HISTÓRIAS DO SUBÚRBIO

ARTE DO GRAFITE

DESIGUALDADE

EDIÇÃO 10 - ANO 2 - MARÇO 2024



HISTÓRIAS DO SUBÚRBIO
ARTE DO GRAFITE
DESIGUALDADE
EDIÇÃO 10 - ANO 2 - MARÇO 2024
DESIGUALDADES NA URBANIZAÇÃO PERIFÉRICA DOS LIVROS À PERIFERIA HISTÓRIAS PERIFÉRICAS
14
INTERVENÇÃO ARTÍSTICA NAS PERIFERIAS
RITMO DA IGUALDADE A MODA QUE EMERGE DAS QUEBRADAS DO LITORAL
EXPEDIENTE
A Revista Fora da Caixa é um produto editorial da disciplina Laboratório de Mídia Impressa feita pelos alunos do 6º período do curso de Jornalismo do turno noturno da Universidade Federal de Alagoas. Esta edição foi desenvolvida no semestre letivo 2023 1
Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Arte (ICHCA) Curso de Jornalismo
Endereço
Av. Lourival Melo Mota, s/n, Tabuleiro do Martins, Maceió - AL / CEP 57072-900
E-mail: rforadacaixa@gmail com
Instagram: @revista.foradacaixa
Youtube: youtube.com/@RevistaForadaCaixa
Issuu: issuu.com/revistaforadacaixa
Profº Marcelo Robalinho
MONITORIA
Matheus Alexandre
Victória Gondim
EDITORES RESPONSÁVEIS
Editor: Filipe Tenório
Subeditores:
Daniel Emiliano
Karlla Dominique
REPORTAGEM
Alkeline Matias
Daniel Albuquerque
Filipe Tenório
João Mendonça
Karlla Gomes
Maik Paranhos
Maria Clara Canuto
Pedro Igor Lima
Rodrigo Silva
NÚCLEO DE DESIGN
Editor: Maik Paranhos
Subeditora:
Alkeline Matias
Diagramadores:
Pedro Lisboa
Caroline Oliveira
Maria Lima
NÚCLEOS DE REDES SOCIAIS
Editor: Bruno Melo
Subeditora:
Lídia Tenório
Social Media:
Maria Clara Canuto
Siga nosso perfil no Spotify e fique por dentro das nossas playlists!
Com praias exuberantes e beleza natural marcante, a capital Maceió atrai vi-
Caro leitor, sitantes do mundo Porém, para além das águas cristalinas e paisagem costeira deslumbrante, há uma realidade que permanece escondida sob a sombra da beleza cênica Ao adentrar no interior do município, um panorama que revela a essência da periferia se desenha, onde mais de 55 mil lares ocupam grotas e favelas, no coração da cidade Mas o que define o conjunto de favelas como um legítimo exemplo de periferia?
O sociólogo e filósofo Milton Santos nos orienta ao enquadrar as periferias urbanas como “espaços segregados” locais que transcendem sua dimensão física para englobar uma construção social moldada pela marginalização, falta de acesso a serviços essenciais e infra inadequada.
Em 2022, Maceió conquistou, segundo a organização não governamental Instituto Trata Brasil, um preocupante 10º lugar no ranking das cidades com o pior saneamento, um dos critérios estabelecidos por Milton Santos
para caracterizar um espaço como periférico. Os esgotos, em sua maioria, deságuam no mar e nas lagoas, e até mesmo um riacho no bairro do Poço se transformou em um triste esgoto a céu aberto.
Lançando um olhar sobre a realidade periférica, a edição deste mês da Fora da Caixa destaca histórias desses espaços ditos “marginais”. Vamos desafiar estereótipos e ampliar horizontes, reconhecendo que a periferia é mais do que um lugar no mapa. É um caldeirão de culturas e terreno fértil para a criatividade do espírito humano
Bem-vindo ao lado de fora da caixa da nossa revista! Desejamos a todos um bom mergulho neste rico e vasto tema!
Boa leitura!
Atenciosamente, Editores da 4ª edição da Fora da Caixa
Os textos veiculados nesta revista não representam a opinião do Curso de Jornalismo nem da UFAL
Era uma vez um grande herói grego chamado Teseu Teseu era ateniense e grande guerreiro com enormes feitos Entre suas viagens
um dia, ele tomou um navio junto com seus aliados e navegou de Atenas até a Ilha de Creta. Durante a viagem, o grego precisou trocar algumas peças do navio por já estarem muito gastas, e durante o percurso ele chegou a trocar o mastro, velas, até mesmo o casco do navio Ao retornar para Atenas, a embarcação já havia passado por uma grande repaginada de peças a ponto de já se parecer outra coisa. E, então, um grande questionamento surgiu: o navio que retornou é o mesmo? E se alguém pegasse as peças antigas e montasse um novo navio, esse seria o navio que Teseu partiu inicialmente? Guarde essas perguntas, pois agora iremos avançar no tempo Nas sombras das grandes metrópoles, onde as
luzes brilham mais fracamente e o barulho da cidade se mistura com os sons da vida cotidiana, encontra-se a periferia.
É engraçado pensar sobre os limites da periferia e até onde um bairro pode ser periférico ou não Existe um recurso que estende as “paredes invisíveis” delimitando a periferia Esse recurso se chama: pessoas As pessoas moram, transitam, entram e saem dos espaços periféricos. Da Dona Maria que coloca toda tarde sua cadeirinha na porta de casa para conversar com os vizinhos ao Seu João que mora no outro lado da cidade, em outra realidade, mas atravessa um longo caminho todos os dias para dar aulas em um colégio na comunidade. Ouvir os que chamaremos de transitantes periféricos, irá gerar uma melhor noção do que seria de fato uma periferia e até onde se estende suas fronteiras
“A PERIFERIA NÃO É NECESSARIAMENTE AFASTADA
DOS GRANDES CENTROS URBANOS, MAS DO
SERVIÇO PÚBLICO DE QUALIDADE E DOS DIREITOS
GARANTIDOS PELA CONSTITUIÇÃO”
ELIAS MELO COSTA
JORNALISTA E MORADOR DA GRUTA DE LOUDES
Pedro Lisboa
Finalmente formado! Depois de alguns anos, finalmente Elias Melo Costa, 32 anos, finaliza sua graduação em jornalismo e se torna um dos poucos que atingiram o nível superior de estudos na sua comunidade, na Gruta de Lourdes, localizado na parte alta de Maceió Certo dia, ele estava colhendo falas de algumas pessoas, próximo da região do Centro Educacional de Pesquisa Aplicada (CEPA), no Farol, para um projeto audiovisual que estava produzindo sobre sua comunidade, até que ele se deparou com a seguinte frase: “Eu conheço essa região, era aqui atrás que eu almoçava, mas tinha uma descida uma ladeira e do lado, uma grota”, disse a entrevistada. Após ouvir a palavra “grota”, o produtor independente ficou reflexivo. Havia crescido na Gruta do Padre, comunidade localizada no finado bairro do Mutange, e nunca tinham se referido ao local com esse termo “Já sobre o termo periferia, fui informado que é algo afastado dos centros, mas, com o tempo, você vai vendo que não
é tão simples. Se você for olhar no caso de onde eu morava, era um local que ficava nos fundos do bairro do Farol, que possui localização boa, as pessoas chegam com facilidade e tem bons pontos de referência Ali, você tem shopping e supermercados bastante conhecidos e tradicionais daqui Como seria a periferia se tá próximo?”, afirma Elias. O jornalista completa falando que a periferia é, sim, um local afastado, não necessariamente afastado dos grandes centros, mas do serviço público de qualidade e dos direitos garantidos pela Constituição. O local em que morava foi um dos afetados pelos afundamentos gerados pela empresa Braskem, acidente registrado em 2018 devido à retirada de sal-gema no local, levando à mudança em massa dos exmoradores para outros bairros Eles eram como as antigas peças do navio de Teseu, só que o novo navio é feito de sal-gema e as peças antigas foram dissipadas e não formaram um novo navio.
