Ed. 13 | Culinária Alagoana | dezembro de 2024

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PRODUÇÃO LOCAL

PELAS CERVEJAS PELAS CERVEJAS

ARTESANAIS DE MACEIÓ ARTESANAIS DE MACEIÓ

CULTURA

A AUTENTICIDADE DOS A AUTENTICIDADE DOS PRATOS ALAGOANOS PRATOS ALAGOANOS

EDIÇÃO 13 - ANO 2 - DEZ/24

SAÚDE

SEGURANÇA ALIMENTAR SEGURANÇA ALIMENTAR DOS ESTUDANTES DOS ESTUDANTES

CULINÁRIA E AFETOS

SABORES QUE TOCAM O CORAÇÃO DE GERAÇÕES SABORES QUE TOCAM O CORAÇÃO DE GERAÇÕES

ÍNDICE

A GASTRONOMIA DE MACEIÓ AO LONGO DOS ANOS

] [ ]

CULINÁRIA E RAÍZES ALAGOANAS

MACEIÓ, MINHA CERVEJA

SEGURANÇA ALIMENTAR ESTUDANTIL EM PAUTA

RECEITAS ALAGOANAS

QUE TRANSCENDEM A TRADIÇÃO

EXPEDIENTE

] [ ] 06 18 42 13 26

A Revista Fora da Caixa é um produto editorial da disciplina Laboratório de Mídia Impressa desenvolvido pelos alunos do 6º período do curso de Jornalismo do turno noturno da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Esta edição foi produzida no semestre letivo 2023 2, entre novembro de 2023 e abril de 2024.

Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Arte (ICHCA)

Curso de Jornalismo

Endereço

Av. Lourival Melo Mota, s/n, Tabuleiro do Martins, Maceió - AL / CEP 57072-900

E-mail: rforadacaixa@gmail com

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EDITOR-CHEFE

Prof. Marcelo Robalinho (MTE 13583/PE)

MONITORIA

Bruno Melo

Caroline Oliveira

Eduarda Lima

Felipe Vieira

Maykon Felipe

Teresa Cristina

EDITORES RESPONSÁVEIS

Editora: Gabrielly Barreto

Subeditoras: Everlany Ataíde e Letícia Rabêlo

REPORTAGEM

Breno Passos

Deborah Passos

Everlany Ataíde

Gabrielly Barreto

Glendha Melissa

Letícia Rabêlo

Marcondes Augusto

Maria Clara Canuto

Raynara Gondim

Rebecca Moura

Zuleide Campos

DIAGRAMADORES

Editora: Deborah Passos

Subeditor: Breno Passos

REVISÃO DA DIAGRAMAÇÃO

Marcelo Robalinho e Maykon Lopes

NÚCLEOS DE REDES SOCIAIS

Editora: Gabrielly Barreto

Subeditora: Everlany Ataíde

D I T O R I A L

E

Caro leitor,

Chegamos com tudo na 13ª edição da nossa revista e, desta vez, vamos te levar para

viagem gastronômica por Alagoas como você nunca viu! No decorrer destas páginas, vamos explorar de tudo um pouco sobre a comida da nossa terrinha, desde aquelas receitas tradicionais que são verdadeiros tesouros da nossa cultura até as comidas afetivas que moram no coração da culinária de Maceió, no seio das famílias alagoanas e pouco falamos dela, muitas vezes

Vem com a gente descobrir pratos que vão além do simples sabor, têm história e histórias para contar e emocionam quem prova! Queremos te levar para lugares de Maceió onde a cerveja artesanal é mais que uma bebida, é um estilo de vida Nós também vamos dar uma olhada no passado, em sabores que marcaram época. E, é claro, falar das raízes da nossa culinária e de ingredientes que são a alma da comida alagoana

E não poderíamos deixar de levantar uma questão super importante: como garantir que todo mundo tenha acesso a uma alimentação boa, segura e de qualidade? Vamos debater sobre segurança alimentar nas escolas e na universidade, focando a questão no universo estudantil. Porque comida boa é um direito de todos e tem tudo a ver com a nossa culinária!

Aqui, na Fora da Caixa, a comida é uma questão de estilo, de cultura, de história e de experiências de vida. Neste “rolê” gastronômico, todo mundo está convidado!

Bora lá, boa leitura!

Equipe da 13ª Edição da Revista Fora da Caixa

Então, prepara-se para abrir o apetite e se deliciar com as histórias e os sabores que preparamos para você nesta edição, que tem um ar todo sinestésico, relacionando plano sensoriais diferentes, para além da visão, do olfato e do paladar!

Os textos veiculados nesta revista não representam a opinião da UFAL, nem do curso de Jornalismo

Por Breno Passos e Deborah Passos

Do litoral ao sertão:

a gastronomia de Maceió ao longo dos anos

Em meio às brisas do Atlântico, Maceió se destaca por sua rica culinária

Rodeada pelo mar azul, lagoas e altos coqueiros, Maceió não é somente um destino de belas praias no verão, mas também apresenta uma gastronomia exótica e exuberante com as misturas da culinária do litoral ao sertão É o segundo motivo que mais atrai turistas para a cidade. “A gastronomia tem ascendente protagonismo na atividade turística e movimenta o mercado de alimentação fora do lar e diversas outras cadeias produtivas interligadas”, destaca Jair Galvão, titular da , segundo a Secretaria Municipal de Turismo de Maceió (Semtur)

Presente na mesa dos brasileiros, o cuscuz é um símbolo cultural e um dos pratos mais consumidos no Nordeste. Segundo o portal de notícias Tribuna Hoje, o cuscuz é “paixão do povo alagoano”. Seja no café, almoço ou jantar, a iguaria faz parte da mesa da família. Criado há séculos no norte da África e trazido pelos portugueses para o Brasil, a receita passou por muitas adaptações A sêmola de trigo, originária da receita africana, deu lugar a ingredientes nativos, como milho, mandioca e coco. Em Alagoas, o cuscuz de arroz é preparado de forma artesanal O grão fica de molho, depois é tri-

O cuscuz de arroz é uma variação da receita original do norte da África e trazida pelos portugueses para o Brasil

turado no moedor de carne, rendendo uma massa bem fininha e, após ser cozido, banhado no leite de coco Esse novo formato de fazer a massa foi passado de geração em geração na família Novais e tornou-se um sucesso no interior do Estado, em Penedo, município histórico do sul de Alagoas que fica a 160 quilômetros da capital A Carroça Café Regional, localizada tanto em Penedo quanto no bairro Ponta Verde, na orla de Maceió, é um estabelecimento em que o cuscuz de arroz é a estrela da casa, preparado artesanalmente por uma receita da bisavó de Rodolfo Novais, quarta geração do empreendimento alagoano Hoje, o cuscuz é o exemplo vivo da transformação cultural de um prato em que, em uma única receita, transformou-se em novos sabores, formatos e histórias, tendo o dia 19 de março como seu dia oficial, Dia do Cuscuz

SURURU DE CAPOTE

O prato típico alagoano mais procurado e reconhecido como Patrimônio Imaterial de Alagoas é o sururu (molusco de água doce).

Um dos mais famosos da região, sua pesca é fonte de renda para muitas famílias e pescadores, principalmente na Lagoa Mundaú, que se localiza entre as cidades de Maceió, Santa Luzia do Norte e Coqueiro Seco Em meados de 1870, no extinto Jornal do Pilar, o sururu foi citado pela primeira vez como uma reclamação do monopólio sobre a sua pesca na Quaresma, período do ano litúrgico que compreende a Quartafeira de Cinzas e a Quinta-feira Santa antes da Páscoa cristã. E, devido à abundância do molusco, ele torna-se um produto relativamente de baixo custo e está sempre presente na alimentação do povo alagoano.

O Sururu de Capote é um dos pratos prediletos dos alagoanos, no qual o molusco é cozido dentro da concha, juntamente com outros temperos e servido com bastante pimenta, purê de macaxeira e acompanhado de pirão É encontrado por todo o estado de Alagoas e apreciado no Bar do Pelado, na Ilha de Santa Rita, a caminho da Praia do Francês, no município de Marechal Deodoro. Até rendeu uma canção composta por Djavan, afora a clássica banda do compositor, consolidando a sonoridade de sucesso do “Dija”.

