ISSN 0100-0233

ISSN (online) 2318-2660
v. 46 supl. 1 out./dez. 2022
Secretaria da Saúde do Estado da Bahia

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Rui Costa – Governador do Estado da Bahia Adélia Pinheiro - Secretária da Saúde
• Secretaria da Saúde do Estado da Bahia Centro de Atenção à Saúde (CA S) – Av. Antônio Carlos Magalhães Parque Bela Vista, Salvador – Bahia – Brasil CEP CEP 40.280-000 E-mail: rbsp.saude@saude.ba.gov.br http://rbsp.sesab.ba.gov.br
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ISSN: 0100-0233
ISSN (on-line): 2318-2660
Governo do Estado da Bahia Secretaria da Saúde do Estado da Bahia
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Periodicidade – Trimestral | Periodicity – Quarterly | Periodicidad – Trimestral
Revista Baiana de Saúde Pública é associada à Associação Brasileira de Editores Científicos
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Revista Baiana de Saúde Pública / Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Rev. Baiana saúde pública v. 46, supl. 1, p. 1-264 out./dez. 2022
Trimestral.
Publicado também como revista eletrônica.
ISSN 0100-0233
E-ISSN 2318-2660
1. Saúde Pública - Bahia - Periódico. IT
CDU 614 (813.8) (05)
PLASMA CELL
A CASE REPORT AND SYSTEMATIC REVIEW OF PROGNOSTIC FACTORS
LEUCEMIA PRIMARIA DE CÉLULAS PLASMÁTICAS: REPORTE DE CASO Y REVISIÓN SISTEMÁTICA DE SUS FACTORES PRONÓSTICOS Maria Carolina Barreto Moreira Couto, Lara Maria Carneiro de Almeida, Mariane Carvalho de Almeida, Janine Magalhães Garcia de Oliveira
INFECÇÃO POR VARICELA-ZÓSTER EM PACIENTE IMUNOSSUPRESSO COM COMPLICAÇÕES GRAVES E INESPERADO
VARICELLA ZOSTER VIRUS INFECTION IN IMMUNOSUPPRESSED PATIENT WITH SERIOUS COMPLICATIONS AND UNEXPECTED FAVORABLE CLINICAL OUTCOME
INFECCIÓN POR VARICELA ZÓSTER EN PACIENTE INMUNOSUPRIMIDO CON COMPLICACIONES GRAVES Y EVOLUCIÓN CLÍNICA
FAVORABLE INESPERADA
Renata Carvalho Rodrigues de Melo
ARTIGO DE REVISÃO
REVIEW ARTICLES
ARTÍCULOS DE REVISIÓN
EFEITO DO USO DE PROBIÓTICOS E SIMBIÓTICOS NO CONTROLE METABÓLICO EM PACIENTES COM DIABETES
48
MELLITUS TIPO 2 E PRÉ-DIABETES: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DE LITERATURA 56
EFFECT OF PROBIOTICS AND SYMBOTICS ON METABOLIC CONTROL IN PATIENTS WITH TYPE 2 DIABETES MELLITUS AND PRE-DIABETES: A SYSTEMATIC LITERATURE REVIEW
EFECTO DEL USO DE PROBIÓTICOS Y SIMBIÓTICOS SOBRE EL CONTROL METABÓLICO EN PACIENTES CON DIABETES MELLITUS
TIPO 2 Y PREDIABETES: UNA REVISIÓN SISTEMÁTICA DE LA LITERATURA
Rodrigo O. F. Garcia, Maria de Lourdes Lima de Souza e Silva
INFLAMMATORY MYELOPATHIES
MIELOPATÍAS INFLAMATORIAS
Laís Caló Barreto, Conceição Neves Ferraz, Pedro Antonio Pereira de Jesus
EFEITOS DA SUPLEMENTAÇÃO COM HIDROXIMETILBUTIRATO NA SARCOPENIA EM PACIENTES IDOSOS NA AUSÊNCIA DE EXERCÍCIO FÍSICO: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA 100
EFFECTS OF HYDROXYMETHYLBUTYRATE SUPPLEMENTATION ON SARCOPENIA IN NON-EXERCISING OLDER ADULTS: A SYSTEMATIC LITERATURE REVIEW
EFECTOS DE LA SUPLEMENTACIÓN CON HIDROXIMETILBUTIRATO SOBRE LA SARCOPENIA EN ANCIANOS EN AUSENCIA DE EJERCICIO FÍSICO: UNA REVISIÓN SISTEMÁTICA DE LA LITERATURA
Isa Carolina Paim do Espírito Santo, Rafaella Rabelo Macedo, Thiago Matos e Silva, Thacio Rafael Cruz Guimarães, Rafael Marques Calazans
IMPACTO DOS APLICATIVOS MÓVEIS NA ADESÃO AO TRATAMENTO DA TUBERCULOSE:
UMA REVISÃO SISTEMÁTICA 115
IMPACT OF MOBILE APPS ON TUBERCULOSIS TREATMENT ADHERENCE: A SYSTEMATIC REVIEW
IMPACTO DE LAS APLICACIONES MÓVILES EN LA ADHERENCIA AL TRATAMIENTO DE LA TUBERCULOSIS: UNA REVISIÓN SISTEMÁTICA
Sylvia Márcia Fernandes dos Santos Lima, Lucimeire Cardoso Duarte, Márcia Sandra Fernandes dos Santos Lima, Lis Moura Ribeiro de Sá
USO DE HEPARINA VERSUS CITRATO EM CATETER DE HEMODIÁLISE: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA 132
USE OF HEPARIN VERSUS CITRATE IN HEMODIALYSIS CATHETER: A SYSTEMATIC REVIEW
USO DE HEPARINA VERSUS CITRATO EN CATÉTER DE HEMODIÁLISIS: UNA REVISIÓN SISTEMÁTICA
Lucas Villasboas de Oliveira, Sarah Oliveira Santos Ferreira, Bianca Andrade Mello, Nadia de Andrade Khouri
PREVALÊNCIA DE TRANSTORNOS DO HUMOR EM INDIVÍDUOS COM DOENÇA RENAL CRÔNICA E IMPACTO NA
QUALIDADE DE VIDA: REVISÃO SISTEMÁTICA DE LITERATURA
PREVALENCE OF MOOD DISORDERS IN INDIVIDUALS WITH CHRONIC KIDNEY DISEASE AND IMPACT ON QUALITY OF LIFE:
A SYSTEMATIC LITERATURE REVIEW
144
PREVALENCIA DE TRASTORNOS DEL ESTADO DE ÁNIMO EN INDIVIDUOS CON ENFERMEDAD RENAL CRÓNICA E IMPACTO EN LA CALIDAD DE VIDA: REVISIÓN SISTEMÁTICA DE LA LITERATURA
Daline Conceição dos Santos de Almeida, Marcel Henrique Silva Moraes, Maria Carolina Guimarães Braga, Janine Magalhães Garcia de Oliveira
EFICÁCIA DA RASBURICASE PARA PREVENÇÃO E TRATAMENTO DA SÍNDROME DE LISE TUMORAL:
SISTEMÁTICA DE LITERATURA
EFFICACY OF RASBURICASE FOR PREVENTION AND TREATMENT OF TUMOR LYSIS SYNDROME: A SYSTEMATIC LITERATURE REVIEW
EFICACIA DE LA RASBURICASA EN LA PREVENCIÓN Y TRATAMIENTO DEL SÍNDROME DE LISIS TUMORAL: UNA REVISIÓN SISTEMÁTICA DE LA LITERATURA
Caroline Daneu Lima Badaró, Júlia Aslan Ribeiro Chaves, Paloma Gama Alves da Silva, Janine Magalhães Garcia de Oliveira
RELATO DE EXPERIÊNCIA
EXPERIENCE REPORTS
RELATO DE EXPERIENCIA
160
GRAVIDADE DO PÉ DIABÉTICO: FATORES SOCIOECONÔMICOS EM ESTUDO ENVOLVENDO 5.300 OPERADOS 175
DIABECT FOOT SEVERETY: SOCIECONOMIC FACTORS IN A STUDY WITH 5,300 PATIENTS
GRAVEDAD DEL PIE DIABÉTICO: FACTORES SOCIOECONÓMICOS EN UN ESTUDIO CON 5.300 OPERADOS
Alanna da Silva Amorim, Camila Leite Machado, Victoria Luísa Alencar Rocha de Souza, Aquiles Tadashi Ywata de Carvalho, Aleksandro de Jesus Santos, Márcio Oliveira de Queiroz
INSERÇÃO DE MÉDICAS NA FORMAÇÃO DE ESPECIALIDADES DA COMISSÃO DE RESIDÊNCIA MÉDICA DO HOSPITAL
GERAL ROBERTO SANTOS 191
INCLUSION OF FEMALE PHYSICIANS IN THE HGRS MEDICAL RESIDENCY COMMITTEE’S MEDICAL SPECIALTIES
INSERCIÓN DE MÉDICAS EN LA FORMACIÓN DE LA ESPECIALIDAD DEL COMITÉ DE RESIDENCIA MÉDICA DEL HOSPITAL GENERAL
ROBERTO SANTOS
Silvia Denise Laranjeira Cardoso, Lourianne Nascimento Cavalcante
EPIDEMIOLOGIA DA MORTALIDADE INTRAOPERATÓRIA DE UM HOSPITAL PÚBLICO NA BAHIA
NO PERÍODO DE UM ANO 209
EPIDEMIOLOGY OF INTRAOPERATIVE MORTALITY OF A PUBLIC HOSPITAL IN BAHIA IN A ONE-YEAR PERIOD EPIDEMIOLOGÍA DE LA MORTALIDAD INTRAOPERATORIA EN UN HOSPITAL PÚBLICO DE BAHÍA EN UN PERÍODO DE UN AÑO Ana Carolina Carlos Brito, Priscila Filardi de Oliveira, Ricardo Almeida de Azevedo, Pedro Brito de Oliveira Júnior
ENSAIO
ESSAY
ENSAYO
DIAGNÓSTICO DE PROTEINOSE ALVEOLAR PULMONAR APÓS EXPOSIÇÃO À COVID-19: RELATO DE CASO 231
PULMONARY ALVEOLAR PROTEINOSIS DIAGNOSIS OF AFTER EXPOSURE TO COVID-19: CASE REPORT
DIAGNÓSTICO DE PROTEINOSIS ALVEOLAR PULMONAR TRAS EXPOSICIÓN AL COVID-19: REPORTE DE CASO Bruno Bulhões Ribeiro Ramos, Sérgio Fernandes de Oliveira Jezler, Camila Verônica Souza Freire, Daniel Santana Farias
DIRETRIZES PARA AUTORES I
GUIDELINES FOR AUTHORS
DIRECTRIZES PARA AUTORES
A pesquisa científica no Hospital Geral Roberto Santos (HGRS), enquanto instituição de ensino, tem sido de grande importância para a construção do conhecimento acadêmico dos profissionais de saúde e para o avanço da ciência na instituição. O estímulo ao desenvolvimento de pesquisas na residência médica possibilita reflexões e análises sobre as diferentes realidades encontradas no serviço, produzindo sabedoria para melhor planejamento e/ou resolubilidade nas práticas assistenciais.
A residência médica no HGRS permeia 23 especialidades, com total de 127 vagas abertas anualmente e possibilidade de 293 médicos residentes estarem em formação na unidade. A pesquisa na residência médica tem avançado em número e qualidade, estando em constante crescimento e fortalecimento neste hospital de ensino.
A Comissão de Residência Médica (Coreme) da instituição tem como um de seus objetivos ampliar a produção e publicação científica na formação de médicos especialistas. Esta edição da revista é um meio oportuno para a conquista dos planos da Coreme, atendendo ao objetivo de divulgação dos estudos realizados pela equipe de residência médica do HGRS em suas diferentes especialidades. Além disso, representa uma estratégia de estímulo à produção científica e à integração da pesquisa aos processos acadêmicos, a fim de fortalecer o ensino e a pesquisa no Hospital Geral Roberto Santos – maior hospital de ensino no estado baiano.
Nesta edição, podemos encontrar estudos de médicos residentes, preceptores, internos de medicina e gestores nas diferentes áreas do conhecimento, como anestesiologia, clínica médica, cirurgia vascular, endocrinologia, epidemiologia, infectologia, gênero, geriatria, nefrologia, neurologia, oncologia e pneumologia.
Entre os 14 trabalhos publicados, há três estudos de casos clínicos, quatro estudos exploratórios de dados secundários retrospectivo, uma revisão de literatura e seis revisões sistemáticas.
Um dos estudos de casos clínicos aborda a análise do diagnóstico de proteinose alveolar pulmonar após exposição à covid-19, tema atual, suscitado pela pandemia que perdura por mais de dois anos no país e no mundo. Outra pesquisa discorre sobre a leucemia plasmocitária primária e seus fatores prognósticos na área de oncologia clínica. O último caso apresenta o desfecho inesperado de uma infecção por varicela-zóster em paciente imunossupresso, evidenciando, como no primeiro caso, o diferencial da infectologia clínica na formação médica.
Na seção de trabalhos exploratórios, um estudo avalia os fatores socioeconômicos relacionados à gravidade do pé diabético, analisando o perfil de pacientes conduzidos à cirurgia de amputação. Foi feito um trabalho com mais de 5.300 prontuários de pacientes operados na cirurgia vascular, que reflete no cuidado, desde a atenção básica de saúde, para a prevenção do pé diabético, sendo a amputação um risco evitável. Outra pesquisa dessa seção aborda a epidemiologia da mortalidade intraoperatória nas cirurgias realizadas na instituição no período de um ano, proporcionando reflexões para novas pesquisas e melhorias no serviço. O tratamento com equipe multiprofissional na pressão arterial em mulheres obesas é um estudo de coorte que traz informações significativas para melhoria e ampliação do cuidado na obesidade. Encontra-se também, nos estudos exploratórios, a avaliação de gênero na inserção de médicas na formação de especialidades da comissão de residência médica do HGRS, que suscita reflexões para mudanças no modelo de gestão, atuação e formação patriarcal no campo da medicina. Nas revisões sistemáticas, vamos encontrar estudos com ênfase em tratamentos
farmacológicos, incluindo temas sobre suplementação com hidroximetilbutirato na sarcopenia em idosos sem atividade física, uso de heparina versus citrato em cateter de hemodiálise, uso de probióticos e simbióticos no controle metabólico em pacientes com diabetes mellitus tipo 2 e pré-diabetes e a eficácia da rasburicase para prevenção e tratamento da síndrome de lise tumoral. Seguindo as revisões sistemáticas, estão presentes o estudo sobre o resultado de aplicativos móveis na adesão ao tratamento da tuberculose e a revisão literária das principais etiologias desmielinizantes e doenças autoimunes das mielopatias infecciosas.
A produção de estudos científicos é uma prática cada vez mais evidente na instituição e suscita reflexões para os profissionais e gestores sobre constantes melhorias nas condutas e nos tratamentos, assim como revela a necessidade de aprimoramento de linhas do cuidado na rede pública de saúde.
Temos aqui ótimas produções, pelas quais parabenizamos todos os autores e agradecemos a parceria da Revista Baiana de Saúde Pública, com publicações científicas que vêm sendo desenvolvidas na nossa instituição de ensino pela residência médica.
Sílvia Denise Laranjeira Cardoso
André Luiz Aleluia da Silva
Adil José Duarte Filho
EM MULHERES OBESAS: UMA COORTE RETROSPECTIVA
Maria de Lourdes Lima de Souza e Silvaa
https://orcid.org/0000-0002-2081-4162
Julia Menezes da Silvab
https://orcid.org/0000-0002-9789-0681
Minna Ferrari Schleuc
https://orcid.org/0000-0003-4398-8904
Resumo
A hipertensão arterial sistêmica constitui um grande problema de saúde pública, devido ao impacto na saúde das pessoas portadoras. Sendo assim, valores pressóricos elevados podem acarretar complicações importantes para o indivíduo. Faz-se necessário, portanto, o controle adequado dos níveis pressóricos e a intervenção multiprofissional tem sido bastante promissora nesse sentido. Este é um estudo observacional, coorte retrospectiva, cujo objetivo é avaliar a prevalência da hipertensão arterial e o efeito do tratamento com equipe multiprofissional nas medidas de pressão arterial em mulheres obesas. Foi realizada análise de um banco de dados preexistente, por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 25. Peso, idade, índice de massa corporal, circunferência abdominal, níveis e controle pressóricos, bem como perfil glicêmico e lipídico, foram as principais variáveis analisadas no primeiro e no último atendimento, com intervalo mínimo de um ano. A prevalência de hipertensão arterial, no primeiro atendimento, foi de 65,2%. No entanto, 15,1% das hipertensas estavam controladas. O tempo de acompanhamento foi, em geral, de seis (4,0 – 9,0) anos. No fim do acompanhamento, a prevalência de a Médica endocrinologista. Doutorado e Mestrado em Medicina e Saúde pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora da Escola Bahiana de Medicina. Supervisora do Programa de Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil E-mail: mlourdeslima@bahiana.edu.br
b Graduanda da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). Interna no Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: minnaschleu@bahiana.edu.br
c Médica Endocrinologista. Doutorado e Mestrado em Medicina e Saúde pela EBMSP. Professora da Escola Bahiana de Medicina. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: juliasilva17.2@bahiana.edu.br
Endereço de correspondência: Hospital Geral Roberto Santos. Rua Estrada do Saboeiro, s/n. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41180-170. E-mail: mlourdeslima@bahiana.edu.br
hipertensão aumentou para 70,9%. A taxa de controle subiu para 41,5%, um incremento, portanto, de 30,4% de hipertensas controladas. As hipertensas apresentaram maior prevalência de diabetes mellitus e síndrome metabólica. O grupo obteve melhora nos níveis pressóricos. Inclusive, a quantidade de hipertensas controladas se elevou. No entanto, a prevalência de diabetes mellitus e síndrome metabólica foi maior nas hipertensas. Sendo assim, novas estratégias precisam ser adotadas de modo a melhorar a adesão terapêutica das pacientes.
Palavras-chave: Hipertensão Arterial. Obesidade. Mulheres.
EFFECT OF MULTIDISCIPLINARY TEAM TRATAMENT ON BLOOD PRESSURE IN OBESE WOMEN: A RETROSPECTIVE COHORT
Systemic arterial hypertension is a major public health issue due to its impact on the health of affected patients; thus, high blood pressure values can lead to major complications for individuals An adequate control of blood pressure levels is therefore necessary, and multidisciplinary intervention has been very promising in this regard. This observational, retrospective, cohort study evaluates the prevalence of arterial hypertension and the effect of a multidisciplinary team treatment on blood pressure in obese women. Statistical Package for the Social Sciences, version 25, analyzed a pre-existing database. Weight, age, body mass index (BMI), waist circumference, blood pressure levels and control, as well as glycemic and lipid profile, were the main variables analyzed in the first and last visit, with a minimum interval of one year. Prevalence of arterial hypertension in the first visit was 65.2%, but 15.1% of hypertensive women showed controlled blood pressure. Overall follow-up time was 6 years [4.0 - 9.0]. At the end of follow-up, prevalence of hypertension increased to 70.9%. Control rate increased to 41.5%, that is, 30.4% of hypertensive women with controlled blood pressure levels. Hypertensive women showed a higher prevalence of diabetes mellitus and metabolic syndrome. Although the group presented improved blood pressure levels, and an increased number of controlled blood pressure, hypertensive women showed a significantly higher prevalence of diabetes mellitus and metabolic syndrome. Thus, new strategies are need to improve patient therapeutic adherence.
Keywords: Hypertension. Obesity. Woman.
La hipertensión arterial sistémica es un importante problema de salud pública, debido al impacto en la salud de los portadores. Por lo tanto, los valores elevados de presión arterial pueden causar complicaciones importantes para el individuo. Para evitarlo, es necesario un control adecuado de los niveles de presión arterial, y la intervención multidisciplinar ha sido muy prometedora en ese sentido. Este es un estudio observacional, de cohorte retrospectiva, que se propone evaluar la prevalencia de hipertensión arterial y el efecto del tratamiento con equipo multidisciplinario para la medición de la presión arterial de mujeres obesas. Se aplicó un análisis a una base de datos preexistente, utilizando el Paquete Estadístico para las Ciencias Sociales, versión 25. Las variables peso, edad, índice de masa corporal, circunferencia de cintura, niveles y control de presión arterial, así como perfiles glucémicos y lipídicos fueron las principales analizadas en la primera y última asistencias, con intervalo mínimo de un año. La prevalencia de hipertensión arterial en la primera asistencia fue del 65,2%. Sin embargo, el 15,1% de las hipertensas estaban bajo control. El tiempo de seguimiento fue generalmente de seis (4,0 – 9,0) años. Al final del seguimiento, la prevalencia de hipertensión aumentó al 70,9%. La tasa de control llegó al 41,5%, un aumento del 30,4% de hipertensas controladas. Las mujeres hipertensas presentaron mayor prevalencia de diabetes mellitus y de síndrome metabólico. El grupo tuvo mejora en los niveles de presión arterial. Incluso tuvo un aumento el número de hipertensas controladas. Sin embargo, la prevalencia de diabetes mellitus y de síndrome metabólico fue mayor en mujeres hipertensas. Por tanto, es necesario adoptar nuevas estrategias para mejorar la adherencia terapéutica de las pacientes. Palabras clave: Hipertensión arterial. Obesidad. Mujeres.
A hipertensão arterial sistêmica (HAS), identificada por elevações sustentadas da pressão sistólica ≥ 140 mmHg ou diastólica ≥ 90 mmHg, constitui um grande problema de saúde pública devido ao impacto na saúde das pessoas portadoras. Estima-se que aproximadamente mais de um quarto da população brasileira acima de 18 anos têm HAS. Quanto à prevalência, é mais elevada nos homens até 50 anos. Quando as mulheres normalmente entram na menopausa, a partir da quinta década de vida, esse cenário é invertido, uma vez que elas perdem o fator
protetor hormonal1. No que se refere à etnia, foi constatado que a prevalência da hipertensão em negros é maior do que em brancos, 49,3% e 30,3% respectivamente2. Com relação aos fatores de risco para desenvolvimento da hipertensão, os mais prevalentes são: obesidade, tabagismo, etilismo, sedentarismo, idade, gênero, histórico familiar, dislipidemias e estresse1,2
As mulheres que entraram no climatério têm risco maior para desenvolvimento de HAS, bem como para outras alterações cardiovasculares. Isso acontece por causa da menor produção dos estrogênios nesse período, tendo em vista que esses hormônios apresentam efeitos benéficos sobre o sistema cardiovascular. Assim, quando a mulher chega ao fim de sua vida reprodutiva e, consequentemente, cessa ou diminui a produção de tais hormônios, esse fator protetor deixa de atuar. É a partir desse momento que a prevalência de HAS é maior na população feminina1
Valores pressóricos elevados podem acarretar complicações importantes para o indivíduo. A cardiopatia costuma ser a causa mais comum de morte em hipertensos. Nesse caso, o coração sofre uma série de modificações na tentativa de se adaptar aos níveis elevados da pressão arterial (PA). Além disso, acidente vascular encefálico (AVE), encefalopatia hipertensiva e injúrias renais apresentam-se também como as principais consequências da hipertensão.
A pressão arterial elevada de longa duração contribui para formação de placas ateroscleróticas devido à agressão persistente causada ao endotélio vascular3.
Há uma forte associação entre obesidade e HAS, haja vista que a obesidade é um fator de risco importante para o desenvolvimento da hipertensão. Inclusive, estudos demonstram que a obesidade está diretamente relacionada a níveis elevados da pressão arterial. Estudos de Framingham estimam que em aproximadamente 80% dos casos de hipertensão arterial nos homens e 65% nas mulheres a HAS está associada à obesidade. Sendo assim, há evidências de que o tratamento da obesidade, por meio da perda de peso, é uma medida que melhora os valores pressóricos do paciente obeso e hipertenso, o que reforça ainda a correlação entre o excesso de peso e a hipertensão4
Todo paciente hipertenso, independentemente se há ou não coexistência de outras patologias, precisa tratar a hipertensão de modo a reduzir o risco cardiovascular (RCV). Desse modo, a perda de peso mostra-se importante no tratamento da HAS associada à obesidade, pois há diminuição da gordura visceral – fator responsável por aumentar o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares (DCV)3. Reduções de aproximadamente 5% do peso inicial resultam em quedas entre 20% e 30% da pressão arterial2. Ensaios clínicos e estudos observacionais demonstraram tal efeito, com queda de 1,6 e 1,3 mmHg nas pressões sistólica e diastólica, respectivamente, para cada 1 kg de peso reduzido. Além disso, reduções do
volume intravascular, da frequência cardíaca e de massa do ventrículo esquerdo são observadas com diminuição do peso corporal. Todos esses benefícios na PA são importantes para reduzir a quantidade e a dose de medicamentos anti-hipertensivos3.
Nesse viés, perante esses dados da literatura, torna-se importante avaliar os efeitos do tratamento da obesidade no controle da pressão arterial por equipe multiprofissional, visto que o controle pressórico efetivo reduz a morbimortalidade, sobretudo por causas cardiovasculares nos portadores de HAS, independentemente se ela é isolada ou associada a outras doenças, como a obesidade, que também é foco deste estudo. O tratamento adequado tanto da obesidade quanto da hipertensão pode ser um fator decisivo para que seja possível viver com melhor expectativa e qualidade de vida.
O objetivo primário deste estudo é avaliar a prevalência da hipertensão arterial e o efeito do tratamento com equipe multiprofissional nas medidas de pressão arterial em mulheres obesas. Os objetivos secundários, por sua vez, são escrever as comorbidades associadas às pacientes com hipertensão e comparar variáveis antropométricas, clínicas e laboratoriais de pacientes com e sem HAS.
Estudo observacional, coorte retrospectiva, com análise de dados preexistentes.
Mulheres obesas.
Mulheres obesas acompanhadas por equipe multiprofissional a nível ambulatorial, no período de 2009 a 2020.
A amostra do estudo foi de conveniência, sendo estudadas todas as pacientes matriculadas no ambulatório que preencheram os critérios de inclusão.
Mulheres com índice de massa corpórea (IMC) maior ou igual a 30 kg/m2, maiores de 18 anos.
Pacientes com dados insuficientes no prontuário ou pacientes com menos de um ano de acompanhamento.
Este estudo foi realizado a partir da análise do banco de dados do Ambulatório de Obesidade do Centro Médico da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP), da Fundação Bahiana para desenvolvimento das Ciências (FBDC). Esse ambulatório faz parte do Projeto para Estudo do Excesso de Peso (PEPE), que conta com equipe multidisciplinar composta por endocrinologistas, psicólogos, enfermeiro e nutricionistas, com acompanhamento de aproximadamente três vezes ao ano. O ambulatório de ensino e pesquisa atende a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) e funciona como centro de referência para atendimento de pacientes com obesidade dentro da instituição. Este estudo analisará as pacientes no momento da entrada no projeto e na última consulta, com intervalo mínimo de um ano. Todos os exames laboratoriais são repetidos, no mínimo, duas vezes ao ano, à exceção do teste oral de tolerância à glicose, que é repetido anualmente. Os dados extraídos e analisados da identificação foram: idade, cor de pele autodeclarada (branca, parda ou negra), renda informada, presença de doenças prévias (HAS, DM, pré-diabetes, dislipidemia, cardiopatia) e medicações em uso. As medidas antropométricas obtidas foram: peso, altura, IMC, medida da circunferência abdominal (medida em expiração leve, no ponto médio entre a crista ilíaca e última costela). Foi considerada aumentada a circunferência abdominal acima de 80 cm. Além disso, foi considerada efetiva a perda de 5% do peso inicial.
