INCLUSÃO
OPORTUNIDADES NO ESPORTE ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA BRASIL, MAIS QUE TERRA DO FUTEBOL
DESIGUALDADE INVESTIMENTO
EESPORTEPARAFORTALECER SPORTEPARAFORTALECER AEDUCAÇÃO! AEDUCAÇÃO!
EDIÇÃO 6 - ANO 1 - AGOSTO 2023
PORQUE É TÃO DIFÍCIL
SEGUIR CARREIRA
ESPORTIVA NO BRASIL? ESTÁDIO PARA TODOS
EXPEDIENTE
A Revista Fora da Caixa é um produto editorial da disciplina Laboratório de Mídia Impressa desenvolvido pelos alunos do 6º período do curso de Jornalismo do turno noturno da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Esta edição foi produzida no semestre letivo 2022.2.
Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Arte (ICHCA) - Curso de Jornalismo
Endereço
Av. Lourival Melo Mota, s/n, Tabuleiro do Martins, Maceió - AL / CEP 57072-900
E-mail: rforadacaixa@gmail.com
Instagram: @revista foradacaixa
Youtube: youtube.com/@RevistaForadaCaixa
Issuu: issuu com/revistaforadacaixa
Siga nosso perfil no Spotify e fique por dentro das nossas playlists!
EDITOR-CHEFE
Marcelo Robalinho (MTE 13538/PE)
Matheus Alexandre
EDITORAS RESPONSÁVEIS
Editora: Laura Souza
Subeditora: Débora Cândido
REPORTAGEM
Débora Cândido
Emmanuely Assunção
Gabriel Diniz
Laura Souza
Maykon Felipe
NÚCLEO DE DESIGN
Editor: Cauê Silva
Subeditor: Gabriel Mileno
Diagramadores:
Leticia Sobreira
Maykon Felipe
Caroline Oliveira
Editora: Emmanuely Geisyely
Subeditora: Teresa Cristina
Social Media: Victor Xavier
[ [ [ [ [ [ [
ÍNDICE
BRASIL, MUITO MAIS QUE FUTEBOL
NÚCLEO DE REDES SOCIAIS
O MEU PROPÓSITO É A INCLUSÃO 14 29 33 07 INVESTIR NO ESPORTE PARA FORTALECER A EDUCAÇÃO 20 [
MONITORIA
D I T O R I A L
Caro leitor,
país do futebol, que conquistou o mundo com o rei Pelé, mudou a história com a rainha
Marta e causou espanto com os dribles mágicos dos Ronaldos. A história nos alçou à condição de referência quando o assunto é futebol Lembrar de esporte é pensar além das quatro linhas do campo, num Brasil com 61,5 milhões de pessoas pobres
Projetos como o Renascer e o Acolher permitem que talentos nas artes marciais não serem desperdiçados e por teimosia conquistem o mundo, como propõe a matéria de Maykon Felipe Já a matéria de Gabriel Diniz mostra como a falta incentivos dificulta seguir carreira esportiva.
Na matéria de capa, Emmanuely Assunção reflete “se não fosse o esporte, eu seria uma pessoa totalmente diferente do que eu sou hoje”, através de histórias vividas no Consolador, instituição sem fins lucrativos que leva o esporte para a periferia
A editora Laura Souza discute os impactos do esporte inclusivo em Alagoas Trazemos ainda a arquibancada para a nossa edição, através da análise da subeditora Débora Cândido sobre acessibilidade nos estádios alagoanos.
Vem conosco para entender um pouco mais do esporte através das nossas lentes diferenciadas. Desejamos uma ótima leitura!
Atenciosamente, Editores da 6ª edição da Fora da Caixa
Os textos veiculados nesta revista não representam a opinião da UFAL, nem do curso de Jornalismo.
E
O
F o t o : R e p r o d u ç ã o / I n t e r n e t
Por Maykon Felipe
BRASIL, MUITO MAIS QUE FUTEBOL
As desigualdades sociais no meio esportivo e a busca por espaço das lutas de artes marciais
Adesignação “país do futebol”, dada ao Brasil logo após a conquista do tricampeonato na e-
dição da Copa do Mundo de 1970, continua reinando nos dias atuais dentro da nossa sociedade. Uma verdadeira prova viva de que o principal esporte praticado no país e que vem ganhando forças a cada ano é o futebol
Esse objeto de desejo para a parcela da população mais carente que pode enxergar nesse meio a chance de vencer na vida, sendo o caminho mais procurado para as crianças de classes menos favorecidas. Mas por que observamos no mundo do futebol mais jogadores de origem humilde?
Apesar de atletas como o Sócrates, ídolo do Corinthians e médico, ou seu irmão Raí, de uma família financeiramente privilegiada, a resposta é simples: os jovens oriundos de famílias ricas possuem mais condições e uma maior possibilidade de conseguirem entrar numa universidade e se formar nas profissões mais renomadas e, caso realmente tenham o interesse de se tornarem jogadores profissionais, ainda há oportunidade para que sejam
Diferentemente disso, o jovem de família pobre que enxerga em si um futuro no meio futebolístico, irá inserir todas as suas forças nessa oportunidade, tendo em vista que as chances de se formar numa profissão renomada é muito mais difícil.
O sonho de se tornar jogador de futebol no Brasil, apesar de ser tortuoso para o jovem humilde, torna-se o caminho mais “fácil”, tendo em vista que, no mercado de trabalho, as oportunidades de empregos são extremamente concorridas para um cidadão que possui apenas o nível médio. “Para quem tem talento e sorte, o futebol certamente é um caminho para fugir da pobreza Só que apenas uma minoria consegue”, constata o jornalista esportivo Luis Fernando Restrepo.
FORA DA CAIXA
7 ESPORTE
Pesquisa da EFDesportes revela futebol como sonho de profissão das crianças
A revista digital EFDeportes realizou uma pesquisa no ano de 2013 em que o resultado mostrou que 90% das crianças almejavam se tornarem jogadores de futebol. Entretanto, com o sucesso dos Jogos Olímpicos, outras categorias de esportes vêm surgindo e ganhando fama através de projetos sociais ou até mesmo de parcerias com o setor público.
Nas Olimpíadas, ao visualizarmos um atleta brasileiro se consagrando com a medalha, vemos que isso costuma se basear num aspecto de superação, trazendo a ideia da fórmula esforço + dedicação ser o principal ponto para a obtenção do sucesso. Mas não é bem assim para um atleta de alto rendimento conseguir chegar no lugar mais alto do pódio. É necessário muito mais que o seu esforço individual A conquista depende de todo apoio financeiro oferecido ao atleta, para que se preocupe apenas em quebrar as barreiras esportivas
Apesar disso, no Brasil, não ocorre dessa forma. Os investimentos nessas áreas são muitos poucos ou quase nulos É necessário analisar dois projetos sociais que fazem uso da mesma prática de esporte, a luta de artes marciais, mas não possuem a igualdade quando falamos de apoio financeiro.
“Espero que essa conquista mostre para o Brasil e o mundo esportivo que nossa modalidade é muito grande e gigante Esperamos mais investimentos não só para os atletas de elite, mas também para projetos sociais e federações dos estados, para que possam ter uma boa estrutura e conseguir realizar grandes eventos. Só assim daremos oportunidade a todos os atletas e ter a dor de cabeça boa de selecionar os melhores para que possam representar o Brasil mundo afora”, diz o boxeador Hebert Conceição, em entrevista ao jornal Estadão, após a conquista da medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020
FORA DA CAIXA 8 ESPORTE F o n t e : R e v i s t a d i g i t a l E F D e p o r t e s
"O FUTEBOL É UM CAMINHO PARA FUGIR DA POBREZA, MAS SÓ UMA MINORIA CONSEGUE"
LUIS FERNANDO RESTREPO JORNALISTA ESPORTIVO
PROJETOS E LUTA POR ESPAÇO
O projeto Acolher, realizado no município de Roteiro, a 82 quilômetros da capital maceioense, em Alagoas, conta com respaldo da Prefeitura Municipal. Samylla Batista, uma das alunas do projeto, diz que o governo ajuda com os equipamentos de
A realidade é bastante diferente da vivenciada no projeto Renascer, realizado no bairro Canaã, localizado na região oeste de Maceió, onde se tem uma organização inteiramente independente sem apoio de qualquer órgão público. Segundo nos conta o professor Everaldo Brandão, não há parcerias para isso.