“Ê, SARAVÁ É SUCURI

Ê, SARARÁ DE PRAJATI EIS O SIRI-DE-CORAL

SURURU NA CASCA É CAPOTE NO NORDESTE

DJAVAN

NA CANÇÃO SURURU DE CAPOTE

Leia o QR Code e escute Djavan - Sururu de Capote no Spotify!

O Sururu de Capote é prato de bastante sucesso em Alagoas, considerado Patrimônio Imaterial do Estado

CD

r

comida nas ruas, o turista poderá encontrar tanto o cuscuz milho e suas variações, quanto pratos deliciosos feitos de sururu. Para os amantes de doces, a cocada alagoana é imperdível e encanta o paladar dos visitantes As cocadeiras representam a cultura e a força da mulher nordestina que vendia seus produtos às margens da rodovia AL-101 Sul, onde era muito comum os carros pararem no acostamento para comprar os doces E elas, hoje, vendem mais de 20 sabores de cocada, que variam da clássica de

Massagueira também é referência cultural em todo o Estado e Patrimônio Cultural de Alagoas. Tanto que acabou se tornando parada obrigatória para quem visita a região A Cocada Cultura é um espaço amplo e seguro, instalado no povoado da Massagueira desde 2019 Com quase 40 quiosques de venda, conta apresentações culturais e estacionamento para carros. Um espaço que agrega sabor para quem quer levar como lembrança os sabores da gastronomia alagoana

ALAGOAS POSSUI PRATOS QUE CONTAM

HISTÓRIAS E ENALTECEM A ANCESTRALIDADE

Um dos doces brasileiros mais tradicionais, a cocada é uma receita que remonta a época do Brasil Colônia

INFLUÊNCIASNA

Gastronomia Alagoana

O Estado de Alagoas possui uma das melhores e mais variadas culinárias do Brasil. No período colonial, foi influenciada pela indígena, portuguesa e africana. Saiba um pouco mais a respeito

INFLUÊNCIA INDÍGENA

Os indígenas contribuiram com a gastronomia alagoana a partir de técnicas culinárias e ingredientes, que incluem o feijão e a mandioca, além dos frutos do mar e das lagoas, como o sururu e o camarão

INFLUÊNCIA AFRICANA

Os africanos trouxeram muitos ingredientes e técnicad culinárias para a gastronomia alagoana Alguns dos ingredientes mais notáveis incluem o inhame, a galinha, o milho e o óleo de dendê.

INFLUÊNCIA PORTUGUESA

Os portugueses trouxeram muito de seus elementos para a culinária Aalagoas. Como o coco, o leite de coco, a tapioca e a farinha de mandioca.

RECEITA DO CUSCUZ DE ARROZ

INGREDIENTES

500 gramas de flocão de arroz

1 colher (sopa) de manteiga em temperatura ambiente

2 colheres (sopa) de óleo de milho

1 coco ralado

1 pitada de sal

5 colheres (sopa) de leite

2 xícaras (chá) de leite de coco

MODO DE PREPARO

Misture o flocão de arroz, a manteiga, o óleo, o coco e o sal. Junte o leite, aos poucos, até obter uma farofa bem úmida. Reserve por 30 minutos Transfira para o cuscuzeiro e cozinhe até que um garfo enfiado na massa saia limpo Regue com o leite de coco e sirva.

Rendimento aproximado: 6 a 8 porções

O cuscuz é um dos pratos mais comuns do nordeste e, o de arroz, é uma ótima opção para substituir o tradicional

SURURU DE CAPOTE

INGREDIENTES

5 kg de mexilhão com casca

1 litro de água filtrada

200 ml de vinho branco

2 ramos de tomilho e alecrim

Sal a gosto

¼ de xícara (chá) de azeite

1 cebola ralada

6 dentes de alho amassados

2 latas de tomate pelado

2 litros de leite de coco

2 xícaras (chá) de arroz branco

MODO DE PREPARO

Cozinhar os mexilhões com casca já limpos com 1 litto de água filtrada, o vinho, o tomilho, o alecrim e sal a gosto por mais ou menos 15 min. Deixar descansar por 10 min. Depois, separe os mexilhões do caldo do cozimento Em uma panela, coloque o azeite, cebola, alho e refogue Acrescente o tomate, o leite de coco, sal e deixe em fogo alto até ferver. Abaixe o fogo, deixe a panela semitampada e, após 30 a 35 min, veja se o caldo já reduziu bem (ele deve estar grosso) Conforme for fervendo e reduzindo, vá adicionando aos poucos o caldo em que foram cozidos os mexilhões. Após ter fervido bem, acrescente os mexilhões e deixe na panela em fogo baixo por mais ou menos 15 min, para poder incorporar bem os sabores. Finalize com alguns mexilhões com casca para decorar e alguns ramos de alecrim. E, para acompanhar, cozinhe arroz branco.

COCADA

INGREDIENTES

3 cocos frescos ralados

5 xícaras (de chá) de açúcar

MODO DE PREPARO

Numa panela grande, misture o açúcar, a água, o leite e o coco Leve ao fogo médio e mexa até o açúcar derreter. Depois disso, mexa até essa mistura desgrudar da panela O ponto da cocada é quando estiver desgrudando e surgindo bolinhas no fundo. Quando estiver dourada a mistura e

1 pacote de leite em pó

100 ml de água

desgrudando, leve para uma bancada de mármore, madeira ou fôrma de alumínio Espalhe e modele em formato de retângulos Esfriou, corte e sirva

Rendimento aproximado: 30 cocadas grandes

Culinária

e raízes alagoanas

A gastronomia alagoana como elemento de identificação cultural

Segundo menor estado do Brasil em área territorial (são 27 768 quilômetros quadrados, perdendo a-

penas para Sergipe, seu vizinho ao sul), não é segredo para ninguém que Alagoas se destaca pelo turismo, pelas praias e paisagens belíssimas. Porém, a gastronomia alagoana também é um dos destaques da região que, por ser localizada no litoral brasileiro, tem pratos diversificados explorando bem os recursos alimentícios próprios, como frutos-do-mar, peixes de água doce e frutas regionais

O sururu, molusco considerado Patrimônio Imaterial de Alagoas desde 2014 pelo Conselho Estadual de Cultura, é utilizado em pratos como Sururu no Capote e Sururu ao Coco. “Nós temos pratos típicos da culinária alagoana, assim como pratos típicos da culinária nordestina. Também tem em Pernambuco e em Sergipe, mas aqui, em Alagoas, nós temos uma representatividade histórica. O processo da lagoa, o que advém economicamente dessa produção e da distribuição desse insumo, que também tem uma forte influência na alimentação e na gastronomia local Então, eu penso o sururu como um desses elementos que identificam a nossa gastronomia local”, fala a gastróloga e antropóloga Isabela Barbosa.

Siri mole ao coco, peixada, camarãozada, pituzada, arrumadinho de feijão, chiclete de

camarão, pirão, buchada de bode, tapioca, arroz doce, canjica, pamonha, cuscuz, pudim de tapioca, bolo de rolo, de macaxeira e de milho, cocada de forno, paçoca de amendoim, pé de moleque, bolinhos de goma de Maragogi e umbuzada sertaneja. Essa relação de pratos típicos ou bastante comuns do nosso estado bem que poderia ser letra de uma embolada, ou coco-deimproviso Mas são apenas outros exemplos que demonstram a riqueza de sabores, aromas e temperos da nossa cozinha, sendo motivo de orgulho para quem vive em terras alagoanas e de encanto para quem passa pela região.

Portanto, você já parou para pensar na importância que a culinária tem na vida dos alagoanos? Na gastronomia, funciona como um elemento de reconhecimento da identidade cultural de um povo. Especialmente na gastronomia como um elemento de identificação cultural nossa. Qual seria, então, a ligação que os alagoanos têm com a culinária do nosso estado?

A CULTURA DE UM POVO

PASSA POR SUA CULINÁRIA

As crenças, os hábitos, as formas de vestir, de pensar, agir e falar, tudo o que é passado, adquirido, aprendido, vivido e compartilhado entre as pessoas formam uma cultura A identidade cultural é um conjunto de elementos que permeia um grupo ou povo e cria ligações, sentimento de pertencimento, de reconhecimento de identidade e identificações entre indivíduos.

