Programa A Baba do Lobo

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DE GRAEME PULLEYN & MARCIO MEIRELLES

COM CRISTINA CASTRO & LEONOR KEIL

estreia 06 de junho de 2025 museu de arte da bahia salvador, bahia — brasil

VOLFRÂMIO - A BABA DO LOBO

Os anos 40 e 50 do século XX foram tempos de fome e miséria para uma grande parte da população portuguesa. Marcados por várias guerras (Segunda Guerra Mundial e Guerra da Coreia), foram tempos em que o minério, sobretudo o volfrâmio (do alemão volf rahm – baba do lobo), ou tungstênio (do sueco tung sten – pedra pesada), que abundava em Portugal, era crucial – e ainda é! – para a indústria do armamento.

Essas terras, rurais por natureza, com uma agricultura pobre e de subsistência, pródigas em minério, foram marcadas profundamente por essa atividade e foram muitas as pessoas que trabalharam nas galerias subterrâneas das minas, nas separadoras, nas lavarias, nos escritórios ou foram para a serra – os pilhas – em busca do “ouro negro”. Trocavam a vida agrícola nas terras delgadas do interior de Portugal para se dedicarem àquela ‘lavoura’ mais lucrativa que, porém, escondia, nos poços profundos, o silencioso “pó da mina” que tantas vidas ceifou, precocemente.

O volfrâmio, pelo facto de ter um ponto de fusão de 3.422°C, o mais elevado dos metais, e ter uma densidade muito alta, de 19,3 g/cm3, era utilizado para aumentar a dureza e a resistência ao calor das ligas metálicas com que se fabricavam carros de combate, metralhadoras e munições. Ora, como estas caraterísticas faziam dele um elemento imprescindível da indústria militar, gerou-se um aumento da procura de volfrâmio em Portugal, (em particular entre 1941 – 1943) com os alemães e os ingleses a disputarem as concessões mineiras e a fazerem disparar o seu preço que, no mercado negro, atingiu valores exorbitantes. Esta situação de exploração desenfreada de minério alastrou a todas as regiões mineiras, como eram os casos da Queiriga, Manhouce, Bejanca, Bodiosa, Rio de Frades, Panasqueira e a muitas outras terras do interior norte de Portugal onde as jazidas eram conhecidas e de grande dimensão.

No final da Segunda Guerra Mundial a procura baixou radicalmente, sendo reativada no início dos anos 50 aquando da Guerra da Coreia. Contudo, esta segunda ilusão, de novos tempos de riqueza, foi ainda mais efémera do que a anterior. E o país não saía da pobreza e da miséria em que vivia, situação que era potenciada pela política de isolacionismo económico do governo de António de Oliveira Salazar.

O encerramento de minas e a consequente falta de trabalho, associado às duras condições de vida e de cultivo, levaram a um verdadeiro êxodo rural das antigas comunidades mineiras e do país em geral. Assistiuse a um fluxo migratório nunca antes visto, que levou ao esvaziamento generalizado das aldeias com a saída de gerações inteiras para o Brasil, Estados Unidos da Améria, França e Alemanha. Aliás, o abandono destas terras sente-se ainda hoje.

O “milagre” do volfrâmio foi, pois, de pouca dura. Houve quem conseguisse aproveitar essa bonança para pagar dívidas, amealhar poupanças, construir uma casa, casar, educar os filhos. No entanto, foram muitos os que voltaram para a desgraça acabando numa situação pior do que aquela em que viviam antes do aparecimento da “baba do lobo” nas suas vidas. A silicose, doença pulmonar causada pela inalação de pó nas galerias das minas, causou a morte precoce de milhares de mineiros, resultando nas chamadas “aldeias das viúvas” onde só viviam mulheres e crianças. Apesar das reservas de ouro amealhadas durante a euforia mineira, o “Estado Novo” de Salazar virou as costas a estes mais pobres dos pobres que sobreviveram como puderam. A ilusória promessa de prosperidade do volfrâmio foi a desgraça de famílias inteiras.

Nos anos 20 do século XXI, o minério é outro, mas muitas das questões são as mesmas. Portugal tem alegadamente algumas das reservas mais importantes de lítio e de outros metais raros da Europa. Novas “oportunidades” apresentam-se para uma exploração em nome de um mundo elétrico e eletrónico. Novas guerras ameaçam. O fascismo de Hitler e Salazar tem agora outro nome. Volta a erguer-se, em vários pontos do mundo, a monstruosa cabeça de um bicho que muitos acharam enterrado para sempre.

GRAEME PULLEYN E ACÁCIO PINTO

AS TRAGÉDIAS DE MARIANA E BRUMADINHO É PREJUÍZO? PARA QUEM?

Em 5 de novembro de 2015 o Brasil passou pela sua maior tragédia ambiental com o rompimento da barragem de fundão em Mariana da Empresa Samarco. Pouco tempo depois em 25 de janeiro de 2019, uma nova tragédia, o rompimento da Barragem do córrego do Feijão da Empresa Vale S.A, com terrível impacto social, devido a morte de centenas de pessoas, além de todas as questões ambientais. Foi justamente após a tragédia de Mariana que a Vale atingiu o valor de Mercado de R$ 323 bilhões de reais. Esse resultado foi fruto da paralização das atividades da Empresa Samarco. O mais curioso em toda essa tragédia causada pelo rompimento da barragem de Fundão, não causou grandes transtornos econômicos para a Vale S.A., muito pelo contrário, o que se observou foi um crescimento no valor de mercado após o rompimento da barragem a empresa Samarco. A companhia Vale S.A. assume a liderança na produção das pelotas e ferro e domina o mercado mundial nesse cenário. Em 2018, a Vale produz 55,3 milhões de toneladas de pelotas de ferro. A tragédia Brumadinho, foi o maior impacto social já registrado na nossa história. Foram quase 300 mortes e muitos corpos ainda não foram encontrados. Além de todas essas vítimas, houve grande perda de casas, pousadas, aldeias indígenas dos índios Pataxós, além do grande impacto ambiental na bacia do Rio Paraopeba. Após essa nova tragédia, a Vale teve uma nova queda no seu valor de mercado, mas em menos de 1 ano, recuperou seu valor, em virtude da paralização de 10 usinas antigas com baixa produção, e, portanto, a diminuição de 10% da sua produção. Mas observa-se o aumento de quase 100% no valor do minério de ferro, ou seja, diminuiu os custos e aumentou o preço do minério no mercado internacional. O aumento do preço das comodities no mercado internacional, levou a Vale ter lucratividade superou 15 bilhões de reais no terceiro semestre de 2020. Dessa forma, fica muito simples responder à pergunta inicial desse texto. O prejuízo foi grandiosamente imensurável para a população e para o meio ambiente.

LEONARDO CRISTIAN ROCHA

https://periodicos.pucminas.br/geografia/issue/view/1237

TRUMP E MUSK NÃO ESTÃO APENAS

DESMANTELANDO O ESTADO AMERICANO

Trump e Musk não estão apenas desmantelando o Estado americano. Estão construindo um modelo. Um protótipo. Um experimento de laboratório que a direita internacional poderá replicar onde for conveniente. O que acontece hoje nos EUA não é uma exceção: é um ensaio. E a intenção é clara – transformar a destruição do serviço público em um espetáculo bem-sucedido, pronto para ser exportado.

Essa estratégia não é só ideológica, é performática. O que importa não é apenas cortar gastos, fechar órgãos ou precarizar o funcionalismo. Isso, aliás, a direita tradicional já fazia. O diferencial de Trump e Musk é o método. O show. O simbolismo da destruição sendo celebrada como um triunfo. O governo não está sendo esvaziado em silêncio, mas diante das câmeras, com aplausos e memes. Transformaram o desmonte do Estado em um reality show neoliberal.

O Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), liderado por Elon Musk sob a administração Trump, é o epicentro desse laboratório neoliberal. Financiado secretamente com quase 40 milhões de dólares, o DOGE opera como uma agência federal blindada de leis de transparência, transformando o desmantelamento do serviço público em um espetáculo midiático. Musk, que se apresenta como o visionário de tudo, é o rosto desse novo tipo de ataque ao setor público.

A ordem não é apenas cortar gastos, mas também humilhar, expondo funcionários como descartáveis e moldando o imaginário social contra o Estado. Esse modelo performático não apenas precariza o funcionalismo, mas também legitima a destruição estatal como narrativa política global, consolidando a cultura política neoliberal. Utilizando a manipulação de narrativas e o engajamento massivo, o DOGE não só corta gastos, mas transforma a precarização estatal em um protótipo exportável de desmonte do Estado, ancorado na humilhação pública e na retórica da eficiência privada.

David Harvey já alertava: o neoliberalismo não é só um modelo econômico, é um projeto político de reconfiguração do poder. Ele não apenas transfere riqueza do público para o privado, mas redefine a relação entre governantes e governados, enfraquecendo qualquer possibilidade de contestação. Trump e Musk aplicam essa lógica na sua forma mais brutal:

esvaziam o Estado, depois dizem que ele não funciona. E assim justificam mais cortes, mais privatizações, mais concentração de poder.

Naomi Klein descreveu esse fenômeno como a “Doutrina do Choque”. O truque é sempre o mesmo: criar ou explorar uma crise para impor mudanças radicais que, em circunstâncias normais, seriam inaceitáveis. A administração

Trump não esperou desastres naturais ou recessões para agir – fabricou sua própria crise ao transformar o funcionalismo público em um bode expiatório. Quanto mais o governo parece disfuncional, mais justificativa há para privatizá-lo. E esse mesmo roteiro, em breve, será copiado mundo afora.

Gramsci chamaria isso de guerra de posição. A batalha contra o Estado não acontece só no nível econômico, mas no campo cultural, na disputa de imaginários. Se o serviço público passa a ser visto como ineficiente e corrupto, se a ideia de que “tudo que é público é um peso” se torna dominante, a destruição do Estado vira consenso. E o consenso é a arma mais poderosa do neoliberalismo.

O sucesso desse modelo depende de duas coisas: da inércia e do aplauso. Se não há resistência, o jogo avança sem oposição. Se há aplauso, ele se espalha e vira demanda pública. No final, esse não é apenas um projeto político – é uma reconfiguração da cultura política. A ideia de Estado como bem público sendo trocada pelo fetiche da eficiência privada, sem mediações, sem debate, sem a farsa da gestão eficiente.

Mas sejamos realistas: o Estado não é um ente puro ou neutro. Ele sempre foi um espaço de disputa – entre controle e emancipação, entre dominação e direito. Pode ser uma ferramenta de opressão e burocracia, mas também pode ser a última trincheira contra o avanço de um mercado que não reconhece nada além do que interesses privados. O problema nunca foi apenas seu tamanho, mas quem o controla e a serviço de quais interesses ele opera. Abandoná-lo à sanha privatista de Trump e Musk é aceitar a falácia de que a destruição do público tornará tudo mais eficiente. Não tornará. Apenas reforçará o controle daqueles que já detêm o poder e transferirá a engrenagem do Estado para as mãos de quem monopoliza o capital.

RICARDO

26 de fevereiro de 2025 | Dando o que Falar https://aldeianago.com.br/trump-e-musk-nao-estao-apenas-desmantelandoo-estado-americano-estao-construindo-um-modelo-um-prototipo-por-ricardoqueiroz-pinheiro/

TENHO A CABEÇA CHEIA DE FOTOGRAFIAS

QUE TIREI COM OS OLHOS

Leandro Valente e Rafael Grilo editando vídeos num estúdio improvisado no terraço do Museu de Arte da Bahia. A noite vai quente, o dia vai longo, eles são incansáveis, mergulhados em arquivos e imagens do interior da terra. Cristina Castro e Leonor Keil numa embrulhada de mãos e braços e bocas, na dança do afogamento, algures entre mulheres e lobas na primeira improvisação que fizemos na Sala 53 em Viseu. João Milet Meirelles e Gonçalo Alegre num estúdio de som improvável no arrumo do Círculo de Criação Contemporâneo de Viseu, rodeados de figurinos e adereços, onde gravaram as vozes de várias mulheres cantando o hino dos mineiros. Mónica Santana e Sandro William Junqueira escutando a D Rosa e a D Madalena, viuvas centenárias de mineiros de Queiriga em Vila Nova de Paiva, no interior de Portugal. Erik Saboya, algures em Salvador, numa das muitas reuniões em vídeo chamada, apresentando a sua proposta para o cenário das minas e Zé Ferreira no seu carro, algures em Viseu a ouvir e a pensar como replicar a mesma estrutura em Portugal. Guida Rolo e Beatriz Albuquerque, distantes uma da outra, em lados oposta de um oceano, não aparecem tanto nas fotos, mas estão sempre por perto para que as fotos possam existir. Márcio Meirelles e eu sentados lado ao lado numa mesa lindíssima, cheia de história, cheia de memórias no Museu de Arte da Bahia, à volta do mesmo ecrã de computador, editando, cortando, arranjando, juntando os dois textos originais num só.

Isso para não falar das fotos que guardo na minha cabeça das vinte e três mulheres e homens que entrevistamos em aldeias serranas das antigas zona mineiras, dos municípios de Sátão, Vouzela, São Pedro do Sul, Vila Nova de Paiva, Viseu e Moimenta da Beira em Portugal. O cenário para estas imagens varia: uma cozinha antiga, negra do fumo da lareira que serve para aquecer o corpo e curar os presuntos pendurados, um caminho no meio de um pinhal, a sala de uma associação, uma sala meia acética de um lar de terceira idade, as ruínas das casas dos mineiros no alto de uma serra.

E as minas que visitamos claro: as galerias de Queiriga, uma catedral debaixo da terra, a sensação do infinito e do sagrado em Chãs, no alto da montanha onde o horizonte parece não ter fim, a maquinaria abandonada da separadora de Bodiosa, onde a natureza invade de novo os espaços que o homem ocupou por uns tempos durante a euforia da mineração do

volfrâmio, a chaminé gigante da Bejanca, as suas linhas diretas em betão armado, expressando o poder da Alemanha Nazi nos anos quarenta do século passado.

Num espetáculo onde a personagem principal é a memória, estas são algumas das minhas e que me trazem uma satisfação enorme sabendo que conseguimos o nosso propósito de juntar efetivamente companhias, artistas e técnicos de dois países na criação de uma obra que procura falar para dois públicos, distantes na sua localização geográfica, mas juntos na sua humanidade partilhada. Falámos, escutámos, refletimos sobre as memórias que as outras e os outros nos foram contando. Memórias de um tempo longínquo, de uma realidade longínqua para os espectadores brasileiros, mas também bem afastado da realidade e do conhecimento de grande parte da população portuguesa.

Serve o exemplo específico da mineração do volfrâmio como metáfora para a exploração em todos os tempos. A exploração da terra pelo homem e a exploração dos homems pelos homens são a alma deste espetáculo. Debruçamo-nos sobre a questão de o que acontece quando o homem deixa de considerar o outro, ou a outra como ser igual, tratando pessoas como mais um recurso para ser explorado até esgotar, para espremer até secar, até não haver mais sumo.

Tudo isto começou numa conversa na aldeia de Cepões, sobre as “aldeias de viuvas”, sobre as mortes por silicose, sobre a miséria que se vivia nas aldeias do interior de Portugal durante a ditadura chefiada por António Oliveira Salazar. Não foi assim há tanto tempo, mas parece que já nos esquecemos. Como parece que nos esquecemos dos desastres de Mariana e Brumadinho no Brasil. Os contextos e os tempos são diferentes, o assunto é o mesmo: o esquecimento. Eu quero lembrar, quero contar esta história para que nos podemos lembrar todos. A terra tem o bem e o mal, sempre teve, sempre terá. Não é o nosso lugar mudar o mundo, é o nosso lugar mudar-nos a nós próprios e encontrar o nosso lugar nesse mundo em sintonia e com respeito para tudo que dele faz parte.

GRAEME PULLEYN

Salvador da Bahia, 28 de maio de 2025

É O QUE FAZEMOS

Em um ensaio. Enquanto ouvia e acompanhava o texto ainda se formando nos corpos e nas vozes das atrizes, percebi claramente: como é pertinente realizar este projeto agora. Necessário.

O mundo está louco. Já não ouvimos as vozes da natureza. Não ouvimos os ancestrais. Não idealizamos um futuro com bases no humano, mas nas bases da ganância, da máquina, do artificio. Talvez tenhamos perdido o controle sobre a evolução ou desviado a sua rota. E vamos para um fundo cheio de pó ou de lama. Mas talvez ainda possamos ouvir o teatro. E o teatro precisa ser pertinente, necessário.

Um dia Graeme me perguntou por que aceitei o convite dele. Não soube responder exatamente, e disse: porque você me convidou. Em parte é verdade. É bom manter a parceria que tem dado certo por tanto tempo. Desde 2013 trabalhamos juntos em vários projetos, primeiro o K Cena, projeto com jovens atores de Portugal, Cabo Verde e do Brasil. Depois, com a CEM Palcos, Esse Caminho Longe, e muitos desdobramentos. Mas não só pela continuidade de uma parceria e amizade aceitei.

