melhor usando álcool, drogas recreativas e outras substâncias químicas — algo altamente não recomendável por especialistas, ao alimentar a ciranda da ansiedade. Em outro estudo, publicado pelo site da UBC em maio passado, a Universidade de Westminster e a entidade Help Musicians UK, do Reino Unido, descobriram que episódios depressivos ou de forte estresse afetam a categoria musical até três vezes mais que a população geral.
A cantora, compositora e produtora Clarice Falcão conhece de perto este último dado. Seu primeiro episódio de depressão foi por volta dos 16 anos. Hoje, aos 30, ela descreve com humor os momentos em que se vê às voltas com depressão e ansiedade. “Em 2013, quando eu apareci, junto com o Porta dos Fundos, foi um crescimento muito rápido. Fiz turnê que deu muito certo do ponto de vista do mercado, mas foi muito intenso. Tinha muito fanatismo, gente vindo balançar a van.... e gente falando muito mal, com ódio. Não aguentei, tive que cancelar a turnê. Fui burra, porque estava ganhando dinheiro”, ela disse, aos risos, ao podcast Fast Forward, especializado em música e que, num episódio de outubro, abordou os transtornos de humor entre profissionais da música.
Clarice Falcão, cantora e compositora
Para Clarice, o processo de expurgo passa por organizar-se emocionalmente e direcionar a ansiedade para a criação: “É pôr em palavras, mesmo, pôr em música.” Ela estabelece uma relação direta entre a exposição ao julgamento alheio e a ansiedade. “Hoje eu procuro ter uma relação mais saudável, de menos autocobrança, com os fãs, com o que leio sobre mim. Todo mundo quer ser o maior e o mais famoso. Isso não é real, não é possível.”
A psicanalista Aline Pires concorda com ela e, entre diversas recomendações para que músicos/criadores lidem com transtornos de humor, ressalta: “Não aceite como natural um estado de constante depressão ou ansiedade. Estar triste ou frustrado é normal, todos temos o direito de sentir plenamente isso, mas a criação artística em si não é inerentemente ligada à frustração, à ansiedade e à depressão constantes. Tenha coragem de romper o ciclo e buscar ajuda.”
PARA MANTER A CABEÇA NO LUGAR
Tenha uma rotina: Pessoas que trabalham no meio musical muitas vezes não dormem ou se alimentam bem, o que impacta mais a saúde psíquica do que você imagina.
Exercite-se: Ajuda a liberar o estresse.
Tenha contato social: O isolamento é um grande gatilho para os problemas.
Cobre-se menos: O prazer de criar e dedicar-se a uma atividade artística deve ser maior do que a pressão por um sucesso cuja medida é essencialmente subjetiva.
Drogas e álcool: São frequentemente associados a transtornos psíquicos. Faça arte sem cair em clichês.

LEIA MAIS Veja mais dados sobre essas pesquisas e relembre o caso do associado Padre Fábio de Mello, que teve síndrome do pânico ubc.vc/Depressao