“NA
O dia chegou! Era aquele fatídico dia de quinta-feira em que a “fessora” iria escrever da ponta do quadro até a outra, o dia em que o giz iria se acabar de tanto ser usado, dia de chegar com calo na mão e aí de quem não copiar. Mas também era o melhor dia para “cabular” aula e dar uma volta na pracinha que era pertinho da escola. Entretanto, Viçosa era uma cidade pequena de Alagoas, situada a 86 quilômetros de Maceió. Se alguém te visse de bobeira na hora da escola, com certeza a notícia iria chegar aos ouvidos da sua mãe, mais rápido que raio em tempos de chuva. Só que havia um menino - o Edgar Jorge de Melo - que conseguia cabular sempre, sem que a família desconfiasse Seu pai, cortador de cana, era muito centrado no trabalho, acordava com o sol e terminava seu serviço junto com ele, não conseguindo perceber a artimanha de seu filho Edgar. Entretanto, há um detalhe bem peculiar, diferente dos outros. Aos 11 anos de idade, Edgar cabulava o seu serviço de “cortador de cana mirim” para ir à escola estudar. Seu pai sabia que o seu filho homem deveria trabalhar para ajudar a sustentar a casa, não tinha tempo para “coisas de gente rica”. Por conta disso, não o levou para escola Mas Edgar tinha sede por aprender e queria saber que símbolos estranhos contidos em um pequeno livro que sua mãe havia dado eram os mesmos “fessora” colocava no quadro.
Todas as vezes que escapulia e se infiltrava na escola, ele aprendia algo novo. Foi assim que conseguiu se alfabetizar... pelo menos, até o seu pai descobrir e não o deixar mais fugir da enxada
Anos depois, já casado, Edgar se mudou para a capital Maceió. Morava em uma humilde casa no bairro do Clima Bom, também situado na parte alta de Maceió Ele e sua esposa se tornaram feirantes. Conseguia fazer um bom serviço, fazer cálculos e ler bem. Mas ainda queria mais, então voltou a estudar, desta vez não como infiltrado A energia para aprender era muito maior que a dos mais jovens. Sua esposa ficava muito contente quando ele chegava da escola e compartilhava o que havia aprendido. Além disso, procurou aprender o ofício de alfaiate, para poder aumentar um pouco a renda. Quando terminou o primeiro grau, aos 26 anos, já havia tido sua primeira filha, a segunda a vir já nasceria com o pai com o ensino básico concluído. Porém, algum tempo depois, ambas poderiam falar que seu pai era funcionário público, porque foi isso que Edgar alcançou cinco anos depois. Hoje, com 74 anos e ensino superior completo –sim, após as duas filhas serem as primeiras da família a ter um curso superior, uma delas em medicina, Edgar ainda decidiu ser o terceiro, nosso cabulador de serviço fala
que a periferia fez o que ele é hoje, mesmo que agora more no bairro da Jatiúca, na orla nobre de Maceió. Na sua essência, o cortador de cana, o feirante, o alfaiate e o funcionário público têm em comum a periferia no sangue.
Aqui, a periferia não é apenas um cenário; é um personagem, um protagonista com muitos humores Thaisa testemunha os altos e baixos desse palco improvável. Ela percebe os sorrisos esperançosos dos alunos, que frequentemente desafiam as expectativas. E também conhece as lágrimas de preocupação que caem discretamente no recreio, quando as preocupações de casa se sobrepõem à alegria da juventude Ela vê o comércio local prosperar, onde a comunidade se apoia e crescem juntos. Mas a sombra da violência paira, uma nuvem escura que desafia o espírito dos jovens estudantes
OS APRENDIZADOS DE
Agora que já vimos o ponto de vista de um aluno, vamos nos posicionar através dos olhos de uma professora. Thaisa Brandão é uma figura notável que, há uma década, decidiu fazer da Escola Municipal Dr. José Bandeira de Medeiros, localizada nos confins da Ponta Grossa, na parte alta da cidade, o seu refúgio de ensinamento. Entre os muros da escola, uma tapeçaria colorida de sonhos, esperanças e desafios se desdobra Naquela parte distante da cidade, onde as casas modestas se agrupam como contos conectados, a professora encontrou uma comunidade que a envolveu com sua calorosa hospitalidade e suas batalhas cotidianas As manhãs na escola são ensolaradas, como uma promessa de um novo começo, mas o sol também lança luz sobre as complexidades do lugar.
Thaisa, no entanto, não é uma mera espectadora; ela é a narradora deste conto. Sua dedicação incansável à educação na periferia é a cola que mantém unidos os fragmentos desse tecido social. Em sua jornada, Thaisa acumula histórias de sucesso, como as visitas emocionantes de exalunos que já trilham caminhos brilhantes
na faculdade ou no mercado de trabalho Essas histórias são as estrelas que iluminam a escuridão da periferia, lembrando a todos que os sonhos podem se tornar realidade.
Nas palavras escritas no quadro negro da vida, Thaisa ensina mais do que matemática e gramática Ela ensina esperança, resiliência e crença de que, mesmo na periferia, o futuro é um livro aberto, esperando para ser escrito com as histórias de sucesso e superação de seus alunos. Em um mundo onde os heróis muitas vezes vestem capas invisíveis, Thaisa Brandão é a professora, a guia, a inspiração que revela as promessas escondidas na periferia e ajuda a escrever um conto de superação a cada dia, como uma super-heroína
Neste intrincado emaranhado de histórias que exploram a periferia sob diferentes perspectivas, uma constante se destaca: a periferia é um solo fértil onde a determinação floresce Entretanto, além do solo fértil e das boas sementes para germinarem, outras variáveis são necessárias para o crescimento de uma muda. Moradias precárias, falta de saneamento básico e marginalização não devem ser romantizadas. Mas a história de cada um dos moradores não pode ser apagada, e sim ganhar holofotes através de políticas públicas. Não podemos garantir que cada sementinha cresça como a de Edgar, mas podemos trabalhar para que histórias transitantes aumente
O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), entidade privada que incentiva a competitividade e o desenvolvimento sustentável dos pequenos negócios, por exemplo, facilita a criação desse ambiente Em seu site, ele disponibiliza uma série de cursos para capacitação profissional, desde o nível básico ao avançado, tudo isso de forma gratuita. Além disso, orienta na abertura de um MEI ou ME, bastando apenas se dirigir em uma de suas unidades. Para quem não conhece, MEI significa Microempreendedor Individual. Representa a forma mais simples de os micros e pequenos empresários poderem se formalizar através de um CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), podendo, com isso, emitir notas fiscais, abrir
contas empresariais e terem acesso a linhas de crédito com mais facilidade, podendo ainda contribuir com a aposentadoria e os benefícios da seguridade social.
Existem também canais no YouTube que fortalecem essa veia transformadora Um desses canais é o Favelado Investidor (www.youtube.com/@faveladoinvestidor), do jovem Murilo Duarte, que nasceu e cresceu nas periferias de São Paulo. Com 354 mil inscritos, o canal publica conteúdo sobre investimentos e empreendedorismo, sendo a periferia seu principal público. Numa linguagem popular, ele desmistifica a crença de que somente a classe alta pode lidar bem com as finanças, mostrando que moradores de comunidades também podem investir na bolsa de valores. “O objetivo é mostrar que qualquer pessoa, de qualquer classe social, pode melhorar suas finanças”.
O Brasil vem apoiando empresas de impacto social. Somente no ano passado, foram abertas 97 novas startups desse ramo.
Em Maceió, através de uma parceria entre a Prefeitura Municipal e o Instituto Alicerce, uma entidade sem fins lucrativos, a capital iniciou um projeto de reforço escolar para alunos de escolas públicas, com o objetivo de diminuir a defasagem escolar gerada pelo distanciamento social na pandemia de covid19. A iniciativa beneficiou 7.300 alunos de escolas do município, inclusive a Dr. José Bandeira de Medeiros Checkpoint era um ritual de metodologia promovido pelo Alicerce que consistia em checar o quanto o aluno tinha conseguido reter de aprendizado em cada quinzena de estudos.
