



























Caro leitor,
Considerando que a ideia de “independência” costuma ser usada para demarcar uma po-
sição alternativa como contraponto aos modelos bem massificados, oficiais ou institucionalizados de produção, surge o questionamento: mas o que seria atualmente, de fato, uma produção cultural independente? Quais os desafios, os problemas e as potencialidades deste mercado?
Diante da invisibilidade da cultura independente, que, por vezes, reforçada ou pouco discutida pela mídia, resolvemos trazer uma edição focada apenas na participação ativa desse segmento.
Assim, você conhecerá um pouco da realidade cultural do nosso estado, os investimentos que estão sendo aplicados e ainda lerá histórias inspiradoras, assim como outros conteúdos que englobam a área cultural de Alagoas, tão rico no quesito talento, mesmo que não seja valorizado pelo seu povo e governantes
A 9ª edição da Fora da Caixa traz à tona um assunto pouco mencionado, a exemplo da persistência de produtores culturais como Netto Machado e Diogo Santos na editoria de política. Você também poderá conhecer a trajetória de Edmilson Mendes, o “cego do centro de Maceió”, assunto da capa deste mês Embarque na nossa jornada e viva com muita música, arte, movimento, informação e inspiração Afinal, a cultura faz a vida girar.
Atenciosamente, Editores da 9ª edição da Fora da Caixa
Os textos veiculados nesta revista não representam a opinião da UFAL, nem do curso de Jornalismo.
EXPEDIENTE
A Revista Fora da Caixa é um produto editorial da disciplina Laboratório de Mídia Impressa feita pelos alunos do 6º período do curso de Jornalismo do turno noturno da Universidade Federal de Alagoas Esta edição foi desenvolvida no semestre letivo 2023.1.
Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Arte (ICHCA) - Curso de Jornalismo
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ORIENTAÇÃO
Profº Marcelo Robalinho
REPORTAGEM
Alexsandra Marques
André Rodarte
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Matheus Alexandre
Victória Gondim
EDITORES RESPONSÁVEIS
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Subeditores:
Daniel Paulino
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Editor: Bruno Melo
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Eduardo Marinho
Felipe Vieira
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Lídia Tenório
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Editor: Maik Paranhos
Subeditora:
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Diagramadores:
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Caroline Oliveira
SCultura das rimas e poesias como meio de resistência no transporte público e você utiliza o transporte público em Maceió, em específico os ônibus, já se deparou com algum jovem ou um grupo deles
fazendo rimas improvisadas ao som de rap com os próprios passageiros e o que há ao redor. Sempre indo mais pelo lado cômico, esses artistas buscam levar um estilo musical que já foi muito marginalizado na sociedade. Para além do grupo que o consome, de maneira leve, eles apresentam seu talento e cultura para muitas pessoas que nunca nem souberam o que é de verdade o rap e o que há por trás dele.
Desde seu início, lá nos anos de 1970 na Jamaica (uma das ilhas do Caribe), o rap é um dos pilares da cultura hip hop em que os artistas podem expor suas ideias, opiniões, assim também como suas queixas, já que, por ter seu início nas regiões periféricas, as denúncias e críticas não eram ouvidas e acatadas tão bem Então, por meio da arte cantada, eles encontraram uma forma de ter sua voz exposta ao mundo. Esse estilo musical é marcado por ser um som de oposição às injustiças sociais e luta pelos direitos da população menos favorecida, o que ainda continua acontecendo nos dias atuais, sendo usado pelos artistas como uma voz para todo um povo
Em conversa com os artistas Lucas Welber e Marcos Victor, a reportagem da Fora da Caixa se aprofundou mais sobre o assunto para entender o movimento e conhecer aqueles que estão por trás das rimas e das motivações que os fizeram chegar até onde estão hoje
“Eu cresci ouvindo rap, mas não fazia parte do meio Só que aí através de um amigo meu na adolescência que me chamou pra rimar de brincadeira, eu descobri que, através das rimas, eu conseguia me expressar de uma forma que eu comumente não conseguia Até aí, eu não estava inserido no meio, como artista nem nada, era só rima O que me fez querer seguir esse caminho foi o fato de não conseguir voltar atrás. A necessidade daquilo ali, que virou minha terapia até hoje (risos), de não querer voltar atrás, seguir essa possibilidade, por amor e fé que pode dar certo como um trabalho também”, afirma Lucas Welber. Segundo ele, o rap é a sua paixão até hoje, além de ser seu trabalho.
Marcos, que é conhecido como Zord no meio artístico, também falou como o rap o
“A primeira batalha que ouvi na minha vida foi entre meus primos mandando um monte derima do YouTube… Quando fui mais a fundo, encontrei um mano de nome Sabotage, que mostrou o mundo dentro do meu entendimento que eu tinha no tempo, me ensinou o que era as ruas, o que tinha nela, das belezas aos malefícios, da bonança a malícia. Tudo era relatado na rua e aquilo me fez querer conhecê-la, ver com meus próprios olhos. A rua é colorida, mesmo sendo cinza É uma paixão inexplicável”, relembra Zord.
A dupla sobe nos coletivos da capital alagoana para levar rimas improvisadas para a população Apesar de a dupla estar sempre aberta a colaborar financeiramente, a busca pelo reconhecimento é o que a motiva ao trabalho nos coletivos.
Os rappers são observadores e ágeis no raciocínio. “O projeto nos ônibus nasceu da necessidade de reconhecimento, de atuar em novos cantos e nos apropriar daquele espaço nem que seja por 10 minutos para levar entretenimento e alegria O lucro é importante, mas informação e cultura não
Apesar de ascensão do rap em todo território, cada vez mais pessoas consomem o estilo musical, se divertem e se encantam com talento dos artistas que rimam, o preconceito enraizado contra um movimento que nasceu na periferia ainda existe e é enfrentado por aqueles que buscam o reconhecimento da sua arte, “Como o Zord falou, o preconceito começa no bom dia mesmo (risos), do jeito que olham ou do jeito que não olham, dá pra saber o que se passa às vezes, mas, na
No meio artístico, as dificuldades para conseguir reconhecimento e uma carreira sólida são inúmeras. Para os artistas independentes do rap em Maceió, o dia a dia é cheio de desafios, mas o amor pela arte e a vontade de deixar sua marca no mundo falam mais alto O talento e perseverança fazem com que a arte nunca deixe de existir, encantando e alcançando cada vez mais as pessoas
“A caminhada até chegar lá é o que
Em 2023, repasses para projetos culturais no estado chegam a R$ 79 milhões
Por Daniel PaulinoCom o objetivo de fomentar a cultura popular alagoana, a Secretaria de Estado da Cultura (SECULT) e a Fundação Municipal
de Ação Cultural de Maceió (FMAC) realizam ao longo do ano, conforme a disponibilidade de recursos, sejam eles próprios ou de repasses federais, uma série de aberturas de editais que visam contemplar esses artistas independentes, como cantores, atores, produtores culturais e outros que integram o segmento com suporte financeiro para que suas obras sejam executadas. Somente em 2022, segundo dados da SECULT, mais de R$ 15 milhões foram repassados através de editais. Já este ano, os dados do Portal da Transparência apontam que somente com a Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022), quase R$ 45 milhões já foram repassados para o tesouro estadual. Já o município de Maceió realizou, em 2023, repassou mais de R$ 34 milhões.