“Não temos parceria com ninguém Vivemos completamente de doações. Nos campeonatos e nas viagens, saímos em busca de ajuda no comércio local para que possam nos ajudar e sempre recebemos o respaldo da população”, conta Brandão A fala do professor é a real ilustração do quanto o estado de Alagoas necessita se dedesenvolver no incentivo a área esportiva muito mais do que o futebol. É através de projetos como esses que se consegue criar laços entre crianças de diferentes vivências. A inclusão social, assim, torna-se é extrema-
Alunos do projeto Acolher recebem kimonos para
Alunos do projeto Renascer reunidos em competição na cidade de Maceió
FORA DA CAIXA 9 ESPORTE
F o t o s : I n s t a g r a m / R e p r o d u ç ã o
mente importante e algo muito além da prática esportiva, e podendo revelar casos de sucesso, como a Nycolle Calheiros Bicampeã mundial de jiu-jitsu, ela foi oriunda do projeto Renascer. Um dos objetivos mais importantes do projeto Renascer é poder desenvolver o espírito esportivo nos jovens Diferente da configuração atual, o projeto Acolher nasceu com o intuito de criar uma organização social para abrigar as crianças de toda a cidade e removê-las das ruas. Mas, hoje tornou- se um caso de sucesso e os participantes do projeto conseguem sonhar
alto com a presunção de que algum dia poderá estar praticando a arte marcial em seu mais alto nível Foi com essa visão e o sonho de alcançar objetivos maiores que o Karatê de Roteiro conseguiu se enquadrar nas competições internacionais e conseguir a tão sonhada medalha de ouro no Campeonato Sul-americano realizado na cidade de Córdoba, na Argentina, em 2017.
Karatecas do projeto Acolher, Cristiano Santos, de 30 anos, e Carlos Daniel, de 17, juntamente com o professor Leandro Freitas, conseguiram o feito de tornar um projeto regional com um fim social, tornando-se um espaço para que crianças e adolescentes conquistem o mérito esportivo Tudo isso com a colaboração da Prefeitura Municipal de Roteiro. Atualmente é frequente a participação dos alunos Acolher em competições regionais e nacionais. O Renascer vive de doações e conseguiu emplacar uma bicampeã mundial de jiu-jitsu. Imagina se tivéssemos apoio financeiro dos governos estadual e municipais nesses projetos!
Imaginou? É realmente necessário olharmos com outros olhos para essas causas sociais. Além de termos o ensinamento e a prática da luta de artes marciais, temos a importante chave de tornar o aluno respeitoso em qualquer ambiente, como nos conta o professor Everaldo Brandão do projeto Renascer.
“Não queremos formar apenas atletas campeões. Queremos formar cidadãos, contribuir na formação do caráter da criança através da arte marcial onde temos a disciplina e a hierarquia”, afirma o professor Everaldo Brandão, do Projeto Renascer
FORA DA CAIXA 10 ESPORTE
F o t o : I n s t a g r a m / R e p r o d u ç ã o
Nycolle Calheiros é bicampeã no Mundial de Jiu-Jítsu
Por Gabriel Diniz
POR QUE É TÃO DIFÍCIL
SEGUIR CARREIRA ESPORTIVA NO BRASIL?
Odebate sobre as dificuldades de um esportista no Brasil se reascende de tempos em tempos, principalmente em época de Olimpíadas, quando muitos atletas brasileiros demonstram que, mesmo com o pouco incentivo e estrutura precária, conseguem entregar resultados além do que se espera.
Não é segredo que o Brasil é um país com destaque no esporte mundial, ao longo do tempo No automobilismo, no tênis, no boxe, no atletismo e em diversos esportes olímpicos, as terras tupiniquins produziram diversos atletas de elite que fizeram e fazem história tanto aqui quanto no mundo. O caminho para chegar até o mais alto nível dos esportes é árduo e exige, além de vontade, talento e esforço, muito dinheiro, estrutura, políticas públicas e também uma
pitada de sorte. Pensando nesse assunto, a Revista Fora da Caixa foi atrás para tentar entender os motivos pelos quais é tão difícil seguir carreira esportiva no Brasil, através das histórias comuns de quem sonha ou treina pessoas. Para conseguir entender um pouco mais sobre as dificuldades da formação de um atleta, começamos a investigar desde o início da formação esportiva de qualquer pessoa, neste caso a escola.
Entrevistamos Felipe de Carvalho Austrelino, professor formado em Educação Física pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), com especialização em Educação Física Escolar Felipe dá aulas em uma escola particular e também em uma escola pública Segundo ele, o conteúdo ensinado em sala de aula é direcionado a partir da Ba-
FORA DA CAIXA 14 ESPORTE
F o t o : M a r c o A n t ô n i o / A s c o m M a c e i ó
A quadra é o local mais adequado e acessível para praticar o esporte e se desenvolver nele
HÁ ESCOLAS QUE SEQUER TEM ESPAÇO PARA UMA PRÁTICA ESPORTIVA MAIS ELABORADA
se Nacional Comum Curricular, a BNCC, que é um documento criado pelo Ministério da Educação (MEC) com normas para as redes de ensino pública e privada e referência para a elaboração dos currículos e das propostas pedagógicas, e também dos dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Sobre as dificuldades encontradas, o professor relata que isso começa pelo básico. “Há escolas onde sequer tem um espaço para se fazer uma prática mais elaborada”, revela Felipe Se pararmos para pensar, é impossível ensinar todos os esportes Há uma infinidade deles nas mais diversas categorias indicadas na BNCC. Via de regra, os quatro esportes de quadra são ensinados com mais frequência são o vôlei, o
Faltam espaços para a prática de exercícios na escola,
handebol, o basquete e o futsal. Quando questionado sobre a prática esportiva em nível de competição, Felipe diz que isso não é trabalhado nas em aulas de Educação Física, pela falta de tempo, ficando mais a cargo de escolinhas particulares, por exemplo O objetivo das aulas, diz ele, é apresentar as modalidades. “Não há tempo hábil de preparação das aulas para competição Isso fica a cargo das escolinhas ou equipes das próprias escolas.
Mas há os jogos escolares e também jogos internos, além de outras competições escolares”, reconhece Na escola, em teoria, o aluno conhece o esporte e têm seu primeiro contato com ele, mas somente em ambientes particulares pode praticá-lo em um local que exija um mínimo de competitividade Por mais que muitos tenham começado praticando na rua ou em projetos públicos, são nas escolinhas que o atleta recebe mais olhares.Além disso, notase que os esportes olímpicos são fortemente negligenciados. Obviamente, por motivos de espaço e estrutura, não é possível praticá-los da melhor maneira possível Entretanto, seria importante o aluno, no mínimo, conhecê-los, além de as escolas possuírem meios de oferecer a prática.
Perguntado pela reportagem da Fora da Caixa sobre o motivo pelo qual é tão difícil seguir carreira esportiva no Brasil, Felipe atesta que faltam políticas públicas que realmente pensem na base e fomentem a prática esportiva de uma forma geral “Até o futebol é negligenciado, imagina as outras modalidades que os atletas mal têm espaço, alimentação, acompanhamento nutricional, de reabilitação, com profissionais de educação física”, aponta.