No final das contas, a periferia é local onde os sonhos se encontram com a realidade, a resiliência floresce e os desafios superados. Então, leitor, também transitante periférico em potencial, eu lhe convido a se aventurar pelas periferias e apreciar a cultura delas. Lá, a jornada e o destino são moldados pela força dos que acreditam nos seus sonhos, convertendo-se num farol de esperança em que histórias de superação se desdobram.
era um registro feito quinzenalmente no Alicerce para avaliar o quanto os participantes tinham aprendido
Como o desenvolvimento costuma ser desorganizado e sem o olhar governamental
Nas ruas da periferia de Alagoas, ouvem-se histórias de cidadãos ignorados pelas políticas públicas, enquanto urbanistas debatem alte-
Lima rações capazes de solucionar essa realidade sombria. As iniciativas governamentais nesses lugares são muitas, embora não suficientes para atender a maior parte da população em estado precário. Embora em cada governo eleito surja uma política pública diferente, a sensação é de que essas pessoas são cada vez mais desassistidas.
Os olhares cansados dos moradores da periferia de Alagoas contam uma história silenciosa de desigualdade social. Cerca de 70% da população alagoana residem nessas áreas marginalizadas, onde o abandono das políticas públicas é um grito ecoante. Casas precárias, desprovidas de muitos móveis e eletrodomésticos, servem de testemunhas mudas dessa realidade São lares sem o calor da acolhida e esperança.
As casas, principalmente nas favelas, incluindo aquelas na periferia de Alagoas, frequentemente exibem características específicas, devido a uma combinação de fatores históricos, econômicos, sociais e políticos A urbanização desorganizada é comum, pois essas casas, muitas vezes, surgem de ocupações informais de terras urbanas, onde pessoas de baixa renda as constroem sem permissão formal ou planejamento urbano, resultando em um desenvolvimento caótico, com casas construídas em espaços limitados e sem infraestrutura adequada
Devido a isso, problemas e mais problemas surgem no decorrer do tempo, sem que sejam solucionados. Esgotos a céu aberto, postes sem manutenção, precariedade na coleta de lixo e buracos abertos nas ruas são empecilhos com que os periféricos lidam diariamente, tanto que já não veem como um problema, mas uma rotina
No entanto, além dos problemas comuns do governo, muitas vezes, falta bom senso da própria população, como relata Valdirene Lopes, moradora do bairro da Pitanguinha. “Temos um problema com o lixo, mas é por conta da falta de bom senso. A coleta passa às terças, quintas e sábados na entrada da travessa. O pessoal coloca a qualquer hora e vem pessoas de outra travessa e colocam também”.
Para Valdirene, o maior problema que assola a sua comunidade hoje é a falta de educação Um problema muito antigo que parece não haver solução, e que contribui para que vários outros problemas surjam. “Na quadra 90, que fica próximo aos prédios aqui no bairro, tem um terreno baldio que fica na frente para algumas casas. Está totalmente ocupado por mato, capim grande e antes um morador limpava, mas isso não acontece mais, pois o dono demora e quando aparece só reclama e não faz nada, [como] da última vez, há uns três meses”. Dados alarmantes revelam a falta de planejamento urbanístico adequado e a ausência de serviços públicos na periferia de Alagoas. A segregação social continua a perpetuar a desigualdade, mesmo quando a maioria da população é afetada. Falta de saneamento básico é um dos principais problemas do povo alagoano. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), somente 17,9% dessa população contam com coleta de esgoto e sempre vale lembrar que o problema de saneamento afeta diretamente outros problemas, como a saúde e a educação, pelo risco de contrair infecções e outras doenças e impediddo as pessoas de percorrerem o trajeto à escola, devido às péssimas condições no caminho.
Segundo a Secretaria de Urbanização da Prefeitura de Maceió, o problema é de conhecimento do governo e está sendo solucionado. Sérgio Miranda, coordenador do programa Brota na Grota, iniciativa municipal que visa à melhoria das áreas mais vulneráveis da capital, disse que é “importante manter limpo o ambiente onde essas pessoas convivem”. Segundo ele, o estado de desurbanização pode prejudicar a saúde da população. A estimativa da prefeitura é que 300 mil pessoas vivam nas grotas, o que representa cerca de um terço da população de Maceió
seu condomínio, relata Katarina, é como se fosse um lixão. “A prefeitura tirou a caçamba de colocar lixo, agora o lixo fica no a
chão. Para piorar a situação, eu moro em frente e a situação é deplorável. O IPTU é caro e não temos solução pra esse lixo todo”, comenta.
À medida que exploramos a urbanização periférica de Alagoas, torna-se evidente que a desigualdade social é uma ferida aberta. No entanto, com ações concretas e uma visão de justiça social, podemos plantar as sementes de um futuro mais igualitário e acolhedor para todos “Na maior parte da cidade, encontramos os principais desafios em localidades como favelas e grotas Nessas áreas, enfrentamos diversos problemas que são relacionados à educação, com altas taxas de analfabetismo e evasão escolar, bem como questões de saúde, mobilidade, desigualdade social e econômica”, reconhece Sérgio Miranda, do programa Brota na Grota. A pobreza é um grande fator contribuinte para esse subdesenvolvimento nas periferias, já que os moradores frequentemente têm baixos rendimentos e não possuem recursos financeiros para construir casas seguras resultando em construções precárias, feitas com materiais
simples e ausência de mão de obra especializada. Além disso, a falta de acesso a serviços públicos essenciais, como água potável, luz, esgoto e coleta de lixo, é uma realidade comum nas favelas, levando a condições de vida precárias e insegurança.
Como anda a resistência dos povos originários e negros em Alagoas
Um país tropical, com uma vasta diversidade de fauna e flora, de clima agradável e longe de furacões e erupções vulcânicas
O Brasil foi lar de diversos povos por milhares de anos que chegaram da Ásia através de um “subcontinente” chamado Beríngia, como apontam os pesquisadores. Isso até o ano de 1 500 d C, onde toda essa paz entraria em declínio, dando lugar a chacinas, limpeza étnica e escravidão, com a “descoberta” da Iha de Vera Cruz pelos portugueses. No século XVI, a Região Nordeste foi a primeira a ser invadida pelos colonizadores. Começando pela Bahia, especificamente no Monte Pascoal, onde a esquadra de Pedro Álvares Cabral atracou, área onde hoje se situam os estados nordestinos foi sendo tomada pela força militar portuguesa. Após a conquista do território onde hoje se situa Alagoas, as comunidades indígenas, com uma história de mais de 5 mil anos na área, foram deslocadas de suas terras e reunidas em missões religiosas, onde eram batizados pelos missionários e proibidos de utilizar suas línguas originais, como aponta o professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Edvaldo Mendes, que atua no Campus Sertão com estudos dos povos originários “Longe de suas terras, da sua proibição de utilizar suas línguas originais, de falar somente o português e proibidos de manter suas cerimônias religiosas, eles (os indígenas) foram utilizados como mão de o-
bra nas usinas de cana-de-açúcar, desterritorializados, trabalhando nessas plantações e em outras atividades dos colonos portugueses”, relata. Décadas mais tarde, navios de tráfico trazendo pretos escravizados da África chegaram a essas ter-
Povos do Quilombo dos Palmares e a localização da área entre matas fechadas, pela Inteligência Artificial
ras para reforçar o exército de trabalho que os colonizadores necessitavam para explorar as riquezas do território e consolidar sua ocupação. “Houve diversos movimentos de resistência contra os colonizadores, tanto da parte dos povos indígenas como dos africanos escravizados”, complementa Edvaldo.