Assim como a língua, a religiosidade, as vestimentas, as artes plásticas e a música, a culinária também é um elemento importante que forma essa identidade. Ou seja, a cultura de um povo também passa por sua culinária, que forma e desenvolve características de um grupo por meio de suas tradições gastronômicas, de seus hábitos e seus modos alimentares.

COMIDA COMO LINGUAGEM

“Eu gosto muito de lembrar do Lévi-Strauss [Claude Lévi-Strauss], antropólogo francês, que dizia que a comida é uma linguagem e é a linguagem que comunica, que faz comunicar, entre povos de culturas diferentes. Então, os modos de servir, os modos de comer, os modos de fazer também ditam a nossa identidade cultural e identificam muito a nossa qualidade, digamos assim Não no sentido do que é bom, mas especialmente no sentido de entendimento de pessoa, de comunidade, de identificação geral”, diz Isabela Barbosa

No Brasil, a culinária sofreu influências dos indígenas, dos negros e dos europeus e o Nordeste, região que possui uma das culinárias mais ricas do país e tem uma mistura de hábitos alimentares dos portugueses, dos indígenas e dos africanos

Isabela Barbosa pesquisa a relação dos alimentos consumidos na Serra da Barriga, região do histórico Quilombo dos Palmares e onde hoje abriga o município de União dos Palmares, na zona da mata

Em Alagoas, a culinária que é bem similar a outras culinárias da Região Nordeste sofreu não só influências portuguesas, africanas e indígenas, mas também de outros povos “Nós temos a influência dos holandeses, dos ingleses e franceses muito pouco. Mas nós temos essa influência num contexto muito mais amplo e massivamente, digamos assim, de uma culinária portuguesa, indígena e africana”, atesta Isabela.

Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Isabela pesquisou, no mestrado e no doutorado, a relação da comida afro-indígena e afro-quilombola da Serra da Barriga, símbolo da resistência negra brasileira onde abrigou o Quilombo dos Palmares, o maior quilombo do país no período colonial, na época localizado no território da Capitania de Pernambuco e onde hoje se situa o município de União dos Palmares, na zona da mata alagoana. Ela tomou como objeto de estudo o restaurante da Mãe Neide, o Restaurante Baobá, com o contexto turístico em Alagoas e também com o processo de reconhecimento da identidade gastronômica em Alagoas.

A gastróloga questiona a falta de reconhecimento da culinária afro-indígena e quilombola como símbolo da culinária alagoana. “Eu penso que o que falta de reconhecimento da nossa gastronomia como elemento simbólico, como simbolismo da nossa gastronomia local, é reconhecer que a comida afro-indígena e a comida quilombola são a nossa gastronomia, a nossa

tidade gastronômica”, acredita. E por que o alagoano tem uma dificuldade tão grande de reconhecer isso? Na opinião de Isabela, em função do racismo gastronômico, o racismo culinário, “entendendo que essa gastronomia quilombola e afro-indígena do nosso território alagoano tem também uma forte influência do processo de ancestralidade religioso, que advém também da comida votiva, a cozinha do sagrado, a cozinha afro-religiosa”, complementa.

Nessa discussão, o turismo também teria relação com a culinária local. “O turismo em Alagoas se faz e se reafirma muito pela busca de um turismo gastronômico, então não é à toa os restaurantes estão pipocando por aí, aparecendo de diversas formas, diversos tipos e identidades, especialmente nos litorais do nosso estado Quando as pessoas são questionadas, elas buscam a gastronomia Então, de fato, a nossa comida e o nosso tempero interessam às pessoas que vêm visitar o nosso estado”, afirma Isabela.

uma questão de relações, hábitos e memórias ao redor da mesa Comensalidade:

Elemento cultural, a comida tem função agregadora, estabelecendo vínculos de sociabilidade

Além de ter o poder de impulsionar o turismo, a gastronomia, com seus ingredientes, pratos, técnicas, temperos, aromas e sabores, faz parte de histórias, momentos memorizados e lembranças afetivas. Através da preparação e partilha da comida, por exemplo, pessoas e comunidades fortalecem laços e reforçam o sentido de pertencimento Natural de Alagoas, Maria Eduarda da Silva viveu 19 anos de sua vida em São Luís do Quitunde, cidade do interior do estado. Em 2020, ela precisou se mudar com seus pais, também naturais de Alagoas, para Bom Jesus, em Goiás, na Região Centro-Oeste do país.

Nos meses iniciais após a sua mudança, Eduarda conta que, além de ter sido difícil lidar com o processo de transferência, foi difícil lidar com a diferença na culinária, costumes e sabores No início, provar alguma comida da nova cidade era estranho

“É SÓ EU FALAR QUE SOU DE UM LUGAR QUE AS PESSOAS RELACIONAM O LUGAR À COMIDA"
MARIA EDUARDA DA SILVA ALAGOANA QUE HOJE VIVE EM GOIÁS

porque o preparo e os temperos eram diferentes, mudando o gosto da comida.

Duda, como é chamada pelos amigos e familiares, diz que, enquanto em Alagoas tem-se o costume de comer alimentos da terra no jantar, em Bom Jesus, as pessoas têm costume de jantar os mesmos alimentos e pratos que almoçam. “Eles têm uma forma diferente de jantar A gente janta macaxeira, inhame, batata, banana, cuscuz. Já eles gostam de comer arroz, feijão, carne, salada, macarrão É mais difícil quando a gente vai para a casa de uma pessoa daqui de Goiás.

M

Maria Eduarda da Silva, que mora em Goiás, diz ser uma alagoana orgulhosa e apaixonada por sua cultura

Eduarda também conta que a sua forma de manter contato com a culinária alagoana é através de um pequeno comércio recémaberto de um alagoano que mora na cidade e vende alguns itens que ela só encontraria aqui no estado. Além disso, outra forma de manter o contato é através de seus pais, que vêm para Alagoas visitar outros familiares e levam “uma feira”, como ela costuma dizer, que recebe até a ajuda de amigos “Eles mandam comidas que eu amo e sinto muita saudade de comer porque aqui não tem pão doce, brasileira de coco e sequilho”, afirma.

Duda fala sobre comidas do estado que despertam nela memórias afetivas, boas e carinhosas, como o camarão, alimento que, quando criança, via sua mãe preparando e cozinhando em momentos de bate-papos e risadas na cozinha de casa O pão doce, que ela diz adorar, também a lembra da época em que o pão fazia parte do seu café da manhã antes de sair de casa para ir à escola estudar e encontrar colegas e amigos. “A alimentação, a gastronomia, o costume alimentar, tudo isso se pauta muito nesse contexto de salvaguarda da memória, no processo da comensalidade. O que é um comensal? A pessoa que come. No entanto, a comensalidade é justamente a partilha do a-

limento”, argumenta a gastróloga e antropóloga Isabela Barbosa. Ela toma como exemplo dessa comensalidade - que significa justamente conviver à mesa e envolve não apenas o que se come e o padrão alimentar, mas também como se come - reunir-se ao redor da mesa. “Num domingo em que a minha ‘vó’ está preparando um pirão no fogão de lenha, e eu que sou a terceira geração da família, aprender a preparar aquele pirão observando o processo junto com minha ‘vó’ e a família faz parte da comensalidade. Assim como, enquanto observa esse preparo, ouvir outras histórias sobre a própria vida da gente, a nossa ancestralidade como um todo e, consequentemente, passar a receita adiante dentro de todo esse contexto de histórias e memórias", explica Isabela Barbosa.

Eduarda reconhece que a culinária alagoana é um elemento de sua identidade cultural “Às vezes, eu saio e falo do cuscuz, falo da farinha de mandioca ou, por exemplo, quando falo do Nordeste, que sou alagoana, as pessoas rapidamente falam: ‘Ah, então gosta do cuscuz’ ou ‘Ah, então gosta da farinha’. É só eu falar que sou de um lugar que as pessoas logo relacionam o lugar à comida”, diz, orgulhosa de suas raízes (EA)

minha cerveja Maceió,

Pelos mares das cervejas artesanais alagoanas

Se você é daqueles que acredita que a vida é muito curta para não saborear uma boa cerveja, então saiba que a cidade de Maceió é o lugar certo! Prepare-se para embarcar em uma viagem pelo universo das cervejas artesanais que nasceram no berço da capital alagoana, além de conhecer a história dos criadores, as receitas e harmonizações cervejeiras, quais sabores e aromas que cada uma pode proporcionar. Nossa Alagoas é um dos principais polos de produção cervejeira do Nordeste e conta com mais de 100 rótulos do produto disponíveis no mercado.

