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Pelo país

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HORA DE ‘DESLIGAR OS APARELHOS’?

Esqueça as previsões catastróficas: o rádio não está à beira da morte e mantém relevância no país; descompasso entre programação e novidades, no entanto, é preocupante, como mostra análise exclusiva da UBC

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por_Luciano Matos de_Salvador e Andrea Menezes de_Brasília

Os sinais que vêm dos aparelhos sugerem um quadro grave para o paciente. Na Noruega, a FM e a AM estão extintas, substituídas por emissões digitais; o Reino Unido anunciou o mesmo para 2022. Os podcasts avançam, como alternativa de difusão sob demanda. No Brasil, a AM vive um lento processo de transferência das emissões para a FM — e a FM em si vai deixando de apostar em novidades de gêneros de vanguarda para tocar coisas mais antigas. Ainda por aqui, emissoras tradicionais encerram suas operações ou demitem, enxugando suas equipes para fazer frente à crise publicitária no setor.

Podcasts são oferecidos em serviços como Spotify ou Deezer, o que abre campo promissor para a arrecadação de direitos autorais. No caso da execução pública, o Ecad não dispõe de números sobre esse meio, cujos valores são somados ao streaming. “Qualquer execução musical do streaming está coberta pela licença dele, inclusive a dos podcasts”, diz o Ecad em nota. Para que os valores cheguem aos titulares, porém, é preciso que as músicas apareçam nas listas da plataforma, o que nem sempre ocorre, já que a programação do podcast é feita por terceiros. Esperase que novos sistemas de varredura contornem isso.

Iniciado em 2016, o processo de transição da AM para a FM caminha lentamente, sobretudo pela demora da Anatel em outorgar licenças da faixa estendida, necessária para evitar interferências com o sinal da TV digital. Até o momento, dos cerca de 1.650 pedidos de migração do AM para o FM, foram liberados mais de 1,2 mil canais sem a necessidade da faixa estendida. Os demais devem esperar a conclusão do processo de digitalização da TV. Não há prazo final para a transição.

Afinal, o rádio está mesmo à beira da morte?

Melhor não se apressar nas exéquias. Não são poucos os sinais de que esse meio, terceira maior fonte de pagamento de execução pública aos titulares da UBC em 2018 — 14,1% do total distribuído, ou R$ 73,92 milhões, atrás só de TV aberta e TV por assinatura — goza de relativa saúde e mantém relevância.

Segundo pesquisa da Kantar IbopeMedia, de 2019, 83% da população brasileira ouvem rádio, três em cada cinco entrevistados afirmaram ser ouvintes diários, e coisa de 93% ouviram música através de rádios nos meses anteriores. Dados que fazem eco com o estudo “Cultura nas Capitais”, divulgado pela JLeiva Cultura & Esporte em 2018. O rádio aparece como o meio mais usado para escutar música: 74% dos entrevistados o fazem por ali, contra 71% no YouTube, principal serviço de streaming.

UMA DAS COISAS MAIS DIFÍCEIS É TOCAR UMA MÚSICA NOVA QUE A AUDIÊNCIA NÃO CONHECE.”

Daniela Souza, coordenadora da Educadora FM, de Salvador

Mas é fato que a programação já não é a mesma, principalmente nas emissoras adultas da categoria qualificada, aquelas que contemplam as classes A/B. Se, historicamente, o rádio foi a ponta de lança, hoje corre atrás para corroborar o que faz sucesso em meios como streaming e TV.

Em 1969, 65% das mais tocadas eram daquele ano, e outros 27%, do ano anterior. Também há 50 anos, as rádios tinham 44% de conteúdo musical nacional. Dez anos depois, o dial foi dominado pela onda disco mundial. Mas o que chama atenção é que 99% das mais executadas eram daquele ano ou do anterior. Em 1989, 55% das mais tocadas eram internacionais, e, no total geral, 87% eram daquele ano ou de 1988. Em 1999, as brasileiras foram 73% das 100 mais, já com destaque para pagode e sertanejo, e 84% do total eram do ano ou de 1998. Há 10 anos, das 100 mais, 91% haviam sido lançadas no próprio ano ou em 2008.

A UBC fez uma análise da programação de 13 emissoras desse perfil, com programação dedicada prioritariamente a MPB, rock e pop, e o resultado é inequívoco: 64% do que se toca nelas tem mais de 20 anos de lançamento, e só 18% são dos anos 2010. Chama ainda mais atenção que, destas recentes, não mais que 5% dos conteúdos são criações de novos compositores.

A METODOLOGIA Para chegar aos números apresentados, foram analisadas as programações fornecidas pela empresa de monitoramento Crowley Broadcast em cinco datas diferentes (10/4/2018, 15/1/2019, 10/4/2019, 11/4/2019 e 07/6/19), das 7h às 19h, de 13 rádios FM de seis capitais brasileiras: Alpha, Antena 1 e Nova Brasil (SP), JB, Paradiso e Nova Brasil (RJ), A Tarde, GFM – ex-Globo –, Educadora e Nova Brasil (Salvador), Alvorada (BH), Tribuna (Recife) e Ouro Verde (Curitiba). No total, foram 10.019 músicas analisadas. Usamos como critério de “novidade” o ano de composição. A Educadora FM, de Salvador, aparece com mais músicas analisadas pois forneceu diretamente à reportagem a programação completa dos dias analisados.

