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R$ 22,50

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PRIMAVERA | 2016 e s t i lo d e v i da • d i f e r e n ç a s • t e at r o a r t e s • c i n e m a • l i t e r at u r a • m o da v i ag e n s • s a b o r e s • e m u i to m a i s


Igualmente diferentes Se o seu way of life é muito diferente do do seu vizinho, não se preocupe, somos todos muito parecidos quando fazemos da arte o nosso instrumento. Os sentimentos nos irmanam em uma grande comunidade, daqueles que amam o que fazem e transformam isto na sua vida. Unir motoqueiros e padres, artistas de rua e estrelas de cinema, chefs autorais e autores de livros (com o perdão do trocadilho), praias dos hemisférios sul e norte, pode parecer impossível em uma mesma edição, mas nós comprovamos que eles têm mais pontos em comum do que possa parecer. Adriana Birolli dá início a esta jornada. Ela, atriz, empresta sua imagem aos personagens, como a harleira da nossa capa, pois ela mesma diz que não teria esta coragem. Diferentemente, mas tão semelhante, das verdadeiras devoradoras de estrada que também fazem parte desta edição e assim como a atriz são totalmente donas do seu destino. E você pode pensar, o que tem em comum um padre e uma cantora? Ambos cantam com um amor imenso, e sua música seduz plateias seja em uma igreja ou um teatro. E como juntar um artista que faz dos objetos deixados na rua a sua arte, com artistas que expõe dentro de grandes mostras? Todos eles veem a simplicidade de um traço, uma cor, uma luz ganharem vida em suas mãos, e quem aprecia arte, reconhece o lirismo de suas soberanas criações. E se de uma simples plantinha surge um sabor único, de uma conversa nasce um livro, de um destino surge um ambiente, é porque o talento transcende, conversa, e criador e criatura mantém um diálogo íntimo que transporta quem aprecia um novo mundo. Perguntamos qual o valor da moda, e ele pode ser múltiplo, na denúncia da exploração, e na beleza da estação, com a irreverência de quem já viveu muitas primaveras. Chamando fé e positividade com charmosos acessórios. Ou ainda criando uma emoção indescritível com um vestido de noiva. Pode então a moda unir tantas vertentes diferentes? Porque não?! Todos nós temos várias linguagens artísticas e a moda é uma delas. Então festivais que acontecem nas praias unem gente de vários lugares, seja na Inglaterra ou em Santa Catarina. Talvez seja este o conceito de Cultura da Convergência, será? Da rua para os palcos, das grandes cidades para o interior, das igrejas para as salas de concerto, das praças para todos. Quais serão as suas semelhanças com está edição? E as suas diferenças? Descubra.


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10 22 43 70

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Uma empresária que realiza sonhos

intr í nseco valor

82 88

Florinda a la italiana

Lá vai o trem com a Edith...

outra trilha

Vi, gravei e escrevi

so b re pessoas e livros

Bournemouth: uma pequena cidade grande

curiti b a e o mundo

84

sétima arte

Vida de padre

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por aqui

57 Blindados no amor e na fé

na w e b

Mas afinal o que é cozinha autoral?

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EM CASA Os destinos mais desejados domundo

MODA A sustentável beleza do ser

Leila Pugnaloni: o passeio do olhar

FA Z E N D O A R T E

Civilização ou barbárie?

É TUDO VERDADE

O significador de indignificâncias

AT E L I Ê

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SPOTS

35 LIFESTYLE Ladies and harleiras

Cultura da Convergência

ETECÉTERA

Qual o valor da moda?

ENQUETE

NO ESPELHO As caras de quem se empresta

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EXPEDIENTE

EDIÇÃO PRIMAVERA 2016 publisher Jeni Baggio editora-chefe Glória Bertin MTB 25866 PR direção de arte Paulo Schiavon redação Rayssa Baú Rômulo Zanotto

Vanessa Kosop é formada em design pela Puc-Pr e fotógrafa profissional há mais de 20 anos. Fotografa pessoas, moda, arquitetura, gastronomia e publicidade. Ela fez as belíssimas fotos da atriz Adriana Birolli desta edição.

Fernanda Mello é bacharel em Gravura pela Escola de Belas Artes do Paraná, trabalha há quinze anos como maquiadora e cinco como tatuadora. Mergulhada no mundo da estética e da arte, trabalhou com Vanessa Kosop para criar a capa desta edição.

Cesar Roman é fotógrafo há mais de 20 anos. Autodidata, participou de diversos cursos, Seminários e Congressos de Fotografia, em nível nacional e internaciona. Nesta edição assina as fotos da matéria Intrínseco Valor.

Dani Brito é jornalista, formada pela Universidade Estadual de Londrina, com especialização em História da Arte do Século XX pela Embap. Atualmente, toca o Dani Brito Bureau de Comunicação. E nesta edição faz a curadoria do editorial de moda.

Maria Tereza Gomes é jornalista há 30 anos, trabalhou no Grupo Abril, por 18 anos, passou então a produzir para a IdealTV, hoje tem sua própria produtora, a Jabuticaba. Ela nos conta como foi escrever o livro O Chamado, na coluna Sobre Pessoas e Livros.

Tiomkim é produtor audiovisual, radialista e faz o programa “Cinemaskope, A Maravilhosa Música do Cinema” que vai ao ar há mais de 20 anos na Educativa FM 97,1 – todo domingo às 22 hs). Ele assina a coluna Sétima Arte, desta edição.

Mei Weller é um dos principais agentes e scouter de modelos do país. Atuou em grandes concursos incluindo o Garota Fantástica, assumiu recentemente o departamento Fashion da Agência de modelos Staff Models, onde desenvolve e prepara newfaces para o mercado nacional e internacional. É dele a escolha dos modelos desta edição.

Julio César da Silveira é autodidata e atua como maquiador e hairstylist profissional no mercado de noivas em Curitiba e por todo Brasil. Já trabalhou com editoriais de moda. Ele assina a beleza, cabelos e maquiagem no Editorial de Moda e Enquete.

Michelle Aguiar é Graduada em Desenho Industrial Programação Visual pela PUC Pr, Especialista em Fundamentos do Ensino da Arte, e Mestre em Design de Sistemas de Informação. Desde o ano de 2010 é professora na UNICENP. É uma das coordenadoras, em conjunto com os alunos, do Editorial de Moda e da Enquete.

Eliza Sawada é Mestre em Gestão Ambiental pela Universidade Positivo, Especialista em Multimeios, Graduada em Desenho Industrial Programação Visual e em Desenho Industrial. Atualmente é professora na UNICENP. Eliza foi responsável pela monitoria das equipes de trabalho junto aos editoriais.

Ana Bassetti foi do Jornalismo, passando pela Filosofia e Branding, à Produção de Moda e Consultoria de Estilo. Ela traz pitadas de toda essa bagagem para sua atividade, fazendo um trabalho que foca na personalidade única de cada cliente e de cada marca. Nesta edição foi responsável por auxiliar a produção de moda no editorial.

Paula Negreli é administradora por formação, mas trocou a carreira corporativa por duas paixões: moda e fotografia. Encontrou na Consultoria de Imagem e Estilo a oportunidade de construção da identidade de seus clientes, através do autoconhecimento e do resgate da autoestima, buscando trazer à tona, por meio do vestuário. Ela colaborou no Editorial de Moda.

Priscila Prade é produtora cultural, mas seu reconhecimento nacional é na fotografia. A fotógrafa já registrou importantes nomes como Paulo Autran, Paulo Miklos e Jô Soares, entre outros. Priscila tem três livros publicados e já realizou exposições individuais em diferentes cidades do mundo, como Milão, Londres, Paris e São Paulo. Assina as fotos de Edith Camargo, na editoria Outras Trilhas.

Karen Cristine Munhê Designer formada pela Universidade Positivo e amante da fotografia e da arte. Karen foi a ponte entre a revista One e a Universidade Positivo para a realização do projeto de Design bem como dos editoriais e auxiliou no estudio fotográfico durante as sessões fotográficas.

Frederico Westphalen, Angélica Maria Wolff Sereneski, Isabelly Polanski, Bruno Pilato e Maicon Cristiano Livi, estudantes de Design - Projeto Visual da UNICEMP, foram responsáveis pelo editorial da Enquete desta edição, mostrando como a Moda impacta o Mundo.

Luizy Hoffmann, Julia Fontana, Kelly Lika, Luiza Moreira, estudantes de Design Visual na Universidade Positivo, foram responsáveis pelo editorial de Moda desta edição, mostrando que não existe idade quando se tem estilo.

Christina Beira é fotográfa Oficial do Biker’s ClubHouse.A paixão por viajar, mochilando ou na garupa, a fez buscar aprimorar os cliques para registrar as diferentes culturas. Participou da Capa.

Desireé Caetano é apaixonada por moda e beleza, adora produção de editoriais e desfiles, ela foi responsável pela assistência na beleza do Editorial de Moda e Enquete.

jornalista responsável Rayssa Baú MTB 10128 PR produção e edição de fotografia Lex Kozlik revisão Luana Dal Prá comercial Silmara Camargo silmara@onecuritiba.com.br direção de mídias digitais Projetual fale conosco envie suas sugestões para jornalismo@onecuritiba.com.br

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Publicação trimestral da

Rua Comendador Lustoza de Andrade, 489 Bom Retiro - Curitiba/PR 41 3266-2826


NO ES P EL H O

As

caras de quem se empresta

Desde os 15 anos de idade,

a curitibana dos trintinha já sabia onde queria fincar os pés – e foi muito além.

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“Sou brava quando tenho que ser”, afirma a entrevistada da capa desta edição com uma gargalhada. Adriana Birolli revela os seus traços intensos durante nosso papo e os cliques para estampar a capa. Chegou na produção contando da falta de sono na última noite, resultado dos choros da sua sobrinha que acabara de nascer. Mesmo sem ter dormido bem, Adriana estava animada. Enquanto ela era produzida, tomava chimarrão e conversava comigo. Realmente, ela estava se sentindo em casa. Dona de uma personalidade forte e uma beleza inquestionável, Birolli posa ao lado de uma moto Harley Davidson para evidenciar a sua complexa independência e liberdade. Entre ser livre e estar no controle, a atriz prefere encontrar um equilíbrio. “Eu preciso de liberdade para poder ser eu mesma, em todos os sentidos. Acho que na vida para a gente ter equilíbrio, temos que ter o controle e, às vezes, priorizar a liberdade. Tem que ter de tudo um pouco”, afirma ela e cita que o ciúme é um bom temperinho em uma relação a dois e a lealdade é mais importante do que qualquer outra coisa. Adriana é do tipo que só se prende ao que a liberta. Carrega consigo a vontade de conhecer o mundo todo e ressalta que já esteve em vários lugares como na Europa, nos Estados Unidos e na China. “O importante quando você vai para outro lugar é conseguir sentir e entender o ambiente. Gosto de poder experimentar coisas e culturas diferentes. Acho que tudo acrescenta, agrega”, expõe Adriana que atualmente conseguiu conquistar o seu próprio espaço e largar o aluguel. “Comprar uma casa é sempre um sonho. Estou muito feliz organizando as coisas, encontrando o espaço de cada objeto e sentindo cada cantinho”, conta Birolli que está dividindo o teto com o seu namorado, Alexandre Contini. Com ela o que não falta é assunto. Adriana sabe falar sobre qualquer coisa e deixa explícita a sua opinião da

forma mais sensata possível. Pensa na hora de falar e sempre vem com uma resposta completa. Dentro dela há um lema que impera: viver e não esperar a vida passar. “Acho que as pessoas colocam muitos patamares nas coisas, no sentido de chegar aqui, chegar lá. Não é bem assim. ‘Ah, eu vou ser feliz quando isso acontecer.’ Só que não né, pois quando isso acontecer você já vai estar querendo outra coisa”, realça Birolli. “É preciso viver cada dia como se fosse o último, em vez de ficar passeando pela vida”, enfatiza. Mulher de trinta: olhos azuis, 1,63 m de altura e um sorriso persistente. Esses são apenas alguns dos traços da curitibana que brincava com os vizinhos nas ruas do bairro Jardim das Américas e passava os fins de semana no Clube Santa Mônica. Quando criança fez de tudo um pouco, judô, escotismo, ballet, jazz, natação e teatro – a área que mais despertou nela a vontade de continuar. Na época do vestibular, Adriana escolheu fazer Publicidade e Propaganda e conseguiu conciliar a graduação com o curso de Artes Cênicas. Por mais que a faculdade tenha ajudado Birolli, que hoje exerce a função de produtora, a vontade de viver sobre os palcos foi o que a fez ir mais longe. “Se você fizer aquilo que te dá prazer a chance de ser feliz e bem-sucedido dedicando o seu tempo e a sua energia em algo que você gosta é muito maior”, acrescenta. Não que ser atriz fosse um sonho dela desde criança, mas com 15 anos, Adriana já sabia o que queria e foi deixando de lado as outras áreas. Birolli começou traçando o seu caminho no teatro. Em outubro de 2006, estreou a sua peça de sucesso Manual Prático da Mulher Desesperada ao lado do amigo, diretor e produtor teatral curitibano Ruiz Bellenda, com quem firmou uma sociedade e até hoje sustenta a Simplicissimus Produções Teatrais. No mesmo ano, Birolli ganhou o Troféu Gralha Azul de melhor atriz pela peça

É preciso viver cada dia como se fosse o último, em vez de ficar passeando pela vida”

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e foi considerada a atriz mais jovem a conquistar esse prêmio. “O Ruiz que criou o espetáculo e quem atua sou eu e mais um ator. A peça fala de uma mulher de trinta anos que está solteira e fica angustiada por precisar de alguém”, explica Birolli sobre a comédia que completa dez anos de estrada pelo Brasil neste ano. Ainda com seus 19 anos de idade, a atriz embarcou para o Rio de Janeiro para fazer a Oficina de Atores da Globo – que hoje não existe mais – e só decolou. De lá para cá já são dezesseis peças de teatro, cinco novelas e oito prêmios entre atuações no palco e na televisão. Desde a primeira novela Beleza Pura (2008), Birolli gosta de dizer que ela se empresta para cada personagem que faz, mas que a sua moral é diferente daquele que ela interpreta. “Tudo tem um pouco de mim, pois sou eu que estou fazendo. É a nossa moral que nos permite fazer algumas coisas e não fazer outras. Por isso, acho que é importante pensar que a moral do personagem não é minha, o resto eu empresto tudo”, racionaliza a atriz. A novela que tornou Birolli conhecida pelo grande público foi e Viver a Vida (2010), onde viveu Isabel expert em não ser simpática e apontar as fraquezas dos outros. A personagem era famosa pelas palavras fortes – e muitas vezes preconceituosas – que fazia questão de falar para os outros. “Eu achava um absurdo as coisas que ela falava. Ela não dizia mentiras, mas

Eu sou uma pessoa de muita personalidade e eu não minto, se você pedir a minha opinião, dificilmente eu vou mentir e dar uma volta”

falava verdades bem pesadas e isso eu não faço. Mas não cabia a mim julgar o que ela estava dizendo”, relembra Adriana e identifica a sua doação para vivenciar a personagem. “Eu tenho uma verdade absoluta muito forte quando eu falo as coisas e foi isso que eu emprestei para a Isabel. Não o que ela pensava, mas como ela dizia, a convicção que ela usava para falar.” Bem diferente de Isabel, Birolli não costuma ser ácida em suas palavras, a não ser que exista intimidade com alguém que lhe peça uma opinião. Se esse for o caso, ela será totalmente sincera. “Eu sou uma pessoa de muita personalidade e eu não minto, se você pedir a minha opinião, dificilmente eu vou mentir e dar uma volta”, revela ela. Adriana é escorpiana, guarda certa teimosia em suas atitudes e um complexo jeito de pensar. “Se você me disser para eu me jogar da ponte e eu me jogar e me arrepender, a culpa é sua. Se eu quiser me jogar da ponte e depois me arrepender, a culpa é minha. Acho que não existe coisa pior do que ficar arranjando culpado para as coisas. Mas acho que cada um tem o seu feeling e eu prefiro me arrepender por mim”, esclarece a sua crença. Às vésperas dos 30 anos de idade, Birolli torce para que o seu metabolismo continue colaborando com a sua boa forma e vive cada dia completamente diferente do outro. Aberta às possibilidades, a atriz e produtora não

Personagens

Coisas que eu não tenho, eu aprendo a ter para emprestar. Se eu tiver que fazer um personagem que anda a cavalo e eu não souber andar, não dá. Então a Adriana aprende para emprestar a habilidade para o personagem.

Visual

Não tenho problema nenhum, sem apego. O cabelo cresce, qualquer coisa você corta, ou pinta de volta. Eu acho gostosa essa caracterização, a gente aprende a ficar de um jeito que não é nosso.

Espiritualidade

Eu tenho fé. Eu vou em qualquer igreja que me chamarem. Acho que é tudo a mesma coisa, só mudam os nomes. O fundamento é sempre o mesmo, de fazer o bem, de estar bem, de ajudar os outros e de acreditar que tudo o que você faz tem uma repercussão.

Tatuagem

Manias

Posar nua Publicidade Hobby

Rumo aos 30

Sonho

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Acho lindo para quem tem e tem certeza do que fez. Eu já tive vontade de fazer uma embaixo do dedão do pé. Mas pra que, né? Para sumir depois de três meses, porque a pele do pé se renova bem rápido. Não tenho vontade de fazer, sem contar que dá muito trabalho para cobrir depois. Às vezes eu até tenho uma mania, mas eu nem enxergo. Não tenho uma caixinha que eu abro antes de subir no palco, até porque eu não fico nervosa. Acho que atrapalharia se eu me fechasse no meu mundo interior antes da peça, pois ela é de comédia. Já fiz vários ensaios sensuais, mas nunca para uma revista. O conceito não me chama a atenção. Não vejo por que fazer. Enxergo como mais um trabalho. Gosto muito de andar de bicicleta e inventar moda na cozinha. Adoro fazer polenta, bem coisa do sul e que é até difícil de comprar no Rio. Lá não é como Curitiba que tem polenta em qualquer canto. Se o meu metabolismo não me ajudar eu já estou preparada para mudar a rotina. Eu não como muito, como qualquer coisa quando tenho fome. Ou quando tenho vontade. Quando estou muito ocupada fazendo as coisas da peça e das novelas, eu me esqueço de comer. Eu não sou muito regrada, sei que isso não faz bem. Quando estou de TPM eu fico mais sensível para qualquer coisa, para o bem e para o mal. O meu sonho é continuar trabalhando, tendo bons papéis na minha profissão e formar a minha família. Acho que a felicidade é algo muito mais simples do que as pessoas imaginam e idealizam.

se importa em fazer planos, pois vive em uma intensa falta de uma rotina e a cada ano os seus planos iniciais caem por terra. Ela diz gostar dessa vida imprevisível, mas se o assunto for pegar uma moto e sair pelo mundo, a resposta é não, pois se mataria na primeira esquina, já que ama velocidade e isso não a deixaria ir muito longe. Adriana é segura por si só, mas prefere manter os pés no palco, na sua casa nova no Rio de Janeiro e na residência de seus familiares, em Curitiba. Ponte Curitiba-Rio de Janeiro Eu tenho características de curitibana que quando eu estou no Rio ficam muito evidentes. Aqui parece que eu sou muito diferente. Eu sempre fui mais expansiva e menos fechada. Então aqui grita como se eu fosse muito expansiva, mas lá não. Não é que curitibano seja desconfiado, realmente carioca é mais aberto. Eu me vejo mais como Adriana, nem carioca, nem curitibana. É uma mistura, um pouco de cada coisa para que quando eu estiver aqui não seja tão estranha, assim como quando eu estiver no Rio, eu não seja estranha. Quando eu for pra Minas Gerais com a peça eu também não seja. Eu tenho que ser um pouquinho de cada coisa, o mais universal possível. Televisão e teatro O ofício é o mesmo, você atua. Mas a realização deles é completamente diferente. O teatro, em geral, é uma obra fechada, em que você é escolhido para fazer um projeto específico, ou você mesmo escolhe um ator, pois é possível ser dono do seu próprio projeto. Quando você entra em cena, o papel é seu, você é o editor do seu papel e é só você, o público e os seus colegas que estão em cena. A preparação no teatro é muito mais longa, mas quando a peça estreia você já está “pronto”. Na televisão, não. Lá é tudo muito mais rápido, e você não sabe como vai ficar uma cena que você gravou, pois tem todo um processo de direção, edição e de câmeras, do qual você não participa. Você pode estar em uma superatuação e a câmera só pegar o seu olho e a sua boca, você não tem essa visão. Já no palco é outra dinâmica, você sabe o que está acontecendo, sabe qual a luz. A execução é totalmente diferente. Decorar papéis De todo o trabalho do ator, isso para mim é o mais simples. Mas no teatro você tem um mês para decorar o papel, enquanto na televisão, às vezes, você tem que decorar de um dia para o outro. Já recebi papel também para gravar no mesmo dia. A dinâmica é diferente. Em cena Apanhar ou beijar em cena é tudo igual, não sou eu. Eu to me emprestando ali para contar uma história, não tem envolvimento real. Eu sempre tive a sorte de trabalhar com pessoas legais, por isso nunca tive problemas. Deve ser complicando quando é uma pessoa que você odeie, mas isso não aconteceu comigo ainda.