A equipe Fora da Caixa foi às ruas da capital alagoana, conhecida pelas piscinas naturais e o azul do mar de cor único, para conhecer os bares que produzem sua própria cerveja. Para além da terra “minha sereia”, como Maceió ficou conhecida nacionalmente através da música de Carlos Moura, a capital alagoana conta com sua própria cerveja. Ou suas próprias cervejas. Foi classificada em 2023 como a segunda metrópole que mais consome cerveja no Brasil, de acordo com o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool, o Cisa, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) voltada à produção de dados científicos, com apoio da sociedade civil organizada, universidades e empresas do setor cervejeiro.

Embora os dados apontem locais de consumo acima da média, beirando excessivo, nossa intenção nesta reportagem não é fazer alusão à ingestão de cerveja por si só, e sim falar dos aspectos positivos que envolvem esse hábito e enveredar, de maneira “fora da caixa”, pela relação desse tipo de álcool com a gastronomia de um povo. Sim, gente, cerveja também é alimento! Segundo o Cisa, as motivações para beber, em geral, são diversas e positivas entre os públicos. Os termos mais citados associados ao consumo de álcool apontam para situações favoráveis, como socialização, amizade, companhia, diversão, animação, prazer, festa, comemoração, lazer, relaxamento e degustação, informa a entidade. De todos, socializar talvez seja o mais comum, ligado à busca por alegria e felicidade, bem como sensação de liberdade e descontração.

Em termos de cerveja artesanal alagoana, ela tem um sabor único da cultura local, produzida por cervejarias independentes da região, com inúmeras variações de sabores, que conseguem atingir os mais diversos estilos, consumidores e personalidades. Com o crescimento desse mercado, as cervejarias de Alagoas estão cada vez mais ganhando reconhecimento, já que sua qualidade e sua originalidade são incomparáveis

A CADA GOLE UMA HISTÓRIA: ORIGEM DO TAPANACÊ

Pedro Maciel, mais conhecido como Pedrinho, é engenheiro químico e dono do bar Tapanacê, que fica na Avenida Antônio Gomes de Barros (a antiga Amélia Rosa), na Jatiúca, bairro da orla de Maceió situado na

Pedro Maciel, proprietário do bar Tapanacê e da Mingula Cervejaria, começou a produzir cerveja em casa junto com esposa e amigo antes de abrir o próprio negócio

parte baixa da cidade. Pedrinho já está há seis anos no mercado cervejeiro com a Mingula, uma cervejaria artesanal fundada em 2014 que produz cervejas de qualidade com ingredientes locais, como frutas tropicais e mel de engenho, refletindo a cultura nordestina A Mingula Cervejaria ficou conhecida por sua variedade de estilos, contribuindo para a cena cervejeira local e nacional Ele conta que começou a fazer a própria cerveja no panelão, na cozinha de casa, com ajuda da esposa e de um amigo que conheceu na faculdade e atu-

al sócio do bar. Eles começaram a produzir inicialmente para consumo próprio. No entanto, o negócio foi crescendo e iniciaram as vendas com um tanque de 500 litros.

“A gente começou fazendo uma e outra e aí, depois que você entra no mercado, vicia, você não quer mais parar, até comprarmos um bar e termos o nosso próprio lugar. Hoje temos um galpão com mais de seis mil litros. Uma parte é feita aqui, outra em um local na Rua Comendador Leão, no Jaraguá [bairro histórico da cidade situado próximo à Jatiúca]. Ou seja, a brincadeira começou em casa com uma panela e depois virou coisa séria”, afirma Pedro. Segundo ele, em termos de combinação, existe uma trilha, mas não existe um trilho. “Cerveja combina com tudo! E todas elas combinam com uma variedade de pratos, variando muito de cada paladar”, atesta.

IRMANDADE DA HOP BROS

De início, antes mesmo de entrar para o mundo das cervejas artesanais, a Hop Bros Cervejaria Artesanal poderia ter seguido um rumo diferente Ela começou em 2014, quando um grupo de amigos decidiu montar algo juntos A ideia inicial era que fosse uma pizzaria, mas aí pensaram bem e decidiram que o ideal seria a fabricação de cerveja O grupo decidiu fundar, então, a Hop Bros. Os dois termos que vêm do inglês: “hop” significa lúpulo e “bros”, irmandade. Juntos, ambos querem dizer, numa tradução literal, a irmandade do lúpulo ou da cerveja Hoje, a empresa fornece para todo o Brasil, mas o mercado local é o mais forte Mais de 50% da sua produção abastece Maceió.

CONSUMIR CERVEJA

ARTESANAL ALAGOANA NÃO

APENAS OFERECE UM SABOR ÚNICO DO ESTADO, COMO

TAMBÉM APOIA A ECONOMIA

LOCAL E PROMOVE A IDENTIDADE DA REGIÃO

Para quem não sabe, é possível realizar um tour pela fábrica da Hop Bros. Localizada na Rua Sá e Albuquerque, nº 191, no Jaraguá, ela oferece uma visita guiada em que se consegue ver de perto todo o processo da produção da cerveja artesanal e todas as histórias por trás de cada rótulo e cada etapa detalhada do processo de fabricação, desde a seleção dos ingredientes até o envase final Durante o tour, os visitantes têm ainda a chance de ver de perto os equipamentos utilizados na produção, como os tanques de fermentação, os sistemas de resfriamento e aprender sobre as técnicas da equipe para garantir a qualidade e consistência das suas cervejas.

Ao final, os visitantes são convidados a visitar a loja da cervejaria, onde podem adquirir cervejas frescas e outros produtos relacionados à marca para levar para casa como lembrança da experiência Há um grande enfoque sobre a história da cervejaria, valores, compromissos com a sustentabilidade e a comunidade local

Mais premiada no Nordeste, a Hop Bros também fica no TOP 10 das melhores cervejarias artesanais do Brasil. Em 2022, concorreu e ganhou medalha de Prata no concurso de cervejas na América Latina. Consumir cerveja artesanal alagoana não apenas oferece um sabor único, mas também apoia a economia local e promove a identidade cultural da região. Enquanto no sul do Brasil a cultura cervejeira artesanal é amplamente valorizada e consumida, aqui no Nordeste ainda há um potencial a ser explorado Em Maceió, as artesanais só atingem 5% do mercado. Pelo vista, há muita cerveja para valorizar!

Tanques de fermentação da cerveja artesanal Hop Bros

POVO FALA

O que maceioenses falam das razões sobre consumir de cervejas artesanais alagoanas

IGOR SOUZA

“A cerveja é a companheira que faz os momentos especiais ficarem ainda melhores. Ela sempre marca momentos de muita emo-

“Bebo cerveja geralmente quando estou entre amigos ou para comemorar algo na minha vida Eu sou uma pessoa que gosto de conhecer sabores diferentes, então gosto de arriscar nas artesanais. Não gosto muito das amargas prefiro as refrescantes como a

ção, seja para se reunir com os amigos ou chorar no bar. É como uma companheira de todas as horas de um bom brasileiro”

Igor Souza, representante de negócios cervejeiro, marca momentos de muita emoção com cerveja

MILENA RIBEIRO

“As cervejas artesanais alagoanas são incríveis, gosto das mais refrescantes. Apesar de não ter muita seletividade quando se trata dos sabores. Minha recomendação é aquela que mais agrada ao paladar! Seja pilsen, ipa ou cervejas com estilos mais inovadores”.

BRUNO SOUZA

“Eu tenho uma queda maior pelas cervejas IPAs (India Pale Ales), por causa de suas notas frutadas Isso me faz lembrar muito da nossa região Mas também adoro uma boa cerveja stout, com seu sabor encorpado de café e chocolate No final das contas, o que mais me atrai nas cervejas artesanais alagoanas é a diversidade e a oportunidade constante de descobrir novos sabores Isso é muito bom!”

