Antologia - Ateliê de Escrita Dramatúrgica

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ATELIÊ DE ESCRITA DRAMATÚRGICA

oficina

ATELIÊ DE ESCRITA DRAMATÚRGICA

oficina conduzida por mônica santana & diego araúja

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Ateliê de Dramaturgia: escrever como construção de mundos

Acredito que escrever se configura num dos gestos de construir mundos, ou pelo menos afetar aquele que existe: o pensamento é primeira instância de materializar ações. Drama, por sua vez, é ação. Durante tardes de janeiro de 2024, dez pessoas se encontraram para escrever e esculpir dramas no Ateliê de Dramaturgia, conduzido pela dramaturga e escritora Mônica Santana e pelo dramaturgo, escritor e multiartista Diego Araúja.

Para me referir ao que foi produzido pelas pessoas participantes, uso o verbo esculpir, esse que nos diz sobre moldar uma matéria, para que ele ajude a trazer uma melhor imagem para o ato de escrever – esse verbo tão potente, quanto banal, portanto, sim, vulgar – nem sempre da vulgaridade que se implica naquilo que é simples, mas daquela vulgaridade que se confunde com certo esvaziamento. Isso porque a escrita acompanha nossa comunicação diária – nunca escrevemos tanto. Não que essa escrita signifique uma expressão genuína e um ato de criação ou deflagração de mundos.

MÔNICA SANTANA

Escrever não é apenas sobre projetar mundos para fora, também se trata de modular a própria voz, escutando, encorpando, afinando por meio da palavra escrita. E aqui a palavra escrita almeja dar conta: da ruptura de limites, de interdições, de plausibilidades. Ao longo dos encontros foram propostos exercícios de escrita criativa, bem como conduzida exposição dialogada sobre as bases do Drama, como conceito e gênero, noção de personagem, estrutura do drama, situações dramáticas entre outros. Os exercícios convidaram cada participante para se colocar diante de

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uma etapa de construção de uma pequena estrutura dramática, apontando para o horizonte de desenvolvê-la e aprofundá-la após o ciclo de encontros.

Dessas dez pessoas que se lançaram na aventura da escrita, cinco concluíram seus apontamentos de cena, que foram preparados para uma leitura dramática, reunindo as atrizes e atores da Universidade Livre do Teatro Vila Velha e artistas convidados. A leitura foi uma oportunidade de testar os textos, ainda muito frescos e com isso ser mais uma etapa no processo de criação.

O Ateliê de Dramaturgia visa sobretudo se configurar num espaço seguro para partilha dos textos: escuta, trocas, comentários, ajustes, aprofundamentos viáveis pela coletividade, que ali se une pelo propósito de escrever. A aposta é que esses apontamentos de cena sejam gatilhos para o desenvolvimento de peças de teatro, performances, roteiros para audiovisual e toda sorte de obra que tenha no drama sua plataforma de criação. Que essas cinco cenas construídas por Fábio Osório, Gabo Sena, Luane Souto, Mariana, Thiago Almasy sejam encorpadas e incorporadas em palcos, telas, páginas, mundo afora. E possam, sim, criar novos mundos.

mônica santana

Profissional multidisciplinar, Mônica Santana é Doutora e Mestre em Artes Cênicas pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia. Atualmente é Prof. Orientadora no Mestrado Profissional em Artes e Mediação Cultural da Célia Helena Centro de Artes e Educação e Itaú Cultural, também docente convidada no Mestrado Acadêmico desta faculdade.

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drama -encontro

É corriqueiro ouvir que o drama se dá no confronto, no choque, na colisão entre forças. Neste sentido, pouca importa se as forças são antagônicas, contrárias [e nisso estou de acordo], posto que o drama, segundo esta visão, é justamente a colisão, o choque e o confronto. Contudo, se não quisermos usar expressões que denotam alguma qualidade de violência, poderemos ficar à vontade no uso da palavra encontro.

DIEGO ARAÚJA

O encontro é algo de ainda mais inesperado, as forças ainda não estão oferecidas ou exibidas. Saberemos pouco de quem (ou do quê) vamos encontrar; é irrelevante se há intimidade entre as partes. Enfim, somos ignorantes aos acontecimentos que compõe o outro até o encontro de fato – não seria encontro se soubéssemos; pois o evento exige o mínimo de oculto. Essa dinâmica diz menos de um movimento, é mais situação: também se dá na completa inércia, na paralisia enfadonha, nos insólitos performáticos ou no cotidiano, na troca de poucas palavras, entre pessoas casadas e desconhecidas mutuamente. Será a dramaturgia, essa técnica milenar, a responsável por dar estrutura a tensão que nos levará a essa aleatoriedade; ela mesma deseja inventar o aleatório.