FORA DA CAIXA 15 ESPORTE
F o t o : F e l i p e A u s t r e l i n o i / A r q u i v o p e s s o a l
diz professor de Educação Física Felipe de Carvalho
BOLSA ATLETA CONTRIBUI NA FORMAÇÃO DOS ESPORTISTAS
No Brasil, o Governo Federal atua em ajuda para atletas, através do Programa Bolsa Atleta, que existe desde 2005 e tem como objetivo ajudar os desportistas brasileiros financeiramente de forma direta. O programa consiste no pagamento de bolsas aos atletas que se enquadrarem nos pré-requisitos previstos em edital. De acordo com dados do próprio governo, em 2023, serão 7.868 atletas contemplados, ao longo de várias categorias existentes no programa A previsão é investir mais de R$ 120,5 milhões
até 2024 O Bolsa Atleta é dividido em cinco categorias: atleta e paratleta olímpico, atleta internacional, atleta nacional, atleta base e atleta estudantil De acordo com o Ministério do Esporte, essas divisões são feitas para equilibrar e classificar os esportistas de acordo com suas necessidades. Os 7 868 atletas são divididos dessa maneira: 5.134 estão na categoria de atleta nacional; 1.432, na categoria de atleta internacional; 567, em atleta estudantil; 378, em atleta base e 359 estão na categoria de atleta e paratleta olímpico
FORA DA CAIXA 16 ESPORTE
Atletas nacionais foram alvo de maior investimento do Ministério do Esporte em 2023
Como se observa no gráfico anterior, o que se vê é um desequilíbrio na forma como esse investimento é direcionado. Em 2021, o então presidente da Associação Brasileira de Gestão do Esporte, Leandro Carlos Mazzei, disse em entrevista à revista Carta Capital, que no Brasil ocorre a manutenção do topo da pirâmide e um esquecimento da fomentação na base dela
O que se observa hoje, na realidade esportiva, no Brasil não é uma falta de renda no setor, mas sim uma falta de investimento na base. Em contrapartida, na divulgação dos novos contemplados do Bolsa Atleta, o governo destacou que 65% desses atletas são pessoas de até 23 anos de idade, tentando equilibrar o investimento na base.
INVESTIMENTOS
Os valores aos atletas aumentam de forma crescente, conforme as categorias em que os atletas de elite são mais bem remunerados. O valor mínimo é de R$ 370,00, destinado às categorias base e estudantil, enquanto o mais alto é de R$ 3.100,00, destinado aos atletas olímpicos e paralímpicos Nas categorias intermediárias, o atleta de nível nacional recebe R$ 925,00, enquanto o atleta internacional ganha R$ 1.850,00. Por outro lado, alguns dos pré-requisitos para a obtenção do Bolsa Atleta estão fora da realidade da estrutura brasileira Segundo o Ministério do Esporte, para um atleta estar apto a receber uma bolsa no valor de R$ 370,00, da categoria “atleta estudantil”, ele deve estar regularmente matriculado em uma instituição de ensino, público ou privado e ter participado dos Jogos Estudantis Nacionais
Porém, para participar dos jogos nacionais, as equipes ou atletas precisam obter bons desempenhos nas etapas estaduais, tornando mais distante ainda o caminho até a bolsa. Fica nítido, assim, que as ferramentas para se fomentar o esporte existem.
O problema está na dificuldade de acessálas, sendo impostos diversas barreiras e obstáculos, principalmente para aqueles que mais necessitam da ajuda, as pessoas mais pobres.
Categorias que receberam recursos do Bolsa Atleta
ESPORTIVAS ALAGOANOS EM LUTA
Para entender melhor a luta dos atletas brasileiros e, principalmente, dos alagoanos, falamos com dois pais de promessas do esporte local Jucelino da Silva, pedagogo e educador físico, conhecido como “Sombra” no mundo do jiujitsu, é pai de Raína Luiza da SIlva, de 13 anos, medalhista de ouro Campeonato Alagoano, campeã NorteNordeste duas vezes e campeã brasileira
FORA DA CAIXA 17 ESPORTE
Tudo isso, só foi possível pelo esforço do próprio pai, que tirou dinheiro do bolso, vendeu rifas, e fez todo o possível para custear as viagens. As competições ficam fora do Estado e, dependendo do local, tudo pode ser mais caro ou mais barato. Varia conforme , depende do custo de vida do local Por exemplo, em São Paulo, gastamos entre rifas, doações e juntando nosso dinheiro cerca de R$ 4 000,00 reais Sempre economizando em tudo”, afirma Sombra. A Fora da Caixa conversou também com Fernanda Peixoto, mãe de Bia Gomes.
Bia tem o sonho de ser jogadora de futebol, mas logo cedo encontrou todas as dificuldades possíveis Além do olhar preconceituoso contra uma mulher jogando futebol, ela não conseguiu sequer um espaço onde pudesse praticar o esporte, uma vez que Maceió não possui escolinhas com turmas formadas só por meninas
É necessário lembrar que Alagoas é a terra da Marta Vieira da Silva, a Rainha Marta, maior jogadora de futebol de todos os tempos, nasceu e se formou. Além dela, nomes como de Geyse Ferreira e Ingryd, atletas da Seleção Brasileira Feminina, saíram do mesmo lugar que Bia.
Fernanda tentou convencer sua filha a parar com o futebol, mas seu marido encontrou um lugar que tinha futebol misto, o que significou o recomeço de trajetória da jovem. Em junho de 2022, Bia foi convidada por um colégio de São Paulo a fazer parte de seu time de futsal, concedendo em contrapartida uma bolsa de estudos de 100% para ela poder jogar no estabelecimento A família, que também é formada por seu pai, Thiago Tenório, e um irmão mais novo, mudaram-se Fernanda conta que foi difícil tomar essa decisão, mas que o desejo de ver sua filha realizar o sonho falou mais alto
Raína da Silva e o pai Juscelino da Silva comemorando a conquista dela no Campeonato Norte-Nordeste de Jiu-jitsu
F o t o : J u s c e l i n o d a S i l v a / A r q u i v o p e s s o a l FORA DA CAIXA 18 ESPORTE
“É uma mudança muito grande de clima, amizades, de escola… O meu marido fic em Maceió por enquanto. Tudo pesou, m conversamos e achamos que precisávam nos dar essa oportunidade Levamos mu em consideração a falta de apoio e condições adequadas de treino em Mace Lá em São Paulo a realidade é outr comenta Fernanda Peixoto.
Na “Terra da Garoa”, Bia contará com estrutura de um colégio particular apto dar bolsas de estudos para alunos atuare com mais tranquilidade no esporte. Isso vida de um atleta faz toda diferença “Tem as melhores expectativas. Acho que lá poderá desenvolver muito e meu fil caçula também! A escola é muito boa e co cunho muito forte para o esport complementa Fernanda Escolas dando bolsas para alunos por meio da prática esportiva não é algo tão difundido no Brasil Concentram-se nos locais com mais dinheiro do país e são geralmente estabelecimentos de ensino que concedem o privilégio a pessoas que até teriam condições de pagar.
DIFERENÇA DE INVESTIMENTO
O Brasil não é o país do futebol à toa. São cinco títulos mundiais e terra onde nasceram Pelé, Marta e Falcão, maiores jogadores no futebol masculino, futebol feminino e futsal Assim, o mercado se formou de maneira a concentrar as atenções e os investimentos no próprio futebol. De uma forma empresarial, é mais lógico pensar que as marcas preferem estar com o esporte mais visto e consumido Por isso, cabe ao poder público criar ferramentas para equilibrar essa questão, voltando os seus investimentos aos esportes olímpicos, e
isso acontece. No Brasil, de maneira direta, segundo dados do Governo Federal de 2021, são investidos cerca de R$ 750 milhões por ano em esportes olímpicos e paralímpicos, através de três meios: Lei das Loterias (Lei nº 13.756/2018), Bolsa Atleta (Lei nº 10.891/2004) e Lei de Incentivo ao Esporte (Lei nº 11 438/2006) O número mostra, mais uma vez, que o problema não é a falta de dinheiro, mas sim falta de planejamento e investimento em áreas chaves, principalmente na base. Segundo o professor de Educação Física, Felipe de Carvalho Austrelino, existem escolas no Brasil sem a mínima estrutura para se praticar os principais esportes, até mesmo o futebol. Então como será possível fomentar uma cultura esportiva que vá além?
