

UM TEMPO DE MONSTROS
“O velho mundo está morrendo. O novo demora a nascer. Neste claro-escuro, surgem os monstros.”
Esta frase de Gramsci acelerou o processo de montar “Drácula”, projeto que cozinhava em minha cabeça durante mais de 30 anos. Daí surgiram as outras peças da trilogia dos monstros. Em 2012, foi “Drácula”, a construção do monstro no outro, através de narrativas, onde o outro é objeto, nunca sujeito; em 2014, foi “Frankenstein”, o monstro construído do outro, um corpo feito de corpos excluídos; e agora, em 2024, “Jekyll e Hyde”, o monstro cultivado em si, que emerge e se descola, sem controle.
Entre as duas primeiras peças, dois anos se passaram. Ambas anunciavam o desastre que presenciamos. Em 2013, o desacerto político dos movimentos caóticos acolhidos pela direita, organizados e conduzidos a um caminho que levou ao surgimento real dos monstros. O golpe parlamentar e a eleição desastrosa. Anos de devastação, monstros políticos, econômicos, judiciais, monstruosidades parlamentares, religiosas, milicianas. Monstros despertando monstros na sociedade. Gerados e alimentados pelo ódio, violência ambiental, moral. A internet, a esperança de redenção humana, a realização do sonho de compartilhamento, de colaboração, de encontros, virou uma besta devoradora de mentes e espíritos, secando a humanidade munindo-a de próteses digitais indispensáveis para todos e ausência impensável para uma nova geração.
Dez anos separam a segunda da terceira. O mundo é outro, pós pandêmico, distópico. Um mundo onde o Senhor Oculto tem emergido triunfal, como no livro, como na peça. Descobrimos que o monstro somos nós, e deixamos que a violência se instale, como natural. Momento terrível.
“Senhor Oculto” também é uma peça de admiração pelas possibilidades de um jovem ator para construir uma narrativa com o seu próprio corpo, com sua voz, munido de sua história e de alguns elementos cenográficos trazidos por Erick Saboya; sonoros, por Ramon Gonçalves; audiovisuais por Rafael Grilo; e luminosos, por Marcos Dedê.
Eu pensei assim essa peça durante muito tempo. Um ator apenas faz Jekyll e Hyde, os dois lados, os opostos... sempre foi pensada assim. Como fazer? Que ator? Iria descobrir ao fazer, seguindo os versos de Antônio Machado: “caminhante não há caminho, se faz caminho ao andar”.
Um dia Rodrigo Lelis estava disponível e queria trabalhar comigo. E eu também. E conversamos quase dois anos sobre o que seria. E foi isto “O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr Hyde”. Era o momento e era o ator. Descobriríamos como fazer ao andar.
Mônica Santana aceitou a proposta e quis escrever esse texto. Ele precisava uma voz feminina para dialogar com um romance escrito por um homem, encenado por um homem, com um ator, um músico, um produtor, iluminador todos também homens... então Mônica seria a única voz feminina no meio desse universo masculino, mas Meniky Marla e Beatriz Albuquerque também aderiram ao projeto e são três mulheres nos guiando.
A voz de Monica cruza o tempo e o gênero, neste diálogo com Stevenson, e nos mostra as dobras das sombras trazendo a humanidade de Jekyll para o século XXI. É a voz da intuição e da razão, do sentimento de ser mulher num mundo patriarcal: o fio de Ariadne. É a voz que nos conduz no labirinto para encontrarmos o Minotauro - nós mesmos. Temos que encontrá-lo. Estamos ainda à procura para sairmos desse labirinto melhores, sair restaurados, sobreviventes desse encontro com o oculto.