No atendimento que deu origem aos dados deste trabalho, a pressão arterial foi aferida duas vezes, com tensiômetro aneróide, digital, marca OMRON, sendo utilizado manguito apropriado para circunferência do braço das pacientes. Nos indivíduos com circunferência acima de 35 cm foi utilizado tensiômetro adequado conforme a diretriz vigente no período da consulta. No momento da aferição, também foi examinada a frequência cardíaca, de forma digital. Além disso, foi verificado se o paciente estava de bexiga vazia, tinha praticado exercícios físicos há pelo menos sessenta minutos, tinha ingerido bebidas alcoólicas, café, alimentos ou fumado nos últimos trinta minutos.
O paciente ficou sentado, com as pernas descruzadas, pés apoiados no chão, dorso recostado na cadeira e relaxado. Para além disso, o braço estava na altura do coração,
apoiado. Após três minutos, foi aferida a PA na posição de pé, em pacientes diabéticos, idosos e em outras situações em que a hipotensão ortostática é frequente ou suspeitada.
Os exames laboratoriais foram feitos após jejum de 12 horas e abstinência alcoólica de 72 horas. Foram coletados 20 mL de sangue, em tubo Vacutainer estéril heparinizado, a ser utilizado para determinação dos resultados. Foram realizadas as seguintes dosagens: glicemia; Hb1Ac (HPLC); teste oral de tolerância à glicose [TOTG] simplificado (duas horas após consumo de 75 g de glicose anidra, nas pacientes sem diagnóstico prévio de diabetes mellitus, e glicemia pós-prandial de duas horas para as diabéticas; triglicérides (TG), colesterol total (CT), colesterol LDL estimado (dosado se TG > 400 mg/dL), LDL-c, HDL-c; todos dosados pelo método de química seca. Além disso, foram calculados o colesterol não HDL (CNHDL) e a razão TG/HDL-c. Todas essas dosagens foram realizadas no Laboratório do Centro Médico da EBMSP.
Valores de referência para o peso: peso normal (IMC < 25 kg/m2), sobrepeso (IMC > 25 kg/m2 e menor que 30 kg/m2), obesidade grau I (IMC ≥ 30 kg/m2, obesidade grau II: IMC ≥ 35 kg/m2), obesidade grau III (IMC ≥ 40 kg/m2). Conforme Diretrizes Brasileiras de Obesidade, de 2016.
Definição da hipertensão: estágio I ≥ 140/90 mmHg, estágio II ≥ 160/100 mmHg, estágio III ≥ 180/110 mmHg. De acordo com a VII Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial.
Perfil lipídico (CT, TG, HDL-c, LDL-c): considera-se desejável CT < 190 mg/dL, HDL-c > 50 mg/dL, LDL < 130 mg/dL e TG < 150 mg/dL. Com relação ao LDL-c, os valores de referência variam de acordo com a estratificação de risco cardiovascular. Sendo assim, em pacientes com baixo risco espera-se encontrar LDLc < 130 mg/dL; pacientes com risco intermediário LDL-c < 100 mg/d; pacientes com alto risco LDL-c < 70 mg/dL; pacientes com muito alto risco LDL-c < 50 mg/dL. Conforme atualização da Diretriz de Dislipidemia, de 2017. Perfil glicêmico (glicemia em jejum, teste oral de tolerância à glicose [TOTG] e hemoglobina glicada [Hb1Ac]): a glicemia em jejum foi considerada normal até 99 mg/dL. Para as pacientes com diagnóstico prévio de diabetes, o aceitável foi até 100 mg/dL e tolerado até 130 mg/ dL. Com relação ao TOTG, nos 120 após ingestão de 75 g de glicose, caso o resultado tenha sido > 200 mg/dL, foi considerado diabetes; e > 140 mg/dL e < 200 mg/dL foram considerados tolerância à glicose diminuída. Quanto à hemoglobina glicada, o valor ideal foi até 5,6%. No entanto, se a paciente já tivesse o diagnóstico prévio de diabetes, o aceitável foi até 6,9%.
Para a construção do banco de dados e cálculos estatísticos foi utilizado o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) for Windows, versão 25. Inicialmente, foi avaliada a distribuição dos dados, com a observação da distribuição sob a curva de Gauss, e feita análise pelos testes de Kurtosis e Skewness. As variáveis contínuas foram descritas pela média e por desvio-padrão, quando houve distribuição normal, ou por mediana e intervalo interquartil, para variáveis de distribuição anormal. As variáveis categóricas foram descritas por proporção.
Para comparação da frequência das comorbidades no início e fim do tratamento, foi utilizado o teste qui-quadrado. Para comparar peso e parâmetros de controle pressórico antes e depois do tratamento, foi utilizado o teste T para amostras pareadas ou Wilcoxon. Para cotejar variáveis clínicas e metabólicas de pacientes com e sem hipertensão, foram utilizados os testes T de Student ou Mann Whitney, conforme a distribuição da variável. Para a correlação entre tensão arterial sistólica e demais variáveis, foi realizado o teste de correlação de Spearman para as variáveis com distribuição anormal e Pearson para aquelas com distribuição normal. O nível de significância adotado foi de 5% (p < 0,05) para todos os testes de hipóteses.
Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP), sob número do parecer 4.430.105, de 2020. O projeto que originou os dados iniciais deste trabalho foi aprovado pelo comitê de ética, sob o número do parecer 410.493, de 2009. Na ocasião, todas as pacientes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Seguindo a Resolução 466/212, como se trata de um novo objetivo, as pacientes que continuaram o acompanhamento no ambulatório receberam um novo TCLE. Foi solicitada a dispensa do TCLE ao CEP às pacientes que não estão sendo mais acompanhadas no ambulatório, Todas as participantes foram convidadas a participar do estudo durante as consultas de rotina do ambulatório, buscando evitar custo adicional de transporte para as pacientes.
Feitas as orientações iniciais sobre a pesquisa, elas assinaram o TCLE, que contemplou os objetivos da pesquisa, riscos eventuais e dados sobre os pesquisadores responsáveis, além da garantia da sua livre participação e confidencialidade.
Tal projeto envolveu riscos mínimos para as pacientes, já que foi realizada uma revisão de prontuários. O risco foi devido à possibilidade de identificação do paciente, que foi minimizado pela utilização do número da ordem de entrada no projeto para identificação no
banco de dados. Todos os dados coletados fizeram parte da rotina habitual de atendimentos dessas pacientes, nenhuma intervenção foi feita. A participação de todos os indivíduos foi totalmente voluntária e confidencial. Além disso, não foi oferecida nenhuma compensação financeira. As pacientes que não concordaram em participar do estudo tiveram seu acompanhamento mantido normalmente. Com os resultados do trabalho, novas estratégias de acompanhamento poderão ser implantadas com a intenção de promover maior perda de peso e controle das comorbidades associadas à obesidade.
Foram selecionadas 296 pacientes, sendo que 158 foram excluídas por terem IMC menor que 30 kg/m², abandonado o projeto com menos de um ano de acompanhamento ou por apresentarem dados insuficientes no prontuário. Sendo assim, a amostra estudada foi composta por 138 mulheres obesas, com idade variável de 20 a 79 anos (média de 48,5 ± 11,3), peso que oscilou de 66,6 até 150,5 kg, mediana de 91,7 (81,4 – 102,6). O IMC, por sua vez, variou de 30,1 a 56,7 kg/m² – mediana de 36,4 (32,9 – 41,1) –, sendo que 52 mulheres (37,7%) estavam com obesidade grau I, 45 (32,6%) com obesidade grau II e 41 (20,7%) com obesidade grau III. O aumento da circunferência abdominal (CA) foi constatado em todo grupo, e a mediana, portanto, foi de 109,0 (101,5 – 118,2). A menor CA foi de 83 cm, enquanto a maior foi de 150 cm.
A grande maioria desta amostra era parda ou negra, com 44,9% e 43,3%, respectivamente. Somente 11,8% se autodeclararam brancas. Além disso, com relação à escolaridade, apenas duas participantes eram analfabetas, o que corresponde a 1,5%; 48 (36,6%) estudaram até o ensino fundamental; 76 (58%%) até o ensino médio; e apenas cinco (3,8%) concluíram o ensino superior. A renda do grupo apresentou mediana de 1,5 (1,0 – 2,1) salário mínimo. Esses dados estão demonstrados na Tabela 1.
Salvador, Bahia, Brasil – 2020)
Variáveis
Valores (n = 138)
Idade (anos) 48,5 ± 11,3 Escolaridade
Tabela 1 – Dados clínicos, antropométricos e laboratoriais do início do acompanhamento.
Salvador, Bahia, Brasil – 2020) (conclusão)
No início do acompanhamento, 77 pacientes (56,2%) sabiam previamente ser hipertensas. Destas, 64 faziam uso de medicação anti-hipertensiva. Ao fim da primeira consulta, noventa mulheres, o equivalente a 65,2% da amostra, estavam com o diagnóstico de HAS, um incremento de 13 pacientes (9%) que não sabiam ser portadoras de hipertensão.
Apenas 13 pacientes hipertensas (15,7% do grupo com hipertensão) se encontravam dentro da meta pressórica na primeira consulta (Gráfico 1). A mediana da pressão arterial sistólica (PAS) foi de 138,5 mmHg (128,0 – 153,2). A pressão arterial diastólica (PAD), por sua vez, apresentou mediana de 88,0 mmHg (79,8 – 95,5).
Gráfico 1 – Número de mulheres normotensas, hipertensas controladas e hipertensas descontroladas na primeira consulta. Salvador, Bahia, Brasil – 2020
77 Normotensas Hipertensas controladas Hipertensas descontroladas
Fonte: Elaboração própria.
Além da HAS, foi observada a existência de outras morbidades na amostra estudada. Assim, 104 (81,9%) pacientes tinham o diagnóstico de síndrome metabólica, 32 (26,2%) de diabetes mellitus, 65 (50%) de hipercolesterolemia, 38 (29,2%) de hipertrigliceridemia e 93 (71%) estavam com HDL-c abaixo do valor de referência. Esses dados são apresentados no Gráfico 2, que mostra a frequência das comorbidades na primeira consulta.
Gráfico 2 – Frequência das comorbidades na primeira consulta. Salvador, Bahia, Brasil – 2020
Fonte:
Ao comparar dados clínicos e laboratoriais entre as pacientes hipertensas e normotensas (Tabela 2), foi observado que as mulheres normotensas eram mais jovens, com média de idade 42,6 ± 11,3 anos, enquanto as hipertensas tiveram média de 51,7 ± 10,1 anos (p < 0,05). Além disso, as não hipertensas apresentaram renda maior (p < 0,05). Com relação ao peso, IMC e CA, não houve diferença estatística entre os grupos. No que diz respeito aos dados laboratoriais, foi visto que as hipertensas tiveram valores maiores de hemoglobina glicada (Hb1Ac) do que as pacientes não hipertensas. Ademais, as concentrações de HDL-c também foram maiores entre as hipertensas. Não foram percebidas diferenças estatísticas entre os grupos em relação ao colesterol total, LDL-c e triglicérides.
Tabela 2 – Comparação de dados de pacientes obesas hipertensas e não hipertensas no início do tratamento. Salvador, Bahia, Brasil – 2020
Tabela 1 – Dados clínicos, antropométricos e laboratoriais do início do acompanhamento. Salvador, Bahia, Brasil – 2020) (conclusão)
Quanto à frequência de comorbidades, as hipertensas apresentaram maior prevalência de diabetes mellitus (34,1% vs 10%) e síndrome metabólica (90,5% vs 65,1%). Por outro lado, a prevalência de HDL-c baixo foi maior entre pacientes não hipertensas (86,4% vs 63,2%). A significância estatística (p) foi menor que 0,05. Esses dados podem ser vistos no Gráfico 3.
Gráfico 3 – Prevalência das comorbidades entre as pacientes hipertensas e não hipertensas. Salvador, Bahia, Brasil – 2020
Durante o acompanhamento de, pelo menos, um ano, as pacientes receberam assistência multidisciplinar. O tempo de intervenção foi, em geral, de seis (4,0 – 9,0) anos. Do total, quarenta mulheres (29,9%) conseguiram a perda de peso satisfatória (maior ou igual a 5% do peso inicial). Dessa forma, na última consulta, 117 mulheres (92,1%) continuaram obesas.
Não houve diferenças na média do peso e do IMC das pacientes entre o início e o fim do acompanhamento. A CA (p < 0,05), por sua vez, apresentou medidas superiores no fim do estudo. No entanto, na última consulta, as pacientes apresentaram pressão arterial sistólica e diastólica inferior ao primeiro atendimento (p < 0,05). Além disso, o perfil lipídico (colesterol total e frações – HDL-c e LDL-c) apresentou melhoras na consulta final (p < 0,05). Esses dados podem ser vistos na Tabela 3.
Tabela 3 – Comparação dos dados clínicos e laboratoriais entre o início e o fim do estudo. Salvador, Bahia, Brasil – 2020
Ao fim do acompanhamento, a prevalência da hipertensão arterial na amostra foi de 70,9%, o equivalente a 95 mulheres. Entretanto, 37 delas (41,5%) encontravam-se com os valores pressóricos controlados. Cinco pacientes hipertensas estavam com dados omissos sobre valores da PA e meta pressórica da última consulta, portanto, foram desconsiderados. O número de pacientes com HAS controlada, descontrolada, bem como as normotensas, na última consulta, está apresentado no Gráfico 4.
Gráfico 4 – Número de pacientes normotensas, hipertensas controladas e hipertensas descontroladas na última consulta. Salvador, Bahia, Brasil – 2020
O objetivo deste estudo foi avaliar o tratamento com equipe multiprofissional no controle da pressão arterial das pacientes que frequentam o ambulatório multiprofissional de obesidade.
A prevalência da hipertensão arterial na população estudada foi de 65,2% no início e 70,9% no fim do acompanhamento, muito superior à prevalência encontrada na população geral, que é de 24,7%5. Foi maior, inclusive, do que estudos envolvendo população obesa, com predomínio de pacientes do sexo feminino, no Distrito Federal e em Santa Catarina, em que a prevalência foi de 50,5% e 48,5%, respectivamente6,7. Os números maiores de hipertensão em obesos são explicados devido à obesidade ser um importante fator de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, como a HAS. A contraprova dessa evidência se baseia no fato de que a redução do peso tem um importante efeito anti-hipertensivo4,8
Uma das possibilidades de explicar essa correlação existente entre a obesidade e a HAS é que o tecido adiposo libera citocinas pró-inflamatórias, deixando, por sua vez, o organismo do indivíduo obeso em pleno estado de inflamação crônica. Assim, a resposta que modula a inflamação favorece o desenvolvimento da hipertensão arterial8. Dessa forma, pacientes obesos apresentam aproximadamente três vezes mais risco de desenvolver hipertensão do que pacientes eutróficos6. No entanto, na população estudada, foi constatada correlação
negativa entre peso e tensão arterial sistólica. É plausível deduzir que o fato de grande parte de hipertensos da amostra estar em uso de medicações anti-hipertensivas antes do início do acompanhamento multiprofissional ocasionou esse resultado.
Sabe-se que tanto a obesidade quanto a hipertensão arterial são morbidades com etiologia multifatorial. Portanto, fatores genéticos, socioeconômicos e culturais, bem como estilo de vida e idade, são fatores que podem interferir no desenvolvimento dessas doenças1,2,9,10,11. Assim, estudos bem desenvolvidos, como o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), mostram que pouca escolaridade e baixa renda, por exemplo, são fatores que contribuem para o aumento da frequência da hipertensão12. Essa realidade pode ser reproduzida na população estudada, em que a grande maioria da amostra é composta por mulheres com baixa escolaridade e poder aquisitivo restrito.
Além disso, um estudo realizado no Maranhão para avaliar o controle da hipertensão em população negra evidenciou predomínio de hipertensão entre os afrodescendentes.
A pesquisa deixou claro que as questões históricas étnico-raciais, infelizmente, ainda constituem fator limitante para uma assistência específica e capacitada para esse público, o que justifica, parcialmente, a elevada frequência de pressão arterial alta13. A grande maioria da amostra foi formada por mulheres negras ou pardas, fator que também influencia o número elevado de prevalência de HAS. Dessa maneira, os fatores escolaridade, renda e raça/etnia, bem como a obesidade, são as principais razões para a frequência de hipertensão encontrada nas pacientes.
A correlação feita entre idade e pressão arterial sistólica do primeiro atendimento apontou que à medida que o indivíduo envelhece, a PA tende a se elevar. Além disso, ao comparar a idade entre as pacientes hipertensas e não hipertensas, foi observado que as hipertensas eram mais velhas. Estudo congênere encontrou resultado similar, em que o predomínio de HAS foi maior nos idosos. O que explica esse achado são as modificações fisiológicas e anatômicas tanto na musculatura lisa quanto no tecido conjuntivo dos vasos sanguíneos. Desse modo, a distensibilidade do vaso fica comprometida, o que leva ao aumento sucessivo da pressão arterial14. Sendo assim, o aumento da prevalência da HAS no decorrer do estudo pode ser justificado, também, pelo envelhecimento das pacientes, bem como pela ausência de perda de peso, uma vez que as medianas do peso na primeira e na última consulta foram similares. No início do estudo, aproximadamente 15% da amostra estava com a PA controlada.
Na última consulta, a taxa de controle aumentou para 41%. O ELSA-Brasil estima que a média de controle da pressão esteja em torno de 50%. Essa taxa é referente a pacientes acompanhados pela atenção básica, em que se concentram indivíduos sem grandes complicações de saúde15.
Apesar disso, estudo populacional realizado no Brasil apontou que os níveis de controle da pressão arterial variaram entre 10% e 57%, conforme as especificidades da população e da região. No entanto, esses resultados não foram obtidos de populações com acompanhamento multiprofissional com médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, agentes comunitários de saúde, entre outros. Inclusive, pesquisas que avaliam o impacto da intervenção multidisciplinar no tratamento da hipertensão arterial, apesar de serem recomendadas pelas diretrizes, são bem escassas na literatura16.
À vista disso, um estudo do Centro-Oeste do Brasil, com mais de 1.500 hipertensos acompanhados em centro de tratamento em equipe, mostrou que a adesão e, consequentemente, a taxa de controle pelos pacientes foram de cerca de 68%, valor maior que o encontrado no acompanhamento de pacientes sem abordagem multiprofissional16 Outro estudo, feito no Nordeste, na atenção primária, mostrou que o controle da pressão arterial após atuação de equipe multiprofissional foi de 28,9% para 57%17. Nesse sentido, os resultados referentes às taxas de controle da pressão arterial neste estudo mostraram que o acompanhamento em equipe aumentou a taxa de controle da PA, porém de forma ainda insatisfatória em relação aos estudos supracitados
Ainda que a literatura seja bastante desenvolvida sobre a redução da morbimortalidade cardiovascular com a redução dos valores pressóricos, a taxa de adesão ao tratamento é limitada em escala mundial, até mesmo em nações desenvolvidas. Os países que tiveram as melhores taxas de controle da PA foram Canadá e Alemanha, em que o controle ficou entre 50% e 70%15
As razões que favorecem a baixa adesão ao tratamento anti-hipertensivo são inúmeras. O próprio curso silencioso da doença contribui para que o indivíduo não sinta necessidade de se tratar. Outro fator que parece ter ligação ao controle inadequado dos níveis pressóricos é a obesidade, haja vista que a maioria desse público é sedentária e isso colabora para a não adesão terapêutica, uma vez que o tratamento engloba mudanças no estilo de vida. Sendo assim, pacientes tabagistas e etilistas também costumam ser resistentes ao tratamento.
A própria falta de informação acerca da gravidade da doença, bem como a falta de preparação dos profissionais da saúde para auxiliar corretamente os pacientes, contribui para os altos níveis de controle inadequado da pressão18,19.
A prevalência da síndrome metabólica (SM) em adultos no Brasil é de 38,4%.
Portanto, um a cada três brasileiros recebe o diagnóstico de SM20. Todavia, na amostra deste estudo, foi visto que a frequência é ainda maior. Essa diferença encontrada pode ser justificada pelo fato de que a obesidade está associada ao risco de desenvolvimento de DM, dislipidemia
e HAS, que são critérios para o diagnóstico da SM. Isso posto, as pacientes deste estudo apresentavam risco elevado para o desenvolvimento dessas doenças, o que reflete na elevada prevalência dessas comorbidades e, consequentemente, da SM. Além disso, a prevalência de SM entre as hipertensas foi significativamente maior do que nas pacientes normotensas, o que era esperado, uma vez que a coexistência de obesidade e hipertensão aumenta o risco cardiovascular.
Estudos observacionais demonstraram que os hipertensos têm altas concentrações de LDL-c e triglicérides e baixas de HDL-c21. Apesar disso, na população deste estudo, foi encontrada associação positiva entre HDL-c e tensão arterial sistólica. As pacientes hipertensas, portanto, apresentaram maiores níveis de HDL-c do que as normotensas, o que contraria os dados encontrados na literatura.
A população-alvo estudada foi composta apenas por mulheres, devido ao fato de ser o grupo com maior frequência de visita ao ambulatório. São várias as razões capazes de justificar a resistência que os homens têm para frequentar os serviços de saúde, sobretudo a atenção básica, como a cultura machista, em que o homem é visto como invulnerável. Assim, a ida ao médico e a descoberta de uma possível doença podem ameaçar seus títulos de viril, forte e protetor. Outra explicação é a falta de hábitos de prevenção, que normalmente são incomuns entre a população masculina22.
Este estudo, portanto, mostrou que no fim do acompanhamento a quantidade de mulheres com os níveis pressóricos controlados aumentou em comparação ao início. Além do mais, tanto a PAS quanto a PAD tiveram seus valores reduzidos no fim do acompanhamento na amostra em geral. Entretanto, o resultado ainda é insatisfatório. É necessário que novas estratégias sejam adotadas para melhorar a adesão ao tratamento anti-hipertensivo, para que, dessa forma, uma maior quantidade de pacientes esteja dentro dos limites de normalidade da pressão arterial.
As limitações encontradas no desenvolvimento deste trabalho podem ser relacionadas à utilização de dados oriundos dos registros clínicos, a julgar pela ausência de algumas informações importantes no prontuário. Com isso, pode-se inferir que a ausência desses dados pode ter alterado, ainda que minimamente, os resultados encontrados.
A prevalência da hipertensão no grupo estudado foi de 65,2% no primeiro atendimento e 70,9% na última consulta, superior à encontrada na população geral. Ao longo do tratamento multiprofissional, foi observada melhora nos níveis pressóricos da população
em geral, apesar de a perda de peso não ter sido estatisticamente significante, o que reforça a participação da equipe multiprofissional na adesão ao tratamento medicamentoso.
As pacientes hipertensas apresentaram maior prevalência de diabetes mellitus e síndrome metabólica quando comparadas às pacientes normotensas. Além disso, as hipertensas tiveram média de idade superior, renda inferior e concentração de glicose e HDL-c aumentada em comparação às não hipertensas.
Nesse sentido, o controle melhorou substancialmente, porém esse resultado ainda não é satisfatório, tendo em vista os impactos negativos à saúde que a hipertensão oferece. É imperante, portanto, a organização de novos planos, métodos e técnicas para que a aderência ao tratamento anti-hipertensivo seja maior e, assim, uma maior fração das pacientes esteja com a pressão arterial controlada. O perfil delineado das hipertensas no estudo pode direcionar a condução de propostas para otimizar o acompanhamento em equipe.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Maria de Lourdes Lima de Souza e Silva, Julia Menezes da Silva e Minna Ferrari Schleu.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Maria de Lourdes Lima de Souza e Silva, Julia Menezes da Silva e Minna Ferrari Schleu.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Maria de Lourdes Lima de Souza e Silva, Julia Menezes da Silva e Minna Ferrari Schleu.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Maria de Lourdes Lima de Souza.
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Recebido: 27.10.2022. Aprovado: 22.11.2022.
Maria Carolina Barreto Moreira Coutoa
https://orcid.org/0000-0002-7567-3221
Lara Maria Carneiro de Almeidab
https://orcid.org/0000-0001-6054-6732
Mariane Carvalho de Almeidac
https://orcid.org/0000-0001-9219-0347
Janine Magalhães Garcia de Oliveirad
https://orcid.org/0000-0003-0003-0503
Resumo
A leucemia de células plasmocitárias (LCP) é uma neoplasia hematológica rara, de caráter agressivo, ainda sem consenso quanto ao melhor esquema terapêutico e prognóstico da doença. Alguns estudos a consideram como uma variante do mieloma múltiplo. O objetivo deste estudo foi realizar um relato de caso e desenvolver uma revisão sistemática da literatura sobre os fatores prognósticos relacionados a essa enfermidade. Esta revisão sistemática seguiu o protocolo PRISMA, utilizou o PubMED como base de dados, buscando estudos que avaliassem fatores prognósticos da LCP. Os estudos selecionados foram posteriormente avaliados quanto a sua qualidade pelo protocolo STROBE. A primeira busca identificou 260 artigos. Após aplicado critério de exclusão, dez foram selecionados. Destes, oito avaliaram fatores prognósticos clínicos e laboratoriais; cinco avaliaram, além disso, fatores citogenéticos; e um avaliou apenas a idade como fator prognóstico. A qualidade dos estudos, avaliada pelo protocolo
a Mestre em Saúde, Ambiente e Trabalho. Médica Residente em Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: carolinabmcouto@gmail.com
b Médica Residente em Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: laramcalmeida@gmail.com
c Médica Residente em Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: mariane95@gmail.com
d Médica Hematologista e Intensivista. Doutora em Medicina e Saúde Humana. Mestre em Medicina e Saúde Humana. Preceptora do Programa de Residência Médica em Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. E-mail: oliveirajanine2022@gmail.com
Endereço para correspondência: Hospital Geral Roberto Santos, Rua Direta do Saboeiro, s/n, Cabula. Salvador, Bahia, Brasil. CEP:41180-900 E-mail: carolinabmcouto@gmail.com
STROBE, apresentou uma classificação média de 79,1%. Nos estudos analisados, idade > 65
ou > 60 anos, performance status ECOG > 2, hipercalcemia, aumento de lactato desidrogenase (LDH), aumento da creatinina, plaquetopenia e hipoalbuminemia foram encontrados como preditores de prognóstico ruim. Foram também demonstradas alterações citogenéticas consideradas de alto risco, como as translocações e deleções de genes. Diversas condições clínicas, laboratoriais e citogenéticas parecem estar associadas ao pior prognóstico na LCP. O conhecimento desses fatores pode interferir na prática clínica. Entretanto, ainda são necessários estudos mais robustos, multicêntricos e com maior número amostral para aprofundar o conhecimento sobre essa patologia.
Palavras-chave: Leucemia de células plasmocitárias. Mieloma múltiplo. Prognóstico.
Abstract
Plasma Cell Leukemia (PCL) is rare and aggressive hematologic disorder, with no consensus on the best therapeutic scheme or disease prognosis. Some studies consider it to be a variant of multiple myeloma. This research sought to report a PCL case and to present a systematic literature review on its prognostic factor related. Bibliographic search followed the PRISMA protocol, and was conducted on the PubMED database to identify studies on PCL prognostic factors. Of the 260 articles identified, only ten were included after application of exclusion criteria. Of these, eight evaluated clinical and laboratorial prognostic factors; five assessed cytogenetic factors; and only one investigated age as a prognostic factor. Quality of the selected studies was evaluated by STROBE protocol, presenting a median classification of 79.1%. Age >65 or >60 years old, status performance ECOG>2, hypercalcemia, increased DHL, increased creatinine, thrombocytopenia, and hypoalbuminemia were the factors identified as predictors of a bad prognosis. Studies also showed high-risk cytogenetic abnormalities such as genetic translocation and deletions. Many clinical, laboratorial and cytogenetic conditions seem to be related to a worse PCL prognosis. Since knowledge of these factor can interfere in the clinical practice, more robust studies are needed on this pathology.
Keywords: Plasma cell leukemia. Multiple myeloma. Prognosis.