“É necessário pensar no esporte no Brasil desde o começo, facilitando o acesso de milhares de crianças e adolescentes a lugares que as permitam praticar variados esportes, para assim, possuir uma grande base de esportistas, que posteriormente possam ser aproveitados por clubes e um dia atingirem o esporte de alto nível”, acredita o professor Felipe de Carvalho (GD).
F o t o : B i a G o m e s / A r q u i v o p e s s o a l
Bolsa de estudos integral garantiu a Bia Gomes os treinos como atleta de futsal em São Paulo
FORA DA CAIXA 19 ESPORTE
INVESTIR NO ESPORTE INVESTIR NO ESPORTE
É INVESTIR NA EDUCAÇÃO!
É INVESTIR NA EDUCAÇÃO!
Lei do Incentivo e auxílios do terceiro setor: a responsabilidade social da
Lei do Incentivo e auxílios do terceiro setor: a responsabilidade social da prática esportiva auxiliando o setor público e transformando vidas prática esportiva auxiliando o setor público e transformando vidas
Por Emmanuely Assunção
esporte é uma base primordial no desenvolvimento do cidadão, sendo responsável por trabalhar áreas sociais, mentais e físicas do indivíduo, desde a sua cidadania, socialização, controle emocional, disciplina, condicionamento físico e prevenção da obesidade Todos estes e outros pontos deveriam ser trabalhados dentro das escolas, porém o sistema educacional brasileiro carece de uma reforma de metodologia que não está nem próximo de ser um projeto visível em curto ou até mesmo longo prazo. Como maneira de suprir esta falha, o governo federal criou uma terceira via de realização desse trabalho, a chamada Lei de Incentivo ao Esporte Você já ouviu falar nessa lei?
A Lei nº 11.438, de 29 dezembro de 2006, é uma legislação federal que permite que empresas e pessoas físicas invistam em projetos esportivos aprovados pela Secretaria Especial do Esporte com parte do que pagariam de Imposto de Renda anualmente. Sendo assim, o governo abre mão do pagamento dos valores pelas empresas que patrocinam os projetos sociais aprovados pela secretaria. A lei é responsável por destinar verba para o chamado Terceiro Setor (instituições privadas de utilidade pública originadas na sociedade civil), através de projetos sociais, visando a “desafogar” as organizações públicas em áreas como esporte, cultura, saúde e lazer.
A Lei de Incentivo ao Esporte abrange três tipos de projetos: desporto educacional, desporto de participação e desporto de rendimento, sendo este último dividido nas subcategorias modo profissional e nãoprofissional. Para poder inscrever um proje-
O F o t o : P o r t a l G o v B r / R e p r o d u ç ã o FORA DA CAIXA 21
to, é necessário acessar o site do governo federal e preencher o formulário que dá acesso à plataforma da Lei de Incentivo ao Esporte (a LIE), através do site https://sli cidadania gov br/conta/autenti car. Lá, é só colocar os detalhes do projeto, como planejamento, público impactado, recursos necessários, estrutura necessária ou
que já possui. Se já estiver em execução, pode ser colocado alguns resultados et também. Após esta etapa, o projeto será avaliado pelo ministério e será dado o veredito Uma vez aprovado, o projeto poderá ter recursos captados. O método de pagamento será informado e a instituição responsável pelo projeto terá que fazer uma
No sistema da Lei de Incentivo ao Esporte, proponentes cadastram projetos para avaliação de captação de recursos
FORA DA CAIXA 22 ESPORTE
Tela para acesso ao sistema LEI no site do Ministério do Esporte
prestação de contas regularmente para comprovar a necessidade do recurso e no que ele está sendo investido.
Em 2021, segundo o portal da Petrobras, a empresa patrocinou projetos sociais que atenderam mais de 12 mil crianças e adolescentes pelo Brasil, inclusive no estado de Alagoas. Isso proporcionou práticas esportivas com enfoque socioeducativo por meio de um investimento de mais de R$ 30 milhões O número já foi maior Em 2010, por exemplo, foram investidos mais de R$ 200 milhões, através da Lei de Incentivo ao Esporte, sendo a Petrobrás eleita a organização estatal que mais incentiva o esporte no Brasil Seus investimentos, porém, vêm decaindo trabalhando em queda desde os escândalos envolvendo corrupção em sua diretoria
Já a Magazine Luiza, por meio do Consórcio Magalu, busca apoiar projetos que visam ao crescimento e à consolidação do esporte. A seleção é realizada pela área de sustentabilidade da empresa, através de análises visando o cumprimento de critérios básicos, como atendimento à comunidade, ampliação do alcance e foco constante no desenvolvimento de crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade Além dos investimentos por meio dos incentivos fiscais, empresas privadas auxiliam na criação de espaços viáveis para a utilização dos recursos captados. Construtoras e imobiliárias fazem seu papel de responsabilidade social, auxiliando nesse aspecto, através de patrocínio de reformas ou aluguel de espaços adequados para a prática esportiva. Porém, a lei carece de atenção, divulgação e mapeamento de proje-
Em 2022, 1 675 projetos aprovados para captação receberam R$ 483,3 milhões
FORA DA CAIXA 23 ESPORTE
tos, de forma que permita que mais instituições sejam beneficiadas. Na última lista disponível no Portal do Governo Federal (https://www.gov.br/pt-br), o portal Gov br, apenas 5 413 instituições estão inscritas na lei e utilizam ou utilizaram dos recursos oriundos do incentivo, possuindo entre essas entidades voltadas a prática paradesportiva. A captação pode durar até dois anos, sendo necessária uma nova inscrição para continuar após esse período
Não basta oferecer o esporte aos jovens, já que, em sua maioria, eles saem de comunidades onde a fome se faz presente continuamente É preciso investimentos em alimentação, vestimentas para a prática e profissionais qualificados com metodologia educativa Para manter os jovens no esporte, as entidades precisam auxiliar em outras carências sociais, como, por exemplo, por meio de um incentivo adicional para sua presença, mas especialmente para torná-la possível. Essa viabilização afasta centenas de jovens da criminalidade e de situações que colocam sua integridade em risco iminente
“O ESPORTE TEM A CAPACIDADE DE TRANSFORMAR PENSAMENTOS, EDUCANDO O JOVEM PELO PRAZER”
ELIJARBAS ROCHA PROFESSOR
Além de serem um meio de educação, os projetos sociais voltados à prática esportiva muitas vezes trabalham outras carências da comunidade onde estão inseridos, com a doação de alimentos, lanches nos dias de prática para os alunos, assistência médica e social e auxílio na vida acadêmica do participante
“O esporte tem a capacidade de transformar pensamentos educando o jovem pelo prazer”. Essa frase, do professor Elijarbas Rocha, define o que veremos pela frente. O esporte é o meio educativo que mais prospera e dá resultado no Brasil
FORA DA CAIXA 24 ESPORTE
F o t o : E m m a n u e l y A s s u n ç ã o / R e v i s t a F o r a d a C a i x a
O Consolador atende crianças e jovens do Prado, Vergel, Ponta Grossa e Levada, na capital alagoana
A chamada para a prática chama mais a atenção para outras áreas, como educação complementar e cultura, por exemplo. Por falta de incentivo contínuo e ativo dos governos federais, estaduais e municipais, as crianças e jovens, na maioria, dependem de iniciativas do Terceiro Setor para que possam ter seus direitos com relação à prática e exposição a tais atividades, devidamente atendidos e exercidos
Em Maceió, capital alagoana, a Associação Educacional e Assistencial Casa dos Amarelinhos, localizada no bairro do Prado, na região sul da capital, atende mais de 305 crianças e adolescentes dentre as áreas de esporte, educação complementar e cultura, sendo a primeira a mais procurada com 217
ado no chamado “Plano Individual de Atendimento”, no qual é realizado todo o mapeamento da vivência do indivíduo, com ajuda de psicólogos e professores responsáveis pelas atividades
Realizado pelo assistente social da casa, Felipe Leonardo, o plano identifica sinais de violência doméstica, abuso entre outras carências que possam estar acontecendo na vida fora da prática esportiva do aluno. Indo além do incentivo ao esporte, todos os alunos têm direito a atendimento odontológico, psicológico e de participar de atividades culturais, tudo em prol da socioeducação e de afastar cada vez mais a criminalidade das suas realidades “Para mim é muito gratificante é uma casa de esteja na rua”, de um aluno de
Roseane Soares s do trabalho no , Everaldo. Com do relembra, ele ado, organizado e não ter muito e morar em uma sempre recruta filho nunca se re foi tranquilo
Jiu-jitsu estabelece vínculos para além da relação professor-aluno, como no caso de Clênio de Oliveira e do jovem Everaldo
FORA DA CAIXA 25
F o t o : E m m a n u e l y A s s u n ç ã o
Everaldo, de 17 anos, por sua vez, diz grato pela prática esportiva e o vínculo afetivo com o seu professor, Clênio Oliveira, “um pai que eu não tive”, nas palavras do aluno, que lhe ensina muito além do esporte, dando conselhos e direcionamentos necessários durante o seu crescimento
Professor de jiu-jitsu e boxe na instituição, Clênio de Oliveira usa metodologia socioeducativa nos seus treinos, trazendo fundamentos básicos do esporte com exemplos práticos do dia-a-dia e trabalhando o companheirismo, respeito aos limites próprios e dos colegas de equipe, disciplina, capacidade motora e respeito integral dentro e fora da equipe Com alunos de idades que variam entre 7 a 17 anos de idade, o professor adapta sua técnica para atender as necessidades de cada um e procura ser presente nas suas dúvidas dentro e fora dos tatames, orientado-os para uma vida além do esporte e trabalhando suas questões pessoais durante os treinos.