Diante de tantos valores, muito se questiona quem tem acesso a esse dinheiro e como funcionam os repasses. De acordo com a Secretaria de Estado da Cultura, os recursos chegam por meio das leis existentes, convênios com o Governo Federal e emendas parlamentares Já o município de Maceió informa que os recursos chegam por meio das leis existentes, convênios com a União e também de emendas parlamentares.
Os produtores culturais que participam dos editais precisam ter Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) ou registro como Microempreendedor Individual (MEI) voltado para o meio cultural Ou ainda podem ter um CNPJ de terceiro que representa o artista, como um empresário Entretanto, conforme descreve o edital, o CNPJ ou MEI deve ter, no mínimo, um ano de cadastro no ramo cultural e quatro anos de criado.
Um estudo inédito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que a Lei Rouanet teve impacto econômico de R$ 49,8 bilhões de 1993 para cá. Os dados foram apresentados pelo economista Luiz Gustavo Barbosa no Fórum Cultura e Economia Criativa, realizado pela revista Exame, em São Paulo. O levantamento mostra ainda que, ao longo desses anos, a cada R$ 1,00 investido por patrocinadores em 53.368 projetos culturais, pelo menos, R$ 1,59 retornou para a sociedade Os programas de fomento geraram impacto econômico total de R$ 688,8 milhões, sendo R$ 413,6 milhões de forma direta e outros R$ 275,2 milhões de maneira indireta. Foram R$ 110,8 milhões em tributos gerados pela movimentação econômica do setor cultural e de economia criativa, através dos programas e 9.291 postos de trabalho gerados na economia (quantidade anualizada de ocupações em tempo integral existentes devido à movimentação econômica do setor) Os números mostram que, para cada R$ 1,00 gasto na organização e operação das atividades do setor cultural e da economia criativa, R$ 1,67 é movimentado na economia. Esse indicador, para quem não sabe, apresenta o quanto o setor cultural e de economia criativa consegue impulsionar a atividade econômica local. O professor de economia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Cícero Péricles avaliou a importância desses repasses para a movimentação de renda no estado Ele destacou a falta de informação que esbarra no crescimento econômico, impedindo sua expansão. “Sem dúvida, a cultura em Alagoas movimenta bastante a economia, e a chegada de novos investimen-
tytos só fortalece ainda mais esse segmento Vão desde grupos culturais, bandas a artistas independentes, atores e outros. Estudos comprovam que, sim, existe um retorno muito significativo quando há investimento e eles contribuem de forma direta com o nosso crescimento econômico”, afirma.
Apesar de ser um orçamento mais restrito e ter suas limitações, ele acredita que houve uma grande evolução ao longo dos anos, tendo essa invisibilidade cedido espaço para um protagonismo mais forte. “Há um preconceito e uma falta de informação muito grande em torno desses repasses, por parte da sociedade, o que acaba marginalizando o segmento Mas quando a gente para e observa como tudo funciona, vemos que há regras e que não é de qualquer modo que isso ocorre”, explicou Cícero Péricles. Diante dos recursos que chegam através de intervenção legislativa ou leis existentes, que, por sua vez, são bem semelhantes, cabe explicar quais são elas e como cada uma funciona.
Em 2023, o Congresso Nacional aprovou a Política Nacional de Fomento à Cultura, destinando R$ 3 bilhões para o setor cultural. Desdobramento da Lei Aldir Blanc, sancionada na pandemia da covid-19 para apoiar emergencialmente a classe artística, bastante afetada com o fechamento dos estabelecimentos, a Aldir Blanc 2, como já é conhecida, terá recursos assegurados até 2027 A previsão é investir R$ 15 bilhões até
estados e municípios. A lei é vista como um símbolo de resistência das pessoas produtoras de arte e cultura e também uma homenagem a Paulo Gustavo, artista brasileiro vitimado pelo novo coronavírus em 2021.
Em Alagoas, o governo estadual enviou um plano para o Ministério da Cultura em 2023 voltado para as ações previstas na Lei Paulo Gustavo, buscando beneficiar iniciativas nos di i t d di i l
Ano passado, R$ 7 destinados ao estado p 102 municípios alagoa investidos R$ 3,8 bilh sendo R$ 2 bilhões pa bilhão para os 5.570 Apoio à produção aud e manutenção das capacitação e forma apoio às micro e pe setor, fomento a artísticas e segme consolidação do Si
Cultura são alguns do do plano de ação envi Alagoas para o MinC. “ Gustavo, Alagoas estar construção de um inclusivo, que reconhe e seu impacto positivo na sociedade
Através desse mecanismo de financiamento, o Estado poderá fomentar a produção artística local, promover a formação de público, preservar o patrimônio cultural e estimular a economia criativa”, diz o documento De acordo com a secretária de Estado da Cultura e Economia Criativa, Melina Freitas, a iniciativa é um importante passo para fortalecer a cultura e impulsionar a economia criativa no estado, promovendo o desenvolvimento artístico e cultural em diversas áreas. Esse valor de R$ 75,6 milhões representa um marco histórico, sendo o maior investimento direcionado ao setor cultural na história do país Vamos continuar trabalhando juntos para fortalecer e celebrar nossa rica diversidade cultural Essa lei é de extrema importância para Alagoas, pois visa fortalecer e impulsionar o setor cultural em nosso estado”, declara.
Por Bruno Melo e Eduardo Marinho
Que relação os grupos populares têm com os incentivos governamentais?
Apolítica é complexa e varia de acordo com o contexto histórico do momento, levando políticos a serem aliados ou adversários. A ar-
recadação de impostos, embora seja uma medida impopular, é vital para manter o funcionamento do governo e financiar estados e municípios em áreas como saúde, educação, economia e cultura, esta última essencial para a identidade da sociedade e também usada como base para discursos políticos. Porém, entender corretamente as políticas públicas que sustentam a produção cultural é algo desafiador, sobretudo em meio à polarização política.