Novela ou palco Eu nunca vou ter que escolher um dos dois, não existe isso. É a mesma coisa que eu falar que que você vai ter que entrevistar a mesma pessoa a sua vida toda. Geralmente eu não faço as duas coisas ao mesmo tempo. A primeira vez que eu conciliei, foi na reta final da novela Totalmente Demais, quando comecei a viajar com a peça, mas sempre com um medo e um frio na barriga de me chamarem para gravar quando eu estava na peça. Mas eu sempre fiz uma coisa de cada vez. Quando eu via que ia começar o processo de uma novela, ia encerrando a produção para poder me dedicar integralmente a isto. Enquanto eu estou em uma novela posso pensar em um novo projeto, produzir e organizar uma nova temporada e uma turnê, mas fazer tudo junto é loucura. Comédia ou tragédia Acho que a grande graça de fazer o que a gente faz é poder fazer de tudo. Poder fazer aquilo que a gente não é. O grande barato da nossa profissão é viver e trabalhar com energias que não as nossas, aprontar coisas que a gente não teria coragem de fazer. E acho que tudo é uma questão de momento da nossa vida. Claro que a comédia é sempre bem-vinda porque é uma energia gostosa de trabalhar, fazer outros rirem, se divertirem. É muito bom você sair do teatro e ver que as pessoas saem melhores, que riram e esqueceram um pouco os problemas da vida. Isso é muito gratificante. Mas também tem muito valor em fazer o público refletir através do drama. É difícil escolher um, mas vai de cada momento da vida.

Por

Rayssa Baú Fotos de Vanessa e Eduardo Kosop do Estúdio Vanessa Kosop Fotografia Produção Fernanda Mello Make Fernanda Mello Art Assistente Chris Beira Cabelo Glauco Queiroz Espaço Distrito 1340 Apoio Ricardo Donnabella Fernando Donnabella Robson Martins Motos Chicana Motorcycles Adriana veste Sapato MyShoes Blusas RSPECT Calça Baoo Jaqueta acervo Acessórios acervo

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Carlos Drummond Drummond, por exemplo, tropeçou numa pedra no meio do caminho e a eternizou num poema. De lá para cá, esse poema veio rolando, tropeçando no caminho de muita gente. Foi imortalizado no inconsciente coletivo de milhões de brasileiro. Depois dele, muitos de nós tropeçamos com ele, por causa dele, na mesma pedra. Tendo, graças a ele, a mesma epifania: nunca nos esqueceremos desse acontecimento.

AT E L I Ê

Paulo Leminski Por aqui, em Curitiba, de tanto olhar com atenção para elas, Paulo Leminski, outro poeta, virou pedra. Muitas delas. Uma Pedreira. Olhou tão devagar e com tanta atenção para tantas pedras e tantos seres – alguns deles aparentemente tão triviais quanto pedras no caminho – que acabou dando significado a muitas coisas que, assim como a pedra de Drummond, não teriam passado de insignificâncias. Água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Foi assim que, em 1986, Leminski publicou, no Correio de Notícias, o texto homônimo, Significador de Insignificâncias, apresentando, conceituando e, nas palavras do próprio artista apresentado e conceituado – ou artesão, como ele prefere ser chamado –, “traduzindo” Hélio Leites. “Até então eu estava igual à Rita Lee”, entalha Hélio, fazendo referência à música Sampa, de Caetano, “ainda não tinha uma tradução”, nunca tinha sido compreendido. “Leminski foi meu padrinho de cisma”, trocadilha ele. “Eu levei minha cisma para ele e ele entrou na onda, deu valor.” No dia que Hélio leu o texto, correu lavar a alma, tomar banho de cachoeira, como se tivesse tido uma benção. “O quê? Ele viu isso em mim?”, remonta a memória àquele momento, três décadas atrás, quando da publicação do artigo. “Detalhezinho, uma palavra que fosse, ele sacava a história.” Claro! Estamos falando de Leminski. Se tinha alguém que sabia andar distraído, olhando as pedras do caminho, era ele. Tanto que venceu.

Em 1986, o poeta e pensador Paulo Leminski escreveu a famosa crônica com o título acima para apresentar ao mundo o artista Hélio Leites. Trinta anos depois, a revista one revisita o texto, o artista e o poeta

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Fernando Pessoa No poema O Guardador de Rebanhos, Fernando Pessoa fala de como as pedras são engraçadas quando a gente as tem nas mãos e olha devagar para elas. Ele usou “engraçadas”, mas poderia usar qualquer outro

termo: interessantes, bonitas, simpáticas, diferentes... O que está em jogo, no momento, é o ato de olhar para o trivial, o ponto de vista, como se vê. O gesto de olhar com atenção para uma coisa corriqueira, cotidiana, banal, e achá-la feia, engraçada, bonita. Como uma pedra.

Alice Ruiz “Alice conheceu Leites no Rio e dele me trouxe curiosas impressões”, escreve Leminski no conhecido texto, falando de como sua esposa, Alice Ruiz, conheceu o artista, no Rio de Janeiro. “Belo dia, Leites me visita em casa. E já chega dizendo que veio me ver por dois motivos, ambos importantes: me convencer à causa botânica [a arte ciência dos botões, explicada mais adiante], e me pedir algum botão que eu não usasse mais. Já chegou me perguntando quantos botões eu tinha na roupa, naquele exato momento. Confesso que embasbaquei. Quem não embasbacaria? A gente não presta atenção nessas coisinhas (e em tantas outras coisinhas). De imediato, percebi que estava diante de um mestre zen. Alguém que, através do humor, nos chama a atenção para as pequenas coisas da vida que a própria vida não deixa que a gente perceba.”

Hélio Leites De lá para cá, muitas pedras rolaram. Na série de minidocs O Que é Tristeza para Você?, em que diversos artistas brasileiros revelam suas perspectivas a partir do tema tristeza, Hélio Leites registra que “a tristeza é boa, porque faz você ver outras coisas que a alegria não deixa”. É como se Hélio, então, fosse uma espécie de tristeza? Como se transformasse sua tristeza em pedra? Pergunto eu, trinta anos depois da publicação do texto de Leminski, quando da minha vez de ir à casa do homem dos botões, em uma inversão daquela clássica visita de 1986. “Ou em pão”, responde ele, introduzindo aqui uma de suas também clássicas provocações sobre suas transformações. “Eu pego um palito de picolé e transformo ele num São Francisco. Daí, vendo o São Francisco por dez reais e compro um pacote de pão. Ou seja: embaixo daquele palito, tinha um pacote de pão”, explica ele. Claro que, antes, Hélio conversa com os palitos, trabalha com eles. No início, se o palito estivesse quebrado, o artista não o pegava. Até que, um dia, passou por cima de um, sentiu uma pontada nas costas e uma voz que dizia que os mais machucados eram os que mais precisavam. “Parei contrariado, voltei irritado, catei agachado”, rima Hélio. “Levei no desleixo, lavei no relaxo, guardei no descuido. Noutro dia, distraído, olhando para o palito, meio mordido, parecia os pezinhos de São Francisco. Não é que era, meu filho?”, finaliza ele, como um profeta, me chamando pela primeira vez do que me chamaria para sempre depois. “Acho que vou parar de trabalhar por causa das minhas piadas”, provoca, mais uma vez. “Minhas piadas estão tudo fora de moda, nunca vi nada tão desatualizado como minhas piadas,” avisa ele, antes de soltar, uma a uma, todas as conhecidas provocações de quem já o conhece da Feira do Largo, no domingo. Os botões da blusa que eu usava Além de seu significado de descoberta do óbvio oculto, como descreve Leminski na crônica de 86, o botão tem outras conotações que a Botânica de Hélio já detectou. “É um nada, mas está li juntinho com você, colado na sua pele, você pega nele em média 37 vezes por dia, às vezes não sabe nem quantos furinhos ele tem”, começa Hélio, na minha visita. “Se você não sabe quantos furinhos tem o botão da sua camisa, meu filho, me desculpe, mas com que moral você vai querer saber sobre rabo de cometa, disco voador, mancha solar, vida em outro planeta?” As pessoas ficam tão preocupadas com as coisas que estão lá longe, indigna-se o artesão, que perdem o que está perto. “Os botões da blusa”, da música de Roberto Carlos, são o hino da Assintão – associação dedicada a pesquisar e valorizar o papel do botão na história humana –, conforme Leminski escreve a partir das confidências de Leites. O botão tem o significado da opressão: fecha, tranca, esconde. Tem também o significado da descoberta do óbvio oculto: revela, abre, mostra. Quando o olhar

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Lewis Carroll Noutra ocasião, escrevendo para esta mesma editoria da revista One, me senti transformado em Alice, entrando no país das maravilhas de Lewis Carroll. Foi quando entrevistei o ilustrador e designer André Coelho, em matéria disponível on-line na Toca do Coelho. Dessa vez, novamente Alice, fui falar com o Chapeleiro. “Meu filho, você já foi parar dentro da xícara?”, pergunta ele. Eu digo que não. “Então vá! Se a gente não for parar dentro da xícara, não vai achar mais lugar nenhum no mundo em que a gente caiba”, elucida, mostrando uma xícara pintada com um céu, uma escadinha e um mongezinho à porta. “Eu pego uma xícara, empapelo ela por dentro, pinto um céu, faço uma escadinha e coloco um monge à porta. É ele que vai te ajudar a viajar para dentro da xícara”, chapeleia o maluco. Está falando, com sabedoria, de autocompreensão e imersão em si mesmo. “Conhece-te a ti mesmo”, parafraseia Sócrates. “Sabe Sócrates, aquele jogador do Corinthians?”, continua ele, se referindo ao pensador grego. “O problema é o que as pessoas põem dentro da xícara.” Mas foi numa caneca, aos 7 anos, e não numa xícara, que o Chapeleiro descobriu o seu destino. A professora pegou uma bola de argila, tirou o miolo e transformou numa caneca. O menino Leites, ainda água, ficou transtornado. “Imagina! Com 7 anos, você vê uma pessoa com uma bola de barro, e dali a pouco com uma caneca.” Até então, para Hélio, um botão era só um botão, e uma caixa de fósforo era só uma caixa de fósforo. “Essa professora me fez ver que eu podia transformar as coisas.” Ou transtornar, como costuma dizer. “Transformar é pouco.”

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do outro se volta para o “louco”, ele se transforma em gênio. É o olhar do outro que transforma, reforma, performa, transtorna, disforma. Água mole em pedra dura tanto bate até que vira leite. Leminski já tinha visto o Hélio. Eu, na minha visita, queria ir além, tirar leite de pedra, desconstruí-lo, saber como pensa e de onde vem esse personagem – “nem eu não sei”, diz o artista –, me conectar com ele. Para isso, fiz um jogo: me abrir com ele. Se eu só tenho do outro quanto mais me abro a ele, e se botão esconde ao mesmo tempo que revela, ele também une, comunga, fecha, enlaça, enleia, estreita. Dessa forma, se mais do que simplesmente abrir os botões da blusa eu os tirasse da minha camisa e os doasse a ele durante a entrevista, eu não sairia de peito aberto, mais livre, peito nu, cabelo ao vento? E se, mais que isso, ele fosse costurando “os botões da blusa que você usava” no vestuário dele, eu não estaria para sempre unido ao Hélio, e ainda deixando com ele uma parte de mim? Foi assim que, durante a entrevista, eu me desabotoava. E ia, pouco a pouco, me deixando ver. E quanto mais eu me revelava, mais leite de pedra eu tirava. Deu certo: quem se revela, comunga.

Hélio Letes, o “i” da questão Na cultura japonesa, de acordo com Hélio, as pessoas vão mudando de nome à medida que a vida vai acontecendo com elas. Com ele também, sem que soubesse, foi acontecendo isso. É que, para ser feliz num lugar, para sorrir e cantar, tanta coisa a gente inventa... Tanta coisa a gente contorna, entorna, transforma, transtorna. Tanto que, à época da crônica de Leminski, em 86, ele ainda não tinha feito o caminho das pedras para chegar a ser Leites, no plural. Ainda se chamava Hélio Letes, sem o “i” da questão. Antes ainda, assinava JHSL, iniciais de seu nome. Até que. Foi fazer a cabala. “O cara falou que eu tinha que escrever Hélio Leites, com ‘i’. Eu não acreditava! Eu havia pago 70 reais por aquele “i”, não ia jogar fora. Comecei a usar. Igual Leminski, eu não discuto com o destino, o que ele pintar, eu assino.” Mas o dia que a poesia arrebenta... é que as pedras vão cantar. Marisa Monte Hélio, que foi desempregado durante muito tempo (os anos todos que trabalhou em banco, afinal “trabalhar no que a gente não gosta é o maior desemprego do mundo), não gosta muito de ser chamado de artista. Prefere artesão. “É uma coisa mais descente”, desdenha Hélio,

simpaticamente bonachão. “Se você fala que é artista, eles querem saber se é de televisão, de cinema... Eu sou artista de feira.” Hélio Leites, artista nato, artesão de feira, gentil de nascimento, só foi entrar para a faculdade depois de idade. Cursou Belas Artes, na Embap, aos 60 anos. Por isso eu pergunto, a você no mundo, se é mais inteligente o livro ou a sabedoria, como cantou Marisa Monte sobre o profeta Gentileza, na composição homônima de alguns atrás. E, na sequência, pergunto ao Hélio se ele, por sua vez, considera-se um profeta. “Claro que não, meu filho”, nega ele, enfático. “Mas tem hora que parece que não sou eu que estou falando”, pondera ele. Titãs “As ideias estão no chão, você tropeça e acha a solução”, dizem os versos de uma música dos Titãs. Pois para além da caneca transtornada do barro, que serviu-lhe de inspiração pelas mãos da professora, a história que se inventa pelo próprio Hélio para sua gênese criativa está no chão. “Eu estava passando na rua, meio desanimado. Cuspi, e o cuspe caiu em cima de um botão”, conta ou inventa ele, não importa. “Eu voltei, tive que limpar a ideia da boca, e o cuspe do botão. O botão dizia assim: ‘Você vai dar um jeito, Hélio, a gente vai dar um jeito’.” “Toda pedra no caminho, você pode retirar”, dizem outros versos, noutra música, da mesma banda. Ney Matogrosso, Pedro Luís e a Parede “O que eu preciso são histórias, menino”, muda ele o vocativo, transformando-me outra vez criança, exatamente como no poema de Pessoa, lá no início. “Sem as histórias, os objetos não seriam tudo que são. Eu conto uma história para a pessoa, a pessoa se emociona e leva uma peça. Ou fica para o coração dela, não precisa levar a peça.” Tem uma mulher, lá na Bahia, conta Hélio, que mandou “não sei quantas caixas de fósforo” para ele, tudo com palito queimado, e disse assim: Sempre que eu acendo um palito de fósforo, me lembro de você. “É isso”, diz Hélio. “Você não precisa trazer para mim um palito de picolé toda vez que encontrar, mas precisa pensar nele para fortalecer minha transformação. Reciclar, botar uma história em cima.” “Pedras sonhando pó na mina. Pedras sonhando com

Efigênia Rolim

Efigênia Rolim também se encontrou, e foi salva por um papel de bala. Hélio é um apaixonado por ela. Se diz “o bobo da corte da Rainha do Papel de Bala”. A ligação que ele tem com ela, diz, é de poesia e de estética. Termina a entrevista cantarolando assim: “Eu sou a empada da azeitona, ela é a cereja do bolo. Eu é que acendo o palito, ela ilumina a cidade. Ela é a Artista Matriz, eu sou a capelinha. Eu sou do palito chupado, ela é do papel da bala. Eu sou o palhaço botão, ela é a flor entidade. Eu é que risco o palito, e ela ilumina a cidade”.

britadeiras”, canta Ney Matogrosso, em composição de Pedro Luís e a Parede. “Cada ser tem sonhos à sua maneira.” Parque das Pedreiras E assim vamos nós, todos, rolando. Como água, como pedra, como gente. Se transformando em leite, lattes, Letes, Leites. Em pó, em som, sombra, em água, em nada. Pedreira, britadeira. “Queria fazer música, como não sei, crio ruídos”, canta Hélio Leites. É o olhar do outro que me transforma em pedra, mas sou eu que lapido a pedra do meu pensamento. “Leminski não era apenas um escritor, mas um pensador”, vaticina Hélio. Não há quem não tropece numa frase dessas – “distraídos venceremos” – e dela não se lembre para sempre, como se fosse uma pedra, no sapato ou no caminho. Mas, antes disso, tem também as pedras que Leminski transformou. Os Leites que tirou de pedras, de sucatas, “insignificâncias”, “miudezas”, “mixarias”. É assim que o artista transforma distração em vitória, água em leite, miniatura em arte, jornalismo em literatura, encontro em história, destino em... Seguimos, todos, Leminski, Hélio, eu, muito distraídos. Sabemos que já vencemos. Temos tempo de nos distrair e nos perder pelo caminho. Tropeçando em pedras, seres, poemas. E vendo, em cada um deles, a terra inteira, mais o Sistema Solar, a Via Láctea, o Oceano e o Indefinido. E eu fico cá, a pensar com meus botões: me abotoo e tento entrar para a história, com eles. Não discuto com o destino. O que ele traçar, eu pinto. Quem souber olhar de forma diferente para cada pedra e cada ser, vai virar pedra, pedreira, britadeira.

Por

Rômulo Zanotto Fotos de Lex Kozlik Conteúdo exclusivo on line: acesse o nosso site

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EN Q UETE

c o n s u m o

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interesses comerciais x

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l i x o l u x o

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Fotografia Lex Kozlik Editorial Lex Kozlik e Wishilen Alvarenga Doc inspiration The True Cost www.truecostmovie.com Studio de fotografia Universidade Positivo Projeções Imagens The True Cost Modelos Staff Models | Bruna Cardinale, Julia Lins, Juliana Picussa Elenco Mei Weller Beauty Julio Silveira Assistente de Produção de Beleza Desireé Caetano Figurinos Brechó Trinca Z Direção de arte Paulo Schiavon Pesquisa, Produção e design Frederico Westphalen e Bruno Pilato Pré e pós produção Angélica Maria Wolff Sereneski e Isabelly Polanski Audiovisual Maicon Cristiano Livi audiovisuais Apoio Karen Munhe, Michele Aguiar e Eliza Sawada - Universidade Positivo Editorial realizado com os alunos de Design da Universidade Positivo Produção executiva Lex Kozlik

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É TUDO VERDADE

QUAL O DESAFIO DA CULTURA DA CONVERGÊNCIA NO BRASIL DE HOJE

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A cultura é essencial para a vida em sociedade, especialmente em momentos de crise. Foi assim que a Revista ONE, durante os últimos três meses, no auge da crise política pela qual acabamos de passar, entregou-se a uma pesquisa sobre o papel fundamental da cultura na formação do indivíduo e da sociedade. Afinal, acalmados os ânimos, acirradas as brigas, encerrada a disputa, o que fica, para quem a viveu, é apenas o que cada um conseguiu construir, dela, para si. Ou para todos. Durante a interinidade do atual governo, conversamos ampla e profundamente com agentes, gestores e pensadores da cultura e de políticas de desenvolvimento cultural. Entre eles, o ex-ministro da cultura Juca Ferreira. Sociólogo, Juca tem ampla vivência e experiência em gestões culturais. Participou, desde o início, do desenvolvimento e das transformações que o governo de Gilberto Gil concebeu à frente da pasta, a partir da qual especialistas formam um consenso de que o compositor deu nova importância a ela. Juca esteve presente o tempo todo. Primeiro, como secretário executivo, durante toda a gestão de Gil. Depois, sucedendo a ele. Duas vezes ministro – nesta ocasião e retornando mais tarde, durante o último mandato de Dilma –, foi, ainda, entre uma e outra, secretário da Cultura da cidade de São Paulo e embaixador especial da Secretaria-Geral Ibero-Americana. Além disso, possui também uma vasta bagagem, que só a experiência empírica de vida lhe outorga. “Apesar de não ser do interior, eu vivi em vários momentos da vida, em vários interiores”, entalha ele, iniciando a conversa nevralgicamente em um dos cernes de nossa questão: como convergir? Como caminhar coletiva e individualmente rumo à unificação dos “nossos interiores”, sejam eles geográficos ou imaginados? Converso com ele durante sua participação como convidado no Festival Internacional de Cinema de Curitiba. Um dentre tantos projetos viabilizados pela hoje “famigerada” Lei Rouanet, que tem no ex-ministro um de seus maiores críticos. Muito além de propor a sua extinção, o que ele propôs – e encontra-se em aprovação no Senado Federal – são significativas mudanças nela. Juca se entregou a uma ampla e franca conversa conosco, em que falamos de política, cultura, presente, passado e futuro. Tudo interligado. Profundo conhecedor de todos os brasis que há no Brasil, começou simpaticamente falando sobre sua vivência no interior, para dizer que entendia o lugar de onde eu lhe contava que eu vinha. E terminou falando do que vimos na abertura das Olimpíadas, dias depois: da diversidade e complexidade de nosso capital cultural. Tão reconhecido pelos estrangeiros, tão desconhecido pela maioria dos brasileiros. Interior X Grandes centros Como conceituar interior e capital neste nosso Brasil? Meu pai construía estradas, então até certa idade eu e meus irmãos o acompanhávamos pelo interior do Brasil.