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Esse é o maior desafio no ensino da dramaturgia: dispor as técnicas e ser sensível as motivações; em seguida, favorecer o aleatório, gerado do encontro entre forças, no material dramatúrgico. Desafio assumido pelo “Ateliê de Escrita Dramatúrgica” estruturado por Mônica Santana no Vila Verão 2024, e que tive a honra de colaborar na orientação das leituras dramáticas. Os textos dessa publicação são os primeiros passos de estruturação desses encontros, tão disponíveis para a aleatoriedade do drama, dados por esses dramaturgues – alguns deles, inclusive, experimentando pela primeira vez este gênero de escrita. Espero que vocês também, leitores, realizem um bom encontro com esses textos; e que desejem, absolutamente, encontrálos nos palcos.

diego araúja

Diego Araúja é artista natural de SalvadorBA, e produz arte de modo expandido. Com 12 anos de carreira artística, é bacharel em artes cênicas pela Escola de Teatro da UFBA. Suas mídias são literárias, visuais, cênicas, performáticas e audiovisuais; nas funções de diretor, cenógrafo, artista visual, dramaturgo, roteirista e escritor.

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ANTES SOLO DO QUE MAL ACOMPANHADO

escrito por THIAGO ALMASY

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Um microfone em um pedestal iluminado por uma luz a pino.

Entra um HOMEM e vai até o pedestal.

HOMEM - Não... Não começamos ainda. Em nome de toda a equipe do espetáculo, expresso as minhas mais sinceras desculpas. Ao que parece, o outro ator estava a caminho quando se envolveu em um acidente com um homem que empurrava um carrinho de mão cheio de frascos de azeite de dendê, resultando na queda e quebra dos recipientes no chão. O derramamento deixou a pista escorregadia, causando um engavetamento de vários outros veículos. Ainda não temos informações sobre possíveis vítimas fatais, mas recebemos imagens de crianças que aproveitaram o incidente para se divertirem escorregando com caixas de papelão.

Silêncio.

HOMEM - Eu nunca tive muita paciência com crianças, percebe? Sempre as vi como versões em miniatura de adultos que, simplesmente, aproveitavam a fase da infância para escapar de responsabilidades ou agir com falta de educação. Em uma ocasião, durante uma festa de aniversário, decidi me afastar dos adultos que só falavam sobre futebol e MMA, dirigindo-me a um grupo de crianças que brincava ao fundo. Eram os filhos daqueles adultos, alguns claramente se assemelhavam aos seus pais, enquanto outros nem tanto. Algumas especulações sobre possíveis casos de adultério passaram pela minha mente. Ao me aproximar, uma delas me encarou como se pudesse

ver cada erro que já cometi na vida. “Seu nariz é feio” foi o primeiro comentário da menina, com seus seis anos de idade. Respondi prontamente: “E você é insuportável”. Em retaliação, a criança arremessou um copo de refrigerante em meu pé esquerdo, ao que eu reagi imediatamente com uma cusparada em sua testa. Não me importei em absoluto com o fato de eu já ter ultrapassado os 30 anos, enquanto ela tinha apenas seis. Respeito é respeito.

Silêncio.

HOMEM - Mais um dia começando com atrasos, cortesia do anti-querido. Se vai ser assim, melhor nem aparecer. Parece que o universo conspira contra ele, e ele desconta conspirando contra mim. Não apenas contra mim; contra todos nós. Mais um dia em que ele deixa o parceiro de cena e toda a equipe do espetáculo na mão. Mais um dia onde não há muito o que fazer...

A cena é interrompida por uma voz da cabine de operações.

VOZ DA CABINE - Ele entrou em contato e informou que não virá mais.

Silêncio.

HOMEM - Como assim?

VOZ DA CABINE - Você pode fazer sozinho ou então cancelamos tudo.

HOMEM - Ele volta para outra apresentação?

VOZ DA CABINE - Ao que parece, nunca mais. Silêncio.

HOMEM - Entendido.

O som de uma explosão ressoa. O Homem desfere um chute no pedestal, desencadeando um percurso pelo palco com ímpeto de destruição. Ele lança socos e chutes no cenário imaginário, rasgando fotos que não existem, confrontando ausências com o dedo em riste, gritando e xingando em absoluto silêncio. A coreografia é interrompida quando ele assume, de costas para o público, a posição anterior do microfone.

HOMEM (virando-se) - Eu estou bem. Eu consigo dar conta. Eu acho que consigo. Será que eu consigo? Serei capaz de assumir um palco sozinho? “Você não tem corpo para teatro” foi o que o silêncio daquele diretor ecoou. “Você não tem voz para teatro” me gritou outro silêncio. Devo, como Atlas, suportar o peso de um mundo que não reconhece meu direito de ser protagonista. Por que não poderia fazer isso sozinho? Por quê, hein? Alguém aqui está, de fato, sozinho? Sempre que minha avó me telefona, ela pergunta: “Está com quem aí?” e eu respondo “Sozinho, vó”. Prontamente, ela me corrige: “Sozinho não, meu filho. Estão aí você e Deus.”