O DIALETO DOS PALMARES
O Quilombo dos Palmares, localizado no atual município de União dos Palmares, em Alagoas, surgiu como um símbolo vívido da luta pela liberdade no cenário opressivo da escravidão colonial. Fundado no início do século XVII, tornou-se um refúgio vital para milhares de escravizados que, impulsionados pelo anseio pela liberdade, fugiam das grandes plantações A notável resistência de Palmares ao sistema escravista na América Latina perdurou quase um século, apesar da ausência de registros escritos, possivelmente devido à tradição oral, que desempenhou um papel essencial na preservação da memória coletiva e consciência social
O território de Palmares era situado em uma região fértil e de difícil acesso, o que provavelmente contribuiu para sua escolha como local de refúgio A ocupação holandesa em Pernambuco, que ocorreu no período entre 1630 e 1654, em que Pernambuco foi controlado pelos Países Baixos enquanto Portugal vivia o contexto da União Ibérica (união das Coroas de Portugal e Espanha), desorganizou as estruturas de dominação, facilitando a fuga dos escravizados para as matas. Além das fugas sistemáticas dos engenhos, o quilombo recebeu fugitivos de diversas etnias e camadas oprimidas pelo sistema es-
cravista. Uma das características mais marcantes do Quilombo dos Palmares foi a sua notável diversidade étnica. Pessoas de diferentes origens africanas e também indígenas que compartilhavam as dores da escravidão encontraram neste quilombo um lar comum A segurança física era apenas uma parte do que Palmares oferecia aos seus habitantes.É importante destacar que a República de Palmares não foi apenas um reduto de resistência, mas também uma comunidade complexa que enfrentou desafios diversos para sua sobrevivência e prosperidade. O termo “República”, frequentemente associado ao Quilombo dos Palmares, é empregado para enfatizar a complexa organização social da comunidade, tendo em vista que suas características políticas e sociais se asseme-
Produzidas pela IA, fotografias reconstituem imagens de famílias que viveram no Quilombo de Palmares
lhavam a uma forma de governo autônomo e descentralizado. Ali, em meio às imponentes montanhas e densa vegetação, florescia um sentimento de pertencimento e liberdade que transcendia as amarras da escravidão. A comunidade proporcionava aos seus habitantes a oportunidade de vive-
rem segundo seus próprios valores e crenças, longe do jugo opressor dos senhores de escravos. A existência do Quilombo dos Palmares ecoava por todo o território brasileiro como um símbolo de autodeterminação e resistência. A mera existência deste enclave de liberdade desafiava a noção de que os africanos e seus descendentes eram destinados à servidão A comunidade não apenas sobreviveu, mas também prosperou por quase um século, resistindo às investidas dos colonizadores que buscavam esmagar sua determinação. Os quilombos desempenharam um papel fundamental como focos de resistência constante ao sistema escravista no Brasil Colonial. Além de agirem nos limites do sistema, eles impactavam diretamente o seu núcleo, afetando as forças produtivas do escravismo. Ao mesmo tempo, os quilombos estabeleciam uma sociedade alternativa que exemplificava a possibilidade de organização entre homens e mulheres livres Essa perspectiva oferecida pelos quilombos representava uma ameaça para a sociedade da época e instigava a reflexão de grandes setores da população oprimida. Por isso, o quilombo era um refúgio para muitos indivíduos marginalizados pela sociedade escravista, independentemente de sua raça Ele ilustrava uma forma de democracia racial, um conceito frequentemente discutido, mas que raramente se materializava no Brasil fora das comunidades quilombolas.
E nisso surge a teoria do dialeto de Palmares, pois, afinal, com uma rica diversidade de povos indígenas e africanos, como todos se comunicavam? Yeda Pessoa de Castro, na sua obra “Os falares africanos na interação do Brasil Colônia”, afirma que
“misturavam africanos de diferentes procedências étnicas a um contingente de indígenas (...) [e disso] a necessidade de comunicação entre povos linguisticamente diferentes deve ter provocado a emergência de uma espécie de língua franca”. Com sua própria organização social, economia, sistema de defesa e até dialeto, o Quilombo dos Palmares foi um dos maiores movimentos de resistência a escravidão e a violência colonial da história. Danilo Marques, coordenador geral do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) e professor do Curso de História da Ufal afirma que Palmares ainda representa o exemplo mais significativo da luta e resistência contra o colonialismo português.“Hoje a gente entende que Palmares é toda a simbologia da história do povo afro-brasileiro, dos povos indígenas, dos povos originários, dos quilombolas Então, Palmares é um exemplo de luta para os que ainda estão hoje em dia lutando pela reconstrução de um Brasil menos desigual”
Alagoas foi palco de resistência indígena e afrodescendente desde o primeiro momento em que ficou à risca do colonialismo. Grandes e pequenos movimentos de povos constantemente oprimidos buscaram dar a autonomia e os direitos que eram devidos São a partir de movimentos sociais que é possível articular políticas públicas, necessárias para avançar quanto ao atraso trazido pela escravidão e violência étnica. O poder público vem dando passos curtos em direção a dar o valor devido à história e às potências indígenas e afrodescendentes em Alagoas.
O professor de História Danilo Marques, vinculado ao Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Arte (ICHCA), fala que iniciativas de tombamento de sítios não cristãos e europeus só se deram a partir dos anos 80, com o próprio Quilombo dos Palmares e o terreiro Casa Branca do Engenho em Salvador, na Bahia. Ou seja, dois importantes pontos para a história brasileira, até décadas atrás, sequer eram tombados. Para ele, até os dias atuais, a luta ainda continua
“Há diversas tentativas de apagamento ou não-reconhecimento oficial das lutas destes povos em Alagoas. Esse apagamento pode ser percebido sob diversas perspectivas: do ponto de vista territorial, boa parte das populações indígenas em Alagoas vive em aldeamentos com terras insuficientes para sua sobrevivência, sendo obrigados a migrar para as cidades em busca de trabalho ou empregar-se como trabalhadores rurais nas fazendas dos invasores de suas terras”, acrescenta.
Danilo traz uma visão macro dessa disputa por lugar de fala a respeito desses movimentos históricos, do que ele chama de “batalha de memórias”. Ele cita uma “memória oficial branca” que se mantém, em decorrência do poder público, à vista das pessoas diariamente em nomes como o de Fernandes Lima, Visconde de Sinimbu e os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto em vias e localidades do estado, ao mesmo tempo que há um contraponto de resistência, como os nomes do Moleque Namorador, com sua praça na Ponta Grossa, a estátua de Ganga Zumba, na praça que leva o seu nome em Cruz das Almas, na orla de Maceió, e a própria Praça Zumbi dos Palmares, localizada no centro da capital alagoana. Tanto Danilo Marques quanto Evaldo Mendes concordam que, para haver avanços reais, é preciso voltar aos temas de importância nacional, como o do marco temporal, a política de cotas, o ensino da cultura afro-brasileira indígena e outros temas que podem e devem ser debatidos em busca do resgate brasileiro em sua história, encarando de frente os males causados pelo colonialismo exploratório Além dos esforços para reconhecer a importante luta dos povos anteriormente escravizados por nossos colonizadores, existe a luta em tentar reverter o impacto causado pelos 350 anos de escravidão Levando em consideração os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 33,2% das pessoas com 10 anos ou mais residentes em terras indígenas alagoanas não são alfabetizadas. A taxa de analfabetismo de Alagoas era de 21,8% em 2013. “A luta pela igualdade de direitos e oportunidade e o fim da discriminação racial só terá êxito se toda a sociedade se engajar na luta”, diz Edvaldo.
Tabela de povos indígenas no Brasil de acordo com o IBGE
Etnia Região Município
Wassu-Cocal Zona da Mata Joaquim Gomes
Xucuru-Kariri Agreste Palmeira dos índios
Kariri-Xocó Baixo São Francisco
Porto Real do Colégio
Tingui-Botó Agreste Feira Grande
Karapotó Agreste São Sebastião
Kalancó Alto Sertão Água Branca
Akonã Agreste Pariconha
Jeripankó Alto Sertão Pariconha
Karuazu Alto Sertão Pariconha
Katokinn1 Alto Sertão Pariconha
Kuiupanká Alto Sertão Inhapi
Francisco João da Silva faz parte da tribo
Kuiupanká de Inhapi (AL), é formado em História pela Universidade Estadual de Alagoas (Uneal) e atua como professor e diretor da Escola Estadual Ancelmo Bispo de Souza, localizada na Aldeia Rocado, zona rural da cidade, no sertão alagoano, distante 271 quilômetros da capital Maceió Francisco traz a visão indígena da realidade atual, na qual “a maioria dos pertencentes ao grupo se moveram para outros locais”, tornando mais complexa a tarefa de manter a cultura oral viva. Edvaldo também comenta sobre essa espécie de “diáspora” ocorrida com a população indígena. “A maior parte desta população vive fora de terras delimitadas: 6.672 habitantes vivem em terras demarcadas e 19.053, fora de terras indígenas, segundo
dados do IBGE de 2023”. Ao ser perguntado sobre quais os principais obstáculos que o grupo indígena enfrenta, Francisco não exita em dizer a ausência da “Mãe Terra”, ou seja, das terras pertencentes aos índios.