Bruno Souza, técnico de segurança, prefere as cervejas mais refrescantes
Consultora de relacionamento bancário, Milena Ribeiro prefere as IPAs

Existe regra para harmonizar comida com cerveja?

Em relação à gastronomia alagoana, quando se trata de harmonização, você sabe quais são os pratos que caem bem com uma boa cerveja? Existe alguma regra específica para combinar comida com esse tipo de álcool?

CERVEJAS LEVES

Os bares tentam sempre harmonizar pratos para cada tipo de bebida E quando se trata de cerveja, não é diferente Pensando nisso, a Fora da Caixa resolveu destrinchar alguns exemplos para mostrar o panorama atual Vamos lá!

CERVEJAS AMARGAS (IPA)

eor alcoólico mais apurado, pedindo um de queijos com sabores fortes, carnes lhas em churrasco ou prato mais ntado, pois quanto mais álcool, mais ele ifica o picante da comida.

(PILSEN E LAGER)

É o par perfeito para quem ama uma peixada à beira do mar, caldinho de sururu, frutos do mar e saladas, pelo sabor suave, ser maltada e ter lúpulo discreto.

CERVEJAS MALTADAS E CARAMELIZADAS (STOUT)

Cerveja mais adocicada, a stout combina muito com finais de festas, já que seu sabor lembra uma ”sobremesa”.

F

MOLHO DE CERVEJA

PARA CARNE GRELHADA

INGREDIENTES:

1 cebola média picada

2 dentes de alho picados

1 colher de sopa de manteiga

1 lata de cerveja (preferencialmente

uma Lager ou Pilsen)

1 xícara de caldo de carne

1 colher de sopa de farinha de trigo

Sal e pimenta a gosto

MODO DE PREPARO

Em uma panela, derreta a manteiga em fogo médio. Adicione a cebola picada e o alho picado e refogue até ficarem dourados e macios Em seguida, adicione a farinha de trigo e mexa bem, deixando cozinhar por cerca de 1 minuto Despeje a cerveja na panela, mexendo para evitar grumos da farinha. Adicione o caldo de carne e continue mexendo até o molho começar a engrossar. Deixe o molho cozinhando em fogo baixo por mais alguns minutos até atingir a consistência desejada Tempere com sal e pimenta a gosto. Retire do fogo e sirva o molho sobre a carne grelhada.

Como não há regras definidas, trazemos apenas indicações. Harmonize a cerveja alagoana com o que você gosta Seja com aquele arrumadinho de charque, um caldinho de sururu ou uma porção do famoso chicletinho de camarão, tudo (ou quase tudo) vale a pena ser experimentado, ainda mais quando se trata das artesanais.

TRANSCEDENDO A TRADIÇÃO TRANSCEDENDO A TRADIÇÃO

Sabores afetivos de Alagoas que tocam o coração das gerações

Por Letícia Rabêlo, Leide Campos, Glendha Melissa e Rebecca Moura

FORA DA CAIXA

Nas mesas alagoanas, além dos pratos que são tradicionalmente conhecidos, alguns outros sabores conquistam os paladares locais É o caso do Caldinho de Capela, um petisco considerado um patrimônio gastronômico de Alagoas. Bastante apreciado no Brasil, o caldinho é uma refeição tradicional da culinária indo-portuguesa, originária de Goa, Damão e Diu, regiões que faziam parte do antigo Estado Português da Índia

Em Capela, cidade pacata banhada pelo Rio Paraíba e situada a 60,8 quilômetros da capital maceioense, o caldinho se ergue como um símbolo do sabor e dos costumes da região. Prestes a completar 50 anos de história, o aperitivo é servido em um modesto boteco de arquitetura rústica, que se tornou ponto de encontro para os moradores locais e também para quem vem visitar o município.

CALDINHO DE CAPELA: UMA TRADIÇÃO RECONHECIDA

Criado por Seu Newton Bastos, o caldinho de Capela ganhou, em 2020, o título de Patrimônio Imaterial de Alagoas, em reconhecimento à sua importância para a cultura local Com opções como o sabor tradicional de galinha, o de feijão e até mesmo o misto, a iguaria atrai clientes em busca de um sabor único. O reconhecimento oficial veio por meio de um projeto de lei apresentado pelo deputado Inácio Loiola (PDT), após o boteco de Seu Newton se transformar em um ícone gastronômico de Capela, fazendo jus ao destaque e proteção autoral da receita.

O segredo do caldinho tomou vida, inicialmente, em quantidades modestas, como forma de atrativo e um ponto de encontro na cidade. Em entrevista ao G1 em 2021, Seu Newton contou que “queria fazer uma coisa diferente, algo que as outras pessoas não tinham feito, aí surgiu a ideia de fazer o caldinho sabor de galinha E foi sucesso”, relembrou. Incentivando o empreendedorismo local e fazendo parte do roteiro turístico de Capela, o caldinho do Seu Newton ganhou uma filial em Atalaia, um município vizinho, localizado a cerca de 20 quilômetros da cidade. E, segundo os frequentadores, a filial mantém todo o sabor e a pontualidade da matriz.

Antônio de Pádua Bastos, ou simplesmente Tonho, como é conhecido, é o responsável por manter viva essa tradição em Atalaia Filho de Newton, Tonho carrega consigo não apenas os ingredientes da receita, mas também o compromisso de preservar a história de sua família. Os sabores oferecidos também são os mesmos: feijão, galinha e misto, uma combinação que agrada a clientela tanto em Capela quanto em Atalaia. Com funcionamento de segunda a sexta, a família Bastos mantém a tradição viva, firme e forte, sendo passada de geração em geração.Em um estado tão rico em cultura gastronômica como Alagoas, encontramos na cidade de Viçosa, situada a aproximadamente 25 quilômetros de Capela e 86 quilômetros de Maceió, Paula Santos, uma figura que também guarda consigo os sabores da região Assim como tantos outros, Paula cultiva sua própria versão de caldinhos, mas em Viçosa, uma cidade que compartilha das influências culturais e culinárias da região litorânea de Alagoas.

Na praia, os caldinhos são mais consumidos, principalmente no verão Que o diga a vendedora Paula Santos, famosa pelo seu Caldinho de Viçosa

CALDINHO DE VIÇOSA: SABOR QUE

AQUECE O CORAÇÃO ALAGOANO

Com 59 anos, ela, que é nascida e criada no município alagoano, carrega até Maceió a receita do Caldinho de Viçosa É que Paula trabalha diariamente como ambulante, produzindo e vendendo caldinhos na praia, levando sua receita para os clientes, tanto os locais quanto os turistas que passam pela cidade

Os ingredientes do Caldinho de Viçosa são simples e refletem os sabores locais da região, mas também tem um toque especial Feijão verde, carne de charque, bacon, linguiça calabresa, cebola, alho, tomate, sururu, camarão, frango, pimentão e temperos regionais são combinados para criar esse petisco saboroso. A primeira vez que fez a receita foi um momento marcante, lembra Dona Paula. “Desde então, tenho dedicado tempo a preservar essa tradição culinária, que também faz parte da identidade de Viçosa”, comenta.

As origens do caldinho também se conectam com a capital Maceió e expõem as tradições culinárias dos pescadores locais, que aproveitavam os frutos do mar frescos disponíveis na região Combinando também ingredientes simples como peixe, camarão, e temperos regionais, esse caldo se tornou um símbolo local para o estado e no paladar de cada cliente satisfeito.

CALDINHO É SERVIDO

Para Dona Paula, utilizar ingredientes locais é fundamental. “Sempre busco utilizar os produtos da própria região”, afirma Além do incentivo ao comércio local, é financeiramente mais vantajoso “Um dos segredos é a qualidade dos ingredientes e ajudar quem é daqui”, enfatiza. Uma vez pronto, o caldinho é servido bem quente, acompanhado de ovo de codorna e outras opções de adicionais, a depender do gosto da clientela.