O Homem estende os braços em posição de cruz.

HOMEM - Então eu o convoco. Essa sombra que persegue a todos. O responsável por me fazer sentir culpado cada vez que ultrapassei o limiar de qualquer desejo. Ele, o mais astuto dos astutos! A guilhotina intangível! Você está aqui, Deus? Exijo uma audiência.

A imagem de DEUS é projetada ao fundo. Seu corpo é composto por vários membros, incluindo orelhas, narizes, pênis, vaginas, ânus, etc. Suas duas bocas ocupam o lugar onde deveriam estar seus olhos.

HOMEM - Espero não estar atrapalhando. Estou buscando Deus.

DEUS - Quem não está?

HOMEM - Disseram-me que ele estaria aqui.

DEUS - E quem disse que Deus é ele? Ou ela? Deus é repleto de “eus”... O que você quer?

HOMEM - É a primeira vez que lhe vejo.

DEUS - E, ainda assim, parece estar cego. Ou surdo, talvez. Diga-me, qual é a sua queixa?

HOMEM - Eu gostaria de nascer em um corpo diferente.

Um som de cochichos ressoa, como se houvesse mais pessoas onde Deus está.

DEUS - Cansou de ser homem?

HOMEM - Não, cansei de ser infeliz. É isso que me espera novamente, certo? Uma vida inteira sendo testemunha da prosperidade dos outros, enquanto eu afundo e levo comigo o peso de quem vive imaginando o que poderia ter sido.

DEUS - A ninguém é dado o direito de fazer tal escolha, nem mesmo a mim. Somos o que somos. Curioso como vocês, antropomórficos, nunca estão satisfeitos.

HOMEM - É que falta algo...

DEUS - O quê?

HOMEM - Se você, que é Deus, não sabe, imagina eu...

DEUS - Olhe para os hamsters, por exemplo. A

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fêmea tem seus filhotes e, se não gosta de algum deles, o consome, simplesmente. Um filhote de cachorro cresce e se acasala com sua própria progenitora, gerando outros filhotes, simples assim.

HOMEM - Você está sugerindo que eu cometa incesto?

DEUS - Estou sugerindo que pare de se queixar.

HOMEM - Entenda: é inaceitável que eu me encontre, mais uma vez, no epicentro de uma profunda crise de solidão. Sozinho, no palco, sem ninguém para me apoiar. Sem alguém para dar vida às palavras que escrevi, ou abraçar a direção que eu proponho. Ninguém além de mim mesmo. Um só corpo que precisa dar conta de tudo!

Desamparado. Impotente. E sem uma certeza real de que as coisas vão melhorar quando as cortinas se abrirem novamente. E mesmo que se abram, em quem vou colocar a culpa caso tudo dê errado?

Silêncio.

DEUS - Eu sou Deus. Não sou psicoterapeuta.

HOMEM - Você escolheria viver uma vida se soubesse de todos os fracassos que ela lhe reserva?

Os cochichos cessam.

DEUS - Você não tem autoridade para me questionar. Cada segundo adicional aqui é um segundo a menos sendo quem você deveria ser. As coisas são assim desde que o universo abriu os olhos pela primeira vez. Não há nada a ser feito.

O Homem pensa.

HOMEM - Antes que soe o terceiro sinal, eu pelo menos poderia escolher meu nome?

Deus não responde de imediato. Os sussurros recomeçam, perplexos com toda a situação. A expectativa deles parece gerar uma urgência para que Deus responda.

DEUS - Diga: qual é o seu nome?

Os sussurros, desta vez, se dirigem ao Homem, desafiando-o, provocando-o, desencorajando-o. Ele então se vira em direção a Deus e cochicha algo em um de seus ouvidos.

Deus ouve e encara fixamente o Homem à medida que ele se afasta.

DEUS - Assim será. Agora vá.

O Homem sorri para Deus. Os sussurros se agitam em uma língua incompreensível, mas é possível identificar que são insultos.

O Homem sai, batendo a porta atrás de si, e tudo se apaga.

thiago almasy

é um ator, roteirista e diretor baiano, mais conhecido pela websérie “Na Rédea Curta”, que lhe rendeu duas indicações como melhor diretor de comédia no Rio Webfest. Atuou nos filmes “Eu, Empresa” e na adaptação cinematográfica do “Na Rédea Curta” - onde também foi produtor executivo e co-roteirista. Escreveu para séries como “Tô de Graça”, “LOL: Se Rir, Já Era” e “Jojo Nove e Meia”. Em 2021, dirigiu seu primeiro curtametragem; a ficção-científica “Via Láctea”.