Morei em uma parte do interior do Sergipe, de Alagoas, de Pernambuco e do Espírito Santo. Então, apesar de ser de Salvador, eu tenho uma vivência de interior também e entendo o que você diz. Há uma distância excessiva entre o Brasil dos grandes centros e o das pequenas cidades. O país nega um pouco o seu lado rural e isso é ruim, porque oculta uma parte importante da nossa cultura. Boa parte dela tem raiz nessas pequenas cidades, mesmo as dimensões que se urbanizaram. Reconstituir a possibilidade dessa relação e esse fluxo é muito bom. Muitos artistas e criações nascem no interior e é preciso estimular essa vida cultural, fazer com que ela dialogue com a cultura urbana, que é bastante hegemônica aqui no Brasil. Há uma desvalorização da produção cultural e das pessoas das pequenas cidades no Brasil.

Há uma distância excessiva entre o Brasil dos grandes centros e o das pequenas cidades”

E como fazer? Quais as formas de promover essa ponte e essa valorização? São muitas. Disponibilizando educação de qualidade para todo o território brasileiro, você já cria uma possibilidade de que as pessoas que vivem nessas cidades tenham possibilidade de estar integradas num sistema maior. Isso não significa homogeneização cultural. Outra forma é assumir os diversos contextos culturais do Brasil, porque cria uma possibilidade a partir dos próprios locais em que elas são criadas. Tem que ter bibliotecas, teatros, centros culturais, possibilidade de desenvolvimento da expressão cultural. Isso está crescendo, ainda que timidamente. É muito desproporcional o potencial cultural dessas regiões do Brasil ao que de fato elas têm acesso. Outra coisa importante é a valorização das manifestações culturais e do que é criado e produzido nessas cidades. Já foi mais imperativo se mudar para o Rio e para São Paulo para dar certo. Nem as outras capitais mais importantes tinham, em si, a capacidade de desenvolvimento de grandes artistas. De uns tempos para cá, isso está mudando. Uma polêmica que a gente teve que assumir com os meios cinematográficos a partir do Ministério foi que o cinema, para se tornar uma indústria, teria que ter um nível de concentração regional. Você pode ter [a concentração] na área de laboratório, por exemplo, mas não na de criação. Na de criação, ao contrário. O Brasil demanda que a diversidade cultural se expresse em todas as linguagens, inclusive a cinematográfica. Hoje, todas as capitais brasileiras têm produtoras de cinema e de audiovisual, e já estão entrando nas cidades de médio porte. Se nós conseguirmos manter esse desenvolvimento da atividade no Brasil, nós teremos em breve, também, cidades de pequeno e médio porte bem estruturadas na produção audiovisual. Cultura do estupro O senhor, como ministro, teria aberto espaço na sua agenda para receber o Alexandre Frota? Como ministro, eu nunca me recusei a receber ninguém. Recebia pessoas da oposição, porque ali você está numa representação de Estado, com uma grande responsabilidade. O que eu acho é que dificilmente ele me pro-

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jeto pode ser absolutamente irrelevante para a música erudita [que poderá abater 100% do imposto que renuncia], e pode ser uma coisa importantíssima para o desenvolvimento da cultura popular [sem que possa renunciar o valor integral do que investe]. Esses critérios definem setores que podem ou não receber incentivos a partir de critérios abstratos. A orquestra perdeu o patrocínio porque a empresa não podia renunciar integralmente o imposto, e as empresas só querem financiar quando renunciam 100%. Então essa orquestra, que tem 200 meninos da periferia aprendendo a tocar música sinfônica e a ler partituras, ficou sem apoio ao estimular a cultura popular de uma forma relevante. É por isso que eu sou contra, não por causa dessas bobagens que inventaram aí, que não são verdadeiras.

Juca Ferreira, ex-ministro da Cultura

O Brasil é um dos países mais criativos, com uma ampla e complexa diversidade cultural e artistas de primeira qualidade”

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curaria. Inclusive, nós já tivemos uma polêmica. Eu já era ministro quando ele relatou, num programa de televisão, que tinha estuprado uma mãe de santo. Eu achei aquilo repugnante. Escrevi um artigo e coloquei no meu perfil pessoal. Ele reagiu violentamente, com uma ameaça velada. Coisa de brucutu. Então, dificilmente ele me procuraria. Os seus procuram os seus. De alguma maneira, a experiência do Ministério da Cultura mostrou que vinha muita gente equivocada ver se tinha uma brecha para haver um privilégio. Mas a maioria das pessoas que nos procuraram foi sensibilizada por esta ideia de democratizar a cultura no país e qualificar a relação dela com o Estado. Ele não cabe muito nesse processo. Ele certamente deve ter um desprezo pelo que a gente fazia. Pergunto isso porque no mesmo dia em que ele foi recebido pelo atual ministro da Educação, saiu a notícia emblemática daquele estupro coletivo no Rio de Janeiro. O senhor acha que as pessoas conseguem associar como esses fatos se correlacionam e legitimam a “cultura do estupro”? As propostas que circulam hoje, no Brasil, são escandalosas. Disponibilizar as terras indígenas para madeireiros, garimpeiros e para o agronegócio, redução da maioridade até 12 anos para poder reprimir a juventude, aborto preventivo para evitar que “marginais” nasçam. A base deles [do governo] não reconhece os direitos dos homossexuais serem o que são, sem serem molestados. Eles têm propostas totalitárias, como a cura gay, que negam o direito de uma parcela dos brasileiros. Tudo isso vai se revelando, decantando. Ao invés de estar voltado para o futuro, como vínhamos. Apesar de todos os problemas da sociedade brasileira, desde a redemocratização vínhamos acumulando o sentido de futuro. Ora enfrenta isso,

ora enfrenta aquilo, tem dificuldade, mas avança. Agora não. Vivemos um momento em que revolveram o lodo da sociedade e esse lodo está conseguindo imprimir características tenebrosas. Lei Rouanet Ao contrário do que acredita o senso comum, os verdadeiros privilegiados da Lei Rouanet não são os artistas, mas, sim, o empresariado e o corporativismo que patrocina os projetos viabilizados por ela, certo? Isso. A Lei Rouanet padece de outro problema. Ela nasceu com o intuito de arrecadar fundos para a criação de um mecenato e de um empresariado cultural brasileiros. O mecenato não criou. Ao contrário: uma pesquisa mostra que diminuíram os fundos para a cultura. Na medida em que a empresa tem acesso a 100% de renúncia fiscal, reforçando a marca a seu bel prazer (porque a lei é “generosa” e o gestor não tem como restringir) e pode escolher e definir por meio de seu departamento de marketing o que quer financiar sem colocar a mão no bolso, ela não investe em mais nada. E a segunda coisa, é que também não criou um empresariado. Viciou uma camada de intermediários a ganhar em cima da Lei Rouanet. Nós percebemos e depois a Polícia Federal comprovou que, com uma frequência muito maior do que se pode imaginar, há uma negociação em que uma parte do dinheiro destinado ao projeto volta para as mãos daquele gestor privado que a financiou. Além disso, a Lei Rouanet tem controversos critérios de renúncia previamente definidos? “Que país é este”, me perguntou um maestro, “em que o fato de eu incluir Luiz Gonzaga no repertório faz com que eu deixe de ter acesso a 100% da renúncia?” Um pro-

Pró-Cultura Apesar disso, o senhor não é a favor da sua extinção, mas da sua reformulação, o chamado Pró-Cultura. Quais são as principais mudanças? Esta é uma: quando o empresário se associar ao Estado para proporcionar alguma atividade cultural, que eles contribuam, sem isenção, com pelo menos 20%. Ainda é pouco, mas é para ir recriando o hábito de investimento sem renúncia. No futuro, vamos aumentando. A outra mudança, é criar outros modelos de financiamento cultural, como empréstimos subsidiados: Estado e iniciativa privada coproduzem e, havendo lucro, retornar proporcionalmente o investimento em outras atividades. Ou seja, diversificar as possibilidades. Há grandes empreendimentos culturais que não deveriam receber incentivo, pois já são economicamente bem-sucedidos. Você apenas amplia a taxa de lucro deles e, com isso, falta dinheiro para investir em projetos que necessitam de fato. Outra mudança: possibilitar, como faz o fundo setorial do cinema e do audiovisual, um trabalho conjunto com as secretarias estaduais e municipais, transferindo fundos específicos para as culturas regionais e locais. O objetivo é mudar a lógica da Lei Rouanet, que é uma lógica perversa, concentradora. O objetivo foi aprofundar e corrigir a distribuição dos recursos públicos, que é infinitamente inferior à demanda da sociedade brasileira. O problema é ajeitar a lei, não a gestão da lei, é isso? A gestão da lei é feita com o maior rigor. Só não se pode inventar uma gestão que não esteja coerente com ela. O que o gestor tem que fazer é cumpri-la. Se a lei não for boa, como é o caso, modifica-se. A lei já tramitou na câmara e foi aprovada a modificação, com algumas “jabuticabas”, botaram lá algumas coisas que não são boas. Nós trabalhamos com o relator do Senado um projeto que limpa e aperfeiçoa o projeto original, feito há alguns anos atrás. O impressionante é que, fora do estado do Rio e de São Paulo, mesmo os deputados de oposição eram a favor. Agora, o que está em jogo é o Senado. Mas, na Câmara, virou de novo um “monstrinho”, incoerente. Vai ser difícil.

Rio de Janeiro e São Paulo continuam sendo os estados com as principais resistências à modificação da lei? Mas mesmo assim essa resistência já enfraqueceu. Eles já admitem a necessidade de aprimoramento e mudanças, porque é evidente que tem equívocos estruturais. E não são erros pequenos. A Lei Rouanet corresponde a 80% do orçamento que o Governo Federal tem para disponibilizar a produção artística e cultural no Brasil. E esse dinheiro é usado para concentrar, excluir e privilegiar. O Festival de Cinema não é um bom exemplo de um evento culturalmente pertinente, que só se viabiliza por conta da lei? Você tem razão. Nem tudo que é financiado pela Rouanet é ruim. Tem muita coisa interessante, como o Festival, que mereceria, em qualquer sistema de financiamento, receber os recursos. Mas a quantidade do que não precisaria ser financiado porque não tem mérito cultural ou porque tem viabilidade econômica é muito maior. Fora do eixo Rio-São Paulo, os incentivos são mínimos. A lei financia coisas interessantes também, só que dentro de uma proporção e de um universo que estimula as desigualdades, os privilégios e as exclusões. O Pró-Cultura não acaba com o mecanismo de financiamento, pelo contrário: alarga, amplia, possibilita que os projetos que não têm acesso a ele passem a ter. O grande artista continua-

Para resolver as questões do século XXI, é preciso educação de qualidade para todos e acesso pleno à cultura”

rá tendo também. Não é verdade essa oposição que se criou. Na verdade, se esquentou demais essa discussão para evitar a mudança, o compartilhamento desses recursos. O que nós propomos foi aprimorar o projeto que se tem, tirando as conotações excludentes e essa irresponsabilidade de dar 80% do orçamento do Ministério para que os departamentos de marketing das grandes empresas decidam o que é a cultura. É isso. E com a mudança de governo, como é que fica o andamento da lei? Acho que alguma coisa vai acontecer. Vai haver uma pressão para manter os privilégios, é evidente, e o governo vai respaldar, porque ele não tem posição sobre a cultura, não dá importância ao tema e não vai comprar nenhum desgaste com grandes artistas. E essa é a grande dificuldade, porque quem já tem acesso [à lei] é quem já tem capital simbólico. Mas alguma coisa vai acontecer, independentemente do desenrolar desse drama e dessa tragédia política que a gente está vivendo. Ministério da Cultura Qual o tamanho do Estado e da iniciativa privada na formação da cultura brasileira? A área privada tem uma contribuição, as organizações sociais têm uma contribuição e o Estado tem outra. A contribuição do Estado é incontornável, porque se você quer disponibilizar cultura em todo o território brasileiro, para todos os segmentos da sociedade, você vai ter que trabalhar com muitas áreas que não são rentáveis. Com isso, você já tira a área privada do papel de financiar bi-

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desigual, que não consegue cuidar bem de todos os brasileiros, tudo bem, é um projeto! Mas se você quer que o Brasil entre no século XXI corrigindo essas mazelas, você é obrigado a pensar numa política cultural em que o Estado disponibiliza o acesso a todos. Além disso, o Estado tem responsabilidade em apoiar o processo criativo. Mantendo a liberdade de expressão, mas criando meios para que as pessoas se formem. Quando os criadores se desenvolvem plenamente, essa formação retorna para a sociedade. Não só nesse desenvolvimento simbólico, cultural e artístico, mas na economia também. Cultura é uma economia importante. É a terceira nos EUA e na Inglaterra. Todos os países do mundo estão investindo pesado para entrar nessa economia, porque ela é de alto valor agregado. Ao contrário de ser excludente, ela é includente. O Brasil tem uma qualidade e uma quantidade enorme de pessoas criativas.

Para Juca somo o país da economia criativa

Pensar na economia do século XXI não é pensar em metalurgia, em exploração dos recursos naturais. A principal economia, hoje, é a criativa”

Por

Rômulo Zanotto Fotos de Lex Kozlik

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bliotecas públicas, acesso a cursos, informação, a tudo aquilo que falamos no início, que faz com que as pessoas de cidade pequena tenham acesso à cultura de forma plena. Para resolver as questões do século XXI, é preciso educação de qualidade para todos, e isso já está entrando na cabeça do brasileiro. Mas é preciso também de acesso pleno à cultura. O que a área privada dá é do tamanho do seu bolso: se você é rico, tem acesso a tudo; se é classe média, tem acesso a muita coisa; mas se você é pobre, fica na mão da TV aberta. O Estado tem a obrigação de corrigir essa distorção. Isso não beneficia só o pobre, que passa a ter acesso, isso cria uma potência enorme para a cultura, para a arte brasileira, porque você possibilita o desenvolvimento do potencial de milhões de brasileiros. Essa discussão, do papel do Estado ou da iniciativa privada, ainda é uma herança cultural inútil da Guerra Fria? Para enfrentar os desafios fora da arte e da cultura, para manejar a tecnologia, para fortalecer uma sociedade onde os diferentes vivam harmoniosamente, para a realização da condição humana de cada uma dessas pessoas, é fundamental o acesso pleno à cultura. E isso cabe ao Estado. Na Inglaterra de Margareth Thatcher, no auge do neoliberalismo mundial, os teatros públicos, as bibliotecas públicas os museus públicos continuaram funcionando. Então, isso não é uma questão de direita ou de esquerda. Isso é uma questão de civilização ou barbárie. Se a gente quer que o Brasil continue este país imperfeito,

Economia criativa Seria estimular o desenvolvimento da chamada Cultura Criativa? Um país de mais de 200 milhões não pode ficar refém em commodities agrícolas e minerais. É preciso diversificar a economia. Até nesse aspecto o desenvolvimento cultural vai contribuir para o Brasil passar para uma outra etapa de desenvolvimento. O cinema e o audiovisual já são superavitários, com dez anos de investimento permanente. É possível fazer isso mais rapidamente com a música, que é uma linguagem ainda mais enraizada no país, com uma qualidade reconhecida no mundo inteiro. E é possível fazer com todas as outras áreas artísticas. Além de tudo que conversamos anteriormente, dessa qualificação da sociedade brasileira, da produção de subjetividades complexas, da aceitação do outro, do diferente... a cultura carrega essa dimensão econômica. Pensar na economia do século XXI não é pensar em metalurgia, em exploração dos recursos naturais. Isso já era, é economia secundária. A economia principal, hoje, é a criativa. Uns chamam de economia do conhecimento, outros de economia cultural. Não importa o nome. Tem uma área importante aí, em que o Brasil é rei, é um dos países mais criativos, com uma ampla e complexa diversidade cultural, com artistas de primeira qualidade. O brasileiro percebe ou conhece isso? Você sabe que, no topo da indústria cinematográfica americana, tem muitos brasileiros que não tiveram condições de se desenvolver aqui e foram para lá. E você encontra na Europa um enorme reconhecimento pelas artes visuais brasileiras. Os artistas contemporâneos brasileiros “bombam” no mundo inteiro, sem nem o Brasil saber, porque não existe, aqui, um espaço acolhedor para essa dimensão. É disto que a gente está falando: é grandeza ou miudeza. Ou é civilização ou barbárie. Ou é um país que vai enfrentar os desafios do século XXI, ou a gente vai regredir sem conseguir exercitar plenamente tudo que a gente tem potencial aqui dentro.

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Cultura Convergência da

Texto é textura, tessitura. Viver é arte e é cultura.

ETEC É TERA

Vamos convergir?

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Em maio, quando o então presidente interino Michel Temer pôs fim ao Ministério da Cultura, estava reunida em Curitiba a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC). Órgão colegiado de assessoramento integrante da estrutura do MinC, a CNIC é responsável por analisar e dar parecer sobre a aprovação de projetos culturais que se candidatam à captação de recursos de renúncia fiscal via Lei Rouanet. Com uma agenda mensal de reuniões que se revezam alternadamente, desde 2011, entre a capital federal e encontros itinerantes em cidades de diferentes regiões brasileiras, a CNIC percorreu 26 cidades, de 20 estados brasileiros, além do Distrito Federal. Curitiba foi a última. Com a mudança de governo, as itinerâncias foram suspensas, e todos os encontros voltaram a acontecer apenas em Brasília. “É uma pena”, conta Janete Andrade, membro representante do Paraná na atual Comissão. “Cada vez que chegávamos em uma cidade, parecíamos ser missionários da cultura. As pessoas nos recebiam muito bem, tinham uma simpatia, uma idolatria. Ficava clara a necessidade daquele acontecimento”, continua ela, que é coordenadora de Música da Fundação Cultural, diretora da Oficina de Música de Curitiba desde 2002 e tem um longo e vasto envolvimento com a análise téCNICa de projetos de lei de incentivo em gestões públicas. “Era uma oportunidade enorme de instigar as pessoas, debater cultura, linguagens, esclarecer produtores, artistas e agentes culturais sobre as inscrições de projetos”, avalia ela. “República de Curitiba” O caráter abrangente das reuniões da CNIC transformava as cidades itinerantes em que ela acontecia numa extensão do Ministério da Cultura. Durante os três dias em que a Comissão se reuniu em Curitiba, então, no mês de maio, a cidade foi, mais uma vez, a “extensão de Brasília”. O cidadão curitibano estava de

novo no centro da discussão nacional de temas importantíssimos, desta vez na área cultural. Pois veja a coincidência: aquele, que foi o primeiro encontro da Comissão a ser sediado em Curitiba, aconteceu de 10 a 12 de maio de 2016. O dia em que, por decreto, estaria extinto o Ministério da Cultura. Justo quando ele estava sediado aqui, na capital do Paraná? O MinC, então, teria acabado na famigerada “República de Curitiba”? Há controvérsas. Mas o fato é que aquele, que foi o 244º encontro da CNIC, foi, e será para sempre, a última reunião itinerante. “Eu sinto muito Curitiba ser lembrada por isso”, lamenta Janete, que nos conta também que a própria continuidade da CNIC ficou em cheque – tal qual a do Ministério em si – naqueles conturbados dias de início de governo. Em épocas de opinião rasa e raso senso comum, onde brasileiros acreditam em meias-verdades e as transformam com facilidade e propriedade em mentiras-inteiras, fomos atrás da única representante paranaense da Comissão, para saber por fontes empíricas como se dá a análise e a aprovação de um projeto inscrito para receber benefícios da Lei Rouanet. Aqui, falamos por meio de fatos, não de boatos. Não cabem expressões descompromissadas como “diz que...”, frases feitas tipo “mamar nas tetas do governo” ou o senso comum da “boca livre”. Aqui, cabe conversar para compreender, perguntar para esclarecer, pesquisar para entender e aprofundar para melhorar. “Lady Incentivo”, Adorável Vagabunda Promulgada em 1991 pelo então Presidente Collor, a Lei Rouanet foi idealizada e sancionada pelo filósofo e ensaísta Sergio Paulo Rouanet, chefe da Secretaria de Cultura do governo à época (a exemplo de Temer, Collor também extinguira o Ministério sem, no entanto, encontrar a resistência encontrada por Temer). Por meio dela, empresas e pessoas físicas podem

investir em projetos, programas ou ações culturais inscritos e aprovados na Lei, em troca de deduções no Imposto de Renda. O limite é o de 4% para empresas, e 6% para pessoas físicas. Ou seja, uma companhia que paga R$ 1 milhão em tributos pode direcionar até R$ 40 mil para um projeto. Ao passo que uma pessoa que recolhe R$ 10 mil em Imposto de Renda, pode deduzir até R$ 600. E quem pode se inscrever na Lei Rouanet? A lei é democrática e não veta a participação de ninguém. Ser consagrado ou não, possuir dinheiro ou não, ter uma carreira de sucesso ou não, ter qualidade artística ou não, são quesitos subjetivos que, corretamente, não passam pela avaliação do MinC. Portanto, qualquer pessoa, física ou jurídica - os chamados proponentes -, com produtos ou projetos de finalidade cultural, pode se inscrever aos benefícios da lei. Qualquer um: Museu Oscar Niemeyer, Teatro Guaíra, Instituto Tomie Ohtake, Globo Filmes, Cláudia Leite, Maria Bethânia, Luan Santana, Alexandre Nero, você e eu. “É uma avaliação téCNICa”, elucida Janete. “Se está 100% enquadrado dentro da lei, o projeto é aprovado.” Após a inscrição pelo proponente (quando este apresenta os objetivos, justificativas, público-alvo, receitas previstas, locais de realização ou distribuição, cronograma de execução, divulgação, artistas envolvidos e, principalmente, planilha orçamentária do projeto, onde se descreve linha a linha, item a item os custos para realização do mesmo), a proposta é analisada por um parecerista. O parecerista é um profissional contratado pelo MinC, que avaliza a documentação e a proposta enviada, com base em critérios objetivos, apurando assim seu enquadramento, sua viabilidade téCNICa e financeira. Nessa etapa, são efetuados cortes no orçamento e solicitados ajustes na proposta. A título de quantificação, em 2015 foram apresentadas 8782 propostas. Recebendo parecer favorável, a proposta transforma-se efetivamente em um projeto e passa a uma nova instância: a CNIC, onde recebe uma avaliação mais apurada. Das 8782 propostas apresentadas no ano passado, 6194 foram convertidas em projeto. Aprovação Na CNIC, Janete e os outros vinte membros da Comissão começam a análise das propostas individualmente, recebendo os projetos aprovados de modo aleatório, sem distinção, em suas caixas de e-mail. “Eu pego novamente o projeto avalizado pelo parecerista, faço novos cortes ou restituições”, avalia ela. “Eu gosto de fazer isso. Tem muita bobagem que eles acabam cortando e eu tenho possibilidade de reintegrar financeiramente alguns itens”, pondera Janete, com conhecimento de causa sobre os meandros de uma produção (além de gestora, está também há 15 anos à frente da Oficina de Música de Curitiba). Cada conselheiro ou comissário – como são chamados os membros da Comissão – recebe projetos diferentes. Depois, nas reuniões, discutem cada projeto entre si. “Vamos para uma discussão em plenária, que é gravada e veiculada para o Brasil inteiro”, conta Janete.