Primeiro, o recuo. Era um tema aparentemente distante, estranho: o processo de extração de minério em Portugal durante a Segunda Guerra, e suas consequências: as viúvas do volfrâmio. Além disso, vivemos agora um momento complexo, com o Teatro Vila Velha em obras e vários projetos em desenvolvimento simultaneamente. O que era um sinal para não aceitar.

Mas além do convite de Graeme, o convite que ele fez às duas atrizes que dariam corpo e voz às viúvas: a brasileira Cristina Castro e a portuguesa Leonor Keil, artistas que admiro muito, me inclinaram ao sim. Depois, pronto, já sem saber muito bem por que, já estava.

Começamos o processo de residência em Viseu e vários municípios vizinhos, o processo de imersão naquele universo, naqueles tempos e territórios. Processo de escutas ao tempo, às pedras, ao encontro com uma raposa na estrada, às grutas, às pessoas que viveram todo aquele inferno no fundo de minas, respirando o pó ininterruptamente, mergulhados em águas geladas, caminhando quilômetros descalços carregando 50 quilos de minério nas

costas, mas ainda assim tendo vidas, amores, festas, danças. E avarias... opressão pelas violações dos senhores do mundo, da fome, da falta de tudo, da falta de humanidade e sobrevivendo mais humanos, como podemos testemunhar ouvindo aquelas memórias.

Desse processo inicial de pesquisa e escutas, surgiram dois textos dos dramaturgos convidados: Mônica Santana, brasileira, e Sandro William Junqueira, português. Esses dois textos foram fundidos por Graeme e por mim, num único texto, que está sendo encenado. A descoberta do Hino dos Mineiros deu o norte dramatúrgico, a estrutura da peça foi baseada na do hino, dividido em quatro estrofes/quatro partes, que foram associadas aos sítios que visitamos e aos elementos. A partir daí, tudo começou a caminhar.

As duplas formadas por um brasileiro e um português ocorreram também nas outras áreas da criação: música, com João Milet Meirelles e Gongori; vídeo com Rafael Grilo e Leandro Valente, além da dramaturgia e encenação. Cenário, desenho de luz, identidade visual e figurino, foram assinados apenas por brasileiros todos parceiros tanto de Graeme quanto meus em outros projetos: Erick Saboya, Marcos Dedê, Ramon Gonçalves e eu mesmo. E tudo ocorreu em sintonia.

Foi tudo novo e desafiador, desde entender o tema/questão particular português e vê-lo no momento atual em outros lugares do mundo, como tema/questão universal. Daí, desenvolver com Graeme uma dramaturgia específica, poético documental coreográfica, encarnada por duas dançarinas/atrizes num cenário duro e difícil, dialogando com vídeos e áudios. Criar também, para o espetáculo, a possibilidade de ser feito com uma das atrizes ao vivo e a outra em vídeo, para que possa ter longa vida nos dois países. Nesta fase da criação/montagem, ainda está sendo engendrado. Estudamos como fazê-lo.

É um espetáculo novo, diferente do que já fiz. Necessário também para mim, como encenador, me defrontar com caminhos novos e desenvolver nova poética, novo reflexo, nova agenda na cena, para dar conta de outra questão que é a mesma: a loucura humana, a sanha do lucro e a destruição do próprio lar, para ganhar mais, mesmo correndo o risco de perder tudo.

Conseguimos. É uma nova poética, uma nova narrativa para mim. Onde estamos todos os participantes desse projeto presentes e vivos a interferir, colaborar. Mas para além de nós, esse espetáculo é construído de muitas memórias dos outros, dos mineiros e das viúvas e dos órfãos que durante aquele período da história ajudaram um ditador a ficar em paz com outro ditador, a negociar a paz e estabilidade econômica as custas de vidas e de destruição ambiental. E continua a acontecer. Aconteceu em Mariana, em Brumadinho, nas terras Yanomami, em muitas regiões da África e da América Latina, da Ásia. Aconteceu e acontece e continuará a acontecer. Ao teatro cabe refletir, sinalizar, denunciar através da poesia possível em cena. Foi o que fizemos. É o que fazemos e faremos sempre.

Salvador, 02 de junho de 2025

viseu e salvador - fevereiro, abril e maio de 2025

criados em residência CEM PALCOS / TEATRO VILA VELHA

texto colagem de graeme pulleyn e marcio meirelles  com os textos base

O TEMPO DOS METAIS de monica santana

e OS FILHOS DE QUARTA FEIRA de sandro william junqueira, o hino dos mineiros de aljustrel e cantos tradicionais portugueses e brasileiros

parte i MORRERAM MUITOS separadora - bodiosa fogo

LEGENDA:

A venda declarada e abundante do tungstênio, também conhecido como volfrâmio, de Portugal para Alemanha, contribuiu para prolongar o poderio do país na Segunda Guerra Mundial e retardar sua quebra. Além do comércio oficial, havia o abundante contrabando que rendia maiores dividendos e procura pelo produto. A Inglaterra também instalou empresas mineradoras em Portugal, a fim de disputar o minério com os nazistas e dificultar o acesso ao material. A Alemanha pagava suas compras durante a guerra com ouro. Muito do ouro dos judeus foi fundido e lavado como ouro alemão. Estima-se que Portugal tenha recebido cerca de 127 toneladas de ouro entre 1941 e 1943, maioritariamente proveniente da Alemanha. As reservas de ouro do país aumentaram em 600% durante a segunda guerra mundial.

NARRAÇÃO

Estima-se que Portugal tenha recebido cerca de 127 toneladas de ouro entre 1941 e 1943, majoritariamente proveniente da Alemanha. As reservas de ouro do país aumentaram em 600% durante a segunda guerra mundial.

CORO

Nas Minas de Aljustrel

Trai larai larai lai lai la Morreram muitos mineiros, vê lá

Vê lá companheiro, vê lá

Vê lá como venho eu Morreram muitos mineiros, vê lá

Vê lá companheiro, vê lá

Vê lá como venho eu

Lai larai larai lai lai la

LEONOR

Na minha cabeça eu não sei.

CRISTINA

Na minha cabeça, às vezes.

LEONOR,

Tenho muitas histórias.

CRISTINA

Tem muitas histórias na minha cabeça. Eu gostaria de contá-las. Mas eu não lembro.

LEONOR

É suster a respiração e lembrar.

CRISTINA

Se deixarmos a memória cair, deixamos de saber respirar.

LEONOR

Lembro-me como se fosse hoje das minhas saias pesadas de terra.

CRISTINA

O meu nome é Hilda.

LEONOR

Aqui somos todas Hilda.

CRISTINA Com agá.

LEONOR

E os homens, Adolfo. Para facilitar. Adolfo, o marido. Adolfo, o mineiro. Adolfo, o encarregado. Adolfo, o contrabandista. Adolfo, o alemão. Adolfo, o patrão. Adolfo, o filho. Adolfo, o inglês.

VOZ DE ADOLFO:

Cobre, prata, estanho, ouro, ferro. Armas, jóias, poder, domínio, classes. O velho mundo dá lugar ao novo mundo: os metais moldam as sociedades. As desigualdades são inventadas e ordenam os tempos que virão: quem tem armas metálicas domina os que lutam com pedra e pau. Acúmulo, reinos, abundância, domínio, escassez.

E lá se vão milênios e milênios e milênios e milênios e milênios.

CRISTINA

A terra é pesada. Pesada demais pra esquecer. Estou toda decomposta de tanta terra e pedra que carreguei.

LEONOR

Tenho… sei lá quantos anos… e ainda aqui estou.

CRISTINA

Nunca saí daqui.

LEONOR

Sou uma pessoa simples. Não preciso de muitas palavras.

CRISTINA

Lembro de ser criança.

LEONOR

Em Terras do Demo.

CRISTINA

Isso melhor seria esquecer.

LEONOR

O HOMEM descobre como fundir metais.

CRISTINA

E também descobre como criar armas e jóias.

É bem nessa hora que nascem as desigualdades, os acúmulos, as classes e suas lutas.

LEONOR

Na altura não havia trabalho. Nem bom nem mau. Não havia.

CRISTINA

E o pouco que havia era à “jorna”. O dia de trabalho começava antes do sol nascer e terminava só depois do sol posto.

LEONOR

Não é como agora. Agora é-se explorado em toda a parte.

CRISTINA

Livro-vos da guerra não vos livro da fome.

LEONOR

Quem é que disse isso?

CRISTINA

Na minha cabeça eu não sei.

LEONOR

Na minha cabeça, às vezes, ouço vozes.

CRISTINA

A garimpar na lavaria.

LEONOR

Fazia-se assim com as mãos.

CRISTINA

A água trazia as pedras.

LEONOR

Depois, as pedras soltavam-se da areia. Luziam.

CRISTINA

E os dedos dormentes de frio apanhavam o minério.

LEONOR Era.

CRISTINA Era.

LEONOR

A miséria tinha chão para crescer.

VOZ DE ADOLFO:

Ouro, ródio, paládio, platina, lítio, lantânio, neodímio, disprósio, neóbio, ferro, tântalo, níquel, irídio, cobre, estanho, alumínio, manganês, volfrâmio. Agora ou desde antes de ontem. No Brasil, em Portugal, na África do Sul, na Rússia, no Chile, no Congo, na Argentina, no Canadá, na Indonésia, na Austrália. De novo e de novo, até acabar a última gota. De novo e de novo. Até acabar.

CRISTINA e LEONOR

Ai adeus largo da serrinha

Ai adeus largo da serrinha

Ai adeus Corga do Valão

Ai adeus Corga do Valão

Ai aos ricos deste dinheiro

Ai aos ricos deste dinheiro

Ai aos pobres deste-lhe o pão Ai aos pobres deste-lhe o pão

CRISTINA

Tenho a cabeça cheia de buracos. Muitas coisas para dizer. A memória em branco e preto.

LEONOR

Como a baba do lobo.

CRISTINA

Nos tempos antigos.

LEONOR

Em Terras do Demo.

CRISTINA

Em serras de aldeias.

LEONOR

E de alcateias.

CRISTINA

O lobo uivou ao outro lobo.

LEONOR

O homem uivou ao outro homem.

CRISTINA

O lobo uivou ao homem.

LEONOR

Uivaram todos, porque poucos comem.

CRISTINA

Quando o lobo rosna a baba cai.

LEONOR No chão.

CRISTINA

Na terra.

LEONOR

A baba desce à mais funda escuridão.

CRISTINA

A baba endurece e faz-se minério.

LEONOR

O volfrâmio.

CRISTINA

Por isso a memória é em branco e preto.

LEONOR

O volfrâmio.

CRISTINA

O tempo todo embaraçado.

LEONOR

O volfrâmio.

CORO

Ai adeus largo da serrinha

Ai adeus largo da serrinha

Ai adeus Corga do Valão

Ai adeus Corga do Valão

Ai aos ricos deste dinheiro

Ai aos ricos deste dinheiro

Ai aos pobres deste-lhe o pão

Ai aos pobres deste-lhe o pão

CRISTINA

Os ingleses começaram a explorar as minas.

LEONOR

Quando os alemães chegaram, aí é que começou o forrobodó.

CRISTINA

Aí é que começou a festa.

LEONOR

Aí é que começou o trufafá.

CRISTINA

Assim do nada o faroeste montou acampamento nas Terras do Demo.

LEONOR

Debaixo dos nossos pés luzia a baba do lobo. Eu roubava.

CRISTINA

Nunca roubei.

LEONOR

Aconteceu tudo muito rápido. Eu roubava e guardava o que podia dentro da algibeira por debaixo do vestido.

CRISTINA

Lembro que vivia com fome. Sopa com pão. Água rala.

LEONOR

O guarda mandou-me parar e quis saber o que eu levava debaixo da saia.

CRISTINA

Meus dedos entortados dentro da água gelada. Todo dia.

LEONOR

Eu disse a ele que não era da conta dele.

CRISTINA

De joelhos nas pedras. Descalça na geada.

LEONOR

Os guardas não podiam revistar a gente.

CRISTINA

Mas querer eles queriam.

LEONOR

Querer todos sempre querem.

CRISTINA

Acontece tudo muito rápido.

LEONOR

Vieram de toda a parte. Montaram tendas. Foi um escarcéu.

CRISTINA

Bordéis, casinos, contrabando a céu aberto.

LEONOR

A fome acabou.

CRISTINA

Porque o dinheiro era feito de chão.

LEONOR

Era feito de buracos no chão.

CRISTINA

Os rapazes começaram a entrar nas minas, uns atrás dos outros. Entravam garotos e saíam homens, ou mortos ou doentes para sempre. Cresciam, adoeciam e morriam debaixo da terra. Mulheres à superfície. E Santa Bárbara à porta.

LEONOR

Eu não lembro mais.

CRISTINA

Eu lembro-me que éramos fracas. Cheias de fome.

LEONOR

Eu sou forte porque esqueço muito.

CRISTINA

Eu sou forte porque ficava oito horas do dia, agachada com as mãos dentro da água. Morreram muitos homens.

LEONOR

Eu não lembro.

CRISTINA

Havia uma guerra.

LEONOR

Eu não lembro.

CRISTINA

Não havia empregos, nem bons, nem maus.

LEONOR

Só havia fome. Disso eu lembro.

CRISTINA

É o que dá nunca termos saído daqui. Nunca termos ido à escola.

LEONOR

Quando uma pessoa nasce, segue por um de três caminhos.

CRISTINA

Viras à esquerda e comes os lobos.

LEONOR

Viras à direita e os lobos comem-te.

CRISTINA

Segues em frente e comes a ti mesmo.

LEONOR

É o que é.

NARRAÇÃO:

1934 - Astúrias, Espanha, uma explosão matou dezesseis homens numa mina. O hino dos mineiros nasceu.

LEONOR

Dezasseis mineiros soterrados. Um único tiro de dinamite. Camisas manchadas de sangue. Corpos cobertos de pó.

NARRAÇÃO:

2015, Mariana, Brasil, o rompimento de uma barragem de rejeitos liberando 62 milhões de metros cúbicos de água e lama tóxica causou o desastre industrial com o maior impacto ambiental da história brasileira

CRISTINA

Mineiros não têm pátria. Falam todos a mesma língua. Cantam muito alto a música dos buracos. Morre-se com facilidade nas trincheiras das minas. Morre-se com facilidade nas trincheiras da guerra.

NARRAÇÃO:

1942 - Benxihu, China, uma explosão e um incêndio subterrâneo resultaram na morte de 1.549 operários. A maioria das mortes deveu-se ao fato da administração japonesa ter selado a mina e desligado o fornecimento de oxigênio para minimizar os danos.

LEONOR

Guerras e minérios são grandes amigos. É preciso de metal para ganhar a guerra. E também de fome.

NARRAÇÃO

:

1937, Los Cedros, México, o rompimento de uma barragem de rejeitos provocou mais de 500 mortos. A notícia foi abafada na imprensa

CRISTINA

Ao descobrir como se fundem os metais e como explorá-los, a humanidade descobre a arte de dominar povos. Autodeterminação é uma boa arma, o resto é utopia.

NARRAÇÃO:

Não existem dados oficiais sobre o número de mortes devido à doença pulmonar silicose, em Portugal, durante os anos 40 e 50 do século passado. A morte lenta de milhares e milhares de homens e o fenómeno das “aldeias de viúvas” nas zonas mineiras do interior de Portugal foi o legado da “euforia especulativa”.

LEONOR

Volfrâmio ou tungstênio. Pedra dura. Minério quase infundível. Denso como a baba de um lobo. Ganha a guerra quem tem acesso aos minérios. Alemanha e Inglaterra sabiam disso.

CRISTINA

Morreram muitos homens: era guerra.

LEONOR

Morreram muitos homens: era uma promessa de prosperidade.

CRISTINA

As mulheres viveram para contar e criar os futuros homens que iriam prosperar ou serem moídos na febre da mineração ou na guerra do seu tempo.

LEONOR

Teria muitas histórias para contar… mas fiquei tanto tempo em silêncio, que já não me lembro.

parte ii

A CABEÇA ABRIU bejanca - vouzela terra

CORO

Trago a cabeça aberta

Trai larai larai lai lai la

Que me abriu uma barrena, vê lá

Vê lá companheiro, vê lá

Vê lá como venho eu

Que me abriu uma barrena, vê lá

Vê lá companheiro, vê lá

Vê lá como venho eu

Lai larai lalai lai lai

LEONOR

Na minha cabeça eu não sei.

CRISTINA

Na minha cabeça, às vezes, há imagens, e vozes, e sons, e cheiros e derrocadas.

LEONOR

Quando eu canto, esqueço as horas.

CRISTINA

Quando eu danço, esqueço o peso que carrego.

LEONOR

Não consigo que as memórias fiquem quietas. Saltam de um lado para o outro. Está tudo solto, umas coisas seguidas de outras, como se fosse tudo o mesmo.