Para as meninas, em especial, o professor mantém sempre a autodefesa como assunto principal, ensinando o que é necessário para
centro comercial e próximo a áreas criminalizadas, reforça sua intenção de manter as meninas preparadas para eventuais acontecimentos para que elas consigam buscar ajuda e não sofrerem danos maiores Em prol dessa causa, a instituição já chegou a promover eventos exclusivamente sobre defesa pessoal feminina.
Já fora da casa, Cícero Almeida, ex-atleta de natação, entrou na casa por volta de 2004 após uma ação de divulgação em sua escola, de ensino público, sobre os testes de atletismo para formação de novas turmas na organização Interessado na natação, Cícero pediu aos pais e foi até a sede para participar da prova Desde então, possui um vínculo afetivo – mesmo já estando fora da prática esportiva – com a casa, por todas as oportunidades que lhe foram proporcionadas. “Se não fosse o esporte, eu seria uma pessoa totalmente diferente do que eu sou hoje”, Cícero Almeida.
“SE NÃO FOSSE O ESPORTE, EU SERIA UMA PESSOA DIFERENTE DO QUE EU SOU HOJE”
CÍCERO ALMEIDA
EX-ATLETA DE NATAÇÃO
FORA DA CAIXA 26 ESPORTE
F o t o : E m m a n u e l y A s s u n ç ã o
Metodologia socioeducativa é base dos treinos na Associação Educacional e Assistencial Casa dos Amarelinhos
Ele chegou a competir pela associação durante seu tempo na casa e hoje, já afastado do esporte, tece elogios à oportunidade que lhe foi dada e por tudo que conquistou através dali Morador da comunidade do Trapiche da Barra, na parte baixa de Maceió, ele associa os seus dois empreendimentos, a família que construiu e sua casa aos ensinamentos que recebeu através dos treinos, como disciplina, dedicação e principalmente coragem.
Além dos benefícios sociais e educativos, a prática esportiva está diretamente relacionada à saúde do praticante Jaguaraci, mãe de coração da aluna Dayane, conta que a filha entrou na casa com um quadro grave de asma e tem melhorado graças à natação, ofertada gratuitamente na organização Além da prática esportiva e de competir em festivais internos, Dayane recebe assistência educacional por meio das aulas de reforço, o que lhe trouxe mais interesse pela vida acadêmica e incentivo para se dedicar à escola.
Atualmente, a casa atende mais de 250 crianças, adolescentes e jovens em práticas esportivas, variando entre aulas gratuitas ou que possuam uma pequena taxa social para a prática (alunos oriundos de escolas privadas) Independente da área esportiva trabalhada, a metodologia central é voltada para a cooperação em equipe, a confiança no instrutor responsável e a cidadania dos indivíduos, que recebem orientações sempre que precisam sobre seus direitos e deveres dentro da sociedade e de como lutar por eles É inegável a importância da prática esportiva na vida das pessoas, que são impactadas direta ou indiretamente. Fora todos os benefícios já citados, esse incentivo
auxilia na possibilidade de uma profissionalização dentro do esporte, formando mais atletas que podem chegar a competir em nível regional, nacional e até internacional por meio das olimpíadas.
O assistente social Felipe Leonardo diz que o incentivo ao esporte deveria ser iniciado nas escolas, mas, por falta de recursos e reforma no sistema de ensino, a prática é limitada às “aulas de educação física”, não sendo disponibilizado nada em contraturno que mantenha os jovens ocupados e longe dos males das ruas Recentemente, o Governo Federal anunciou o programa “Skate por Lazer”, que, por meio da Lei do Incentivo ao Esporte, deve fomentar a prática como meio socioeducativo e deve alcançar todas as regiões do país, dando atenção especial à comunidade feminina. Na falta de mais espaços no setor educativo e de reformas no sistema, empresas privadas como Magazine Luíza e Renner patrocinam por meio de Crianças durante festividade na instituição Consolador
FORA DA CAIXA 27 ESPORTE
F o t o s : S a f i r a B e z e r r a / R e v i s t a F o r a d a C a i x a
Por Débora Cândido
ESTÁDIO ACESSÍVEL PARA “TODOS”
Acessibilidade possibilita a igualdade e oportunidades. É a garantia de segurança, autonomia, transporte, informação, comunicação e o direito de aproveitar os mais diferentes eventos sociais Um dos eventos mais amados e característicos do país são os jogos de futebol Além de estrelas e da prática do esporte, a torcida é um show à parte. Com cores, músicas e, principalmente energia contagiante Em Alagoas, diversos estádios foram distribuídos pelos municípios, com o objetivo de trazer para mais perto a magia do futebol. Mas…e quando nem todos podem desfrutar disso? As pessoas com deficiência têm encontrado seu lugar de protagonista nos últimos anos, vivendo suas próprias vidas e tirando os estigmas de coita-
dos ou incapazes, e essa ação expõe as limitações e problemas de infraestrutura dos estádios. Rampas, barras de sustentação, banheiros exclusivos são direitos básicos para as PcD, que muitas vezes não são garantidos. “Eu já fui para o Estádio do Rei Pelé, é uma experiência boa, mas falta acessibilidade. Quem foi comigo, saiu descrevendo o que tava rolando em campo, mas a inacessibilidade é um problema Falta o piso tátil dentro e fora, além de que não tinha fila preferencial Mesmo percebendo que eu sou cego, fiquei lá por horas”. Essa é a experiência de Edson Pedro no maior e mais conhecido estádio de toda Alagoas. Estudante de Serviço Social e paratleta, ele adora acompanhar os jogos e estava muito animado para assistir seu time do coração,
FORA DA CAIXA 29 ESPORTE
SERÁ??? F o t o : A i l t o n C r u z / P o r t a l M i n u t o E s p o r t e s
se deparou com a falta de acessibilidade no local que, por lei, deveria ter todo o suporte para receber a todos, sem exceção. Infelizmente, por essa realidade, seu direito de ir ao estádio e aproveitar a infraestrutura e o evento foram tirados dele. “Eu tento acompanhar o máximo possível do esporte Mas no estádio, infelizmente, ainda não é possível”, comenta Edson.