La leucemia de células plasmáticas (LCP) es una neoplasia hematológica rara, de carácter agresivo, sin consenso sobre el mejor régimen terapéutico y pronóstico de la enfermedad. Algunos estudios la consideran como una variante del mieloma múltiple. El objetivo de este estudio fue realizar un reporte de caso y desarrollar una revisión sistemática de la literatura sobre los factores pronósticos relacionados con esta enfermedad. Esta revisión sistemática siguió el protocolo PRISMA, utilizó PubMED como base de datos para la búsqueda de estudios que evaluaran los factores pronósticos para LCP. Los estudios seleccionados fueron posteriormente evaluados por su calidad mediante el protocolo STROBE. La primera búsqueda identificó 260 artículos. Después de aplicados los criterios de exclusión, se seleccionaron diez. De estos, ocho evaluaron los factores pronósticos clínicos y de laboratorio, cinco evaluaron también los factores citogenéticos y uno evaluó la edad solo como factor pronóstico. La calidad de los estudios, evaluada por el protocolo STROBE, presentó una calificación promedio del 79,1%. En los estudios analizados, la edad > 65 o > 60 años, el estado funcional ECOG > 2, la hipercalcemia, el aumento de lactato deshidrogenasa (LDH), el aumento de creatinina, la trombocitopenia y la hipoalbuminemia fueron los predictores de mal pronóstico. También se demostraron alteraciones citogenéticas que se consideraron de alto riesgo, como translocaciones y deleciones de genes. Varias condiciones clínicas, de laboratorio y citogenéticas parecen estar asociadas con peor pronóstico en LCP. El conocimiento de estos factores puede interferir en la práctica clínica. Sin embargo, aún se necesitan estudios más robustos, multicéntricos y con mayor tamaño muestral para profundizar en el conocimiento sobre esta patología.
Palabras clave: Leucemia de células plasmáticas. Mieloma múltiple. Pronóstico.
A leucemia de células plasmocitárias (LCP) é uma neoplasia hematológica, variante rara e agressiva do mieloma múltiplo (MM)1. Ela pode se apresentar como uma progressão do MM previamente diagnosticado, LCP secundária (LCPs) ou como manifestação inicial da doença, LCP primária (LCPp)2. Esta última representa cerca de 60% de todos os casos de LCP3
Caracteriza-se pela proliferação clonal descontrolada de plasmócitos (PCs) na medula óssea e no sangue periférico4. Os critérios diagnósticos atuais incluem número absoluto de PCs circulantes superiores a 2,0 × 109/L e/ou plasmacitose, que representa > 20% da
contagem diferencial de leucócitos no sangue periférico1. Entretanto, o grupo de trabalhos internacionais do mieloma recomenda que os critérios para definir LCP sejam menos restritivos, incluindo pacientes com plasmocitose ≥ 5% no sangue periférico2
Os dados epidemiológicos mais consistentes a respeito da LCPp se originam de pacientes identificados entre 1973 e 2009, por meio de banco de dados de Vigilância, Epidemiologia e Resultados (SEER) do Instituto Nacional de Câncer dos Estados Unidos5. Nesse período, mais de 66 mil pacientes foram diagnosticados com MM, destes, 445 desenvolveram LCPp5. A idade média de apresentação foi de 66 anos, com sobrevida média de apenas seis meses – resultados inferiores aos encontrados para pacientes diagnosticados com MM no mesmo período5. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a LCP representa cerca de 3 a 5% de todas as neoplasias plasmocitárias no mundo6, e 1,7% no Brasil, de acordo com o Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS-SIA/SUS de 20197.
A apresentação clínica inclui características semelhantes àquelas observadas no MM (disfunção renal, hipercalemia, lesões ósseas líticas, dor óssea e anemia) e em outras leucemias, como leucocitose, trombocitopenia, infecções, hepatomegalia e esplenomegalia2,7
A avaliação ambulatorial evidencia também níveis elevados de LDH, Beta-2-Microglobulina e hipoalbuminemia. Outros sinais encontrados incluem plasmocitomas palpáveis nos tecidos moles, linfonodomegalia, derrame pleural e alterações neurológicas por acometimento do sistema nervoso central2. Na biópsia de medula óssea, é comumente observado extenso comprometimento, com infiltração de células plasmocitárias2
Por sua característica agressiva, diversos estudos reportaram sobrevida de poucos meses após o diagnóstico. Logo, o tratamento deve, idealmente, ser iniciado de modo imediato. Ainda não existe um consenso quanto ao melhor esquema terapêutico8. Algumas opções indicam a quimioterapia com Bortezomib, um inibidor de protease; talidomida e lenalidomida, drogas imunomoduladoras; e o transplante alogênico de células-tronco hematopoiéticas, cujo papel ainda não está totalmente esclarecido no contexto da LCP8
Dentre as características clínicas e laboratoriais da LCPp, algumas foram reportadas como desfavoráveis, como idade avançada, baixa performance status, níveis elevados de lactato desidrogenase (LDH), hipercalcemia, hipoalbuminemia, plaquetopenia, além de alterações genéticas de alto risco10. Estudos retrospectivos reportaram aberrações genéticas e indicaram que os tumores na LCPp são frequentemente hipodiploides, com alta prevalência de translocações 14q32 em 87% dos pacientes, t(11;14) em 33%-71% e rearranjos de proto-oncogenes MYC em 33%9. Embora incipiente, algumas pesquisas se propuseram a correlacionar as variantes genéticas com a sobrevida desses pacientes9,11,12. Entretanto, poucos estudos consolidados sobre
o tema foram conduzidos, além de se originarem, principalmente, de relatos de caso ou séries retrospectivas de instituição única2,9,13,14.
O conhecimento mais aprofundado dos fatores clínicos, laboratoriais e citogenéticos da LCPp seria de grande utilidade para a identificação de pacientes que poderiam se beneficiar de tratamentos mais agressivos e, possivelmente, prolongar sua sobrevida. No entanto, as informações sobre esse tema são limitadas e, no melhor de nosso conhecimento, não encontramos estudos que se propuseram a revisar os fatores prognósticos dessa enfermidade. Existem, portanto, diversas lacunas na literatura que ainda não foram elucidadas. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi relatar um caso de leucemia de células plasmocitárias primárias e desenvolver uma revisão sistemática da literatura sobre os fatores prognósticos relacionados a essa enfermidade.
Paciente de 55 anos, sexo feminino, natural e procedente de Salvador, Bahia, Brasil. Iniciou, em setembro de 2021, quadro de lombalgia de forte intensidade, sem irradiação, associado à astenia e perda ponderal (20 kg em dois meses). Negou febre, sudorese ou linfonodomegalia, além de comorbidades. Negou alergias, uso de medicamentos, tabagismo e alcoolismo. Após um mês do início dos sintomas, em outubro de 2021, realizou exames laboratoriais que flagraram anemia importante, com nível de hemoglobina (Hb) de 6,3 mg/dL, trombocitopenia com contagem de plaquetas de 145 mil. A contagem diferencial de leucócitos revelou 10% de linfócitos atípicos.
A paciente procurou hematologista, que indicou realização de imunofenotipagem de sangue periférico em 3 de novembro de 2021. Foram evidenciados 25,5% de plasmócitos monoclonais, com restrição para cadeia leve kappa. Esses dados são compatíveis com LCP. Como a paciente fez exames laboratoriais em agosto de 2020, com hemograma, função renal e cálcio sem alterações, ela foi diagnosticada com LCPp.
A paciente foi encaminhada para internamento hospitalar em 5 de novembro de 2021. Ela foi inicialmente admitida em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Salvador, onde permaneceu até 14 de dezembro de 2021, quando foi regulada para o Hospital Geral Roberto Santos (HGRS). Durante o internamento na UPA, ela evoluiu com piora progressiva da função renal, com valores ascendentes de creatinina (variando de 0,6 – 7,8). Foi identificada suspeita de infecção do trato urinário (ITU) e iniciada antibioticoterapia com ceftriaxona, posteriormente escalonada para piperacilina-tazobactam. Incluiu-se no tratamento o antiviral aciclovir, sem melhora do quadro. Ainda na UPA, a paciente desenvolveu edema de MMII e periorbitário, sem relato de desconforto respiratório. Foram, então, introduzidos diuréticos (furosemida e
hidroclorotiazida). Três dias após admissão no HGRS (17 de dezembro de 2021), a paciente evoluiu com acidose metabólica grave e refratária a medidas clínicas, quando foi iniciada terapia renal de substituição (TRS) – suspensa em 23 de dezembro de 2021, após recuperação da função renal.
A queixa de lombalgia foi constante, com piora progressiva, refratária ao uso de opioides, e evoluiu com piora aguda em 13 de janeiro de 2022. Foi então realizada tomografia computadorizada protocolo mieloma, que evidenciou fraturas compressivas em L2 e L4, além de lesões líticas em crânio, costelas, vértebras e pelve. Foi indicado uso de colete para estabilização da coluna. A paciente relatou melhora da lombalgia após introdução de pamidronato dissódico (inibidor de reabsorção óssea).
Um exame de medula óssea foi realizado para estabelecer a extensão do envolvimento da LCP. O esfregaço do aspirado de medula óssea mostrou 70% de células plasmocitárias aberrantes e monoclonais (Figura 1), com substituição quase total dos espaços da medula pelas células plasmáticas.
No momento, a paciente aguarda regulação para hospital referência em doenças onco-hematológicas para início de terapia específica.
Figura 1 – “O perfil imunofenotípico apresentou 53% de células plasmocitárias aberrantes e monoclonais” (Sampaio, Geraldo Pedral – Laboratório do Aristides Maltez). Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Figura 2 – “O perfil imunofenotípico do sangue periférico identificou a presença de 25,51% de plasmócitos” (Santos, Allan Souza dos – Laboratório de imunologia e biologia molecular do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia). Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Figura 3 – Eletroforese de proteínas séricas. Presença de pico monoclonal na região das gamaglobulinas (Hiltner, Angela – Laboratório DNA). Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Fonte: Elaboração própria.
A revisão da literatura foi conduzida de acordo com as diretrizes recomendadas pelo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA)15.
Os estudos elegíveis foram pesquisados na base de dados PubMed, sem restrição de idioma da publicação, a data final de busca foi 30 de janeiro de 2022. O seguinte algoritmo de pesquisa foi utilizado: Plasma cell Leukemia OR Plasma Cell Leukemias OR Plasmacytic
Leukemia OR Plasmacytic Leukemias OR Plasma Cell Leukaemia AND Prognostic Factors OR Prognostic Factor OR Prognostic Indicators OR Survival OR Clinical Outcomes.
Foram incluídos neste estudo artigos publicados a partir do ano 2000, estudos observacionais (transversal, caso-controle e coorte) relacionados a LCPp e características clínicas, laboratoriais e citogenéticas que influenciam em prognóstico e sobrevida. Foram excluídos todos os relatos de caso e revisões sistemáticas. Além disso, excluímos estudos sobre LCPs e MM e estudos sobre manejo, tratamento e diagnóstico da LCPp.
A extração de dados compreendeu informações gerais (autor, ano), tipo do estudo (observacional retrospectivo ou prospectivo, transversal), características gerais (período dos estudos, número de participantes, percentual de participantes do sexo masculino, fatores prognósticos examinados, principais resultados, viés de publicação).
Os dados foram extraídos de forma independente e analisados por uma dupla de revisores, sendo um revisor cego para o outro. Quando necessário, a decisão final foi alcançada por consenso da equipe.
A qualidade de cada estudo foi acessada por meio da iniciativa Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE). Os itens que compõem o STROBE abrangem informações que devem estar presentes no título, resumo, introdução, metodologia, resultados e discussão de artigos científicos que descrevem estudos observacionais16. O trabalho apresenta uma lista de verificação contendo 22 itens: 18 itens fundamentais que se aplicam a todos os tipos de pesquisas observacionais e quatro itens específicos para cada desenho de estudo.
O Fluxograma 1 apresenta os passos durante o processo de seleção dos estudos. Dentre os 260 artigos rastreados pelo nosso algoritmo pesquisa, 142 foram considerados irrelevantes a partir de seus títulos ou resumos por estudarem MM ou LCPs e 45 eram relatos de caso ou revisões da literatura. Dentre os 73 artigos originais sobre LCPp, 42 eram relacionados unicamente ao tratamento da LCPp e 21 ao seu diagnóstico. Os 11 artigos restantes foram avaliados com base em seu texto completo, pois eram pesquisas que examinavam fatores
prognósticos para LCPp. Destes, um foi apresentado apenas como suplemento, sendo atualizado por publicação mais recente. Os dez estudos finais estudaram, além dos fatores prognósticos, o impacto do tipo de tratamento implementado na sobrevida dos pacientes, entretanto, devido à raridade da doença e escassez de pesquisas, eles não foram excluídos.
Fluxograma 1 – Diagrama de fluxo da seleção do estudo. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Fonte: Elaboração própria.
Ao todo, dez artigos foram finalmente incluídos, dentre os quais oito avaliaram fatores prognósticos clínicos e laboratoriais (idade, performance status, gênero, níveis séricos de cálcio, LDH, albumina, PCR, B2-microglobulina, hemoglobina, leucócitos, plaquetas e creatinina); cinco estudos, além de fatores clínico/laboratoriais, analisaram risco citogenético; e três estudaram apenas as anormalidades citogenéticas como fator prognóstico. Um estudo examinou apenas idade como fator prognóstico. Os principais resultados dos artigos selecionados estão resumidos no Quadro 1.
selecionados de acordo com as características, intervenções e resultados. Salvador, Bahia, Brasil
Sobrevida média –23 meses Estratificado para risco citogenético: Sobrevida: 51 meses risco padrão vs. 19 meses para alto riscoIdade 75 anos, cPCs > 20%, LDH, PLQ < 100.000 não apresentaram diferença estatisticamente significante.
Sobrevida Média Variáveis: Citogenética de alto risco: t(4;14), t(14;16), t(14;20), del17p
Alto risco
Diagnóstico: contagem absoluta de cPCs > 2 × 10 9 ou percentual > 20% dos leucócitos no SP Análise multivariada: ≥ 60 anos, plaquetas ≤ 100.000 e cPCs ≥ 20 × 10 9 preditores independentes de pior sobrevida. Sobrevida média com 0, 1 ou 2-3 fatores de risco foi de 46, 27 e 12 meses, respectivamente.
Sobrevida média Variáveis: Idade ≥ 60a; Sexo masculino; Leuco ≥ 15 × 10 9 ; Hb ≤ 10; PLQ ≥ 100.000; cPCs ≥ × 10 9 e ≥ 40%; Citogenética complexa ³ 3 [(del13q, del17p, t(11;14), t(14;16), t(4;14), ganho 1q e t(14;20)] na medula óssea e/ou cPCs;
Multicêntrico
Sobrevida média
Alto risco
Sobrevida média –12.6 meses; Sobrevida foi influenciada negativamente na análise multivariada por albumina < 3,5 (p-valor 0,003), Ca > 11 (p-valor 0,003)
Variáveis: ≥ 60a; Hb < 9,1; Leuco < 13,7 × 10 9 ; Plaq < 116 mil; cPCs > 3,7 × 10 9 ; LDH > 500 ; Cr ≥ 2 ; Ca > 11; Alb < 3,5; B2M > 5,5 ; cCPs medula > 80%; Oste ó lise: localização extramedular
Coorte retrospectiva Estudo Multicêntrico Gimema Centers Gruppo Italiano
Alto risco
Sobrevida m é dia –29 meses. Níveis de B2M, LDH; Leucócitos, hemoglobina e plaquetas não tiveram diferença significante na sobrevida. Hipercalcemia esteve associada à pior sobrevida na análise multivariada (p-valor 0,002).
Sobrevida m édia B2M >5,5, LDH > 250, Ca > 11; eGFR < 40; Leuco ≥ 13.000; Hb < 8,0; PLQ < 100.000
Coorte retrospectiva Multicêntrico Kansai Myeloma F ó rum data base
62%
Alto risco
Sobrevida média –6 meses. < 65a (1973-2005 –5m; 2006-2009 –6m) ≥ 65a (1973-2005 –2m; 2006-2009 –9m)
Sobrevida m édia Idade > 65 anos
Coorte retrospectiva SEER –Registro de C â ncer pela Classificação Internacional de Doenças.
49%
63,5 anos
Nakaya et al., 2018 26 pacientes 2005-2015
66 anos
445 pacientes 1973-2009
Gonsalves., 2014
Quadro 1 –Síntese dos artigos selecionados de acordo com as características, intervenções e resultados.
(continuação)
Alto risco
Sobrevida média –4,5 meses. Fatores prognósticos: ECOG ≥ 2; PLQ ≤ 100 mil; LDH ≥ 460 foram significativos na análise univariada. LDH ≥ 460 se manteve significativo na análise multivariada. ECOG ≥ 2 vs. < 2 (2 vs. 10 meses); LDH ≥ 460 U/l vs < 460 (2 vs. 10m); plaq < 100 mil vs. ≤ 100 mil (4 vs. 19 meses); Cr ≥ 2,5 vs. < 2,50 (1.50 vs.7m). O cariótipo e a morfologia das células plasmáticas não tiveram impacto prognóstico.
Sobrevida média Variáveis: Idade > 60a; ECOG ≥ 2; PLQ ≤ 100 mil; LDH ≥ 460; Cr ≥ 2,5; Gênero; Les ões líticas; doença extraóssea; Hb; 7,8; Leuco 16.000; cPCs 4 × 10 9 ; Alb 2,8; PCR > 60; B2M > 6,0; cariótipo e imunofenótipo
Coorte retrospectiva Único Centro Instituto de Hematologia de Belgrado
Sobrevida média –14 meses
Alto risco
Análise univariada –t(4;14) (p = 0.006) e del(1p21) (p = 0.003) evidenciaram pior sobrevida
Análise: t(4;14)menor sobrevida (1,5 mês vs. 21,6 meses; p-valor 0.008).
Sobrevida média Variáveis: anormalidades moleculares genéticas nas células plasmáticas
Coorte retrospectiva Toronto –Canadá
Alto risco
Sobrevida média –11,2 meses Translocação MYC predisse menor sobrevida (8,6 meses vs. 27,8 meses; p-valor 0,006)
Tal translocação foi identificada em 33% dos pacientes.
Sobrevida m édia Anormalidades moleculares genéticas nas
Alto risco
Sobrevida média –7 meses Sobrevida em 12 meses foi significativamente maior nos pacientes com a anormalidade t(11;14) (pvalor 0,001). T(11;14) –33% dos pacientes com pPCL
Sobrevida média Anormalidades moleculares genéticas nas células plasmáticas
Alto riscoSobrevida média
Sobrevida média –2,85 anos
Análise univariada: gênero feminino, e hipercalcemia –impacto negativo na sobrevida (proporção de pacientes que receberam transplante autólogo de células-tronco hematopoiética foi maior no sexo masculino (43 vs. 12%).
Análise multivariada: Idade ³ 65 anos foi o único fator de risco afetando sobrevida (1,9 vs. 2,85 anos; p-valor 0,03)
Variáveis: Idade ≥ 65 a; gênero feminino; Les ões líticas; Plasmocitoma; cariótipo anormal; ECOG ≥ 2; PLQ < 100 mil; LDH > normal; Cr ≥ 2; Ca ≥ 11; Hb; < 8,0; Leuco > 13.000; cPCs 4 × 10 9 ; Alb < 3,5; PCR > 60; B2M > 5,5; PCR ≥ 10;
Fonte: Elaboração própria. Células plasmáticas circulantes (cPCs); sangue periférico (SP); plaquetas (PLQ); leucócitos (Leuco); hemoglobina (Hb); Beta-2-Microglobulina (B2M); albumina (Alb); lactato desidrogenase (LDH); proteína
reativa (PCR); taxa de filtração glomerular (eGFR)
As classificações de qualidade, baseadas na iniciativa STROBE, variaram entre 63,6% e 90,9% (de um possível 100%); a pontuação média foi de 79,1% (Quadro 2). Todos os estudos avaliados foram observacionais, portanto, já considerados como viés de alto risco.
A idade > 65 anos17,18 ou ≥ 60 anos10 e performance status ECOG ≥ 213 representaram fator prognóstico negativo, atingindo significância estatística. O gênero feminino representou impacto negativo na sobrevida, entretanto, não atingiu significância na análise multivariada18. Dentre as características laboratoriais, a hipercalcemia esteve associada à menor sobrevida na análise multivariada em dois estudos14,19; e apenas na análise univariada em um artigo18. Em estudo conduzido por Colovic et al.13, os pacientes com LDH ≥ 460 e creatinina ≥ 2,5 tiveram vida significativamente mais curta (2 vs. 10 meses e 1,5 vs. 7 meses, respectivamente). Entretanto, nenhuma outra pesquisa que analisou tais variáveis encontrou associação12,14,19. Plaquetas < 100.000 foi um preditor independente de mau prognóstico segundo dois autores10,13. A hipoalbuminemia, de acordo com análise de Pagano et al.14, representou mau prognóstico, mas esse achado não foi confirmado por Chang et al. e Iriuchishima et al.18. Os níveis séricos de PCR, hemoglobina, leucócitos e B2-microglobulina não atingiram significância estatística em nenhum dos estudos selecionados.
Quadro 2 – Avaliação da qualidade dos estudos, baseada na iniciativa STROBE. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Quadro 2 – Avaliação da qualidade dos estudos, baseada na iniciativa STROBE. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Nandakumar et al.12 encontraram sobrevida significativamente menor em pacientes com citogenética de alto risco, representada por translocações t(4;14), t(14;16), t(14;20), del 17p (19 vs. 51 meses). A translocação t(4;14) isoladamente também esteve associada à pior sobrevida em estudo prévio, 1,5 vs. 21,6 meses20. Tiedmann et al.9 encontraram menor sobrevida em pacientes com translocação MYC (8,6 vs. 27,8 meses). Já a alteração citogenética t(11;14) esteve associada à maior sobrevida, atingindo significância estatística em análise multivariada11,12.
Devido à baixa incidência e prevalência da LCPp, a maioria dos dados clínicos disponíveis advém de relatos de caso ou pequenos estudos retrospectivos. Não foi encontrado nenhum estudo prospectivo. Esta revisão sistemática analisou dez estudos observacionais retrospectivos que se propuseram a avaliar características clínicas e laboratoriais associadas à sobrevida desses indivíduos.
É bem estabelecido que o advento dos novos agentes terapêuticos, como imunomoduladores (talidomida e lenalidomida), inibidores de proteassoma (bortezomibe), além da incorporação de altas doses de quimioterapia, seguida de transplante autólogo de células-tronco hematopoiéticas, melhoraram o prognóstico de pacientes com MM21. Na LCP, essa relação é menos consolidada, entretanto, alguns estudos já demonstraram aumento na sobrevida média desses indivíduos17,22,23.
A sobrevida global dos pacientes envolvidos nos estudos selecionados para esta revisão apresentou grande variação, entre quatro meses e 2,85 anos. É possível que essa discrepância esteja relacionada ao período em que os pacientes foram diagnosticados. Os estudos
que coletaram as informações de pacientes a partir de 1973 até, no máximo, 2009 apresentaram as piores sobrevidas, entre quatro e sete meses5,11,13,17. Já aqueles que levantaram dados a partir de 2001 demonstraram aumento significativo no tempo de vida desses pacientes, entre 12,6 meses e 2,85 anos. A ampla disponibilidade dos novos agentes terapêuticos começou em 2001, no entanto, seu uso foi inicialmente aprovado apenas em quadros de recaída. Até 2006, esses agentes ainda não tinham aprovação para uso no cenário de primeira linha17.
A idade média dos participantes desta revisão variou entre 54 e 67 anos, corroborando o Grupo de Trabalho Internacional de Mieloma, que reportou média de idade de apresentação da LCP entre 52 e 65 anos2. A idade mais avançada parece ser um indicador de mau prognóstico10,17,18. Tal achado não é uma surpresa, sabe-se que a idade é relatada como fator prognóstico em todos os tipos de câncer. Isso pode ser explicado pela maior prevalência de comorbidades e disfunções hepáticas e renais nesses indivíduos. Além disso, pacientes mais jovens são candidatos a terapias muito mais agressivas, as quais os mais idosos não tolerariam.
Segundo Iriushichima et al.18, a proporção de pacientes tratados com os novos agentes foi significativamente maior naqueles com menos de 65 anos (74 vs. 47%).
A escala de performance status do Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG PS) é utilizada para avaliar como a doença de um paciente está progredindo, como afeta suas habilidades de vida diária, além de determinar o tratamento e o prognóstico adequados. O performance status precário (ECOG PS ≥ 2) esteve associado à sobrevida mais curta, dois vs. dez meses, em trabalho retrospectivo conduzido por Colovic et al.13. Wu Li et al.24 também identificaram o escore ECOG como fator prognóstico independente da LCP. Esses pacientes, em geral, têm doença em estágio mais avançado18. Além disso, a maioria dos ensaios clínicos randomizados dos novos agentes terapêuticos excluem os pacientes com ECOG PS ≥ 2, o que nos traduz, assim como nos indivíduos mais idosos, menores possibilidades terapêuticas.
Os estudos selecionados nesta revisão sistemática revelaram hipoalbuminemia14, hipercalcemia14,19, elevação de LDH e creatinina e plaquetopenia10,13 como marcadores de mau prognóstico na LCPp. Tais marcadores são bem estabelecidos no MM25,26. A hipercalcemia está associada à presença de lesões líticas, disfunção renal, trombocitopenia25 e, juntamente com a hipoalbuminemia, está relacionada com anemia e pior performance status25. Altos níveis séricos de LDH estão relacionados à agressividade tumoral, além de doença extramedular26
Por outro lado, os níveis de B2-microglobulina, utilizados inclusive no Sistema de Estadiamento Internacional do MM26, não se mostraram estatisticamente significativos na LCPp nos estudos analisados.
Entretanto, esses dados são baseados em análises retrospectivas, em sua maioria de único centro, e com pequeno número amostral. Portanto, ainda carecem de validação através de pesquisas bem fundamentadas, coortes prospectivas e estudos multicêntricos.
Dentre os artigos selecionados, fica evidente que a citogenética pode ter influência no prognóstico da LCP. Foi demonstrado que tanto a translocação do gene MYC9 quanto as translocações nos genes t(14;16), (14;20) e del 17p e t (4;14) estiveram associadas à menor sobrevida dos pacientes analisados12,20. Nandakumar et al.12 definiram como citogenética de alto risco a presença das anormalidades t (14;16), (14;20) e del 17p, em conjunto. De fato, assim como no MM, a sobrevida dos pacientes com LCPp com citogenética de alto risco foi significativamente menor em relação àqueles sem as anormalidades, 19 vs. 51 meses12. Eles se basearam na Mayo Stratification of Myeloma and Risk-Adapted Therapy (mSMART)27
Essa abordagem, adaptada ao risco, garante terapia intensa para doenças agressivas, além de terapia suficiente, mas menos intensa, para doenças de baixo risco, evitando doses tóxicas e desnecessárias27. A LCPp, apesar de ser uma patologia distinta do MM, encontra nele inúmeras semelhanças, sendo considerada uma variante mais agressiva. Portanto, é plausível inferir que os pacientes com LCPp também se beneficiariam de uma abordagem terapêutica individualizada e guiada pelos fatores de risco de cada indivíduo. Entretanto, devido à raridade dessa condição, faltam estudos mais consistentes, multicêntricos e prospectivos para que seja possível extrapolar tais evidências.
Por outro lado, a translocação t(11;14) esteve associada à melhor sobrevida em análise multivariada conduzida por Avet-Loiseau et al.11 em 2001, e posteriormente corroborada por Nandakumar et al.12 em 2021. Essa anormalidade está presente em todos os tipos de discrasias plasmocitárias, todavia, maior prevalência dessa translocação, em relação ao MM, tem sido descrita ao longo dos anos9,11,12. Esse achado é de especial importância para escolha terapêutica, pois está associado à melhor resposta ao tratamento com Venetoclax28,29, citado como promissor agente terapêutico em pacientes com LCPp refratária30
Há diversas limitações nesta revisão, como o pequeno número amostral dos estudos selecionados, sendo a maioria deles originados de única instituição. Esse fato, associado à não randomização das amostras, impossibilita a validação externa de seus resultados. É possível que o reduzido número amostral tenha subestimado a força de associação de diversos fatores prognósticos, como nível sérico de B-2-Microglobulina, hipercalemia, leucocitose, anemia e trombocitopenia. Essas características são historicamente conhecidas como influência negativa na sobrevida de pacientes com MM, entretanto, não atingiram significância estatística nos estudos analisados.