Janete Andrade, membro da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura

Os membros da CNIC são representantes da sociedade civil, indicados por entidades representativas do meio cultural habilitadas por meio de edital público, que apresentam seus candidatos para escolha do ministro da Cultura, para mandatos com vigência de dois anos. Embora seja representante do nosso estado, Janete foi indicada por uma instituição paulista, o Instituto Pensarte, pois o Paraná não tem instituição habilitada à indicação. É nossa única representante. “É muito gratificante a participação e é muito importante a representação do estado, pois os membros da Comissão sempre consultam uns aos outros sobre projetos de seus estados de origem,” relata ela. Reiterando, mais uma vez, a ausência da análise do teor artístico do projeto: “Na Lei Rouanet, ao contrário de outras leis de incentivo como a municipal, não se julga mérito. É uma questão mais democrática.” Dos 6194 projetos analisados, 5451 foram aprovados e autorizados a captar recursos. Captação “A Rouanet cria um ambiente favorável à área cultural”, introduz Marino Galvão Jr., diretor-presidente do ICAC – Instituto Curitiba de Arte e Cultura, (popularmente conhecido por sua atuação ao lado de João Luiz Fiani no espetáculo Nem Freud Explica, que permaneceu durante anos em cartaz em Curitiba). “Onde você vê isso com clareza é nos EUA, um país onde o estado intervém pouco em determinadas áreas e cria mecanismos e condições para essas áreas operarem de maneira natural”, explica ele. Marino já morou na Itália, conhece na teoria e na prática algumas políticas públicas culturais e escreveu, a partir de seus estudos e vivências, um importante artigo disponível em nossa página on-line, em que analisa o papel escolhido por diferentes nações no que tange o investimento à cultura. “A Rouanet foi pensada para

É uma avaliação técnica. Se está 100% enquadrado dentro da lei, o projeto é aprovado” Janete Andrade

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Marino Galvão Jr., diretor-presidente do ICAC

Não tem que acabar com a Rouanet. A renúncia fiscal não é o problema. O problema é que só existe ela” Marino Galvão Jr.

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facilitar, tendo o sistema norte-americano, inclusive, o nome de facilitador”, continua. Essa prerrogativa parte do princípio pelo qual foi criada a lei: não cabe ao estado definir o que deve ou não ser financiado, mas, sim, à sociedade, de forma sistêmica. “Você tem o olhar no Ministério sobre os projetos, depois da Comissão de Cultura e, quando o projeto tramita, o olhar da sociedade, indo para o mercado tentar a captação daquele recurso”, destrincha Marino. È papel do Ministério aprovar as propostas – como faz – , mas deixar que a sociedade regule o que encontra respaldo nela ou não, por meio dos projetos que encontrem interesse no seu incentivo ou não. “Isso torna a produção cultural diversificada porque não tem o olhar de um ministro, um diretor, um curador, um téCNICo”, o que se chama dirigismo. “O ganho, com esse esquema, é a pluralidade cultural. Em tese, você pode aprovar qualquer tipo de ação cultural na Lei Rouanet. Algumas com mais benefício fiscal, outras com menos, mas ela te permite essa diversidade”, finaliza ele. Enrolação Em tese, também, é o que deveria acontecer com a Rouanet. Acontece que no Brasil, no entanto, ao contrário dos Estados Unidos, onde valores culturais mais nobres se avultam, a definição e a regulação do que deve ou não ser produzido ou incentivado ficou exclusivamente na mão do mercado, e não da sociedade como um todo, de forma sistêmica. Primeiro que, nos EUA, são as pessoas físicas que incentivam, muito mais que as pessoas jurídicas. Depois, que o contribuinte não doa para um projeto específico, mas sim para instituições: um museu, um centro cultural, uma orquestra, qualquer entidade com fim cultural ou educacional, geralmente próximas a sua casa, no seu bairro. Em suma, as pessoas aportam recursos da sua região para entidades que elas acreditam ou que inte-

ressam a elas. Há um conhecimento ideológico, um envolvimento cultural efetivo com a instituição a que se doa. Esse comportamento fiscal é estimulado principalmente porque, ao contrário do Brasil, onde se tributa basicamente a produção e o consumo, nos Estados Unidos os principais rendimentos tributários incidem sobre os ganhos – os lucros e a renda. “A empresa está dando resultados e dividindo esse resultado com seus acionistas e colaboradores”, explica Marino. “E essas pessoas vão investir na cultura por meio da dedução fiscal, escolhendo onde e como querem destinar seu dinheiro.” Além disso, no Brasil, quaisquer pessoas, físicas ou jurídicas, com ou sem fins lucrativos, podem entrar na lei e concorrem ao mesmo “bolo”. Lá, para ser apta a receber o incentivo, o proponente precisa necessariamente ser uma empresa cultural ou educacional, sem fins lucrativos (e a mesma lei se aplica a instituições de utilidade pública social ou ambiental). Aqui, qualquer ação ou produto cultural pode ser incentivado. Lá, somente a ação (um livro, uma peça, um filme, um concerto) é tributada. A isenção fiscal está atrelada, necessariamente, à arte-educação, à formação do indivíduo. “Porque é isso que forma e dá continuidade ao mercado consumidor”, esclarece Marino. “Cria-se um público que tem a capacidade de fruição e reflexão sobre cultura. O espectador consegue identificar o que é um bom produto cultural e o que não é, algo que você está muito longe aqui no Brasil. Aqui, se a educação formal já é ruim, a arte-educação é inexistente. Por aqui, vale o entretenimento.” Se, nos EUA, o cidadão assume a responsabilidade pelo seu entorno, ajudando a manter instituições, projetos e espaços que lhe são importantes, fazendo com que a soma da contribuição de pessoas físicas supere a soma da contribuição de empresas e dos poderes públicos, no Brasil são os departamentos de marketing, de acordo com a necessidade de seu retorno de imagem, que determinam o que será produzido ou não. Geram um círculo vicioso, uma produção redundante e uma redução da diversidade cultural. É por isso também que, no Brasil, a classe artística e os produtores ganharam protagonismo: porque são os beneficiários diretos da Lei Rouanet, sem que fomentem, de fato, a arte e a cultura brasileiras. “É como se, em vez de dar a verba para o hospital contratar o médico, você desse dinheiro para o médico construir o hospital”, elucida Marino. No começo, pode até parecer legal, mas, com o tempo, leva ao caos e ao desordenamento. A Convergência No entanto, para além da figura do produtor cultural, apenas, existem os gestores. O produtor é essa figura que surgiu aos montes depois do início dos anos 1990, e que começaram a atuar na área respaldados principalmente pela existência das leis de incentivo. Gestor cultural é outra coisa. Ele tem papel fundamental na formação, implantação e implementação das políticas culturais, e sua profissionalização e aperfeiçoamento significam maior eficiência e inteligência na mediação entre estruturas, criadores e públicos.

É desta nobre estirpe a terceira e última fonte a entrar na nossa matéria. Dono de uma visão de mundo holística e extremamente humanista, Ricardo Trento concorda com Marino Jr. e sua visão facilitadora, democrática e pluralista da Rouanet. “A Lei é aberta para todos, não posso restringir ninguém”, afirma. É evidente que precisa haver, sim, uma distinção entre projetos de mero entretenimento – cultura de massa! – e propostas artísticas, mas esse papel não cabe ao Estado. “Eu não posso jogar a responsabilidade de definir o que é e o que não é cultura. Até porque, em algum momento, eu vou estar sendo preconceituoso. Trabalhando com arte e cultura não posso ser preconceituoso. O Estado não pode chegar e dizer o que é certo e errado, o que eu posso ou o que eu não posso fazer”, analisa. Nos EUA, o volume de doação de pessoas físicas denota não apenas que o recurso de patrocínios nasce descentralizado e livre, sem estar vinculado à necessidade do retorno de imagem, mas, principalmente, que a participação social faz parte da tradição cultural do país. No Brasil, é preciso começar mudando exatamente os valores de nossas pessoas físicas. A primeira e mais importante modificação, de acordo com Ricardo, seria a da consciência dos produtores. “Eu posso fazer perguntas para ajudar o artista e o incentivador. Eu tenho que trabalhar na formação dos produtores, porque eles são a minha chave. Esse produtor, transformado em agente, tem que ter conteúdo para fazer os elos necessários, olhar para o artista e dizer: ‘vamos melhorar?’ Eu não posso fazer o seu projeto e apenas dizer ‘vai ser tanto, você vai ganhar tanto’. É preciso olhar com mais clareza, de forma mais abrangente.” Depois, é preciso modificar também o pensamento das pessoas do marketing, para, através disso, mudar o próprio marketing: “as pessoas só querem saber do toma lá dá cá, ‘o que você vai me dar?’, ‘o que eu vou ganhar com isso?’ A empresa quer ter apenas a logomarca dela impressa nos 600 convites que ela vai ganhar para um festival. Será que a empresa não percebe que está vivendo a escassez social?”, pergunta-se Ricardo. “As empresas também são corresponsáveis nessa relação social por escolhas melhores. Uma empresa que vive em abundância, promove a abundância. Da mesma forma, o funcionário do marketing: na dinâmica pessoal, os valores do funcionário ajudam a empresa a ‘mudar de fase’, transformar seus valores. E a empresa de sucesso, por sua vez, inspirada pelo funcionário, ajuda a sociedade,” completa Ricardo, revelando nisso o círculo sistêmico, virtuoso e integrado das dinâmicas individuais, sociais e corporativas. O círculo virtuoso da transformação da cultura pelas pessoas, e das pessoas pela cultura. “‘O que é que você vai me dar?’ ‘O que é que eu vou ganhar?’ Isso é muito pequeno dentro uma relação humana. Isso é apenas mercado de luxo. A pergunta certa é: ‘O que é que nós vamos promover, juntos, em prol da sociedade?’ ‘Eu quero promover o seu projeto, porque ele é legal e minha empresa é socialmente responsável.”

Ricardo Trento, produtor e agente cultural

Fora do eixo Até mesmo o ponto mais equânime com relação às críticas da lei – a centralização de sua captação restrita ao eixo Rio-São Paulo –, Marino e Ricardo concordam: a lei é perversa, porque a lógica econômica brasileira é perversa. Os recursos se concentram no Sudeste, porque também a população e a economia se concentram no Sudeste. “Nos EUA”, por exemplo, retoma Marino, “não tem estado ou região pobre. Em todo lugar você tem alguma concentração de riqueza, e as pessoas investem em sua região, dando retorno a ela”. A solução, para Ricardo, seria que a arrecadação de cada empresa ficasse restrita ao estado ou à região em que ela é produzida. “Que parcela do que é arrecada que poderia ser mantido localmente? Se eu diluo um pouco aqui, um pouco ali, o que é que sobra efetivamente? Quanto de patrocínio O Boticário, que tem sede aqui e tem a dança como pilar artístico de investimento, destina ao Balé Teatro Guaíra, que é a maior companhia de dança do Sul do país, também sediada aqui. É preciso fazê-los entender que, se eu invisto e incentivo nos equipamentos culturais e recursos artísticos da minha localidade, eu faço com que meu projeto ganhe impulso para ultrapassar as barreiras locais”, explica Ricardo. “A gente vai investir no Balé Guaíra, e vamos levar nosso nome e a companhia para o interior do estado e para fora do estado”. Promover cultura Brasil afora, e estado adentro, com recursos humanos incentivados de seu lugar de origem”. “A gente não tem que acabar com a Rouanet”, conclui Marino Jr. “A gente tem que regular essa coisa toda. A renúncia [fiscal] não é o problema. O problema é que só existe ela. Está todo mundo batendo no mesmo bolo, e a gente precisa diluí-lo.” Como a revista impressa é curta e o debate é longo, convidamos o leitor a continuar a conversa conosco no site da Revista, onde preparamos e disponibilizamos conteúdo complementear a conversa, especialmente para você.

Quanto de patrocínio O Boticário, que tem sede aqui e tem a dança como pilar de investimento, destina ao Balé Teatro Guaíra, que é a maior companhia de dança do Sul do país, também sediada aqui?” Ricardo Trento

Por

Rômulo Zanotto Fotos de Lex Kozlik Conteúdo on line: acesse o nosso site

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FA Z ENDO ARTE

Leila Pugnaloni

O passeio do olhar Sua obra está em museus, instituições

privadas e em muitas coleções particulares

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Com uma trajetória longa, sempre marcada pela inovação, Leila Pugnaloni tornou-se nome expressivo das artes plásticas, aqui e também no país. Sem se prender a dogmas e sem perder a inquietação que move os artistas, abriu seu caminho, amadurecida e enriquecida por referências que vão de artistas como Matisse, Torres Garcia ou Volpí às casas de madeira de Curitiba e arredores. Seu desenho é feito de poucos traços. Traços mínimos, mas carregados de máxima expressão. Sua pintura é uma sinfonia de cores, ora sutis, ora vigorosas, que tanto podem refletir as luzes de uma cidade imaginária como projetar abstrações que sugerem muitos significados. É uma pintura que não se limita à tela. São marcantes seus módulos, objetos situados no limite da escultura, muitas vezes com fosforescências que proporcionam múltiplos efeitos diante da luz. Carioca que veio adolescente para Curitiba, Leila estava predestinada à arte. Trazia na memória as formas sensuais do Rio e os horizontes de Brasília, onde passou parte da infância. O pai, arquiteto, a despertou para o traço. E as transformações urbanísticas da Curitiba dos anos 1970, que viu e sentiu a par e passo, só reforçaram o desejo pelo fazer artístico. Desejo que logo se tornou uma busca incessante, que se inicia com um curso de Desenho e História da Arte no Museu Alfredo Andersen. Depois, passou pela Escola de Belas Artes e pelos grupos Convergência e Bicicleta, núcleos de estudo que ajudou a fundar. A mesma busca a levou de volta ao Rio, onde frequenta a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, berço da Geração 80, que propunha uma “arte à quente”, em contraposição à frieza do período anterior. Nesse período, trabalha na Galeria Gravura Brasileira, que marcou época no Rio, ponto de encontro de grandes nomes da arte. Lá conhece Anna Letycia Quadros, um dos maiores nomes da gravura no Brasil, e o grande Darel Valença, desenhista e gravador dos mais importes do país. Para Darel, os desenhos

de Leila “vão ao encontro dos limites máximos de todos os seus sentimentos, aqueles sentimentos que vivem nas dobras do espírito”. Ponto relevante na busca de Leila dá-se em 1982, em Nova York, na Art Students League, instituição que funciona desde 1875 com ateliês de pintura, gravura e escultura, e por onde passaram nomes como Pollock, Rothko e Louise Bourgeois, que depois se tornariam expoentes

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Módulos de madeira se transformam em arte nas mãos de Leila

Fotos de Lex Kozlik

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da arte internacional. Ali, seguiu o curso com o gravador brasileiro Roberto de Lamonica (1933-1995) e o curso de Desenho da Figura Humana com Marshall Glasier (19021988). Desde então, o desenho da figura humana é uma de suas marcas, que ela repassou a centenas de alunos de seus cursos livres, sobretudo na Escola de Arte Leila Pugnaloni, a Ealp, que manteve em Curitiba entre 1995 e 2000. Antes do traço sintético, Leila teve a fase que chamou de “caligrafias”, descritas pelo crítico Fernando Bini como “de filigranas que lembram os espaços cheios do barroco ou as garatujas infantis, para destacar em primeiro plano a figura feminina”. Uma fase seguinte e muito marcante foram as cidades, na verdade suas luzes, ou “espectros de cidades”, “Alphavelas” ou ainda Alphalevezas”, como as descreveu o poeta Paulo Leminski no final dos anos 1980, ao definir aquelas pinturas como “arquétipos da sensibilidade, portas/janela para uma desmedida dimensão”. O urbanista Jaime Lerner escreveu que as cidades que Leila pintava naqueles anos são um “reflexo-reflexão”, posto que “não é a imagem direta, mas reflexa”. Das cidades imaginárias, Leila parte para novos suportes. Primeiro, os módulos de madeira, estreitos e longos que tanto podem se posicionar na vertical como na horizontal. Depois, apresentou as mata-juntas, feitas de módulos verticais que simulam as paredes das casas de madeira. As mata-juntas impressionam pelo porte – algumas chegam a seis metros de extensão – , mas também pela sutileza das texturas. Uma dessas obras está no acervo do Museu Oscar Niemeyer. Mais vigorosas são as cores

dos “jujus”, criados a partir dos anos 1990, uma referência a “jeux”, jogo em francês. São formatos pequenos, que emulam objetos ou mesmo pequenos animais, recortados em madeira e com intenso colorido, dispostos em grupos de modo a formar variados jogos visuais. Leila fez também performances, como as que denominou “ jardins transportáveis”, plantados em carrinhos destes usados por manicures. Com auxílio de voluntários, ela fez desfiles dos jardins pelas ruas centrais de Curitiba. Mas é no silêncio do seu amplo e ensolarado ateliê no Alto da XV que mais o seu processo acontece. Sempre antenada, leitura e observação constantes, vai criando novas variações. Olhar sua obra é “um garimpo de visões sutis”, definiu em 1995 o crítico Paulo Herkenhoff, hoje diretor de acervo do Museu de Arte do Rio, o MAR. “É um trabalho maduro, a um só tempo denso e sutil. O universo da Leila é um território de surpresas, que conduz o expectador a uma viagem sensorial profunda”, diz Silvania Ceccatto, da Galeria Arq/Art, que a representa em Curitiba. “Sua obra encanta até os olhares mais exigentes”, diz o curador Marco Theobaldo, seu representante no Rio. “Ela inventa, cria, desmonta, constrói, reconstrói – numa trajetória cheia de coerência”, assinalou o cartunista Ziraldo, em texto de 1999. “Meu trabalho é reflexão e sentimento, uma busca que impõe essa recriação constante”, confirma Leila, quase 20 anos depois, com um sorriso cativante. Desenhando, pintando ou quase esculpindo, ela continua a inventar, mostrando que sua obra é mesmo o “passeio do olhar”, como diz o texto de 2003 de Fernando Bini, que abre e dá título a um livro sobre ela.