Quando questionada sobre a expectativa ao servir seu caldinho pela primeira vez, a vendedora expressa o desejo sincero de que as pessoas se sintam acolhidas e satisfeitas com a qualidade do seu produto Que apenas apreciem o sabor reconfortante que o caldinho oferece e se sintam abraçadas por uma refeição caseira e quentinha, principalmente para os dias frios, sendo uma ótima opção para se manter aquecido e nutrido com ingredientes saudáveis. (GM)

Utilizar ingredientes locais é fundamental para incentivar o comércio local e ser financeiramente mais vantajoso

ENTREVISTA: Maria Cícera da Silva

Amor pela culinária

Cozinheira revela paixão pelo preparo e sabores de Alagoas no risoto de frutos do mar

Ao provar o risoto da maceioense

Maria Cícera da Silva, é possível sentir não somente o sabor dos in-

gredientes, mas também a paixão que ela coloca em cada preparo. É uma experiência gastronômica que vai além do paladar: é o prazer de compartilhar momentos especiais ao redor da mesa. Ao adentrar a casa de Maria Cícera, somos imediatamente envolvidos por uma atmosfera de aromas tentadores e calorosas lembranças. Nesta entrevista exclusiva à Revista Fora da Caixa, Maria compartilha conosco as origens de sua paixão pela culinária, enraizada desde os primeiros anos de sua vida. É uma jornada marcada pela admiração pelas mulheres de sua família, que hábil e amorosamente preparavam refeições que encantavam seus sentidos Essa fascinação infantil evoluiu ao longo dos anos, transformando-se em fonte

de profunda satisfação pessoal, quando Maria finalmente teve a oportunidade de expressar sua criatividade na cozinha. Entre os pratos que a inspiraram, destaca-se o risoto, cuja complexidade e sabor único sempre a fascinaram. Ao entrar no mundo da culinária profissional, Maria percebeu a oportunidade de dar sua própria interpretação a essa receita clássica, resultando em uma versão de risoto de frufrutos do mar que reflete não apenas sua habilidade culinária, mas também sua conexão com ingredientes locais que ressaltam a autenticidade de seus pratos “Quero inspirar as pessoas a experimentarem novos sabores e a se aventurarem na cozinha. Se eu puder fazer alguém sorrir com uma simples refeição, então considero que cumpri meu propósito”, afirma Maria Cícera, que tem 60 anos e é cozinheira há 33.

REVISTA FORA DA CAIXA - Qual é o segredo para se fazer um risoto perfeito?

MARIA CÍCERA DA SILVA - O segredo está na escolha dos ingredientes e na paciência durante o preparo do risoto. É importante utilizar frutos do mar frescos e de qualidade Também é fundamental cuidar para não sobrecarregar o risoto com muitos ingredientes, o que pode torná-lo pesado. Além disso, o ponto de cozimento do arroz é fundamental. Ele deve ficar cremoso, mas ainda al dente, para garantir a textura perfeita

RFC - Como a culinária de Alagoas influencia a abordagem da senhora na criação de novos pratos, especialmente o risoto de frutos do mar?

MCS - A culinária de Alagoas tem um papel fundamental na minha abordagem culinária, pois é uma parte integral da minha identidade e das minhas raízes culturais Utilizo ingredientes locais não apenas por sua qualidade, mas também para honrar a tradição e a autenticidade da culinária alagoana Essa conexão se reflete na forma como crio e reinvento pratos, como o risoto de frutos do mar, em que busco capturar os sabores genuínos da minha região

RFC - Qual é o seu maior desejo em relação à sua culinária?

MCS - Meu maior desejo é continuar compartilhando o meu amor pela culinária. Quero inspirar as pessoas a experimentarem novos sabores e a se aventurarem na cozinha, valorizando a nossa cultura e as nossas origens alagoanas e nordestinas. Se eu puder fazer alguém sorrir com uma simples refeição que preparar ou ajudar alguém a aprender a preparar um prato, então considero que terei cumprido com o meu propósito (LR)

Detalhe do risoto de frutos do mar de Dona Cícera

Por trás do prazer

gastronômico

Quais os benefícios nutricionais de pratos preparados com frutos do mar

Embora dados específicos sobre o risoto de frutos do mar sejam limitados, os benefícios dos crustá-

ceos e moluscos e da dieta mediterrânea são notáveis, conforme destacado pelo portal de conteúdos sobre saúde, nutrição e bem-estar da Nestlé, o QbemQfaz, que visa auxiliar as pessoas em sua jornada por uma vida mais equilibrada, desmistificando a alimentação saudável.

Os pratos com frutos do mar - que incluem os pescados na combinação - oferecem proteínas de alta qualidade, como salmão, atum e camarão, ricos em ácidos graxos ômega-3, benéficos para a saúde cardiovascular. Além disso, são fontes naturais de vitaminas e minerais essenciais, como vitaminas do complexo B, vitamina D, selênio e iodo, promovendo a saúde óssea e imunológica e contribuindo para a função da tireoide.

Os frutos do mar têm baixo teor de gordura saturada em comparação com outras fontes de proteína animal, como carnes vermelhas. Por isso, torna-se uma escolha saudável para a saúde do coração, dizem os especialistas Os mariscos e moluscos também contêm antioxidantes, como camarões e mexilhões, que combatem os radicais livres, promovendo a saúde geral e prevenindo doenças.

Associado à dieta mediterrânea, o risoto de frutos do mar pode ajudar a reduzir o risco de doenças cardíacas, acidente vascular cerebral, diabetes tipo 2 e alguns tipos de câncer Embora não haja dados específicos sobre o risoto de frutos do mar, esses benefícios ressaltam a importância dos frutos do mar na alimentação e a inclusão de pratos como o risoto de frutos do mar em uma dieta equilibrada, promovendo um estilo de vida saudável e nutritivo. (RM)

CAPA CULINÁRIA

Quer uma maneira incrível de celebrar os sabores do mar?

O Risoto de Frutos do Mar é a resposta perfeita!

RISOTO DE FRUTOS DO MAR DA MARIA CÍCERA

INGREDIENTES:

2 xícaras de arroz arbóreo

500g de camarão limpo

500g de polvo cozido e cortado em pedaços

500g de lula cortada em anéis

1 peito de frango em cubos fritos

200g de lombinho de porco em cubos fritos

1 cebola grande picada

3 dentes de alho picados

2 tomates maduros picados

1 pimentão vermelho cortado em tiras

1 pimentão amarelo cortado em tiras

1/2 xícara de ervilhas frescas

Coentro fresco picado a gosto

Suco de limão

Sal e pimenta-do-reino a gosto

Azeite de oliva extra virgem

Caldo de peixe (ou caldo de legumes) quente o suficiente para cobrir o arroz

CAPA CULINÁRIA

MODO DE PREPARO

Os camarões são delicadamente limpos, o polvo cozido é cortado em pedaços e a lula, transformada em anéis tenros. Enquanto isso, a panela recebe o calor do fogão e o aroma do azeite de oliva se mistura com a cebola picada e o alho. Os tomates frescos são adicionados, liberando seus sucos adocicados e os pimentões vermelho e amarelo se juntam à panela. O arroz arbóreo, escolhido com carinho, é incorporado à mistura, absorvendo todos os sabores que o rodeiam.

Mas o segredo está no caldo de peixe. À medida que o risoto cozinha lentamente, os frutos do mar são introduzidos com cuidado, camada por camada, criando texturas e sabores Enquanto o risoto borbulha suavemente

no fogo, não se pode esquecer dos detalhes finais: uma pitada de sal e pimenta-do-reino, um toque de coentro fresco picado e um generoso respingo de suco de limão para realçar os sabores Quando finalmente servido, o Risoto de Frutos do Mar da Maria é um convite através das águas e tradições afetivas da cozinha alagoana.

O Risoto de Frutos do Mar de Maria Cícera não é apenas uma delícia culinária, mas também uma celebração dos sabores e tradições da cozinha alagoana. Combinando técnica, afeto e uma compreensão profunda dos benefícios nutricionais dos frutos do mar, Maria proporciona uma experiência gastronômica inesquecível, repleta de sabores, emoções e nutrição.

Lula, camarão e caldo de peixe, os principais ingredientes para o risoto de frutos do mar da Maria Cícera

Laços afetivos com o

doce de mamão

Como o costume de preparar sobremesas à base de frutas tropicais e açúcar constituiu a nossa culinária familiar

A80 quilômetros de distância de Maceió de onde a cozinheira Maria Cícera da Silva prepara o seu risoto

de frutos do mar, conhecemos Edileuza Marcelino, de 63 anos, moradora de São José da Laje, município localizado na Zona da Mata alagoana Ela guarda em sua cozinha não apenas uma receita, mas memórias preciosas e laços afetivos: o doce de mamão Maria Cícera e Edileuza têm algo em comum: usam receitas preparadas, há anos, como uma forma de reunir aqueles que amam.