Salvador, 25 de setembro de 2024. Marcio Meirelles
UM MONSTRO
Ele não é um monstro, ele é um cara. É essa a premissa que cultivei ao longo da escrita de Sr. Oculto, transcriação de O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde, de Robert Louis Stevenson. O encontro com esta novela inglesa do horror se fez pelo chamado do encenador Márcio Meirelles, com quem tenho a alegria de novamente trabalhar pela segunda vez. Emprego o termo transcriação e não exatamente adaptação, porque interessa aqui ressaltar a dimensão criativa que se dá nessa leitura desta obra clássica. E criativamente propor uma nova obra, escrita à luz das perspectivas desse tempo, mantendo o diálogo com a obra original. A norma, o padrão, os lugares de privilégio e poder são colocados sob crítica e questionamentos. O monstruoso Hyde faz ver o que o civilizado Jekyll reprime pelo bem da vida em sociedade. Seria o padrão gerado pela civilização um certo tipo de monstro? Os homens de bem, de moral ilibada e boas vestes são tão de bem assim? São essas e tantas outras perguntas que se encontram latentes no livro e que atualizo nesta peça que você verá agora. Perguntas que desejo que você também se faça. Importante dizer, antes de concluir esse texto, da alegria de escrever para um artista dedicado, talentoso e comprometido como Rodrigo Lelis. Vida longa a sua arte! E para você leitor, desejo que esse espetáculo possa fazer uma boa conversa contigo.
SUCESSIVAS PROVOCAÇÕES
No final de 2022, MARCIO me provocou, o que é muito comum na relação com ele, e aqui estamos. Em mais uma de suas provocações juntamos desejos, ele me falou da peça que faltava em sua trilogia, O ESTRANHO CASO DE DR. JEKYLL E SR. HYDE. Ele queria tratar da dualidade humana através de uma perspectiva política, sem perder a originalidade que o texto de R. L. STEVENSON já levantava, trazendo à tona questões nunca antes debatidas. A narrativa, ainda que tratasse de temas à frente do seu tempo, era contada através de uma perspectiva masculina e eurocêntrica. Precisava ser recriada, e foi nesse momento que, quase em uníssono, falamos o nome de MÔNICA. A dramaturgia desse espetáculo então é transcriada (termo trazido pela própria MÔNICA), com a mesma originalidade, mas agora falando de uma perspectiva feminina, latina e decolonial. Desde a primeira vez que li o texto, me debrucei em toda potência de sua adaptação e o laboratório daquele médico/cientista também precisava carregar aquela aquela força. ERICK então cria e recria um cenário/laboratório que carrega andaimes e persianas, representando a construção e revelação de monstros ocultos. No palco, comigo, RAMON e GRILO, atuando como um só. RAMON representando a MÚSICA, a dualidade através dos sons, e GRILO as imagens. Som, imagem e palavras, recontando e provocando novas perguntas, através de antigas questões que sempre nos pairam.
Monica Santana
Agradeço imensamente aos patrocinadores e apoiadores deste espetáculo por escolherem a cultura. Saliento também que teatro nunca se construirá sozinho, toda gratidão à: MENIKI, que foi além de uma assistente de direção, foi uma parceira, trazendo de uma forma linda suas visões de grande atriz. ARIEL, preparando meu corpo através do seu método único e maravilhoso. BEATRIZ, resolvendo qualquer coisa em minutos. JOILSON, que conhece cada canto do cenário. VÂNIA, uma grande mãe durante toda minha formação no TEATRO VILA VELHA. DEDÊ, por criar e executar a luz através das provocações de MARCIO. JORDAN e CRIS, ajudando na comunicação e difusão dessas ideias através dos meios de comunicação. RAMON, mais uma vez, múltiplo, criando a visualidade dessa obra. THIAGO, executando sensivelmente os sons.
As três camadas de um espelho: O primeiro monólogo de Rodrigo, meu amado amigo e colaborador. Encenação de Marcio Meirelles, cujo todos os anos de trabalho nos recompensam com o minimalismo e elegância que só o tempo é capaz de proporcionar. O magistral texto de Monica Santana — que há tanto admiro e ansiava trabalhar com — nos escancara a monstruosidade do cotidiano, dos detentores de poder capazes de refratar de si sua monstruosidade enjaulada. Enjaula-la ou propor remendas com o verniz que só a caridade proporciona. São dez anos do percurso e atuação de Rodrigo, assim como dez anos de meu processo enquanto artista sonoro. Em algum nível, pensar sobre esse espetáculo neste recorte específico do tempo me faz rememorar o processo que mergulhamos em Sombra (2020), curta onde, de alguma forma, também formávamos uma espécie de espelho/duplo, investigando aspectos abissais do emocional humano.