Ele mostra sua preocupação e como não ter os direitos às terras demarcadas assegurados em Constituição impacta o futuro indígena, já que “os jovens são forçados ao mundo branco e engolido pela cultura do capitalismo. Resta às crianças, a quem incansavelmente transmitimos nossos saberes, mesmo sabendo que ao crescerem, eles são levados de nós”. Fica claro que, para Francisco, o não cumprimento do que foi estabelecido na Constituição Federal, no que se refere aos
povos indígenas, e assim a perda da terra, tem levado a uma dispersão do seu povo em busca de novas oportunidades. Pelo artigo 231 da Carta de 1988, os índios têm reconhecidos “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Carlos Jorge é um líder social negro da periferia de Maceió, do bairro do Vergel do Lago Ele é fundador do Instituto Mandaver, que atua proporcionando atividades para crianças e jovens da localidade na área da cultura e esporte, além do empreendedorismo e geração de renda para famílias locais
Segundo ele, a dificuldade de se fazer movimentos sociais em Alagoas tem ligação direta com o retrato histórico. “A periferia representa o que foi real na história do Brasil A gente precisa entender o que foi que aconteceu aqui durante anos, literalmente conhecer de onde viemos”, complementa. Artistas e fazedores de cultura afro e indígenas destacam o amor que sentem por tudo o que fazem. Porém, a falta de investimento, o processo de apagamento e o descaso atrapalham o desenvolvimento cultural. Karol Justino, da periferia de Maceió, que é artista no ramo musical e atriz, reflete que “depois que a realidade bate na gente, vem a tristeza, porque, para ser uma artista negra e ainda mais periférica, é muito difícil, tem que ralar dobrado Eu tive acesso porque, quando entrei na universidade, o mundo se expandiu. Quando não se tem isso, a gente não consegue se desenvolver”, destaca Karol a respeito da importância da inserção de jovens pretos no ambiente universitário
Os movimentos sociais, sejam em busca de tornar anseios da comunidade em políticas
públicas, sejam em mudar a forma como a periferia é encarada pelo poder público, têm sua importância em reconfigurar espaços, camadas e interações sociais e econômicas Os movimentos sociais, seja em busca de tornar anseios da comunidade em políticas públicas, seja em mudar a forma como a periferia é encarada pelo poder público, tem sua importância em reconfigurar espaços, camadas e interações sociais e econômicas no país O Quilombo dos Palmares, como foi dito pelo professor de História da Ufal Danilo Marques, transformou-se em “um exemplo de luta para os que ainda estão hoje em dia lutando pela reconstrução de um Brasil menos desigual” Algo que inspira muitos desses movimentos ainda hoje.
Todas as imagens que ilustram esta reportagem da Fora da Caixa foram produzidas por meio da inteligência artificial (IA) especialmente com o propósito de buscar imaginar como seriam
Homens e mulheres tinham uma vida livre e mantinham seus rituais no Quilombo dos Palmares (IA)
Para você, o que é periferia? Ela costuma ser vista pelas pessoas como um problema existencial, algo que está longe do centro. Lu-
gar desvalorizado e escasso, composto por pessoas de classes desfavorecidas, e sem muitas oportunidades, com núcleos familiares totalmente desfasados desde sempre, em que a falta de estudo, o desemprego, a gravidez precoce e a violência local são grandes problemáticas no cotidiano dessas pessoas. Lugar onde costuma haver uma ausência enorme de estado, ou pouca presença dele.
A verdade é que o conceito de periferia foi forjado de uma leitura da cidade surgida de um desenvolvimento urbano que se deu a partir dos anos 1980. Esse modelo de desenvolvimento privou as faixas de menor renda de condições básicas de urbanidade e inserção efetiva à cidade Essa talvez seja a sua principal característica, migrada de uma ideia geográfica dos loteamentos distantes do centro. Mas é preciso lembrar que a periferia é marcada muito mais pela precariedade e a falta de assistência e de recursos do que pela localização. Hoje em dia, há condomínios de alta renda em áreas periféricas que, é claro, não podem ser considerados da mesma forma que a sua vizinhança, assim como há periferias em áreas nobres da cidade. De acordo com os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado de Alagoas tem quase 65 mil moradias em grotas e favelas, sendo que cerca de 85% se localizam na capital, totalizando mais de 55
Segundo pesquisas geográficas, cerca de 54% dos bairros da capital têm presença de grotas em seu território, e um dos bairros mais periféricos da capital e com maior número de residências dessa natureza é o Jacintinho, na parte alta de Maceió Levando isso em consideração, resolvemos ir atrás e conhecer um pouco da história de moradores dessas periferias.
O bairro tem cerca de 200 mil habitantes. O nome faz referência ao primeiro morador da localidade, Jacinto Athayde, descendente de portugueses que construiu seu casarão no Poço O bairro teve suas raízes em um sítio que inicialmente abrigava apenas algumas casas O desenvolvimento começou em 1950, quando já contava com uma população de 20 mil habitantes. No final da década de 60, a construção do conjunto habitacional da Cohab marcou um importante passo em sua expansão Depois, o crescimento desordenado de favelas contribuiu para a expansão periférica do bairro. Na década de 70 do século 20, a população dobrou, marcando um período
Falta de segurança, deficiências no atendimento médico e discriminação na hora de arrumar emprego são problemas apontados por Maria Tereza da Silva
de crescimento significativo O surgimento de pequenas mercearias foi o primeiro passo para a expansão do comércio local Hoje, esse comércio é praticamente autônomo, com uma variedade de produtos que inclui desde gêneros alimentícios até vestuário Jacintinho se destaca por sua vitalidade e comércio próspero Mas a ocupação das encostas e grotas circundantes por imigrantes do interior do estado, em decorrência do êxodo rural, resultou em uma discriminação social persistente. Nessas áreas, frequentemente dominadas por grupos de tráfico de drogas, a criminalidade é bem alta.
Maria Tereza da Silva, de 52 anos, moradora do Jacintinho desde muito jovem, chegou para morar no bairro com seus 20 anos de idade Ela viu de perto a transformação nos últimos 32 anos que mora lá. Dona Tereza não tem profissão e dedicou a sua vida para cuidar de sua filha mais velha, Caroline Silva, que teve meningite muito nova e ficou com algumas sequelas, como a surdez Desde então, a vida dessa mãe foi de cuidados a essa filha que hoje tem 25 anos e mora com ela As duas vivem de aluguel e se sustentam com um salário da aposentadoria de Caroline “Para mim, é muito gratificante morar aqui, pois tenho tudo que preciso muito próximo de casa. O comércio local ajuda bastante os moradores que não precisam se deslocar tanto quando precisam comprar algo basicamente é tudo muito próximo, supermercados, lojas de roupas, feira. Três pontos ruins são a falta de segurança, o atendimento médico, que precisa melhorar, e uma certa discriminação que algumas pessoas tem com moradores da comunidade, principalmente na hora de arrumar emprego”, indica Maria Tereza
Já Wedhisley dos Santos Vieira, de 26 anos, mora no Jacintinho há cinco anos, mas especificamente na Rua Santo Antônio, uma das mais perigosas da localidade, onde o tráfico de drogas e a criminalidade são uma grande problemática. De acordo com ele, o que mais lhe incomoda, e uma das grandes dificuldades do local em que vive, é o direcionamento dos correios. “Crimes ocasionais e vigilância policial constante criam uma sensação de paranóia. Além disso, existe uma dificuldade em recebermos produtos pelos Correios, que às vezes não encontram a casa”, disse Wedhisley
Iris Vitoria Silva da Hora, 24 anos, nasceu e se criou na Grota do Pau D’Arco, localizada dentro do Jacintinho. Atualmente mora com sua mãe e seu irmão mais novo Segundo ela, o respeito pelas pessoas que vivem em condições precárias e desumanas é algo que precisa melhorar e todas as pessoas deveriam ter cesso a todos os tipos
de serviços e benefícios do estado e da prefeitura. “Precisamos de políticos ativos e comprometidos com as necessidades da população, não apenas em período eleitoral, mas de um prefeito, um governador, um presidente que lute por todos igualmente”.