DEPOIMENTO

A participação na oficina foi muito significativa para mim, pois me ajudou a superar certas inseguranças relacionadas à criação de uma dramaturgia. Os exercícios sugeridos, em particular a chance de compartilhar e receber feedback imediato sobre o trabalho desenvolvido entre as sessões, me permitiram entender como diferentes perspectivas podem ser fundamentais para visualizarmos com mais clareza a sequência da ação dramática que estamos sugerindo, bem como os pontos que desejamos abordar com nossos escritos. Minha pesquisa atual explora a interseção entre o ator cômico e o stand-up comedy.

Durante a oficina, tive a oportunidade de estruturar um projeto solo que venho chamando de “Antes solo do que mal acompanhado”, uma fusão de artes cênicas e linguagem digital, que planejo lançar ainda em 2024, preferencialmente em espaços cênicos que desafiem o modelo convencional de teatro. Mônica e Diego foram excepcionais na orientação do ateliê, mantendo sempre uma escuta ativa para as diversas propostas, com perguntas e orientações pertinentes para cada um de nós. Dez anos após minha participação no Vila Verão com as peças “Troilus & Créssida” e “Por Que Hécuba”, um momento que considero o começo da minha jornada artística, retorno ao Vila Verão para mais um passo importante.

Agradeço ao Teatro Vila Velha, Mônica Santana, Diego Araúja, Márcio Meirelles, Fábio Osório Monteiro e a todos que estiveram comigo durante esses dias de janeiro, refletindo sobre diferentes maneiras de escrever para o teatro.

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RUÍDO

escrito por FÁBIO OSÓRIO

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Cozinha da casa de Plínio. Geladeira, fogão e outros eletrodomés;cos velhos, que entre o descarte alheio e o funcionamento na cozinha, passaram pela assistência técnica improvisada que Plinio tem na frente de casa. O dia está começando e ele se prepara para mais um dia de trabalho. Uma mesa pequena encostada na parede. São sete da manhã e Plínio toma o seu café, sentado em um banco de madeira em um dos lados da mesa. Do outro lado da mesa está sentado seu filho Cássio, que termina às pressas um trabalho da escola.

Plínio bebe um pouco do café. Olha interessado para o que Cássio está fazendo. Acena para o filho com a mão direita. Cássio está imerso no trabalho.

Plínio joga um pedaço de miolo de pão em Cássio. Cássio olha com estranheza. Plínio fala em Libras

PLÍNIO – O que é isso que você está fazendo?

CÁSSIO – Um trabalho de geografia. (Volta rapidamente a concentrar no trabalho que está fazendo)

Breve silêncio. Plínio põe o úl;mo pedaço de pão na boca, limpa as mãos com um guardanapo e em seguida a;ra o guardanapo na direção de Cassio.

PLÍNIO (Ainda interessado) – Vai entregar à professora ou vai apresentar em sala?

CÁSSIO (quase que sem dar atenção ao pai)

– Em sala

PLÍNIO – E você está fazendo isso agora? Você sabe que precisa de mais tempo para fazer esse tipo de atividade. Como é que você vai explicar isso tudo na hora? Quase ninguém entende libras lá.

CÁSSIO (levemente impaciente) – Relaxa. Está tudo bem.

PLÍNIO (com movimentos firmes e mais ágeis nas mãos) – Você sabe que não é bem assim. Desse jeito ninguém vai entender o que você está dizendo, e eu que passo a entender por que sua nota não melhora.

Cassio, com um olhar entre a irritação e desistência dá um suspiro e volta ao trabalho.

PLÍNIO (baixando o tom) – Não adianta fazer essa cara. Você sabe que eu falo isso porque eu me preocupo com você.

CÁSSIO – Eu não sou mais criança.

PLÍNIO – Eu não estou dizendo que você é uma criança. Mas você sabe que você não é como os outros. Você precisa se fazer entender, e não é tão simples assim.

CÁSSIO (objetivo e sem dar muita importância) – Eu sei.

Plínio fica um tempo a observar Cássio, que ao perceber que o pai o observa, muda de assunto

CÁSSIO – Vai pro samba hoje à noite?

PLÍNIO – E qual sexta eu não vou? Mas hoje eu volto cedo porque amanhã, depois de fechar assistência rolou uma diária de garçom lá no Centro.

CÁSSIO (surpreso) – Tá lembrado que no domingo a gente vai na praia?

PLÍNIO – Vai ter de ficar para outro domingo. Só terei amanhã pra cuidar da casa e preparar a comida da semana.

CÁSSIO – Mas pai, você Cnha combinado comigo.

PLÍNIO – Eu sei, mas não poderemos ir, infelizmente. Esses trabalhos extras é que nos ajudam com nossa reserva.