É também nesse desenrolar do tempo que encontrei as ferramentas para propor música a esse espelho. Sempre fui inclinado ao horror, aos filmes noir. Desde muito novo me encantou o espanto, o clima contido nos clássicos do terror e também no recorte quase voyeur de persianas. A concepção tanto gráfica quanto sonora foram quase como um presente do tempo a meu trabalho. Compor a serviço desse espelho foi também entender que, neste duplo — e talvez em toda bifurcação dicotômica possível, não há necessariamente separação ou ruptura. Uma face propõe complemento à outra e assim o fiz. A música em sua estrutura base foi concebida em assimetria cíclica, elementos orquestrais sintetizados, utilizando instrumentos de corda e também percussivos numa progressão rítmica. Como a elaboração de uma fórmula ou concepção de um estudo aprofundado, quase não há caráter épico, mas sim sobreposições de texturas e drones. O pragmatismo no ritmo e a monstruosidade no preenchimento das frequências graves distorcidas. conceitualmente, ruído branco como corte e supressão. Majoritariamente, seja na violência, silêncio ou debruçado ao absurdo real e objetivo das palavras de Monica, minha música busca propor clima e aterrar esse espelho obscuro, ritmado por certo nível de aristocracia. Três notas são o suficiente para aterrorizar, quando atreladas a um centro gravitacional suficientemente denso e, por poder propor densidade, mais uma vez sou muitíssimo grato.
Ramon Gonçalves
SOBRE O ESTÚDIO ARROYO
O Arroyo é fruto de um encontro. De três profissionais de comunicação, três artistas, três formas de ver o mundo que se complementam e se encontram no corpo d’água que se chama Teatro Vila Velha. De lá Jordan Bezerra, Ramon Gonçalves e Rodrigo Lelis seguem em direção aos oceanos.
Para além de uma agência, nos definimos como um estúdio, lugar que abriga a arte e a comunicação, o espaço da tinta, do godê, do pincel e da escultura, mas também acomoda a câmera, o celular e a escrita. Cada um de nós é um rio, e aqui, a enxurrada das ideias corre livremente para se tornar real.

ABERTURA PERTO DO FIM
DR. JEKYLL:
Minha veia ainda pulsa e espalha sangue, ainda posso falar.
Minha voz ainda é minha.
Preciso falar rápido antes que morra.
Antes que ele se torne completamente eu, preciso falar.
Vocês precisam saber o que fiz, como tudo aconteceu.
Preciso falar com agilidade.
Ainda falo. Esta voz ainda é minha. Este corpo ainda é meu.
Estou morrendo.
Estou fraco e a culpa é minha completamente, completamente minha.
Ele também vai morrer tão logo.
Não do mesmo jeito que eu. A forca será seu destino, pelos atos que fizemos nós dois.
E ninguém poderá me contar em meu túmulo, não poderei pedir que me tragam notícias.
Estarei morto dentro dele.
Junto com ele na agonia do patíbulo.
Ele sente medo.
Mas, diferente de mim, o medo dele o torna mais feroz – mais disponível para o ataque, mais disponível para devorar.
Estou morrendo, isso é a melhor coisa que poderia me acontecer.
Posso sentir o cheiro da morte no meu corpo.
Escute: essa ainda é minha voz. E ela anuncia a minha morte moral também.
Sou um homem de ciência.
Um homem da elite desta cidade.
Bem-nascido, bem-criado. Herdei reputação, fortuna, honra.
Sou um homem de razão.
Um homem de bem, de boa renda, boa fama, boa conduta.
Sou humano e ninguém nunca ousaria duvidar da minha humanidade.
Sou um doutor, um médico, um cientista.
Meu nome na porta de minha mansão anuncia: Henry Jekyll.
Nome, sobrenome, homem.
Homem bem talhado. Sim, eu sou - sempre fuibonito.
Sempre partidário dos prazeres ocultos.
Prazeres que só um homem pode sentir, viver, desfrutar sem se sentir hipócrita, sem se sentir pecador.
Não lido com pecado.
Sou um homem de razão. De ciência.
Sempre cuidei para que durante o dia, meu laboratório me garantisse a notoriedade que faz brilhar um bom nome nas bocas das pessoas.
Sempre cuidei de ser um médico competente, eficiente, inventivo.
Sempre cuidei de ser caridoso – não por caridade, mas pelo verniz que a caridade dá sobre as reputações.
Meu nome é irretocável.