Enquanto as rádios com perfil popular — sertanejo, pagode, funk, sobretudo — se retroalimentam, lançando novidades ininterruptamente, as qualificadas parecem estar parando no tempo. Exemplo bem acabado é o rap. Levantamento da ProMúsica Brasil, a associação da indústria fonográfica, mostra que 13 das 200 canções mais executadas no streaming em 2018 eram raps. Nas rádios, contudo, o gênero grita por seu quase completo silêncio. E não faltam nomes (novos e antigos) com relevância artística e público para justificar a inclusão.

Não é só no universo hip hop. Artistas como Céu, BaianaSystem, Liniker, Tuyo, Far From Alaska, Felipe Cordeiro, Filipe Catto, Rosa Neon ou Duda Beat colecionam elogios da crítica, têm público relevante, shows disputados, participação em festivais (inclusive grandes) mas não se veem refletidos nas rádios. A notável exceção é a Educadora FM de Salvador, única pública na nossa amostragem, com algo como 32% da programação — em cinco datas analisadas pela UBC — dedicados a Alice Caymmi, Luedji Luna, Silva, Aiace, Marcela Bellas, Barro, Johnny Hooker e companhia.

Coordenadora da estação, Daniela Souza explica que o engessamento visto na maior parte das estações se deve à natureza do público. “Uma das coisas mais difíceis é tocar uma música nova que a audiência não conhece, pois é aí que você pode perder o ouvinte. Nossa estratégia é usar as conhecidas para introduzir as novas. Toco Bethânia e, em seguida, a Josyara”, conta.

A NovaBrasil FM é uma das principais redes de emissoras no país. São dez, em São Paulo, Campinas (SP), Brasília, Recife, Rio, Salvador, Goiânia, Fortaleza, Aracaju e Birigui (SP). Com 19 anos, se define como uma rádio “exclusivamente dedicada ao melhor da Moderna MPB, mesclando clássicos e lançamentos”.

Das 780 músicas tocadas nas cinco datas que foram analisadas, só 17% são de 2010 a 2019. Cerca de 60% têm mais de 20 anos, a maioria da década de 1980. Das 132 músicas mais novas, 60% eram de veteranos/estrelas como Djavan, Ana Carolina, Marisa Monte ou Jorge Vercillo, e só 5% eram criações de intérpretes/compositores com menos de 10 anos de carreira ou, no máximo, dois discos.

Para o diretor artístico da rede, Alexandre Hovoruski, é questão de tempo até a presença de artistas novos crescer. “Eles vão entendendo melhor o formato rádio e passam a produzir mais músicas tendo isto em mente. A rádio vive de audiência, sem ela não vendemos comerciais e não damos vida ao negócio.”

Outro caso é o da carioca JB FM, a mais ouvida entre março e abril deste ano na cidade, segundo o Ibope. Sua programação mescla hits internacionais (principalmente) e nacionais. Dentre 666 músicas analisadas, apenas 195 (cerca de 30%) eram brasileiras. As composições lançadas entre 2010 e 2019 foram 83, ou pouco mais de 12%. Destas,

brasileiras eram 46 (quase 7%), sendo só 17 de artistas “novos”. Entre estes, Anitta, AnaVitória, Melim, Marcelo Jeneci e Nina Fernandes.

“A JB tem ouvintes muito tradicionais, mas lançamos pelo menos uma música brasileira por semana”, geralmente de alguém da “nova cena”, afirma Angélica Cabral, produtora da emissora carioca. Nomes como IZA, Bruno Galvão e Illy, por exemplo.

Parece pouco. Mas basta para que muitos ainda mantenham o rádio no seu radar. “O artista só aumenta seu cachê quando toca no rádio. O mundo do sertanejo tem times inteiros para o meio. Anitta nunca deixou de tocar no rádio, trabalha todas lá”, diz Tina Valente, divulgadora com atuação nacional. “Decretar o fim do rádio é não entender que o mercado virou 360, que o segmento digital tem peso mas não está sozinho. Enquanto alguns desistem do rádio, os inteligentes que ficarem vão nadar de braçada.”

Seja em aparelhos tradicionais em casa, seja no carro, seja como canais de áudio disponíveis em algumas operadoras de TV por assinatura, seja em dispositivos tipo smart speakers que funcionam com assistentes virtuais (caso de Alexa/Amazon, recém-chegado ao Brasil “falando” português; Google Home Mini, também com versão nacional; ou Cortana/Microsoft), o rádio tem tudo para continuar a lançar suas ondas — e render ganhos aos titulares das músicas tocadas — por um bom tempo mais. Outra coisa é que as emissoras responsáveis pelo pagamento dos direitos autorais de execução pública estejam em dia com o Ecad. No site da UBC, confira uma lista atualizada dos inadimplentes, número que se aproxima dos 60% das rádios brasileiras.

LEIA MAIS A lista com dados oficiais de inadimplência ubc.vc/InadEcad

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