CRISTINA

As saias pesadas de terra

LEONOR

A memória dá saltos, Hilda. É preciso respirar para mantê-la à superfície.

CRISTINA

O meu nome é Hilda.

LEONOR

Aqui, somos todas Hilda.

CRISTINA

As mulheres são as mais altas coisas sobre a terra.

LEONOR

As mulheres são as mais belas coisas sobre a terra.

CRISTINA

As mulheres são as mais fortes coisas sobre a terra.

LEONOR

E quando eu falo somos nós todas a falar.

CRISTINA

Agora é que a memória começou a se desenrolar. A cabeça abriu.

VOZ DE ADOLFO:

Os tempos são duros. Eu sei. Não poderei poupar-vos da guerra: a guerra está no espírito dos nossos tempos. A guerra é boa: é ela que nos impulsiona para o novo. Para a criação, para inovação, para as descobertas, para gerar riqueza. A guerra é boa: ela limpa os excessos, os acúmulos, as sobras. Gente é coisa que sobra. A guerra é apenas uma peneira muito fina. E digo mais: é independente quem tem metais e tecnologia para explorá-los. É soberano quem faz do metal arsenal para sua defesa. O metal é mais que o minério que brota da nossa natureza abundante: é a espinha dorsal da nossa nação! É a espinha dorsal da nossa economia. Explorar a terra, a pedra, as gentes para sermos livres! É o que temos que fazer!

CRISTINA

Portugal sustentou a guerra com o minério.

LEONOR

O volfrâmio.

CRISTINA

Ou tungstênio.

LEONOR

A Baba do Lobo.

CRISTINA

Portugal encheu os cofres de ouro.

LEONOR

Ninguém sabia para que servia o minério. Ninguém sabia.

CRISTINA

Diziam que era para onde a guerra andava.

LEONOR

Para a guerra? Qual guerra?

CRISTINA

Eles diziam que era para alimentar a guerra, lá longe.

LEONOR

O que se fazia ao minério isso era lá com o Adolfo. Eu não sei nada disso. O minério para a guerra eu não sei. Não sei para que é que precisavam na guerra das pedras que apanhávamos aqui.

CRISTINA

O que é que o minério fazia lá?

LEONOR

A gente sabia lá que aquilo se transformava em armas? Só se soube depois.

CRISTINA

Só depois se soube que aquelas pedras pretas iam ajudar as bombas a matar homens nas trincheiras.

LEONOR

O que nos interessava era o dinheiro.

CRISTINA

Trabalhávamos onde nos pagavam. A semear a terra. A levar o gado. A lavar minério.

LEONOR

Porque era de sobrevivência que se tratava.

CRISTINA

É sempre de sobrevivência que se trata.

LEONOR

O meu pai trabalhava na mina. O meu irmão trabalhava na mina. O meu primeiro namorado trabalhava na mina.

CRISTINA

Mas nós não. Mulher não entra em mina.

LEONOR

Eles preferem gastar a gente fora da mina, de outra maneira.

CRISTINA

A gente ficava de fora, lavando a terra, procurando pedras pretas.

LEONOR

Eu contrabandeava as pedras que encontrava na lavagem. Escondia-as no corpo. Entregava-as ao nosso pai para vender.

NARRAÇÃO

A ambição humana é ancestral. A ambição pelos metais é igualmente antiga e poderosa. Um dia, volfrâmio, nas terras do norte de Portugal. Outro dia, ouro em terras Yanomami. Ontem e hoje, a especulação do mundo é um espetáculo grandioso. A efêmera aventura. O longo futuro das grandes barragens de rejeitos, que um dia rompem e cobrem cidades inteiras.

VOZ DE ADOLFO

Desculpem, mas o capital é assim mesmo. Espalha mercúrio e desejos inalcançáveis mundo afora.

CORO

A baba do lobo

O ouro na mais densa escuridão

A baba do lobo

CRISTINA

Desde que a lama cobriu minha terra inteira. Deixou minha pele craquelada de um ferro tão velho que já não enferruja, mas tão inútil que já não retorce.

A lama me habita ainda. Tudo à volta. Eu sempre fui bonita. Era mais antes da lama. Quando sobrava ouro, metais cobiçados e toda sorte de

riqueza. Eu era mais bonita. Hoje sobram os buracos das minas inúteis. O barulho das sirenes. As crianças tremem aos chamados. Eu lembro dos amores que perdi. Das coisas que a lama pintou junto com minha alma. As sirenes mandam toda hora: evacuem a área. Esta terra já foi tão violada que não devia mais morar gente.

NARRAÇÃO

Em 1941 a neutralidade era uma conveniência para Portugal: o país podia comercializar com os blocos antagônicos. Comercializar o minério estratégico para construção de armamento: tungstênio ou volfrâmio, sinônimos.

LEONOR

As mãos dormentes do frio.

NARRAÇÃO

A Alemanha dependia do volfrâmio chinês. Quando a Russia entrou na Guerra, a Alemanha ficou sem acesso a esse volfrâmio. Já a Inglaterra tinha vários fornecedores. Ambos países compreenderam que era estratégico explorar o minério em terras neutras portuguesas.

CRISTINA

As saias cheias de terra. A terra não saía das saias.

NARRAÇÃO

E enfim, deu-se a corrida. Migração, grandes empresas, homens vindos de várias partes. O que se pagava nas minas era mais do que na agricultura. Não demorou a faltarem mãos para o plantio e alimentos. A prosperidade prometida virou inflação.

O volfrâmio virou uma febre.

LEONOR

Quanto mais preto melhor.

CRISTINA

Roubávamos algum minério lavado. Era o que fazíamos.

LEONOR

Roubávamos terra de noite para lavar. Era o que fazíamos.

CRISTINA

Porque era de sobrevivência que se tratava. Era o que fazíamos.

LEONOR

E com as mãos dormentes do frio, escondíamos pedras nas saias. Era o que fazíamos.

CRISTINA

O contrabando mostrava os dentes. Arreganhava as gengivas.

LEONOR

E nós sorríamos em resposta.

LEONOR, CRISTINA e GRAVAÇÃO

Minha mãe, vou pra o minério

Lá trabalha boa gente

Lá se ganha bom dinheiro Mas o corpo é que o sente

CRISTINA

Ele olhava para mim sempre. Eu fingia que não via, quase sempre. Vez ou outra, sorria pequeno.

LEONOR

Foi amor ao primeiro danço. Ele chamava-me sempre para dançar no baile. Eu aceitava quase sempre. Eu era a mais bonita do baile. Soprou-me ao ouvido promessas meigas.

CRISTINA

E eu disse sim. Ai, meu deus. Ele me deu cinco filhos. Nós trabalhamos muito

Na lida, na cama.

LEONOR

Ele ganhava dinheiro debaixo da terra.

CRISTINA

E eu ganhava na superfície.

LEONOR

Depois do casamento.

CRISTINA

Até ao dia do desabamento.

LEONOR

O dia em que o tiro da pólvora encravou.

CRISTINA

Só explodiu depois ao retardador.

LEONOR

Estava ele lá em baixo.

CRISTINA

E lá em baixo ficou.

LEONOR

E lá em baixo ficou.

CRISTINA

Ele não ouviu o sino da igreja tocar.

LEONOR

Mas eu ouvi o tiro e o som das entranhas da terra.

CRISTINA

O desmoronar de uma vida.

LEONOR

E a imagem de Santa Bárbara à porta da mina. Ele foi-se. Eu fiquei para criar os nossos filhos. Para contar a história.

CRISTINA

No momento seguinte deixei de acreditar em Deus.

parte iii

SANGUE DE UM CAMARADA queiriga - vila nova de paiva água

CORO

Trago a camisa rota

Trai larai larai lai lai la

E sangue de um camarada, vê lá

Vê lá companheiro, vê lá

Vê lá como venho eu

E sangue de um camarada, vê lá

Vê lá companheiro, vê lá

Vê lá como venho eu

LEONOR

Desde que cheguei na vida, vi guerras passarem. Vi dos ciclos de falta tudo - raciona tudo, comida pouca, fome muita - aos ciclos de agora é a nossa vez. Gente que chega, vestida de seda, sapatilha de couro, fivela dourada no cabelo.

Aí, vem guerra de novo. Aí, vem a falta das pessoas que a gente amava, as camisas manchadas de sangue, o desejo que o nosso filho não seja convocado, o desejo de que ele volte.

CRISTINA

Dessa vida, eu queria só lembrar das danças que dancei, dos amores que tive, mas lembro dos camaradas que perdi, do amor que a poeira sufocou. Do dinheiro que prometeram que faríamos, mas que nunca foi o bastante.

LEONOR

Os mineiros não têm pátria. Falam todos a mesma língua.

CRISTINA

O dinheiro circulava e esbanjava-se à farta. Compravam-se canetas Parker, jogava-se nos casinos, frequentavam-se bordéis, comiam-se sanduíches de bacalhau frito, ia-se ao Porto, cinco horas de viagem, para engraxar os sapatos só porque sim.

LEONOR

Vi tanto camião sair cheio de pedras e diziam sempre que valia muito. Tanta coisa que tiram daqui de dentro de nós, que vale muito e a gente não vê essa riqueza a virar coisa boa, além de tudo destruído e esburacado. Nunca soube para onde foi o ouro que levaram daqui.

CRISTINA

Lembro-me que o nosso pai passava a vida a prometer-nos que íamos ficar ricas. Mas a riqueza era rápida… E logo a seguir continuávamos pobres e a trabalhar nas pilhas.

LEONOR

Era uma cambada de garotos a entrar nas galerias das noites mais escuras. A entrar nas trincheiras nas noites das facas longas.

CRISTINA

Aqui estamos, prontas para o sacrifício.

LEONOR

E eles só queriam o sumo que a gente tinha.

CRISTINA

Me disseram depois, bem depois, que aquele minério que tiravam daqui e valia tanto, servia para fazer bombas.

LEONOR

A gente nunca sabe de que engrenagem no relógio do mundo fazemos parte.

CRISTINA

Eu não queria que o meu ganha-pão servisse para tirar a vida de pessoas que nunca vi o rosto.

VOZ DE ADOLFO

Os aliados estão incomodados com o facto de nós, países neutros, estarmos a lucrar com a venda de produtos para ambos os blocos. Não me interessa o que fazem os alemães com as suas armas. O que importa é o equilíbrio inédito das contas públicas. Estão a impor-nos outras formas de guerra: tarifas, sanções, impostos, bloqueio de portos… tudo isso asfixia tanto quanto a poeira. Com as imposições dos aliados sobre nós, foi necessário suspender o fornecimento do minério para os nossos clientes. É uma lástima porque isso compromete a nossa economia. Eu lamento, sinceramente… teremos que parar de lucrar.

CRISTINA

A gente vai sempre fazer parte de coisas que a gente desconhece, guiada por gente que conhece bem.

LEONOR

É por isso que eu esqueço.

CRISTINA

Uma luta desgraçada para não morrer ali.

LEONOR

É por isso que eu esqueço.

CRISTINA

A camisa suja do sangue do seu .companheiro Do seu amor morrendo sem ar.

LEONOR

É por isso que eu esqueço.

CRISTINA

Uma vontade de sair daquele buraco. O corpo coberto de pó.

LEONOR

É por isso que eu esqueço.

CRISTINA

E a imagem de Santa Bárbara à porta. Não podia entrar. Ser santa é ficar no lugar certo.

LEONOR

Pendurada à porta da mina. Como as mulheres.

CRISTINA

Nenhuma mulher podia entrar.

LEONOR

Acalma-me o peito lembrar-me que as mulheres não podiam entrar nas minas.

CRISTINA

É o que é.

LEONOR

É por isso que eu esqueço.

CRISTINA

Que todos se levantam quando a mesa já não é mais farta.

CRISTINA

Foste trabalhar na casa do Adolfo estrangeiro?

LEONOR

Fui.

CRISTINA

Esse Adolfo é inglês ou alemão?

LEONOR

É estrangeiro e tem dinheiro. Tem muito dinheiro. E isso basta.

CRISTINA

É o dono da exploração da mina?

LEONOR O Adolfo.

CRISTINA

Foste cozinhar, lavar a roupa, cuidar dos filhos, mudar a roupa das camas?

LEONOR

Fui.

CRISTINA

Ele gritava em inglês ou alemão? Mandava que abrisses as pernas em que língua, Hilda?

LEONOR

Não sei. Alemães e ingleses confraternizavam lá em casa, bebiam cerveja e whiskies, faziam negócios. Olhavam todos para as minhas pernas. Não consegui perceber a diferença.

CRISTINA

O Adolfo estrangeiro dormia com a mulher?

LEONOR

Não.

CRISTINA

Engravidaste depois de teres ido trabalhar na casa do Adolfo estrangeiro, Hilda?

LEONOR

Sim.

CRISTINA

Abortaste?

LEONOR

Não fiz o desmancho, não. É por isso que eu esqueço.

CRISTINA

Há tanta lama manchando as paredes da minha casa, que acho que as minas vieram até mim.

LEONOR

Esquecem-se sempre da gente, depois que o sumo seca.

CRISTINA

As minas vieram até mim e eu nunca quis entrar nelas.

LEONOR

Não foi só o meu Adolfo que partiu.

CRISTINA

Eu sei, Hilda.

LEONOR

Houve outros Adolfos. Outros acidentes.

CRISTINA

Eu sei, Hilda.

LEONOR

Já fiz o levantamento.

CRISTINA

Eu sei, Hilda.

LEONOR

Muitos Adolfos ficaram doentes. De silicose.

CRISTINA

Eu sei, Hilda.

LEONOR

Engoliam o pó ao fugir dos tiros da dinamite.

CRISTINA

Eu sei, Hilda.

LEONOR

São vidas inteiras a comer pó.

CRISTINA

Eu sei, Hilda.

LEONOR

E voltavam para casa a respirar baixinho.

CRISTINA

E as Hildas, daqui a pouco viúvas.

LEONOR

Também apanhavam a doença nas separadoras onde só havia pó para respirar.

CRISTINA

Vidas inteiras a comer pó. A ficar com os restos.

LEONOR

E voltavam para casa a sussurrar. Aprendiam a respirar com pouco ar. Até os pulmões secarem.

CRISTINA

E enquanto os pulmões secavam os cães ladravam lá fora.

LEONOR

E as Hildas, daqui a nada, viúvas.

CRISTINA

Valeram-me as pernas. Andei e corri. Andei e corri.

LEONOR

Quando o lobo rosna a baba cai.

CRISTINA

A baba desceu à mais funda escuridão.

LEONOR

O mal é a ausência do homem no homem.

CORO

A baba do lobo

O ouro na mais densa escuridão

O lema da alcatéia

E da miséria humana

é sempre o mesmo

Em duas palavras riqueza exploração.

Querer todo sumo

Quando se espalha

o perfume do lucro de imediato

um acampamento

Um arraial. Uma festança

Extravagância, riqueza. exploração

Em tempos de desgraça

Em todo o lado alcateias

Em todo o lado alcateias

Os lobos farejam de longe a miséria

Uivam de perto o proveito

A baba do lobo

O ouro na mais densa escuridão

parte iv

SANTA BÁRBARA, VALEI-ME

chãs - manhouce

ar - vento

VOZ DE ADOLFO

Não tenho culpa que os ricos ficaram mais ricos, nem os pobres mais pobres, nem os remediados pobres. Não fui eu quem inventou as desigualdades. E se quisesse dar fim às diferenças, não seria presidente por tanto tempo.

Eu enriqueci este país com minério e vocês deveriam agradecer-me! Não tenho culpa que por conta do enriquecimento, tudo ficou mais caro. Não é culpa minha que embargaram as vendas e a mineração entrou em colapso. Os culpados são os outros!

CORO

Santa Bárbara bendita

Trai larai larai lai lai la Padroeira dos mineiros, vê lá

Vê lá companheiro, vê lá

Vê lá como venho eu Padroeira dos mineiros, vê lá

Vê lá companheiro, vê lá

Vê lá como venho eu

Trai larai larai lai lai

Trai larai larai lai lai

Lai larai larai lai lai

NARRAÇÃO

No dia 30 de abril de 1945, enquanto as tropas soviéticas abriam caminho até a Chancelaria do Reich, Adolfo Hitler cometeu suicídio.

CRISTINA e LEONOR

Acendo velas para Santa Bárbara.

CRISTINA

Para não faltar luz para iluminar os homens

NARRAÇÃO

Em 7 de maio de 1945, as forças armadas alemãs renderam-se incondicionalmente aos Aliados em Reims, França.

CRISTINA e LEONOR

Acendo velas para Santa Bárbara.

LEONOR

Para ter gente nas roças.

NARRAÇÃO

No dia 8 de maio, a rendição entrou em vigor e foi celebrado o Dia da Vitória na Europa.

CRISTINA e LEONOR

Acendo velas para Santa Bárbara.

CRISTINA

Para que as crianças de menos de 10 anos não tenham que trabalhar nas minas.