Apesar do acesso a hospitais, o atendimento tem que ser melhorado. Iris exemplicou com a questão da saúde “No posto da localidade, por exemplo, são 10 fichas para cada 100 pessoas, e que é difícil o acesso e a demora para conseguir atendimento é absurda”, ironizou.
Ela enfatizou a discriminaçao com quem mora em grotas “Em todos os lugares em que pedem meu endereço, assim que informo que moro na Grota do Pau d’Arco, logo perguntam sobre a criminalidade, sobre a índole das pessoas, sobre roubos e mortes, como se nas grotas existissem apenas pessoas de caráter duvidoso e violência”, critica a moradora do Jacintinho.
Em meio aos desafios e oportunidades das comunidades periféricas, um projeto vai muito além das quatros linhas de um campo de futebol. O Projeto Social Avelino Astro Clube nasceu através da preocupação profunda de Edcarlos Santos e seu irmão Ednaldo Francisco Santos com o tempo livre das crianças dessas comunidades. Sabemos que esse período, se não for preenchido com atividades construtivas, pode se tornar uma porta de entrada para caminhos perigosos como o mundo das drogas e do crime, diz Edcarlos.
O projeto começou com time de futebol, porém como tiveram um número crescente de 60 crianças naquele período, pensaram em ampliar com outras atividades. Com o passar do tempo, Edcarlos começou a distribuir sopa juntamente com um amigo onde faziam a distribuição quinzenalmente em algumas grotas de bairros periféricos
As despesas eram divididas entre eles e, com isso, ainda tentavam ajudar algumas pessoas que mais precisavam, com mais algumas coisas que podiam Em 2020, durante o período da pandemia da covid-19, eles tiveram que parar com as ações voltadas para o futebol com as crianças por causa do distanciamento social.
Pensando no bem estar das crianças e de seus familiares como já faziam a distribuição da sopa, eles e outras pessoas que não faziam parte anteriormente se uniram e começaram a distribuir a sopa, cuscuz com molho de salsicha e ovos, pão com mortadela e molho de salsicha, durante duas a três vezes por semana.
Vitórias do Projeto Avelino Astro Clube, no bairro do Jacintinho, é lembrete de que sonhos não têm limites
Essa distribuição não ficou restrita somente ao Morro do Ary, localizado no bairro do Jacintinho, onde tudo começou. Expandiram também para outras comunidades de Maceió, como Grota do Ary, Vale do Reginaldo, Emater, AndraujoGuaxuma, Grota do Macaco, Pau D’Arco, Novo Horizonte e Beira da Lagoa. Em 2021, quando o mundo voltou a retomar a rotina da vida cotidiana, a distribuição se tornou mensal, tornando o projeto conhecido. Em 2022, o fundador e coordenador Edcarlos Francisco participou de uma formação ofertada pela Rede Gerando Falcões durante seis meses, um ecossistema de desenvolvimento social que nasceu na favela, no qual a partir de experiências pessoais e, do conhecimento acumulado, desenvolveram a crença de que é possível transformar a vida de crianças, jovens, líderes e moradores das favelas, através da combinação de educação socioemocional, educação profissional, acesso ao trabalho e tecnologias
O projeto Rede Gerando Falcões oferece serviços de educação, desenvolvimento econômico e cidadania em territórios de favela e executa programas de transformação sistêmica de favelas, como o Favela 3D, além de projetos de urgência social como o Corona no Paredão e Bolsa Digital. Após essa formação, Edcarlos diz que muita coisa mudou Em 2023, estão fazendo uma transição, deixando de ser Projeto Social Avelino Astro Futebol Clube para o Instituto Avelino. Atualmente, o Instituto conta com coordenador, secretário, tesoureiro, responsável pelo marketing, professores e voluntários para ações desenvolvidas diariamente Os serviços ofertados para as crianças incluem
aulas de reforço escolar, ballet e futebol durante toda a semana Outra proposta é ofertar corte de cabelo, após um curso de aperfeiçoamento ministrado para os voluntários. O Instituto não tem nenhum vínculo político e nem religioso. Segundo Edcarlos, o projeto conta com o apadrinhamento de pessoas que tenham interesse em ajudar as crianças dessas comunidades. Um dos objetivos para 2024 é conseguir um local para a entidade, já que atualmente o espaço usado é o salão da igreja católica que foi cedido para essas atividades no Morro do Ary, no Jacintinho
Obras de arte expostas na periferia
são refúgio aos olhos de quem passa
Por Alkeline Matias e Maik Paranhos
Rompendo com o elitismo e colorindo os muros cinzentos das periferias de Maceió, o grafite é uma expressão artística cultural
que atinge os mais diversos públicos O movimento contemporâneo que surgiu nas periferias de Nova York, nos Estados Unidos, em 1970, e tem vestígios desde o Império Romano, ainda é muito marginalizado, mas vem ganhando seu espaço, proporcionando beleza, ativismo e acessibilidade.
A Lei Federal nº 12.408, de maio de 2011, promulgada pela ex-Presidente da República Dilma Rousseff, alterou um artigo de uma legistação anterior, a Lei nº 9.605/1998, descriminalizando o ato de grafitar no Brasil. Isso só ajudou o movimento no processo de expansão artística. Em entrevista à Fora da Caixa, o artista alagoano Ives Lins, conhecido como Sevi, falou sobre a história do movimento. O grafite tem em sua raiz o vandalismo, assim como a pichação Os movimentos surgiram como formas de protesto, junto com diversas manifestações da cultura hip hop. “Hoje a vertente mudou um pouco, porque virou uma pegada mais artística e que muitas pessoas visualizam e muitas vezes fazemos para embelezar e levar uma
ideia boa para a sociedade”, relatou Sevi. Diferente do grafite, que faz o uso de desenhos, a pichação, que é formada por elementos e sinais, tendo até uma letra própria, é considerada crime e vandalismo, de acordo com o artigo 65 da Lei Federal n ° 9 605/98, que trata de sanções penais e administrativas relativas à condutas contra o meio ambiente, prevendo pena detenção de três meses a um ano e multa que pichar prédios e monumentos urbanos. Sevi falou ainda sobre a importância de levar arte para ambientes que, muitas vezes, são marginalizados. A missão é justamente levar informação, conscientização, acesso e valorização do ambiente. “Embelezar e colorir, mas de forma consciente”, destacou. Segundo o artista, o movimento tem sido mais aceito na sociedade, pois as pessoas estão se informando sobre o movimento. “Hoje posso até dizer que está na moda e é um diferencial é se dar ao luxo de ter um trabalho de graffiti ou muralismo na sua casa ou negócio”, reconhece. O artista também falou sobre a importância do ativismo no movimento. “O grafiteiro tem por obrigação estar na rua colaborando, alertando, protestando e embelezando através de painéis nas ruas da cidade, seja com autorização ou não”. No entanto, todos têm obrigações a cumprir, por isso, a importância de projetos socioculturais na área. Há editais e trabalhos sempre em curso ao longo do ano. O projeto Colorir é Legal, realizado pela Fundação Municipal de Ação Cultural (FMAC), já levou trabalho artístico para vários bairros, grotas e vielas de Maceió. O trabalho de Sevi pode ser visto em alguns bairros,da cidade, como Vergel do Lago, Levada e Santos Dumont.