São José da Laje é um dos principais municípios produtores de mamão em Alagoas A Produção Agrícola Municipal de 2020, pesquisa produzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que o município produz 175 toneladas de mamão por ano. Dessa forma, o doce de mamão ganha destaque não somente pelo sabor, mas também pela abundância na região

Além de ser uma terra repleta de afeto e história, o progresso da culinária do município de São José da Laje se deu pela fertilidade de suas terras e devido ao grande número de rios e riachos. Com grande produção de cana-de-açúcar, o comércio ficou movimentado, importando e exportando diversos produtos ligados às pri-

meiras expedições comerciais feitas entre Porto Calvo, Porto de Pedras e outros municípios situados no litoral norte do estado.

Esse impacto gastronômico que o município carrega ocasionou na singela receita do doce de mamão. Considerada por Edileuza como uma culinária familiar, a receita se transforma em um ponto focal para encontros familiares e momentos especiais, revelando o poder da gastronomia como um

São João da Lage produz 175 toneladas/ano de mamão

meio de fortalecer relações e preservar tradições.

Apesar de ter surgido como herança dos colonizadores portugueses, em Alagoas, o costume de fazer doces ganhou impulso devido à fartura das frutas tropicais e do açúcar abundante nos engenhos Essa fartura contribuiu para criações de iguarias que hoje são consideradas patrimônio histórico, como o Doce de Caju de Ipioca, registrado como Patrimônio Cultural

Imaterial de Alagoas e comumente comercializado nas margens da rodovia AL101 Norte, perto da cidade

Já o doce de mamão de Edileuza ainda não ganhou esse destaque, mas remete à tradição alagoana de produzir doces com frutas Tradição nordestina trazida da Europa para o Brasil e adaptada à realidade brasileira de “saber-fazer” doces passada de geração em geração que se incorpora aos costumes e à história de um povo.

Mas entre tantas frutas, por que Edileuza e sua família escolheram o mamão para criar laços entre as gerações? Além do sabor, a resposta está nos benefícios. É que essa fruta descoberta no México e em regiões da América Central apresenta polpa delicada e saborosa, cujas características sensoriais, textura, cor, aroma, propriedades químicas

ALÉM DO TRAÇO AFETIVO, O DOCE DE MAMÃO SIGNIFICA

PARA DONA EDILEUZA UMA CONEXÃO COM AS SUAS RAÍZES FAMILIARES

e digestivas tornam-lhe um alimento ideal e saudável para pessoas de todas as idades. De maneira geral, o mamão é consumido in natura, mas a industrialização permite o aproveitamento integral do fruto e a oferta de extensa gama de subprodutos. Rico em vitaminas A, C e E e em minerais como cálcio, ferro e potássio, o mamão auxilia na digestão e fortalece o sistema imunológico.

TRADIÇÃO PASSADA DE GERAÇÕES

Ao abordar Edileuza sobre a origem dessa tradição de produzir o doce de mamão em sua família, somos transportados para um passado onde os aromas da cozinha se misturavam com risadas e histórias compartilhadas ao redor do fogão. Ela conta que a tradição de fazer doce de mamão em sua família vem de sua avó materna, uma cozinheira de mão cheia. “Desde aquela época, na nossa família, fazer doce de mamão era mais do que uma simples receita. Era uma maneira dela demonstrar seu amor e cuidado com os netos, mesmo com os poucos recursos que tínhamos”, lembra Cada etapa do processo é permeada com atenção e dedicação, evocando memórias de infância e as lições transmitidas por sua avó Para Edileuza, o doce de mamão representa uma conexão com suas raízes e a rica tradição culinária alagoana de produzir doces com frutas.

“Ah, que céu!/Mamão com mel/E eu nem preciso asas pra voar/Melhor é bem difícil de sonhar” Esse trecho da canção “Mamão com Mel”, do compositor Gonzaguinha, lançada em 1985 no álbum “Olho de LinceTrabalho de Parto”, representa um pouco do principal sentimento de Edileuza ao fazer sua receita: um sonho em cada colherada do doce de mamão. E ao mesmo tempo uma metáfora do amor através do doce, que também pode ser encarada como um sentimento romântico.

A importância para Dona Edileuza de compartilhar essa receita com seus parentes e amigos é a busca de manter viva uma parte

da sua história familiar. É uma forma de transmitir os valores e as tradições, além de unir as pessoas queridas ao redor da mesa para compartilharem momentos de descontração e criação de memórias futuras junto com parentes e amigos.

A cozinheira espera que essa tradição seja transmitida para as próximas gerações, garantindo que os filhos e netos saibam fazer o doce e compreendam o significado por trás dele e que compartilhem a tradição com suas próprias famílias. “Acredito que assim, manteremos viva nossa história e nossa identidade como família e povo alagoano”, finaliza. (LC)

Ao preparar o doce de

Dona

viva a tradição e aunião em família ao redor da mesa

mamão,
Edileuza busca manter

RECEITA DO DOCE DE MAMÃO DA EDILEUZA

INGREDIENTES:

Mamões verdes grandes

Coco fresco ralado

Açúcar

Cravo e canela em pau a gosto

MODO DE PREPARO

Doce de mamão com coco remete à tradição alagoana de produzir sobremesas com frutas, um costume nordestino trazido da Europa na época do Brasil colonial

CAPA CULINÁRIA E

A tradição cremosa de Marechal Deodoro

Primeira capital de Alagoas, Marechal Deodoro se destaca pelo saber-fazer das cocadas

Em Marechal Deodoro, a tradição culinária continua através das mãos de Léa Oliveira, uma empreendedo-

ra de 36 anos de idade, nascida e criada no município histórico de Alagoas Ela carrega consigo uma herança valiosa: a receita de Cocada Cremosa, transmitida ao longo dos anos e perpetuada pelas gerações Sua cocada é uma verdadeira obra-prima, como ela mesma costuma dizer Feita com poucos

Primeira capital de Alagoas, Marechal Deodoro se destaca pelo saber-fazer das cocadas

ingredientes, - coco fresco, açúcar, leite condensado e um toque especial de amor - a cocada derrete na boca e quem experimenta se transporta para uma época em que os sabores simples eram os mais apreciados Em Alagoas, tanto na capital como nos interiores, a cocada é um doce que nos acompanha nos dias comuns, quando buscamos um pequeno prazer para adoçar os dias É um doce que conquistou o coração

dos alagoanos e também se tornou um símbolo de nossa cultura gastronômica, transmitido de mãe para filha, de avó para neto, mantendo viva a essência de nossa cozinha tradicional Mais do que um doce, é também um negócio rentável e apreciado pelo comércio local. Uma receita acessível e que gera retorno financeiro e satisfatório para os empreendedores da região.

Um ícone culinário que reflete a identidade alagoana, as cocadas são produzidas no polo gastronômico de Marechal Deodoro e receberam o título de Patrimônio Imaterial de Alagoas, em agosto de 2021, pelo Conselho Estadual de Cultura. Localizada no estado de Alagoas, a vila de Massagueira, onde o doce é vendido, tem um sabor que transcende o tempo, conectando os habitantes locais com suas raízes e tradições e fazendo parte do imaginário coletivo de quem mora e visita a região

Originárias das mãos habilidosas das mulheres de Massagueira, como Léa, as cocadas são um exemplo vivo da riqueza cultural que permeia a região Cada fragmento desses doces leva consigo séculos de história e um profundo respeito pela terra e seus recursos naturais Enquanto o mundo moderno avança rapidamente, as cocadas do município permanecem como uma âncora, lembrando aos alagoanos de suas origens e proporcionando um vislumbre do passado em meio ao caos do presente. Como patrimônio culinário de Alagoas, esses pequenos tesouros gastronômicos não são apenas doces para o paladar, mas também uma fonte de orgulho e uma lembrança constante da riqueza cultural que define a região.