NARRAÇÃO

No dia 9 de maio, os soviéticos anunciaram o seu “Dia da Vitória” em Berlim.

CRISTINA e LEONOR

Acendo velas para Santa Bárbara.

LEONOR

Para que não espalhem mercúrio nas águas. Para que não falte água limpa

NARRAÇÃO

:

Em agosto, após os Estados Unidos lançarem bombas atômicas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, a guerra terminou no Oceano Pacífico.

CRISTINA e LEONOR

Acendo velas para Santa Bárbara.

CRISTINA

Para que o barro não desabe sobre nós nunca mais.

NARRAÇÃO

:

O ciclo auspicioso do volfrâmio não representou desenvolvimento duradouro e sustentável. Com o colapso do setor, Portugal de Salazar empurrou sua população para um êxodo que marcou o século XX.

LEONOR

E de um dia para o outro.

CRISTINA

Tal como começou.

LEONOR

De um dia para o outro.

CRISTINA

Tudo acabou.

LEONOR

O forrobodó.

CRISTINA

O faroeste.

LEONOR

O contrabando a céu aberto.

CRISTINA

O trufafá.

LEONOR

Não acabou o minério.

CRISTINA

Simplesmente, fechou-se a guerra.

LEONOR

E ao fechar a guerra a baba do lobo ficou quieta.

CRISTINA

Calaram-se as minas.

LEONOR

Mas as viúvas ficaram.

CRISTINA

Ficaram os largados e as misérias de sempre.

LEONOR

Ainda aqui estão.

CRISTINA

A gente sabia lá?….

LEONOR

Só se soube depois.

CRISTINA

Tudo isto só se soube depois.

LEONOR

De um dia para o outro.

CRISTINA

As sirenes estão tocando, mandando evacuar a área? Ou é sonho meu, irmã?

LEONOR

As sirenes estão em silêncio, Hilda. Há muito tempo que não explode dinamite.

CRISTINA

As sirenes estão tocando! Temos que sair. As barragens vão romper… eu não vou ficar pra ver.

LEONOR

Eu só ouço o silêncio, irmã.

CRISTINA

As sirenes estão tocando! Valei-me Santa Bárbara!

LEONOR

São só os sinos das igrejas, Hilda. Tem calma!

CRISTINA

É o alarme! É a ordem de evacuar a área.

LEONOR

Mas não está mais ninguém aqui…

CRISTINA

Minha Santa Bárbara, acode!

LEONOR

Santa Bárbara, que ficava à porta, está à porta. Não entra nas minas.

CRISTINA

As mulheres não entram nas minas

LEONOR

As mulheres nunca puderam entrar nas minas, que bom! Desse mal de morrer em explosão e ter o pulmão infestado de poeira… Pelo menos isso não padecemos.

CRISTINA

Você está me escutando, Hilda?

LEONOR

Eu não ouço mais coisa alguma, irmã.

CRISTINA

As sirenes estão tocando! Eu não sei pra onde ir.

LEONOR

Eu acho que você sofre porque lembra demais, irmã.

CRISTINA

Eu não quero ficar presa na lama de novo.

LEONOR

Você devia esquecer mais as coisas.

CRISTINA

Eu não quero esquecer de nada. Eu quero ficar bem alerta. Eu não vou mais dormir… Tem barragens condenadas por toda parte… Se elas racharem, eu quero estar pronta. A sirene tocou! É verdade! Valei-me Santa Bárbara!

LEONOR

As minas foram abandonadas.Depois de tudo ficaram só as cobras e os javalis.

CRISTINA

Só cobras e javalis e lobos.

LEONOR

E terras vazias onde já ninguém cultivava.

CRISTINA

A sobrevivência voltou.

LEONOR

As Terras do Demo voltaram a ser do Demo.

CRISTINA

As serras voltaram a encher-se de rebanhos. Ovelhas, cabras, vacas.

LEONOR

E voltaram os lobos. O volfrâmio lá está adormecido.

CRISTINA

A serra, os montes têm o bem e o mal.

LEONOR É assim.

CRISTINA

Porque a vida é dura, pobre.

LEONOR

Uma bruta labuta.

CRISTINA

A vida dita que assim seja.

LEONOR

Agora acabou.

CRISTINA

Acabou para nós.

LEONOR

Já não faço nada. Trabalhei muito. Tenho os dedos tortos. As pernas apontam uma para cada lado.

CRISTINA

Já não faço nada agora. Dei cabo do corpo.

LEONOR

Já não posso levar as fraldas ao danço.

CRISTINA

Acabou o danço mas ainda cá estamos.

LEONOR

Se deixarmos cair a memória, deixamos de saber respirar.

CRISTINA

É preciso respirar. Continuar a respirar. Inspirar e cuspir pó.

LEONOR

Para que a memória não morra.

CRISTINA

Ando à luta com as fotografias que tirei com os olhos.

LEONOR

Com os sons que gravei na garganta.

CRISTINA

Com os movimentos arrecadados no corpo.

NARRAÇÃO

A Idade dos Metais inaugurou Dominação e Desigualdades há milênios. Ainda estamos na Idade dos Metais.

LEONOR

O meu nome é Hilda.

CRISTINA

Aqui somos todas Hilda.

criados a partir de pesquisas e entrevistas feitas durante o período de investigação, em Satão, Vila Nova de Paiva, São Pedro do Sul, Viseu, Vouzela e Moimenta da Beira, Portugal, em fevereiro de 2025.

colaboraram nesta fase com entrevistas ou depoimentos em SÁTÃO:

Acácio Pinto, Aurélio de Figueiredo e Ilda de Magalhães Cândido.

em VILA NOVA DE PAIVA:

José Luís Ferreira dos Santos, Madalena Ferreira e Rosa Marques da Silva.

em SÃO PEDRO DO SUL:

Custódia de Fátima Duarte Tavares, Manuel Almeida Costa, Manuel Campos Ferreira, Maria Celeste Gomes Duarte, Maria José Tavares Lindo, Palmira Gomes Duarte e Sandra Paula da Silva Costa.

em VISEU:

Amadeu Carvalho, Cidália Lourenço, Ermelinda Ferreira, José Gomes de Almeida, José Marques Duarte,

em VOUZELA:

Almerinda Costa Ferreira Fernandes, Manuel Fernando Gomes, Maria Josefina Marques de Almeida e Palmira Mendes.

em MOIMENTA DA BEIRA:

Paulo José Neto Pereira e Rafael Cardoso Botelho.

texto base de monica santana

personagens (por ordem de aparição) mariana - mulher soterrada em barro e ferro hilda - mulher coberta de poeira e esquecimento voz em off: adolfo (ou toda e qualquer representação de poder econômico ou do estado)

legenda: inserções didáticas de informações históricas

PARTE I - MORRERAM MUITOS

Mariana - Tem muitas histórias na minha cabeça. Eu gostaria de contá-las. Mas eu não lembro.

Hilda - Lembro-me como se fosse hoje das minhas saias pesadas de terra.

Mariana - A terra é pesada. Pesada demais pra esquecer. Estou toda decomposta de tanta terra e pedra que carreguei.

Hilda - Isso melhor seria esquecer.

Voz de Adolfo: Cobre, prata, estanho, ouro, ferro. Armas, jóias, poder, domínio, classes. O velho mundo dá lugar ao novo mundo: os metais moldam as sociedades. As desigualdades são inventadas e ordenam os tempos que virão: quem tem armas metálicas domina os que lutam com pau e pedra. Acúmulo, reinos, abundância, domínio, escassez. E lá se vão milênios e milênios e milênios e milênios e milênios.

Legenda: Nada é novo. É tudo de novo.

Legenda: Quando descobre como fundir metais, o homem também descobre como criar armas e jóias. É bem nessa hora que também nascem as desigualdades, os acúmulos, a classe e suas lutas.

Do neolítico até quando houver gente.

Voz de Adolfo: Ouro, ródio, paládio, platina, lítio, lantânio, neodímio, disprósio, nióbio, ferro, tântalo, níquel, irídio, cobre, estanho, alumínio, manganês, volfrâmio. Agora ou desde antes de ontem. Aqui no Brasil, em Portugal, na África do Sul, na Rússia, no Chile, no Congo, na Argentina, no Canadá, na Indonésia, na Austrália. De novo e de novo, até acabar a última gota. De novo e de novo. Até acabar.

Mariana: Se eu disser que fiz de tudo, é mentira. Eu não fiz.

Hilda: Eu roubava.

Mariana: Nunca roubei.

Hilda: Eu roubava e guardava o que catava dentro da algibeira por debaixo do vestido.

Mariana: Lembro que vivia com fome. Sopa com pão. Água rala.

Hilda: O policial me parou e quis saber o que eu levava debaixo da saia.

Mariana: Broa com café preto. Meus dedos entortados dentro da água gelada. Todo dia.

Hilda: Eu disse a ele que não era da conta dele.

Mariana: Você não era tão atrevida assim!

Hilda: Era sim!

Mariana: Os guardas não podiam revistar a gente.

Hilda: Mas querer eles queriam.

Mariana: Querer todos sempre querem.

Hilda: Eu não lembro mais.

Mariana: Eu lembro que éramos fracas figuras. Magrinhas cheias de fome.

Hilda: Eu sou forte porque ficava oito horas do dia, agachada com as mãos dentro da água. Meus joelhos ficaram fortes, vê só aqui.

Mariana: Eu sou forte porque esqueço muito.

Hilda: Morreram muitos homens.

Mariana: Eu não lembro.

Hilda: Havia uma guerra.

Mariana: Eu não lembro.

Hilda: Não havia empregos, nem bons, nem maus.

Mariana: Só havia fome. Disso eu lembro.

Hilda: Aí um belo dia descobriram que havia um ouro preto aqui. E esse ouro ia trazer prosperidade.

Mariana: A prosperidade é sempre uma promessa tão boa. Ela vem com gentes chegando. A vontade de um sapato quente que aqueça os pés. Cama macia. Moços bonitos vindo de toda parte. Casas novas se erguendo do dia para noite. O progresso tem um perfume que encanta a todos. Todos vêm sentir o cheiro do progresso. Nunca esqueço o cheiro do progresso porque vivo procurando, sem encontrar. Um dia ele chega. Cedo ou tarde.

Hilda: Meus dedos ficaram tortos de tanto que eu lavava a terra procurando minério.

Mariana: Minha coluna ficou torta de tanta gente e coisa que carreguei nessa vida.

Hilda: Se me dissessem que tinha jeito de eu ter pernas novas para poder dançar tudo de novo… eu trocaria.

Mariana: Eu danço com o corpo que tenho.

Hilda: Eu canto com o corpo que tenho.

Voz de Adolfo: Guerras e minérios são grandes amigas. É preciso metal para ganhar a guerra. E também de fome.

Legenda: As minas de Portugal descendem da pré-história e existirão até quando houver história.

Legenda:

A neutralidade política de Portugal durante a segunda guerra mundial garantiu que o país não fosse invadido pelas forças nazistas, nem pelos aliados. Além disso, tornou possível comercializar produtos com ambos blocos econômicos.

Legenda:

Apesar das colônias enviarem alimentos, era um tempo de fome e escassez. Muito do que chegava era destinado para os países em guerra. E, assim, comprava-se a paz.

Voz de Adolfo:

O que seria desse país se não explorássemos diamantes no século XIX?

O que será desse país se não explorássemos o volfrâmio nos anos 40?

O que seria desse país se não explorássemos?

O que seria desse país?

O que será desse país?

O que será?

Voz de Adolfo: Ao descobrir como se fundem os metais e como explorá-los, a humanidade descobre a arte de dominar povos. Autodeterminação é boas armas, o resto é utopia.

Mariana e Hilda: Morreram muitos homens: era guerra. Morreram muitos homens: era uma promessa de prosperidade. As mulheres viveram para contar e criar os futuros homens - para prosperar ou serem moídos na febre ou na guerra do seu tempo. Permitam-me contar.

Mariana: Teria muitas histórias pra contar… mas fiquei tanto tempo em silêncio, que já não me lembro.

Legenda: Volfrâmio ou Tungstênio. Pedra dura. Quase infundível. Denso como a baba de um lobo. Demorou para haver tecnologia capaz de fundí-lo, moldá-lo e empregá-lo em atividades industriais e bélicas. Século XX. Ele chegou junto com suas grandes guerras e evoluções tecnológicas.

Ganha a guerra quem tem acesso aos minérios. Alemanha e Inglaterra sabiam disso. Com o volfrâmio abundante em suas terras, Portugal forneceu o mineral para ambas potências que dentro do território exploraram minas.

Mariana e Hilda: Eles disseram que a guerra é lugar de esperança. E de progresso. E de trabalho. E de esperança. A guerra vai matar nossa fome. A guerra é lugar de fazer riqueza. A guerra vai nos livrar da falência. Eles disseram.

Parte ii - ABRIR A CABEÇA

Mariana e Hilda: Quando eu canto, esqueço as horas

Quando eu danço, esqueço o peso que carrego

As saias pesadas de terra

As mãos calejadas de terra

Os joelhos endurecidos pelo tempo

Quando eu canto, esqueço da infância que não tive

Quando eu danço, lembro da mulher que fui

Meus quadris lembram os filhos que pari

Meus peitos lembram os filhos que alimentei

Meus lábios lembram as palavras que calei

Quando eu canto, esqueço os amores que perdi

Quando eu danço, lembro dos amores que amei

Minhas costas lembram do peso das pedras que carreguei

Minhas coxas lembram das mãos que delas se apossaram

Meus dentes lembram das carnes que rasguei de ódio

Quando eu canto, esqueço dos filhos que tive e não queria

Quando eu danço, lembro dos sons de sinos e dinamite

Meus olhos lembram daqueles que já não veem mais

Minha cabeça explodiu: saudades? revolta? exílio?

Meu pulmão respira o ar que meus amores não puderem respirar]

Meus pés sacodem a poeira que envolve tudo

Metal e tempo

Voz de Adolfo: Senhoras, senhores, os tempos são duros. Eu sei. Não poderei poupá-los da guerra: a guerra está no espírito do nosso tempo. A guerra é boa: ela é quem nos impulsiona para o novo. Para a criação, para inovação, para as descobertas, para gerar riqueza. A guerra é boa: ela limpa os excessos, os acúmulos, as sobras. Gente é coisa que sobra. A guerra é apenas uma peneira muito fina. E digo mais: é independente quem tem metais e tecnologia para explorá-los. É soberano quem faz do metal arsenal para sua defesa. O metal é mais que o minério que brota da nossa natureza abundante: é a espinha dorsal de nossa nação! É a espinha dorsal de nossa economia. Explorar a terra, a pedra, as gentes para sermos livres! É o que temos que fazer! Avante!

Hilda: Meu pai trabalhava na mina. Meu irmão trabalhava na mina. Meu primeiro namorado trabalhava na mina.

Mariana: Mas nós não. Mulher não entra em mina.

Hilda: Nem Santa Bárbara.

Mariana: Santa Bárbara é mulher.

Hilda: Mina é lugar de gasto da terra. Eles preferem gastar a gente fora da mina, de outro jeito.

Mariana: A gente ficava de fora, lavando a terra, procurando terra.

Hilda: Eu contrabandeava as pedras que encontrava na lavagem. Eu escondia pelo meu corpo e

Mariana: Entreguei para nosso pai vender. Ele é quem vendia, não você.

Hilda: Chata!

Mariana: Nossos amores trabalhavam na mina. Isso é que importa!

Hilda: Importa muito!

Mariana: Tanto homem bonito vindo de toda parte.

Hilda: Todos querendo dançar comigo. Eu era a mais bonita.

Mariana: Eu era.

Hilda: Eu sou.

Mariana: Eu ainda sou. Ainda sou.

Hilda: Eu lembro completamente.

Mariana: Os homens vinham aos montes!

Hilda: Nasciam também.

Mariana: E morriam também.

Hilda: Faltava ar.

Mariana: Sobrava poeira.

Hilda: Meu amor morreu.

Mariana: Meu amor foi pra longe, quando a mina secou. Meu amor foi buscar a vida em outra terra, como cupim que troca de árvore.

Hilda: Gente é que nem cupim.

Mariana: Eu sei.

Voz de Adolfo: São muitas as coisas ancestrais: a ambição humana é uma delas. A ambição pelos metais é tão antiga e poderosa. Um dia, Volfrâmio, nas terras do norte de Portugal. Outro dia, ouro em terras Yanomami. Ontem e hoje, a especulação do mundo é um espetáculo grandioso. A efêmera aventura. O longo futuro das grandes barragens de rejeitos, que um dia rompem e cobrem cidades inteiras. Nome de Mulher:

Mariana: A efêmera aventura da riqueza, que vamos lá, será para poucos. É ancestral também a luta de classes. As águas turvas e sujas sobrarão onde um dia foi mina fértil, povoada de homens ávidos de sonhos. As águas turvas contaminam o solo que um dia foi rico e diverso. Desculpa, mas o capital é assim mesmo. Espalha mercúrio e desejos inalcançáveis mundo afora.