Além disso, os estudos ideais para avaliação de fatores prognósticos são os prospectivos. Entretanto, devido ao custo elevado e longo tempo necessário à observação, a maioria deles são retrospectivos, com a desvantagem de que as informações clínicas podem ser perdidas. Outro ponto importante é o fato de todos os artigos selecionados serem observacionais. Esses estudos têm alto risco de viés e não podem ser utilizados para decisões clínicas. No entanto, esses são os desenhos de escolha para avaliação de fatores de risco e de prognóstico de determinado agravo.
Esta revisão sistemática reuniu as evidências sobre fatores prognósticos relacionados à LCPp. Os dados indicam que há uma diversidade de características clínicas, laboratoriais e citogenéticas que podem estar associadas à sobrevida de pacientes com LCPp. O conhecimento desses fatores pode interferir na prática clínica, indicando a necessidade de rápida introdução terapêutica ou de tratamentos mais agressivos. Apesar de se tratar de doença rara, diante de sua alta letalidade, é evidente a necessidade de estudos bem fundamentados, multicêntricos e com maior número amostral para aprofundar o conhecimento sobre essa patologia.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Maria Carolina Barreto Moreira Couto, Lara Maria Carneiro de Almeida, Mariane Carvalho de Almeida.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Maria Carolina Barreto Moreira Couto, Lara Maria Carneiro de Almeida, Mariane Carvalho de Almeida, Janine Magalhães Garcia de Oliveira.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Maria Carolina Barreto Moreira Couto, Lara Maria Carneiro de Almeida, Mariane Carvalho de Almeida, Janine Magalhães Garcia de Oliveira.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Maria Carolina Barreto Moreira Couto.
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Recebido: 27.10.2022. Aprovado: 2.12.2022.
Renata Carvalho Rodrigues de Meloa
http://orcid.org/0000-0002-3951-8494
Resumo
O vírus varicela-zóster pode recorrer diante de imunodeficiência. A falta de imunidade celular pode ser tão grave a ponto de comprometer o sistema nervoso central. Neste caso, o paciente apresentou quadro de aids com meningoencefalopatia por vasculite. Pela alta suspeição diagnóstica, foi iniciado tratamento, empírica e precocemente, com aciclovir, corticoide e anticonvulsivante endovenosos. O diagnóstico se deu posteriormente. Com base neste caso, foi proposta uma estratégia eficaz de atendimento.
Palavras-chave: Vírus varicela-zóster. HIV. Meningoencefalite. Vasculite. Estratégia.
VARICELLA ZOSTER VIRUS INFECTION IN IMMUNOSUPPRESSED PATIENT WITH SERIOUS COMPLICATIONS AND UNEXPECTED FAVORABLE CLINICAL OUTCOME
Abstract
Varicella zoster virus infection may recur in the face of immunodeficiency, which can be so severe as to compromise the central nervous system. In the case studied, the patient presented a clinical picture of AIDS along with vasculitis meningoencephalopathy. Due to high diagnostic suspicion, intravenous Acyclovir, Corticosteroid and Intravenous Anticonvulsant were administered early. Diagnosis occurred later. On this case, an effective care strategy was proposed.
Keywords: Varicella zoster virus infection. HIV. Meningoencephalitis. Vasculitis. Strategy.
a Médica residente em Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: renatacarvalhosj@hotmail.com
Endereço para correspondência: Hospital Geral Roberto Santos. Rua Direta do Saboeiro, s/n, Cabula. Salvador, Bahia, Brasil. CEP:41180-900. E-mail: renatacarvalhosj@hotmail.com
Resumen
El virus de la varicela zóster puede reaparecer ante una inmunodeficiencia. La falta de inmunidad celular puede ser tan grave como para comprometer el sistema nervioso central. En este caso, el paciente desarrolló SIDA junto con meningoencefalopatía por vasculitis. Debido a la alta sospecha diagnóstica, se inició de forma empírica y precoz Aciclovir, corticoides y anticonvulsivantes intravenosos. Después, se realizó el diagnóstico. A partir de este caso se planteó una estrategia de atención eficaz.
Palabras clave: Virus varicela zóster. VIH. Meningoencefalitis. Vasculitis. Estrategia.
O vírus varicela-zóster (VZV) é um alfa herpes vírus exclusivamente humano, responsável por infecções primárias (catapora), latentes e recorrentes. Assim como outros vírus dessa família, após o primeiro contato, o VZV se mantém latente de forma vitalícia no organismo1 Estima-se que 95% da população adulta o abrigue dessa maneira2. Por isso, há necessidade de conhecê-lo e de aumentar o grau de suspeição dessa etiologia diante de quadros infecciosos em contexto de imunodepressão.
A resposta imune do hospedeiro, principalmente a celular, limita a replicação viral e facilita sua recuperação. Diante de falhas nessa orquestra, há gatilho suficiente para sua ativação nos gânglios, replicação continuada e disseminação via axonal retrógrada ou via hematogênica, com lesão direta do vírus ou por depósito de imunocomplexos, podendo resultar em quadros muito graves, que vão desde acometimento de pele – que não respeitam dermátomos – até de outros órgãos, como pulmões, fígado e sistema nervoso central, agregando alta morbimortalidade1-3.
Diante desse contexto, refletimos, através da análise de caso, sobre a evolução de um paciente imunossupresso, previamente infectado por VZV na infância, que evoluiu com complicações graves, porém, obteve um bom desfecho clínico, a fim de elaborar uma estratégia eficaz de atendimento.
R. A. D. O., 48 anos, foi internado acompanhado da esposa, que relatou episódio de febre há três dias da admissão, associada a cefaleia, agitação psicomotora, discurso desconexo e
abalos musculares em membros superiores, além da presença de lesões pústulo-vesículo-crostosas há aproximadamente cinco dias em região retroauricular direita, membros superiores e inferiores, tronco e nádegas. Negou vômitos, liberação esfincteriana, episódio semelhante e déficit cognitivo prévio. Portador de diabetes mellitus tipo II, em uso de subdose de metformina. Além disso, apresentava história de varicela na infância. Nega uso de drogas ilícitas, álcool e tabaco.
O exame físico revelou pressão arterial normal, sonolência, oscilação do nível de consciência, escala de coma de Glasgow oscilando entre 7 e 14. Sem alteração de pares cranianos. Presença de dismetria nos quatro membros. Força muscular e tonicidade preservadas nos quatro membros. Reflexo cutâneo plantar indiferente bilateralmente. Demais reflexos globalmente preservados. Presença de rigidez de nuca moderada. Orientado no tempo e no espaço, sem déficit cognitivo. Cavidade oral com placas esbranquiçadas em mucosa orofaríngea. Presença de lesões em diferentes estágios (vesículas, pústulas, crostas) em região retroauricular direita, tronco, nádegas, MMSS e MMII, sem respeitar áreas de dermátomos. Esses sinais e sintomas sugeriram meningoencefalite infecciosa, associada à imunossupressão pelas lesões de candidíase orofaríngea e pela apresentação disseminada das lesões variceliformes. Nesse sentido, o acometimento do Sistema Nervoso Central (SNC) e as lesões cutâneas disseminadas determinavam a gravidade do quadro.
A investigação inicial mostrou sorologia para HIV tipos 1 e 2 reagentes. Líquor com leucocitose com predomínio linfocítico, glicose normal, proteínas normais – gram, baciloscopia e cultura negativos. PCR para varicela-zóster detectável (resultado saiu quase um mês depois). Tomografia de crânio revelou contusões hemorrágicas na convexidade temporal e insular bilateralmente. Angiotomografia de crânio sem lesões estruturais como estenoses ou dilatações vasculares. Ressonância nuclear magnética demonstrou os mesmos focos de hemorragias intraparenquimatosas nos polos temporais bilateralmente – maior à direita – e na ínsula bilateralmente – maior à esquerda –, além de focos menores frontobasal à direita e na porção superior do vermis cerebelar. Área de alteração de sinal na porção anterior da ponte, com focos de componente hemáticos de permeio. Foco de componente hemático na projeção do giro pré-central esquerdo. Tomografia de tórax sem alterações significativas.
Portanto, havia manifestações clínicas, líquor e exames de imagem compatíveis com o diagnóstico de meningoencefalite necro-hemorrágica secundária à reativação da varicela-zóster, mesmo sem o PCR do líquor no momento da admissão. Os abalos musculares em membros superiores somados à flutuação do nível de consciência foram tratados como crises convulsivas. Tal reativação da varicela, manifesta de forma atípica, cutânea disseminada e com repercussões em sistema nervoso central, foi associada à imunossupressão. O paciente foi
submetido a aciclovir (10mg/kg, EV, 8/8hrs), fazendo uso por 21 dias; ceftriaxona (28/09-30/09), com uso suspenso, tão logo revelado o aspecto liquórico, apontando para etiologia viral; corticoterapia com dexametasona (28/09-30/09); fenitoína continuamente; e encaminhado para unidade de terapia intensiva. Manteve-se em unidade fechada, em leito de isolamento de contato. Obteve melhora completa dos déficits neurológicos e alta hospitalar após conclusão de aciclovir, com regulação para serviço ambulatorial de infectologia e de neurologia. Três meses após a alta foi reavaliado pela equipe, em uso regular de TARV, sem alterações neurológicas sequelares e sem relato de crises convulsivas, porém em uso de anticonvulsivante.
Quadro 1 – Testes laboratoriais admissionais. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Fonte: Laboratório/prontuário paciente do HGRS.
Prontuário
O caso acima descrito apresenta um paciente com quadro de aids e reativação oportunista do vírus varicela-zóster com manifestações graves, compondo diagnóstico de varicela cutânea disseminada – também conhecida como forma letal, que se assemelha à varicela comum por ter lesões polimórficas, mas sem respeitar dermátomos1,7 –, além de meningoencefalite por vasculite imunomediada, que se manifestou com convulsões de início súbito, diminuição do nível de consciência, rigidez de nuca e presença de reflexo extensor plantar, o que costuma ter uma evolução ruim4,5
A patogenicidade desse tipo de acometimento do SNC acontece por infiltração de partículas do vírus e de macrófagos epitelioides do hospedeiro nas paredes de pequenas e grandes artérias e por acúmulo dessas células no lúmen arterial, deixando o paciente num cenário de fragilidade vascular e de protrombose, respectivamente3. As manifestações clínicas podem ser aneurisma, hemorragia subaracnoide e intracerebral, ectasia arterial, dissecção, eventos trombóticos transitórios, acidente vascular cerebral isquêmico etc. Esses riscos se mantêm durante e após o contágio, entre quatro meses a um ano após, principalmente se houver acometimento oftálmico1,4,5. Destaca-se que não há evidências de que o uso de antiviral modifique este prognóstico.
Diante de um caso semelhante, deve-se pensar em alguns diagnósticos diferenciais, a começar por doenças que têm lesões exantemáticas, tais como varíola, eczema vaccinatum, eczema herpético, rickettsiose variceliforme, infecções por coxsackie e impetigo. O aspecto polimórfico da infecção por VZV favorece a diferenciação das demais etiologias. Dessa maneira, levando em consideração as repercussões neurológicas, deve-se pensar em quadros que cursem com vasculite, como angeíte primária do SNC e angeítes granulomatosas (sarcoidose, neurosífilis, neurotuberculose, infecção fúngica), embolia cardíaca multifocal e linfoma intravascular2-4
O diagnóstico do caso relatado foi feito através da reação de pesquisa direta do DNA viral por cadeia de polimerase (PCR) no líquor. Como o vírus é mais frágil que o seu DNA, a utilização de PCR é mais sensível que o isolamento viral e permite diferenciar o vírus selvagem do vacinal – sendo este o método de escolha. Outras opções para diagnóstico são: pesquisa direta através de raspagem das vesículas na busca de células gigantes multinucleadas com inclusão, inespecíficas; teste direto de anticorpo fluorescente, muito caro e pouco acessível; e por sorologia (testes de fixação de complemento, neutralização, imunofluorescência e imunoenzimático), que é a pesquisa de IgG
intratecal, que também é muito sensível e específica para definição do estado imunitário, mas com um custo maior.
Vale dizer que o DNA viral só está presente nas duas primeiras semanas de neuroinfecção. Depois disso, o IgG do VZV começa a positivar. Logo, se infere que, no paciente supracitado, a neuroinfecção era aguda2,3. Além disso, os exames de imagem foram muito sugestivos, evidenciando complicações de vasculite e não as alterações estruturais em si, já que a angiotomografia não evidenciou alterações. Isso não afasta o diagnóstico, pois o acometimento de pequenas artérias às vezes não é facilmente identificado2.
O paciente seguiu da emergência do hospital para leito de isolamento em Unidade de Terapia Intensiva, com precaução de contato e respiratória, onde ficou isolado até que completassem sete dias após o início do rash cutâneo, tempo suficiente para acabar com a liberação de aerossóis2.
Com relação ao tratamento específico, três drogas mostraram eficácia: interferon, vidarabina e aciclovir. Esse último mostrou superioridade, sendo a primeira escolha atualmente diante da suspeita ou da confirmação de infecção pelo VZV. A via endovenosa está indicada para pacientes imunocomprometidos. Quanto mais precoce a terapêutica, especialmente nas primeiras 24 horas do início do rash, melhor a eficácia. Sabe-se que o uso adequado requer início em até 72 horas após o início das lesões de pele. Além disso, o aciclovir reduz a severidade da varicela à medida que reduz a viremia e pode prevenir a forma mais grave da doença e a disseminação visceral. A mortalidade se reduz, pois diminui o risco de pneumonia por varicela de 45% para zero1
O tratamento via oral, mesmo em imunocompetentes, tem pobre bioviabilidade (apenas 20% são absorvidos pelo trato gastrointestinal). Em casos de resistência do vírus ao aciclovir, fenômeno observado em alguns pacientes imunodeprimidos, antes de tentar substituir a terapêutica, se estende o tempo de uso de aciclovir, EV, e se pesquisa neoplasias que justifiquem tamanha imunossupressão, ou outras etiologias infecciosas. Se indica uso de corticoide (prednisona) nos primeiros cinco dias de tratamento, a fim de reduzir o grau de vasculite e, consequentemente, de complicações neurológicas. Em pacientes com hipercoagulabilidade, indica-se anticoagulação3.
Deve-se, portanto, pensar em infecção por VZV diante de alterações neurológicas durante ou após lesões de pele com características polimórficas ou, ainda, sem lesões de pele 3,6, mas num contexto de imunossupressão primária ou secundária. Essa hipótese diagnóstica ganha força diante de pleocitose no líquor, lesões isquêmicas ou hemorrágicas nos exames de imagem, multifocais e/ou bilaterais e de estreitamentos focais na angiografia.
Deve-se iniciar com corticoide, antiviral e anticonvulsivante o quanto antes, fazer pesquisa do VZV no líquor e sorologias, principalmente para HIV, e, caso não haja melhora nos primeiros dias em uso dessas, pesquisar outros agentes infecciosos com estudo do líquor e, ainda que correto o diagnóstico e com boa evolução clínica, deve-se manter seguimento longitudinal, pois as complicações ainda podem acontecer até um ano depois do contágio, em média.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Renata Carvalho Rodrigues de Melo.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Renata Carvalho Rodrigues de Melo.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Renata Carvalho Rodrigues de Melo.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Renata Carvalho Rodrigues de Melo.
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Recebido: 27.10.2022. Aprovado: 13.12.2022.
DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.nSupl_1.a3784
EFEITO DO USO DE PROBIÓTICOS E SIMBIÓTICOS NO CONTROLE METABÓLICO
EM PACIENTES COM DIABETES MELLITUS TIPO 2 E PRÉ-DIABETES:
UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DE LITERATURA
Rodrigo O. F. Garciaa
https://orcid.org/0000-0003-2385-0334
Maria de Lourdes Lima de Souza e Silvab
https://orcid.org/0000-0002-2081-4162
Resumo
O diabetes mellitus constitui um distúrbio clínico heterogêneo, apresentando comumente hiperglicemia e estado inflamatório crônico. Tais condições se relacionam com a microbiota intestinal, compreendida como um conjunto de microrganismos que interagem com o hospedeiro de maneira benéfica ou maléfica. Nos pacientes diabéticos, a modulação microbiológica do intestino é bastante intrigante, pois o uso de probióticos tem auxiliado na redução da endotoxemia metabólica e de mediadores inflamatórios. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é realizar uma revisão sistemática de literatura, buscando verificar a relação entre o uso de probióticos e simbióticos e a melhora metabólica em indivíduos diabéticos ou em risco de desenvolver tal patologia. Para tanto, foi realizada uma revisão sistemática, com coleta de dados realizada nas bases de dados PubMed, LILACS e ScienceDirect, com o objetivo de localizar ensaios clínicos que contemplassem a relação entre o uso de probióticos e simbióticos e a melhora metabólica (glicêmica e no tocante aos marcadores inflamatórios) na população-alvo. Os artigos coletados foram publicados entre janeiro de 2017 e fevereiro de 2022, e os estudos incluídos na revisão se restringiram ao idioma inglês. Foram avaliados quatro estudos, a maioria demonstrando uma redução significativa na glicemia em jejum e melhora metabólica geral, com redução dos níveis de marcadores inflamatórios após introdução de probióticos e simbióticos.
a Médico Residente em Endocrinologia e Metabologia do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: rodgarciamed@gmail.com
b Médica Especialista em Endocrinologia. Supervisora do Programa de Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: mlourdeslima@bahiana.edu.br Endereço para correspondência: Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital Geral Roberto Santos. Rua Direta do Saboeiro, s/n, Cabula, Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40301-110. E-mail: rodgarciamed@gmail.com
Dessa forma, foi possível concluir que, apesar de muitos estudos serem inconclusivos em relação ao efeito dos probióticos sobre o controle glicêmico, pode haver espaço para tais suplementos no tratamento do diabetes mellitus tipo 2 e pré-diabetes. Entretanto, mais estudos são necessários para confirmar esses resultados.
Palavras-chave: Diabetes mellitus 2. Microbiota. Probióticos. Simbióticos.
EFFECT OF PROBIOTICS AND SYMBOTICS ON METABOLIC CONTROL
IN PATIENTS WITH TYPE 2 DIABETES MELLITUS AND PRE-DIABETES: A SYSTEMATIC LITERATURE REVIEW
Abstract
Diabetes mellitus is a heterogeneous clinical disorder, commonly presenting hyperglycemia and chronic inflammatory state. These conditions are related to the intestinal microbiota, understood as a set of microorganisms that interact with the host in a beneficial or harmful way. Microbiological modulation of the intestine in diabetic patients is quite interesting, as probiotics have helped reduce metabolic endotoxemia and inflammatory mediators. Thus, this systematic literature review sought to verify the relationship between use of probiotics and symbiotics and glycemic/metabolic control in patients with type 2 Diabetes Mellitus and pre-diabetes. Bibliographic search was conducted in the PubMed, LILACS and ScienceDirect databases to identify clinical trials on the effect of probiotics and symbiotics on glycemic/metabolic improvement/control in the targeted patients. Retrieved articles were published between January 2017 and February 2022, but only papers in English were included in the review, resulting in four articles evaluated. Most studies showed a significant reduction in fasting blood glucose and general metabolic improvement, with reduced levels of inflammatory markers, after introduction of probiotics and symbiotics. Although many studies are inconclusive regarding the effect of probiotics and symbiotics on glycemic control, such supplements may have space in DM2 and pre-DM treatment. Further studies are needed to confirm these results.
Keywords: Diabetes mellitus 2. Microbiota. Probiotics. Symbiotics.
EN PACIENTES CON DIABETES MELLITUS TIPO 2 Y PREDIABETES: UNA REVISIÓN SISTEMÁTICA DE LA LITERATURA
Resumen
La diabetes mellitus es un trastorno clínico heterogéneo, caracterizada comúnmente por la hiperglucemia y un estado inflamatorio crónico. Esta condición está relacionada con la microbiota intestinal, que abarca un conjunto de microorganismos que viven con el huésped benéfica o maléficamente. En pacientes diabéticos, la modulación microbiológica del intestino es muy intrigante, puesto que el uso de probióticos ha ayudado a reducir la endotoxemia metabólica y los mediadores inflamatorios. Así, el objetivo de este trabajo es realizar una revisión sistemática de la literatura para verificar la relación entre el uso de probióticos y simbióticos y la mejoría metabólica en diabéticos y prediabéticos. Por lo tanto, se realizó una revisión sistemática, con recolección de datos en las bases de datos PubMed, LILACS y ScienceDirect, con el objetivo de localizar ensayos clínicos que contemplaran la relación entre el uso de probióticos y simbióticos y la mejora metabólica (glucémica y en cuanto a marcadores inflamatorios) en el público objetivo. Los artículos habían sido publicados entre enero de 2017 y febrero de 2022 y se restringieron al idioma inglés. Se evaluaron cuatro estudios, la mayoría demostró una reducción significativa en la glucosa en sangre en ayunas y una mejora metabólica general, con niveles reducidos de marcadores inflamatorios, después de la introducción de probióticos y simbióticos. Así, fue posible concluir que, aunque muchos estudios no son concluyentes en cuanto al efecto de los probióticos en el control glucémico, hay espacio para tales suplementos en el tratamiento de la diabetes mellitus y la prediabetes. Sin embargo, se necesitan más estudios para confirmar estos resultados.
Palabras clave: Diabetes mellitus 2. Microbiota. Probióticos. Simbióticos.
O corpo humano vive uma relação de simbiose com a microbiota intestinal, que se comporta de forma equilibrada com cerca de cem trilhões de microrganismos, influenciáveis por fatores biológicos e ambientais. A maioria são bactérias comensais, ou seja, bactérias benéficas que participam do bom funcionamento do organismo1,2
A microbiota saudável de um adulto possui gêneros e espécies variadas, membros permanentes e transitórios, que podem ser influenciados por fatores externos. A maioria de microrganismos são anaeróbios estritos (97%) e uma pequena porção são aeróbios facultativos (3%).
Os gêneros Bifidobacterium e Lactobacillus são os mais importantes quando se trata de benefício ao organismo humano e por isso são alvo da maioria dos estudos e pesquisas3-7.
Neste ponto é importante destacar que a microbiota intestinal é formada nos primeiros meses de vida, a partir do prévio contato com leite materno, e continua seu desenvolvimento durante toda a fase adulta até o fim da vida. Na senilidade, há um declínio gradativo dessa colonização, devido ao processo de envelhecimento, em que ocorrem alterações biológicas que, com o passar do tempo, tendem a promover o declínio das funções fisiológicas8-10.
A colonização da microbiota intestinal é influenciada por hábitos cotidianos como higiene, alimentação, patologias, fatores ambientais, uso prolongado de antibióticos, e/ou outros medicamentos, entre outros fatores, sendo que esses dois últimos podem provocar redução drástica dessa comunidade, prejudicando todas as funções nas quais a microbiota intestinal está envolvida 11,7,9 .
Aqui é importante destacar a relação que existe entre a microbiota intestinal e o metabolismo do ser humano. A microbiota intestinal fornece nutrientes, vitaminas e metaboliza carbonos complexos através da fermentação, processo que as enzimas humanas não conseguem metabolizar, gerando, assim, energia para o ser humano e proporcionando um ambiente rico e favorável para sua própria manutenção7,9. Frente a esse contexto, pode-se observar que a comunidade de microrganismos no trato gastrointestinal é metabolicamente ativa e essencial para a manutenção da homeostase e para a saúde do hospedeiro12,7.
Sobre esse assunto, é importante mencionar que diversos trabalhos têm se concentrado em estudar o efeito da taxa microbiana individual na saúde humana, porém seu potencial metabólico geral tem sido subexplorado7. Portanto, os resultados obtidos sobre o conjunto microbiota e metabolômica do hospedeiro devem ser destacados para, assim, compreender a profundidade das interações que existem entre eles.
Descobertas observacionais alcançadas durante as últimas duas décadas sugerem que a microbiota intestinal pode contribuir para a saúde metabólica do hospedeiro humano e, quando apresenta desequilíbrio, pode promover a patogênese de vários distúrbios metabólicos comuns, que incluem o diabetes mellitus tipo 2 (DM2), a obesidade, a doença hepática não alcoólica, as doenças cardiometabólicas e a desnutrição13-17.
O diabetes mellitus constitui um distúrbio clínico heterogêneo, tendo como traço comum a hiperglicemia. Tal condição se relaciona com a microbiota intestinal, na qual um conjunto de microrganismos interage com o hospedeiro de maneira benéfica ou maléfica.
Um aspecto importante a ser observado é que a microbiota intestinal está relacionada a diversas atividades essenciais do organismo humano (absorção, digestão e a
transformação de alimentos), sofrendo interferência direta da qualidade da dieta habitual. Quando a comunidade bacteriana do organismo não está exposta a uma dieta equilibrada diariamente, ocorrem alterações nos níveis de glicose sanguínea, visto que determinados graus de disbiose (desequilíbrio da microbiota intestinal) estão associados ao DM2. Dessa forma, a disbiose também pode ser associada à inflamação da mucosa enteral, à diminuição de substâncias benéficas e ao aumento do estresse oxidativo17.
Nos pacientes diabéticos, a modulação microbiológica do intestino é bastante interessante, pois o uso de probióticos tem auxiliado na redução da endotoxemia metabólica e no acúmulo de mediadores inflamatórios.
Os probióticos são microrganismos vivos que conferem benefícios à saúde do hospedeiro quando administrados em quantidades adequadas. Eles exercem efeitos positivos no indivíduo, regulando sua função imunológica, gerando ácidos orgânicos e produtos antimicrobianos e interagindo com o hospedeiro e sua microbiota18. As relações estreitas entre a microbiota intestinal, saúde e doença têm levado a um grande interesse no uso de probióticos para modular positivamente a microbiota intestinal para prevenir ou tratar enfermidades.
Por sua vez, os prebióticos foram inicialmente definidos em 1995 por Gibson e Roberfroid como ingredientes alimentares não digeríveis que afetam beneficamente o hospedeiro, estimulando seletivamente o crescimento e/ou a atividade de um ou de certo número limitado de bactérias no cólon, melhorando assim a saúde do indivíduo19-21
Na época da definição original, os métodos baseados em cultura eram utilizados quase exclusivamente para o estudo da microbiota. As bifidobactérias e os lactobacilos eram os principais comensais direcionados em estudos de alimentação com prebióticos. Com o passar do tempo, essa definição foi refinada para incluir outras cepas. Atualmente, os prebióticos foram redefinidos como ingredientes seletivamente fermentados, que permitem mudanças específicas, tanto na composição quanto na atividade da microbiota gastrointestinal, conferindo benefícios à saúde humana19
Dessa forma, o objetivo deste trabalho é realizar uma revisão sistemática de literatura, buscando verificar a relação entre o uso de probióticos e simbióticos e a melhora metabólica e glicêmica em indivíduos com DM2 e pré-diabetes.
Esta revisão sistemática foi conduzida de acordo com as diretrizes dos itens de relatório para revisões sistemáticas (Prisma)22. Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados PubMed, LILACS e ScienceDirect, para localizar ensaios clínicos sobre a relação entre o uso de
probióticos e a melhora metabólica e de controle glicêmico em pacientes com DM2 ou com fatores de risco para desenvolvê-lo.
A estratégia de pesquisa consistiu em usar as opções avançadas para pesquisa dos termos-chave: “probiotics” (probióticos) and/or “bifidobacterium” (bifidobacterium) and/or “lactobacillus” (lactobacillus) and/or “type 2 diabetes” (diabetes mellitus tipo 2) and/or “prediabetes”. Os artigos coletados foram publicados entre janeiro de 2017 e fevereiro de 2022 e os estudos incluídos na revisão restringiram-se ao idioma inglês.