CÁSSIO (ríspido) – Te ajudam com a sua reserva! (Pausa) Desculpa.

Plínio, ainda sem reação após a má resposta de Cassio, segue encarando o filho.

CÁSSIO (mais brando) – Só não quero que o senhor se sacrifique tanto.

PLÍNIO – Eu me pergunto quando que você vai entender.

CÁSSIO (voltando a se irritar) – Pai, não dá pra consertar tudo na vida. Nem tudo é um liquidificador.

PLÍNIO – Deixe de ser mal agradecido. Eu só faço isso pensando em você.

CÁSSIO – Mas eu não sou um liquidificador, uma batedeira!

PLÍNIO – Não é isso que eu estou dizendo.

Cassio dá um murro na mesa. Fecha os livros e cadernos com rapidez e os guarda na mochila.

CÁSSIO – Eu vou pra escola. Lá eles não entendem todos os sinais que eu faço com as mãos, mas aqui em casa é pior. Aqui o meu corpo inteiro grita e você não entende nada.

Cassio levanta-se, coloca a mochila nas coisas e vai pra escola.

Fim da cena

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fábio osório

Indicado ao 33o Prêmio Shell de Teatro na categoria Melhor Ator (2022), pelo espetáculo Sem Palavras da Cia Brasileira de Teatro, Fábio Osório também é dançarino, produtor e baiana de acarajé. Natural de Salvador, nos últimos 25 anos tem trabalhado em obras cênicas junto a artistas como: Jorge Alencar, Marcio Abreu, Renato Linhares, Denise Stutz, dentre outros. Foi membro cofundador da Dimenti Produções e atualmente colabora com o grupo Foguetes Maravilha (RJ) e Cia Brasileira de Teatro (PR).

DEPOIMENTO

Quando fiz a inscrição no Ateliê de Escrita Dramatúrgica, buscava uma aproximação maior com a escrita para cena. Embora ser ator seja o meu ofício base, compartilho do pensamento de que a familiaridade com a escrita pode colaborar muito positivamente para o meu desempenho na atuação. Contudo, foi para além disso. Todo o processo desenvolvido nos encontros conduzidos por Mônica e Diego, fizeram surgir o real interesse pela escrita em si. Neste contexto, começou a apontar o argumento de RUÍDO, peça que traça a relação entre um pai (Plínio) e o seu filho adotivo (Cássio), que é um adolescente surdo. A oficina de dramaturgia se encerrou, mas a engrenagem que ela fez girar segue movendo. Hoje eu torço e movo para que essa peça, que já é um projeto concreto, tenha a sua temporada de estreia no palco do Teatro Vila Velha. Que o ciclo deste projeto, desde as primeiras palavras rabiscadas aos primeiros aplausos do público, tenham o AXÉ do TVV.

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SENTENÇA

escrito por GABO LEÃO

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ATO UM – CENA UM

Sala vazia, só uma cadeira no centro. A cadeira é de madeira, branca, quatro pernas e dois braços, o recosto é sóbrio, pouco enfeitado. A sala é branca, paredes brancas, teto branco, chão branco. A luz é fria. Batidas ritmadas são escutadas durante toda a cena, iniciam lentas e baixas, e vão acelerando e aumentando a medida que a ação acontece.

[um e dois são vozes externas, não aparecem. um é “homem” outra “mulher”]

UM – 1. 3. 4. 5. Dois mil cento e um.

Entra uma mulher, jovem. A mulher veste branco, mas tem os pés descalços. para próxima à cadeira, não senta.

DOIS – Sente. Fique à vontade.

A mulher senta na cadeira.

UM – LEVANTE! Sente. No chão.

DOIS – Abra as pernas, fique confortável.

UM – Feche as pernas, cruze! Tenha respeito.

DOIS – (exaltada) Silêncio! Quem é você?

MULHER – (questionando confusa) Quem eu sou?

UM – 1. 3. 4. 5. Dois mil cento e um.

MULHER – O que estou fazendo aqui?

A mulher se levanta.

UM e DOIS – (ordenando) Sente! Não na cadeira! No chão!

Mulher obedece, como marionete. seus movimentos passam a ser como os de uma boneca, controlada por cordas.

UM – Abra as pernas, fique confortável.

DOIS – Feche as pernas, cruze! Tenha respeito.

UM – Gire. Role. Pare. Quem você é?

MULHER – Quem sou eu?

DOIS – (com falsa cordialidade) Ninguém.

UM e MULHER – (ao mesmo tempo, mas com entonações diferentes) Ninguém. Mulher deita.

MULHER – o que eu estou fazendo?

UM e DOIS – Nada.

MULHER – E por que estou aqui?

DOIS – Para ser julgada.

MULHER – (sentando) julgada?

UM – Julgada. Receber sua sentença.