E meus prazeres nunca mancharam meu nome.
Nunca desbotaram minha marca.
Sempre soube viver muitas vidas.
No tempo em que vivo, há que se negociar bem a visibilidade daquilo que lhe faz gozar.
Há que se negociar bem a visibilidade daquilo que lhe faz gargalhar honestamente.
Não se trata de hipocrisia. Mas de razão.
A razão liberta o homem e um homem não pode ser governado por seus desejos.
A razão deve governar o desejo.
É o que sempre pensei. Eu existo porque penso.
Criei o Jekyll do dia: do laboratório, dos experimentos, dos atendimentos, da bondade invejável.
E o Jekyll da noite: da penumbra, dos quartos escuros, sem limites, sem pudores, de tudo aquilo que me fizesse bem, mesmo que fosse o mal.
Não o meu, nunca o meu.
Mas o do outro. Que me importa.
Eu sei: você sempre teve inveja de mim.
Não só você.
Todos os que não nascem como nasci.
Sinto muito, não quero soar prepotente. Mas sei da minha condição e sei que o capital se estrutura na inveja: tudo, tudo, tudo é para poucos.
E os muitos que assistem, nutrem sentimentos baixos.
Conheço muitos sentimentos reprováveis.
Mas, de fato, nunca fui visitado pela inveja.
Talvez agora que te encaro enquanto desabafo… sinta um pouco de inveja: inveja da simplicidade.
Sinto inveja dos medíocres.
Dos que se contentam com a cama de solteiro, ou a companhia costumeira da mesma pessoa, sem surpresa alguma, deitada ao seu lado.
atravessa a rua muito devagar... Hum... devagar demais! Devagar demais! Strike!
Ah! Que coisa maravilhosa o som dos ossos!
Ela caiu! Ela tombou!
Ela está no chão, convulsionando! Que coisa mais linda!!! Que espetáculo lindo a agonia!
Teve plateia dessa vez! Todos viram horrorizados, querem que eu preste socorro. Eu? Eu dar socorro?
Ela que é louca, como próprio do gênero dela... Se distraiu e se atirou na frente do meu carro. Não posso, não posso... sou um homem de negócios. Estou ocupado! Me larguem, me soltem! Ah... que gente aporrinhada!
O que vocês querem que eu faça? Que pague o tratamento dela? Que pague o médico dela? Tomem... tomem... É isso que vocês querem? Tomem. Idiotas! Gente burra demais... Pena que ela não morreu! Poxa. Ia ser lindo a menina morrendo na via pública. Pra todo mundo testemunhar. É grandioso o espetáculo da agonia. Ainda mais de alguém tão frágil, tão fraca, tão pequeninha. Tão fácil de abater. Eu quero agora que alguém morra. Quero que alguém morra agora. Alguém para morrer logo... Eu não vou sossegar até que eu ouça de novo esse som dos ossos quebrando. Eu não vou conseguir dormir até que minha fome passe. Até que meus ouvidos escutem.
Os dias vão passando e tudo em mim é excitação. Eu salivo. Eu babo. Minhas mãos tremem. Fico ofegante. Sou como um adolescente trancado no banheiro, descobrindo pela primeira vez que tem um pau e ele jorra leite viscoso. O orgasmo e a morte se parecem, sabe? Tão bom quanto ver alguém revirar os olhos de prazer, é ver alguém revirar os olhos de agonia. E isso me encanta... Eu quero ver a agonia nos olhos do outro.
Mas não é justo que um homem cumpra sua missão?
Não é justo que um homem seja um homem?
É o leão vil porque cumpre sua natureza?
Sou eu vil porque faço o que é preciso? Eu sou o que sou...
E os olhares de incomodo só me mostram que estou no caminho certo.
O desprezo não me constrange: só reafirma meu propósito.
Não espere que eu vá dizer que eu sou um selvagem... não sou.
Eu sou o lugar mais alto que a civilização humana pode gerar e criar.
Sou fruto da razão do homem civilizado.
Do homem controlado, contido, ciente de seu papel
de promover a falácia da igualdade, fraternidade, liberdade.
Eu sou o homem!
Enquanto os que me olham retorcem seus bicos, eu dou gargalhadas.
A humanidade é isso!
Um velho! Um velho!