Para facilitar a compreensão e aplicação da cultura nesse segmento, existem políticas públicas que contribuem com a produção cultural. A Lei de Incentivo à Cultura (Lei Federal nº 8 313), mais conhecida como Lei Rouanet, foi criada no ano de 1991, durante o governo do ex-Presidente da República Fernando Collor de Mello, pelo então secretário de cultura na época, Sérgio Paulo Rouanet O objetivo foi viabilizar a realização de projetos culturais sem que os recursos saíssem dos cofres públicos, fazendo com que empresas e pessoas físicas apoiassem e contribuíssem para realização das produções culturais Resumindo: o produtor cultural apresenta seu projeto no
Grupos populares no São João buscam apoio financeiro para custear a participação nos eventos culturais
No contexto regional, leis como essas desempenham um papel fundamental na sustentação, criação e promoção da cultura em nosso estado Apesar dos desafios enfrentados durante a pandemia, o setor artístico não interrompeu suas produções culturais, aproveitando a digitalização e a realização de lives como uma resposta ao contexto histórico da época
Keyler Simões, ex-assessor da Câmara dos Vereadores de Maceió, diz que, embora a Casa Legislativa tenha papel exclusivo em propor leis, o que ocorre em Maceió e grande parte do Brasil são os chamados “currais eleitorais”, termo conhecido desde a República Velha e usado para denominar uma região onde um político tinha grande influência - no caso da Câmara, os currais são locais agraciados pelos vereadores.
“Aqui no estado. existem muitos grupos de teatro, coco de roda e quadrilhas que recebem patrocínio direto, por não haver uma estrutura organizacional que proporcione a esses grupos obterem patrocínio de empresas privadas”, explica.
A Lei Aldir Blanc desempenhou um papel crucial em apoiar a classe artística durante a covid-19 Netto Machado, produtor por trás dos projetos “Vozes do Beco” e do coletivo “Mutumlab”, reconheceu que, mesmo com anos de experiência, o verdadeiro destaque veio na pandemia, quando ele e sua equipe organizaram um festival. O sucesso se deveu
“MUITOS GRUPOS RECEBEM PATROCÍNIO DIRETO POR NÃO HAVER ESTRUTURA PARA PATROCÍNIO PRIVADO”
KEYLER SIMÕES EX-ASSESSOR PARLAMENTAR
Apresentação
tística. “A falta es dos editais a presença de rejudicaram a os A verba para artistas e estabelecidos, s produtores”, bate em curso ição justa dos nc. Enquanto pel vital na durante a ntam que há alocação de dos projetos flexão sobre a da interseção
FALTA DE FISCALIZAÇÃO NAS INSCRIÇÕES LEVANTA PREOCUPAÇÃO SOBRE PRESENÇA DE “GRUPOS FANTASMAS”
ao contexto em que ocorreu, quando as pessoas ansiavam por eventos sociais depois de um longo período de isolamento. “É super importante e necessário todo tipo de incentivo dado pelo governo”, disse o produtor. No entanto, enquanto alguns acreditam que a iniciativa trouxe alívio, outros têm opiniões divergentes. Para Diogo Santos, proprietário da Gerart Produções e Eventos, os valores da verba da Lei Aldir Blanc foram insuficientes para a-
A reportagem da Fora da Caixa entrou em contato com a Câmara dos Vereadores de Maceió, a Assembleia Legislativa e a Secretaria do Estado de Cultura de Alagoas, porém não obteve resposta de nenhuma das três entidades até o fechamento desta reportagem. Todas essas instituições, responsáveis por garantir a manutenção de toda e qualquer manifestação cultural, seriam importantes para entendermos melhor essas questões
Quem anda pelo centro da capital alagoana pode até não prestar tanta atenção em um primeiro momento, pela correria e o grande número de transeuntes,
até que se dá conta do frenético som de um pandeiro acompanhado de uma voz rouca e marcante nas imediações do antigo Bar do Chopp. Trata-se de Edmilson Mendes, conhecido popularmente como o “ceguinho do centro” Residente do Conjunto Frei Damião, no populoso bairro situado na parte alta da cidade, ele se tornou uma figura extremamente conhecida dos maceioenses, por superar a dificuldade enfrentada pela deficiência visual e não desistir da paixão que é viver da música. A história do “Ceguinho do Centro” é ainda mais profunda com relação às camadas por trás de sua pele que as pessoas poderiam imaginar Casado e pai de três filhos, Edmilson teve a vida transformada para sempre ainda nos primeiros meses de vida, quando perdeu a visão no interior de Pernambuco, em uma cidade chamada cidade de São Bento do Una, onde residia com a mãe, os irmãos e o pai, no agreste pernambucano Lá, ele costumava se pendurar nos postes da cidade para ouvir a rádio através dos megafones que ficavam fixados nos postes de iluminação. Sua trajetória é extremamente emblemática, por lembrar um folhetim novelístico Por ter perdido a visão por conta de uma doença congênita, foi rejeitado pelo pai, que simplesmente resolveu também abandonar a mãe dele, “abortando” assim toda uma família Em meio a dor, sua mãe tentou reconstruir a vida, casou-se novamente e durante a infância, era frequentemente agredido pelo padrasto, servindo como esto-
pim para ele reagir e que desse um basta naquela situação que estava se tornando cada vez mais violenta. Foi nesse momento que ele fugiu de casa ainda pequeno e passou a cantar na feira local, ajudando assim no sustento da casa. Só que, ainda assim, sentia certa perseguição por parte do seu padrasto. Sua única alternativa então seria mudar de vez de cidade. Sozinho e aos 12 anos de idade, Edmilson chegou a Maceió trazendo consigo seu fiel escudeiro, um
que viria acontecer já em sua fase madura da vida, a satisfação de gravar um álbum em estúdio no ano de 2021.
Com a pandemia do novo coronavírus no auge, o projeto foi totalmente conduzido por profissionais renomados e especialistas no assunto. Edmilson relata que conseguiu realizar o projeto através de um edital do concurso “Prêmio Zailton Sarmento”, que lhe rendeu uma quantia em dinheiro, mas
Edmilson fugiu de casa com sonho de cantar para multidões, sem imaginar que cantaria em um teatro lotado na
internacionais em diversas categorias da arte. O nome do álbum é justamente uma alusão a outra paixão de Edmilson, o rádio, que, por muitos anos, foi a sua janela para saber o que estava acontecendo ao seu redor e, assim, ele poderia sonhar com dias melhores. Um fato curioso: já que em casa, ele montou uma rádio improvisada, de certa forma, uma chance de levar sua música para mais locais. Ainda que tenha conseguido concretizar um sonho antigo, era possível notar uma certa tristeza no semblante de Edmilson.