Os estudos elegíveis incluíram aqueles que: (1) foram realizados em humanos; (2) eram ensaios clínicos; (3) diagnosticaram DM2 nos pacientes adultos ou pré-diabetes; e (4) incluíram especificamente a avaliação da relação entre a microbiota e o controle glicêmico/metabólico, com utilização de simbióticos ou probióticos.
A população (P) foi definida como “pacientes com DM2/pacientes com pré-DM”; a intervenção (I) foi determinada como “tratamento com probióticos”; a comparação (C) foi delimitada como “pacientes com DM2/pré-DM sem tratamento com probióticos ou simbióticos”; os resultados (O, de outcomes) foram definidos como “controle glicêmico/redução da inflamação”; e o desenho do estudo (S, de study design) foi determinado como “ensaios clínicos”.
Foram excluídos estudos que não se enquadraram na categoria de ensaios clínicos, como editoriais, cartas, artigos de revisão, resumos de conferências, entre outros. Também foram desconsiderados trabalhos que estudaram outros tipos de diabetes mellitus, que não eram originais, que apresentaram informações duplicadas de artigos publicados anteriormente, que foram desenvolvidos em animais, que envolviam apenas intervenção dietética e aqueles que não explicavam a metodologia completamente.
A primeira avaliação de artigos potencialmente elegíveis envolveu a triagem de títulos e resumos pelo autor deste estudo. Os registros relevantes selecionados nessa etapa foram examinados por meio da análise do texto completo. As discordâncias foram resolvidas com participação de segunda opinião. Revisões e textos selecionados para leitura completa foram examinados na tentativa de recuperar artigos relevantes não identificados pelas estratégias de busca.
A qualidade metodológica dos artigos incluídos nesta revisão foi avaliada em relação aos seguintes critérios de qualidade: (1) justificativa do estudo; (2) descrição de objetivos específicos e hipóteses; (3) critérios de elegibilidade do paciente; (4) descrição da intervenção; e (5) descrição dos desfechos primários e secundários.
Cada item foi pontuado como sim (1) ou não (0). A pontuação total também foi calculada como a soma dos resultados para cada item individual. Em casos específicos, o autor e um auxiliar resolveram quaisquer divergências.
Inicialmente, foram encontrados 1.387 artigos. Na sequência, foram realizadas a identificação e a exclusão de 753 arquivos duplicados, restando 634 estudos. Destes, após leitura dos títulos e resumos, 573 foram excluídos por serem pesquisas desenvolvidas em animais, artigos escritos em línguas diferentes do inglês, publicações incompletas e/ou resumos de eventos. Ressalta-se aqui que, quando a relevância de um estudo não era clara a partir do resumo, o artigo completo era recuperado para a sua leitura na íntegra, com o intuito de verificar se abordava adequadamente o objeto de pesquisa. Os 61 estudos que permaneceram na seleção foram lidos na íntegra; destes, 57 foram excluídos. As razões mais comuns para a exclusão dos estudos foi a não abordagem de forma substancial do assunto proposto.
Diante desse panorama, a Figura 1 apresenta o fluxograma do processo de seleção das publicações desta revisão.
Figura 1 – Diagrama Prisma. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
PubMed/Medline, Science Direct e Web of Science (n = 1387)
(n = 1.387)
Resultado inicial da busca (n = 634)
Artigos lidos na íntegra (n = 61)
Artigos em duplicidade removidos (n = 753)
Excluídos após a leitura de títulos e resumos (n = 573)
Excluídos após a leitura na íntegra (n = 57)
• Não abordavam claramente o assunto (n = 44)
• Estudos similares produzidos pelos mesmos autores (n = 13)
Corpus do estudo (artigos incluídos) (n = 04)
Fonte: Elaboração própria a partir do modelo de Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (Prisma)22
Todos os estudos revisados (n = 04; 100%) são produtos de ensaios clínicos, que avaliaram a hipotética modulação da microbiota intestinal pela ingestão de produtos –probióticos ou simbióticos – no controle metabólico ou no desenvolvimento de DM. Eles foram majoritariamente publicados no período de 2019 a 2021 (n = 4; 100%). Dos quatro estudos, três testaram exclusivamente probióticos e um testou probióticos e simbiótico; três estudaram pacientes com diabetes e um estudou pacientes com pré-diabetes. Destes, 75% encontraram
efeito positivo no controle metabólico – por queda dos níveis glicêmicos – e 25% apresentaram queda dos marcadores inflamatórios. A Tabela 1 faz a síntese dos estudos avaliados, levando em consideração o objetivo da pesquisa, metodologia, resultados e conclusões.
Tabela 1 – Síntese dos estudos avaliados. Salvador, Bahia. Brasil – 2022
No. Autores Objetivo(s) Metodologia Resultados e conclusões
1 Bellikci-Koyu et al. (2019)
Investigar se a suplementação de kefir (produto lácteo fermentado, que possui uma combinação específica de bactérias e leveduras) tem efeitos favoráveis em alguns dos parâmetros do DM2.
Estudar sobre o efeito da ingestão oral da cepa anaeróbia butirogênica Anaerobutyricum soehngenii no metabolismo da glicose em indivíduos com DM2.
Pacientes com DM2 foram randomizados para receber 180 ml/dia de kefir (n = 12) ou leite não fermentado (n = 10) por 12 semanas.
Foi realizado um estudo de segurança e determinação de dose de fase I/ II de ingestão oral da cepa anaeróbia butirogênica A. soehngenii no metabolismo da glicose em 24 indivíduos com DM2 por quatro semanas.
A insulina de jejum, a resistência à insulina e a pressão arterial sistólica e diastólica apresentaram queda significativa com a intervenção do kefir. A análise da microbiota intestinal mostrou que o consumo regular de kefir resultou em um aumento significativo apenas na abundância relativa das actinobactérias. Os autores concluíram que a suplementação de kefir teve efeitos favoráveis em alguns dos parâmetros do DM2. No entanto, mais investigações são necessárias para entender seu efeito na composição da microbiota intestinal.
O tratamento com A. soehngenii se mostrou seguro e observou-se uma correlação significativa entre a abundância fecal medida da A. soehngenii administrada e a melhora na sensibilidade periférica à insulina após quatro semanas de tratamento. Isso foi acompanhado por uma composição alterada da microbiota e uma mudança no metabolismo dos ácidos biliares. Os autores concluíram que embora os dados em humanos sejam promissores, estudos adicionais são necessários para reproduzir os achados e investigar os efeitos de longo prazo, bem como outros modos de entrega.
Avaliar os efeitos dos probióticos e simbióticos no DM2 em indivíduos com pré-diabetes.
Um total de 120 adultos com pré-diabetes foram distribuídos em grupos para receber um probiótico multiespécies (Lactobacillus acidophilus, Bifidobacterium bifidum, Bifidobacterium lactis e Bifidobacter longum) ou um simbiótico à base de inulina ou um placebo por até 24 semanas.
Foi encontrada uma tendência significativa de redução da prevalência de hiperglicemia nos grupos probióticos e simbióticos e hipertensão nos grupos probióticos. As diminuições na prevalência do DM2 foram significativas após a suplementação com probióticos e simbióticos em comparação com o placebo. Concluiu-se que os benefícios potenciais do uso de probióticos e simbióticos para o tratamento da DM2 em indivíduos pré-diabeticos foram corroborados, o que pode fornecer uma estratégia importante para combater doenças associadas ao DM2.
Avaliar os efeitos de L. reuteri V3401 juntamente com recomendações de estilo de vida saudável em pacientes adultos com DM2.
Um total de 53 pacientes adultos recém-diagnosticados com DM2 foram alocados em blocos aleatoriamente por índice de massa corporal e sexo para receber uma cápsula contendo o probiótico L. reuteri V3401 ou um placebo, uma vez ao dia por 12 semanas.
O consumo de L. reuteri V3401 melhorou parâmetros inflamatórios selecionados e modificou a microbiota gastrointestinal. No entanto, não houve diferenças entre os grupos nas características clínicas da DM2.
Os autores concluíram que mais estudos são necessários para determinar os efeitos benéficos adicionais de outras cepas probióticas na DM2, bem como os mecanismos pelos quais tais efeitos são exercidos.
Com a ampla ocidentalização dos padrões alimentares e estilos de vida, a ocorrência de DM2 tornou-se uma problemática mundial18. Dessa forma, pode-se descrever que o DM2 envolve um grupo de fatores de risco que incluem a obesidade, a hiperglicemia, a dislipidemia, a hipertensão, a hiperuricemia, entre outros14,23. Se não forem controladas, essas condições levarão ao desenvolvimento de doenças como esteatose hepática não alcoólica, síndrome da apneia e hipopneia obstrutiva do sono, doenças cardiovasculares e outras que afetam diretamente o bem-estar humano18.
A patogênese do DM2 está relacionada a fatores como a resistência à insulina, inflamação crônica, disfunção autonômica e estresse oxidativo 11,20. Diante disso, diversas estratégias têm sido estudadas para o controle e a correção desses sintomas.
Este trabalho identificou e analisou as evidências científicas disponíveis sobre as propostas de intervir no desequilíbrio da microbiota intestinal e dos compostos microbianos derivados que favorecem o desenvolvimento de DM2. No total, quatro artigos foram avaliados e relatam tais estratégias centradas no uso, principalmente, de probióticos para esse efeito.
Assim, os artigos de Bellikci-Koyu et al.24, Gilijamse et al.25, Kassaian et al.26 e Tenorio-Jiménez et al.27 demonstraram os benefícios potenciais do uso de probióticos e simbióticos para a abordagem em indivíduos pré-diabéticos, diabéticos e com outras doenças relacionadas, que, em conjunto, podem fornecer estratégias importantes para combater o DM2. Os benefícios para a saúde ainda precisam ser comprovados em relação a algumas indicações e situações específicas, sendo necessários mais estudos sobre as melhores cepas, doses e algoritmos de administração a serem utilizados. No entanto, a administração de probióticos e simbióticos parece ter um grande potencial em termos de saúde, o que justifica a necessidade de mais pesquisas.
As diversas evidências sugerem que a microbiota intestinal está envolvida no desenvolvimento da obesidade e comorbidades associadas. Foi relatado que a composição da microbiota intestinal difere em indivíduos obesos e magros, sugerindo que a disbiose da microbiota pode contribuir para mudanças no peso corporal28. No entanto, os mecanismos pelos quais a microbiota intestinal participa da homeostase energética ainda não são tão claros.
Outros autores demonstraram que a microbiota intestinal pode ser modulada positiva ou negativamente por diferentes estilos de vida, fatores dietéticos e uso de suplementos, o que pode estar relacionado ao controle e tratamento do DM2. Interações complexas entre antecedentes genéticos, microbiota intestinal e dieta têm sido associadas com o risco de desenvolver obesidade e DM228,6,29.
Esta revisão apresentou algumas limitações, tais como o número pequeno de trabalhos que preencheram os critérios de elegibilidade, o uso de cepas diferentes de probióticos e limitar-se ao uso de probióticos e simbióticos. Entretanto, é possível sugerir que a modulação da flora intestinal pelo uso de probióticos e simbióticos pode ser adjuvante no controle metabólico e na prevenção do diabetes.
Diante do exposto, conclui-se que, para pacientes portadores de diabetes e pré-diabetes, a modulação microbiológica do intestino é bastante profícua, pois, por meio do adequado uso de probióticos e simbióticos – com consequente ascensão de populações bacterianas saudáveis, produção de substâncias associadas ao bom funcionamento dos enterócitos e da barreira protetora do endotélio intestinal e à quantidade de seus respectivos receptores –, pode-se obter um bom controle glicêmico associado à redução do nível de inflamação – auxiliando na prevenção ou redução da endotoxemia metabólica, que é altamente prevalente nessa população.
Nesta revisão, pode-se avaliar o uso de probióticos e simbióticos para melhorar o controle do DM2 e retardar o desenvolvimento do pré-diabetes. A maioria dos estudos revela que essa estratégia tem efeito direto sobre a constituição da microbiota intestinal e, por conseguinte, essas modificações levam a alterações positivas no metabolismo de glicose e lipídios. No entanto, são necessárias mais evidências para entender mais adequadamente o impacto clínico e uso terapêutico dessas estratégias no âmbito do diabetes mellitus tipo 2. Apesar de muitos estudos serem inconclusivos em relação ao efeito dos probióticos e simbióticos sobre o controle glicêmico, há dados demonstrando uma redução significativa na glicemia em jejum. Entretanto, mais estudos são necessários para confirmar tais resultados.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Rodrigo O. F. Garcia.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Rodrigo O. F. Garcia e Maria de Lourdes Lima de Souza e Silva.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Rodrigo O. F. Garcia e Maria de Lourdes Lima de Souza e Silva.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Rodrigo O. F. Garcia.
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Recebido: 27.10.2022. Aprovado: 28.11.2022.
Laís Caló Barretoa
https://orcid.org/0000-0003-2012-0555
Conceição Neves Ferrazb
https://orcid.org/0000-0001-9923-7099
Pedro Antonio Pereira de Jesusc
https://orcid.org/0000-0003-1211-2272
Resumo
Mielopatia inflamatória ou mielite transversa é uma síndrome neurológica potencialmente incapacitante com uma variedade de etiologias. Episódios únicos ou recorrentes podem resultar em dependência de cadeira de rodas. O quadro clínico de fraqueza, alteração de sensibilidade e disfunção autonômica de início agudo ou subagudo é marca dessa síndrome. Esse cenário é comum às diferentes etiologias, que podem ser de natureza desmielinizante, por doença autoimune sistêmica, paraneoplásica ou infecciosa. A ressonância magnética de coluna é o exame de neuroimagem de escolha. Exames complementares como avaliação do líquido cefalorraquidiano, testes sorológicos e pesquisa de anticorpos dão suporte à investigação. A depender da etiologia, há tratamentos específicos a fim de reduzir incapacidade e chance de novos surtos, além de diferentes prognósticos. Este trabalho objetiva uma revisão de literatura sobre mielopatias inflamatórias e suas principais etiologias, a partir de dados obtidos na plataforma eletrônica PubMed. Para a discussão, foram revisadas as etiologias desmielinizantes (encefalomielite disseminada aguda, esclerose múltipla, doença do espectro, neuromielite óptica e neurite óptica, encefalite e mielite associadas ao MOG-IgG); doenças autoimunes (lúpus eritematoso sistêmico e síndrome de Sjögren); síndromes paraneoplásicas e mielopatias infecciosas (neuroesquistossomose, mielite por HIV e por HTLV-1 e neurossífilis). Concluiu-se com este estudo que a mielopatia inflamatória é uma condição de gravidade
a Médica Neurologista do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: lais.calo@hotmail.com
b Médica Neurologista do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: cferraz@hotmail.com
c Médico Neurologista do Hospital Geral Roberto Santos. Supervisor do Programa de Residência Médica em Neurologia do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: papj1704@hotmail.com
Endereço de correspondência: Hospital Geral Roberto Santos. Estrada do Saboeiro, s/n, Cabula. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41180-170. E-mail: lais.calo@hotmail.com
variável que produz potencial incapacidade, causada por diferentes etiologias, porém com quadro clínico comum entre elas. Por isso, é importante conhecer cada uma dessas causas, a fim de promover o melhor e mais precoce tratamento e reduzir sequelas.
Palavras-chave: Mielite transversa. Doenças autoimunes desmielinizantes do sistema nervoso central. Neuroesquistossomose. Neurossífilis. Síndromes paraneoplásicas do sistema nervoso.
Abstract
Inflammatory myelopathy or transverse myelitis is a potentially disabling neurological syndrome with various etiologies. Single or recurrent episodes can result in wheelchair dependence. A clinical picture of weakness, altered sensitivity, and autonomic dysfunction with acute or subacute onset is characteristic of this syndrome. This scenario is common to different etiologies, which can be of a demyelinating nature, due to systemic, paraneoplastic, or infectious autoimmune disease. Spine MRI is the neuroimaging test of choice. Complementary tests such as cerebrospinal fluid evaluation, serological tests and antibody research support the investigation. Depending on the etiology, there are specific treatments to reduce disability and the chance of new episodes, and different prognoses. This study is a literature review on inflammatory myelopathies and their main etiologies, based on data obtained from the PubMed database. Demyelinating etiologies (acute disseminated encephalomyelitis, multiple sclerosis, neuromyelitis optic spectrum disease and optic neuritis, MOG-IgG-associated encephalitis and myelitis), autoimmune diseases (systemic lupus erythematosus and Sjögren’s syndrome), paraneoplastic syndromes and infectious myelopathies (neuroschistosomiasis, HIV and HTLV-1 myelitis, and neurosyphilis) were reviewed for discussion. In conclusion, inflammatory myelopathy is a condition of variable severity that produces potential disability, caused by different etiologies, but with a common clinical picture between them. Thus, knowledge on each of these causes is important to promote the best and earliest treatment and reduce sequelae.
Keywords: Transverse myelitis. Demyelinating autoimmune diseases, CNS. Neuroschistosomiasis. Neurosyphilis. Paraneoplastic syndromes, nervous system.
La mielopatía inflamatoria o mielitis transversa es un síndrome neurológico potencialmente incapacitante con una variedad de etiologías. Los episodios únicos o recurrentes pueden tener como consecuencia dependencia de silla de ruedas. El cuadro clínico de debilidad, sensibilidad alterada y disfunción autonómica de inicio agudo o subagudo es distintivo de este síndrome. Esto es común a diferentes etiologías, que pueden ser de naturaleza desmielinizante, debido a enfermedades autoinmunes sistémicas, paraneoplásicas o infecciosas. La resonancia magnética de columna es la prueba de neuroimagen de elección. Las pruebas complementarias, como la evaluación del líquido cefalorraquídeo, las pruebas serológicas y la investigación de anticuerpos respaldan la investigación. Dependiendo de la etiología, existen tratamientos específicos para reducir la discapacidad y la posibilidad de nuevos brotes, además de diferentes pronósticos. Este trabajo tiene como objetivo revisar la literatura sobre mielopatías inflamatorias y sus principales etiologías desde los datos obtenidos de la base de datos electrónica PubMed. Se revisaron las etiologías desmielinizantes (encefalomielitis aguda diseminada, esclerosis múltiple, enfermedad del espectro, neuromielitis óptico y neuritis óptica, encefalitis y mielitis asociadas a MOG-IgG), las enfermedades autoinmunes (lupus eritematoso sistémico y síndrome de Sjögren), los síndromes paraneoplásicos y mielopatías infecciosas (neurosquistosomiasis, mielitis por VIH y HTLV-1 y neurosífilis). Se concluyó que la mielopatía inflamatoria es una condición de severidad variable, que produce potencial discapacidad causada por diferentes etiologías, pero tiene un cuadro clínico común entre ellas. Por ello, es importante conocer cada una de las causas para promover el mejor y más precoz tratamiento, además de reducir las secuelas.
Palabras clave: Mielitis transversa. Enfermidades autoinmunes desmielinizantes SNC. Neuroesquistosomiasis. Neurosífilis. Síndromes paraneoplásicos del sistema nervioso.
Mielopatia inflamatória ou mielite transversa (MT) é uma condição neuroimune adquirida da medula espinal, com até dois terços dos pacientes acometidos apresentando um grau moderado a severo de incapacidade residual1. Manifesta-se com fraqueza muscular, distúrbios sensitivos e alterações autonômicas, geralmente de início agudo ou subagudo. Ela pode ser consequência de complicações infecciosas e pós-infecciosas, assim como secundária a doenças autoimunes e neoplásicas. Apesar de haver diferentes etiologias para esta condição,
a apresentação clínica é comumente similar, o que torna o diagnóstico desafiador. Por outro lado, como o prognóstico e as terapias agudas e crônicas diferem entre essas formas de MT, a procura pela definição da sua causa, apoiada por exames complementares, é essencial2
Este estudo objetiva a revisão de literatura acerca das principais etiologias da mielopatia inflamatória.
Trata-se de um artigo de revisão bibliográfica sobre mielopatias inflamatórias e suas principais etiologias, a partir de trabalhos publicados nas revistas científicas disponíveis na base de dados eletrônica PubMed, reunindo e comparando os diferentes dados encontrados nas fontes de consulta.
A determinação das principais etiologias foi feita com base nas mais frequentes e emblemáticas causas etiológicas de mielite transversa entre as categorias de doenças desmielinizantes, doenças autoimunes, síndromes paraneoplásicas e doenças infecciosas. Portanto, os termos de busca foram: mielite transversa, mielite e mielopatias, isolados ou em associação com os termos esclerose múltipla, encefalomielite disseminada aguda, neuromielite óptica, MOG, lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren, paraneoplásica, infecciosa, esquistossomose, HIV, citomegalovírus, HIV, sífilis. Os idiomas utilizados na busca para esses termos foram inglês e português. Os tipos de publicação foram artigos de revisão e relatos de caso. Não foi determinado um período de tempo para a escolha, porém, buscou-se selecionar o que tivesse de mais atual na literatura. A escolha das publicações utilizadas como referência foi realizada através de títulos, seguida por resumos e, quando selecionadas, pela leitura completa dos artigos. O trabalho foi conduzido dentro dos padrões éticos.
Mielite transversa consiste em inflamação focal da medula espinal por condição neuroimune, com extensão de um ou mais níveis, na ausência de lesão compressiva3. Em um estudo, 70% dos pacientes admitidos em um serviço terciário como mielite transversa idiopática tiveram a causa da sua mielopatia definida, o que demonstra que as etiologias para essa condição são pobremente reconhecidas pela comunidade médica4. O dano aos neurônios medulares causa disfunção neurológica de graus variáveis, incluindo dor, fraqueza, déficits sensitivos e/ou disfunção autonômica. A fraqueza pode acometer apenas membros inferiores ou os quatro membros. Queixas sensitivas compreendem dormência, formigamento, hipersensibilidade, queimação e sensação de constricção circunferencial. Um terço dos pacientes refere dor.
Com a disfunção autonômica, pode ocorrer perda fecal ou constipação, assim como retenção ou incontinência urinária e disfunção erétil3.
Os dados epidemiológicos são pouco disponíveis, mas se calcula que, nos Estados Unidos, haja 1.400 novos casos anualmente. A distribuição entre as diferentes etiologias varia entre as populações estudadas. Há predominância de cerca de 60 a 75% do sexo feminino, e uma distribuição bimodal em relação à idade na segunda e quarta décadas de vida, sendo sobretudo a esclerose múltipla uma das causas mais prevalentes de mielopatia inflamatória3. No entanto, a mielite pode ocorrer em qualquer idade, dependendo da etiologia subjacente à lesão1. A taxa de recorrência varia de 17,5 a 61%3.
A MT pode ser classificada pela causa, em idiopática ou secundária; pela apresentação, em aguda, subaguda ou crônica; ou pela extensão, em parcial (quando poupa o segmento anterior ou posterior no corte axial), completa ou longitudinalmente extensa – esta quando acomete três ou mais níveis. Na investigação, é essencial averiguar o histórico de infecção e vacinação, condição autoimune ou imunossupressora, doença desmielinizante, viagens e contato com animais. Interrogatório sintomatológico e exame físico geral podem ter papel fundamental no raciocínio clínico3. O Quadro 1 resume as principais causas de mielopatia inflamatória2.
Quadro 1 – Principais etiologias de mielopatia inflamatória. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Desmielinizante
Esclerose múltipla
Doença dos espectros da neuromielite óptica
Encefalomielite disseminada aguda
Neurite óptica, encefalite e mielite associadas
ao MOG-IgG
Doenças autoimunes sistêmicas
Lúpus eritematoso sistêmico
Síndrome de Sjögren primária
Sarcoidose
Doença mista do tecido conjuntivo
Esclerose sistêmica
Vogt-Koyanagi-Harada
Paraneoplásica
Anti-anfifisina
Anti-CRMP5
Mielopatia necrotizante
Infecciosas
Bacteriana
Doença de Lyme
Neurossífilis
Fonte: Elaboração própria com base em Cree2
Infecciosas
Bacteriana
Tuberculose
Brucelose
Leptospirose
Fúngica
Criptococose
Aspergilose
Actinomicose
Viral
Família herpesvírus (herpes simples, varicela-zoster, citomegalovírus)
Catapora
Sarampo
Flavivírus (dengue, Zika e Chikungunya)
HIV
HTLV
Parasitárias
Esquistossomose
Neurocisticercose
Toxoplasmose
Em caso de suspeita de MT, a ressonância magnética (RM) da coluna com contraste é a melhor ferramenta quando se trata de exames complementares, uma vez que demonstra características da lesão que ajudam a diferenciar causas e diagnósticos,
como mielopatia compressiva, que pode indicar cirurgia descompressiva de urgência1. A indicação de RM de crânio para complementar a investigação deve ser considerada, principalmente com a suspeita de doenças desmielinizantes. Avaliação liquórica com pesquisa de bandas oligoclonais, sorologias, avaliação de autoanticorpos e dosagem de vitamina B12 também dão suporte à avaliação3.
Na apresentação do quadro, é importante a hospitalização do paciente para monitorizar sinais vitais, manejar intercorrências respiratórias e complicações urinárias e intestinais, além de proceder à investigação diagnóstica. Na identificação de uma etiologia infecciosa específica, o uso de medicamentos direcionados ao agente, como antibióticos e antivirais, pode ser crítico na evolução do quadro. Apesar de evidências insuficientes, o uso de corticoide na MT é amplamente aplicado para evitar danos decorrentes do edema medular, podendo levar à recuperação mais rápida e menor incapacidade. Outras terapias como plasmaférese, ciclofosfamida e rituximabe podem ser empregados a depender da suspeita clínica3
Um terço dos pacientes tende a ter uma recuperação completa, um terço, parcial, e um terço não recupera ou morre. São marcadores de mau prognóstico: sintomas iniciais graves com choque medular, admissão hospitalar com déficits já instalados, siringomielia e lesões extensas na neuroimagem. Ausência de reabilitação entre um e três meses é indicativo de menor probabilidade de recuperação completa3
Encefalomielite disseminada aguda (ADEM), esclerose múltipla (EM), doença do espectro de neuromielite óptica (DENMO) e neurite óptica, encefalite e mielite associadas ao MOG-IgG (MONEM) são doenças desmielinizantes inflamatórias do sistema nervoso central (SNC). Ou seja, elas têm em comum a desmielinização do SNC a partir de uma resposta imunológica desencadeada por autoanticorpos e mediada tanto por resposta celular quanto humoral. Apesar de compartilharem características clínicas, principalmente em relação ao quadro clínico consequente a lesões desmielinizantes no encéfalo e/ou na medula espinal, há muitas particularidades nessas entidades que dão base ao diagnóstico diferencial entre elas.
A discussão dos critérios diagnósticos vai além do objetivo deste trabalho. No Quadro 2, há um resumo das características clínicas/demográficas de avaliação liquórica (LCR), RM e da mielite da MONEM, DENMO e EM5,6.