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Ladies HARLEIRAS

Motos grandes e pesadas já foram assuntos só para homens, hoje

LIFEST Y LE

and

são também para mulheres vaidosas, corajosas e aventureiras

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Há quem diga que é falta de juízo. Outros que é fruto de um desejo incontrolável ou apenas uma vontade de se lançar a um novo desafio. Seja lá qual tenha sido o motivo, o que importa é que aquelas grandes e pesadas motos não são mais assunto só para homens. Mulheres delicadas e vaidosas de todo o tipo – casadas, solteiras, mães ou avós – conquistaram o espaço que antes era conhecido apenas pelo universo masculino. Agora,

homens e mulheres dividem aventuras, experiências e viagens em cima de suas motos. Presente em vários locais do mundo, o Harley Owners Group (HOG) foi o que uniu e aproximou os amantes da Harley Davidson. Formado por proprietários de Harleys, o grupo existe em todas as cidades que contemplam a concessionária da marca e ganha um nome no local – aqui é chamado de Hog the One Curitiba

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Foto: Arquivo pessoal

A dentista Camila Magosso saiu da garupa e hoje tem uma Harley para chamar de sua

A liberdade vem com as viagens que unem mais ainda o grupo, diz Bernadete Oliveira

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Chapter. Dentro do HOG foi criada a Ladies of Harley (LOF), uma divisão feminina com a finalidade de dar um respaldo maior às mulheres e incentivar outras ladies a participarem do grupo – tanto como caroneiras quanto como pilotas. Aqui em Curitiba, o grupo se reúne todo sábado pela manhã para tomar café na loja The One e depois decide se segue para a estrada para um bate e volta ou para um bate e fica, que inclui dormir em outra cidade. Ao falar das motocicletas, algumas considerações que não passam em branco. Motos bem diferentes das tradicionais, praticamente todas feitas em aço, o que lhes oferece grande resistência. Além disso, as motos contam com adaptações individuais, o peso varia a casa dos 300 quilos e a velocidade chega facilmente a 120 km/h. Com todas essas particularidades, segurar o guidão de uma Harley não é tarefa fácil, mas isso nunca assustou as namoradas, esposas e simpatizantes da modalidade. Antes de adquirirem a sua própria “máquina”, o time feminino só pegava estrada de carona. “Na garupa, você é parceira, mas quando você pilota a sua moto a sensação de liberdade e a conexão entre você, sua moto e a estrada é diferente”, descreve a presidente do Ladies of Harley, Alesandra Passaúra e conclui: “É um momento seu, você desliga o motor dos seus problemas e liga o motor da sua liberdade”. Alesandra tem 36 anos de idade, é mãe de dois filhos e parceira do esposo harleyro há três anos. Ela o acompanhou durante um ano na garupa e há dois comprou a sua própria Harley. Assim que migrou da carona para o banco da frente, participou de um curso ofertado pela loja de venda da moto a fim de conhecer melhor as

características da Harley e a forma correta de manuseá-la. “Se a gente vê que tem uma pontinha de vontade de pilotar, por mais que falte coragem, é o que basta”, esclarece Alesandra que foi a grande incentivadora do marido a comprar a sua primeira Harley. Para fazer parte do HOG e, consequentemente, das LOF, basta estar engajada com a modalidade, ter uma moto ou estar na garupa de alguém. Como presidente do Ladies of Harley, Alesandra tem a função de mostrar para as outras mulheres que o universo harleyro não é tão masculino assim. “A maioria das pessoas que chegam aqui vem porque conhece alguém que anda de Harley, aí passa a conhecer o ambiente e logo já faz parte do grupo. Muitos compram uma Harley justamente pelos passeios, programações e viagens que fazemos”, explica Alesandra. Segundo ela, a maioria dos passeios é realizada com o grupo todo, homens e mulheres juntos. “O intuito do grupo é você unir a maior quantidade de pessoas possível, com o mesmo objetivo”, ressalta. A dentista Camila Magosso, de 26 anos, também conheceu o grupo devido ao seu esposo e há dois anos integra o Ladies of Harley. Assim como Alesandra, Camila começou na garupa e há um ano tem a sua própria moto. “Pilotar é muito mais legal, sem contar que às vezes você acaba dormindo na carona. As motos maiores são bem confortáveis e, por confiar no piloto, você relaxa e acaba dormindo na garupa e os homens sentem, pois, a nossa cabeça abaixa”, confessa Camila aos risos e lembra que logo quis passar para o banco da frente. “Sempre admirava as meninas na estrada pilotando e queria ter a mesma meta que elas de conseguir cumprir os quilômetros de cada destino. Queria estar à frente também”. Durante os passeios e viagens, o grupo costuma ir todo junto a uma mesma velocidade, com as mulheres à frente pilotando as suas motos e os homens atrás com as suas, como uma forma de cuidado com as ladies. Desde que frequentam o grupo, as meninas já perderam o número de quilômetros rodados, mas não esquecem as histórias que viveram pelo caminho. Um dos passeios inesquecíveis foi em maio de 2016, quando o grupo foi para Petrópolis, no Rio de Janeiro, para participar do encontro nacional de Harley. Foram 900 quilômetros em um dia, com um grupo de 15 pessoas, sendo 4 delas mulheres. Na volta, o grupo bateu o recorde de tempo de pilotagem, com um total de 14 horas na estrada. Por mais intenso que tenha sido, não foi o trajeto mais difícil. O mais complicado até hoje foi o do Rio do Rastro, em Santa Catarina, com uma serra complicada cheia de subidas e curvas. “Não é qualquer motociclista que consegue. Fomos em cinco mulheres e alguns olhavam para a gente e perguntavam: ‘Vocês têm certeza de que vão subir?’ E nós fomos e conseguimos.”, descreve Alesandra. “A hora que você chega lá em cima, é uma sensação de vitória, é muito emocionante”, conclui O próximo trajeto longo previsto é para Foz do Iguaçu, e se depender de Alesandra uma outra viagem que

Alessandra Passaúra, presidente da LOF, posa com a sua Harley

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A intenção não é o destino, é o caminho”

pode ser marcada é para o Chile, com uma média de 6 mil quilômetros. “A intenção não é o destino, é o caminho. Não é importante acelerar, mas, sim, curtir a estrada. Tudo é festa quando estamos juntos”, afirma a presidente. Além de viagens, o grupo todo se solidariza também com eventos beneficentes e participa de ações de caridade, tudo para deixar a convivência ainda mais forte. Quando o assunto é não perder a feminilidade em cima da moto, as meninas têm vários truques. O cabelo não pode ficar sempre solto, ao ar livre, se não vira nó. Por isso, elas aproveitam para deixá-lo à mostra apenas na cidade e, quando pegam a estrada, tratam de prendê-los e levam na bolsa algum acessório para ajeitá-lo no fim do percurso. “A gente traz um pouco da elegância e do charme da mulher. Mesmo que a roupa seja toda preta, temos sempre alguma característica que mostre

que somos mulheres pilotando, desde um lenço rosa até um strass em alguma das peças”, enfatiza Camila. Alesandra continua: “Sabemos que existe muito machismo e resistência por causa das características da Harley, mas aqui não. Já conquistamos o nosso espaço e somos respeitadas”. Elas queriam era estar no controle e sentir o vento batendo mais forte no seu corpo. Queriam colecionar visões do mundo no banco da frente e deixar os limites para serem impostos em outras modalidades. Queriam desfrutar da sua própria independência e mostrar que são capazes. Queriam acabar com o preconceito do universo machista por trás das Harleys. Queriam fazer diferente e modificar os comportamentos primários. Queriam e conseguiram. Hoje as mulheres fazem parte do universo Harley Davidson e com a presença delas o mundo, que antes era preto e branco, ficou mais cor de rosa.

O que os homens dizem:

O que as harleyras sentem

Cleverson de Souza

Nadir Festa Vendrametto

38 anos, diretor comercial Esposo de Alesandra Passaúra Ver a minha esposa pilotando a moto dela transmite um ar de liberdade, independência e segurança. Os homens em geral ficam de boca aberta ao ver a coragem das mulheres em cima de uma Harley. Acho o máximo ver a Alesandra pilotando a sua, olhando ela fazer as curvas e acelerando, me orgulha muito.

57 anos, motociclista há 39 anos A sensação é de liberdade. Viver aquele momento Deus, eu e a moto.

Rafael Magosso 32 anos, empresário Esposo de Camila Todas as conquistas da Camila me trouxeram satisfação, mas a Harley foi assustador. Ela me convenceu a lhe dar a moto de presente 15 dias depois que foi e voltou a Londrina debaixo de tempestade a uma velocidade constante de 110 km/h. Passados mais de 30 dias, 4 mil quilômetros: Uruguai, Argentina, Foz e Curitiba. Claro que a motivação das amigas ajudou, mas confesso que até fiquei bravo por ela trocar a minha garupa pelo banco solo.

Vera Lúcia Tavares Bisseto 56 anos, motociclista há 3 anos É o momento em que sou eu, Lucinha - nome da minha Harley - e a estrada com seus aromas, perfumes e também seus desafios. Sensação de poder e autoestima elevada em que me sinto forte, mas ao mesmo tempo leve e solta, deixando para trás todo o estresse do dia a dia.

Josieli Gasparim 49 anos, motociclista há 1 ano e meio Pilotar uma Harley é como fazer parte de uma lendária história. Estar na estrada sozinha ou em grupo, requer habilidade de pilotagem. A sensação é de leveza e é o que me move, em meio ao vento, chuva, frio, sol, é nos deparamos com sentimentos de superação, coragem, companheirismo e muita satisfação. Depois de um dia de aventura já começamos a pensar na próxima viagem, na nova estrada, nas novas amizades e nos novos desafios.

Por

Rayssa Baú Fotos de Lex Kozlik

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LENI HENZ Blusa/saia Heroína Acessórios Sueli Zavadinack Cinto Acervo

MODA

A sustentável

do ser Em uma era que hipervaloriza a juventude, reunimos quatro mulheres, que mostram que primaveras arrojadas e cheias de estilo independem da fase da vida. Elas vestem a moda autoral curitibana, e demonstram sua autenticidade posando para o nosso editoral. Se “viver é envelhecer, nada mais”, como sentenciou Simone de Beauvoir, elas criam um grande encontro consigo mesmas. O slowfashion praticado pelas marcas é o que pede a vida urbana, e elas usam e abusam com a sabedoria de quem sabe o que quer. Nas silhuetas retas e nos tecidos confortáveis, encontram roupas para um dia a dia funcional, elegante e divertido – como tem de ser. Viva a primavera, viva a vida!

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RUTE ROCHA Vestido Veine Blusa NovoLouvre Sapatilha Tutu Sapatilhas Pulseira Sueli Zavadinack Acessรณrios W. Ritzdorf

ELAINE HANKE Blusa Veine Bermuda Veine Colete Reptilia Acessรณrios Sueli Zavadinack

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RUTE ROCHA Blusa Heroína | Saia NovoLouvre Sapato Tutu Sapatilhas Chapéu Acervo Pulseira Sueli Zavadinack Acessórios W. Ritzodork

SANDRA NANONI Vestido Rocio Canvas Colete Veine Bota Heroína Calça Acervo Pulseira preta Acervo Acessórios Sueli Zavadinack Meia Acervo

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SANDRA NANONI Blusa Reptilia | Calça Reptilia Sapato Tutu Sapatilhas Anel W. Ritzdorf Acessórios Sueli Zavadinack

ELAINE HANKE Blusa Rocio Canvas Calça Reptilia Colar/anel Sueli Zavadinack Brinco/pulseiras Acervo

Leni Henz Blusa Heroína Saia Novo Louvre Acessórios W. Ritzdorf

Coordenação editorial Dani Brito Fotos Lex Kozlik Produção Paula Negreli | Ana Flavia Bassetti Assistência de produção Luizy Hoffmann Direção e Criação de Arte Paulo Schiavon Modelos Leni Henz | Sandra Nanoni | Elaine Hanke | Rute Rocha Marcas NovoLouvre | Veine | Reptilia | Heroína – Alexandre Linhares | Rocio Canvas | Tutu Sapatillhas | Zavadinack | W. Ritzdorf Produção de Beleza Julio Silveira Assistente de Produção Desiree Caetano Apoio Karen Munhe | Michele Aguiar | Eliza Sawada da Universidade Positivo Editorial realizado com os alunos de Design da Universidade Positivo

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Os destinos

mais desejados do mundo

a criatividade de designers, arquitetos transforma a sua casa em viagens sensoriais

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A edição 2016 da Mostra Artefacto Curitiba celebra 40 anos da marca no Brasil. Assim como em outras edições, a Mostra promete revelar o DNA inovador da Artefacto que neste ano tem como inspiração o tema “Os destinos mais desejados no mundo”, com interpretação dos profissionais em seus respectivos ambientes. “Acredito que lugares do Brasil e do mundo estão sendo destacados de forma original, em olhares diferentes e com muitas referências”, avalia Ingrid Moskalewski, gerente da Artefacto Curitiba. Nas próximas páginas você vai conferir 6 dos 18 ambientes, e fica o convite para você dar uma passadinha na loja e conferir os outros. Escolhemos os charmosos ambientes de Wolfgang

Schlögel, que homenageou Paulo Pimentel e a cidade de Curitiba com um belo ambiente externo; Juliana Meda, que homenageou R.R. Ruffino e os seus olhares sobre o Cerrado; Elaine Zanon e Cláudia Machado, que contrabalançaram o estresse diário de Deltan Dallagnol, seu homenageado, com o belo templo e a serenidade de Angkor Wat; Rafael Egg, que escolheu o melhor design nova-iorquino para homenagear Arthur Grynbaum; Yara Mendes, que homenageou Mirella Prosdócimo, com a serenidade de um ambiente amplo e suave como Cingapura; e Luiz Maganhoto e Daniel Casagrande, que homenagearam Eliseu Portugal, com o bom gosto e a originalidade de Istambul.

EM CASA

decoradores, paisagistas e

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Curitiba e suas encantadoras e abundantes áreas verdes foram as escolhidas para receber uma homenagem do talentoso paisagista Wolfgang Shlögel, que ambientou seu projeto em um convidativo deque.É um lounge formado para área externa e que tem como paisagem uma das ruas mais charmosas da capital paranaense. O paisagista criou um canteiro repleto de bromélias-imperiais para recepcionar os visitantes de um lado, e de outro, com volumes cobertos com grama. Estas plantas mais robustas lembram muito os morros verdejantes que fazem parte do entorno de Curitiba.

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Rua Francisco Nunes, 900 | Curitiba (41) 9628-8909 wolf.projetos@gmail.com

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Juliana Meda busca na natureza sua inspiração, nos seus mais de 15 anos como arquiteta. E ela começou uma viagem de arquitetura especial pelo rico Cerrado brasileiro através das belas fotos do seu homenageado, o fotógrafo R.R. Ruffino. Esta viagem se transformou em um lodge cheio de verde, onde o rústico é colocado com todo o conforto. O couro, a palha e o linho, típicos da região estão presentes no projeto em tons de terracota. Esta rusticidade contemporânea ela trouxe para o ambiente com a riqueza de detalhes da região que escolheu. Ser recebido em seu ambiente, somado à exuberância da natureza transforma o destino, sem dúvida, num dos mais desejados do mundo.

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R. Rubens Carlos de Jesus, 435 | Londrina (43) 3028-9619 www.julianameda.com.br jumeda.arquitetura@gmail.com

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Elaine Zanon e Cláudia Machado, com uma inspirada parceria de 20 anos, trouxeram o templo de Angkor Wat situado na província do Camboja, para inspirar seu projeto. Feito pelo império Khemer entre o século IX e XV, é a maior estrutura religiosa construída, sendo um dos tesouros arqueológicos mais importantes do mundo e patrimônio da humanidade. As características desse lugar, no ambiente, estão presentes na brutalidade pedra em contraste com a suavidade dos tons crus, texturas, peles, e a madeira representando a sinuosidade das árvores e as suas magnificas raízes, que cobrem o templo atualmente. A paz e tranquilidade estão presentes, e com certeza o ambiente é especial para contrabalançar o estresse diário de Deltan Dallagnol, seu homenageado.

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Rua Rockefeller, 736 | Curitiba (41) 3013-5521 www.arquitetare.com.br

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Rafael Egg nos transportou a Nova York, coração pulsante dos grandes negócios, de poderosos shows, das ruas cheias e dos belos parques. O cinza e preto, que lembram o concreto desta cidade de arranha-céus e o pé direito dos lofts, ganham o conforto do vinho, mais intimista. O arquiteto que atua aqui e nos Estados Unidos adora a modernidade, mas sem perder o traçado clássico. Ele, que escolheu homenagear Arthur Grynbaum, não poderia ter criado melhor espaço para este empresário, que com certeza quer se sentir em casa em qualquer parte do mundo. O estilo novaiorquino seduz e faz deste um dos destinos mais desejados do planeta.

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Rua Júlio Perneta, 407 | Curitiba (41) 3085-2862 projetos@rafaelegg.com.br

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Yara Mendes homenageou Mirella Prosdócimo, com a serenidade de um ambiente amplo e suave como Cingapura. Organizada e civilizada, a cidade contrasta com a bela natureza. As linhas retas do projeto que, estão presentes nas paredes, com a criação exclusiva de um papel de parede da Art Papier, com a JVN Products, são complementadas pelo carpete nos mesmos tons de azul marinho, em um projeto da decoradora que tem mais de 30 anos de experiência na área. O verde que vem das plantas, através do vidro da vitrine e amplitude dos espaços, cria uma atmosfera de paz, que nos faz desejar este como um dos destinos mais cobiçados do mundo.

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Rua Saldanha Marinho, 1691 / 03 | Curitiba (41) 3222.7652/9976.7927 contato@yaramendes.arq.br

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Luiz Maganhoto e Daniel Casagrande, homenagearam Eliseu Portugal, com um escritório em Istambul. Nada mais apropriado, para eles, que adoram viajar. Mesclar o mistério e a luxuosidade do ambiente, sem perder de vista a natureza, arte e sustentabilidade fazem do projeto, um dos mais originais, que assim como a misteriosa capital turca guarda segredos, e transparece grandeza. O mostra esconde, dos palácios, está no mármore iluminado e nos lustres que imitam o alabastro. O conforto dos móveis e o revestimento das paredes, tornam aconchegante este ambiente, que numa concepção única põe a nossa paisagem tropical, e não uma vista do Bósforo no horizonte. Se você não foi a Istambul, não deixe de viajar na próxima oportunidade para esta que é uma das cidades mais desejadas do mundo. Mas passe antes na mostra para se inspirar.