Questionado sobre o “pós-acontecimento”, ou seja, os principais motivos pelos quais o grande momento não tinha sido sua glória e o porquê de sua carreira não ter decolado, ele foi enfático, evidenciando que o prêmio,
apesar de ser louvável e enaltecer a sua carreira como um artista independente, ia requerer muito mais que isso. Demandaria outas ações, a exemplo de uma estratégia de divulgação, trabalho de marketing mais incisivo e pensar no tipo de público que iria consumir seu trabalho, o que claramente não aconteceu, por isso tudo acabou estagnado O projeto foi concebido de uma forma muito solta, através de profissionais que claramente estavam fazendo apenas mais um trabalho, sem se importar como ele tinha batalhado para chegar aonde tinha chegado. A tristeza do “Cego do Centro” era, e continua sendo, uma ferida profunda, pois sabe o quanto cada cantor luta para conseguir realizar esse objetivo. Ele esperava progredir a partir dali, deslanchar. Mudar de palco e sair do centro,
cais. Alguns gritam para que ele continue cantando, outros incentivam dançando e alegrando quem por ali passa, tornando o clima mais leve, o que é imprescindível. Mesmo quando as coisas se complicam, ele jamais pensa em desistir, pois sabe que tem com quem contar Contudo, no passado, a relação com os comerciantes locais não era tão boa, chegando a ser vítima de agressões físicas para que não incomodasse com seu som. Aos poucos, ele conseguiu convencêlos a deixar que ele permanecesse ali Entre uma canção e outra, Edmilson seguiu narrando sua vida, que, apesar de ter conseguido se superar em diversos aspectos, ainda restava um pouco de frustração, pois não sentia tanto apoio local e do seu público e sem condições de buscar um novo mercaassim como entregar bons trabalhos ao seu público eram os principais deles. Se fosse por ele, as coisas teriam caminhado por um lado bem diferente, que talvez tivesse funcionado melhor Mesmo não tendo conseguido alcançar os objetivos almejados ainda na infância, a paixão que se tornou o seu ganha-pão, ajudou a criar os filhos e garantiu um teto digno a ele e sua família, mesmo enfrentando obstáculos, inclusive as adversidades climáticas, continuando a soltar sua voz, com sucessos autorais e de outros artistas.
Mesmo que esteja debaixo de chuva, Edmilson não perde o foco e segue cantando enquanto tateia seus instrumentos sem qualquer vergonha. De acordo com ambulantes que trabalham na região Edmilson costuma canta do centro, debaixo de um mau tempo não o assus que ele está cantando chuva”, relata Lucian ambulante que trabalha n onde o Edmilson se ap daquelas “miudezas” típ popular, como agulha de Os sinais disso estão na s pelos raios solares. Atual proteger um pouco mai alguns acessórios, tais com dias mais quentes, con consideradas insalubre empresa que preza pela de seus colaboradores. informal, isso depende dele. Apesar de cantar co alma, na maioria das praticamente invisível em frenética da região. Mesm abate e recebe o apoio do
Independente do clima, Edmilson se mantém firme no propósito de cantar a sua verdade para as pessoas
cado, diferentemtente de muitos artistas com maior poder aquisitivo. “Santo de casa não obra milagre. Tem muito artista indo buscar fora o que não consegue aqui dentro”, reconhece. Quando questionado sobre como a música impactava em sua vida e como isso representava em tudo que já
“A música representa tudo para mim, mas eu não tenho respaldo de nada. Quem tem mais condições não dá valor, mas sigo cantando”, conclui Edmilson
Para quem deseja prestigiar o trabalho do cantor, o CD “Janela Para o Mundo” é vendido pela família dele. Basta entrar em contato através do número (82)98875-4958. O álbum possui oito canções: A Farinhada (Mácleim Damasceno); Casamento do Pobre (Edmilson Mendes); Guerreiro Alagoano (Domínio público); Meia-Noite (Edmilson Mendes); Moça Namoradeira (Edmilson Mendes); Maceió (Lourival Passos); Serra de Goiana (Edmilson Mendes) e Não Beba Aguardente (Domínio Público) O disco conta com as participações de Xameguinho (sanfona), Gama Junior (flautas) e Wilson Santos (percussão e vocal), além de Zeza do Coco, Maysa Gomes e Caio Odé (vocais).
Como grupos e produtores culturais sobrevivem com pouco apoio por parte do poder público
Aprodução cultural é algo que sempre estará enraizado nos costumes nordestinos. Pessoas que mesmo com as adversidades do dia
a dia sempre encontram tempo e disponibilidade para alegrar a vida do próximo É incrível como uma produção cultural consegue penetrar na camada mais funda das classes sociais e realizando uma espécie de “utopia”, na qual ninguém é mais ou menos que outro, todos fazem parte de um único grupo, não existindo, mesmo que de forma momentânea, diferenças sociais, financeiras e até étnicas dentro dos aglomerados culturais. Quando se trata de cultura independente, chega a ser algo mais interessante Mesmo sem condições das mais variadas possíveis,
desde financeira e estrutural até organizacional, isso não chega a ser um obstáculo para quem tem vontade de fazer acontecer. Não existe meio termo em ser um agente de promoção cultural independente. Só importa apenas uma coisa: acontecer
A “magia” que essas produções carregam e disponibilizam para a sociedade é surpreendente e, em muitos dos casos, a “pegada” mais simplista atrai mais o olhar e atiça os curiosos que passam. Assim que eles se consolidam no espaço cultural do estado, cativando, alegrando, envolvendo, dançando e, principalmente, fazendo de suas ideias abstratas parte da realidade de muitas pessoas.
Um desses agentes regionais é Alberto Germano, músico há mais de 20 anos e agente cultural independente O forró está no seu DNA, por ser filho, tio e sobrinho de músicos “A música sempre esteve presente na minha vida, na vida do meu pai e do meu tio, e isso foi algo passado pra gente, mesmo que indiretamente Minha família, em sua grande parte, é composta por músicos. Tenho orgulho de conseguir viver da música, pois é difícil... Se já era difícil ser um agente cultural independente no passado, que dirá hoje, que competimos contra a grande massa musical, sempre com seus grandes orçamentos e produções Porém, eu me orgulho da profissão que escolhi pra mim e me sinto realizado em poder trabalhar com o que eu mais amo, a música’’, destaca. A importância da família na formação do indivíduo é fundamental
Foi através de seu pai que Alberto iniciou seus passos no mundo da música Já com seis anos de idade, ele tocava alguns instrumentos como a zabumba e o triângulo Tudo isso somado aos ensaios que seu pai realizava com seu grupo de amigos. Foi na sala da sua casa, no bairro do Feitosa, situado na parte alta de Maceió, que Alberto se apaixonou pelo forró. Toda aquela percussão sonora alimentava o desejo dele em ser músico. “Quando eu aprendi a tocar alguns instrumentos, quis fazer igual ao meu pai, então chamei meus primos Fernando [hoje também músico, conhecido como ”Pinote do Acordeom”] e José [irmão de Fernando], ambos filhos do irmão de seu pai Ali nascia o que eles chamavam de Trio do Forró”, conta o músico. Juntos, eles gostavam de imaginar que eram uma banda de forró famosa e, durante todo o dia, eles tocavam as músicas que mais gostavam e estavam em alta naquela época, mantendo
iva a brasa do desejo em serem artistas e trabalharem com o que desde meninos já eram apaixonados pelo forró. Hoje Alberto lembra do passado com nostalgia, desde seu pai a todo ambiente que esteve inserido e que colaborou para que aquela paixão fosse semeada.