CULINÁRIA E AFETOS

CAPA
Léa Oliveira se destaca na produção de cocada pela cremosidade do seu doce de coco em Marechal Deodoro

CADA FRAGMENTO DOS DOCES ALAGOANOS CARREGA CONSIGO SÉCULOS DE HISTÓRIA E UM

RESPEITO

À TERRA

Além disso, podemos trazer a religiosidade juntamente da gastronomia presente no estado, um dos pilares fundamentais da nossa cultura local, em que festas, rituais e manifestações populares enchem as ruas de devoção e fé. Seja nas festas em homenagem aos santos padroeiros das cidades ou nas celebrações da cultura afro-brasileira, como o tradicional candomblé, é costume servir alguns pratos típicos, entre doces e outras receitas. É como na festa de São Cosme e Damião, festejada no dia 27 de setembro em homenagem aos dois santos irmãos gêmeos que viveram no século III d.C. na atual região entre os países da Síria e Turquia

Nessa festa, as pessoas oferecem doces num saquinho, alimentando e proporcionando às crianças e às pessoas um momento de alegria, trazendo a prática de religiosidade urbana como uma fonte inesgotável de inspiração e união comunitária. Portanto, ao falarmos sobre os potenciais culinários e gastronômicos de Alagoas, é imprescindível reconhecer o valor da cultura em suas mais diversas formas, e abranger também a história, a economia, o meio ambiente, a saúde, a política e a religião, enriquecendo a vida dos alagoanos e encantando aqueles que têm o privilégio de conhecer esta nossa terra cheia de tradições (LR)

Inserido no Registro do Patrimônio Cultural Imaterial, o doce de caju de Ipioca é característico do litoral alagoano e apreciado por quem passa pela rodovia AL 101 Norte A safra da fruta ocorre entre os meses de outubro e dezembro, quando os cajus são colhidos, lavados, espremidos e separados conforme o tipo de doce a ser feito O modo de fazer é artesanal, com tachos de cobre ou alumínio, colheres de pau, peneiras de palha vegetal (urupemas) e fogão a lenha

Segurança alimentar

em pauta

Como a alimentação saudável, rica em nutrientes nos alimentos presentes na nossa cozinha alagoana, contribui para a melhora da performance das pessoas

Aagricultura familiar desempenha um papel crucial na redução da insegurança alimentar das famílias

em Alagoas, sendo a base econômica de muitos municípios e permitindo que alimentos saudáveis cheguem às mesas dos mais necessitados. Os programas de incentivo do governo estadual, juntamente com seminários e iniciativas de organizações

como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), não apenas promovem a geração de renda, mas também ampliam o acesso a refeições de qualidade. Alimentos como cuscuz, macaxeira, inhame, batatas, peixes e uma variedade de frutas e legumes já fazem parte da dieta cotidiana dos alagoanos Essa diversidade proporciona nutrientes essenciais para o fortalecimento

A agricultura familiar leva comida para milhares de pessoas em Alagoas e contribui para a saúde dos estudantes
“A FORMA COMO NOS. ALIMENTAMOS NA INFÂNCIA

VAI INFLUENCIAR

TOTALMENTE, NÃO SÓ NO

DESENVOLVIMENTO FÍSICO, MAS TAMBÉM MENTAL”

FLÁVIA PATRÍCIA NUTRÓLOGA

mental e incentiva nossos estudantes a adotarem hábitos mais saudáveis, tanto dentro como fora do ambiente escolar

José Eduardo Dutra de Oliveira, médico e doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirma, em seu artigo “Educação e direito à alimentação”, que segurança alimentar e nutricional diz respeito à “coordenação e a integração dos mecanismos governamentais e particulares que garantam a produção, a disponibilidade e o consumo diário e contínuo de alimentos, em quantidade e qualidade capazes de suprir todas as necessidades e o funcionamento normal do organismo humano”. Por isso, entende-se que é também papel do Estado prover uma alimentação digna e de qualidade, inclusive dentro dos ambientes educacionais.

Anna Luna, membro do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional de Alagoas (Consea/AL), defende que a alimentação adequada e saudável, conforme previsto pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), tem uma contribuição muito importante para o aluno, sobretudo para o desenvolvimento biopsicossocial, e rendimento escolar dos es-

tudantes, tanto na educação básica quanto no ensino superior “Acredito que ainda precisamos avançar com relação às instituições de ensino superior, talvez desenvolvendo um Programa Nacional de Alimentação para esse público específico. Sabemos que existe o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), mas a sua execução, na prática, ainda se mostra bastante deficitária, pois falta uma regularização quanto à qualidade nutricional dos alimentos destinados ao corpo estudantil”, pontua.

Desde a pré-escola, as refeições feitas nas instituições de ensino brasileiras são debatidas, via de regra, por motivos que vão desde desvios de recursos à qualidade da comida oferecida, envolvendo várias questões complexas que afetam diretamente a educação e o bem-estar das crianças. De acordo com a nutróloga Patrícia Flávia, que tem como especialidade a nutrição infantil, “a forma como nos alimentamos na infância vai influenciar totalmente, não só no desenvolvimento físico, mas também mental Uma pessoa bem alimentada, é uma pessoa menos ansiosa e mais centrada”, diz. Se a alimentação impacta diretamente nas funções cerebrais, não seria diferente em relação à saúde mental, visto que estes elementos estão diretamente relacionados Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), saúde mental é um estado no qual o

indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro e contribuir com a sua comunidade. Quando, por algum motivo, o cidadão não consegue corresponder os requisitos trazidos nesse conceito, pode enfrentar dificuldades nas emoções, capacidade mental e bom funcionamento do cérebro. A estes desvios dá-se o nome de transtornos mentais e de comportamento

Segundo a Associação Americana de Psiquiatria, os transtornos mentais e de comportamento (TCM) são definidos como

marcadas pelo prejuízo na cognição e no comportamento do indivíduo, afetando habilidades como a memória, o estado emocional e até mesmo a saúde física de quem o possui

Para a nutricionista Deyse Oliveira, é preciso ter um cuidado maior no preparo das refeições, a começar pelo café da manhã Segundo ela, “o café da manhã, se consumido adequadamente, pode ajudar a melhorar o poder da saciedade e, assim, reduzir também a quantidade calórica total ingerida durante o dia, podendo limitar, em

No Restaurante Universitário da Universidade Federal de Alagoas, as refeições buscam ser diversificadas nutricionalmente, atendendo aos padrões básicos de qualidade

especial o consumo de lanches calóricos”. Deyse afirma ainda que a ausência dessa refeição pode acabar inviabilizando a elevação da glicemia, que é necessária para a realização das atividades matinais

E A CULINÁRIA ALAGOANA NESTA DISCUSSÃO DA SEGURANÇA?

Para Anna Luna, do Consea, observar as particularidades da culinária local é um dos principais pilares da alimentação adequada e saudável, mas é importante também entender como promover a agricultura familiar, responsável por levar “comida de verdade” para as mesas “É uma política multicêntrica. Alguns municípios do nosso estado aderiram ao Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), mas ainda estão engatinhando nessa política. Alagoas é o único estado da federação que nunca teve um Plano de Segurança Alimentar. Precisa ser a nossa meta”, reforça

Segundo ela, o estado possui dificuldade inclusive em realizar o mapeamento dessa agricultura familiar, que seria o primeiro passo na busca pela popularização da comida regionalizada, livre de agrotóxicos e que tenha um compromisso cultural e emocional com o povo alagoano. “São desafios da gestão pública a nível municipal, estadual e até federal, para conseguir atender simplesmente o que já está previsto na legislação”, afirma

A

Observar as particularidades da culinária local é um dos pilares da alimentação adequada e saudável Tapioca, cuscuz recheado, bolo de milho e cartola são exemplos de pratos consumidos em Alagoas

ADESÃO DO FAST E JUNK FOOD NO LUGAR DE UMA REFEIÇÃO

COMPLETA PODE POUPAR TEMPO, MAS COBRA UM PREÇO ALTO, POR NÃO DAR A ENERGIA SUFICIENTE E POSSUIR COMPONENTES PREJUDICIAIS, COMO ALTO TEOR DE AÇÚCAR E GORDURAS

EDIÇÃO 13 - ANO 2 - DEZ/24

EDIÇÃO 13 - ANO 2 - DEZ/24

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Ed. 13 | Culinária Alagoana | dezembro de 2024 by revistaforadacaixa - Issuu