Olha, quem vem lá. Um velho.
Ele vai se bater em mim.
Tem certeza, vovô!
Não olha por onde anda!
Presta atenção, seu velho!
Presta atenção.
Desculpar?
Um velho?
Desculpar?
O mundo não precisa mais de você não!
Já chega!
Vou fazer um favor ao Estado que ainda precisa lhe pagar aposentadoria.
Vou fazer um favor ao Estado!
Olha, Estado! Olha! Menos um! Menos um para a previdência pública.
Vamos!
Seus ossos têm um som maravilhoso!
Vocês podem ouvir os ossos dele? Quebram-se como um biscoito!
Mas você ainda está vivo? Vamos! Vamos! Strike!
A morte e o orgasmo se parecem, não é mesmo? É lindo!
V.
A VERGONHA
DR. JEKYLL:
Eu matei um homem.
Eu matei um homem.
Meu Deus, eu matei um homem.
Nossa, falei em Deus! Mas não por fé cristã. Por torpor.
Eu matei um homem. Eu não pude conter o ímpeto.
A fúria. Eu não pude conter nada dentro de mim, nem fora de mim, nos meus gestos, nas minhas palavras, no meu proceder. Eu não me contive. Não era mais eu.
Definitivamente eu não sou eu. E eu sou eu.
Sou esse monstro.
Depois dos crimes, do atropelamento da menina, do ataque de cólera que matou o idoso, a coisa realmente fugiu ao controle.
de mim em você. Mas o estrago está feito. Eu existo.
DR. JEKYLL:
Você existe porque eu criei.
SR. HYDE:
Você não me criou. Eu sou o que você é.
DR. JEKYLL:
Eu sou um homem. Você é apenas uma criatura que vai desaparecer. O efeito vai passar, eu sei.
SR. HYDE:
Eu existo! E mesmo que essa droga não chegue a tempo, enquanto forma posso sumir de seu corpo. Mas não enquanto conteúdo. Você sabe...
DR. JEKYLL:
Eu sou o criador.
SR. HYDE:
Eu existo.
O ACUADO
SR. HYDE:
E então foi assim. Desse jeito. Desse modo. Ele deixou suas palavras. Ele suspendeu o testamento em meu nome. Ele tentou se descolar de mim. Como se eu não fosse ele. Como se tudo o que eu sou não fosse o que ele é. Como se eu não fosse residente dos desejos dele.
Vocês já estão aqui. E assistem a decadência. Ele não existe mais.
E para minha derrota, eu não existo sem ele. Somos um só. Ainda que minha forma altere seu corpo. Somos um só. E sem ele, também não posso continuar a existir.
Ele confessou tudo de sua criação. Dos seus arroubos. Os homens de bem estão por toda parte. Mas não dará tempo de me levarem a forca.
O corpo não suportará. O fato é que a droga criada foi aos poucos consumindo a vitalidade do corpo. As metamorfoses mais constantes exigindo mais e mais energia. Adoecemos. Não haverá tempo da morte na forca.
Que maravilha! É maravilhoso contrariar as expectativas. Os homens de bem estão entrando. E eles já vão me encontrar morto. Não haverá tempo
de se vingarem dos meus crimes. De exercerem seu poder sobre mim. De escarnecerem minha forma física decadente. De me perguntarem exaustivamente coisas. Não haverá tempo para as torturas cristãs, nem para o julgamento, farsa da razão. Eu morro antes. Os homens de bem estão por toda parte, babando a procura do monstro.
Irão me encontrar morto. Mas queria mesmo ser eu um espelho, para que na mirada eles se vissem e não a mim. E eu pudesse lhes dizer: não é isto que é ser uma pessoa? Também alguma coisa de monstruosidade.
Somos nós.
VOZ:
Agonia. Desvanece até que silencia enquanto ouve-se o som de vozes que procuram Hyde e Jekyll. Gritam e batem na porta:
Ele está aqui! Eu sei que ele está aqui.
Ele está morto.
Ele está morto.
XI.
O DESAPARECIMENTO DO MONSTRO
SR. HYDE:
Eu não sou um monstro, sou uma pessoa.





CINETEATRO 2 DE JULHO
de 28 novembro a 01 dezembro qui e sex 19h | sáb e dom 17h e 19h

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