Mariana: Desde que a lama cobriu minha terra inteira. Deixou minha pele craquelada de um ferro tão velho que já não enferruja, mas tão inútil que já não retorce. A lama me habita ainda. Tudo à volta. Eu sempre fui bonita. Era mais antes da lama. Quando sobrava ouro, metais cobiçados e toda sorte de riqueza. Eu era mais bonita. Hoje sobram os buracos das minas inúteis. O barulho das sirenes. As crianças tremem aos chamados. Eu lembro dos amores que perdi. Das coisas que a lama pintou junto com minha alma. As sirenes mandam toda hora: evacuem a área. Essa terra já foi tão violada que não devia mais morar gente.

Hilda: Mariana, você sempre foi linda. Mesmo com as crianças cobertas de lama. Eu te acho bonita.

Mariana: Hilda, sempre achei que você era mais rica do que eu.

Hilda: Eu também achei. Mas sempre tive o bolso furado.

Mariana: Tem noites que acordo assustada achando que outra barragem vai romper.

Hilda: Tem manhãs que prefiro não acordar porque lembro que todo mundo foi embora quando a guerra acabou. Eu era mais feliz naquela época.

Voz de Adolfo: Ora, mas de onde vem a bateria do seu celular: Os componentes do notebook de quem escreve esse texto que eu leio? O aço que faz os carros que sonhamos andar? A prata que adorna as orelhas das moças? O ouro que os ricos acumulam? De onde vem a matéria prima que dá forma aos desejos que você nem sabe que tem, mas terá e vai pagar qualquer preço para ter? Estamos todos implicados, mesmo os ingênuos.

Legenda: A neutralidade era uma conveniência para Portugal: o país podia comercializar com os blocos antagônicos. Comercializar o minério estratégico para construção de armamento: tungstênio ou volfrâmio, sinônimos.

A Alemanha dependia do volfrâmio chinês. Mas para o minério chegar, precisava atravessar a Rússia. Já a Inglaterra tinha vários fornecedores e dividendos. Ambos países compreenderam que era estratégico explorar o minério em neutras terras portuguesas. E enfim, deu-se a corrida.

Migração, grandes empresas, homens vindos de várias partes. O que se pagava nas minas era mais do que na agricultura. Não demorou a faltarem mãos para o plantio e alimentos. A prosperidade prometida virou inflação dos alimentos.

O volfrâmio virou uma febre.

Voz de Adolfo: As guerras são sempre boas. As de armas, bombas, drones, tarifas. São sempre boas. A escassez e a inflação fazem parte. Muita gente enriquece. Uma economia austera é como a visão de um paraíso.

Hilda: Ele olhava para mim sempre

Eu fingia que não via, quase sempre

Vez ou outra, sorria pequeno

Ele me tirava sempre para dançar no baile

Eu aceitava quase sempre

Eu era a mais bonita do baile

Ele me pediu em casamento

Ele me deu cinco filhos

Nós trabalhamos muito

Na lida, na cama

A vida melhorou sim

Os metais brutos da terra viraram metais caindo no bolso

A fome foi passando

A comida ficou mais frequente

Tanto quanto a poeira no peito do meu amor

Ele durou o tempo de me fazer os tantos filhos

Ele se foi

Eu fiquei para criar meus meninos

Para contar a história

Mariana: Acendo velas para Santa Bárbara, pra não faltar luz para iluminar os homens

Para não faltar luz dentro da mina, pra ter mão pra trabalhar nas pedras e na lavoura

Para ter gente pra ser pilhas

Pra ter gente nas roças

Acendo velas para Santa Bárbara, segurar as contenções das barragens

Para que os moços não queiram entrar nas meninas de menos de 10 anos

Para que não espalhem mercúrio nas águas

Acendo velas para Santa Bárbara, para que não falte água limpa

Para que a inflação desapareça

Que as notícias de guerra sejam sempre distantes

Que o barro não desabe sobre nós nunca mais

Hilda: É poeira demais pra gente respirar

Mariana: É acidente demais, uns desastres abobalhados.

Voz de Adolfo: É, infelizmente veio inflação. Alguma escassez. É o preço que se paga pelo desenvolvimento com a mineração. Ninguém está interessado em plantar. Infelizmente o dinheiro que ganham não mata a fome. Lamento muito. Mas pouco vocês da guerra. Preservo a memória do império que fomos, ainda somos metrópole. Com nosso déficit orçamentário, sim. Mas temos colônias e a Europa precisa de nós. A fome é controlável, não prestem atenção nela. Ainda somos um império!

Legenda: A venda declarada e abundante do tungstênio para Alemanha contribuiu para prolongar o poderio do país na Segunda Guerra Mundial e retardar sua quebra. Mas, além do comércio oficial, havia o abundante contrabando especialmente para a Alemanha, que rendia maiores dividendos e procura pelo produto. A Inglaterra também instalou empresas mineradoras, a fim de disputar o minério com os nazistas e dificultar o acesso ao material.

A Alemanha pagava suas compras durante a guerra com ouro. Muito do ouro que saqueava era dos bancos e também dos indivíduos. Muito do ouro dos judeus foi fundido e lavado como ouro alemão. Estima-se que Portugal tenha recebido pelo menos 127 toneladas de ouro naqueles anos. As reservas de ouro aumentaram em 600% durante a guerra.

Voz de Adolfo: A guerra é cheia de benefícios. Só os fracos não lucram.

Voz de Adolfo: Eu prezo pelo equilíbrio: vendo a todos. Minha soberania primeiro. Quem pensa diferente, sinceramente, é ingênuo.

Parte III - SANGUE DE UM CAMARADA

Legenda: Durante um bom tempo, Alemanha e Inglaterra compraram o tungstênio português. Mas em 1944, os países aliados decidiram pelo endurecimento das sanções aos países neutros que mantinham relações comerciais com os nazistas. No caso de Portugal, chegou a ameaça de cortes de fornecimento de petróleo, entre outros bens de consumo e matérias primas fundamentais para o país. Diante da pressão

crescente, Antônio Oliveira Salazar, o ditador português foi obrigado a ceder e suspendeu a venda do minério para Alemanha.

Hilda: Naquele tempo eles queriam o sumo do que a gente tinha.

Mariana: Agora também, minha irmã.

Hilda: Mas pelo menos havia fogueira pra gente cantar.

Mariana: A gente ainda faz fogueira para cantar e comer milho.

Hilda: É tudo vazio, irmã. Tudo aqui é muito vazio.

Mariana: Todo mundo foi embora procurar dinheiro em outra parte.

Hilda: Eu fiquei pra criar meus filhos.

Mariana: A gente sempre fica, irmã.

Hilda: Desde que cheguei na vida, vi guerras passarem. Vi os ciclos de falta tudo, racionar tudo, comida pouca, fome muita. Aos ciclos de agora é a nossa vez. Gente que chega, vestido de seda, sapatilha de couro, fivela dourada no cabelo. Aí vem a guerra de novo. Aí vem a falta das pessoas que a gente amava, as camisas manchadas de sangue, o desejo que o nosso filho não seja convocado, o desejo de que ele volte. Dessa vida, eu queria só lembrar das danças que dancei, dos amores que tive… mas lembro dos camaradas que perdi, do amor que a poeira sufocou. Do dinheiro que prometeram que faríamos, mas que nunca foi o bastante.

Mariana: Você lembra daquele moço que não sabia ler, nem escrever, mas andava com uma caneta de ouro pendurada no terno? Você lembra do dia que papai disse que íamos ficar ricas? Quando finalmente ganhamos sapatos que protegiam nossos pés das pedras geladas? Você lembra das moças inglesas que eram muito finas e elegantes e convidavam a gente para frequentar a casa delas?

Hilda: Para trabalhar na casa delas você quer dizer.

Mariana: A memória é minha e eu invento ela como eu quiser.

Hilda: Ah, tá bom! Então eu também lembro. Lembro de que nosso pai vivia prometendo que íamos ficar ricas. Mas a riqueza era rápida… e logo continuávamos pobres e trabalhando nas pilhas.

Mariana: Essa parte seria melhor esquecer.

Hilda: Fico achando melhor sonhar.

Voz de Adolfo: Infelizmente os aliados estão incomodados com o fato de que nós países neutros estamos lucrando vendendo produtos para ambos os blocos. E estão nos impondo sanções. Sanções muito duras, muito hostis. Eu sinto muito, meu povo. Eu sinto muito… teremos que parar de lucrar. Esqueci de avisar, mas há outros jeitos de fazer guerra: tarifas, sanções, impostos, fechamento de portos… tudo isso asfixia tanto quanto a poeira. Eu lamento, sinceramente.

Voz de Adolfo: Eu os livrei da guerra. E não considerem isso pouco. Da fome, não. Mas aí vai do mérito de cada um, né?

Voz de Adolfo: Infelizmente, com as imposições dos aliados sobre nós, foi necessário suspender o fornecimento do minério para nossos clientes. É uma lástima porque isso compromete nossa economia. Não me interessa o que fazem os alemães com suas armas. O que importa é o equilíbrio inédito das contas públicas.

Hilda: Eu trabalhei tanto tempo lavando as pedras, amando meu homem que se embrenhar nos buracos das minas, roubei tanta pedra dentro dos meus vestidos pra vender pra contrabandista e dar o dinheiro pro nosso pai… essas pedras fizeram parte tanto de nossa vida. nos deram tanto de comer quanto de saudade… mas nunca soube para que essas pedras serviam. Por que valiam tanto.

Mariana: Vi tanto caminhão sair cheio de pedras e diziam sempre que valia muito. Tanta coisa que tiram daqui de dentro da gente, que vale muito e a gente não vê essa riqueza virar coisa boa, além de tudo destruído e esburacado. Nunca sei pra onde foi o ouro que levaram daqui.

Hilda: Me disseram depois, bem depois, que aquele minério que tiravam daqui e valia tanto, servia para fazer bombas.

Mariana: A gente nunca sabe de que engrenagem no relógio do mundo a gente faz parte.

Hilda: Eu não queria que meu ganha-pão servisse para tirar a vida de pessoas que nunca vi o rosto.

Mariana: A gente vai sempre fazer parte de coisas que a gente desconhece, guiada por gente que

conhece bem.

Hilda: É por isso que eu esqueço.

Mariana: A camisa suja do seu camarada?

Hilda: É por isso que eu esqueço.

Mariana: Do seu amor morrendo sem ar?

Hilda: É por isso que eu esqueço.

Mariana: Que todos se levantam quando a mesa já não é mais farta.

Hilda: É por isso que eu esqueço.

Mariana: Que as terras foram ficando esvaziadas, sem gente nem sonhos.

Hilda: Me acalma o peito lembrar que mulheres não podiam entrar nas minas.

Mariana: Há tanta lama manchando as paredes da minha casa, que acho que as minas vieram até mim.

Hilda: Sempre esquecem das febres que esgotam terras e pessoas. Sempre esquecem da gente, depois que o sumo seca.

Mariana: As minas vieram até mim e eu nunca quis entrar nelas.

Parte IV - SANTA BÁRBARA, VALEI-ME

Voz de Adolfo: Não é minha culpa que os ricos ficaram mais ricos, nem os pobres mais pobres, nem os remediados pobres. Não fui eu quem inventou as desigualdades. E se quisesse dar fim às diferenças, não seria presidente por tanto tempo.

Eu enriqueci o país com minério e vocês deviam me agradecer! Não tenho culpa que por conta do enriquecimento, tudo ficou mais caro. Não é culpa minha que embargaram as vendas e a mineração entrou em colapso. Os culpados são os outros!

Sinto muito se vocês não têm emprego e precisam ir embora do país.

Sinto muito se a moeda não vale coisa alguma.

Sinto muito a dor de vocês. Mas é meu papel manter o equilíbrio.

É meu papel evitar o endividamento público e manter a austeridade.

É meu papel garantir a memória de que um dia fomos um império.

Legenda: Portugal viveu anos duros após o ciclo auspicioso do volfrâmio, que não representou desenvolvimento duradouro e sustentável. Com o colapso do setor, altos índices de desemprego e inflação acumulada, daqueles períodos de maior circulação monetária.

Portugal retomou sua vocação agrícola e sua posição econômica no continente europeu dava ares de subdesenvolvimento. A falta de oportunidades e empregos no país empurrou sua população para fora, num êxodo que marcou o século XX.

Mariana: As sirenes estão tocando, mandando evacuar a área? Ou é sonho meu, irmã?

Hilda: As sirenes estão em silêncio, Hilda. Há muito tempo que não explode dinamite.

Mariana: As sirenes estão tocando! Temos que sair se não as barragens podem romper… eu não quero ficar para ver.

Hilda: Eu só ouço o silêncio, irmã.

Mariana: As sirenes estão tocando! Valei-me Santa Bárbara!

Hilda: São só os sinos das igrejas, Mariana. Fica calma!

Mariana: É o alarme! É a ordem de evacuar a área.

Hilda: Mas não tem mais ninguém aqui…

Mariana: Minha Santa Bárbara, acode!

Hilda: As mulheres nunca puderam entrar na mina, que bom! Desse mal de morrer em explosão e te o pulmão infestado de poeira… pelo menos isso não padecemos.

Mariana: As sirenes estão tocando! Protege minhas crianças, Santa Bárbara!

Hilda: Já não basta os filhos que nos fazem sem querer. Já não basta cria-los sós, nesse país de poucos horizontes.

Mariana: Você está me escutando, Hilda?

Hilda: Eu não ouço mais coisa alguma, irmã. Vamos acender uma fogueira, assar um milho.

Mariana: Vamos chamar as crianças! Os homens estão lá fora! Vamos arrumar as coisas… as sirenes estão tocando! Eu não sei pra onde ir.

Hilda: Eu acho que você sofre porque lembra demais, irmã.

Mariana: Eu não quero ficar presa na lama de novo.

Hilda: Eu sei. Mas aqui é seguro. Aqui, não vem ninguém.

Só restam cobras e javalis.

Mariana: As crianças…

Hilda: Elas cresceram e moram em outro país.

Mandam dinheiro e assim a gente vive.

Mariana: Não, irmã… minhas crianças são pequenas… elas dependem de mim.

Hilda: Você devia esquecer mais as coisas.

Mariana: Eu não quero esquecer de nada.

Hilda: Lembra como éramos as mais bonitas da festa?

Mariana: Eu não quero esquecer de nada.

Hilda: Lembra dos moços que chegavam e nos tiravam para dançar?

Mariana: Eu quero ficar bem alerta. Eu não vou mais dormir… tem barragens condenadas por toda parte… se elas racharem, eu quero estar pronta.

Hilda: Lembra das músicas que cantávamos?

Mariana: A sirene tocou! É verdade! Valei-me Santa Bárbara!

Voz de Adolfo:

Governar é poupar: esforços, gastos, investimentos. Governar é poupar: ousadia, desenvolvimento, recursos. Melhor estagnados, que endividados. Melhor baixos salários, que delírios de prosperidade. Melhor não ter indústria e ter bom vinho para servir. Nós não devemos nada a ninguém. E os incomodados é que se mudem.

Se mudem.

Amem ou deixem.

Os incomodados é que se mudem.

A austeridade é uma virtude moral: sem ela, perdemos nossa soberania.

Legenda:

Na segunda metade do século XX, Portugal conheceu enorme êxodo diante da estagnação econômica. No desejo de ainda preservar ares de império, foi um dos últimos países a manter colônias na África, o que rendeu longas guerras de descolonização. O retorno de milhares de homens, sem perspectiva de vida no país, agravou a situação de desemprego. A austeridade não representou uma virtude, mas a confirmação da própria fragilidade do país.

Legenda:

No Brasil, a mineração se confunde com tragédias encobertas de promessa de prosperidade. As terras yanomami dentro da Floresta Amazônica sofrem com invasões de garimpeiros e mercenários. Águas e terras contaminadas por mercúrio, degradação e violência generalizada contra os povos indígenas marcam a busca por ouro na região.

O rompimento das barragens ainda ameaça Minas Gerais e outros estados brasileiros. O pesadelo de lama que ceifou vidas em Mariana e Brumadinho ainda assombra e são recorrentes os disparos de sirenes alertando para evacuação das áreas.

O governo brasileiro tem interesse em expandir a exploração de urânio em territórios da Bahia, curiosamente em regiões de preservação ambiental e últimos santuários de fauna e flora.

A idade dos metais inaugurou dominação e desigualdades há milênios. Ainda estamos nela.

texto base de sandro william junqueira

16 MINEIROS

Estas palavras podem ser ditas, caladas, projetadas, dançadas, cantadas.

- Na minha cabeça eu não sei.

- Na minha cabeça, às vezes.

- Tenho muitas histórias.

- É suster a respiração e lembrar.

- Se deixarmos cair a memória, deixamos de saber respirar.

- O meu nome é Hilda.

- Aqui somos todas Hilda.

- Com agá.

- E os homens, Adolfo. Para facilitar.

- Tenho… sei lá quantos anos… e ainda aqui estou.