“JÁ FUI PARA O ESTÁDIO REI PELÉ. É UMA EXPERIÊNCIA BOA, MAS FALTA ACESSIBILIDADE!”
EDSON
Esse direito de acessibilidade não é apenas uma regra silenciosa, que cumpre quem quer, mas é garantido na legislação federal através da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas e critérios básicos para promoção de acessibilidade.
Segundo Julius Schwartz, advogado da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), “o principal manual para um estádio acessível está na Norma 9050 NBR da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas)
“É um calhamaço de 162 páginas atualizado em 2015 que especifica os detalhes para a construção e adaptação de locais públicos a pessoas com deficiência”, comenta A norma 9050 da ABNT estipula que nenhuma estrutura deve bloquear um ângulo visual de 30° graus a partir da linha de visão da pessoa em cadeira de rodas.
O Decreto Federal nº 5.296, de 2004, determinou a reserva de 4% dos lugares de um estádio para pessoas com deficiência, sendo 2% para cadeirantes, 2% para pessoas com mobilidade reduzida ou deficiência visual. O Estádio Juca Sampaio, em Palmeira dos Índios, no agreste alagoano, tem rampas e corrimões nas arquibancadas, mas em pequena quantidade e com rachaduras.
Cadeirantes e pessoas com deficiência são minoria nas vagas oferecidas nos estádios
FORA DA CAIXA 30 ESPORTE
F o n t e : D e c r e t o F e d e r a l 5 2 9 6
PEDRO DA SILVA FILHO
PARATLETA
FORA DA CAIXA 31 ESPORTE
F o t o : A s c o m C S E
Estádio Juca Sampaio, em Palmeira dos Índios, tem rampas e corrimões nas arquibancadas
F o t o : A u g u s t o O l i v e i r a / F A F
Estádio Rei Pelé é “casa” do futebol desde 1970 em AL
Os estádios de futebol vêm passando por melhorias em suas infraestruturas, mas ainda precisam avançar na área da acessibilidade para poder receber de forma adequada os torcedores que deficiência Em Alagoas, há incentivo para torcer pelo futebol desde criança, com escolinhas de futebol e até grandes estádios, transmissões ao vivo e jornais que sempre tratam sobre esporte, rivalidade (desde que seja saudável) entre clubes e outros fatores que envolvem o torcedor Mas, por muito tempo, as pessoas com deficiência não foram incluídas nessas programações. “A inclusão da pessoa com deficiência expõe em sua fundamenta-
ção a equiparação em oportunidades”, afirma Irã Cândido, presidente da Federação Alagoana de Esportes Colegiais. No caso dos eventos esportivos, diz ele, a dimensão é ainda maior, uma vez que o esporte já é uma ferramenta de inclusão que pode ser potencializada “É importante que a pessoa com deficiência possa se fazer presente em todas as áreas do setor esportivo, inclusive nas torcidas e nas instalações esportivas” Na opinião de Irã Cândido, a inclusão da pessoa com deficiência ajuda muito mais a pessoa classificada como “típica” a aprender valores importantes da vida ao lado das diferenças que existem na nossa sociedade
Estádio Municipal Coaracy da Mata Fonseca, em Arapiraca, fez uma série de reformas para garantir a acessibilidade
32 ESPORTE FORA DA CAIXA
F o t o : A s c o m A S A / D i v u l g a ç ã o F o t o : A l a g o a s 2 4 H o r a s / R e p r o d u ç ã o
por Laura Souza
PRAZER, EU SOU A INCLUSÃO!
Na Grécia, mais propriamente em Esparta, famosa cidade-estado situada a sudeste da Península do Peloponeso e conhecida pelos bravos guerreiros, a definição de ser normal era medida a partir do quanto os recémnascidos poderiam contribuir militarmente nas guerras Os bebês nascidos com algum tipo de deficiência que os impedissem de ter uma boa performance no combate eram tomados de suas mães, arremessados de um penhasco e findados. Hoje em dia, a ideia de normalidade adquiriu contornos bem menos rígidos e discriminatórios que no passado, inclusive consolidando-se com a ideia do empoderamento como forma motriz para reivindicação dos direitos.
Para a psicóloga esportiva Laís Tenório, o conceito “normal” põe as pessoas em caixas,
pois não considera a base e as experiências que elas tiveram. Fã da banda Scracho, Laís defende a letra de uma das canções que diz “estou em constante mudança”. É atuando na área do esporte inclusivo que ela se dedica diariamente, a fim de contribuir com uma mudança social
“Ele não consegue”, “coitadinho” ou “deixa que eu respondo por ele” são expressões muito comuns de serem ouvidas pelas 178,36 milhões de pessoas com deficiência no país,
de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania Pelos dados de 2023, 8,4% dos cidadãos acima de 2 anos
O nadador paraolímpico e campeão Daniel Dias no Mundial de Natação do México em 2017
Fto:o oãçudorpeR/DPC
ESPORTE FORA DA CAIXA 33
de idade têm alguma deficiência e, apesar de projetos de lei como o 4 674, de 2020, que assegura a acessibilidade em treinos, serviços ou eventos esportivos, a realidade de quem sempre é visto como “anormal” é bem diferente.
A luta por inclusão até parece recente, mas no nosso país ela já começou atrasada O esporte é considerado um dos principais meios de transformação social na vida das pessoas com deficiência. Apesar do que se conhece por esporte ter surgido em 4.000 a C na China, apenas na década de 50 do século 20, com o pioneirismo do basquete em cadeira de rodas, que o esporte adaptado começou no Brasil e abriu espaço para novas modalidades.
Apesar da falta de estrutura, incentivo e iniciativas públicas que fomentem o esporte
A LUTA POR INCLUSÃO ATÉ PARECE RECENTE, MAS NO BRASIL ELA JÁ COMEÇOU ATRASADA
inclusivo, desde 2010, o Comitê Paralímpico Brasileiro vem promovendo de maneira gratuita cursos, capacitações e atualizações na formação de profissionais para atuarem junto ao esporte adaptado E é seguindo o propósito de empoderar pessoas e fazê-las acreditarem que a tal “normalidade”, como era vista no passado pelos antigos filósofos, não passa de um conceito ultrapassado. Nesse sentido profissionais alagoanos vêm transformando a vida de paratletas através do poder social do esporte
Percentual de pessoas com deficiência em Alagoas é maior que o índice nacional
FORA DA CAIXA 34 ESPORTE
F o t o : I B G E / R e p r o d u ç ã o
O LEGADO DE MACEIÓ
Yohansson Nascimento, atleta alagoano, representando o time Brasil em disputa de prova
Natural de Maceió, Yohansson Nascimento é um dos grandes destaques alagoanos no esporte inclusivo. Nascido sem as mãos, ele
levou o Brasil e Alagoas para muitos pódios, através do atletismo. Na categoria T-46, para atletas amputados de membros superiores, Yohansson conquistou seis medalhas paralímpicas, 11 em Mundiais e oito em Jogos Parapan-Americanos em 15 anos.
Em 2020, aos 33 anos de idade, ele anunciou a aposentadoria das pistas. Mas, com o propósito de empoderar cada vez mais pessoas através do esporte, ele se candidatou
à vice-presidência do Comitê Brasileiro. Atualmente ele continua defendendo o esporte inclusivo, só que agora em outra frente nacional.