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Rua Dr. Ney Leprevost, 241 | Curitiba (41) 3339.3538 contato@maganhoto.arq.br casagrande@maganhoto.arq.br

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Mas afinal o que é

cozinha autoral? Nós fizemos esta pergunta ao chef Douglas Sánchez. Filho de europeus, ele se destaca

S P OTS

nesta área

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Criado entre a França e a Espanha, as primeiras impressões de Douglas sobre cozinha foram no restaurante da mãe, que, segundo o chef, já dizia “que toda gastronomia tem seu próprio autor”, uma vez que cada cozinheiro toca o alimento ou finaliza um prato com sua arte e autoria. Uma simples colherada de molho Hollandaise ou até mesmo o posicionamento de um corte de carne fazem a diferença. Após esse primeiro contato, o chef começou a fazer diversos cursos e mais tarde se formou na renomada escola francesa Le Cordon Bleu. Mas a carreira continuou, com ele se especializando em inúmeras escolas de alta gastronomia, na França e na Espanha. Aprimorou seus conhecimentos em gastronomia molecular, gastronomia sensorial, fitoterapia científica e aromaterapia através dos alimentos. Em sua jornada gastronômica atuou em grandes restaurantes europeus ao lado de chefs internacionais, como Paco Roncero, Adriá, Paco Torreblanca, Joan Roca, Arzak e Anne Sophie. Também teve seu trabalho como food designer apreciado pelas marcas Kraft e Bonduelle, para quem escreveu livros de gastronomia direcionados aos gastromaníacos e aos profissionais da área. Criou uma escola de cozinha para ensinar a alta gastronomia em casa e também apresentou programas em redes de televisão na Europa. No Brasil, comandou cozinhas de conceituados restaurantes, como Laguiole, no Rio de Janeiro, e Deucher, em Curitiba, onde demonstrou que sua gastronomia é totalmente autoral. Hoje, o Chef Douglas comanda o seu próprio negócio. O conceito de gastronomia autoral vem sendo, cada vez mais, difundido pelos meios de comunicação e nada melhor que seu nome dougsanchez.com, para criar o cenário ideal e aprimorar o sabor dos alimentos, desenvolvendo pratos com uma gastronomia autêntica e sensorial. Descreveríamos a gastronomia do Chef Douglas Sanchez como algo harmonioso e elegante, que mistura sabores, texturas e aromas. Seus trabalhos são a impressão da visão artística de um grande conhecedor da gastronomia, plantas, texturas, sabores, por meio da arte de novos conceitos chamados aqui de “cozinha autoral”. Esse movimento gastronômico foi criado para cozinheiros profissionais sobre influências de Escoffier, chefs de cozinhas que buscavam novos conceitos, cansados dos famosos protocolos impostos pela gastronomia tradicional. Os personagens principais dessa nova ideologia culinária são Paul Bocusse, Alain Senderens e os irmãos Troisgros e Alain Chapel. Eles criaram uma nova forma de fazer gastronomia, com muita criatividade e modernização. Reduziram as gorduras e substituíram os molhos pesados por conceitos mais claros, que não ofuscam os sabores naturais dos ingredientes. Para corrigir pequenas imperfeições, eliminaram a farinha para engrossamento, e passaram a confiar no ovo,

Para o chef Douglas a cozinha autoral precisa de anos de estudo e prática

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Por

Glória Bertin Fotos Acervo pessoal

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na nata de leite e nas reduções. Eles incorporaram à gastronomia algumas técnicas orientais de cozinhar, ingredientes de partes diferentes do mundo. Eles reduziram o tamanho das porções e adornaram com os molhos e acompanhamentos modernos, servidos em pratos de grande tamanho. A cozinha autoral busca estimular com a comida a totalidade dos sentidos. Novas técnicas e maneiras de entender os alimentos são cada vez mais usuais dentro de uma cozinha onde o chef cuida, com primícia, dos ingredientes. Alguns deles são colhidos e escolhidos de acordo com seu paladar. Uma nova consciência em tratar os alimentos de uma maneira mais pura leva ao consumo de alimentos jamais utilizados e até de alimentos crus, eliminando infinidades de preparações inúteis utilizadas pela gastronomia tradicional. Para o chef, entender as novas texturas, cores, aromas e harmonia entre os alimentos é essencial para a cozinha autoral. Esse movimento inesperado quebrou os protocolos e gerou duas expressões novas: “aliança de cozinheiros” e a “cozinha de autor”. A aliança de cozinheiros veio para unir produtos tradicionais com as frutas da Ásia e as tendências da culinária mediterrânea, elaborar pratos coloridos, bonitos, com ingredientes frescos e de boa apresentação. Esse conceito de cozinha teve início depois do término do impacto do nouvelle cuisine. Começou com manifestações de criatividade culinária com uma personalidade nova e foi popularizado, estendido a todo o mundo, com misturas inconscientes, ou não, muito inteligentes, sem relação de complementaridade de sabores, e com muita improvisação. Hoje podemos chamar essa

aliança de “confusão de cozinheiros”, e formou jovens improvisadores, com o desejo de se transformarem em chefs de cozinha, donos de seus próprios restaurantes. Como uma reação em cadeia, nasceu o conceito da “cozinha de autor”, que aproveitou o positivo dos movimentos gastronômicos anteriores e da nouvelle cuisine, e acrescentou fundamentos extremamente criativos, científicos e inovadores. Esse movimento mantém as pautas tradicionais da cozinha e reinventa, a partir do conhecimento dos ingredientes, sabores, texturas. A cozinha de autor fica demonstrada não só em aromas, texturas, mas também nas apresentações do serviço para a mesa. O cardápio é mesmo diferente, em um jantar podem ser apresentadas vinte ou mais preparações, oferecidas em bocados pequenos, com o objetivo de dar prazer aos cinco sentidos, planejando uma deliciosa sucessão de sabores. Desse movimento nasceram os técnicos “de construção”, de “cozinha molecular” e os “cozinheiros tecno-emocionais”. Eles geraram, por sua vez, a necessidade de novos equipamentos. Porém, é preciso ter cuidado, não é qualquer um que consegue somar decorações, mudar texturas e oferecer combinações adequadas. “Improvisações e aplicações com mediocridade, por exemplo, não podem levar a assinatura de cozinha autoral”, explica o Chef Douglas. Esses novos movimentos gastronômicos requerem dias de estudo prolongados, investigação por testes e laboratórios, que não podem ser substituídos por febres midiáticas como em alguns concursos televisivos, onde qualquer mistura leva o nome de “cozinha autoral”.

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Bournemouth

uma pequena cidade grande

CURITIBA E O MUNDO

Meca dos intercambistas, ela foi eleita a mais feliz do Reino Unido

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Quem vê sua vida pacata, suas belas casinhas coloridas à beira mar, não imagina que esta praia, a poucos quilômetros de Londres, tem uma das vidas culturais mais animadas do país. A cidade é alegre e ensolarada praticamente o ano todo, já recebeu o título de a “mais feliz do Reino Unido”. Cheia de jovens do mundo inteiro, é um convite para quem quer aprender inglês. A cidade de Bournemouth é impecavelmente limpa, segura e arborizada. Parece pequena, mas tem de tudo: além de praia, pubs, baladas, teatros, cinemas, shows, museus e construções históricas, como catedrais e igrejas. A mais famosa delas é a St. Peter’s Church, localizada no centro. No interior do espaço, está o túmulo da autora da obra ‘Frankenstein’, a britânica Mary Shelley. Ela está localizada no litoral sul do país, é bastante turística e recebe muitos visitantes, especialmente no verão. São 11 km de orla, muitas gaivotas, areia fina (sem pedregulhos!). No verão um convite ao banho e no inverno paraíso dos surfistas, que parecem não se importar com os ventos gelados e as temperaturas negativas. Falando em praia e surf, uma curiosidade, na praia de Boscombe, localizada a 4 km do centro, foi criado o primeiro recife artificial de surf da Europa (há outros na Índia e na Austrália). Um pouco distante da costa, a 250 metros

mar adentro, 55 sacos gigantes de areia estão submersos, formando um paredão. O recife é artificial, mas as ondas são naturais e atraem adeptos do esporte. Aliás, quem gosta de esportes aquáticos, certamente irá se divertir com outras modalidades, como jet ski e kite surf. Mas voltando à vida cultural. Vale também dizer que os principais locais de entretenimento são o Bournemouth International Center (BIC) e o Pavilion Theatre. Ambos recebem espetáculos, shows de música, eventos e encontros internacionais. Fique de olho no calendário. A caminho da área da praia, o The Pier Theatre lota durante o verão com suas peças de teatro. Mas alguns festivais importantes também devem ser destacados: a Exposição Pinewalk Arte em Lower Gardens, que é uma das maiores e mais longas exposições de arte ao ar livre do país. Reúne uma ampla gama de artistas: pintores; fotógrafos; escultores amadores ou profissionais. Este ano está aberta de maio até setembro. O Bournemouth Artes pelo The Sea Festival com suas tochas, cavalos de fogo, espetáculos de dança, arte performática, música clássica, teatro, arte, oficinas e atividades divertidas para toda a família. E o Bournemouth Air Festival que reúne mais de 7 milhões de visitantes para acompanhar as manobras enlouquecidas e magníficas, dos aviões das Forças Armadas.

De noite, jovens ingleses e estrangeiros se misturam nas pistas de dança. A maioria das baladas fica no centro. Da Old Christchurch Road a Lansdowne e até a orla, há opções de estilos variados – algumas, inclusive, têm repertório brasileiro em dias específicos. A noite nas boates costuma terminar entre 3h e 4h da manhã. Um dos lugares mais curiosos da cidade de Bournemouth é a Halo, uma balada instalada dentro de uma antiga igreja. Onde era um altar, há hoje DJs. Se é pecado não sei, mas faz sucesso. Mais de 250 restaurantes e bistrôs espalham-se à beira-mar e pelo centro da cidade, oferecendo todo o tipo de comida: mexicana, indiana, tailandesa, italiana, vegetariana. A gastronomia universal não deixa ninguém passar fome. No Lower Garden, está o Bournemouth Eye, um balão de hélio que flutua acima da cidade e permite uma vista panorâmica da praia e imediações. O balão está preso ao chão: sem graça para os mais aventureiros e encorajador para aqueles que têm medo de altura. Outro passeio muito procurado em Bournemouth é a vista ao Bournemouth Oceanarium, na West Promenade. O aquário expõe várias espécies de animais marítimos. Quadras de tênis, boliche na grama, mini golf, ciclovias e espaços públicos para patinação completam o circuito de atrações. Intercâmbios Mas como falamos no início a cidade também é a meca dos intercambistas. A Expand, que tem filial em Curitiba, é fruto da visão diferente seu fundador Tiziano Borgonovo. Aproveitamos sua parada por aqui, para perguntar, porque quem quer aprender inglês deve ir a Bournemouth. Tiziano ri e explica, que uma das principais barreiras para um bom intercâmbio é vencida de início, com o seu atendimento. Todas as dificuldades ligadas à adaptação no exterior: a escolha da escola, acomodação e os primeiros contatos com uma nova cultura, são feitos em português, com o jeitinho bem brasileiro e em Bournemouth mesmo. Ele, que embora italiano de Milão, é mais brasileiro do que nunca, é quem faz tudo por lá. Com filiais em São Paulo e Curitiba a Expand tem um grande diferencial: o atendimento e o suporte aos clientes é exclusivo e acontece antes, durante e depois de sua

viagem. Perguntado sobre as maiores dificuldades de quem vai fazer intercâmbio, ele responde, “acho que é a diferença cultural, mais do que a língua”. E explica, “não é muito fácil encontrar uma família de Testemunhas de Geová, para que um intercambista ficasse hospedado na casa, com os mesmos hábitos e crenças. Ou encontrar um médico local que trate de determinados tipos de alergia. Ou ainda quem ensine a não cometer uma gafe, ou a decifrar as expressões idiomáticas locais. Aqui os intercambistas, de todas as idades, e com todos os tamanhos de cursos, contam sempre com o nosso suporte”. E ilustra contando uma história real, de como este suporte é importante até nas mínimas coisas. “ Um dos intercambistas esqueceu a chave da casa, foi para a balada e ficou completamente sem graça de ter que acordar a família que o acolheu. O que fez? Ligou para nós, e claro resolvemos tudo”. E aí já ficou morrendo de vontade? Os cursos têm vários, tamanhos, preços e são para todas as idades, basta escolher o seu e deixar tudo por conta do Tiziano da Expand. Bournemouth, uma cidade rica em arte e cultura espera por você!

Por

Glória Bertin Fotos Divulgação

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P u b l i e d i to r i a l

Bem vindo ao paraíso Ressaltar as belezas da Praia do Rosa é muito fácil. Mas como o pequeno vilarejo de pescadores se transformou em uma das praias mais charmosas do Brasil? Pequenos detalhes fazem realmente toda a diferença! O jornal britânico ‘The Guardian’, por exemplo, classificou como uma das 10 praias “desconhecidas” mais belas do mundo. E sem dúvida o título é merecido. Pois a natureza, a rusticidade e a integração das construções locais com a mata atlântica é uma das características que encanta a todos os visitantes. Não só as belezas naturais, mas também o que atrai os turistas que passam pela Praia do Rosa é o atendimento acolhedor dos hospedeiros. Maria Isabel Baldino, conhecida carinhosamente pelos amigos como Bebela, é uma das mulheres que desbravou a região na década de 70, época do surf, das festas com os amigos… E dali, se encantou e não retornou mais para o Rio Grande do Sul. O amor e o cuidado ao receber os amigos, na antiga casa de praia, permaneceu com os hóspedes. Mesmo após a residência ter se transformado em um negócio. Mas não se assuste, a Morada dos Bougainvilles é sim como o próprio nome diz, uma morada. Algo como uma hospedaria em que você chega, abre as janelas, respira fundo o ar com a brisa do mar, escuta o som das ondas e assim, se sente na própria casa da praia.

Os dez chalés espalhados pelo pátio da pousada tem uma vista para o mar, em integração total com o belo jardim da pousada. Tijolos brancos, madeira, piso de cimento queimado e muita luminosidade compõe a arquitetura das suítes. Uma pequena trilha, com cerca de 500 metros, leva os visitantes até a beira do mar. Na Morada dos Bougainvilles os quartos estão equipados com camas box king size e solteiro, ar condicionado split quente e frio, tv de 42” com home theater equipada com conexão para internet e acesso aos canais SKY HD, frigobar e cafeteira Nesspresso, secador de cabelo e amenidades Trousseau. Impossível não se sentir bem recebido, não acha? Ainda tem uma outra delícia nessa pousada. É o Restaurante Sapore di Pasta, que oferece aos hóspedes e visitantes da praia deliciosos pratos da culinária italiana. Sempre preparados com os produtos frescos da região, como massas artesanais, com frutos do mar e saborosas saladas com camarões. Hum… De dár água na boca! A proprietária Bebela é uma amante de vinhos. Como uma boa italiana, além das maravilhas da boa mesa, a paixão por vinhos é levada a sério na carta da casa. Com rótulos do Velho e Novo Mundo, os clientes podem aproveitar o que há de melhor na gastronomia com vinhos que harmonizam perfeitamente com os pratos.

Algumas datas são especiais para conhecer bem a Morada dos Bougainvilles. Na Temporada das Baleias Francas, por exemplo, que vai de julho até outubro, a pousada e o restaurante participam de festivais locais para movimentar a praia. O último, o Agosto Del Vino, contou com a participação especial do Chef escocês Alex Floyd, que preparou um menu harmonizado, com cinco entradas e dois pratos principais. Nos doces, a pâtisserie Marthina Zoz finalizou o jantar. O enólogo francês, François Hautekeur da LVMH Louis Vuitton Moët Hennessy, o maior conglomerado de produtos de luxo do mundo, foi a grande estrela da noite, apresentando os rótulos da Chandon, que harmonizaram com o menu do Chef Alex. O próximo evento está marcado para outubro, com a participação do festival Sabores do Mundo, em que restaurantes e pousadas oferecem pratos com preços únicos e pacotes exclusivo para a baixa temporada. Para quem procura descanso, belas paisagens, comidas deliciosas, uma hospedagem acolhedora e muito mimo, sem dúvida, a Morada dos Bougainvilles na Praia do Rosa é o próximo destino.

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Caminho do Alto do Morro, 161 Ibiraquera - Imbituba - SC - Brasil CEP 88780-000 Fone +55 48.3355.6100 WhatsApp +55 48.9931.9240 moradadosbougainvilles.com.br

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ANÚNCIO

Blindados no

NA W EB

FALTA

amor e na fé Com a ajuda das redes sociais, mãe e filho conseguiram disseminar a criação de uma nova marca de acessórios

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que carrega fé e positividade em suas peças

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Parceiros, mâe e filho acreditam no poder da positividade

... as mulheres não resistiram à alma masculina e começaram a usar os produtos”

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Colares da fé, pulseiras e terços para carros e para noivas podem não resolver os problemas da humanidade, mas garantem uma relação mais próxima com a espiritualidade e positividade. A conta de quantas pessoas já estão blindadas com os amuletos de fé já se perdeu. No entanto, a ideia inicial de produzir objetos alinhados à moda e unidos a uma história que envolve amor e fé nunca saíram da órbita e muito menos da casa de Augusto Köech e de sua mãe, a designer Mari Köech. Desde novembro de 2013, mãe e filho deram um start às suas carreiras e criaram a marca Guto Köech, que foi rapidamente pulverizada por meio da internet e das redes sociais. Convenhamos, se não fosse pelo mundo virtual, quiçá essa matéria poderia nem ser escrita! Tudo começou com o talento oriundo das mãos de Mari que se empenhava em fazer algumas peças de bijuterias como hobby e vendia para pessoas próximas. Era difícil alguém que não gostasse dos seus produtos, tanto é que o seu filho ficou encantado com as peças e pediu que ela criasse algo com uma pegada estilosa e relacionado à fé, para ele mesmo usar. De maneira informal e sem pretensão de venda, Augusto começou a exibir os terços e colocares de fé no dia a dia e fez o maior sucesso entre os amigos. Sempre que ia a festas, já era de costume tirar o seu colar e presentear os amigos. “Eu tirava do meu pescoço para dar e eles sempre ficavam emocionados. Primeiro porque eu tirava de mim para dar a eles, segundo por ser um objeto bonito e com uma boa representação”, afirma o capixaba que há nove anos escolheu Curitiba para morar.

Em vez de deixar isso para lá e continuar com esses pequenos presentes, Augusto usou o talento da mãe e a sua formação em Jornalismo e Marketing a favor da oportunidade que batia à sua porta. “Uma vez estava em uma festa aqui em Curitiba e na minha roda tinham cinco amigos meus usando o terço que eu havia dado. Nessa hora me deu um estalo e pensei: vou fazer uma marca de objetos de fé”, lembra Augusto do episódio em que decidiu trocar o seu emprego de assessor de imprensa em duas casas noturnas da cidade para tentar a vida de empreendedor. Sua mãe topou na hora. A partir daí, os parceiros – mãe e filho – começaram a pensar um pouco mais longe. Fizeram alguns estudos de cores e nomes e optaram pelo sempre chique preto e branco. “O nome Guto Köech foi uma estratégia e hoje tudo o que está ligado à marca está ligado a mim. Se eu, Augusto, vou para o Rio de Janeiro trabalhar ou viajo com os amigos, a marca vai junto. Eu associo a marca ao meu lifestyle”, explica o empresário que é completamente realizado com a parceria que firmou com a mãe. “Não existe uma pessoa que torce mais no mundo por você do que a sua mãe, ela quer mais é que você vá longe. Se precisar ficar até as quatro horas da manhã, ela fica. Eu a agradeço sempre por confiar em mim e estar comigo nessa”, enternece o empresário de 31 anos. A assinatura da marca possui história e diretriz, além de um slogan com o termo male soul – alma masculina, em inglês – que retrata o posicionamento de público da empresa, ao lado da frase “Melhor do que estar protegido

é estar blindando” e da hashtag #blindado. Mesmo com o foco determinado em alcançar apenas os homens, a marca nunca fez desgosto com as mulheres e deixou claro que todas as peças podiam ser consideradas unissex. “Se você faz algo só para mulher, homem não usa, mas o contrário acontece. Por isso sempre digo que as mulheres não resistiram à alma masculina e começaram a usar os produtos”, destaca Augusto, que logo lançou pulseiras femininas e terços para noivas para agradar aquele público que até então preferia comprar para presentear outros homens. Foi com essa ousadia de alcançar outros públicos e mostrar que os objetos são amuletos de proteção que Augusto começou a alastrar as suas produções. Sem dinheiro para investir na nova empresa, o jeito foi usar as redes sociais para fazer propaganda e mostrar que por trás de Guto Köech havia outra personalidade – e que não era só o do Augusto. Uma das primeiras ações de marketing da marca foi entregar os colares e amuletos de fé para artistas e personalidades de opinião que estavam pela cidade. O primeiro a receber foi o Rodrigão – ex-participante do Big Brother Brasil 11 e hoje cantor e compositor – seguido de Levi Lima, da banda Jamil e Uma Noites. Depois deles, Augusto sentiu a necessidade de encontrar novos rostos e modelos que chamassem a atenção para fazer diferentes postagens com os terços e deslanchar a sua marca. “A minha estratégia foi seguir o Instagram do Mister Brasil – rede de competição de beleza masculina que escolhe os mais bonitos de cada região – e mapear os modelos de vários estados para enviar alguns produtos para que eles pudessem conhecer”, conta Augusto que aos poucos foi recebendo fotos desse pessoal para publicar no Instagram da marca. As fotos de homens bonitos usando os amuletos de fé foi um tiro certeiro, sem contar os artistas que também foram alcançados e já desfilam com os produtos como: Susana Vieira, Luana Piovani, Caio Castro, Lázaro Ramos, Felipe Titto, Daniele Hypolito, Cafú, Buchecha, Bruno Gagliasso, Claudia Leitte, Henry Castelli, Renan Oliveira e tantos outros. Do final de 2013 para julho de 2016 a marca já conquistou 27 mil seguidores no Instagram – principal meio de divulgação – no Facebook, um site com e-commerce e uma lista de fãs e clientes numerosa. “Hoje as pessoas que compram ou ganham se esforçam para tirar uma foto bem bonita e fazem questão de colocar o terço em locais diferentes para mandar. Isso se tornou um viral.”, expõe Guto que garante nunca ter comprado nenhum seguidor para conseguir acompanhar o crescimento real da empresa. A simplicidade veio de dentro para fora e hoje os objetos de fé já se espalham por todo o Brasil, com recorde de vendas em Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. Isso não quer dizer que pessoas de outros continentes não se interessem, até porque Guto acabou de enviar um pedido para Cingapura – uma surpresa para o empreendedor. “O terço existe há anos, mas nunca teve uma pegada estilosa e diferente. E hoje a Guto Köech não vende apenas

Felipe Pereira e Paula Weckerle posam com os amuletos de fé

o produto, a gente conta histórias de pessoas pelo mundo todo com os nossos acessórios, que também levam a história de uma mãe e de um filho”, evidencia o empreendedor que acredita que a positividade é o que define a marca e as linhas de sua vida. “Minha fé hoje é acreditar que tudo vai dar certo. Sempre, desde pequeno, eu rezo a Deus antes de dormir e ao acordar. Eu sou muito de agradecer e não de pedir”, completa ele. A performance e a crença de que tudo daria certo foram as chaves decisivas para fazer a marca decolar, assim como a paciência e a criatividade de Mari ao transformar simples pedaços de couro, aço, camurça, niquelado, cristal e pérola de vidro em algo cheio de significados. Ela conseguiu encontrar o caminho ao criar amuletos com peças de designer arrojados e com um tom fashion e, graças a isso, hoje a marca Guto Köech é o novo ganha-pão da família. “Dizem que quando o mosquito do empreendedorismo te pica, não dá para voltar atrás. Você sempre quer mais e algo melhor”, ressalta Augusto no tom de uma pessoa inquieta, cheia de gentileza e vontade de ir além. Atualmente, mãe e filho conseguem vender mais de 200 peças por mês nos seus canais de comercialização – três lojas no Paraná, duas em São Paulo e pelo e-commerce do site. Sobre o futuro da marca, Augusto diz que já existem alguns planos. A ideia é criar uma loja física apenas da GK (sigla da marca), desenvolver outros produtos com essa marca e abrir um ponto de venda internacional. Enquanto os parceiros trabalham nos próximos projetos, Guto continua levando a identidade da marca por onde passa e carrega para casa os sorrisos e agradecimentos por ter conseguido desenvolver peças que pareciam tão simples e hoje abrangem valores muito maiores. “A marca Guto Köech sou eu, minha mãe e Deus. Não tinha como não dar certo desse jeito”, comemora Augusto. Pode ser que os amuletos de fé, proteção e positividade de Mari e Guto não consigam solucionar um terço dos problemas que vivemos por aí, porém acredito que o significado que eles trazem pode ser a grande solução: o amor e a parceria entre uma mãe e um filho e a crença de que tudo é possível, basta acreditar e fazer acontecer.