- Nunca daqui saí.

- Sou uma pessoa simples. Não preciso de muitas palavras.

- Lembro-me de ser criança.

- Criança em Terras do Demo. Quando as minhas pernas não paravam.

- Na serra. Nos montes. No território agreste. Ah, caramba.

- As nossas serras estavam cheias de rebanhos. Ovelhas, cabras, vacas.

- Quando digo Demo, não estou a dizer que é terra de pecado (embora ele exista).

- A serra, os montes, têm o bem e o mal.

- É assim.

- Porque a vida é dura, pobre.

- Uma bruta labuta.

- A vida dita que assim seja.

- Terra dura.

- Dita dura.

- Denta dura.

- Labuta bruta.

- Livro-vos da guerra não vos livro da fome.

- Quem é que disse isso?

- Na minha cabeça eu não sei.

- Na minha cabeça, às vezes, ouço vozes.

- Quando era criança, em vez de brincar, trabalhei.

- A miséria tinha chão para crescer.

- Trabalhei como se o trabalho fosse brincar.

- Hilda, do sol à lua.

- Malvestida, mal calçada, esfomeada.

- De joelhos nas pedras. Descalça na geada.

- De mãos enregeladas a apanhar feijão e milho.

- A levar o gado ao pasto.

- Não era mel, a vida.

- A criança que eu fui não conseguia distinguir o trabalho da brincadeira.

- Era muito alegre aquele tempo. Havia muito convívio. Agora, vive-se de outra maneira.

- Também fui Hilda mulher casada, Hilda grávida e depois Hilda, a viúva.

- Atão. É o que é. A vida é assim ó.

- Acontece tudo muito rápido.

- Avança como um cavalo a trote.

- Ai Santa Bárbara.

- E eu só queria umas socas.

- Umas soquitas. Para voltar atrás no tempo.

- Só queria ter pernas para voltar ao danço.

- Toc toc toc toc.

- Bater a sola nos bailaricos.

- Levar as pernas ao baile.

- Ao domingo é que as fraldas iam para o danço.

- Aquilo é que era alegria nas pernas.

- Foi no baile que conheci o meu marido.

- Foi o que trouxe daquele tempo. Foi o que me valeu.

- Ninguém me agarrava as saias, mas ele agarrou-me pela cintura.

- E eu só rezava a Santa Bárbara a pedir dinheiro para umas socas.

- Toc toc toc toc.

- Na altura, rezava-se ao dinheiro.

- Toda a gente rezava ao dinheiro.

- Rezava-se com mais força. Porque ninguém o tinha.

- Naquele tempo, o dinheiro valia dinheiro.

- Estimava-se mais o dinheiro que nosso senhor.

- É a mecânica da exploração.

- Onde é que está o dinheiro? É a primeira frase da Bíblia.

- Agora.

- Não é diferente.

- Onde é que está o dinheiro?

- É a repetição da exploração.

- Mas ainda aqui estou.

- Ando à luta com as fotografias que tirei com os olhos.

- Com os sons que gravei na garganta.

- Com os movimentos arrecadados no corpo.

- Na altura não havia trabalho. Nem bom nem mau. Não havia.

- E o pouco que havia era à jorna.

- Não é como agora. Agora é um paraíso. Ganha-se em todo o lado. É-se explorado em toda a parte.

- Quando ia trabalhar para o campo, fazia a terra. Fazia assim. A sachar.

- O que que estás a fazer? Não era nada disso.

- Tu é que sabes?

- Eu é que sei.

- Então, pronto. Faz lá.

- Oh Hilda.

- Senhor.

- Anda lá embalar o teu irmão.

- Oh Hilda.

- Senhor.

- Vai lá limpar os restos da mina.

- Quando havia trabalho nas minas.

- A garimpar na lavaria.

- Fazia-se assim com as mãos.

- A água trazia as pedras.

- Depois, as pedras soltavam-se da areia. Luziam.

- E os dedos dormentes de frio apanhavam o minério.

- Era.

- Era.

- Mas isso foi depois do trabalho no campo. De fazermos a terra. Ainda não tinha chegado a quarta-feira.

- Tenho a cabeça cheia de buracos. Muitas coisas para dizer. A memória a preto e branco.

- Como a baba do lobo.

- Nos tempos antigos.

- Em Terras do Demo.

- Em serras de aldeias.

- E de alcateias.

- O lobo uivou ao outro lobo.

- O homem uivou ao outro homem.

- O lobo uivou ao homem.

- Uivaram todos, porque poucos comem.

- Quando o lobo rosna a baba cai.

- No chão.

- Na terra.

- A baba desce à mais negra escuridão.

- A baba endurece e faz-se minério.

- O volfrâmio.

- Por isso a memória é a branco e preto.

- O volfrâmio.

- O tempo todo embaraçado.

- O volfrâmio.

- Parece que a minha cabeça não é feita de presentes. Só consegue pensar no passado. Na minha cabeça, o futuro é um passado que vem a caminho.

- Lá em casa éramos poucos.

- Éramos quantos?

- Nove à mesa.

- Nove à fome.

- Nove ao frio e à geada.

- Nas Terras do Demo não apanhávamos chuva. Era ela que nos encontrava.

- Nove malvestidos, mal calçados, esfomeados, a pingar até aos ossos, mas elegantes.

- Não havia ninguém que engordasse.

- Havia pão e água. Água e pão nunca faltavam.

- Depois do trabalho no campo íamos cantar à noite ao redor da fogueira.

- As modinhas ao redor da fogueira.

- A cantar à noite as modinhas para calar a fome.

- Ò Hilda que estás na eira… Vem depressa para a minha beira…

- A arregalar os olhos aos rapazes.

- Foi no baile que conheci o meu marido.

- Com as saias por aqui. Abaixo do joelho.

- Deixar o coitado ver alguma coisita.

- Porque a gente trabalhava de manhã ao sol pôr.

- E só voltávamos a casa quando a noite abria.

- Aquilo é que era escangalhar o corpo.

- Uma vida abrutalhada.

- Trabalho de sachola e pedra.

- O corpo todo desarranjado.

- Dei cabo dos joelhos.

- Olhem para estas mãos. Todas tortinhas.

- E tenho uma perna voltada para cada lado.

- Por isso é que o danço resultava.

- Quem dança os males espanca.

- Apesar da pobreza, do trabalho, no fim, havia alegria e bailarico. E todos se ajudavam mutuamente.

- Tapava-se a fome a cantar e a dançar.

- A gente devia ter sempre vinte anos.

- A gente devia ter sempre.

- Com o trabalho no campo, o meu pai Adolfo ganhava sete escudos.

- O meu irmão Adolfo, mais velho, sete escudos.

- E o meu tio Adolfo, sete escudos.

- Uma fortuna.

- E havia Adolfos mais pobres, que andavam a fazer as terras só para receber alimentos. Para ter o que comer.

- O proprietário da terra ganhava tudo, claro.

- Por isso é que aos proprietários se chamam de proprietários.

- E aos trabalhadores, classe operária.

- Ora bons dias, classe operária!

- A Hilda não ganhava nada porque era garota.

- As Hildas não ganhavam porque eram mulheres.

- As mulheres não ganhavam dinheiro. Obedeciam. Eram exploradas.

- Hilda.

- Senhor.

- Hilda.

- Temor.

- Isto não é conversa fiada. Quando a memória se solta há palavras que precisam ser ditas. E repetidas.

- Há palavras que necessitam ser gritadas até que a corda da garganta se parta.

- Luta, por exemplo, é uma palavra bíblica. Não envelhece.

- Mulher, por exemplo, é uma palavra muito mais antiga do que a Bíblia. Talvez a primeira palavra.

- Se juntarmos a luta a uma mulher chamada Hilda temos uma resistência milenar.

- Estávamos metidas numa camisa de forças.

- O regime vigiava e punia. Toda a gente obedecia. Os que não obedeciam eram levados para não sei onde.

- Hilda. (com sotaque alemão)

- Senhor.

- Hilda. (com sotaque alemão)

- Senhor.

- A quarta-feira começou quando os alemães chegaram.

- Quando os alemães chegaram aí é que começou o forrobodó.

- Aí é que começou a festa.

- Aí é que começou o trufafá.

- Assim do nada o faroeste montou acampamento nas Terras do Demo.

- Os alemães trouxeram a esperança.

- Os alemães trouxeram o ouro.

- Os alemães começaram a explorar as minas.

- Começaram a explorar. Ponto final.

- Os ingleses também exploraram as minas.

- E com as minas veio a abundância abrupta. A riqueza efémera. Ouro roubado aos judeus, bordéis, casinos, contrabando a céu aberto.

- As pessoas não estavam preparadas.

- O dinheiro começou a circular.

- As pessoas deixaram de rezar a pedir dinheiro.

- A fome acabou.

- As pessoas não estavam preparadas.

- Deixaram de trabalhar nos campos. Os campos foram abandonados.

- Porque o dinheiro era feito de chão.

- Era feito de buracos no chão.

- Debaixo dos nossos pés luzia a baba do lobo.

- Aconteceu tudo muito rápido.

- Vieram de toda a parte. Montaram tendas. Foi um escarcéu.

- Os rapazes começaram a entrar nas minas, uns atrás dos outros.

- Trincheiras a céu aberto.

- Entravam garotos e saíam homens ou mortos ou doentes para sempre.

- Os Adolfos cresciam, adoeciam e morriam debaixo da terra. E as Hildas à superfície. E Santa Bárbara à porta.

- Hilda cresceu numa quarta-feira. O corpo aumentou de volume. O tronco. Os braços. As pernas. As mãos. As mamas. As ancas. Hilda tornou-se jovem adulta com frieiras nas mãos.

- Foi isto que aconteceu.

- Sou uma mulher simples. Não preciso de muitas palavras.

- Depois de os alemães chegarem, o meu pai, o meu irmão, o meu tio e aquele que seria o meu futuro marido começaram a ganhar 14 escudos a trabalhar nas minas.

- Era o dobro do que ganhavam a fazer o campo.

- Quais alemães? Estás a dizer o quê? Eram ingleses.

- Atão eu não sei, queres ver.

- Eram ingleses, Hilda.

- O que é que estás para aí a dizer? São os alemães que começam as guerras. E é também por causa dos alemães que as guerras se fecham.

- A minha memória às vezes contradiz-se.

Sai. Vai buscar um caderno. Lê.

- Dia 11 de novembro de 1918. A Alemanha e os aliados assinam o Armistício. O dia em que a Primeira Guerra terminou.

- Quem é que escreveu isso? Tu lá sabias escrever.

- Foi o Adolfo, o capataz da mina. Na aldeia era o único que sabia ler e escrever. Usava uma Parker na lapela. Lê.

- Dia 1 de setembro de 1939. O exército alemão invadiu a Polónia. A Segunda Grande Guerra começou.

- Estás a ver. Como eram alemães. São sempre os alemães. O dono da mina era alemão.

- Como é que ele se chamava?

- Adolfo.

- Sempre com a boca cheia de batatas. A gritar ordens zangadas naquela língua zangada.

- Quando aqui chegaram ninguém os percebia.

- Aos alemães? Ninguém. Nem quando partiram.

- Ui. Aquilo é que era.

- Falavam a língua dos cães.

- A fala dos lobos.

- Os ingleses falavam inglês e eu também não percebia nada.

- É o que dá nunca termos saído daqui. Nunca termos ido à escola.

- Quando uma pessoa nasce, segue por um de três caminhos.

- Para além dos quais não há outros.

- Viras à direita e és comido pelos lobos.

- Viras à esquerda e comes os lobos.

- Segues em frente e comes-te a ti mesmo.

- É o que é.

Lê.

- No ano de 1934, nas Astúrias, houve uma explosão numa mina que matou dezasseis homens.

- Dezasseis mineiros soterrados num tiro de dinamite que encravou.

- As camisas manchadas de sangue.

- Os corpos cobertos de pó.

- Os mineiros não têm pátria. Falam todos a mesma língua. Cantam muito alto a música dos buracos.

- No ano de 1941, nas Terras do Demo, houve um desabamento numa mina que matou o meu homem. Fiquei viúva muito cedo.

- Morria-se com facilidade nas trincheiras das minas.

- Morria-se com facilidade nas trincheiras da guerra.

- Aqueles três anos foram como uma quarta-feira.

Canta o hino dos mineiros. A certa altura, Hilda engana-se. Vai buscar um álbum de fotografias.

- Santa Bárbara bendita, trai-lai-la-la-lara

Santa Bárbara bendita, trai-lai-la-la-lara

Patrona de los mineros, mirai, mirai Maruxina Mirai, mirai cómo vengo yo, patrona de los mineros Mirai, mirai Maruxina, mirai, mirai cómo vengo yo

En el pozu María Luisa, trai-lai-la-la-lara

En el pozu María Luisa, trai-lai-la-la-lara

Dieciséis mineros muertos, mirai, mirai Maruxina, mirai Mirai cómo vengo yo, dieciséis mineros muertos, mirai

Mirai Maruxina, mirai, mirai cómo vengo yo

- Na minha cabeça eu não sei.

SEGUNDA PARTE

A CABEÇA ABRIU

- Na minha cabeça, às vezes, há imagens, e vozes, e sons, e cheiros e derrocadas.

- Não consigo que as memórias fiquem quietas. Saltam de um lado para o outro. Está tudo solto, umas coisas seguidas de outras, como se fosse tudo o mesmo.

- A memória dá saltos, Hilda. É preciso respirar para mantê-la à superfície.

- Vamos fazer uma pausa para a bucha como naquele tempo. Tenho fome. Emprestas-me pão?

- Mas depois devolves.

- Claro. Pão não se fica a dever.

- Mas devolves do bom. O de centeio. Não quero cá pão branco com dias em cima. Hilda come pão. Abre o álbum de fotografias.

- “Vou contar uma história. Havia uma rapariga que era maior de um lado que do outro. Cortaram-lhe um bocado do lado maior: foi demais. Ficou maior do lado que era dantes mais pequeno. Cortaram. Ficou de novo maior do lado que era primitivamente maior. Tornaram a cortar. Foram cortando e cortando. O objetivo era este: criar um ser normal. Não conseguiam. A rapariga acabou por desaparecer, de tão cortada nos dois lados. Só algumas pessoas compreenderam.”

- O meu nome é Hilda.

- Aqui somos todas Hilda.

- Com agá.

- E os homens, Adolfo. Para facilitar.

- Adolfo, o marido. Adolfo, o mineiro. Adolfo, o encarregado. Adolfo, o contrabandista. Adolfo, o alemão. Adolfo, o patrão, Adolfo, o filho, Adolfo, o inglês.

- Antes da chegada dos Adolfos estrangeiros a miséria tinha chão para crescer.

- A fome alimentava muitas bocas.

- Enchia todas as casas.

- Vamos ser claras.

- Não vamos estar com paninhos quentes.

- Já bem basta o que basta.

- Porque as mulheres são as mais altas coisas sobre a terra. As mulheres são as mais belas coisas sobre a terra. As mulheres são as mais fortes coisas sobre a terra.

- E quando eu falo somos nós todas a falar.

- Agora é que a memória se começou a desenrolar. A cabeça abriu.

- Que isto não é um drama, mas sim uma tragédia.

- Portugal sustentou a guerra através do minério.

- O volfrâmio.

- Encheu os cofres de ouro roubado aos judeus. E depois nos livros diz-se que não interveio. Foi neutro.

- Ninguém sabia para que servia o minério. Ninguém sabia.

- Diziam que era para onde a guerra andava.

- Para a guerra? Qual guerra?

- Eles diziam que era. Para alimentar a guerra, lá longe.

- O que se fazia ao minério isso era lá com o Adolfo.

- Eu não sei nada disso. O minério para a guerra eu não sei. Não sei para que é que precisavam na guerra das pedras que apanhávamos aqui.

- O que é que o minério fazia lá?

- A gente sabia lá que aquilo se transformava em armas. Só se soube depois.

- Só depois se soube que aquelas pedras pretas iam ajudar as bombas a matar homens nas trincheiras.

- O que nos interessava era o dinheiro.

- Trabalhávamos onde nos pagavam. A sachar a terra. A levar o gado. A lavar minério.

- Porque era de sobrevivência que se tratava.

- É sempre de sobrevivência que se trata.

- As pedras pretas retiradas das minas das Terras do Demo transformavam- se em ouro roubado aos judeus.

- Aqueles três anos foram como uma quarta-feira.

- Livro-vos da guerra não vos livro da fome.

- Claro.

- Só que da fome ergueu-se a guerra.

- E da guerra soprou a esperança.

- E da esperança surgiu o faroeste.

- Com a chegada dos alemães.

- Com a chegada dos ingleses.

- Com a chegada dos Adolfos estrangeiros, deixámos de lavrar sobre as Terras do Demo.

- Começámos a garimpar sob as Terras do Demo.

- A apurar o minério de mãos dormentes de frio.

- A baba do lobo.

- O ouro na mais negra escuridão.