Uma hora e meia de treino duas vezes por semana, uma paixão que nasceu em 2005 na graduação de Educação Física, na Faculdade de Alagoas (FAL) e uma vida inteira dedicada ao esporte adaptado Capitão do Corpo de Bombeiros do estado de Alagoas, Marcelo Gualberto leva bem a sério a missão de salvar vidas e, apesar de quando ele fala em “salvar” ser atrelado ao fogo, a sua forma de salvar é bem diferente
FORA DA CAIXA
F o t o : W a g n e r C a r m o / R e p r o d u ç ã o
35 ESPORTE
“A motivação teve início na faculdade quando comecei a ter a disciplina de educação física adaptada. Me apaixonei de tal forma que fui deixando de ministrar aulas de educação física escolar para me dedicar a essa área que acho fantástica, e que ainda é um campo de atuação aberto a novas ações”, conta. Entusiasta do esporte inclusivo desde os 18 anos, ele já ensinou as modalidades de vôlei sentado, paraesgrima, esgrima para cegos, futebol em cadeiras de rodas, shalom em cadeiras de rodas e goalball e continua buscando aprender sobre novos esportes “Quando comecei a ensinar esgrima para pessoas com deficiência visual, fui buscar mais conhecimento com um mestre italiano que já desenvolve desde anos atrás, e por eu gostar de desafios é que iniciei”.
Vinculado à Associação Atlética Anthares e ao projeto social Guerreiros do Paradesporto do Corpo de Bombeiro de Ala-
goas, ele uniu as duas instituições com o propósito de conseguir potencializar a atuação no esporte e ter mais materiais para fazer as adaptações necessárias nas modalidades.
Como cada modalidade exige uma adaptação diferente para o paratleta, Marcelo destaca como é importante entender as dimensões, os equipamentos e as regras necessárias para que o esporte realmente se torne inclusivo. E que gere a confiança no atleta que ele não vai se machucar, pois um dos grandes receios da prática esportiva é o medo de ferimentos.
A falta de visibilidade no esporte inclusivo ainda é um dos desafios para quem atua na área. É comum que, para levar os atletas às competições, sejam feitas vaquinhas, rifas e pedidos de doações Em modalidades como a esgrima para cegos, “o desafio inicial é fazer com que mais pessoas possam vivenciar
FORA DA CAIXA 36 ESPORTE
F o t o : A s s o c i a ç ã o A t l é t i c a A n t h a t e s / R e p r o d u ç ã o
Marcelo Gualberto (segundo homem em pé da esq para dir ) com atletas no Campeonato Brasileiro de Paraesgrima
e queiram treinar também, pois por não ser uma modalidade paralímpica, não se tem apoio oficial de Entidades como o Comitê Paralímpico”, afirma Marcelo.
Atualmente liderando as modalidades de vôlei sentado para 10 alunos e a paraesgrima para 15, ele encontra nos 25 atletas o seu propósito de vida. Marcelo Gualberto é um dos nomes mais conhecidos no esporte inclusivo alagoano e se diz feliz ao ver atletas superando a depressão e buscando uma ascensão pessoal e profissional por meio do esporte. Entre viagens para competições, pesquisas sobre novos esportes e força para empoderar pessoas, ele salva todos os dias a vida de quem antes não acreditava em si, insistindo em dizer que a força de vontade dos atletas é o que o salva diariamente.
ALÉM DOS NÚMEROS
Aos 6 seis anos de idade, ela sentiu algo que nenhuma criança deveria sentir: depressão
A Ana Clara de Lemos Wanderley, que nasceu com uma lesão na medula, via como
Piso tátil e varal guia isão inseridos na adaptação da esgrima para cegos
algo distante possibilidades como correr, praticar esportes ou fazer movimentos bruscos. Aos 19 anos de idade, e cursando Design Gráfico, ela conheceu há dois anos algo que mudaria a sua vida, através de uma pessoa bem especial
Ana Clara Wanderley em campeonato de paraesgrima
FORA DA CAIXA 37 ESPORTE
F o t o : M a r c e l o G u a l b e r t o
F o t o : A n a C l a r a / A c e r v o P e s s o a l
Estudante da mesma escola que os filhos d Marcelo Gualberto, Ana Clara conheceu professor Marcelo e ele lhe apresentou paraesgrima. “Isso me mostrou coisas nova que se fosse por mim eu nunca iri experimentar, e tenho a agradecer a ele po isso” No início, ela até relutou em começa a praticar a modalidade, mas hoje el considera a esgrima um dos amores da su vida
Com apenas três meses no esporte, lá em 2021, ela pôs o nome de Alagoas no pódio d “Aberto Nordeste Paralímpico”, a conquistar uma medalha de prata n esgrima. Há pouco tempo, ela foi a únic nordestina a medalhar na competiçã nacional, organizada pela Confederaçã Brasileira de Esgrima (CBE). Mesmo com dias cansativos de treino, Ana Clara sab que, quando está praticando a esgrima, ela
esquece tudo e foca no esporte, o que lhe traz uma sensação de tranquilidade
O esporte não mudou apenas a forma que a Ana Clara enxerga o mundo, mas contribuiu para que ela se sinta “mais empolgada, mais feliz e controlando as emoções”. Com o apoio da mãe e da irmã, ela acredita que, na Associação Atlética Anthares, encontrou um esporte e pessoas dispostas a lutar por um presente e um futuro mais diverso e inclusivo.
Os desafios da Ana não são pequenos, mas, de espada a espada, ela vai carimbando o seu nome na história da esgrima alagoana E uma das melhores memórias que ela carrega
FORA DA CAIXA 38 ESPORTE
o n t e : A n a C l a r a W a n d e r l e y / A c e r v o P e s s o a l
Ana Clara conquistou medalha de prata em 2021
F
F o t o : A s s o c i a ç ã o A t l é t i c a A n t h a r e s / R e p r o d u ç ã o
Marcelo Gualberto faz questão de incentivar a inclusão
do professor foi “quando ele na minha casa falar comigo para eu não desistir da esgrima por estar mal psicologicamente”.
TUDO COMEÇOU COM O JOÃO
Ninguém é tão grande que não possa aprender, e nem tão pequeno que não possa
ensinar, e isso o professor de judô Felipe Vasconcelos aprendeu na prática. Líder do Instituto Projeto Vencedor, que fica na parte alta de Maceió, ele recebeu o convite da mãe de uma de suas alunas para ministrar uma oficina de judô na ONG “Life Down Brasil”, para famílias com filhos com Síndrome de Down.
O Felipe afirma, que foi para essa oficina meio ansioso, não sabia o que fazer, não sabia como lidar com uma pessoa com síndrome de Down, mas ele decidiu se desafiar e foi aí que o João surgiu na sua vida. “O João tinha na época 8 anos, já tinha passado por várias cirurgias do coração, ele teve todas as comorbidades possíveis da síndrome de down e se encantou pelo judô”.
Foi a partir do João que o professor meçou a pesquisar sobre o judô inclusivo ministrar aulas adaptadas. “O João tinha cirurgias no peito. Ele começou a prati-
car, tomou conta do espaço, as crianças entenderam o universo dele e transformou a todos nós. Depois de um tempo de ele ter melhorado através do judô, o médico decidiu fazer uma cirurgia para corrigir a respiração dele. Fez a cirurgia e foi bem sucedido, mas dias depois ele veio a falecer devido a uma parada cardiorespiratória”, conta Felipe.