Revista Baiana de Saúde Pública
Quadro 2 – Resumo das características clínicas/demográficas, de LCR e RM da mielite da MONEM, DENMO e EM. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Características MONEM DENMO EM
Clínicas/demográficas
Sexo feminino: masculino 1.5:1
9:1 2:1
Crianças Frequente Infrequente Infrequente
Fenótipo de ADEM Frequente Infrequente Raro
Mielite severa Frequente Frequente Raro
Boa recuperação Frequente Infrequente Muito frequente
Infecção prévia Frequente Raro Raro
Curso Monofásico ou recorrente Tipicamente recorrente 85% remitente-recorrente; 15% primariamente progressivo
LCR
Células > 50/µl
Frequente Infrequente Raro
Presença de BOC Infrequente Infrequente Muito frequente
RM de coluna
LETM em T2
Frequente Muito frequente Raro
Lesões pequenas Frequente Infrequente Muito frequente
Lesão de substância
cinzenta (H medular)
Frequente Infrequente Raro
Lesão central no axial T2 Muito frequente Muito frequente Raro
Lesão periférica no axial Raro Raro Muito frequente
Múltiplas lesões Frequente Raro Frequente
Realce de lesões Infrequente Frequente Frequente
RM de crânio
Lesão periventricular
temporal inferior Raro Raro Frequente
Lesão de substância
cinzenta profunda Frequente Infrequente Raro
Realce pós-contraste Infrequente Infrequente Frequente
Fonte: Elaboração própria com base em Dubey et al.5
A ADEM é caracterizada clinicamente por sintomas neurológicos multifocais, incluindo encefalopatia, juntamente com evidências de neuroimagem de desmielinização multifocal. É classicamente considerada uma doença monofásica, com maior incidência na primeira infância7. É uma condição associada à resposta imunológica a uma infecção ou imunização anterior8. Os microrganismos mais comumente associados incluem citomegalovírus, vírus Epstein-Barr, vírus herpes simplex, vírus herpes-6 humano, vírus influenza, hepatite A, vírus da imunodeficiência humana e pneumonia por micoplasma – embora, na maioria dos casos, o patógeno causador não seja identificado. As infecções bacterianas incluem Leptospira, estreptococos beta-hemolíticos e Borrelia burgdorferi. Antes do desenvolvimento dos programas de imunização, a ADEM era comumente associada ao sarampo (além de uma maior incidência em associação com rubéola, rubéola, caxumba, varicela e varíola). Hoje, é frequentemente relacionada a infecções virais do trato gastrointestinal ou respiratório8. Ela pode ocorrer em qualquer idade, com maior frequência em crianças do que em adultos. A faixa etária predominante de ocorrência em crianças é de 5 a 8 anos, e adultos entre 19 e 61
anos. Em crianças, parece não haver predominância de gênero, embora alguns estudos relatem um leve aumento da incidência entre o sexo masculino9. O risco de ADEM pós-imunização é significativamente menor do que o risco de desenvolvê-la após a própria infecção7
A ADEM é caracterizada por um início agudo de encefalopatia em associação com déficits neurológicos multifocais, às vezes precedidos por sintomas como febre, mal-estar, irritabilidade, sonolência, cefaleia, náuseas e vômitos. Em geral, o curso clínico de ADEM é rapidamente progressivo, com déficits máximos entre dois e cinco dias. Uma apresentação grave, resultando em admissão em uma unidade de terapia intensiva, foi relatada em 15 a 25% das crianças com ADEM. As manifestações incluem sinais piramidais, ataxia, neurite óptica ou outro envolvimento de nervos cranianos, crises epilépticas e síndrome de mielite. Raramente, a insuficiência respiratória ocorre devido ao envolvimento do tronco cerebral7. Uma variante hiperaguda de ADEM é conhecida como leucoencefalopatia hemorrágica. Seu curso clínico é monofásico, sendo mais rara que a ADEM, observada em 2% das crianças. Ocorre entre alguns dias e algumas semanas após uma infecção, geralmente respiratória superior, ou vacinação.
A apresentação clínica inclui febre, cefaleia, confusão, crises epilépticas e fraqueza, progredindo rapidamente para estupor e coma. A tomografia computadorizada ou ressonância magnética
mostra grandes lesões associadas a edema e efeito de massa e hemorragias petequiais ou extensas. A morte pode ocorrer dentro de alguns dias depois do início da encefalopatia, devido à herniação causada por edema cerebral e hemorragia9.
Não há biomarcador específico ou teste que estabeleça o diagnóstico de ADEM. No entanto, é considerado quando um paciente apresenta déficits neurológicos multifocais sem qualquer histórico prévio de disfunção neurológica. Uma ou mais lesões desmielinizantes (supra ou infratentorial) na ressonância magnética do cérebro irão apoiar ainda mais o diagnóstico de ADEM. Esses achados, juntamente com uma história de infecção ou imunização, bem como achados anormais no LCR, darão mais suporte ao diagnóstico de ADEM (mas não são necessários)8. A ressonância magnética é a imagem para avaliar pacientes com possível ADEM. Como a ADEM evolui ao longo de vários dias, a RM inicial pode ser normal se realizada no início dos sintomas prodrômicos.
Durante o curso progressivo da doença, as sequências ponderadas em T2 mostram várias lesões espalhadas por todo o cérebro, envolvendo as estruturas de substância branca e cinzenta, como córtex cerebral, tálamo, gânglios da base, tronco cerebral e cerebelo, como exemplificado na Figura 19. Embora a maioria das lesões mostre realce pelo contraste, o que implica que eles se desenvolveram simultaneamente, uma minoria das lesões não realça. Isso ocorre porque, à medida que essas lesões evoluem ao longo de várias semanas,
algumas daquelas com início precoce não demonstram mais realce. Na ADEM, lesões com realce de contraste foram observadas em 30 a 100% dos pacientes. O padrão de realce pode ser variável, desde o realce completo de lesões menores até o realce incompleto de lesões maiores, como em forma de anel, anel aberto, giratório e padrões tumefativos. Raramente grandes lesões solitárias podem ser vistas no cérebro, muitas vezes lembrando neoplasia. O diagnóstico correto nesses casos só pode ser confirmado por biópsia. Além do cérebro, a medula espinhal também pode ser afetada em ADEM, ocorrendo em cerca de 11 a 28% dos casos. Lesões da medula espinhal são geralmente grandes e aparecem edematosas na RM. Frequentemente, há uma predileção pela medula torácica, mas as lesões podem ocorrer em qualquer nível. O diagnóstico pode ser mais seguro se a ressonância magnética de acompanhamento após seis meses ou mais continuar a mostrar resolução da lesão e ausência de novas lesões9. A análise do LCR pode revelar anormalidades em 50% a 80% dos pacientes com ADEM. Esses achados podem incluir pleocitose linfocítica (com contagem de leucócitos < 100 células/mL) e proteína do LCR ligeiramente elevada (< 70 mg/dL)8.
Os cuidados envolvem a admissão de pacientes em unidade de terapia intensiva devido à encefalopatia moderada a grave e à presença de edema cerebral9. Corticosteroides em altas doses são amplamente aceitos como terapia de primeira linha, sendo administrada metilprednisolona intravenosa na dose de 30 mg/kg/dia (no máximo 1000 mg/dia) por cinco dias, seguida por uma redução gradual oral ao longo de quatro a seis semanas, com uma dose inicial de prednisona de 1 a 2 mg/kg/dia. Tratamento com imunoglobulina intravenosa
foi descrito em relatos e pequenas séries de casos, principalmente em combinação com corticosteroides ou como tratamento de segunda linha para ADEM não responsiva a esteroides. A dose total usual é de 2 g/kg, administrada de dois a cinco dias7. O tratamento empírico com aciclovir e antibacterianos pode ser iniciado em pacientes que apresentam sinais meníngeos, febre, encefalopatia aguda e sinais de inflamação no sangue ou no LCR8. A plasmaférese é recomendada para pacientes refratários à terapia com doença fulminante7.
O prognóstico de ADEM melhorou significativamente, o que se deve provavelmente a uma redução drástica nas infecções pelo uso de vacinas mais seguras e eficientes. De 70 a 90% dos pacientes apresentam recuperação total ou incapacidade funcional mínima. A mortalidade pode alcançar 5%, principalmente devido ao acometimento infratentorial e a grandes lesões na medula espinhal. No caso da leucoencefalopatia hemorrágica aguda, a mortalidade pode chegar a 50%. Uma porcentagem maior de pacientes pediátricos se recupera completamente de ADEM em comparação com adultos (60-80% versus 46%)9. Quando ocorre recidiva de ADEM, é necessário um diagnóstico diferencial cuidadoso com as doenças desmielinizantes que se seguem.
A esclerose múltipla é a doença desmielinizante inflamatória imunomediada mais comum do sistema nervoso central e a causa mais frequente de incapacidade não traumática em adultos jovens10. Por acometer sobretudo a população economicamente ativa e causar um grande comprometimento da funcionalidade e qualidade de vida, tem também um importante impacto financeiro, sendo que os custos aumentam com o avanço da incapacidade11. No mundo, tem uma prevalência de 50 a 300 por 100 mil pessoas, acometendo mais de 2,5 milhões de pessoas12. Sua distribuição aumenta quanto maior a distância da linha do Equador. É mais comum entre as mulheres, e a razão entre o sexo feminino e o masculino vem crescendo11. É uma doença complexa cuja interação entre fatores genéticos e ambientais causa uma cascata de eventos, incluindo ativação dos sistemas imunes inato e adaptativo, quebra de barreira hematoencefálica, desmielinização no SNC e dano neuronal com variáveis graus de reparo. Esses eventos se manifestam com sintomas neurológicos potencialmente reversíveis e incapacidade progressiva não remitente física e/ou cognitiva13.
A EM é uma doença complexa, com heterogeneidade clínica e radiológica, sem um biomarcador específico. As síndromes típicas de EM consistem em neurite óptica, síndromes de tronco cerebral, como oftalmoplegia internuclear e neuralgia do trigêmeo, síndromes cerebelares e mielite transversa. Um surto clínico de EM é definido por episódio clínico monofásico com sintomas relatados pelo paciente e achados objetivos típicos de EM, refletindo um evento
desmielinizante inflamatório focal ou multifocal no sistema nervoso central, desenvolvendo-se de forma aguda ou subaguda, com duração de pelo menos 24 horas, com ou sem recuperação, e ausência de febre ou infecção14. O curso da doença pode se dar através de surtos e remissões, com ou sem a ocorrência de sequelas, chamada de forma remitente-recorrente; ou progressiva desde o início do quadro, forma primariamente progressiva; ou evolução para forma progressiva a partir da remitente-recorrente, a secundariamente progressiva15. Os critérios diagnósticos de McDonald, de 201714, são utilizados para o diagnóstico da doença, cuja base se dá pela definição de disseminação no tempo e no espaço (baseada na clínica, RM de neuroeixo e pesquisa de bandas oligoclonais no LCR), para a forma remitente-recorrente, cuja discussão ultrapassa o objetivo deste trabalho.
A neurite óptica clássica da esclerose múltipla é de pequena extensão, mais frequentemente unilateral do que na DENMO e na MONEM, e costuma poupar o quiasma óptico. Na RM de crânio, as lesões hiperintensas em T2 mais características situam-se em regiões periventriculares, justacortical, corpo caloso e regiões infratentoriais (principalmente em ponte e cerebelo). As lesões periventriculares costumam formar um ângulo reto com o corpo caloso, chamadas de dedos de Dawson16. As lesões medulares acometem mais frequentemente a medula cervical (2/3 dos casos) e são lesões de segmento curto (< 2 segmentos vertebrais). As lesões são excêntricas e assimétricas e tendem a estar na face dorsolateral da medula, envolvendo menos da metade da área da seção transversal. São hiperintensas na imagem ponderada em T2, mas podem ser bem ou mal definidas, iso ou hipointensas na imagem ponderada em T1 e realçam ao contraste nas fases aguda e subaguda. A atrofia da medula focal pode estar presente em um estágio posterior17. A Figura 3, na seção sobre DENMO, compara as características clássicas das lesões medulares na EM, na mielite transversa idiopática e na DENMO17.
É frequente a recuperação completa ou déficit mínimo após um surto de EM nos primeiros anos da forma remitente-recorrente, porém aqueles com doença ativa tendem a acumular incapacidades com o tempo, evoluindo em geral para a forma secundariamente progressiva18 O tratamento da exacerbação aguda é feito com corticoterapia em altas doses, mais frequentemente com metilprednisolona intravenosa na dose de 1 g/dia de três a cinco dias, com ou sem redução gradual com prednisona oral19. Os pacientes com resposta insatisfatória à corticoterapia e déficits graves podem ser submetidos à plasmaférese20. Atualmente, existem várias terapias modificadoras de doença aplicadas para a EM, podendo ser de baixa, moderada ou alta eficácia, cuja indicação é individualizada e depende do perfil do paciente, do curso e da atividade da doença.
Doença do espectro de neuromielite óptica (DENMO)
A DENMO está associada a episódios de neurite óptica, mielite transversa e outras manifestações neurológicas. Quanto à patogênese, o anticorpo anitaquaporina-4 IgG (AQP4-IgG) se liga à antiaquaporina-4 (AQP4), localizada no pé dos astrócitos, iniciando uma cascata de inflamação imunomediada e resultando em desmielinização secundária. Em 2004, a descoberta do AQP4-IgG como biomarcador específico permitiu distinguir esta entidade da EM21, e revelou que pacientes podem ter formas mais limitadas da doença (como mielite transversa recorrente sem neurite óptica) ou outros sintomas, como síndrome da área postrema. Cerca de 20% dos pacientes com DENMO são soronegativos para AQP4-IgG. Uma proporção desses pacientes é soropositiva para MOG-IgG. A prevalência de DENMO nos Estados Unidos é de 3,9 por 100 mil. A sua prevalência é maior em populações de descendência africana, com prevalência de 10 por 100 mil. É importante reconhecer que em regiões onde a prevalência de EM é menor, DENMO representa uma proporção maior de doenças desmielinizantes do SNC, e isso deve ser particularmente considerado no diagnóstico diferencial nessas regiões. Ela é de cinco a dez vezes mais comum em mulheres do que em homens. Pode ocorrer em qualquer idade, incluindo crianças e adultos mais velhos22
As principais manifestações clínicas da DENMO são mielite transversa, neurite óptica e síndrome da área postrema. A maioria dos pacientes apresenta curso recorrente, e pacientes podem ter surtos graves resultando em déficits permanentes, mesmo após longos períodos de remissão. Os episódios de mielite transversa alcançam o nadir normalmente dentro de dias ou poucas semanas6. Episódios de neurite óptica na DENMO tendem a ser mais graves e associados com menor recuperação, e são mais frequentemente bilaterais do que na EM23
A síndrome de área postrema resulta em náusea intratável e vômitos com ou sem soluços. Esses episódios podem ocorrer isoladamente, serem acompanhados de outros sinais de tronco encefálico ou envolver um episódio de mielite6. A DENMO frequentemente coexiste com outras desordens autoimunes, como lúpus eritematoso sistêmico e síndrome de Sjögren. Um paciente que apresente neurite óptica, mielite transversa ou vômitos intratáveis deve prontamente testar
AQP4-IgG. Um resultado positivo confirma uma desordem autoimune coexistente.
Os achados da RM de neuroeixo têm papel fundamental no diagnóstico diferencial entre as doenças desmielinizantes. O envolvimento do nervo óptico é frequentemente bilateral e, em geral, abrange a região posterior, incluindo o quiasma óptico, com o realce usualmente se estendendo mais da metade do comprimento do nervo23. A maioria dos pacientes com DENMO não apresentará lesões típicas na RM de crânio, e estas preferencialmente ocorrem em torno de órgãos circunventriculares, pela maior expressão da AQP4, com lesões adjacentes ao terceiro e
quarto ventrículos (bulbo dorsal e área postrema)6. Outras lesões podem ser similares a ADEM ou envolver a cápsula interna ou o corpo caloso difusa ou focalmente no esplênio, em um padrão de arco de ponte. Mielite transversa longitudinalmente extensa (MTLE), com uma lesão hiperintensa em T2, acometendo três ou mais segmentos vertebrais contínuos na RM de coluna espinal é característica de DENMO e encontrada em aproximadamente 85% dos pacientes24 (Figura 2)17. O timing da imagem pode impactar o comprimento da lesão; imagem precoce pode revelar uma lesão curta que posteriormente pode se tornar uma MTLE, enquanto imagens mais tardias podem revelar uma imagem descontínua que não é mais longitudinalmente extensa. A mielite acompanhada de lesões curtas ocorre em cerca de 15% dos surtos de mielite AQP4-IgG, e alguns desses pacientes são inicialmente diagnosticados com EM. Características que podem ajudar a detectar pacientes com maior risco de DENMO são raça não-branca, autoimunidade coexistente, como lúpus eritematoso sistêmico (LES), espasmos tônicos, lesão de localização central na RM axial, ausência de lesões típicas de EM na RM de crânio e ausência de bandas oligoclonais no LCR6. A Figura 3 compara as características clássicas das lesões medulares na EM, na mielite transversa idiopática e na DENMO17. Outras características relatadas nas lesões medulares incluem bright spotty lesions dentro da lesão em T2, hipointensidade central na lesão em T1 e atrofia de extenso segmento medular. O realce da lesão após a administração de gadolínio é geralmente irregular, mas o realce em forma de anel ou em forma de lente ocorre em um terço dos pacientes. A extensão das lesões cervicais para a medula dorsal/área postrema é sugestiva mas não específica para DENMO, e pode ser vista em outras mielopatias. A positividade do anticorpo AQP4-IgG é melhor testada no sangue, uma vez que no LCR é menos sensível6
Fonte: Young e Quaghebeur17
(A) Lesão típica de esclerose múltipla hiperintensa em T2, ligeiramente excêntrica, que causa expansão focal da medula, envolvendo menos de dois segmentos vertebrais (A-2); o aspecto dorsal da medula e não respeita o limite entre as substâncias branca e cinzenta (A-1). (B) Um caso de mielite transversa idiopática – embora as lesões sejam classicamente descritas como envolvendo > 2 segmentos da medula (e tipicamente 3 a 4 segmentos); na prática clínica são frequentemente menores. (C) Uma mielite transversa longitudinalmente extensa em um paciente com AQP4-IgG; há uma hiperintensidade T2 central na medula edemaciada (C-1), estendendo-se do nível C2-3 até o segmento mais inferior da medula torácica visualizado (C-2).
O tratamento agudo consiste em corticosteroides em alta dose (1 g de metilprednisolona diariamente por cinco dias). O uso da plasmaférese (cinco a sete trocas) para surtos graves e refratários a corticoide é altamente recomendado. A importância de imunoterapia para prevenção de ataque de manutenção na DENMO é evidenciada pela identificação da doença como recorrente e pela severidade dos surtos e recuperação incompleta, levando ao risco de incapacidade acumulada com cada surto, que difere dos surtos da EM. As drogas comumente utilizadas são azatioprina, micofenolato de mofetil e rituximabe. A escolha do tratamento depende da disponibilidade, custo, preferência do paciente e duração da terapia concomitante com corticoide, necessária enquanto os imunossupressores fazem efeito25. Há estudos sendo feitos acerca de imunobiológicos no tratamento de manutenção da DENMO. Em dezembro de 2021, foi registrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o uso de satralizumabe para essa doença, que é um inibidor do receptor de
interleucina-6, necessária para a sobrevivência dos plasmablastos e parece ser importante nos estudos experimentais sobre a patogênese da DENMO.
Neurite óptica, encefalite e mielite associadas ao MOG-IgG (MONEM)
A glicoproteína de mielina de oligodendrócitos (MOG) é uma proteína altamente imunogênica de superfície dos oligodendrócitos26. Em 2007, os anticorpos anti-MOG IgG foram detectados em um subconjunto de pacientes previamente diagnosticados com ADEM27. Posteriormente, esse anticorpo foi associado a episódios de neurite óptica, mielite transversa, lesões de tronco encefálico e de cerebelo e outras manifestações do SNC, isolada ou em associação com características distintas da EM e da DENMO, sendo relacionado a uma condição denominada neurite óptica, encefalite e mielite associadas ao MOG-IgG (MONEM). Dada a descoberta relativamente recente desta entidade, dados epidemiológicos ainda são escassos.
A idade média de início é de 20 a 30 anos, sendo mais comum em crianças e adultos jovens do que a EM e a DENMO. Não há diferença de prevalência entre os sexos28
A DENMO é caracterizada por episódios de neurite óptica uni ou bilateral, encefalomielite disseminada aguda e/ou mielite transversa, cujos sintomas progridem em dias e tendem a se estabilizar e se recuperar em semanas ou meses. Pode ocorrer com sintomas prodrômicos, como febre, rinorreia e tosse. Os episódios tendem a ser mais graves do que na EM, porém com melhor prognóstico do que na DENMO. MOG-IgG é encontrado em 15% dos pacientes com neurite óptica recorrente, sem outro envolvimento do sistema nervoso, semelhante à frequência de 13% de AQP4-IgG nesses pacientes. Em contraste, MOG-IgG é raramente encontrado (2%) com LETM recorrente, nos quais AQP4-IgG é responsável por até 90% dos casos. Distúrbios intestinais e da bexiga e disfunção erétil em homens são comuns na mielite da MONEM, provavelmente devido ao envolvimento frequente do cone medular. Pode ter curso monofásico ou recorrente, sobretudo em pacientes com títulos elevados e sustentados do MOG-IgG. São alterações na RM sugestivas dessa entidade: envolvimento bilateral do nervo óptico extenso, porém sem extensão para o quiasma; lesões encefálicas multifocais acometendo a substância cinzenta profunda; lesões medulares longitudinalmente extensas (60-80%) ou lesões pequenas, com hipersinal central no corte axial e acometimento do cone medular (Figura 4). A pesquisa sérica de MOG-IgG é recomendada em pacientes com esses fenótipos clássicos. Bandas oligoclonais no LCR são encontradas em apenas 15% dos pacientes. O tratamento da fase aguda e de manutenção recomendados são semelhantes ao da DENMO6.
Lúpus eritematoso sistêmico (LES)
O LES neuropsiquiátrico é uma das principais causas de morbimortalidade em pacientes com LES. A mielite é uma dessas síndromes e pode ser a manifestação inicial do LES, embora ela também ocorra muitos anos após o diagnóstico dessa doença. A prevalência de mielite no LES é estimada em 2,1%29
Os autoanticorpos mais comuns associados à mielite lúpica são os anticorpos antinucleares (ANA). Quando longitudinalmente extensa, a mielite associada ao LES pode estar relacionada a anticorpos anti-AQP4 sobrepostos a DENMO. A sobreposição entre DENMO e mielite com LES é enfatizada pela ocorrência simultânea de mielite e neurite óptica em alguns casos, e esses pacientes têm maior risco de novos ataques de mielite ou neurite óptica. Como o LES e DENMO coocorrem a uma taxa mais alta do que seria esperado ao acaso para essas duas doenças raras, isso sugere que a DENMO pode ser uma manifestação do LES e vice-versa. O fato de que os pacientes com LES podem ser soropositivos para o anticorpo anti-AQP4 sugere que a predisposição para a produção de autoanticorpos no LES também pode resultar nesse anticorpo específico para o órgão. Quando ocorre mielite em pacientes com LES, a avaliação do anticorpo anti-AQP4 deve ser de rotina. No entanto, os pacientes sem LES neuropsiquiátrico não devem ser avaliados rotineiramente para tal anticorpo, porque ele parece estar restrito a pacientes com LES afetados por mielite2. A presença de
anticorpos antifosfolípides nos portadores de LES e mielite é encontrada em alta porcentagem (50-70%). Esses anticorpos também parecem ter papel patogênico relacionado à interação com determinados antígenos da medula espinal29
Birnbaum et al. propõem a existência de diferentes subtipos de mielite associada ao LES: mielite da substância cinzenta e mielite da substância branca. Os pacientes acometidos pela primeira apresentam quadro clínico mais agudo e grave, flacidez, hiporreflexia, com mais sintomas e sinais de inflamação sistêmica e local, lesões centrais extensas e pior prognóstico. Nesses casos, o reconhecimento de febre e da retenção urinária como pródromos de paraplegia irreversível pode permitir o diagnóstico e o tratamento precoces. Os pacientes com mielite da substância branca apresentam espasticidade e hiperreflexia e maior associação com anticorpos antifosfolípides e anti-AQP4. Este grupo tem maior taxa de recorrência, mas melhor prognóstico30 Frequentemente, há sintomas sistêmicos, como febre e outros sinais de atividade da doença, com ou sem envolvimento de outros órgãos. A prevalência de recidiva é alta (50 a 60%)29
Em pacientes com suspeita de mielopatia, uma ressonância magnética da medula espinal com contraste e punção lombar devem ser realizadas. A RM exibe lesões hiperintensas ponderadas em T2. Essas lesões são vistas na maioria dos pacientes, de 60 a 75% são longitudinalmente extensas. A análise do LCR é anormal na maioria dos pacientes e mostra grande variabilidade: pode haver apenas um ligeiro aumento de proteínas e células ou pleocitose polimorfonuclear com hipoglicorraquia em casos hiperagudos. Outros autoanticorpos, particularmente anti-DNA, também são positivos. Frequentemente, os níveis de complemento são baixos29
As recomendações atuais da European Alliance of Associations for Rheumatology (EULAR) para mielite com LES incluem tratamento de indução, o mais precoce possível, com altas doses de glicocorticoides seguidos de ciclofosfamida; também pode ser considerada terapia de manutenção com imunossupressão menos intensiva para prevenir a recorrência. As recomendações da EULAR também consideram a plasmaférese para casos refratários à terapia de indução. Além disso, a plasmaférese pode ser benéfica em pacientes nos quais os corticosteroides são contraindicados2. O prognóstico é variável, com aproximadamente 60% apresentando uma recuperação completa ou quase completa ao ano29.
A síndrome de Sjögren é uma doença do tecido conjuntivo caracterizada principalmente por infiltração mononuclear das glândulas lacrimais e salivares, causando
xeroftalmia e xerostomia2. A mielite transversa aguda apresenta alta mortalidade e parece ser a forma mais frequente de envolvimento da medula espinal na síndrome de Sjögren do SNC, ocorrendo em cerca de 1% de todos os portadores da doença31. Infiltrados mononucleares ou lesões vasculíticas estão associados a manifestações extraglandulares, incluindo envolvimento do sistema nervoso periférico e do SNC. Tal como acontece com o LES, parece haver sobreposição entre a DENMO e a síndrome de Sjogren2.
O primeiro relato da ocorrência de mielopatia com a síndrome de Sjogren descreveu três formas diferentes de envolvimento da medula espinal: (1) vasculite necrosante da artéria espinal anterior, (2) mielite transversa e (3) mielopatia progressiva crônica2. O envolvimento da medula espinal na síndrome de Sjögren do SNC pode se apresentar como mielite transversa aguda, mielite progressiva, síndrome de Brown-Séquard, bexiga neurogênica ou doença do neurônio motor inferior. Neurite óptica frequentemente acompanha o envolvimento da medula espinal31
A sintomatologia e o curso clínico do paciente determinam o tratamento da mielopatia. O tratamento de primeira linha é a corticoterapia. No entanto, quando a condição do paciente não melhora ou piora, a associação de um agente imunossupressor não esteroidal deve ser considerada, o que inclui ciclofosfamida, clorambucil, azatioprina, ciclosporina e metotrexato. O agente de primeira escolha, com base no perfil de efeitos adversos e eficácia, parece ser a ciclofosfamida administrada por via intravenosa em pulsoterapia. Outros agentes imunossupressores não esteroidais devem ser considerados, especialmente quando houver falta de eficácia ou intolerância à ciclofosfamida na história do paciente. Além disso, quando o alívio agudo da sintomatologia é necessário, o paciente pode se beneficiar de plasmaférese ou imunoglobulina intravenosa. O infliximabe não tem sido usado como modalidade de tratamento para mielopatia, mas tem demonstrado alguma utilidade no tratamento de sintomas extraglandulares, bem como manifestações do sistema nervoso periférico da síndrome de Sjögren. Este agente pode ser considerado quando todas as outras modalidades de tratamento falharam, dada a suposta importância do fator de necrose tumoral na patogênese da síndrome de Sjögren31.