- O lema da ditadura e da miséria humana é sempre o mesmo.

- Resume-se numa só palavra: riqueza. Outra palavra: exploração. Querer o sumo todo.

- Quando se solta o perfume do lucro monta-se de imediato um acampamento. Um arraial. Uma festança. Mesmo em tempos de desgraça alheia.

- Principalmente em tempos de desgraça.

- E chegam de todo o lado. Em alcateias.

- Os lobos farejam de longe a miséria.

- Uivam de perto a vantagem.

- Hilda, já moça crescida, deixou de ajudar o pai, os irmãos e o tio no trabalho do campo, a andar com o gado.

- Passou a ajudar o pai, os irmãos, o tio e o futuro marido no trabalho da mina.

- À superfície. Nas caleiras.

- Dez horas por dia.

- Numa poça.

- De joelhos doridos no chão e mãos dormentes em água.

- Dez horas por dia.

- E os dez dedos cheios de frieiras.

- Sempre a lavar. Sempre a lavar. Passar a terra e lavá-la nos tabuleiros porque depois de limpa lá aparecia o minério a luzir.

- E tu cantavas.

- E eu cantava.

- As Hildas desta vida cantavam.

- Minha mãe vou para o minério. Lá trabalha boa gente. Lá se ganha bom dinheiro. Mas o corpo é que o sente.

- De mãos dormentes do frio.

- Porque roubávamos algum do minério lavado. Quanto mais preto melhor.

- Porque era de sobrevivência que se tratava.

- E com as mãos dormentes do frio, à revelia, escondíamos pedras nas saias.

- Tínhamos algibeiras debaixo das saias. As saias cheias de terra. A terra não saía das saias.

- Roubávamos terra de noite para lavar. Era o que fazíamos. Lavar a terra como se ela estivesse suja.

- Porque o meu pai, Adolfo.

- Hilda.

- Senhor.

- Quando estiveres a lavar o minério, Hilda.

- Senhor.

- Guarda na saia as pedras que conseguires. Sem que ninguém veja.

- Senhor.

- E trazes para casa as pedras, Hilda. Sem que ninguém veja. Muito menos a GNR.

- Senhor.

- Para que o pai possa vender ao ourives. Ao inglês, ao alemão, aos contrabandistas, ao governo. Não interessa. A quem der 500 escudos por um quilo de minério. Que em tempos de guerra toda a gente lucra. Toda a gente luta. Mesmo os que supostamente são inimigos e lutam em lados opostos das trincheiras.

- Senhor.

- Hilda, ouve com atenção.

- Senhor.

- Faz com que ninguém veja, ouviste. Se for preciso, escondes as pedras no sítio de que não se pode falar.

- Senhor.

- Era isto.

- O contrabando mostrava os dentes. Arreganhava as gengivas.

- E nós sorríamos em resposta.

- Ao fim do dia, saíamos das poças de mãos trementes.

- E com frio na barriga.

- E debaixo das saias um peso no baixo ventre.

- E uma alegria escondida no sítio de que não se pode falar.

- Vínhamos em bandos de garotas pelos carreiros. Umas atrás das outras.

- Se alguém avistasse a GNR, sussurrava.

- Ò Hilda que estás na eira… Vem depressa para a minha beira…

- E escondíamo-nos no meio das hortas.

- Se o GNR nos apanhasse, atirava.

- Ó garota, o que é que levas escondido?

- Escondido onde?

- Trazes volfrâmio guardado?

- Guardado onde?

- A tua sorte é que não te posso revistar.

- Revistar onde?

- Porque tu és uma rapariga e não te podemos tirar.

- E dávamos fogo ao rabo.

- E saíamos dali num tiro.

- A rir e a correr.

- E o GNR a coçar a cabeça.

- Ao chegar a casa, noite entrada, lá estava o pai, Adolfo, sentado à mesa.

- A fazer contas à vida.

- Com uma balança.

- Para pesar o minério que se tinha roubado.

- O ouro negro que Hilda carregava no ventre.

- Que depois se transformava em armas, bombas e canhões.

- Em mortes nas trincheiras da guerra que ficava lá longe.

- Em mortes nas trincheiras das minas que ficavam aqui perto.

- O ouro negro que as Hildas roubavam era pago em ouro amarelo que falava alemão.

- Ouro amarelo roubado aos judeus.

- É sempre de sobrevivência que se trata.

- A gente sabia lá isso da guerra.

- Só se soube depois.

- Uma noite, quando entreguei as pedras ao meu pai, atrevi-me.

- Senhor.

- Diz, Hilda.

- Gostava de comprar umas socas.

- Para quê?

- Estou farta de andar descalça.

- E já não foi preciso rezar mais.

- Passado uns dias lá me passou para a mão uns escudos.

- E foi assim que arranjei marido.

- Com as socas novas.

- No bailarico. No domingo seguinte.

- A bater as solas.

- Toc toc toc toc.

- Foi amor ao primeiro danço.

- No danço, ele agarrou-me pela cintura. No danço, soprou-me ao ouvido promessas meigas.

- E eu disse que sim. Ai meu deus.

- Só queria ter pernas para voltar.

- Foi o que eu trouxe. Foi o que me valeu.

- Era um bom homem o teu Adolfo, Hilda.

- Ainda havia alguns Adolfos decentes para nosso contentamento.

- Passava-me para a mão tudo o que ganhava na mina.

- Dizia: arrecada, Hilda, que não sabemos o dia de amanhã.

- Era um bom homem o teu Adolfo. Respeitou-te sempre.

- Ele ganhava dinheiro enterrado na terra.

- E eu ganhava à superfície.

- Depois do casamento.

- Até ao dia do desabamento.

- O dia em que o tiro da pólvora encravou.

- Só explodiu depois ao retardador.

- Estava ele lá em baixo.

- E lá em baixo ficou.

- A camisa manchada de sangue.

- O corpo coberto de pó.

- Nas galerias das minas ouvia-se, por vezes, o sino da igreja.

- E dentro da igreja ouviam-se, às vezes, os tiros da dinamite.

- Naquele dia estava na igreja a rezar a Santa Bárbara para que o protegesse.

- E ele lá em baixo.

- E lá em baixo ficou.

- Ele não ouviu o sino da igreja tocar.

- Mas eu ouvi o tiro e o som das entranhas da terra.

- O desmoronar de uma vida.

- E a imagem de Santa Bárbara à porta da mina.

- No momento seguinte deixei de acreditar em deus.

TERCEIRA PARTE A CAMISA MANCHADA DE SANGUE

“Mörder sind leicht einzusehen. Aber dies: den tod, den ganzen Tod, noch vor dem Leben, so sanft zu enthalten und nicht bös zu sein, int unbeschreiblich.“

*Os assassinos são fáceis de entender. Mas isto não: conter a morte, a morte por inteiro, assim tão suavemente, ainda antes da vida, e não ser mau, é indescritível. Rainer Maria Rilke

- Não consigo que as memórias fiquem quietas. A minha cabeça está cheia.

- Estão sempre a mandar-me para trás. Para as costas do tempo.

- Na minha cabeça eu não consigo.

- Ai Santa Bárbara.

- Já toda a gente sabe que não quero dizer o que quero dizer. Não quero falar. Porque quando começo a falar dáme arritmias e começo a sentir-me mal porque estou com arritmias e começo a sentir-me mal porque me estou a sentir mal.

- Só queria ter pernas para voltar as danço.

- Sabem porque se dá tantos abraços em funerais? Para que ninguém caia no buraco. O luto nunca acaba, apenas muda.

- Quando os acidentes nas minas começaram ninguém quis saber.

- Os mineiros não têm pátria. Falam todos a mesma língua. Cantam muito alto a música dos buracos.

- Encolhiam-se ombros e dizia-se: sinto muito. Os meus sentimentos.

- Ninguém quis saber das explosões, das derrocadas, da doença dos pulmões.

- O faroeste estava montado. O dinheiro circulava e esbanjava-se à farta bruta. Compravam-se Parkers, jogava-se nos casinos, frequentavam-se bordéis, comiam-se sandes de bacalhau frito, ia-se ao Porto engraxar os sapatos só porque sim.

- Era preciso aproveitar.

- Aqueles três anos foram como uma quarta-feira.

- Posso dizer que a minha vida foi um dia.

- Quando os homens começaram a morrer…

- Quando os homens começaram a ficar doentes…

- Quando as Hildas começaram a ficar viúvas…

- Atão. É o que é. A vida é assim ó.

- Acontece tudo muito rápido.

- Era o risco necessário a correr.

- Ninguém queria voltar para a fome. Ganhar a jorna a fazer as Terras do Demo.

- Livro-vos da guerra não vos livro daEsta fala é interrompida.

- Exato. Era de sobrevivência que se tratava.

- A vida faz-se de escolhas. Não de palavras.

- É sempre de sobrevivência que se trata.

- Minha mãe vou para o minério.

Lá trabalha boa gente.

Lá se ganha bom dinheiro.

Mas o corpo é que o sente.

- O Adolfo, o encarregado da mina, era o único na nossa aldeia que sabia ler e escrever. Usava uma Parker à lapela.

E tinha os sapatos sempre engraxados.

Lê no caderno.

- O dia 22 de junho de 1941 marca o começo da invasão alemã contra a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Trazendo a morte a oitenta por cento dos soldados do exército alemão e mudando o rumo da Alemanha nazi na Segunda Grande Guerra.

- O acaso é o grande mestre de todas as coisas.

- Foi no dia 22 de junho de 1941 que o tiro da pólvora encravou.

- Só explodiu depois ao retardador.

- Estava ele lá em baixo.

- Estava Hilda na igreja a rezar a Santa Bárbara.

- E lá em baixo ficou.

- E a Santa à porta.

- E a Hilda viúva, parada no silêncio da igreja.

- Quando o meu marido faleceu tive vontade de cortar o cabelo rente, deixar crescer o buço, vestir a farda de mineiro e enfiar-me na mina.

- Transformar-me em Adolfo.

- Transformar as Hildas em Adolfos amados. Em mineiros escravos.

- Eram uma cambada de garotos, caramba. A entrar nas galerias das noites mais escuras.

- A entrar nas trincheiras nas noites das facas longas.

- Aqui estamos, prontos para o sacrifício.

- E eles só queriam o sumo que a gente tinha.

- Nas minas não se reconhecia o tempo. Esqueçam os relógios. Havia frio e umidade. Havia dinamite e pólvora pronta. Havia rocha, pedras e pó. E aquela vontade de não morrer… não morras, Adolfo… não morras, Adolfo, porque a Hilda está lá em cima à tua espera. E era isto.

- Uma luta desgraçada para não morrer ali.

- Uma vontade de sair daquele buraco sem a camisa manchada de sangue. O corpo coberto de pó.

- E a imagem de Santa Bárbara à porta.

- Não podia entrar. Ser santa é ficar no sítio certo.

- Ficava pendurada à porta da mina. Como as mulheres.

- Nenhuma mulher podia entrar.

- É o que é.

- Não foi só o meu Adolfo que partiu.

- Eu sei, Hilda.

- Houve outros Adolfos. Outros acidentes.

- Eu sei, Hilda. Já fiz o levantamento. Muitos Adolfos ficaram doentes. De silicose.

- Engoliam o pó ao fugir dos tiros da dinamite.

- São vidas inteiras a comer pó.

- E voltavam para casa a respirar baixinho.

- E as Hildas daqui a pouco viúvas.

- Também apanhavam a doença nas separadoras onde só havia pó para respirar.

- Vidas inteiras a comer pó. A ficar com os restos.

- E voltavam para casa a sussurrar. Aprendiam a respirar com pouco ar. Até os pulmões secarem.

- E enquanto os pulmões secavam os cães ladravam lá fora.

- E as Hildas daqui a nada viúvas.

- Valeram-me as pernas. Andei e corri. Andei e corri.

- “Vou contar uma história. Havia uma rapariga que era maior de um lado que do outro. Cortaram-lhe um bocado do lado maior: foi demais. Ficou maior do lado que era dantes mais pequeno. Cortaram. Ficou de novo maior do lado que era primitivamente maior. Tornaram a cortar. Foram cortando e cortando. O objetivo era este: criar um ser normal. Não conseguiam. A rapariga acabou por desaparecer, de tão cortada nos dois lados. Só algumas pessoas compreenderam.”

- Assim que enviuvaste o teu pai não te deixou cortar o cabelo rente, nem crescer o buço, nem vestires a farda de mineiro para te enfiares na mina.

- Hilda.

- Senhor.

- Senta-te. Tenho uma boa nova.

- Senhor.

- Ontem, o senhor Adolfo veio falar comigo.

- Quem?

- O senhor Adolfo. O dono da mina. Veio dizer-me que gostava que trabalhasses para ele.

- Onde, senhor?

- Na casa dele. Como empregada. A cuidares dos filhos. Fazeres guisados e cozidos. Cuidares da roupa. Coisas assim.

- E a mulher dele, Senhor?

- Ela vai ensinar-te todos os afazeres noutra língua. Numa língua estrangeira.

- Esse senhor Adolfo é inglês ou alemão?

- Que raio de pergunta, Hilda. O que é que isso interessa?

- Senhor. Esse Adolfo é inglês ou alemão?

- É estrangeiro e tem dinheiro. Tem muito dinheiro. E isso basta.

- Foi o que o teu pai disse.

- Foi o que o meu pai disse.

- Desconhecemos o que está para a frente, mas não esquecemos o que ficou para trás.

- Para começarmos uma nova coisa temos primeiro de fechar a coisa antiga.

- As Hildas que lavavam o minério tornaram-se empregadas nas casas dos senhores.

- Foste trabalhar para a casa senhorial do Adolfo estrangeiro?

- Fui.

- O dono da exploração da mina?

- O Adolfo.

- Foste cozinhar, lavar a roupa, cuidar dos filhos, mudar a roupa às camas?

- Fui.

- Ele gritava em inglês ou alemão? Mandava em que língua, Hilda?

- Não sei. Alemães e ingleses confraternizavam lá em casa, bebiam cerveja e whiskies, faziam negócios. Olhavam todos para as minhas pernas. Não consegui perceber a diferença.

- O Adolfo estrangeiro dormia com a mulher?

- Não.

- O Adolfo estrangeiro dormia com outras raparigas?

- Muitas.

- Engravidaste depois de teres ido trabalhar para a casa senhorial, Hilda?

- Sim.

- Engravidaste de quem, Hilda?

- Ora.

- Fizeste o desmancho?

- Não. Tive um filho que era quarta-feira.

- E é isto.

- E foi isto.

- Quando o lobo rosna a baba cai.

- A baba desceu à mais negra escuridão.

- O mal é a ausência do homem no homem.

- Os Adolfos eram lobos ateus, oportunistas, vigaristas e gostavam muito de mulheres. Babavam-se ao possuir todas as mulheres além das mulheres com quem eram casados.

- Ao possuir a miséria dos outros.

- Muitas raparigas da aldeia engravidavam dos engenheiros.

- As Hildas engravidaram.

- Engravidavam de quem falava alemão ou inglês e tinha dinheiro.

- E assim nasciam os filhos de quarta-feira.

- Concebidos fora do casamento. Num dia qualquer da semana.

- Louros, de olhos azuis, que choravam em estrangeiro.

- Na minha cabeça eu não sei.

- Na minha cabeça, às vezes.

- Tenho muitas histórias.

- São muitos mundos numa só cabeça.

- É suster a respiração e lembrar.

- Se deixarmos cair a memória, deixamos de saber respirar.

- O Adolfo, o encarregado da mina, era o único na nossa aldeia que sabia ler e escrever. Usava uma Parker à lapela. E ia ao Porto de propósito engraxar os sapatos. Só para exibir riqueza. Só para esbanjar. Lê no caderno.

- Em 7 de maio de 1945, as forças armadas alemãs renderam-se incondicionalmente aos Aliados em Reims, França.

- No dia 8 de maio, a rendição entrou em vigor e foi celebrado o Dia da Vitória na Europa.

- No dia 9 de maio, os soviéticos anunciaram o seu “Dia da Vitória” em Berlim.

- Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.

- Em agosto, a guerra terminou no Oceano Pacífico após os Estados Unidos lançarem bombas atómicas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki.

- O Japão rendeu-se formalmente no dia 2 de setembro de 1945.

- No dia 30 de abril de 1945, enquanto as tropas soviéticas abriam caminho até a Chancelaria do Reich, Hitler cometeu suicídio.

- Terminada a guerra, os Estados Unidos e toda a comunidade internacional pressionaram o governo Português para devolver o ouro roubado aos judeus que tinha servido para comprar o volfrâmio. Num acordo secreto, António Oliveira Salazar entregou a base das Lajes aos Estados Unidos e guardou o ouro nos cofres do Banco de Portugal. O ouro ainda lá está guardado. Fecha o caderno. Abre o álbum de fotografias.

- A gente sabia lá.

- Só se soube depois.

- Tudo isto só se soube depois.

- E de um dia para o outro.