A marca Guto Köech sou eu, minha mãe e Deus. Não tinha como não dar certo desse jeito

Por

Rayssa Baú Fotos de Lex Kozlik Produção de beleza Aninha e Neusa Almeida Retouch Célio Olizar

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Uma empresária que

realiza sonhos

Para Alessandra, um cliente feliz é aquele

INTR Í NSECO VALOR

que deseja avidamente seu produto

Por

Glória Bertin Fotos de Cesar Roman

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Neste nosso Brasil de altos e baixos, é uma arte criar uma empresa, manter um negócio e ainda fazer dele um sucesso. E se no processo, você de quebra, ainda realizar os sonhos do cliente, não existe nada mais gratificante. Que o diga Alessandra Sesti, que fez dos vestidos de noiva e festa uma empreita de sucesso. Com uma experiência de mais de 30 anos no ramo da moda, ela vê na Villa de las Novias, seu ateliê de atendimento exclusivo, uma realização de vida. “ É muito gostoso trabalhar com produtos em que você acredita. Em todas as trocas de estação vamos a Europa escolher os vestidos. Marcas renomadas, com tecidos nobres, cortes e modelagens impecáveis, em mais de mil modelos para compradores do mundo todo escolherem”. “Trabalhar com um produto que faz o cliente chorar de emoção é indescritível”, explica Alessandra, que escolhe os vestidos de acordo não só com modismo, mas principalmente levando em conta o sonho e gosto de suas clientes, e que tem em sua loja uma completa estrutura de costura e bordado, para as customizações que forem necessárias. “As noivas, suas mães e madrinhas, confiam inteiramente em nosso trabalho. No dia mais importante de sua vida, elas querem brilhar, querem ser exclusivas, querem guardar para sempre na memória este momento tão especial. Saber que o nosso produto é que vai destacá-las nos enche de orgulho”, conta. “Amo o meu casamento, e quero que todos tenham a mesma felicidade. A cada noiva que atendo é uma nova amiga que faço, e sei que na barra do seu vestido ela leva

as amigas, que serão as minhas próximas clientes, não é o máximo?!” E se o título desta coluna é valor, que valor tem a Villa de las Novias? É Alessandra quem explica: “ter um cliente com os olhos brilhantes, um sorriso nos lábios, orgulhoso vestindo o seu produto e indicando às suas melhores amigas, não tem preço”. Para você conferir, que tal dar uma passadinha e conhecer pessoalmente a Alessandra e seus fantásticos vestidos? A Villa de las Novias fica na R. Des. Costa Carvalho, 115, no Batel, então agende a visita, (41) 3014-9494.

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SOBRE P ESSOAS E LIVROS

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Vi, gravei e

escrevi

Livro conta como grandes empresários reconheceram o chamado

Paranaense. Corintiana. Jornalista. Quando faço palestras, costumo abrir a conversa brincando que posso ser definida por essas três palavras, nessa ordem de importância. Nasci em Cidade Gaúcha, no noroeste do estado, mas minha grande ligação com o Paraná está em Curitiba, para onde me mudei aos 18 anos, aprovada no vestibular para o curso de Comunicação Social da UFPR. Em Curitiba fiz alguns dos meus melhores amigos, aprendi o ofício da minha vida e continua sendo a cidade para onde sempre quero voltar. Onde quer que eu esteja, se vejo um ipê-amarelo florido, meus pensamentos se voltam para a minha cidade preferida. Quanto ao fato de ser corintiana, digo que é de nascença, pois minha mãe torcia para esse time antes mesmo de eu nascer. Nada posso fazer a respeito. É destino. Amo ser corintiana. Por fim, jornalista. Ao contrário da maioria das crianças, nunca quis ser médica, advogada, engenheira.

Quando decidi que queria ser alguma coisa na vida, Jornalismo sempre foi a escolha. E tenho sido abençoada com uma carreira cheia de desafios e conquistas. Entrevistei empresários e executivos, gurus e pesquisadores, cientistas e futuristas, homens e mulheres que desafiam o estabelecido. Sempre no jornalismo econômico, escrevi sobre moda, turismo, inovação, grandes e pequenas empresas, nacionais e multinacionais, gente que inova, que contrata e demite, que fracassa e se levanta. Desde os primeiros dias no jornal Indústria & Comércio, pelas mãos do mestre paranista Aroldo Murá, lá se vão 30 anos de profissão, dos quais passei 18 no Grupo Abril. Saí da Abril depois de ter sido diretora de produção e programação da Ideal TV, um canal de televisão por assinatura com 100% de conteúdo nacional. Embora tenha ficado apenas dois anos no ar, a Ideal TV transformou a minha vida.

Em primeiro lugar, como uma jornalista de mídia impressa até então, eu descobri o poder do vídeo, sua capacidade de transmitir emoção, o brilho nos olhos, transmitir credibilidade. E, quando a Abril decidiu encerrar a Ideal TV, eu já estava definitivamente atada à linguagem audiovisual. Dessa constatação, nasceu a Jabuticaba Conteúdo, uma produtora especializada em produzir conteúdo audiovisual de negócios, que eu fundei em 2010. A experiência de empreender – e de empreender no Brasil – tem apresentado desafios diários, especialmente nestes tempos de recessão, mas não posso reclamar. Eu tive a sorte de entrar nesse mercado num momento histórico em que o vídeo virou a linguagem global graças à tecnologia, que colocou uma câmera em cada celular, e às redes sociais, que democratizaram a distribuição. E, obviamente, as empresas pegaram carona nesse movimento e cada vez mais estão usando vídeos na comunicação com seus públicos diversos. Assim como a Ideal TV, a Jabuticaba tem produzido documentários, web séries, animações, talk shows e realities. A diferença é que, agora, nossos programas são exibidos apenas para os públicos das empresas, por meio de intranet, internet, TVs corporativas e eventos. A segunda grande transformação que a Ideal TV provocou na minha vida pode ser representada pelo lançamento do meu segundo livro (O Guia dos MBAs, de 2001, foi o primeiro), em maio deste ano. Pode parecer estranho, mas O Chamado – Você É o Herói do Próprio Destino tem sua origem num programa de entrevistas com presidentes de empresas que eu apresentava naquele canal de TV. Ao longo de dois anos, gravei 71 episódios do programa semanal, que tinha uma hora de duração. Quando o canal foi encerrado, em 2009, essas 71 horas de conversas se transformaram num rico material de pesquisa para o mestrado em Administração de Empresas que decidi fazer na Universidade de São Paulo. A minha tese defendeu a ideia de que os presidentes de empresa possuem uma trajetória muito semelhante à dos personagens clássicos da mitologia e das religiões. Usei como base a teoria da Jornada do Herói, do americano Joseph Campbell, que é considerado um dos autores mais influentes do século passado. Campbell defendeu, em livro de 1949, que todos os heróis da humanidade, mesmo oriundos de lugares e tempos diferentes, possuem uma mesma trajetória de vida. A minha pesquisa de mestrado concluiu que podemos dizer o mesmo dos altos executivos. Eles também vivem uma vida de chamados, desafios e conquistas. Passei três anos transformando o texto árido da dissertação num livro que, eu espero, seja acessível ao grande público e que possa contribuir para que cada leitor descubra a sua própria jornada de herói. Aproveitando o lançamento do livro, decidi retomar as entrevistas com presidentes de empresas por meio do projeto Trajetórias, no qual junto minhas duas paixões: o jornalismo e o vídeo. Roberto Lima (Natura), Tania Co-

Tania Consentino conta um pouquinho da sua trajetória profissional

Luiz Fernando, um dos entrevistados do livro sentino (Schneider Electric), Luiz Fernando Rudge (Promon) são alguns dos presidentes entrevistados e que podem ser vistos no meu site, no canal no YouTube e também no Facebook. Com esse projeto multimídia, amplio o conteúdo do livro e abro novas frentes de interação com a audiência. Enquanto escrevo sobre isso, não consigo deixar de pensar como as experiências da nossa vida, mesmo aquelas que parecem fracassos – como o fim da Ideal TV foi para mim – são ricas em aprendizado. No livro eu falo sobre as atitudes de herói, aqueles comportamentos que distinguem os protagonistas dos coadjuvantes. Entre eles está a capacidade de encarar os problemas – em vez de se desviar deles. Quanto a mim, continuo querendo ser protagonista da minha história da mesma forma que aquela moça acanhada e interiorana sonhava em ser alguém na vida enquanto cruzava a Rua das Flores em direção às salas de aula no prédio da Reitoria.

Por

Maria Tereza Gomes Fotos Divulgação

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P u b l i e d i to r i a l

Cirurgia de Coluna por Vídeo Quem nunca reclamou de dor na coluna? Segundo dados do IBGE, as dores nas costas (lombalgia, hérnia de disco lombar e discopatia degenerativa) são a terceira causa de aposentadoria precoce e a segunda em licença ao trabalho. Além disso, dor lombar é a segunda causa no mundo de procura por atendimento médico, perdendo apenas para o resfriado comum. No Brasil estima-se que existam mais de 5,2 milhões de portadores de hérnia de disco. A maior parte desse público consegue amenizar ou eliminar as dores com medicação, prática de exercícios físicos ou sessões de fisioterapia. Entretanto, um pequeno número precisa ser submetido a um procedimento cirúrgico. Até pouco tempo, a única opção era a cirurgia convencional, com corte mais amplo e com pós-operatório mais delicado. Atualmente, no entanto, já é possível tratar a hérnia de disco por meio da cirurgia minimamente invasiva, que é realizada com pequenos cortes ou incisões, com o uso de instrumentais cirúrgicos que são introduzidos até o local e acompanhados por câmeras e monitores de vídeo. Alguns riscos e desconfortos da cirurgia convencional podem ser minimizados com esse novo tipo de intervenção, como menor lesão muscular, que costuma causar dores mesmo depois da recuperação completa na cirurgia convencional. Isso porque na cirurgia por vídeo os músculos não são cortados, e sim “desfiados”, já que eles são fibras que conseguem se regenerar depois da cirurgia minimamente invasiva. Outras vantagens da cirurgia de hérnia de disco por vídeo (formalmente chamada de cirurgia endoscópica), são: menor tempo de cirurgia, menor risco de sangramento e de infecção hospitalar, e a possibilidade de realizar a cirurgia com anestesia local e sedação apenas, evitando a anestesia geral com tubo. Por fim, o paciente levanta-se duas horas depois do procedimento, já está apto para caminhar, podendo ir para casa no final do mesmo dia, sem necessidade de permanecer internado no hospital.

Dr. Antônio B. Q. Krieger CRM-PR 22712 / RQE 15991

Hospital Marcelino Champagnat (41) 3207-3225 / (41) 9622-9440 - Secretária

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Vida de

Padre conhecido como o padre que arrasta multidões, manzotti usa o seu carisma e o dom musical para ministrar a palavra de

P OR A Q UI

deus e cumprir sua missão de evangelizar

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Os ponteiros do relógio marcam meio-dia de quinta-feira. Os fiéis ocupam os bancos e os espaços vazios no Santuário Nossa Senhora do Guadalupe, no centro de Curitiba. O padre se prepara para realizar a Santa Missa ao lado dos seus auxiliares e diáconos. Dentro da igreja, o silêncio permanece, os olhos da fé acordam, as mãos se juntam e os joelhos se dobram. É hora de falar com Deus e deixar os compromissos, o trabalho e toda a preocupação de lado. Em cima do altar tudo está pronto. Antes de começar a missa, o responsável pela paróquia, o Padre Reginaldo Manzotti, se coloca em oração enquanto as câmeras se ajeitam para transmitir a missa em tempo real pelos canais de televisão. Pronto para entrar, uma última checagem para ver se está tudo em ordem com as vestimentas e o visual. “Eu cuido da embalagem que Deus me deu, porque o conteúdo é bom”, descreve o padre com bom humor ao se ajeitar em frente ao espelho. O ritual da missa começa com as boas-vindas tocadas pelos 17 músicos da banda à voz do próprio padre que é autor de muitas delas. Tanto nas telas e rádios quanto no altar, o padre mostra o seu carisma e consegue transmitir uma palavra bíblica de forma simples e eficaz, fazendo com que a mensagem chegue aos corações do seu público. Tal característica o fez caminhar degraus acima e o tornou conhecido como o padre que já vendeu mais de 1,5 milhão de cópias, com 12 CDs e 4 DVDs, além de 8 livros escritos. Com tanta audiência, Manzotti recebe o apelido de “o padre que arrasta multidões”, por conseguir juntar inúmeros fiéis em suas missas, shows e eventos por todo o Brasil. Não são só os fiéis que vão à missa que recebem a palavra ministrada pelo padre. Desde 2005, Manzotti fundou a Associação Evangelizar é Preciso, responsável

por levar os programas de evangelização a emissoras de várias regiões do Brasil. Há 14 anos, Reginaldo Manzotti está à frente da TV Evangelizar que transmite a Missa Dominical pelos canais da Rede Católica da Igreja – em Curitiba a mensagem passa no canal 16 da TV aberta, 13 da Net e 16 da VivoTV. Já no seu programa de rádio, Experiência de Deus, Manzotti completa 12 anos, transmitindo e retransmitindo suas palavras por mais de 1500 emissoras. Como um instrumento nas mãos de Deus, o sacerdote usa o seu dom para ministrar a palavra dos céus e ajudar as pessoas a encontrar consolo, conforto e acolhimento. “Todos os meus trabalhos são para mostrar que Deus ama todos os seus filhos incondicionalmente e tudo pode restaurar, não existe caso perdido”, diz o padre e garante que o retorno é gratificante. “É emocionante ouvir que uma pessoa mudou de vida, se tornou melhor depois de conhecer Jesus Cristo”, termina. Com a batina Reginaldo Manzotti tem uma oratória incrível e consegue transmitir palavras da leitura da Bíblia de forma simplificada, fazendo com que o popular “sermão” cumpra o seu papel. Nascido em 25 de abril de 1965, o líder religioso não imaginava quais seriam os planos de Deus para a sua vida. Caçula de seis irmãos, Reginaldo se considera uma pessoa muito família e diz que desde pequeno vive em um berço católico e bastante religioso - seu pai era vicentino e a sua mãe trabalhava no apostolado da oração. Sua designação começou com a admiração do pequeno jovem pelo Padre Cônego Sétimo Gioacobo, um sacerdote culto, pianista e dono de uma oratória fantástica. “Eu quero ser assim”, lembra ele das palavras que proferiu na época.

Da aspiração, veio a chance de conhecer a ordenação por meio de um anúncio em uma revista com a pergunta: “Você quer ser padre?” Ao se deparar com a questão, Reginaldo escreveu uma carta e a enviou para as designações da publicação. Mesmo sem ter certeza de nada, a carta foi enviada e a sua vocação estava prestes a ser descoberta. Tempos depois, o carmelita Jerônimo Brodck bateu em sua porta. “Entrei em pânico, pois não tinha comentado com ninguém da minha família”, conta Manzotti, que após uma longa conversa com os seus pais seguiu para o Seminário dos Frades Carmelitas, na cidade de Graciosa, interior do Paraná. Há uma frase que diz que o impossível é apenas uma das especialidades de Deus. E foi por essa linha que Reginaldo deu início a sua trajetória e ordenou-se aos 25 anos de idade. O processo do seminário durou cerca de um ano e teve como finalidade a confirmação da vocação do então menino em seguir a vida de sacerdote. Passado esse período, Manzotti confirmou a sua ordenança e seguiu para os estudos de Filosofia e Teologia - faculdades em que é formado. Desde que optou pela vida religiosa, o sacerdote precisou abrir mão de algumas coisas. Casar, ter filhos e formar uma família não eram planos de Manzotti, que também precisou se afastar um pouco da convivência familiar ainda na infância para ganhar todo o discernimento dentro do seminário.