Há relatos de casos de mielopatia necrosante associada a uma ampla variedade de malignidades, incluindo câncer de próstata, câncer de pulmão, sarcoma de perna, câncer de pele de células escamosas, câncer de estômago, câncer de tireoide, linfoma não Hodgkin, câncer de mama, câncer de ovário, leucemia, linfoma de Hodgkin, carcinoma de células renais, carcinoma hepatocelular, mieloma múltiplo e câncer de esôfago de células escamosas. O câncer de pulmão e de mama respondem a aproximadamente um terço dos
casos relatados, como pode ser esperado com base na prevalência dessas doenças malignas. Uma das características da mielopatia necrosante paraneoplásica, que é um pouco diferente de outras condições do mesmo gênero, é a relativa predominância do sexo masculino2
A mielopatia é rapidamente progressiva, com dorsalgia, paraparesia, distúrbio esfincteriano e nível sensorial. A paraparesia frequentemente progride para paraplegia flácida e arreflexa, e pode ascender para a medula cervical, causando fraqueza nos braços e comprometimento respiratório. Acredita-se que a necrose das células do corno anterior seja responsável por esta evolução, e a qualidade ascendente pode ser confundida com polineuropatia desmielinizante inflamatória aguda. Pode ocorrer mielopatia longitudinalmente extensa, chegando a acometer toda a extensão da medula espinal. É marcada a infiltração de macrófagos, com vários graus de outras células inflamatórias. As síndromes paraneoplásicas se desenvolvem como consequência do ataque imunomediado das células tumorais e subsequente produção de autoanticorpos. A identificação de vários autoanticorpos, incluindo anti-AQP4, anti-Ri, anti-ANNA3 e antianfifisina, em casos caracterizados mais recentemente, sugere que a mielopatia paraneoplásica pode ser mediada imunologicamente, embora o mecanismo de lesão tecidual não pareça ser celular. O envolvimento metastático da medula espinal, raízes, meninges ou espaços epidurais não necessariamente está presente. O processo patológico geralmente é restrito à medula espinal, com predileção por envolver a medula torácica. Em alguns casos, há envolvimento do cerebelo, tálamo, tronco cerebral, corpos mamilares e lobo temporal, cápsula interna, centro semioval e lobo parietal2. A compreensão de que a patologia subjacente é imunomediada vem da observação de que o tratamento com imunossupressão pode estabilizar e até melhorar o déficit neurológico32.
As características de neuroimagem são variáveis, predominando hipersinal em T2 focal ou multissegmentar, com áreas de realce pós-contraste. O LCR pode apresentar pleocitose leve a acentuada e elevação da proteína. A sobrevida é de semanas a meses, e a causa da morte costuma ser broncopneumonia ou insuficiência respiratória. Em pacientes não tratados, não há relato de remissão espontânea e o quadro é fatal. Imunossupressão e tratamento da malignidade subjacente podem promover estabilização ou melhora na função neurológica e nas alterações do sinal na RM. No entanto, o declínio neurológico implacável ocorre em alguns pacientes, apesar do tratamento2.
Os corticosteroides, incluindo dexametasona intratecal, devem ser considerados, e a supressão imunológica de amplo espectro com ciclofosfamida ou outros agentes citotóxicos pode ser empregada se o tratamento com corticosteroides não produzir a resposta clínica
esperada. Repetir a imagem com ressonância magnética e amostragem de LCR pode ser útil no acompanhamento da resposta da síndrome paraneoplásica ao tratamento2.
Esquistossomose
A esquistossomose é causada por parasitas platelmintos do gênero Schistosoma, endêmicos da América do Sul, Caribe, África (especialmente nas regiões do sul e subsaariana e do vale do Nilo), Oriente Médio e Ásia. Os humanos podem ser infectados enquanto nadam em água doce, quando as larvas entram na pele33. O SNC pode ser acometido não só pelo Schistosoma mansoni, como também pelo S. haematobium e o S. japonicum. A deposição assintomática de ovos no SNC é frequente. Nas formas sintomáticas, as duas primeiras espécies citadas apresentam-se mais frequentemente com síndrome mielorradicular, e a última, com envolvimento cerebral.
A mielorradiculopatia esquistossomótica (MRE), forma mais comum da neuroesquistossomose, relaciona-se em geral à esquistossomose mansoni34. No Brasil, 5,6% dos casos de mielopatia inflamatória devem-se à infecção pelo Schistosoma mansoni35. Os homens são mais acometidos pela MRE, o que pode ser explicado, em parte, por sua maior exposição ocupacional. A idade das pessoas acometidas varia entre 1 e 68 anos, com média de 26 anos34 Os ovos do parasita alcançam a medula espinal tanto por mecanismo embólico –através do plexo venoso de Batson, que não possui válvulas e conecta a veias ilíacas profundas e veia cava inferior com as veias da medula espinal – como pela produção e deposição de ovos por parasitas ectópicos situados nas veias leptomeníngeas. Ocorre reação inflamatória e formação de granuloma ao redor dos ovos35.
São descritas quatro formas de apresentação da MRE. A forma granulomatosa se dá pela formação de granulomas em regiões circunscritas do SNC, devido à reação inflamatória ao redor do ovo, produzindo lesão expansiva tumoral, com efeito de massa e destruição do tecido adjacente. Acomete geralmente o cone medular. A forma mielítica se caracteriza por inflamação tecidual microscópica, com necrose, vacuolização e atrofia do tecido nervoso. Clinicamente se apresenta como mielite transversa rapidamente progressiva e tem evolução desfavorável. A forma radicular ocorre pela formação de granulomas na superfície das raízes nervosas, principalmente na cauda equina. Manifesta-se com síndrome multirradicular associada a alterações sensoriais e motoras de distribuição assimétrica. A forma vascular se caracteriza por vasculite autoimune nos ramos da artéria espinal anterior, cursando com infartos medulares34. Pacientes com esquistossomose medular podem ainda não cursar com evidências clínicas. O quadro clínico típico é de dor lombar precedendo os demais sintomas em horas ou até três semanas35.
O diagnóstico definitivo da mielopatia esquistossomótica é feito pela detecção dos ovos na autópsia ou na biópsia de medula, a qual deve ser evitada pelo risco de dano tecidual nervoso. No entanto, a maioria dos casos é detectada com base em um diagnóstico presuntivo que depende de quadro clínico sugestivo, história ou evidência de esquistossomose ativa e exclusão de outras condições. O quadro clínico sugestivo abrange localização baixa na medula espinal, progressão aguda ou subaguda dos sintomas e presença de manifestações medulares e radiculares (mais frequentemente das raízes da cauda equina). A investigação inclui exame de urina e de fezes, testes sanguíneos, RM e LCR. Exame de fezes falha em demonstrar os ovos do S. mansoni em até 60% dos casos, mesmo com a avaliação de três ou mais amostras em dias diferentes. A biópsia retal tem maior sensibilidade. Em áreas endêmicas, o achado de ovos nas fezes ou sorologia positiva dá suporte, mas não evidência direta da mielopatia por esquistossomose. Esses pacientes devem ser vistos como portadores de uma provável neuroesquistossomose. Os testes sorológicos são mais úteis na avaliação de viajantes. A eosinofilia é sugestiva, mas não específica. Os achados mais frequentes na RM são alargamento do cone medular e espessamento das raízes da cauda equina com realce heterogêneo ao contraste. Tipicamente, há edema da região medular acometida, do cone medular e da cauda equina. O granuloma esquistossomótico intramedular pode mostrar expansão moderada da medula distal, isointensa em relação à medula, ou uma lesão hiperintensa heterogênea com um limite mal definido, ou múltiplas lesões nodulares irregulares que se assemelham a um cordão de contas, principalmente na medula espinal ventral. A atrofia da medula espinal também pode ser encontrada em casos crônicos. O LCR geralmente mostra um padrão inflamatório não específico, com aumento leve a moderado tanto na concentração de proteína total quanto na contagem de células. A maioria das células são mononucleares, enquanto os eosinófilos podem ser encontrados em menos de 50% dos casos. Há testes mais recentes sendo avaliados para detectar anticorpos anti-esquistossomóticos no LCR. Os níveis de glicose no LCR são, geralmente, normais35
O tratamento consiste em praziquantel (dose de 50 mg/kg/dia, dividida em duas doses diárias por cinco dias), corticosteroides, intervenção cirúrgica e reabilitação. Os corticosteroides são utilizados para suprimir a resposta inflamatória e destruição tecidual adicional, além de reduzir a deposição de ovos. Na neuroesquistossomose aguda, deve ser feita terapia inicial com corticoide em vez de praziquantel para evitar complicações neurológicas potenciais. Deve ser administrada metilprednisolona (15-20 mg/kg – dose máxima de 1g) de cinco a sete dias, seguida de prednisona oral por duas a seis semanas35. Não há consenso sobre doses e duração do tratamento, mas estudo recente sugere que os corticoesteroides devem ser usados por pelo menos seis meses34.
CMV é um vírus invasivo, que permanece latente em indivíduos imunocompetentes e reativa quando a contagem de linfócitos T CD4+ está menor que 100 células/microlitro, causando infecção disseminada36. Por isso, é quase exclusivamente observado em pacientes imunocomprometidos, bem como em pacientes que apresentam reativação do vírus latente no contexto da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) e transplante de órgãos sólidos e células-tronco hematopoiéticas33. As manifestações neurológicas são menos frequentes do que a doença sistêmica, e incluem encefalite, retinite, polirradiculite e mielite36.’ A infecção por CMV é uma causa muito rara de mielopatia inflamatória, com apenas 13 casos bem documentados em pacientes imunocompetentes37
CMV dissemina-se por via hematogênica, invadindo o sistema nervoso central por meio de células mononucleares infectadas ou por disseminação liquórica36. O mecanismo fisiopatológico não é bem entendido, porém tem sido postulado que o dano medular pode ser resultante do ataque direto pelo vírus ou de uma série de mecanismos imunes, incluindo deposição de complexos imunes circulantes ou ativação de linfócitos por superantígenos37
O vírus produz uma mielite e polirradiculite segmentar ascendente por necrose citotóxica e imunomediada. Trombose segmentar e vasculite são causadas por acometimento endotelial de artérias de pequeno e médio calibre36.
É caracterizada por início rapidamente progressivo, começando com dorsalgia, seguida de paraparesia, disfunção esfincteriana e déficit sensitivo ascendente. É marcante a presença de sintomas sistêmicos e achados de infecção severa por CMV, como febre, retinite, hepatite, trombocitopenia ou leucopenia37. Quando acompanhada por polirradiculite, os pacientes desenvolvem um quadro semelhante à síndrome de Güillain-Barré, com fraqueza hipotônica ascendente, arreflexia, perda sensitiva e comprometimento do controle esfincteriano vesical e anal36
A ressonância magnética pode ser normal em até 50% dos casos. Portanto, o clínico deve manter um forte índice de suspeita em indivíduos imunocomprometidos e com síndrome mielítica33. A RM demonstra hipersinal em T2 e realce pós-gadolínio nos segmentos afetados da medula espinal, leptomeninges e raízes nervosas. A análise liquórica revela pleocitose neutrofílica, proteína elevada e hipoglicorraquia, porém tais achados podem estar ausentes. Altos níveis séricos de CMV-DNA sugerem o agente causal, enquanto CMV-PCR positivo no líquor confirma o diagnóstico. Não há ensaios clínicos randomizados detalhando a terapia ideal para a infecção do SNC pelo CMV. A resposta ao ganciclovir é variável. O prognóstico é reservado e apenas 20% dos indivíduos permanecem vivos em 6 meses36.
Vírus da imunodeficiência humana (HIV)
O acometimento medular é uma marca comum da infecção pelo HIV, cuja fisiopatologia pode ser por modulação ou degeneração imune ou por associação a infecções e neoplasias, cursando com necrose citotóxica, desmielinização e vasculite36. É estimado que um terço dos pacientes infectados vão desenvolver mielopatia durante o curso da doença. O espectro de mielopatias relacionadas ao HIV é heterogêneo. A forma mais comum é a mielopatia vacuolar, ocorrendo tipicamente durante a imunossupressão avançada38. A mielopatia vacuolar é a patologia clássica da medula espinal associada à síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) e é paralela ao espectro do complexo demencial da aids, ou seja, observada em estágios posteriores da doença. A marca patológica é a infiltração de macrófagos e vacuolização das colunas lateral e posterior da medula espinal torácica.
Clinicamente, os pacientes apresentam paraparesia espástica lentamente progressiva, sensibilidade vibratória e cinestésica prejudicadas e urgência urinária; a disfunção erétil pode ser um sinal mais precoce. A ressonância magnética da medula espinal demonstra aumento do sinal T2 simétrico, sem realce, nas colunas posteriores (medula torácica)33 (Figura 5 e Figura 6)39,40. Outra forma de apresentação é a mielite aguda, que raramente é a primeira manifestação da infecção pelo HIV no momento da soroconversão em um hospedeiro ainda imunocompetente38.
Além dos medicamentos antirretrovirais para a infecção pelo HIV, nenhum tratamento específico é conhecido, e paraparesia grave, resultando na incapacidade de andar e perda do controle do esfíncter é observada à medida que a doença progride. Corticosteroides intravenosos podem ser usados para tratamento neste cenário com boa resposta33
O HTLV-I é um vírus sexualmente transmissível, associado com infecção crônica e persistente das células T, que pode resultar em doenças neoplásicas ou inflamatórias, como leucemia/linfoma de células T do adulto e mielopatia associada ao HTLV-I (HAM), também chamada de paraparesia espástica tropical (TSP). Cerca de 5% dos indivíduos infectados desenvolvem alguma dessas doenças secundárias41. O período latente entre a infecção e o início dos sintomas pode durar anos33. O vírus endêmico no Caribe, sul do Japão, África subsaariana e algumas regiões da América do Sul38. HTLV-I é endêmico no Brasil, com aproximadamente 2,5 milhões de infectados. O HTLV-II é encontrado na América do Norte e do Sul e em partes da Ásia. A associação entre mielite e HTLV-II não é tão clara quanto a associação bem estabelecida entre mielite e HTLV-I, que tem incidência muito maior33. HAM/TSP é caracterizada por um quadro de início insidioso e progressivamente lento de fraqueza e espasticidade de um ou ambos os membros inferiores, além de hiperreflexia, clônus aquileu, reflexo cutâneo-plantar extensor e dor lombar. Outras características incluem instabilidade do detrusor, levando a noctúria e incontinência urinária, além de alterações sensitivas mínimas, especialmente parestesias e perda da sensibilidade vibratória41
Tipicamente, a RM da medula espinal mostra atrofia medular e hipersinal em T2, principalmente no cordão lateral; menos comumente edema de cordão e hiperintensidade em T2 longitudinalmente extensa. Títulos de anticorpos específicos para HTLV-I e HTLV-II podem ser obtidos no sangue e no LCR33. Corticosteroides, plasmaférese, interferon-alfa e terapias imunossupressoras podem ser administrados para reduzir o grau de inflamação medular, a fim de melhorar o desfecho funcional38
A sífilis é uma doença infecciosa sexualmente transmissível causada pela espiroqueta Treponema pallidum. A incidência de sífilis diminuiu significativamente na era pós-penicilina, porém aumentou dramaticamente com a prevalência mundial da síndrome da imunodeficiência adquirida. O sistema nervoso central é afetado, principalmente no estágio terciário, embora possa estar envolvido em qualquer estágio da doença. A incidência de neurossífilis é estimada em 5 a 10% dos casos não tratados e acomete até um terço dos pacientes que progridem para o estágio tardio da doença. A neurossífilis pode ser dividida em quatro tipos clínicos com base nos sintomas e no intervalo de tempo entre a infecção primária e o aparecimento dos sintomas: meníngea, vascular, paralisia geral e tabes dorsalis42. Embora a tabes dorsalis, caracterizada por atrofia, seja a manifestação medular mais conhecida, a mielite sifilítica pode ter como mecanismos fisiopatológicos também a meningomielite, doença meningovascular e compressão por goma ou por osteíte sifilíticas43.
O LCR normalmente mostra uma pleocitose predominantemente linfocítica com uma proteína elevada e VDRL positivo ou teste de anticorpos específicos para treponêmicos33. Tashiro et al.44 descreveram pela primeira vez os achados de imagem por RM na mielite sifilítica em 1987. Achados mais específicos de ressonância magnética da medula espinal podem incluir uma aparência de “gotejamento de vela” (visto em sequências sagitais) e sinais de “flip-flop” (hiperintensidade em sequências ponderadas em T1, com contraste e hipointensidade em imagens ponderadas em T2)33. Há ainda relatos de caso com lesões com hipersinal em T2 longitudinalmente extensos e de localização central (Figura 7, Figura 8 e Figura 9)42,43.
2022
O estabelecimento do diagnóstico em um paciente com suspeição clínica e/ou alteração liquórica compatível é baseado em um teste de anticorpos antitreponêmicos positivo séricos e liquóricos, como VDRL (estudo laboratorial de doenças venéreas), FTA-ABS (teste de absorção de anticorpos treponêmicos fluorescentes) ou TPPA (teste de aglutinação de partículas
do Treponema pallidum). O teste VDRL do LCR é altamente específico para neurossífilis ativa, mas a sensibilidade é de apenas 27%42
A combinação de penicilina e prednisolona é o tratamento de escolha para a mielite sifilítica. É indicada penicilina benzatina intravenosa na dose de 18 a 24 milhões de unidades por 10 a 14 dias. A ceftriaxona e a doxiciclina são alternativas aceitáveis em pacientes alérgicos à penicilina45. O uso de prednisolona é recomendado para reduzir o edema da medula espinal ou isquemia e prevenir as reações de Jarisch-Herxheimer42
Mielopatia inflamatória, portanto, é uma condição de gravidade variável, responsável por potencial incapacidade, causada por diferentes etiologias, porém com quadro clínico comum entre elas. É importante conhecer cada uma dessas causas, para, diante da história e de exames físicos e complementares, como sorologias, avaliação do LCR e ressonância magnética, definir o diagnóstico e oferecer ao paciente o tratamento adequado, tanto de fase aguda como de manutenção, a fim de garantir menor incidência de surtos e melhor prognóstico.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Laís Caló Barreto
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Laís Caló Barreto, Conceição Neves Ferraz, Pedro Antonio Pereira de Jesus
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Laís Caló Barreto, Conceição Neves Ferraz, Pedro Antonio Pereira de Jesus
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Laís Caló Barreto
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Recebido: 27.10.2022. Aprovado: 8.12.2022.
DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.nSupl_1.a3786
NA SARCOPENIA EM PACIENTES IDOSOS NA AUSÊNCIA DE EXERCÍCIO FÍSICO:
UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA
Isa Carolina Paim do Espírito Santoa
https://orcid.org/0000-0002-2353-4123
Rafaella Rabelo Macedob
https://orcid.org/0000-0003-2846-9348
Thiago Matos e Silvac
https://orcid.org/0000-0001-6661-4628
Thacio Rafael Cruz Guimarãesd
https://orcid.org/0000-0002-4200-6481
Rafael Marques Calazanse
https://orcid.org/0000-0002-3702-4546
Resumo
Observa-se um aumento percentual da população de idosos, e a prevalência de comorbidades específicas dessa população gera impactos sociais e nos gastos em saúde. Entre essas comorbidades, identifica-se a sarcopenia, relacionada a declínio funcional, incapacidade física e redução da qualidade de vida. Assim, tornam-se importantes estudos que avaliem a melhoria da força muscular com ênfase no processo de envelhecimento. Considerando a limitação física encontrada em parte dessa população, surgem evidências que avaliaram o efeito independente de suplementos nutricionais em marcadores de sarcopenia, força muscular e fun-
a Médica Residente em Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: isapaim@outlook.com
b Médica Residente em Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: rafaella.rmacedo@hotmail.com
c Médico Residente em Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: thiagoms6@yahoo.com.br
d Médico Especialista em Clínica Médica pelo Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: trcguimaraes@gmail.com
e Médico Geriatra. Preceptor do Programa de Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: hgrs.coreme@saude.ba.gov.br
Endereço para correspondência: Hospital Geral Roberto Santos, Rua Direta do Saboeiro, s/n, Cabula. Salvador, Bahia, Brasil. CEP:41180-900. E-mail:isapaim@outlook.com
cionalidade. Esta revisão sistemática tem como objetivo avaliar o efeito do hidroximetilbutirato (HMB) na sarcopenia em idosos na ausência de exercício físico. Foi feita uma revisão sistemática de estudos randomizados publicados em inglês, português ou espanhol, entre 2004 e 2021, avaliando o efeito do HMB em marcadores de sarcopenia em idosos. O estudo foi conduzido utilizando Medline, Cochrane, Cinahl, Lilacs e Periódicos Capes. A pesquisa inicial encontrou um total de 201 artigos. A análise final incluiu quatro artigos com amostra de 958 pacientes idosos sarcopênicos. Variabilidade significativa foi encontrada nas definições de sarcopenia, nos métodos utilizados para avaliar o efeito da intervenção e na composição do suplemento nutricional utilizado. Resultados estatisticamente significantes em relação à preservação de massa magra foram encontrados, sem benefício associado de marcadores de força muscular e funcionalidade. A suplementação com HMB, apesar de controlar a perda de massa magra em idosos, não foi capaz de gerar aumento de força muscular e marcadores de funcionalidade. Palavras-chave: Sarcopenia. Idosos. Hidroximetilbutirato. HMB.
Abstract
The population of older adults has shown a percentage increase worldwide, and the prevalence of comorbidities specific to this population generates social impacts and affects health expenditures. Among these comorbidities is sarcopenia, a condition related to functional decline, physical disability, and reduced quality of life. Hence the importance of evaluation studies on muscle strength improvement with emphasis on the aging process. Considering the physical limitations found in part of this population, recent clinical research evaluated the independent effect of nutritional supplements on sarcopenia markers, muscle strength, and functionality. This systematic literature review seeks to evaluate the effect of hydroxymethibultyrate (HMB) on sarcopenia in non-exercising older adults. Bibliographic search on randomized studies published between 2004 and 2021 in English, Portuguese, or Spanish evaluating the effect of HMB on sarcopenia markers was conducted on the MEDLINE, Cochrane, CINAHL, LILACS and CAPES databases. Of the 201 articles identified, only four were included in the review, totaling a sample of 958 sarcopenic aged patients. Results showed significant variability regarding the definitions of sarcopenia, the methods used to assess intervention effects, and the composition of the nutritional supplement used.
Lean mass preservation presented statistically significant results, with no associated benefits of muscle strength and functionality markers. Despite decreasing the loss of lean mass in the aged, HMB supplementation was not able to increase muscle strength and functionality markers
Keywords: Sarcopenia. Aged. Hydroxymethylbuyrate. HMB.
EFECTOS DE LA SUPLEMENTACIÓN CON HIDROXIMETILBUTIRATO
SOBRE LA SARCOPENIA EN ANCIANOS EN AUSENCIA DE EJERCICIO FÍSICO:
UNA REVISIÓN SISTEMÁTICA DE LA LITERATURA
Resumen
Dado el aumento porcentual de la población anciana, existe una prevalencia de comorbilidades específicas en esta población que generan impactos sociales y gastos en salud. Entre estas comorbilidades se identifica la sarcopenia, relacionada con deterioro funcional, discapacidad física y reducción de la calidad de vida. Así, cobran importancia los estudios que evalúan la mejora de la fuerza muscular con énfasis en el proceso de envejecimiento. Considerando la limitación física encontrada en parte de esta población, aparece evidencia que evalúa el efecto independiente de los suplementos nutricionales sobre los marcadores de sarcopenia, la fuerza muscular y la funcionalidad. Esta revisión sistemática tiene como objetivo evaluar el efecto del hidroximetiletibultirato (HMB) sobre la sarcopenia en ancianos en ausencia de ejercicio físico. Se realizó una revisión sistemática de estudios aleatorizados, publicados entre 2004 y 2021 en inglés, portugués o español y que evaluaron el efecto del HMB en marcadores de sarcopenia en adultos mayores. Se utilizaron las bases de datos Medline, Cochrane, Cinahl, Lilacs y Capes. La búsqueda inicial encontró un total de 201 artículos. El análisis final incluyó cuatro artículos con una muestra de 958 pacientes ancianos sarcopénicos. Se encontró una variabilidad significativa en las definiciones de sarcopenia, los métodos utilizados para evaluar el efecto de la intervención y la composición del suplemento nutricional utilizado. Hubo resultados estadísticamente significativos en cuanto a la preservación de la masa magra, sin beneficio asociado de los marcadores de fuerza muscular y funcionalidad. La suplementación con HMB, si bien disminuye la pérdida de masa magra en los ancianos, no fue capaz de generar un aumento de los marcadores de fuerza y funcionalidad muscular.
Palabras clave: Sarcopenia. Anciano. Hidroximetilbutirato. HMB.
A dinâmica demográfica atual apresenta como principal característica o envelhecimento populacional, o que acarreta o aumento do percentual de idosos. Dados demográficos apontam, inclusive, um processo de envelhecimento populacional no Brasil mais acelerado quando comparado com os percentuais globais1. Nesse contexto, surgem enfermidades prevalentes nessa faixa etária, que contribuem significativamente para os gastos em saúde2. Entre elas, a sarcopenia, que se caracteriza por uma perda progressiva da massa muscular esquelética e redução da força muscular, culminando no comprometimento funcional2,3. No espectro de componentes do envelhecimento corporal, a sarcopenia figura como a alteração mais importante, embora possa acometer indivíduos em qualquer idade devido a sua etiologia multifatorial. Ainda, uma gama de estudos longitudinais prévios sugeriu que o declínio da massa muscular é um preditor importante e diretamente relacionado ao declínio funcional do envelhecimento. Desse modo, a sarcopenia está intimamente associada ao aumento do risco de incapacidade física, à redução da qualidade de vida e à morte. Sendo a perda de massa muscular uma causa tratável no que tange à redução da incapacidade física, voltar os olhos para estudos que implementam a melhoria da força muscular se torna mandatório na atual conjuntura populacional, uma vez que já é de conhecimento que o processo de envelhecimento tem efeitos na composição corporal com redução de massa muscular e aumento da massa gorda4. Observou-se, por meio da ressonância magnética, um declínio na massa muscular a partir da terceira década de vida, com reduções mais notáveis a partir dos 50 anos5. Parte desse processo pode ser prevenido pela prática de exercícios resistidos, que aumentam a capacidade do músculo esquelético em sintetizar proteínas6. Sabe-se, ainda, que idosos com doenças crônico-degenerativas, síndrome da imunodeficiência, câncer e patologias graves figuram como o grupo mais comumente acometido pela sarcopenia e, dessa forma, possivelmente são os que mais teriam benefício da redução de seus efeitos deletérios.
Com relação ao espectro multifatorial da sarcopenia, deve-se atentar ao fato de que ela pode se manifestar desde a mais tenra idade, com sua progressão se mostrando de maneira mais evidente no decorrer dos anos. Em um indivíduo saudável, o pico de massa muscular ocorre por volta dos 25 anos de idade, mantendo-se linear, juntamente com a força, entre os 25 e 50 anos, com redução de apenas 5% no número de fibras musculares e cerca de 10% no tamanho das fibras. A partir dos 50 anos, e entre essa idade e os 80 anos, ocorre a maior perda de massa muscular.
Entre os principais mecanismos imbricados no desenvolvimento da sarcopenia, podemos destacar a falta de atividade física, a baixa ingesta calórica e proteica, modificações
hormonais e alterações nos níveis de citocinas que ocorrem a partir do envelhecimento. Ainda, alterações no remodelamento do tecido muscular, disfunção mitocondrial e perda de neurônios motores alfa, além de fatores genéticos, têm relação tanto com a perda de força muscular quanto com o agravamento de suas consequências nos diferentes indivíduos7
Cabe destacar a importante relação da deficiência de vitamina D associada à sarcopenia. Sabe-se que a vitamina D apresenta estrutura molecular que se assemelha à de uma gama de hormônios esteroides, a exemplo do cortisol, estradiol e aldosterona, exercendo ação endócrina em tecidos-alvo. Embora com mecanismos relacionados ainda não muito bem elucidados, a deficiência de vitamina D foi posta em pauta com associação à fraqueza muscular, uma vez que ela tem papel chave na proliferação e diferenciação de mioblasto e na resistência insulínica. Assim como uma gama de outros hormônios envolvidos no processo do envelhecimento, a vitamina D encontra-se reduzida no corpo com o passar da idade8. Além do treinamento físico resistido, a suplementação hormonal e dietética tem ganhado espaço no hall de ferramentas para melhoria da qualidade de vida na terceira idade. Ela se mostrou, em última análise, segura e eficiente9. Nesse contexto, há muitas pesquisas a respeito do hidroximetilbutirato (HMB), que consiste em um metabólito do aminoácido de cadeia ramificada da leucina, estudado por seu potencial na melhoria da qualidade muscular.