MULHER – O que é uma sentença?

UM – É a nossa decisão sobre os seus atos.

MULHER – Meus atos? Quais?

DOIS – Os que você ainda irá fazer, cometer e agir.

UM – (impositivo) 1. 3. 4. 5. Dois mil cento e um. Você responde pelos seus atos?

MULHER – Como? Não sei o que ainda vou fazer!

DOIS – (impositivo) 1. 3. 4. 5. Dois mil cento e um. Você se considera inocente pelo que irá cometer?

MULHER – Eu sou inocente.

UM e DOIS – (gritando) MENTIRA!

MULHER – Eu acho que sou inocente!

UM – Inocência não se presume. Ou é ou não é.

DOIS – O que é inocência?

MULHER – Não consigo afirmar.

UM – E mesmo assim diz que é.

MULHER – E por que eu não seria?

DOIS – Você dirá.

MULHER – Direi? Por quê?

DOIS – Porque sim, criança.

MULHER – “Porque sim” não é resposta.

UM – SILÊNCIO! Você é ousada.

MULHER – O que é ousada?

DOIS – Deixe-a, é só um filhote.

MULHER – Não sou filhote, sou mulher!

DOIS - SILÊNCIO! Você é muito ousada.

UM – Deixe-a, ainda é uma garota.

MULHER – Não sou garota! Sou mulher!

M – U – L – H – E – R!

UM e DOIS – LEVANTE!

Mulher obedece, como marionete.

DOIS – Abra o peito, fique confortável.

UM – Feche, cubra! Tenha respeito.

DOIS – Sente. Não no chão, na cadeira. UM e DOIS – inicie o julgamento.

Ouve-se uma batida. Feixe de luz sobre a cadeira. A mulher se senta e olha para frente em movimentos lentos, membro a membro. As batidas se cessam e um choro de criança invade o espaço.

DEPOIMENTO

Sentença tem um surgimento não-mapeado, resumido a um post-it roxo quase solto, desbotado pelo sol que bate na parede em que está preso. Mas seu retorno “triunfal” veio como um se confirmasse que um bom vinho precisa descansar por alguns anos no esquecimento. A oficina de dramaturgia do Vila Verão 2024 foi o momento certo para colocar essa ideia em prática e definitivamente fazer essa história gestar e tomar suas primeiras formas, ainda não muito definitivas, mas já moldada. Mônica Santana e Diego Araúja foram essenciais para o sucesso desse projeto, que, com certeza não demorará a finalmente nascer.

gabo leão

Gabo Leão é artista visual, ator e escritor. Natural de Feira de Santana, mora atualmente em Salvador, onde cursa bacharelado em artes visuais na Escola de Belas Artes da UFBA. Atua como professor de desenho, artista plástico, ator e encontrou na escrita um refúgio para se encontrar com seu eu mais profundo.

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ABIKU

escrito por LUANE SOUTO

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A MORTE - Boo!

SANDRA- Ainda não. Ano após ano eu adio o desejo de ser mãe por sua culpa.

A MORTE - Ora ora...tantos abikus aqui pra você parir! Escolha o seu e me deixe em paz.

SANDRA - Passei dos 30 e até agora nada! Nadica de filho. Nunca antes nenhuma criança ousou se criar no meu útero- graças a mim. Você sabe que outro dia eu tomei um susto? Eu estava lá no vuco vuco e nossa, estava tão bom! E meu deus, como eu amava aquele homem! Ele era inteligente, corajoso, leal, tinha letramento racial, aff... maravilhoso. Mas quando eu vi, o bonito quaaaase que gozou dentro, você acredita?! Não o culpo. Eu também queria. Imagina nosso filho como seria lindo?...

A MORTE - Seria mesmo. Ele tem cara de que ia ser militante igual ao pai. Dependendo de onde você mora, ele podia ser líder do movimento estudantil ou então menino bom. A revolta dentro dele já veio no sangue. Imagina quando você pegar ele no colo? Mortinho da Silva! A farda da escola no ombro, um dia bonito, calor da porra... as moscas voando em cima, a televisão filmando, e eu daqui...só observando. Aff! só uma geladinha pra acompanhar. Dia perfeito.

SANDRA - Como eu disse, ano após ano eu adio o desejo de ser mãe. Quando eu parir, digo, se eu parir, eu vou morrer antes do meu filho. Essa é a ordem. Meu filho não vai morrer com uma bala na cabeça.

A MORTE - Gosto desse meu trabalho porque ele é simples, quase como se já tivesse sido feito por mim. E você está me complicando.

SANDRA - Eu não quero parir Abiku! Pode falar o que quiser, você não vai me convencer. Eu cansei de

ver minhas irmãs parindo crianças já nascidas com a certeza de que não vão durar muito tempo. Eu quero sim ser mãe, sempre quis. Mas só de pensar que quando meu filho for pra escola eu não sei se vai voltar, já me dá uma dor no meu peito... O meu leite seca, meu útero sangra todo mês pra que eu não veja meu filho sangrar.