O coração então aperta, as lágrimas vêm aos olhos. Ele sabe que não tem como mais voltar, e é o que torna isso belo, é o que o motiva, todos os dias. Antes de subir nos palcos, ele se vê de frente com o seu primeiro público em sua mente, como se todas as vezes fossem sempre a primeira vez, vendo seu pai, sua mãe, seus tios
“SEMPRE QUIS SER COMO MEU PAI, E EU SEI QUE ELE HOJE TÊM ORGULHO DE MIM E DE ONDE CHEGUEI”
ALBERTO GERMANO MÚSICO
VAI DAR GAIA
A história começa como muitas outras, num momento de tantas limitações sociais e notícias ruins por conta da pandemia da covid-19 que o mundo vivenciou do início de 2020 a meados de 2022. Nascia a necessidade de diversão com outras pessoas, após longos meses com bares, casas de show, boates e festas serem altamente restringidas durante a fase de distanciamento controlado. Finalmente com as campanhas de vacinação apresentando bons índices de imunizados, os eventos culturais e festivos poderiam, aos poucos, serem liberados, surgindo assim uma ideia entre amigos, semelhante ao caso de Alberto e seus primos. Só que, desta vez, na vida de André Rodarte e seus amigos mais próximos. Nascido em Sorocaba, no interior de São Paulo, o produtor confessa que nunca pensou em se tornar um profissional de eventos, principalmente após o grande sucesso da sua maior criação até então, a festa “Vai dar Gaia” “Apesar do nome sugestivo, fazendo alusão a alguém que já foi traído, eu me juntei com a Márcia da Gaia, João e Felipão, após uma festa privada na casa de um dos nossos amigos em comum, na qual havia a necessidade do cartão de vacina para participar. Isso, então, foi o que chamamos de ’a deixa’ Ficamos inspirados ao vermos as pessoas felizes, curtindo e se divertindo, nascendo o nosso projeto”, conta Rodarte. Com o passar do tempo, o produtor cultural foi buscando formas de aumentar a popularidade da “Vai dar Gaia”, obtendo um retorno positivo por parte dos frequentadores do evento Por isso, resolveu investir cada vez mais, trazendo a cultura independente com músicas e bandas de artistas genuinamente
alagoanos mescladas com ritmos contemporâneos, altamente modernos e “estourados”, como os jovens perpetuam o que está em evidência através da gíria. Segundo ele, o começo não foi muito fácil, principalmente por serem “iniciantes” no ramo no qual já haviam grandes festas na cidade
Com um jeitinho tímido, mas de personalidade muito determinada, André passou a interagir na rede Twitter com o dono de uma casa de shows da cidade, mas nunca era notado. Essa história só ganhou um novo capítulo quando uma de suas respostas viralizou na rede social, fazendo com que, enfim, o dono do local desse atenção ao grupo “Sabe aquele ditado: água mole em pedra dura, tanto bate, até que fura? Foi assim com o dono do Rex [Rex Bar. estabelecimento situado no Jaraguá, na parte histórica de Maceió]. Sempre comentava nas publicações dele, tentando chamar atenção, até que um dia ele me chamou no privado e começamos a
Um dos idealizadores da “Vai dar Gaia", André Rodarte diz que festa nasceu no período da pandemia da covid
conversar. Assim, conseguimos o local ideal para colocar nosso projeto em prática”, relembra André.
A festa “Vai Dar Gaia” virou febre entre os jovens alagoanos A prova disso é que o evento já está em sua terceira edição. De acordo com o calendário de planejamento desenvolvido, a próxima edição de 2024 ainda não tem data definida, mas deverá ocorrer ainda neste primeiro semestre, reforçando o fim do lado mais “quente” do verão. André menciona a importância de não desistir e continuar acreditando no seu objetivo, pois uma hora tudo pode mudar. “Eu sei que não posso desistir, tenho que continuar acreditando que vai dar certo, esse é o objetivo, uma hora ou outra, as coisas vão mudar”, acredita Rodarte, que também é estudante de jornalismo da Ufal.
Músicos alagoanos explicam por qual fenômeno o rock vem passando em Alagoas e no mundo
ORock está morto”. Se não vive em uma caverna, com certeza, já deve ter ouvido ou lido essa frase em al-
gum momento da sua existência. Seja num trecho de reportagem sensacionalista, seja no comentário ácido em alguma das infinitas redes sociais que temos acesso hoje em dia, essa sentença se tornou algo clássico em toda opinião musical. De jovens dinâmicos e “pra frentex” viciados em redes de vídeos curtos a idosos com ideologia bem conservadora, uma das poucas ideias que to-
dos compartilham é esta Se o mantra “Toda unanimidade é burra” for real, definitivamente o rock’n roll virou camisa de saudades eterna.
Porém, isso não é de todo verdade, nem toda unanimidade é tão burra, tampouco o rock morreu Bem mas, para essa frase ter virado um mantra de parcela significativa da sociedade, algum tipo de embasamento deve existir por trás dessa filosofia Algo existe que motiva a existência disso tudo.
É fato de que as músicas de rock que já foram de grande sucesso no país até o comecinho do século XXI. Só que, de um tempo para cá, com a ascensão do sertanejo e do funk, um espaço tomado por bandas como Legião Urbana e Barão Vermelho, passando por várias outras, foi se perdendo cada vez mais. OK, mas o que fez com que esse gênero começasse a sumir um pouco do gosto popular? A resposta é complexa e pode ser respondida por diversos fatores A parte relativa a grandes e profundas análises socioeducativas, culturais e econômicas da população tupiniquim pode ser deixada para alguém que tenha mais embasamento, porém não deixaremos vocês, leitores, na mão. Para isso, vamos tentar “adentrar” na mente de alguns artistas e grupos que focam parte das carreiras no gênero rock Um deles é o pessoal da banda Angels With Umbrellas, composta por cinco jovens que residem em Maceió. A paixão por esse tipo de música juntou eles, fazendo com que ini-
iniciassem o projeto do Angels With Umbrellas, com intuito de reacender a chamada pelo gênero
Renato Calheiros (bateria e produção), Camilla Sampaio (vocal e guitarra), Nicole Marques (vocal e teclado), Gabriel Nicácio (baixo) e Thales Cavalcante (guitarra solo)
e com Carlos Eduardo Marque na bateria em apresentações são os integrantes da banda. Todos são jovens nas faixas dos 20 e poucos anos. O que levou eles a se apaixonarem e tentar ressuscitar esse suposto “cadáver”? Para eles, o rock não morre O que vem acontecendo é um processo de completa e radical revitalização, inspirado em roqueiros alternativos e mais pop do início dos anos 2000 A banda tenta através da criatividade e da sua juventude fazer com que o som se torne único e cativante para qualquer pessoa que ouça atualmente. As composições variam entre problemas familiares, comuns a todas as pessoas que tenham problemas em qualquer tipo de estrutura familiar que elas tenham crescido, críticas à sociedade como um todo e os mais profundos sentimentos, principalmente a depressão Criada em 2018, a banda Angels With Umbrellas tem o diferencial de suas músicas originais serem todas compostas na língua inglesa. As duas principais compositoras, Nicole e Camila, compõem todas as músicas em inglês por uma liberdade e facilidade que a língua oferece para elas
NICOLE MARQUES
CANTORA E TECLADISTA
“Esse é o bom da música, ela não tem uma língua certa, o sentimento causado por uma boa música é sempre incrível”, afirma Nicole. A primeira e até agora única apresentação da banda foi no festival “Reviva Jaraguá”, onde eles exibiram as músicas que viriam a ser lançadas como singles nas mais populares plataformas digitais de músicas.