- Tal como começou.

- De um dia para o outro.

- Tudo acabou.

- O forrobodó.

- O faroeste.

- O contrabando a céu aberto.

- O trufafá.

- Não acabou o minério

- Simplesmente, fechou-se a guerra.

- E ao fechar a guerra a baba do lobo ficou quieta.

- Calaram-se as minas.

- Mas as viúvas ficaram.

- Ficaram os largados e as misérias de sempre.

- Ainda aqui estão.

- Aqueles três anos foram uma quarta-feira.

- Tal como o meu filho.

- De um dia para o outro.

- Santa Bárbara que ficava à porta, ficou à porta. Não entrou nas minas.

- As mulheres não entraram nas minas

- As minas foram abandonadas.

- Depois de tudo ficaram só as cobras e os javalis.

- Só cobras e javalis e lobos.

- E terras vazias onde já ninguém cultivava.

- Os que eram ricos ficaram mais ricos. Os que eram pobres ficaram mais pobres. Os que eram remediados ficaram pobres.

- A sobrevivência voltou.

- As Terras do Demo voltaram a ser do demo.

- As serras voltaram a encher-se de rebanhos. Ovelhas, cabras, vacas.

- E o volfrâmio lá está adormecido.

- Quando digo demo, não estou a dizer que é terra de pecado (embora ele exista).

- A serra, os montes, têm o bem e o mal.

- É assim.

- Porque a vida é dura, pobre.

- Uma bruta labuta.

- A vida dita que assim seja.

- Agora acabou.

- Acabou para nós.

- Já não faço nada. Trabalhei muito. Tenho os dedos tortos. As pernas apontam uma para cada lado.

- Já não faço nada agora. Dei cabo do corpo.

- Já não posso levar as fraldas ao danço.

- Acabou o danço mas ainda cá estamos.

- Se deixarmos cair a memória, deixamos de saber respirar.

- É preciso respirar. Continuar a respirar. Inspirar e cuspir pó.

- Para que a memória não morra.

- Ando à luta com as fotografias que tirei com os olhos.

- Com os sons que gravei na garganta.

- Com os movimentos arrecadados no corpo.

- O meu nome.

- O meu nome é.

- O meu nome é Hilda.

- Ò Hilda que estás na eira… Vem depressa para a minha beira…

PROJETO CENOGRÁFICO DE ERICK SABOYA

VISTA FRONTAL

LEONOR KEIL

Bailarina, criadora e Interprete em dança, teatro e cinema. Formada pela escola de dança do conservatório nacional de Lisboa, cursou a licenciatura na ESD de Lisboa.

Foi intérprete na companhia Paulo Ribeiro por 20 anos e por 10 anos programou o projeto pedagógico da Companhia, onde fundou a Escola Lugar Presente em Viseu. Atual diretora artística do Festival internacional de dança jovem - Lugar Futuro em Viseu. Fundadora e programadora na Associação cultural Ganso Manso.

CRISTINA CASTRO

Artista das artes cênicas e gestora cultural. Premiada como coreógrafa pela Unesco com o Prize for the Promotion of the Arts e pelo Ministério da Cultura do Brasil. Formada em Dança pela Universidade Federal da Bahia. Trabalhou como dançarina profissional e coreógrafa em grupos e cias de dança brasileiras. Criou, em 1998, o Núcleo de Dança do Teatro Vila Velha e para ele dirigiu e coreografou a primeira cia de dança do teatro, a Cia Viladança, circulando seu repertório pelo Brasil e exterior.

Criou e dirigiu o VIVADANÇA Festival Internacional por 15 anos. Atualmente trabalha no Teatro Vila Velha na área de planejamento, projetos, curadoria da programação e no programa Pé de Feijão – arte e educação.Colabora com o diretor teatral Marcio Meirelles desde 1996, na área de direção de movimento e coreografia para seus espetáculos, atuando também em alguns deles como atriz e dançarina.

GRAEME PULLEYN é encenador, ator e diretor artístico da CEM Palcos (PT)

MARCIO MEIRELLES é encenador, dramaturgo, gestor cultural e diretor artístico do Teatro Vila Velha

JOÃO MILET MEIRELLES é compositor, produtor musical, performer de live electronics e fotógrafo brasileiro. Com trabalhos autorais e produções para Baiana System, Taxidermia e Jadsa, entre outros. Mestre em interpretação e criação musical pela UFBA, compõe trilhas para artes do corpo, cinema e teatro.

GONGORI é um artista multidisciplinar em diálogo entre tradição e contemporaneidade. Como músico e produtor, o artista multi-instrumentista molda paisagens sonoras e visuais onde som, corpo e cena interagem de forma orgânica.

MONICA SANTANA

é atriz, dramaturga, jornalista, mestre e doutora em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia.

RAFAEL GRILO é formado em Produção Cultural e Jornalismo pela UFBA, atua desde 2009 no registro e edição audiovisual do Teatro Vila Velha. Desde 2012, dirige, roteiriza e cria peças audiovisuais para produções cênicas, colaborando com renomados dramaturgos, encenadores e coreógrafos como Cristina Castro, Marcio Meirelles e Tadashi Endo.

SANDRO WILLIAM JUNQUEIRA

é romancista, dramaturgo, encenador e diretor do «PANOS — palcos novos palavras novas» do Teatro Nacional D. Maria II e escreveu várias peças de teatro.

LEANDRO VALENTE é videógrafo português, licenciado em Cinema pela Universidade da Beira Interior. Atua principalmente como diretor de fotografia, com destaque para prêmios nacionais, incluindo melhor direção de fotografia em documentário pela Associação Portuguesa de Imagem (2019).

ERICK SABOYA é arquiteto e urbanista, especialista em direção de arte e cenografia. Destaca-se a cenografia para o longa A revolta dos Malês (Antônio Pitanga), a cenografia para telenovela Velho Chico (Luis Fernando Carvalho) e a cenografia para o espetáculo A Bunda de Simone (Teatro Base), vencedor do Prêmio Braskem de Teatro 2015 com a instalação cenográfica do espetáculo.

A BABA DO LOBO FICHA TÉCNICA

texto colagem, dramaturgia e encenação: GRAEME PULLEYN e MARCIO MEIRELLES

com os textos base “o tempo dos metais” de MÔNICA SANTANA e “os filhos de quarta-feira” de SANDRO WILLIAM JUNQUEIRA, o hino dos mineiros e canções tradicionais portuguesas e brasileiras.

no processo inicial de residência, foram feitas pesquisas e entrevistas para a construção da peça, em Sátão, Vila Nova de Paiva, São Pedro do Sul, Viseu, Vouzela e Moimenta da Beira (Portugal), em fevereiro de 2025. colaboraram nesta fase, com entrevistas ou depoimentos em SÁTÃO: Acácio Pinto, Aurélio de Figueiredo e Ilda de Magalhães Cândido. em VILA NOVA DE PAIVA: José Luís Ferreira dos Santos, Madalena Ferreira e Rosa Marques da Silva. em SÃO PEDRO DO SUL: Custódia de Fátima Duarte Tavares, Manuel Almeida Costa, Manuel Campos Ferreira, Maria Celeste Gomes Duarte, Maria José Tavares Lindo, Palmira Gomes Duarte e Sandra Paula da Silva Costa. em VISEU: Amadeu Carvalho, Cidália Lourenço, Ermelinda Ferreira, José Gomes de Almeida, José Marques Duarte, em VOUZELA: Almerinda Costa Ferreira Fernandes, Manuel Fernando Gomes, Maria Josefina Marques de Almeida e Palmira Mendes. em MOIMENTA DA BEIRA: Paulo José Neto Pereira e Rafael Cardoso Botelho.

elenco:

hilda: CRISTINA CASTRO

hilda: LEONOR KEIL voz de adolfo: GRAEME PULLEYN

narrador: WILSON DE FRANÇA

trilha original, produção musical e direção musical: JOÃO MILET MEIRELLES e GONGORI coro do hino dos mineiros: ANA BENTO, CLARA SPORMANN, CLARA BOA SORTE, CLARA TORRES, CHICA CARELLI, OLINDA BEJA, ÚRSULA PINTO e VANESSA FARAY voz nas canções tradicionais portuguesas: MARIA CELESTE GOMES DUARTE voz na canção a baba do lobo: JADSA

direção, pesquisa e edição de vídeo: LEANDRO VALENTE e RAFAEL GRILO fotografia e captação de imagens originais: LEANDRO VALENTE operação de vídeo no brasil: RAFAEL GRILO operação de vídeo em portugal: LEANDRO VALENTE e LAURA TAVARES imagens adicionais: fotos do desastre de mariana/mg por CHRISTIAN CRAVO; material do archive.org: cama de porco; minerais e rochas; desastre na mina dawson; febre do urânio; pet 961 r 1. da cinemateca portuguesa: nas minas de volfrâmio (1941) de antónio alves de pinho e freitas do youtube: portugal em 1943; apresentando portugal | série comunidade atlântica | documentário da otan | 1955; como a bala é feita - processo de fábrica de munição; conto sinfônico sobre serra pelada (estúdios alexandre regnault); trailer serra pelada (lanterna de pedra filmes); flagrantes inéditos e revelações da tragédia em mariana / mg (domingo espetacular); imagens feitas com drone

mostram cenário de destruição após rompimento de barragem (o tempo); drone em mariana mg (fernando monteiro); não assista se você for claustrofóbico (action adventure twins); nunca entre aqui (action adventure twins).

cenografia: ERIK SABOYA

construção do cenário no brasil: CLÁUDIO CARIJÓ, JOSÉ NILSON, JOILSON BATISTA e GEAN pintura do telão: LUISA BRIZÊ construção do cenário em portugal: OFICINA DO ZÉ FERREIRO

figurino: MARCIO MEIRELLES confecção do figurino: SARAÍ REIS e MARINALVA SOUZA

desenho e operação de luz no brasil: MARCOS DEDÊ montagem de luz no brasil: MARCOS DEDÊ e JOILSON BATISTA montagem e operação de luz em portugal: ANDRÉ CARNEIRO

identidade visual,material gráfico e diagramação do programa: RAMON GONÇALVES fotos no brasil: ANANDA IKISHIMA fotos e registro em vídeo em portugal: LUÍS BELO

coordenação de comunicação e mediação no brasil: GABRIELA WENZEL assistente de comunicação e mediação no brasil: BEATRIZ ZACHARIAS social media: JEAN TEIXEIRA e MARLON CHAGAS

assessoria de imprensa: ARLON SOUZA

coordenação de comunicação em portugal: GUIDA ROLO comunicação: LAURA TAVARES redação de conteúdos e assessoria de imprensa: SUSANA MORAIS

coordenação de produção no brasil: BEATRIZ ALBUQUERQUE coordenação de produção em viseu: GUIDA ROLO produção executiva: LAURA TAVARES assistência de produção: FILIPA FRÓIS e HUGO MIGUEL

assessoria jurídica no brasil: WILSON CHAVES DE FRANÇA assistência jurídica em portugal: PEDRO LEITÃO

cocriação: CEM PALCOS e TEATRO VILA VELHA coprodução: município de moimenta da beira, município de são pedro do sul, município do sátão, município de vila nova de paiva e município de vouzela financiamento: república portuguesa dgartes e município de viseu – eixo cultura apoio financeiro: o projeto faz parte do programa “o vila ocupa a cidade”, do projeto de apoio a ações continuadas do teatro vila velha, do fundo de cultura do estado da bahia / secretaria de cultura e secretaria da fazenda do estado da bahia. apoio: mab/ipac - museu de arte da bahia / instituto de patrimônio artístico e cultural da bahia agradecimentos: acert - tondela, freguesia de bodiosa, união de freguesias de barreiros e cepões, acácio pinto, fernando vale e josé luís ferreira dos santos.

CEM PALCOS

A CEM Palcos é uma estrutura de criação e programação artística, sediada em Viseu, Portugal. Três eixos essenciais dão voz, corpo e movimento à sua prática artística. Promove novas dramaturgias, contemporâneas e relevantes, com atenção ao território de origem, mas num diálogo constante entre o local e o universal. Defende que a criação performativa não tem de ficar confinada aos palcos tradicionais e aposta na experimentação de novas formas de criação e apresentação, levando os espetáculos a espaços e contextos não convencionais, em estreita relação com as suas comunidades. Acredita que, nas artes, há lugar para todos — não apenas como espectadores, mas também como participantes e criadores.

Ao longo do seu percurso, a CEM Palcos consolidou-se como uma estrutura de referência, com projetos e espetáculos marcantes, como: Esse Caminho Longe (2023) com artistas de São Tomé, Portugal e Brasil; Facas e Flores (2024) com artistas de França, Argentina e Portugal; NOVe (2020 - 2025) programa internacional de novas dramaturgias; Diálogos (2020 - 2025) programa de residências artísticas em meio rural; Grande Colheita (2023) espetáculo inclusivo com jovens em risco de exclusão.

A experiência internacional, evidenciada por parcerias e criações em São Tomé e Príncipe e Brasil, tem desempenhado um papel fundamental na evolução da sua abordagem artística e comunitária, ampliando possibilidades de trabalho em rede e fortalecendo práticas de inclusão, experimentação e diálogo intercultural.

FICHA

TÉCNICA

direção artística: GRAEME PULLEYNW direção de produção e comunicação: GUIDA ROLO atriz e produção executiva: FILIPA FRÓIS produção executiva: LAURA TAVARES assistência de produção: HUGO MIGUEL design e registros fotográfico e em vídeo: LUÍS BELO redação de conteúdos e assessoria de imprensa: SUSANA MORAIS assessoria jurídica: PEDRO LEITÃO

TEATRO VILA VELHA

Com mais de 60 anos de história (completados em 31 de julho de 2024), o Teatro Vila Velha é um dos mais importantes e inovadores espaços de difusão artística do Brasil. Fundado em 1964 pela Sociedade Teatro dos Novos, está localizado no Centro de Salvador BA. Tem como missão fomentar a criação artística coletiva e comprometida com a reflexão e o respeito à diversidade.

O Vila mantém intensa programação presencial e virtual, tem seus próprios programas de formação artística – a universidade LIVRE, que já revelou grandes nomes da arte nacional, e o Pé de Feijão que inicia crianças, adolescentes e professores no universo das artes da cena – e recebe espetáculos e artistas do mundo inteiro. Atualmente, o Vila começa a passar por uma reforma financiada pela Prefeitura de Salvador. Por essa razão, deu início ao programa ‘O Vila Ocupa a Cidade’, uma série de ações, criações e colaborações que mantém o Teatro Vila Velha atuante e presente, ao longo de 2024 e 2025, em diversos outros teatros e espaços culturais. A marca de um espaço sempre em experimentação, formação artística e constante diálogo com a sociedade.

FICHA TÉCNICA

direção artística: MARCIO MEIRELLES coordenação geral: HUGO BASTO coordenação de projetos institucionais: CRISTINA CASTRO coordenação financeira: VÂNIA PAIXÃO direção de planejamento e gestão: SERGIO ROTH assistência de planejamento e gestão: HELENA PEIXOTO MEIRELLES gerência operacional: MENIKY MARLA produção executiva: BEATRIZ ALBUQUERQUE chefe de palco: MARCOS DEDÊ cenotécnico: JOILSON BATISTA coordenação universidade livre: CLARA TORRES assistência de produção universidade livre: VINICIUS VARJÃO núcleo de formação: CHICA CARELLI núcleo audiovisual: RAFAEL GRILO coordenação de comunicação e mediação: GABRIELA WENZEL assistência de comunicação e mediação: BIA ZACHARIAS assessor de imprensa: ARLON SOUZA redes sociais: JEAN TEIXEIRA e MARLON CHAGAS designer: RAMON GONÇALVES assistência de design: MARIANA VIVEIROS acervo teatro vila velha: MILENA NASCIMENTO assistente de produção do acervo: ANA VALÉRIA

TEMPORADA

2025

05 de junho pré estreia - MUSEU DE ARTE DA BAHIA (salvador)

06 a 10 de junho - MUSEU DE ARTE DA BAHIA (salvador)

19 a 22 de junho - CÍRCULO DE CRIAÇÃO CONTEMPORÂNEA DE VISEU - POLO 1

26 de junho - OFICINA MUNICIPAL DE TEATRO / O TEATRÃO (coimbra)

28 de junho - CINE-TEATRO JOÃO RIBEIRA (vouzela)

29 de junho - CINE-TEATRO MUNICIPAL DE SÁTÃO (sátão)

04 de agosto - AUDITÓRIO MUNICIPAL CARLOS PAREDES (vila nova de paiva)

15 de agosto - FESTIVAL ALTITUDES / TEATRO DO MONTEMURO (campo benfeito / castro daire)

21 de setembro - CINE-TEATRO JAIME GRALHEIRO (são pedro do sul)

27 de setembro - AUDITÓRIO MUNICIPAL PADRE BENTO DA GUIA (moimenta da beira)

cocriação

realização | br

coprodução | pt

estrutura financiada | pt

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