A MORTE - E pra que você quer que ele viva até os 30?

SANDRA - Agora pronto, vou ter que dar satisfação da minha vida pra morte, é?

A MORTE - Fala logo, mulher. Fofoca pela metade você já sabe, né?

SANDRA - Não tenho medo de morrer. Você pode me levar. Mas deixa o meu filho viver! Só até os 30 anos, eu imploro!

A MORTE - A essa altura, pelas minhas contas, três almas eu já perdi por culpa sua. E eu não vou nem contar aquelas mães que você saiu influenciando com essas suas ideias absurdas de que ter filho preto é perigoso: elas foram todas desistindo de parir! Aaaa! Faça-me um favor! Você vai parir essa criança sim! Somos todos Abikus! -nascidos para morrer-. Se a criança não nasce, ela não morre. Se não morre, eu não tenho o que fazer! Qual o sentido da morte?

SANDRA - Eu não sei o sentido da vida! É isso que você chama de viver? Eu sinto tanta dor que eu não sei dizer. Eu tenho medo, um medo enorme de não ter feito tudo que queria fazer antes de você me buscar. Eu quero ser canal nesse mundo, criar, educar, ver o sorriso no rosto de minha mãe quando carregar o neto pra dar banho pela primeira vez...

A MORTE - Aí já não é do meu departamento... se queria falar da Vida, não tivesse me chamado.

SANDRA - Não! Espera. Tá bem, eu te conto pra

que eu preciso que meu filho viva até os 30 e você promete deixar ele viver tudo que eu contar. Que tal?

A MORTE - E quem me garante que a moça não vai me enrolar?

SANDRA - Ninguém ué! Mas até agora quem está falhando é você. Morte precoce não deixa o espírito cumprir o que veio fazer no Ayê. Estou disposta a negociar. O que você quer?

A MORTE - A moça tem passado tempo demais dentro daqueles muros do condomínio- classe média alta- onde vive, mas esqueceu que não é igual aos de lá. Não tem dinheiro que te proteja. O retorno ao Orum será adiado se você cumprir Sankofa.

SANDRA - [serve uma dose de cachaça para morte em concordância com o acordo].

A MORTE - [para a plateia] Eu quero propor um brinde: ”Se wo were fi na wosan kofa a yenki” . Volte e pegue o que esqueceu. [para Sandra] Volte e pegue o que é seu.

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luane souto

Luane Souto é atriz. Escreve, ensina línguas, comunica, e tem tesão pela força das palavras conscientemente escolhidas. Tem interesse por experimentos multimídia e dramaturgia negra.

DEPOIMENTO

Ibiku é uma peça curta, que surgiu a partir de uma provocação feita por Monica Santana durante o Ateliê de Escrita Dramaturgica, a mergulhar no universo da artista Maria Auxiliadora da Silva e, a partir desse contato, criar um diálogo entre duas personagens. A obra “O velório da noiva” foi referência para a criação da trama desta peça, tanto pela temática da morte quanto na característica própria da Maria Auxiliadora, que era conhecida pelo hábito de negociar suas obras não pelo tamanho delas, mas pelo valor que dava às mesmas. Assim veio o mote da negociação com a morte.

Trazendo para o contexto onde vivo, em que pessoas são consideradas jovens até os 29 anos, e um jovem negro é morto a cada 23 minutos, ter um filho que talvez nunca chegue à fase adulta é um medo sustentado diariamente por mim e por tantas outras mulheres-mães-negras.

Ibiku, conforme lembrou Diego Araúja durante o processo de montagem da leitura cênica, é na cultura Yoruba, aquela criança que nasce com tempo determinado para voltar ao Orum (céu). E que necessita regularmente negociar com a espiritualidade sua permanência no Ayê (terra) caso precise de mais tempo para cumprir sua missão. Então estava escolhido o título. Ibiku é para ser o que uma peça curta deve ser: um soco no estômago. Mas é também um caminho se apresentando para que outras pessoas negras saibam que existe saída.

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DE GOTA EM GOTA

escrito por MARIANA MADELINN

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Em uma sala modesta de paredes brancas, Violeta, que está sentada, bate o pé no assoalho de madeira insistentemente. A barra do seu vestido longo acompanha o movimento. O tecido tremeluz em tons dourados ao refletir a luz da lâmpada. Sobre seu busto tomara-que-caia e estampado de flores repousa um violino. Os dedos negros retintos agarram o arco e a madeira do instrumento com firmeza.

Ao redor um vozerio melódico impera: alguns assoviam, outros cantarolam baixinho, há ainda os que verificam seus instrumentos de sopro. Sentada ao seu lado, Joana afina a corda do próprio violino.