Mas não é para isso que estamos aqui, o que querem saber é o motivo do rock estar morto na visão deles, bem, infelizmente eles não souberam muito o que dizer, só bre “o que (o famoso sucesso da etrógradas. males da sas pessoas e idealistas musical do e que, de e depende a vida Um Maceió é o , músico, sário Filipe ente como
nome não é 2021), além os musicais namorados e sustento, produção e ontribuição faz no Rex s principais rico e que Jaraguá
Gabriel, Thales, Nicole, Camila e Renato (esq para dir ), da Angels With Umbrellas, cujo diferencial são as músicas autorais em inglês
Apenas a história de criação do Rex daria um belo texto, mas é preciso entender sua relevância para o cenário do rock em Alagoas. O fato de ser um dos lugares que mais dá espaço e liberdade para que o rock seja apresentado e bandas novas façam suas estreias, segundo Filipe Mariz, é o que mais o motiva. “Sou eclético no que toco. Eu toco o que quiserem pra quem quiser como quiserem, basta pagar bem”, diz, entre risos Mesmo reconhecendo que é difícil o artista ganhar bem com arte, ele diz gostar literalmente de tudo porque é minha forma de viver. “Mas antes de ser a forma que eu vivo, é o que eu amo fazer, arte e principalmente música”, reconhece. Um dos grandes qualificadores do Rex Bar, para Filipe, é a quantidade diferente de música que consegue reunir, um equilíbrio entre festas mirabolantes com bandas inici-
antes ou já consagradas. Um destaque para as bandas Zimbra e Terno Rei, esta última que esteve no segundo principal palco do The Town Festival, realizado em São Paulo em setembro de 2023
Para Filipe, o rock não está morto “Muita gente boa vem produzindo muito conteúdo bom em todos os lugares do mundo, basta garimpar O grande problema da não renovação do rock é dos próprios fãs”, aponta, lançando uma reflexão sobre as pessoas que escutam rock hoje em dia. “O rock serve como manifesto, como um ato político, como uma maneira de inovar Porém, em um mundo onde toda e qualquer maneira de revolução vem incomodando as pessoas, algo que é baseado na revolução, sem ela, acaba perdendo muito as forças”, diz
Por André Rodarte
Umas das mais antigas formas de se fazer arte vive realmente no passado?
Oteatro é uma das formas de se fazer arte mais antigas, mesmo que a sua origem não esteja relacionada com o conceito de
fazer arte. Existem inúmeros registros de sua prática desde tempos bem antigos. Historiadores e arqueólogos apontam em estudos que os seres humanos, por não terem uma língua para se comunicar ainda, utilizavam de gestos e grunhidos para contar histórias até os atos mais banais do cotidiano pré-histórico
Tais ações têm relação com o teatro que conhecemos nos dias de hoje, já que continuamos contando histórias sobre grandes feitos até coisas banais que todo ser humano conhece, às vezes com gestuais. Porém, o que fez o teatro se parecer com o que conhecemos hoje foi a cultura grecoromana. A palavra “teatro” vem do grego theatron, que significa “lugar onde se vê”
Sua origem está relacionada a diversos deuses, mais precisamente na Grécia no século VI a C, sendo desdobramento dos rituais em homenagem ao deus Dionísio, ligado ao vinho, à fertilidade e à diversão Porém, o que essa “galera” realmente inspirou e criou foi o conceito que guia até os dias de hoje, não apenas como espaço físico onde as pessoas vão, mas também seus principais guias, tem base na comédia e na tragédia.
A comédia no teatro tem como principal objetivo fazer as pessoas se sentirem bem e esperançosas Ela conta histórias engraçadas e leves com personagens divertidos e situações que causam alegria e diversão Geralmente, termina com um final feliz e brinca bastante com críticas sobre a sociedade e coisas que a permeiam Em muitos dos casos, os personagens no gênero teatral da comédia têm características exa-
geradas que tornam tudo mais tranquilo.
Por outro lado, a tragédia no teatro busca provocar emoções intensas nas pessoas e fazer com que elas pensem sobre a vida, indo totalmente de contramão ao que é pregado pela comédia Essa forma de teatro lida com temas sérios, como destino, morte e conflitos profundos, comuns a todos os seres-humanos, fazendo com que eles questionem esse tipo de coisa. Os personagens são complexos, com qualidades e defeitos, bem mais próximos de seres humanos reais e a história geralmente termina de forma triste A comédia faz você rir, enquanto a tragédia faz você sentir emoções profundas e refletir sobre vários aspectos dos seres humanos. Cada uma tem seu próprio estilo de contar histórias e nos ajuda a explorar diferentes aspectos da vida humana no teatro.
No Brasil, o teatro chegou pouco tempo depois da chegada dos portugueses, no século XVI, inicialmente com uma função diferente da europeia, com o objetivo de “catequização”, nome bonito para o que, de verdade, tentava ao máximo fazer com que os povos originários tivessem todas as suas características erradicadas.
O teatro no Brasil, assim como a sociedade, foi evoluindo aos poucos. E encarou muito chão para chegar onde está, desde o surgimento do escritor e teatrólogo Nelson Rodrigues, na crítica aos costumes, até o Teatro Oficina, companhia criada pelo diretor, ator e dramaturgo Zé Celso, o José Celso Martinez Corrêa (1937-2023) em São Paulo, em 1958 . Dos turbilhões na época da ditadura militar brasileira, chegou aos dias atuais na base de luta em contextos diversos,
Para Gaba de Souza (à esq ), escassez de peças é um dos principais desafios para os artistas novos no estado
sejam políticos, econômicos ou mesmo culturais e sanitários, o caso da pandemia da covid-19, quando a arte precisou parar suas atividades em função das proibições.