Fernanda Wanderley, coordenadora geral de Produção Cultural da FMAC, falou quie o projeto Colorir É Legal surgiu após a solicitação dos artistas do segmento. “A partir disso, resolvemos criar um projeto que proporcionasse mais cor e arte para diversos pontos de Maceió”, conta
Bairro de Vergel do Largo recebeu pintura de Ives Lins pelo Colorir é Legal (foto de cima) Ideia é levar arte para a cidade, diz Fernanda Wanderley (foto de baixo)
O artista Lucas Rafael, ou Inxame, como assina em suas obras, é morador do bairro do Santos Dumont, na periferia de Maceió, e desde 2014 se dedica à arte. O interesse começou a partir de uma oficina de desenho oferecida pelo Serviço Social do Comércio (Sesc) e o que antes ficava apenas no papel, com o tempo, começou a ocupar muros na capital alagoana.
Formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Alagoas, ele possui suas obras espalhadas tanto em bairros periféricos como Canaã, Jacintinho e Vale do Reginaldo, quanto em centros turísticos, como no bairro histórico do Jaraguá. Perguntado sobre como é a aceitação do grafite, Inxame destaca que nos bairros de periferia, os moradores aceitam bem o uso dos muros. “Até oferecem água e perguntam se precisam de alguma coisa”. Sobre os bairros de classe média, ele diz isso depende do local.
“Assim, nos bairros de fora da periferia, né, é diferente o rolê, porque as pessoas não são sempre tão receptivas. Já observam a arte com visão de preconceito e tal e nem toda hora que é legal, não Mas, do mesmo jeito que tem pessoas que não gostam, tem pessoas que querem contratar você, pela sua arte. Depende muito do bairro e do público que frequenta”, explica Inxame.
No Jaraguá, bairro que congrega uma parte importante do patrimônio histórico e arquitetônico de Maceió e onde a história da cidade teve início, de fato, em uma caminhada breve pelas ruas, é possível ver a arte periférica registrada em diversos muros Segundo Inxame, as pinturas no bairro são feitas tanto por iniciativa dos próprios artistas, que levam seus materiais, a exemplo de tintas e sprays, quanto por meio de editais publicados pelo poder público, que fomentam a produção da arte nos imóveis da localidade.
“DO MESMO JEITO QUE TEM
PESSOAS QUE NÃO GOSTAM, TEM PESSOAS QUE QUEREM CONTRATAR VOCÊ PELA
SUA ARTE”
INXAME (LUCAS RAFAEL) ARTISTA
Apesar desses editais, Inxame destacou a importância de políticas públicas para fomentar a arte de periferia como alternativa social para os jovens, através de oficinas e palestras para a profissionalização “Falta isso. Não se formam muitos grafiteiros na cidade. Se você for procurar quantos têm uma qualidade artística e uma técnica boa que domine o material do spray, você acha poucos”, constata Recentemente,
“Eu fiz o Lêdo Ivo [poeta, romancista e jornalista] e a Linda Mascarenhas [atriz e feminista].
Foi um trampo contratado, fiz pelo edital da FMAC”, relembra. Segundo ele, a solicitação da arte e a escolha dos personagens foram da própria Câmara. “O pessoal passava pra olhar, tirar foto e a gente teve suporte, como escada, banheiro, água, tudo perto
Já no Vale do Reginaldo, comunidade que fica no bairro do Feitosa, um dos contemplados por editais foi Alan Lima, ou Ares, como é chamado Ele foi selecionado pelo projeto Colorir é Legal, e, na oportunidade, homenageou o morador mais antigo do bairro, o Seu Joaquim, de 108 anos. O artista comentou que o convite foi feito pela Prefeitura de Maceió. “O Vale do Reginaldo é uma localidade coma outro qualquer, só é menos assistida pela iniciativa privada e pelo poder público. Mas eu acredito que futuramente será uma parte valiosa da cidade. Eu vejo potencial, só depende da vontade do poder público”.
O grafite nas periferias não é apenas tinta jogada nas paredes, nem tão somente rabiscos aleatórios. Na verdade, é uma forte manifestação de identidade e intensidade que o artista coloca naquela pintura, uma representação da força e esperança das comunidades que há tanto tempo vem sendo marginalizada. A Prefeitura de Maceió, na atual gestão de João Henrique Caldas, o JHC, vem atuando mais com o Colorir é Legal, através das pinturas feitas, em sua maioria, em centros turísticos. É preciso que iniciativas sejam direcionadas com mais frequência às comunidades, já que o grafite é cria das periferias.
Alan Lima (Ares) pintando mural em homenagem a Seu Joaquim, o morador mais antigo do Vale do Reginaldo
Através da música, jovens de áreas periféricas têm reconhecimento da comunidade e as vidas transformadas
Por Rodrigo SilvaNas ruas das periferias urbanas, um ritmo surge ecoando vozes silenciadas e narrando histórias de resiliência. A música periféri-
ca, embora não seja movimento como vários que conhecemos por aí, surgiu nas grandes cidades, inclusive no Brasil. É impulsionado por vários fatores que refletem as realidades sociais e culturais de diversas comunidades. Através do estilo musical, jovens tiveram as suas vidas transformadas e puderam ter na música uma maneira de manifestar suas dores e alegrias, assim como mostrarem sua cultura, conhecimento e reconhecimento.
A música periférica representa as vozes e experiências das comunidades que, por muitas vezes, são marginalizadas e negligenciadas pela sociedade
O movimento abrange diversos gêneros musicais, como o rap, o funk, o samba, hip hop, entre outros, que desempenham um papel crucial na expressão e na denúncia das desigualdades sociais. Em Maceió, existem muitos bairros periféricos, como Jacintinho, Benedito Bentes, Tabuleiro dos Martins, Cleto, Fernão Velho, Clima Bom, entre outros bairros da capital.
os 16 anos,
Maceió, que já chegou a ser considerada a cidade mais violenta do mundo segundo a ONG Mexicana Seguridad, Justicia y Paz, hoje não está nem entre as 35 cidades com maiores percentuais de violência, diz o Núcleo de Estatística e Análise Criminal da Secretaria de Segurança Pública de Alagoas (SSP). Mesmo assim, a onda de violência nos bairros mais pobres da capital continuam.
Apesar dos avanços na redução dos índices de violência em Maceió, é necessário reconhecer que a persistência da violência
músicas periféricas abordam questões sociais, como desigualdade, racismo, violência e justiça. Elas aumentam a conscientização sobre essa problemática, capacitando os jovens a se tornarem agentes reais de mudança em suas comunidades”, complementa Mônica
Por meio da música, as periferias podem compartilhar suas histórias, celebrar sua cultura e inspirar mudanças sociais significativas Esse movimento não se limita apenas ao Brasil. Através de suas letras
Psicóloga Mônica Fabrício destaca a importância da música para os jovens da periferia
e jovens da comunidade, transmitindo mensagens importantes e inspirando uma reflexão sobre questões sociais Além disso, muitos artistas periféricos atuam como mentores e modelos para os jovens, incentivando o desenvolvimento de habilidades artísticas e, assim, abrindo portas para futuras oportunidades No bairro do Clima Bom, comunidade de Maceió considerada periférica e situada a 16 quilômetros do centro da cidade e 4 quilômetros da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), uma energia única ecoa aos sábados à noite. O jovem e talentoso Ygor Hendrix Rodrigues da Costa, de 19 anos, um verdadeiro mestre das palavras, encontra-se com os seus amigos para participar de duelos de rap que são mais do que simples disputas de rimas. Eles são uma expressão viva da cultura e criatividade que fluem pela comunidade. Ygor teve o seu primeiro contato com rap aos 11 anos de idade. Ele já fazia algumas músicas, mas nada profissional. Graças aos amigos e familiares, ele começou a gostar mais da música periférica. Aos 16 anos, ele decidiu levar o rap mais a sério. Com a ajuda do seu amigo Cauan Lino, conhecido como Panzo, que
sempre o incentivou, ele não desviou o foco e viu na música uma esperança de ser reconhecido e trazer alegrias ao público que o assiste.
Aos 16, Ygor tomou uma decisão que mudaria sua vida Ele decidiu levar o rap mais a sério. Esse foi o momento crucial em que investiu sua energia, criatividade e paixão para aprimorar suas habilidades como rapper e contador de histórias. O jovem, então, mergulhou de cabeça no mundo da música, dedicando horas incansáveis para aperfeiçoar suas letras, aprimorar suas habilidades e construir uma presença no cenário local como artistas. Atualmente, ele usa do seu talento para mostrar a sua realidade ao seu redor e protestar sobre um futuro melhor e com menos preconceito com os jovens e a música da periferia.