JOANA: Que agonia toda é essa, Vi?

VIOLETA: Eu estou faltando ao serviço, Joana! Já não sabe?

JOANA: E por acaso isso que estamos fazendo é brincadeira?

VIOLETA: É que logo hoje o Dr. Vinícius tem uma audiência importante e pediu que eu lhe acompanhasse, fizesse a ata...

JOANA: Pelo amor de tudo que é mais sagrado, mulher! O homem é um advogado famoso e não tem um estagiário pra ajudar?

VIOLETA: Ora se tem! Mas eu é quem sou sua servidora, é minha responsabilidade supervisionar até o estagiário.

JOANA: Você terá dias o suficiente pra acompanhar o Dr. Vinícius ou ainda ser babá de estagiário. Mas o seu primeiro solo, você só apresentará hoje! Então chore no pé do ouvido do engravatado, intime o estagiário e se libere dessa obrigação.

Um homem de pele parda e cabelo grisalho

cacheado aparece na porta, chamando um nome.

Pausa.

Um instrumentista levanta.

VIOLETA: Estou nervosa, Ju! Você sabe que, pra mim, não é tão simples escolher o violino. Estou habituada com a lida de ser secretária e isso por si só, já toma o meu dia.

JOANA: Assumir quem somos definitivamente não é uma escolha segura, Vi!

VIOLETA: Já faz dias que não durmo direito. Passei madrugadas ensaiando, estou cansada! (em tom imperativo) Preciso da minha rotina.

O homem chama mais um dos candidatos.

JOANA: Por que, pra você, é tão difícil não ter controle das coisas, Vi?

O homem chama outra candidata. Agora só restam na sala Violeta e Joana.

Pausa

HOMEM PARDO: Joana Alvarez.

Joana levanta, se curva e beija os lábios de Violeta. Depois caminha em direção à porta com o seu violino nas mãos. Violeta levanta-se num só impulso. Anda de um lado para o outro na sala. Coloca o violino na cadeira. Empestiga-se. Estala os dedos. Violeta olha pros próprios braços atônita, os posiciona como se segurasse o instrumento e o arco. Fecha os olhos. Balbucia as notas

da sua partitura. Começa a tocar o violino fantasmagórico, movendo o tronco e os braços de maneira ritmada.

O homem pardo e de cabelos grisalhos retorna à sala, assustando Violeta. Ela se senta.

HOMEM PARDO: Violeta Rezende. É a sua vez.

Violeta agarra o seu instrumento e caminha em direção a porta com passos incertos.

Chega ao palco. Se posiciona sob a luz focal e ao ouvir a sirene, começa a tocar. Toca olhando para o instrumento.

Sua mão escapole na corda. Com rapidez ela retoma a posição anterior. Continua tocando o instrumento. Violeta contorce o rosto. Seu dedo indicador e o mindinho ficam retalhados.

Pressiona os dedos na corda do violino. Gotas de sangue começam a brotar dos seus dedos retalhados.Violeta revela uma expressão cansada.

Respira profundamente fazendo a caixa torácica levantar de maneira ansiosa, mas que acompanha o ritmo do violino. Seu sangue continua a pingar dos dedos e molham o instrumento. Violeta pisca com um olhar distante. Sua pele brilha de suor.

Suspira fundo. Retalha o último dedo. Faz sua última nota.

Abaixa a cabeça e o tronco em agradecimento.

Todos aplaudem empolgadamente.

Violeta está com os olhos cheios d’água. Fica nas pontas dos pés e avista sua mãe e Joana, lado à lado na platéia. Então ela respira mais aliviada.

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marian madelinn

DEPOIMENTO

Já sou escritora, mas escrevo poesia e ficção especulativa. A oficina me ajudou a ampliar meu universo literário e experimentar novos formatos. Foi gratificante perceber a influência da poesia na escrita dramatúrgica! Me sinto inspirada a me aprofundar no gênero literário e inclusive, utilizar algumas técnicas nos meus escritos de ficção. Tenho a intenção de desenvolver a peça que envio a cena. Agradeço a oportunidade!

é poeta, escritora de ficção especulativa, baiana com orgulho e Bacharel em Direito. Desde 2009 publica poesias na internet. A partir de 2018 começou a publicar de maneira independente na Amazon, tendo participações nas antologias: “Heroínas” e “Farras Fantásticas” (2020 e 2022, Corvus); “Carcará: As Histórias Que Esqueceram de Contar” (2020, Editora Maria Bonita) e “Poetas Negras Brasileiras” (2021, Editora de Cultura), organizada por Jarid Arraes através do selo Ferina. Atualmente compõe a equipe de escritores da Revista Mormaço e do Portal Fazia Poesia.

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