Para além da covid-19, buscamos entender como é fazer teatro em Alagoas a partir da perspectiva de um personagem real que atua na arte cênica local. Gabriel de Souza, conhecido artisticamente como Gaba de Souza, diz que a sua relação com o teatro é profunda e multifacetada Sua “aventura” começou em 2018, no segundo ano do ensino médio, quando participou de um projeto escolar para montar a peça “O Auto da Barca do Inferno”. Também conhecida como “Auto da Moralidade”, a peça do humanista Gil Vicente, considerado o pai do teatro português, apresenta várias sátiras envolvendo a moralidade. Por meio da alma
dos personagens, a peça critica o juízo final do catolicismo, além da sociedade portuguesa do século XVI, época em que foi escrita (em 1517 originalmente) Foi aí que Gaba descobriu sua paixão pelo palco e decidiu seguir adiante nesse mundo intrigante. Além de fazer parte do curso livre de teatro no Centro de Pesquisas Cênicas (CEPEC), ele também está cursando licenciatura em teatro na Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Sua paixão pelo teatro o levou a se envolver em várias apresentações, tanto pelo CEPEC quanto pela Companhia Teatral Maria Carrascosa
Na opinião dele, um dos principais problemas é a escassez de peças teatrais em desenvolvimento no estado. Para atores menos experientes, essa dificulculdade se torna torna ainda mais séria, pois a influência na indústria muitas vezes dita as oportunidades disponíveis. “A falta de recursos e o domínio das companhias estabelecidas tornam difícil para grupos iniciantes ganharem espaço, embora eu veja uma esperança a longo prazo na formação de atores com mais experiência que possam produzir pequenas peças para fortalecer a cena teatral do estado”, diz.
Falar de cinema alternativo, nos dias atuais, parece não caber mais no debate da indústria cinematográfica.
Antes, denominava-se alternativo para qualquer produção que fugisse do padrão hollywoodiano ou para filmes não muito divulgados na mídia
Hoje, podemos pensar hoje mais num cinema autoral, refletindo a personalidade artística do diretor (sua marca própria) ou num cinema experimental, ligado ao novo, mais livre na narrativa e a uma nova experiência de ver uma obra audiovisual, desafiando os padrões estéticos. Tomamos como exemplo um espaço de exibição bem diferenciado no conjunto das 23 salas de cinema existentes em Maceió, para entendermos um pouco melhor dessas alterações na ponta do mercado local alagoano, onde o público se encontra: o Centro Cultural Arte Pajuçara
O que um espaço independente de exibição em Alagoas revela das transformações no padrão de produção e distribuição dos filmes no mundo
filmes, o Arte Pajuçara funciona há 10 anos nos moldes atuais, como centro cultural destinado tanto para a exibição de filmes (seu principal foco), quanto abrigando peças teatrais e apresentações musicais numa sala específica para isso.
Criado em 1981 como espaço de exibição de
Hoje, é o único cinema fora dos shoppings. Situado na Galeria Artcenter, no bairro de Pajuçara, a dois quilômetros do centro da cidade e bem pertinho da orla, o Arte Pajuçara exibe agora em fevereiro dois filmes que nos ajudam a compreender essa mudança contextual por que passa o mercado, passando do cinema alternativo para o autoral/experimental. Um deles é o “Anatomia de uma Queda” (França/2023) e o outro, “Pobres Criaturas” (Irlanda-Reino Unido-Estados Unidos/2023)
“Anatomia de uma Queda”, dirigido pela francesa Justine Triet, embaralha as posições entre o público e o privado, uma das marcas registradas da diretora, bem co-
como a reflexão sobre as relações de gênero. O filme mistura um thriller de tribunal e um drama em torno de uma morte levada a julgamento que ora parece um suicídio, ora um homicídio, ora um acidente, na qual uma mulher é suspeita de matar o próprio marido
“Pobres Criaturas”, por sua vez, é uma produção do diretor grego Yórgos
Lánthimos. Espécie de revisão de “Frankeisntein” (EUA/1931), o filme conta a história de uma jovem resgatada da morte por um médico, uma homenagem aos clássicos do horror dos anos 30 O estilo original de Lánthimos provoca estranhamento no expectador pela escolha de temas bem particulares, as atuações enigmáticas dos personagens e o uso de lentes abertas na tomadas das imagens
“Apesar de não serem grandes sucessos de bilheteria, os famosos ‘Blockbusters’, ambos os filmes contam com prestígio. Ganharam prêmios em festivais internacionais de renome, como Cannes (Palma de Ouro) e Veneza (Leão de Ouro) e agora concorrem ao Oscar, revelando o tipo de cinema produzido no mundo e que vem chamando a atenção da indústria cinematográfica”, comenta Marcos Sampaio, gestor do Centro Cultural Arte Pajuçara
Para ele, a forma de distribuição é outro ponto importante que indica as mudanças ocorridas para um cinema menos alternativo e mais autoral e experimental “Geralmente, os filmes que fogem da lógica do mainstream são distribuídos por empresas independentes ligadas, de alguma forma, aos conglomerados da indústria. É o caso do ‘Anatomia de uma Queda’ e ‘Pobres Criatu-
ras’, que, embora não sejam filmes comerciais, agregam valor pela qualidade das suas produções, atraindo distribuidoras, exibidores como nós e o público de forma geral”, explica Marcos
“OS FILMES QUE FOGEM DA LÓGICA DO MAINSTREAM, SÃO DISTRIBUÍDOS POR EMPRESAS INDEPENDENTES”
MARCOS SAMPAIO
GESTOR DO CENTRO CULTURAL ARTE PAJUÇARA
“BARBENHEIMER” NO PAJUÇARA
Em 2023, segundo informações repassadas com exclusividade à reportagem da Revista Fora da Caixa, o Centro Cultural Arte Pajuçara exibiu 212 filmes, gerando 33.125 ingressos vendidos Desse total, 57 foram títulos do cinema nacional, representando 26,88% dos filmes em cartaz ao longo do ano e 5 962 ingressos comercializados No espaço, a maior bilheteria foi para o drama psicológico “A Baleia” (EUA/2022), que gira em torno do transtorno de compulsão alimentar do protagonista, um homem de meia-idade pesando 272 quilos. O filme teve 2.390 ingressos vendidos.