MÚSICA PERIFÉRICA
“O rap é mais do que apenas música”, diz, com paixão. “É uma conexão com nossa comunidade, uma voz para os sem voz. Ver meus familiares, pais e amigos nas plateias das minhas apresentações e dos duelos é o que me motiva. Eles são minha força, minha inspiração Quando estou duelando, cantando, não estou apenas representando a mim mesmo, mas também a todos eles. É uma responsabilidade que levo a sério”, acrescenta. Refletindo sobre o poder transformador da música, Ygor diz ser como uma ponte que conecta as experiências e os sonhos do artista com o coração das pessoas.
“Quando alguém ouve minhas letras e se identifica com elas, sei que estou fazendo algo significativo. Estou levando esperança, estou contando histórias que precisam ser ouvidas” A história de Ygor é parte vibrante e autêntica do vasto panorama da
música periférica. Sua jornada no mundo do rap é um testemunho de sua própria habilidade e determinação, além de reflexo do poder transformador da música periférica como um todo Ela transcende fronteiras e estereótipos, criando um espaço onde as experiências e as vozes das comunidades marginalizadas são elevadas e celebradas. É uma arte que ressoa com autenticidade, capturando a riqueza cultural e a complexidade das vidas vividas nas periferias urbanas
A música periférica é mais do que um som. É um eco poderoso da vida real, uma narrativa que merece ser ouvida e valorizada. Enquanto ela continuar a ecoar pelos becos e vielas, continuará a iluminar o caminho para um futuro onde as vozes de todos são não apenas ouvidas, mas verdadeiramente compreendidas e apreciadas.
“Nós, que vivemos essa realidade, procuramos pegar nossa realidade e transformar em arte, para que possamos passar nossa situação para as pessoas que estão do lado de fora, pois muitos não sabem como é a vivência da periferia.
Muitos só sabem aquilo que o jornal e a mídia retratam, mas a nossa realidade é totalmente diferente”, explica o rapper.
Ainda sobre suas composições, o artista declara que são músicas vivas e que todos deveriam ouvir e conhecer sobre a arte periférica. “Apenas escutem, retratem e vejam a realidade da pessoa que fez a música, a forma que ela fez, pois muitos veem na música uma forma de desabafar e mostrar a vida que os jovens vivem em muitas comunidades de Maceió”, destaca Ygor Durante seu desenvolvimento como rapper, ele disse ter enfrentado desafios significativos As batalhas no mundo do rap não eram apenas sobre habilidade, mas também sobre resistência e autodescoberta.
Ele passou por inúmeras horas escrevendo e reescrevendo letras, experimentando diferentes estilos e ritmos e buscando a autenticidade em suas músicas.
O apoio contínuo de sua família e amigos foi fundamental. Eles não apenas o encorajaram, mas também o desafiaram a explorar novas direções musicais e a mergulhar profundamente em suas próprias experiências para encontrar inspiração genuína. A comunidade local também desempenhou um papel vital para Ygor, oferecendo palcos improvisados em praças e esquinas, onde ele podia testar suas músicas e habilidades como rapper, sentindo a reação direta do público que o assistia.
Como as expressões artísticas das comunidades se envolvem com as vestimentas e os modos de ser
Por Maria Clara Canuto“O brilho que muitos não vê, não sente a raiz das viela, a beleza, da favela, só vê quem convive nela”.
Otrecho da música acima da favela”, do grupo alagoano NSC, chama para uma questão que o
está começando a enxergar A be identidade das coisas que nas “quebrada”, expressão criada moradores das periferias para lugar onde vivem.
Desde o início da humanidade, como nos relacionamos com autoestima, como nos colocamos mundo e o jeito que nos expressam um pouco da nossa história e luta periferias, essa identidade é expre o mundo de forma tão potente qu um grito de guerra. E é mesmo. G sistema que todos os dias mata o preto, o favelado E é em meio guerra que os “quebradas” se en com a arte para mostrar as brilhantes que vivem nesses espaço
A “Cidade das Águas” - como é co Maceió por ser um dos principais turísticos do Brasil e parada qu obrigatória para as pessoas que c Região Nordeste de férias - também de realidades escondidas. E isso s nos dados referentes a violên cidades Em 2022, Maceió foi consi nona capital mais perigosa do considerarmos o tamanho da cida posição se torna mais alarmante.
Quem mora nas periferias, ou quem se dispõe a olhar para esses lugares, sabe que a violência não chega aos bairros nobres, de onde os turistas geralmente não saem. Mas é daí que nascem as diversas manifestações culturais. Em meio ao caos, os crias das quebradas de Maceió produzem arte de formas diferenciadas. Uma dessas manifestações culturais é a moda, a estética favelada
Na capital, a cultura do reggae e do melô, ritmos caracterizados pela musicalidade lenta e dançante, por ser uma cidade praiana, é muito forte, e isso reflete nos tipos de roupa. As pessoas sempre estão de kenner e roupas mais leves, já que o calor sempre está presente e é muito fácil chegar à praia. Alguns dos artigos de quebrada são pulseira e tornozeleira do reggae, marcas adotadas pela periferia como Cyclone e Rota do Mar, Kenner, Camisa de coletivos e grupos de dança, boné bordado, pratas, dedeiras, tranças e o cabelo na régua.
A moda surgiu em meados do século 15 no início do renascimento europeu A variação da característica das vestimentas surgiu para diferenciar o que antes era igual. Costumase usar um estilo de roupa desde a infância até a morte. Segundo a pesquisadora Diana Galvão, a moda é um fator decisivo para que se conheça a história de um determinado período e de seu povo, sendo reflexo do tempo e da história.
Muito além da estética, a moda periférica reflete a história e a ancestralidade dos moradores das comunidades As tranças, que são uma forma de enfeitar o cabelo através de um nó que muitos aderem, carregam significados muito fundamentais para a resistência do povo preto, que representam uma parcela das periferias
“É por meio de origem, trajetória e estilo de vida que se evidencia a moda presente nas favelas da sociedade brasileira. O estilo periférico, como se nomeia as roupas vestidas por quem mora em uma área à margem da cidade, tipifica a vestimenta de quem vive ali e parte de um lugar singular e perene, da arte”. É pensando nessa premissa apresentada na matéria “Moda Periférica Brasileira”, da Agência Jovens Comunicadores, que a revista Fora da Caixa conversou com o estudante e produtor de moda Sillas Costa, que é morador do bairro Vergel do Lago. Além de membro do projeto cultural Click Niggas, que tem como objetivo apresentar narrativas de jovens pretos periféricos de Maceió sem um olhar colonizador, ele também é modelo e sonha em abrir seu próprio ateliê um dia.
“Consigo enxergar muitas potências quando estamos falando de moda feita na quebrada. As pessoas conseguem inovar, customizar e, ainda sim, entregar vida as suas peças O mais brabo disso tudo é que já são peças da grande indústria feitas com em cima de algo padronizado Nós conseguimos dar mais vida e criatividade em cima de peças que, na maioria das vezes, são uma fortuna para uma galera que vive apenas com um salário mínimo. O acesso a essas peças vem através de bazares, brechós e doações. A diferença no segmento que explora na moda da periferia é que ele consegue impor sua personalidade e autoridade em peças simples e as tornam únicas e estilosas sem gastar uma fortuna”, afirma.
Para Silas, é importante reafirmar as vivências das periferias através da estética.
Produtor Sillas de m
“É diferente ao ver uma preta da ’quebrada’ usando uma saia da Cyclone em relação a uma branca que usa Zara A forma que a sociedade impõe a classe social em cima das vestes e o seu valor em cima da cor é extremamente desesperador. As roupas são a nossa identidade, o estilo é nossa autodefinição, as cores O estilo tem que ser mais sobre você vestir o que você gosta e tem a ver com você se sentindo bem com as suas vivências”, contou.
atsoCsaliS:otoF
EDIÇÃO 10 - ANO 2 - MARÇO 2024