Impulsionado pelo João, o Felipe começou a ampliar as aulas e se uniu com a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Semanalmente ele dá aula para pessoas con-
FORA DA CAIXA 39 PORTE
F o t o : F e l i p e V a s c o n c e l o s / A c e r v o p e s s o a l
Alunos do professor Felipe Vasconcelos (na foto acima com faixa azul) fazem parte do Projeto Vencedor
sideradas atípica acordo com desenvolvimento “aqueles que tê maior compreen comunicação, q conseguem ter ma movimentos ficam tem um pouco m sucessivamente”
Como forma d modalidade e abr Vasconcelos junto de outros estad Brasileira de Ju conta que cada au aulas têm dife estímulos. Muitas material pedagóg que venham motivá-los a realizar as atividades”, explica
Com o movimento Judô para Todos, que começou na Europa, atualmente existem campeonatos da modalidade no Brasil e em Alagoas “Nós temos quatro deficiências elegíveis, visual, auditiva, física e intelectual, e, para cada deficiência, tem uma regra específica, mas todos competem e cada uma dentro das possibilidades das suas deficiências”, diz Felipe Ele destaca que, após a prática da modalidade, é possível perceber a evolução dos atletas “Se ele tem dificuldade na movimentação, ele melhora a dificuldade, melhora a força, o equilíbrio, a resistência, a comunicação, o toque, a relação com outras pessoas e com o barulho”
Apesar de todos os benefícios que o judô inclusivo gera na vida dos praticantes, os de-
praticamente sou o único professor em Alagoas que trabalha com judô inclusivo e nós temos 200 ou 300 professores da modalidade”
“SOU O ÚNICO PROFESSOR EM ALAGOAS QUE TRABALHA COM JUDÔ INCLUSIVO”
FELIPE VASCONCELOS PROFESSOR DE JUDÔ
safios ainda são grandes. “É uma área com muito voluntariado Tem que ser tudo da sua vontade. Às vezes, você tem vontade de fazer e sabe a importância, mas não tem ainda o olhar da sociedade De uma forma geral, existe muito preconceito e falta uma inclusão efetiva na prática Também falta investimento para treinos e competições. Eu sou praticamente o único professor no estado de Alagoas que trabalha com judô in-
DA CAIXA 40 ESPORTE
Judô inclusivo é uma das modalidades incluídas nos Jogos do Paradesporto de Alagoas em 2023
F o t o : F e l i p e V a s c o n c e l o s / A c e r v o p e s s o a l
clusivo e nós temos 200 ou 300 professores da modalidade”, reconhece.
Os desafios do esporte adaptado ainda são grandes, mas Felipe aprendeu com o João a não desistir, e o que o estimula todos os dias a continuar é que sempre tem o carinho, a gratidão dos alunos. “O ambiente é do bem e uma coisa muito na prática, do dia a dia com eles Às vezes, você está cansado, com uma visão no que o mundo pode lhe proporcionar e você chega no treino e recebe o olhar de felicidade de um aluno que não conseguia levantar sozinho e hoje consegue”, afirma
APENAS UM TOQUE
“O toque, isso para mim foi o mais importante de todos. O olhar no olho do colega é muito importante, muito importante mesmo”. É com esse sentimento de uma grande conquista que a mãe do André Ferreira e do Felipe Ferreira comemora a transformação mais importante que o judô inclusivo proporcionou na vida dos filhos.
Aos 47 anos de idade, Mauricéia Ferreira é mãe do André, de 20 anos, diagnosticado com autismo moderado verbal, e do Felipe, de 6 anos, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) No Brasil, cerca de
FORA DA CAIXA 41 ESPORTE
F o t o : M a u r i c é i a F e r r e i r a / A c e r v o p e s s o a l
F o t o : M a u r i c é i a F e r r e i r a / A c e r v o p e s s o a l
Mauricéia e Lenivaldo Ferreira fazem questão de acompanhar os filhos André e Felipe nos treinos
Diagnosticado com autismo moderado verbal, André conseguiu socializar através das competições do judô
dois milhões de pessoas são autistas, de acordo com a CID-11, a chamada Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Hoje, o autismo é classificado por níveis ou graus que variam de 1 a 3, refletindo a necessidade de suporte que uma criança necessita para se desenvolver.
Defensora da luta antimanicomial e apaixonada por cuidar de pessoas, Mauricéia sempre buscou iniciativas que pudessem desenvolver habilidades sociais e comportamentais nos filhos. Foi a partir do Centro Unificado de Integração e Desenvolvimento do Autista (Cuida) que ela conheceu a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), uma instituição que promove várias atividades inclusivas, entre elas a prática esportiva do judô
O André, que já tinha sido inserido na natação e em outras modalidades, teve uma adaptação bem melhor no judô. Nas segundas, ele sabe que é dia de “judô com o professor Felipe e os coleguinhas”. E, quando é perguntado o que ele sente quando está no judô, a resposta é simples: ele se sente “lutando"
Sobre gostar do judô, o caçula Felipe diz “sim” e a mãe Mauricéia conta que depois de os meninos começarem a praticar o esporte, eles “melhoraram a concentração, a coordenação, a organização e a tolerância” e que “projetos como o da APAE junto com o professor Felipe promovem esse bem para os nossos filhos; só têm a enriquecer os filhos e a sociedade”
lém. “André já foi para Recife, Arapiraca, Sergipe, lugares diferentes”, diz. Segundo a mãe, o esporte possibilitou que ele conhecesse locais novos, saísse apenas da proteção do seu lar e conseguisse socializar com outras crianças e adolescentes fora do espaço em que ele estava habituado
Quando a Mauricéia fala sobre a importância do toque, talvez nem todos saibam, mas, de acordo com a Secretaria do Estado de Saúde de Alagoas, alguns dos sinais mais comuns do autismo é a dificuldade de interação social, manter contato visual ou tocar em outras pessoas, ter comportamentos repetitivos e em alguns casos atraso na fala e na comunicação nãoverbal.
Ao ver o André e o Felipe conversando e tocando outras pessoas, a mãe entende o motivo do esporte ser uma ferramenta de transformação. Ela é grata à atenção do professor Felipe e à APAE. A cada nova evolução dos filhos, ela entende e defende que o “esporte salva vidas”.
COMEÇO, MEIO E FIM
“Eles se sentem tristes, choram”. É assim que a psicóloga Laís Tenório destaca a reação das pessoas com deficiência ao se sentirem excluídas. O processo de diagnóstico e tratamento é normalmente árduo e cheio de desafios, mas ele se torna mais leve quando existe o apoio dos familiares e pessoas que estão na rotina da PcD.
Afora uma melhor qualidade de vida, o esporte levou os filhos da Mauricéia irem a-
Psicóloga com especialização no esporte e atuando na APAE, Laís Tenório diz ter como missão encorajar e estimular a participação dos familiares. Por meio de palestras, rodas
FORA DA CAIXA 42 ESPORTE
de conversa e momentos com as mães e pais das crianças e adolescentes atípicas que ela consegue ajudar as famílias a lidar melhor com os desafios que precisam enfrentar na busca pelo desenvolvimento social e comportamental dos filhos.
Acompanhando 17 crianças no programa de judô inclusivo, ela percebe como o esporte é fundamental no desenvolvimento, com planos personalizados para cada atleta. A modalidade consegue fazer com que “as crianças se sintam pertencentes a um grupo, tem dois deles que tem síndrome de down que até marcam para sair juntos e brincar na Game Station”.
Apesar dos estímulos proporcionados pelo esporte, Laís defende que a família é a principal responsável pelo incentivo e acompanhamento das pessoas com deficiê-
ência, pois se na instituição elas recebem o cuidado certo, mas em casa não são encorajadas, a tendência é que a evolução seja mais lenta e desestimulante (LS)
“EMBORA ÁRDUO E CHEIO DE DESAFIOS, O DIAGNÓSTICO E O TRATAMENTO SE TORNAM MAIS LEVES QUANDO HÁ O APOIO DOS FAMILIARES, AMIGOS E PESSOAS PRÓXIMAS”
LAÍS TENÓRIO PSICÓLOGA ESPORTIVA
FORA DA CAIXA 43 ESPORTE F o t o : F e l i p e V a s c o n c e l o s / A c e r v o P e s s o a l
André Ferreira junto com a mãe Mauricéia Ferreira nos Jogos do Paradesportos de Alagoas 2023