O suspense “Oppenheimer” (EUA/2023) foi segundo lugar na preferência, com 1 907 bilhetes vendidos. Conta a história do físico Robert Oppenheimer, responsável pelo Projeto Manhattan, cujo propósito era construir bombas atômicas. Bem próximo a “Oppenheimer” em termos de público, este-
teve a “Barbie” (EUA/2023), com 1.878 ingressos comercializados. O enredo se baseia na franquia mesmo nome, enfocando na crise existencial vivida pela boneca da Mattel sucesso no mundo, no fundo, uma crítica ao patriarcado e ao mundo real. “O longa ‘Barbie’ foi a única exceção dos filmes que costumamos exibir, tendo um apelo mais comercial. Foi, na verdade, uma sugestão do distribuidor para que exibíssemos juntamente com ‘Oppenheimer’, seguindo uma estratégia mercadológica adotada em vários lugares de lançar os dois simultaneamente para incentivar o público a assisti-los no mesmo dia, por terem sido classificados como ‘rivais’ Isso gerou um fenômeno intitulado de ‘Barbenheimer’, sendo recorde de procura”, revela Marcos. Apesar de parecer estritamente comercial, “Barbie” foge dos padrões hollywoodianos por apresentar no-
vos contornos na provocação narrativa, ao defender o feminismo sob uma ótica diferente, de uma boneca loira e nos padrões estéticos vistos como esteriotipados do belo que parece justamente ter nada a ver com a causa das mulheres. “A partir de ‘Barbie’, passamos a ver a contribuição artística do diretor como um dos critérios de escolha dos títulos para serem exibidos no Arte Pajuçara, assim como podemos observar em ‘Indiana Jones e a Relíquia do Destino’ (EUA/2023), o mais novo filme dessa série icônica, produzido por uma grande empresa, mas que guarda características próprias que o singularizam em relação a títulos como ‘Aquaman’ e ‘Homem-Aranha’”, explica Marcos “Indiana Jones e a Relíquia do Destino” narra as aventuras do professor Indy (ator Harrison Ford), instado a impedir que artefatos arqueológicos caiam em mãos erradas.
A aquisição de uma nova tecnologia digital de exibição de películas, em 2021, durante a pandemia da covid-19, apontou uma mudança significativa na oferta de veiculação dos títulos no Centro Cultural Arte Pajuçara Até então, apenas os filmes que possuíam chave de mensagem de distribuição aberta (liberada para exibição sem necessidade de código) podiam passar no espaço. Para quem não conhece, KDM (sigla em inglês Key Delivery Message) é uma chave de segurança entregue para cada exibidor de cinema digital. Alguns filmes têm chaves abertas, mas muitos apresentam KDM fechado. “Antes, nossa veiculação era
limitada aos filmes com código aberto Agora, ampliamos a nossa oferta para todo tipo de filme, com código aberto ou fechado de exibição, dependendo apenas da demanda e dos nossos interesses. Isso aumentou muito o nosso leque de opções e o poder de negociação junto aos distribuidores”, afirma o gestor Marcos Sampaio. A proposta, segundo ele, é adaptar a atual sala do teatro, tornando-a um cineteatro, com a instalação de equipamentos de exibição, para poder veicular filmes e ampliar o leque de títulos O projeto, previsto para ser iniciado agora em 2024, está orçado em R$ 400 mil e deverá qualificar o espaço não só em termos de cinema, mas de shows e peças teatrais.
FILMES EXIBIDOS
212 filmes foram exibidos no espaço no ano passado, dos quais:
155 do cinema internacional
INGRESSOS VENDIDOS
33.125 bilhetes foram vendidos em 2023, sendo:
5.962 ingressos de filmes nacionais
57 do cinema nacional
2,5% foi a média nacional de participação do cinema nacional na venda de ingressos em 2023
18%
é a participação percentual do cinema nacional na venda de ingressos no Arte Pajuçara
Cinema Internacional
Cinema Nacional
RESILIÊNCIA E CRIATIVIDADE DURANTE E APÓS A PANDEMIA DA COVID-19 NO ARTE PAJUÇARA
Estratégias inovadoras mantiveram a chama do cinema acesa em meio à covid-19
Apandemia da covid-19 desafios significativos diversos setores, e a indú cultura não foi exceção O
mas, em particular sofreram fechamento prolongado, devido a estaduais de lockdown, a medida pr obrigatória de confinamento.
Para os centros culturais indepe como o Centro Cultural Arte Pajuç Maceió, o desafio se mostrou ain árduo, por razões como o fech prolongado, a falta de recursos fina o adiamento e cancelamento de ev manutenção de funcionários e espa e a adaptação a novas form envolvimento. Mesmo diante adversidades, o Arte Pajuçara cons manter e até inovar em meio à crise.
O Centro Cultural Arte Pajuçara se viu diante da necessidade de se reinventar para sobreviver ao fechamento prolongado. Durante mais de um ano e quatro meses, na fase mais crítica do novo coronavírus, o centro adotou estratégias criativas para manter suas operações junto à comunidade. Marcos Sampaio, diretor de programação do Arte Pajuçara, disse que o centro lançou campanhas de venda antecipada de ingressos, permitindo que o público comprasse tíquetes para serem usados na re-
da ao acessar o serviço, gerando receita para o centro cultural. A iniciativa teve início com dez filmes de diversos gêneros, incluindo drama, comédia e ação, produções feitas para estrear no cinema tradicional ou com passagem por festivais.
O CINEART PAJUÇARA LANÇOU CAMPANHAS PARA A VENDA ANTECIPADA DE INGRESSOS PARA SEREM USADOS NA REABERTURA PÓS-PANDEMIA
Cada filme disponível na plataforma teve um custo de locação e uma parte dessas locações foi destinada à manutenção do próprio centro e de sua dedicada equipe durante o período desafiador “Essa iniciativa foi uma resposta ao momento da pandemia da covid-19. Filmes que planejávamos exibir estavam disponíveis naquele momento na plataforma. Atualmente, estamos focados na manutenção do espaço e na realização de reformas, incluindo a reforma das poltronas e melhoria do espaço para exibição dos filmes”, afirmou Marcos Sampaio, do Arte Pajuçara, no lançamento do projeto
abertura. Além disso, estabeleceu negociações com fornecedores e, durante dois meses, promoveu sessões de cinema drive-in, atendendo às restrições de distanciamento social
Durante o período de fechamento Pajuçara também lançou o projeto Virtual, ainda em 2020, uma plata streaming desenvolvida em parce redes de cinemas. Na época, os espectadores podiam escolher o espaço como sala preferi-
Estratégias criativas mantiveram Arte Pajuçara aberto na pandemia, diz Marcos Sampaio, gestor do espaço
Essa parceria criativa e inovadora entre o Centro Cultural Arte Pajuçara e o Cinema Virtual não só ofereceu entretenimento de qualidade para o público, como também contribuiu para manter viva a chama da cultura e da arte em tempos desafiadores. Além disso, o centro foi beneficiado pela Lei Aldir Blanc e por um edital da Agência Nacional de Cinema (Ancine), destacando a importância do apoio governamental à cultura durante tempos difíceis.
O Centro Cultural Arte Pajuçara é administrado pela Associação Cultural Arte Pajuçara, uma entidade sem fins lucrativos que capta recursos para manter o local. Embora o público e a locação do espaço sejam fundamentais, esses serviços não cobrem todas as despesas. Sampaio explica que a instituição diversificou suas fontes de receita, incluindo patrocínios de empresas, publicidade antes das exibições e emendas parlamentares. Essa diversificação permitiu que o centro não apenas cobrisse seus custos operacionais, mas também realizasse a manutenção do espaço e atualizasse sua infraestrutura de projeção