Com humildade reconheço que não sou cantor, sou um padre que utiliza o dom da voz para evangelizar”

Foi também na ordenação que o dom da música o encontrou, primeiramente com a flauta e depois com o canto e a escrita de letras de músicas. “Com humildade reconheço que não sou cantor, sou um padre que utiliza o dom da voz para evangelizar”, reitera ele que gravou o seu primeiro CD para aumentar a participação do povo durante a missa. Isso aconteceu quando Manzotti estava na Paróquia de São José Operário, em Pinhais, e sentia que a população não sabia cantar as canções durante a celebração da missa. “Resolvi gravar e foi uma grande surpresa a aceitação desse trabalho”, garante ele que já é autor de mais de 25 canções. Atualmente, Reginaldo Manzotti faz parte do Santuário Nossa Senhora do Guadalupe e se reporta ao Arcebispo Metropolitano de Curitiba, Dom José Antônio Peruzzo. Em seu íntimo, o padre não carrega o desejo de ser canonizado, mas leva como uma forma de obediência buscar a santidade todos os dias. “Todos nós devemos buscar a santidade como meta de vida. Ser santo significa seguir os mandamentos de Jesus Cristo”, descreve. Completados 21 anos de sacerdócio, em 2016, o padre reflete sobre sua carreira. “Sou muito grato a Deus por ter realizado tanto em minha vida, não sabia o que Ele me reservava quando entrei no seminário”, expõe Reginaldo ao garantir que não poderia ter escolhido outra vocação. “Se nascesse de novo, padre seria!”, conclui. Sem a batina Por baixo da tradicional batina em sua cor preta e colarinho branco, está um homem de fé, persistência e dedicação. A roupa eclesiástica não deixa dúvidas de quem é Re-

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Bíblia • Uma lâmpada para os meus passos

Oração • O combustível da caminhada Fé • Âncora da minha vida

Igreja • Mãe e mestra

Vida • Deve ser vivida em sua plenitude

Morte • O outro lado do caminho

Papa • Um exemplo a ser seguido

Pecado • Misericórdia Deus • Absoluto

Homossexualidade • Acolhimento Aborto • Sofrimento

Se nascesse de novo, padre seria”

Por

Rayssa Baú Fotos de Lex Kozlik Assistente de fotografia Denise Maciel

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ginaldo Manzotti, que mesmo sem a veste representativa continua com a mesma missão: evangelizar. Comunicativo ao extremo, o padre leva uma vida agitada com uma agenda extensa. No dia a dia, levanta cedo para fazer exercícios físicos, depois vai para a rádio apresentar o programa e na sequência vai para o Santuário Nossa Senhora de Guardalupe, onde faz reuniões, atendimentos e/ou celebra a Santa Missa. Na parte da tarde sua agenda inclui gravações e reuniões, já à noite viaja, faz shows e celebrações. A vida atarefada não é um problema para o padre que tem como lema a frase bíblica “Tudo posso Naquele me fortalece” (Filipenses 4,13). A passagem o ajuda diariamente com o seu excesso de exigência – seu principal defeito. No seu tempo de lazer, o padre costuma ler e não dispensa um churrasco – seu prato preferido. “Sempre leio três livros ao mesmo tempo. Um sobre a vida de um santo, um católico e um de literatura”, descreve ele. Entre outras particularidades, Manzotti confessa que tem mania de balançar as pernas e em seu íntimo sobra amor pelo seu time de coração. “Sou palmeirense e já frequentei muito os estádios, mas agora não consigo mais”, termina. Não importa onde esteja nem o que esteja fazendo, o cumprimento das pessoas para Manzotti é sempre o mesmo: “Sua bênção, padre”. Desde que cumpriu o seminário, ele já tinha em mente que o seu compromisso com a população seria eterno, com ou sem a batina, dentro ou fora da igreja. “Acredito que, a partir do momento em que decidi seguir a vida sacerdotal, também soube que seria padre o tempo todo”, afirma ele. Com relação ao Papa, Reginaldo se mostra contente com a atuação e destaca uma frase que o Santo Padre disse que o que o mantém firme é a intimidade dele com Deus. “Acredito que o Santo Padre está sendo muito dócil à ação do Espírito Santo e realmente faz a vontade de Jesus para a Sua Igreja”, resume o sacerdote. Manzotti é exemplo de sinceridade em seus atos, delicadeza em suas mensagens e esperança nos seus passos. Desde que recebeu ordenação sacerdotal reza a missa todos os dias e não desanima em meio aos problemas que aparecem em sua frente e muito menos com a falta de fiéis nos bancos da Paróquia – o que raramente aconte-

ce. Diariamente busca força por meio das mensagens da Bíblia e tem consigo que a igreja trabalha com o ideal do ser humano e para isso é preciso ter paciência em meio às ansiedades. “Sou um instrumento nas mãos de Deus e Ele me usa até quando e como quiser”, define o padre que logo se concentra e dá início a missa. Exorcistas Normalmente todas as grandes cidades têm. Vida política Não tenho vontade de entrar para a política. Já houve boato de que eu queria ser deputado, mas costumo dizer que quando me virem candidato, podem me colocar uma camisa de força. Incentivo que os leigos engajados e comprometidos atuem na política, pois precisamos mudar o cenário atual. Em minhas homilias procuro conscientizar as pessoas dos nossos deveres e direitos como cidadãos. Homossexualidade Todos nós somos filhos e filhas amados por Deus e somente Ele pode fazer julgamentos. Se um homossexual busca a Deus de boa vontade não nos cabe juízo. A Igreja acolhe todos os filhos de Deus, e recomenda que os homossexuais devem ser acolhidos com respeito e sensibilidade. E, claro, toda e qualquer discriminação é condenada, principalmente quando há violência. Sobre o filme Spotlight O filme realmente é muito bom. Bem produzido e roteirizado. Inclusive o próprio jornal do Vaticano (L’Osservatore Romano) fez um artigo dizendo que o filme expressa a dor e o sofrimento das vítimas e que mostra a confiança na gestão do Papa Francisco na condução desse assunto dentro da Igreja. E gostaria de ressaltar que a pedofilia é uma ferida para toda a sociedade, precisamos cuidar das nossas crianças. Os padres que cometem tais crimes são uma minoria dentro da Igreja e estão sendo punidos canônica e civilmente. Por isso, não acredito que isso possa “manchar” a reputação de todos os sacerdotes.


OUTRA TRIL H A

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Em cartaz pelo Brasil com o espetáculo O Grande Sucesso, ao lado de Alexandre Nero, a cantora, compositora e instrumentista suíça Edith Camargo revela tudo que queria ser: apenas música ... lá vai a vida a rodar Quando criança, na Suíça, Edith Camargo vivia na pequena cidade de Gossau. Segundo relatos de viajantes, é a partir de onde a paisagem muda completamente, e as cidades maiores somem do mapa, “substituídas por vilas pequenas e vales profundos”. Ali, relatam, os passageiros desembarcam dos vagões modernos e fazem conexão com um trem menor e mais antigo. Ali, a pequena infante vivia no campo, com seus oito irmãos, rodeada de música e sonhan-

do com o nosso país. “Você não vai acreditar”, começa ela, “mas eu sonhava com o Brasil”. Quando estava no colégio, viu um Atlas com imagens do Amazonas, palmeiras, e um pôr do sol que não existia na Suíça. “Eu achei aquilo tão bonito, um solzão, todo alaranjado, e comecei a sonhar com o Brasil”. Literal, não metaforicamente. “Era uma imagem linda, um sonho absolutamente romântico. Curioso, não?” “O trem”, continua Edith, “era como se fosse o mundo, porque ele sempre passava com gente dentro. Era

uma constante que me fazia sonhar com outros lugares, porque a vida no campo, a gente sabe...”, termina ela, reticente. “O trem, para mim, representava um acesso a qualquer lugar. Às cidades maiores, ao aeroporto. Ele passava sempre perto, a gente escutava. O trem me abria essa janela para o mundo.” Pelos trilhos, outras trilhas. Eu saía de trem para ir até o aeroporto mais próximo e depois...” A vida! Embora conheça e goste de Villa-Lobos, “às vezes brinco com aquela melodia famosa d’As Bachianas no aquecimento vocal, mas confesso que conheço pouco”, é noutro tom, Jobim, que tem início a formação musical da suíça, ainda lá.

Que imagens ela guarda? “São tantas que me vêm à mente, que mal posso dizer”, responde ela. “Tanta praia incrível, tanta palmeira, tanta vegetação, tanta exuberância! Aqui, era tudo uma vitalidade!”, continua. “Exuberância é a palavra certa!”, finaliza a suíça, comparando seu país de origem a um imenso jardim. “Na Suíça, tudo o que você olha, mesmo a natureza, parece uma pecinha que foi colocada. É toda perfeita, organizada, delicada. Tem as ervinhas... Aí, se você chega perto e olha, vê uma florzinha amarelinha, do ladinho uma rosinha, daí você sente o cheiro, vê tudo brotando... É lindo também, mas é tudo tão organizado que você não acredita que é verdade.”

“É um compositor com quem sempre senti uma proximidade, assim como com o chorinho”, conta ela. “Quando conheci o chorinho, parecia que já conhecia, entendi ela ‘de coração’”, escreve ela, com o coração entre aspas, revelando nisso, com eloquência, a etimologia da palavra decor. Se começo o texto e o título com referência ao compositor de O Trenzinho do Caipira, portanto, é apenas pela facilidade da locomotiva da melodia, dos versos, levando Edith de Gossau para o mundo. Mas o Brasil do imaginário e dos sonhos de Edith sempre esteve mais para bossa-nova do que para sertão. Sendo assim, dentro de mais um minuto estaremos no Galeão. Apertem o cinto, passageiros, vamos chegar. “Água brilhando, olha a pista chegando, e vamos nós... Pousar!”

Alguma semelhança com Curitiba? pergunto. “Curitiba tem isso!?”, ela redargue espantada, com distinção e sem ironia - a ironia não tem espaço na personalidade delicada, gentil e simpática de Edith.

Samba do Avião “Meu primeiro aeroporto aqui no Brasil foi o Galeão. Foi de cortar o fôlego, é muito lindo ver o Rio de Janeiro de cima, parece uma cidade mágica!”, diz ela, com um sotaque ligeiramente carregado, e altamente charmoso. Casada então com um brasileiro (origem do Camargo no sobrenome), Edith já tinha se aproximado culturalmente do país dos seus sonhos, embora não imaginasse morar nele. Trabalhava num restaurante, na Suíça, na companhia de angolanas. “Eu gostava muito quando elas falavam português”, conta. Elas ouviam, também, bossa-nova. Edith adorava. “Era uma coisa muito leve, muito nova, muito bonita para mim. Fluía, não cabia pensamento ruim na cabeça.” Foi assim que, pela África, conheceu a língua portuguesa e o estilo musical delicado e charmosamente brasileiro. Queria entender o que diziam aquelas músicas. Foi estudar português, com sotaque de Portugal. Ou seria Angola? Aí, conheceu o ex-marido, e fez-se a bossa. A Felicidade/Por Causa de Você “Foi um sonho! Era uma viagem de aventura, um turismo exótico, era mais nesse sentido”, esclarece ela sobre a primeira vez no Brasil. “Nunca imaginei morar aqui. A gente fez uma grande viagem de carro pela costa litorânea até Salvador, e de lá pelo sertão até Fortaleza e Jericoacoara.” Dois meses de viagem, há mais de 20 anos.

Compor em português é muito difícil. A métrica é muito diferente nas outras línguas”

Anos Dourados Desde os tempos de criança, a música sempre foi muito presente na vida dela. O pai tocava peças clássica para as vacas darem mais leite. Todos os filhos tinham que escolher um instrumento. “Eu começo a me lembrar de mim através da música, não tenho nenhuma memória antes.” Edith tem uma imagem dela sentada no sofá, com o acordeão no colo, quase maior que ela, tirando as notas que o pai tocava. “Eu quase não podia com ele, com o instrumento.” Tocando escaleta desde os quatro anos, foi musicalizada por meio da flauta aos cinco, quando começou a ler partitura. “Eu lembro muito bem, até hoje, apesar de ser muito pequena, a facilidade que eu tinha. ‘É só isso!?’”, ela pensava. Os pais, agricultores, tinham uma relação muito forte com a música. Era a coisa mais sagrada dentro de casa e cada irmão podia escolher o instrumento que quisesse. A pequena Edith, no seu sexto ano, escolheu um piano. Piano na Mangueira Ganhou um piano de armário, quando ainda desejava um piano de brinquedo. “Ele sempre me pareceu um tanto grande demais para mim”, conta. A música de Edith não é – como cantam os versos desta estação – de levantar poeira. Mas também pode, como na canção de Tom, “entrar no barracão”. Durante muito tempo, tímida e discreta – apesar de musicalmente exímia e virtuosa –, Edith teve o desejo de transmitir somente a música para as pessoas, “o que é impossível na performance ao vivo”. “A relação piano-voz é um ato muito solitário. Os outros instrumentistas – guitarristas, baixistas, bateristas, percussionistas – têm uma liberdade, seus corpos se mexem. O piano é sempre muito dominante, dominador, você fica presa a ele, tem uma calda enorme”, explica. “Tanto que, quando toco com outros músicos, me sinto separada. Eu queria fugir disso.”

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“Eu sei que não existe, mas os homens falam músico. Igual ao poeta e à poetisa. Poetisa é o quê? Por que não poeta?” Lindo isso. Decantar-se, até tornar-se inseparável do que se faz. O desejo impossível de transmitir “apenas” música.

Edith ao lado de Alexandre Nero, em O Grande Musica

Eu, junto da vida, me preparei para fazer este trabalho, que é o maior até agora”

A partir desse ímpeto e dessa percepção, passou a explorar o significado de “estar sozinha com o piano”. “Isso possibilita um jogo diferente, uma conexão extremamente sensorial”, diz ela. Toca de olhos fechados, virada para trás, embaixo do piano, sempre em movimento. Desconecta a expressão corporal dos movimentos musicais, o que é um grande desafio. “Queria que minha música soasse realmente nova para mim também, se transformasse num verdadeiro ato performático. Um superação, uma quebra de paradigma desse envolvimento muito forte e muito antigo com o piano.” Cada apresentação ao piano, agora, é um ato cênico também. Desafinado Nada mal para quem, quando chegou no Brasil, não possuía, quase, educação musical formal. “Minha relação com a música na Suíça foi muito mais no campo do desejo, num campo superíntimo”, conta ela. Curitiba e o Conservatório de Música, que cursou aqui durante quatro anos, foram as grandes rupturas da vida dela. “Por isso acho que estou aqui ainda. Curitiba foi muito boa por causa do Conservatório”, do qual Edith ouviu falar ainda em sua terra natal, por uma notícia de página inteira, num importante jornal suíço. Foi no Brasil que se desenvolveu como cancionista popular, dando vez ao lado vocal e às composições.

Por

Rômulo Zanotto Fotos de Priscila Prade Conteúdo on line: acesse o nosso site

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Samba de uma nota só Alemão e francês foram as primeiras línguas nas quais ela compôs, por lhe serem as mais próximas. “Eu estava na flor da idade, foi incrível! Parecia que eu estava transbordando em inspiração de sons e tudo mais.” Depois, vieram o inglês e o português. Este último, bem raro. “Compor em português é muito difícil. A métrica é muito diferente nas outras línguas. Puxa para um sambinha, induz ao choro”, explica ela. “Para mim, pelo menos.” Você é musicista? Instrumentista? Compositora? Song writer? Cancionista? Pergunto. “Música”, responde.

Águas de Março/Garota de Ipanema Águas de Março é, ao lado de Garota de Ipanema, o grande sucesso de Tom Jobim. As composições que lhe abriram as portas para o mundo. E O Grande Sucesso, por sua vez, é o espetáculo de Alexandre Nero com o qual Edith está em cartaz pelo Brasil (a passagem por Curitiba deve ser na última semana de outubro). Paralela à sua carreira solo como música, Edith atua também há 15 anos como compositora de trilhas sonoras para espetáculos teatrais, tendo ampliado suas participações para cima dos palcos. Já circulou o Brasil todo ao lado de Luís Melo no espetáculo Daqui a 200 Anos, por exemplo, e este ano, inusitadamente, porque sem planejamento, já subiu ao palco em outras duas montagens. Embora bastante conhecido e atuante junto aos grandes artistas curitibanos, Nero e Edith não tinham trabalhado juntos ainda. Nero é músico – ou música? – também, mas com estilo diferente de Edith. Sendo um musical – na verdade teatro-música, cataloga Edith –, ela ponderou: “Nero, você me conhece e conhece minha música”, escreve ela, por e-mail. “Mas você deve saber o que está fazendo.” “Não se pré-ocupe”, respondeu. Nero só anda com os grandes. Claro que ele sabia, sabia muito bem o que estava fazendo. “Eu, junto da vida, me preparei para fazer esse trabalho, que é o maior até agora”, retoma e finaliza a conversa Edith. “O meu lado musical aflorou muito antes de eu estudar teoria, harmonia, arranjos, composição. Tudo veio vindo à medida que eu pude dar conta das coisas.” Inútil Paisagem/Sabiá “O Brasil sempre foi maravilhoso”, confidencia ela, “mas a imagem não se sustenta. Aquele sonho me deu um amor pelo país, mas a ideia de algo lindo e intacto se esvaiu rapidamente. Foi um choque emocional.” Na Suíça, as pessoas têm, nitidamente, outro senso de responsabilidade e valores, diz Edith. “Aqui, as pessoas que têm terra, têm muita terra, né? Como é que vai dar conta? Lá, as pessoas têm menos coisas, o país é pequeno, tem que cuidar do pouco que tem. É um pouco isso”, conclui ela, dizendo que se considera muito mais do lugar do que sua música é. Se todos fossem iguais a você “What can I say to you, ‘Bonita’? What magic words would capture you?” Termino parafraseando o músico que veio norteando e nominando as estações deste texto, para evocar a inabilidade do grande poeta brasileiro ao compor também numa língua que não lhe é pátria, para responder em bom português: “Se todos fossem iguais a você... Ah, Edith! Que maravilha viver!”

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Uma atriz, um mito, uma brasileira do mundo

SÉTIMA ARTE

A nova geração, em especial os estudantes de cinema, desconhecem ou pouco sabem sobre Florinda Soares Bulcão (1941), uma cearense de rara beleza que morou em Fortaleza e no Rio de Janeiro antes de se mudar para a Itália, em 1968, e fazer carreira no cinema. Filha do poeta, jornalista e político José Pedro Soares Bulcão, foi inicialmente datilógrafa, taquígrafa, estudou inglês e francês trabalho como comissária de bordo da hoje extinta Varig. Foi para os Estados Unidos, onde participou de comerciais de televisão e conheceu personagens do jet set como Samuel Wainer então exilado em Paris que, em 1968, apresentou Florinda à condessa Marina Cicogna, produtora cinematográfica, que se tornou sua grande amiga e a levou para passar férias em Ìsquia. Lá, Florinda conheceu o grande diretor Luchino Visconti, primo de Marina. Ele improvisa um teste com ela e acaba por lhe dar uma pequena parte no seu filme “Os Deuses Malditos” (1969). Foi nessa época que ela mudou o nome para Florinda Bolkan.

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Tiomkim Foto Divulgação

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A carreira Revelada por Visconti, Florinda atuou em mais de 40 filmes, trabalhando com diretores renomados, como Christian Marquand, Damiano Damiani, Giuseppe Patrone Griffi, Giuliano Montaldo, James Clavell e Richard Lestere e Franco Prosperi. Em “Amargo Despertar“, foi dirigida por Vittorio de Sica. “Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita”, sob direção de Elio Petri, é considerado um de seus melhores filmes. O ator e diretor Enrico Maria Salerno dirigiu-a em “Anônimo Veneziano”, um de seus filmes mais populares. Ganhou por três vezes o David di Donatello, considerado o “Oscar” do cinema italiano, prêmio que também já foi dado a Sophia Loren, Claudia Cardinale e Monica Vitti. Quando a contratou para fazer “Amargo Despertar”, o filme que iria lançá-la no mercado dos Estados Unidos, De Sica lhe disse: “Escolhi você porque seus olhos são de quem já conheceu a fome”. Ao que Florinda respondeu: “Quem nasce no Ceará traz uma carga de verdade muito dura e forte”. Durante 20 anos, Florinda foi companheira da condessa Marina Cicogna, produtora do filme. Depois de participar de dezenas de filmes na Europa, voltou ao Brasil para participar do seriado “A Rainha da

Vida” da TV Manchete. A história, passada no Ceará, narra o drama de Antônia Fidalga, uma mulher vilipendiada pelo marido que abandona a sua cidadezinha e sai pelo mundo. Em 2000, a atriz fez sua estreia como diretora, com o filme brasileiro “Eu Não Conhecia Tururu”. Além de dirigir, ela também faz um dos papeis principais. Florinda Bolkan continua trabalhando como atriz de cinema e televisão, especialmente na Itália. Florinda restaurada Graças ao mercado de DVD, muitos de seus filmes fora de circuito estão sendo relançados no Brasil pelo excelente selo Versátil. Oportunidade única de rever a atriz em alguns trabalhos marcantes produzidos na Itália: A Versátil apresenta “Giallo”, vol 1, 2 e 3 , com filmes de Mario Bava, Dario Argento, Lucio Fulci e Sergio Martino. “O Segredo do Bosque dos Sonhos”: Conta a história de um vilarejo italiano, onde acontecem estranhos assassinatos. Obra-prima do mestre Lucio Fulci e seu filme favorito. “Uma Lagartixa Num Corpo de Mulher”: Mulher é acusada de ter matado sua vizinha, após ter sonhado com o assassinato de Lucio Fulci com uma grande atuação da brasileira Florinda Bolkan. “Os Passos”: De Luigi Bazzoni. Atormentada por estranhos sonhos de astronautas na lua, uma mulher visita uma cidade litorânea cujos moradores afirmam já conhecê-la. Essa fascinante mistura de giallo e sci-fi traz uma ótima interpretação da brasileira Florinda Bolkan. Florinda em Curitiba O produtor cinematográfico Rubens Gennaro e o artista plástico Celso Coppio trabalham no projeto de trazer Florinda a Curitiba. A ideia é realizar um Bal Masque no Palácio Garibaldi em sua homenagem. Ela também seria homenageada no Festival de Cinema da Lapa, criado pela empresária Maria Inês Borges da Silveira e viabilizado através da Lei Rouanet, que acontece em novembro. A atriz reside em Braccano, a 50 quilômetros de Roma - Itália onde vive há quase 50 anos, mas vem ao Brasil frequentemente onde tem casa de verão em Quixabá, Fortaleza.

Galeria de Arte Solar do Rosário O Solar do Rosário é muito mais do que uma Galeria de arte, é um espaço cultural único em Curitiba, que desde 1992 realiza exposições de artistas e eventos culturais. Alguns momentos importantes que aconteceram no espaço com as diretoras e proprietárias Regina Casillo e Lucia Casillo Malucelli.

Lucia Casillo Malucelli com o renomado artista Vik Muniz

O artista plástico Fernando Calderari, Constantino Viaro, Regina Casillo, Luca Rischbieter e a artista Maria Ivone Bergamini

A fotógrafa Michele Serena, a artista Lelia Brown e as diretoras Lucia e Regina Casillo

Visita do artista internacionalmente conhecido Romero Britto à Galeria juntamente com as diretoras do espaço

Momento emocionante com a artista Ida Hannemann de Campos, sua filha Heloisa, o crítico de arte Fernando Bini e a Diretora do Solar do Rosário Regina Casillo

A artista Uiara Bartira faz instalação no jardim do Solar do Rosário com alunas do seu curso permanente de pintura no próprio local

Encontro do curso de Filosofia com brinde dentro da Galeria de Arte!

Rua Duque de Caxias, 4 - Centro Histórico - Curitiba/PR - CEP 80.510-200 Fone +55 (41) 3225-6232 www.solardorosario.com.br

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Florinda a la italiana

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