Durante o curso de investigação do papel do HMB na fisiopatologia da sarcopenia, estudos sugeriram que ele pode atuar aumentando a síntese de proteínas por meio da regulação positiva das vias de sinalização anabólica, tendo ainda papel atenuante na proteólise pela regulação negativa das vias de sinalização catabólica10. Desse modo, pesquisas apontaram que o tratamento com HMB diminuiu a proteólise muscular, contribuindo para redução de danos musculares, ao passo que aumentou a quantidade de massa livre de gordura em adultos jovens e idosos11.
Em termos práticos, a população em geral deve consumir cerca de 60 g de leucina por dia, configurando uma ingesta proteica de cerca de 0,8g/kg/dia, sendo que apenas 5% desse total é metabolizado em HMB nas células musculares. Essa mesma recomendação parece ser muito baixa quando tratamos da população geriátrica, uma vez que já é conhecido o declínio, com o envelhecimento, na resposta anabólica à ingestão de proteínas e a predisposição a um estado inflamatório agudo ou crônico, que, per si, requerem maior aporte calórico. Portanto, percebemos que a suplementação do HMB é importante, dada a progressiva diminuição de resistência física da população geriátrica, ao passo que também se torna mais difícil prover a reposição calórico-proteica a contento apenas com a ingesta alimentar. Aumenta-se a demanda enquanto a ingestão não alcança a meta calórica adequada12.
Em estudo prévio, Vukovich et al.13 avaliaram a administração diária de 3 g de HMB em um grupo de idosos por oito semanas. A média de idade era de 70 anos, e essa população realizava duas vezes por semana exercícios físicos de resistência assistidos. Houve um declínio significativo de massa gorda (-4,07 vs. 0,31%), somado a um aumento na força muscular dos membros inferiores (17,2 vs. 8,3%) nas primeiras quatro semanas em comparação com o grupo controle, tendência que se repetiu e culminou em aumento de massa magra na oitava semana (1,5 vs. 0,56, HMB vs. placebo).
O cenário científico ainda parece, entretanto, carecer de estudos que tratam do papel do HMB isoladamente na população geriátrica, sem associação com exercício físico resistido, fator que, em última análise, poderia predispor a uma avaliação enviesada desse metabólito diante do elemento confundidor do exercício físico. Esta revisão sistemática tem como objetivo a reunião de dados de estudos prévios realizados na população idosa com ou sem comorbidades, em suplementação de HMB, sem realização de exercícios concomitantes, tendo em vista o melhor manejo clínico e o tratamento de comorbidades que influenciam e impactam diretamente na qualidade de vida do idoso.
Uma pesquisa sistemática na literatura foi conduzida em dezembro de 2021 para identificar estudos publicados que avaliaram o efeito da HMB em marcadores de sarcopenia em idosos. A procura de estudos a serem incluídos na análise foi realizada nas seguintes plataformas: Medline (acessada por meio do PubMed), Cochrane, Cinahl, Lilacs e Periódicos Capes. Os seguintes termos-chave foram utilizados para a realização da pesquisa: sarcopenia e beta-hidroxi-beta-metilbutirato OU HMB.
Incluíram-se artigos publicados na literatura desde o início dessas bases de dados (2004) até dezembro de 2021. A pesquisa foi restrita a estudos realizados em humanos, de acordo com o idioma (português, inglês ou espanhol), publicados desde a concepção das bases de dados citadas até a data da realização deste estudo.
Os critérios de inclusão foram os seguintes: ensaios clínicos randomizados que compararam o efeito do HMB; amostra do estudo de idosos (idade maior que 65 anos) com diagnóstico de sarcopenia definido por ferramentas validadas; idioma inglês, português ou espanhol.
Os critérios de exclusão foram: ensaios clínicos randomizados que combinaram programas de exercícios ou suplementos dietéticos com HMB; aqueles que analisaram
um subgrupo específico de comorbidades entre a população idosa, como neoplasias, pós-transplantes etc.; abstracts; editoriais; revisões; relatos de casos; cartas; e guidelines.
A qualidade metodológica dos estudos incluídos foi avaliada quanto ao risco de viés de acordo com as recomendações da Cochrane por dois revisores, de forma independente, utilizando como método de padronização a plataforma Rayyan. As discordâncias foram resolvidas por meio da avaliação independente de um terceiro revisor. A pesquisa inicial ocorreu através da leitura do título dos artigos de acordo com os critérios de busca predefinidos e, posteriormente, mediante a leitura dos seus abstracts
Os estudos restantes que foram selecionados foram lidos na íntegra e incluídos na amostra para análise proposta por esta revisão. Dentre os selecionados, os dados extraídos foram analisados por meio da planilha do Excel, com atenção para as seguintes características: autor, ano, país, tamanho amostral, sexo, idade média, controle, intervenção, quantidade de suplementação de HMB (g/dia) e duração, métodos de avaliação e resultados de massa, força muscular e desempenho físico. O método de seleção dos estudos está representado no Fluxograma 1.
Fluxograma 1 – Resultados da estratégia de pesquisa sistemática e do processo de seleção de estudos. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Registros identificados por meio de pesquisa no banco de dados (n = 201).
Registro após remoção de duplicatas (n = 181).
Registros selecionados (n = 10).
Quatro estudos foram incluídos na síntese qualitativa.
Registros excluídos. Artigos com textos completos excluídos pelos seguintes motivos: um artigo fazia associação com exercício físico, dois faziam menção apenas à leucina e à arginina e dois abordavam alterações a nível celular.
Um total de 201 artigos foram encontrados. Após retirada das duplicatas (n = 20), foram identificados 181 artigos, dos quais 171 foram excluídos durante a triagem do título e do resumo. Após revisão dos textos completos, quatro estudos foram selecionados para análise qualitativa, incluindo dados suficientes para análise final (Fluxograma 1).
Em sua totalidade, os ensaios clínicos selecionados contribuíram com 958 idosos, dos quais 480 fizeram parte do grupo controle e 478 do grupo intervenção. O desviopadrão de média de idade variou de 67 a 74,15. Os tamanhos dos estudos variaram de 19 a 805 participantes, e o acompanhamento clínico variou de dez a 180 dias. A dosagem de HMB nos quatro estudos selecionados foi de 3 g/dia. Além disso, em todos os estudos esse metabólito foi ofertado em combinação com outras substâncias. Os quatro estudos utilizaram a reposição de HMB em algum tipo de suplementação, variando de produto lácteo até pacotes de pó de HMB de cálcio. Entre eles, podemos destacar que um estudo associou HMB à suplementação das vitaminas D e C, analisando a resposta a esses complementos vitamínicos. Um artigo associou HMB à vitamina D e outra pesquisa associou HMB a cálcio e maltodextrina. Os participantes do estudo não fizeram exercício físico durante o período de intervenção. A taxa de perda variou entre 11% e 20%. Foram utilizadas diferentes maneiras para avaliar a força muscular, desde força extensora do joelho até força de preensão manual. A respeito da composição de massa corporal, dois estudos utilizaram exame de densitometria óssea (DXA), e os demais ressonância nuclear magnética (RNM) da circunferência da coxa e bioimpedância. As características basais da pesquisa foram semelhantes, porém Deutz et al.14 encontraram predomínio do sexo feminino. Os idosos incluídos nesses estudos tinham como característica de base serem saudáveis ou pré-frágeis, sem múltiplas comorbidades.
Todos os artigos apresentaram a tabela de características basais dos pacientes, permitindo, assim, a comparação entre os participantes nos grupos de intervenção e controle. Todos os estudos analisados foram randomizados. Com exceção da pesquisa de Peng et al.15, os demais foram duplos-cegos. Contudo, no estudo de Deutz et al.14, houve maior número e distribuição mais igualitária do sexo feminino, o que suscitou uma subanálise nesse grupo em específico. Quanto à randomização, os três estudos com essa característica descreveram o método selecionado para randomização, realizada de forma eletrônica em dois deles (Deutz et al.14 e Chew et al.16). Todos os ensaios foram incluídos na plataforma ClinicalTrials.gov, permitindo a análise do protocolo de forma completa.
Os estudos demonstraram modificações na composição da massa magra e gordura corporal total. Contudo, apenas dois artigos demonstraram significância estatística no desfecho massa
magra quando compararam o grupo intervenção com o grupo controle. Deutz et al.14 demonstraram que a suplementação de HMB por 15 dias reduziu a perda de massa magra após repouso no leito durante dez dias (-0,17 ± 0,19 kg vs. -2,05 ± 0,66 kg, n = 18, p = 0,02). Contudo, esse resultado foi dependente da exclusão de um participante do grupo de intervenção após randomização e coletas de dados, ocasionada pela perda acentuada de massa magra desse indivíduo (> 2 desviospadrão) em comparação com os dados dos demais componentes do grupo. Em análise de subgrupo no sexo feminino no mesmo estudo, os achados foram semelhantes ao grupo total.
Apesar de os dados sugerirem preservação de massa magra encontrada com a suplementação de HMB nos pacientes com risco para sarcopenia, os resultados nos estudos selecionados são conflitantes quanto à tradução desse ganho em melhor desempenho nos testes de força muscular e funcionalidade. Nasimi et al.17 constataram melhora significativa da força de preensão palmar em estudo randomizado duplo-cego, com suplementação de HMB 3 g associada à vitamina D 1.000 UI e à vitamina C 500 mg diariamente, durante 12 semanas, em pacientes com critérios de sarcopenia (+4,15 vs. +0,37 no grupo controle, n = 66, p < 0,001). Houve diferenças importantes entre os grupos nos dados iniciais do estudo, como maior proporção de homens e maior nível de atividade física medido pelo questionário internacional de atividade física (Ipaq) no grupo de intervenção. Vale ressaltar ainda que houve diferença significativa nos níveis de vitamina D ao fim do estudo – maiores no grupo de intervenção, o que pode gerar confusão na interpretação dos dados. No mesmo estudo, foi demonstrado maior ganho no desempenho de velocidade de marcha no grupo de intervenção. Ambos os resultados vieram de desfechos secundários deste estudo.
Deutz et al.14 observaram preservação numérica de força no grupo de intervenção após repouso no leito durante dez dias, contudo, sem diferença significativa em comparação ao grupo controle, utilizando como parâmetro a força extensora do joelho a 60° (0.67 ± 6.91 Nm/s vs. -12.54 ± 7.84 Nm/s p = 0,84), e 180º (-0.18 ± 7.07 Nm/s vs. -11.00 ± 8.31 Nm/s p = 0,10). No mesmo estudo, não houve diferença na bateria breve de performance física (SPPB), Get-Up-&-Go test ou bateria de performance física de cinco itens entre os grupos.
Nasimi et al.17 apresentaram como desfecho secundário um aumento importante da vitamina D ofertada em conjunto com HMB por meio de um iogurte fortificado (p < 0.001), fato corroborado por Chew et al.16, que revelaram em seus resultados que o grupo intervenção apresentou níveis significativamente mais altos de 25-hidroxivitamina D do que o grupo placebo no nonagésimo dia. Os autores evidenciaram também que as chances de ter melhor status de vitamina D no grupo de intervenção foram significativamente maiores do que no grupo placebo (p < 0,001).
Revista Baiana de Saúde Pública
Quadro 1 – Síntese dos artigos selecionados de acordo com as características e intervenções. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
of
on lean
A Novel Fortified Dairy Product and Sarcopenia Measures in Sarcopenic
A Double-Blind Randomized Controlled Trial
Oral Nutritional Supplement with HMB Improves Nutrition, Physical Performance and Ameliorates Intramuscular Adiposity in Pre-Frail
Older Adults: A Randomized Controlled Trial
Impact of specialized oral nutritional supplement on clinical, nutritional, and functional outcomes: A randomized placebo controlled trial in community-dwelling older adults at risk of malnutrition (SHIELD)
Fonte: Elaboração própria.
Estudo clínico randomizado; T: total; M: masculino; F: feminino; SHIELD: Strengthening Health
through nutrition.
Quadro 2 – Avaliação da composição corporal de massa magra e testes de força
muscular. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Estudo
Avaliação da composição corporal
Deutz et al.14 DXA
Relevância estatística (I;C) Massa magra total Teste de força
I: 39,5 ± 2,06 (p:0,4177)
C: 40,18 ± 3,26 (P: 0,0178)
I: 0,14-1,27
Força isocinética extensora e flexora do joelho, leg press, força flexora, plantar em pé e força de subida e descida de escada.
Relevância estatística (I;C) Ganho de força muscular
I: (0,67-6,91 (p:0,93) C:12,54-7,84 (p:0,15)
I: 4,76 ± 5
Nasimi et al.17 DXA
Peng et al.15 RNM da circunferência da coxa
Chew et al 16 Bioimpedância
Fonte: Elaboração própria.
C:0,28-1,06 p:0.292
I: -22,9 ± 309,1
C: 149,1 ± 272,3 p: 0,045
I: 35,27 ± 0,22
C: 35,26 ± 0,32 p: 0,973
Força de preensão manual.
Força de preensão manual.
Força de preensão manual e extensão isométrica do joelho.
DXA: densitometria óssea; RNM: ressonância magnética I: intervenção; C: controle.
C: 0,00 ± 6 p: 0,105
I:0,28 ± 0,75
C: 0,15 ± 0,94 p: 0,064
I: 11,73 ± 0,23
C:11,7 ± 0,23
p: 0.926
O objetivo desta revisão sistemática foi avaliar a reposição de HMB em dissociação com exercício físico resistido nos quesitos composição de massa magra, força muscular e funcionalidade em idosos. Embora os estudos citados tenham demonstrado mudanças na composição corporal, não houve sucesso em evidenciar a tradução da preservação ou ganho de massa magra em maior força muscular ou funcionalidade nos pacientes submetidos à intervenção quando comparados ao grupo placebo. Esses resultados podem advir de tamanhos amostrais pequenos, tempo insuficiente para avaliação de benefício de intervenção baseada em suplementação nutricional oral e da baixa carga de comorbidades associadas dos participantes.
Há de se ressaltar que a oferta de HMB quase sempre esteve associada a outro tipo de suplementação, quer seja vitamínica ou ao uso de cálcio. Além disso, houve diferenças relevantes na composição dos suplementos entre as formulações ingeridas no grupo de intervenção e placebo em alguns dos estudos. Ambos são potencialmente vieses de confusão, podendo limitar a validade desses achados.
Nasimi et al. 17 oferecem uma suplementação em conjunto com a vitamina D. Sabe-se, como citado anteriormente, que a vitamina D apresenta importante papel na proliferação e diferenciação do mioblasto, atuando no sentido de melhora da qualidade da fibra muscular e,
portanto, agindo em seu desempenho, embora seu papel não esteja completamente elucidado. Dessa forma, não é possível afirmar o efeito direto do HMB no ganho de massa magra isoladamente.
Chew et al.16 em seu estudo ofertaram, além da suplementação de vitamina D e HMB, quantidades diferentes de proteínas e carboidratos, priorizando o grupo intervenção em comparação com o placebo (intervenção com suplemento contendo 10,5 g de proteína, 8,5 g de gordura, 34,2 g de carboidrato; placebo com 1,07 g de proteína, 1,21 g de gordura e 11,9 g de carboidrato por porção). Tais dados se tornam um fator confundidor quanto ao real efeito do HMB no ganho de massa magra e na diminuição de gordura corporal total, uma vez que estão associados a outros componentes e em valores desiguais, podendo enviesar o resultado a favor da suplementação do produto de interesse.
Com relação a outros achados, podemos citar que os estudos utilizaram diferentes medidas de massa muscular relativa, o que dificulta comparar estimativas de prevalência de sarcopenia e ganho de massa entre as pesquisas. Rolland et al.8 citam ainda que apesar de a epidemiologia relatar um aumento da sarcopenia com a idade, a real prevalência entre as populações carece de uma definição operacional mais precisa.
Cabe ressaltar ainda que a maior parte das pessoas nos estudos analisados eram idosas saudáveis ou pré-frágeis, o que não corresponde com a maioria populacional nessa faixa etária. Como dito, o envelhecimento populacional tem resultado no aumento do número de idosos hospitalizados e, consequentemente, na perda da capacidade funcional18. Essa condição pode acarretar diminuição da qualidade de vida e piora no desfecho, podendo levar à morte18,19. Portanto, os dados analisados não podem ser generalizados e o cenário científico carece, ainda, de estudos que contemplem, de maneira geral, a suplementação dietética nesse perfil da população.
Essa revisão sistemática de literatura evidenciou que a suplementação com HMB, apesar de controlar a perda de massa magra corporal em idosos, não foi capaz de traduzir esse efeito em aumento de força muscular. A comunidade científica carece de estudos clínicos bem desenhados com reposição isolada dessa suplementação e maior tempo de acompanhamento para melhor análise crítica.
Este estudo apresenta limitações significativas a serem pontuadas. As restrições determinadas nos critérios de inclusão e exclusão seguiram recomendações prévias para a realização de revisões sistemáticas20, no entanto, podem ter limitado a inclusão de estudos publicados em outras línguas, que não foram contempladas no critério de seleção.
Houve variabilidade entre os estudos em relação à composição final do suplemento fornecido, dos critérios utilizados para avaliar a fragilidade e dos parâmetros considerados para avaliar a resposta ao tratamento proposto (seja na forma de exames complementares, radiológicos ou critérios preestabelecidos para determinar funcionalidade). Dessa forma, a comparabilidade dos resultados entre os quatro artigos presentes na amostra selecionada nesta revisão se torna limitada, dificultando a comparação direta entre o efeito relacionado ao uso da substância analisada.
As interpretações baseadas nos resultados dos estudos incluídos nesta amostra e na análise desta revisão devem considerar a variabilidade acima citada, principalmente para a extrapolação para outros indivíduos nessa faixa etária, com comorbidades diversas, que influenciam na validade externa desses resultados.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Isa Carolina Paim do Espírito Santo, Rafaella Rabelo Macedo, Thacio Rafael da Cruz Guimarães e Thiago Matos e Silva.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Isa Carolina Paim do Espírito Santo, Rafaella Rabelo Macedo, Thacio Rafael da Cruz Guimarães e Thiago Matos e Silva.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Isa Carolina Paim do Espírito Santo e Thacio Rafael da Cruz Guimarães.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Isa Carolina Paim do Espírito Santo, Rafaella Rabelo Macedo, Thacio Rafael da Cruz Guimarães e Thiago Matos e Silva.
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Recebido: 27.10.2022. Aprovado: 9.12.2022.
Sylvia Márcia Fernandes dos Santos Limaa
https://orcid.org/0000-0002-6212-3810
Lucimeire Cardoso Duarteb
https://orcid.org/0000-0003-1323-065X
Márcia Sandra Fernandes dos Santos Limac
https://orcid.org/0000-0001-7685-1678
Lis Moura Ribeiro de Sád
https://orcid.org/0000-0003-4098-1897
Resumo
A tuberculose é uma doença transmissível e um dos principais problemas de saúde pública mundial. A adesão ao tratamento e sua conclusão reduzem a mortalidade e a resistência medicamentosa e podem ser apoiadas pelo uso dos aplicativos móveis. O objetivo deste estudo foi analisar o impacto dos aplicativos móveis na adesão ao tratamento de pacientes com tuberculose, por meio de uma revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados (ECR), conforme as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA). A busca foi realizada nas bases de dados PubMed, Embase, LILACS, Scopus, ClinicalTrials.gov, Cochrane Library e em registros adicionais recuperados das referências dos ensaios selecionados. Os critérios de inclusão foram estudos envolvendo sujeitos de qualquer idade; ensaios clínicos; ensaios clínicos controlados; ensaios clínicos randomizados; pacientes que receberam uma intervenção de aplicativo móvel para promover a adesão ao tratamento da tuberculose; desfechos relacionados ao uso de aplicativos móveis; e adesão ao tratamento da tuberculose. Não houve restrição de idioma ou ano de publicação. Uma dupla
a Médica Residente em Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: sylviamarcialima@hotmail.com
b Médica Pneumologista do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: luzanvettor@gmail.com
c Enfermeira Docente do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana, Bahia, Brasil. E-mail: marsanlima@gmail.com
d Médica na Atenção Primária à Saúde (Prefeitura de Salvador). Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: lis.sa@hotmail.com
Endereço para correspondência: Hospital Geral Roberto Santos. Rua Estrada do Saboeiro, s/n, Cabula. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41180-170. Email: sylviamarcialima@hotmail.com
de revisores independentes selecionou os artigos relevantes. Foram identificados 249 estudos, sendo analisados três ensaios, publicados entre 2016 e 2020, com 453 pacientes, nos quais as taxas de adesão foram impactadas positivamente pelos aplicativos. Contudo, não foi realizada metanálise desta revisão, e a qualidade metodológica e a força geral da evidência dos estudos encontrados foram baixas. Esta revisão sistemática apresenta dados que sugerem que os aplicativos móveis podem melhorar a adesão medicamentosa para o tratamento da tuberculose. Entretanto, são necessários ECR com maior rigor metodológico para reforçar essa eficácia.
Palavras-chave: Tuberculose. Aplicativos móveis. Telemedicina. Adesão à medicação.
Abstract
Tuberculosis is a transmissible disease and a major public health issue worldwide. Treatment adherence and completion reduces mortality and drug resistance, which can be supported by use of mobile applications. Hence, this study sought to analyze the impact of mobile applications on treatment adherence in tuberculosis patients, by means of a systematic review of randomized clinical trials (RCTs), based on the Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) guidelines. Bibliographic search was performed on the PubMed, Embase, LILACS, Scopus, ClinicalTrials.gov, and Cochrane Library databases, followed by manual search on the references of selected trials. Inclusion criteria consisted of studies with subjects of any age; clinical trials, controlled clinical trials, randomized clinical trials; patients who underwent a mobile app intervention to promote adherence to tuberculosis treatment; outcomes related to mobile application use and tuberculosis treatment adherence. No restriction regarding language or year of publication was applied. A pair of independent reviewers identified 249 relevant studies, three were selected for analysis. Published between 2016 and 2020, and with a study population of 453 patients, the papers showed that adherence rates were positively impacted by the use of applications. However, the review did not perform a meta-analysis. The methodological quality and overall strength of evidence of the studies analyzed were low. Although the reviewed data suggest that mobile apps can improve tuberculosis treatment adherence, RCTs with greater methodological rigor are needed to reinforce this effectiveness.
Keywords: Tuberculosis. Mobile applications. Telemedicine. Medication adherence.
La tuberculosis es una enfermedad transmisible y uno de los principales problemas de salud pública en el mundo. La adherencia al tratamiento y su finalización reduce la mortalidad y la resistencia a los medicamentos, además, puede respaldarse con el uso de aplicaciones móviles. El objetivo de este estudio fue analizar el impacto de las aplicaciones móviles en la adherencia al tratamiento en pacientes con tuberculosis, por medio de una revisión sistemática de ensayos controlados aleatorizados (ECA), según la guía Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA). La búsqueda se realizó en PubMed, Embase, LILACS, Scopus, clinictrials.gov, Cochrane Library y registros adicionales recuperados de las referencias de los ensayos seleccionados. Los criterios de inclusión fueron estudios con sujetos de cualquier edad; ensayos clínicos; ensayos clínicos controlados; ensayos clínicos aleatorizados; pacientes que recibieron una intervención de aplicación móvil para promover la adherencia al tratamiento de la tuberculosis; resultados relacionados con el uso de aplicaciones móviles y la adherencia al tratamiento de la tuberculosis. No hubo restricción de idioma o año de publicación. Un par de revisores independientes seleccionaron los artículos relevantes. Se identificaron 249 estudios y se analizaron 03 ensayos, publicados entre 2016 y 2020, con 453 pacientes, en los cuales las tasas de adherencia fueron impactadas positivamente por las aplicaciones. Sin embargo, no se realizó ningún metaanálisis de esta revisión y la calidad metodológica y la solidez general de las pruebas de los estudios encontrados fueron bajas. Esta revisión sistemática sugiere que las aplicaciones móviles pueden mejorar la adherencia a la medicación para el tratamiento de la tuberculosis. Sin embargo, se necesitan ECA con mayor rigor metodológico para reforzar esta efectividad. Palabras clave: Tuberculosis. Aplicaciones móviles. Telemedicina. Cumplimiento de la medicación.
A tuberculose (TB) é uma doença transmissível e um dos principais problemas de saúde pública mundial. Em 2020, aproximadamente dez milhões de pessoas desenvolveram TB no mundo1, sendo uma das dez principais causas infecciosas de morte e a segunda por um único agente infeccioso, atrás apenas da covid-192. Nesse mesmo ano, houve 1,3 milhão de mortes entre pacientes sem coinfecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e cerca de 214 mil entre aqueles HIV positivos1.
No Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, o tratamento é gratuito e composto por quatro medicamentos: rifampicina (R), isoniazida (H), pirazinamida (Z) e etambutol (E), conhecidos como o esquema “RIPE”. A maioria dos pacientes com TB se cura em seis a 12 meses, podendo variar de acordo com a forma clínica e com a adesão medicamentosa3, mas a doença pode se estender para além de dois anos, caso seja multirresistente4.
A adesão do paciente ao tratamento e sua conclusão são fundamentais para reduzir a mortalidade, a resistência aos medicamentos5, os períodos prolongados de infecciosidade e a taxa de recidiva6,7. Taxas menores que 90% ou a perda de mais de três doses em um mês podem reduzir o sucesso do tratamento e as chances de cura8
Para auxiliar no controle da TB, em 1994, a Organização Mundial da Saúde (OMS) adotou a estratégia directly observed treatment, short-course (DOTS), conhecida no Brasil como tratamento diretamente observado (TDO), que consiste na ingestão dos medicamentos supervisionada por um profissional de saúde3. Em 2006, o TDO foi aprimorado pela Estratégia Stop TB9,10, entretanto, sua eficácia na melhoria dos resultados do tratamento é questionável11,12, devido a relatos de encargos financeiros, gasto de tempo para deslocamento, níveis baixos de autonomia do paciente, além de estigmas quanto à tuberculose13.
A saúde eletrônica, também conhecida como eHealth, vem mudando a perspectiva dos cuidados em saúde14 a partir de registros eletrônicos, telemedicina (consultas virtuais) e telerradiologia para interpretação remota de exames de imagem15. Um componente da eHealth é a saúde móvel, ou mHealth, que consiste na prática médica por meio de dispositivos móveis, como telefones celulares, dispositivos de monitoramento de pacientes e assistentes pessoais digitais, a fim de oferecer assistência à promoção, proteção e redução do risco da doença e outros agravos para recuperação em saúde2.
A estratégia DOTS adotada pela OMS16 para favorecer a adesão medicamentosa não é suficiente para reduzir as taxas de insucesso do tratamento. Nesse contexto, justifica-se esta revisão como relevante para ampliar a discussão sobre o suporte das tecnologias digitais a fim de melhorar os resultados na adesão medicamentosa, complementando abordagens tradicionais de monitoramento e reduzindo as taxas de abandono e inconclusividade do tratamento17. Assim, este estudo objetiva analisar o impacto dos aplicativos móveis na adesão ao tratamento de pacientes com tuberculose.
Trata-se de uma revisão sistemática da literatura realizada de acordo com as recomendações da Colaboração Cochrane para revisões sistemáticas e metanálises, descritas
em Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions version 6.218, seguindo um protocolo de acordo com as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA)19.
Esta revisão foi guiada pela seguinte pergunta de pesquisa: “O uso de aplicativos móveis poderia melhorar a adesão ao tratamento da tuberculose?”, formulada com base no acrônimo “PICO”20 (população/paciente – pacientes em tratamento para tuberculose; intervenção – uso de aplicativos móveis; comparador – não uso de aplicativos móveis; e outcomes – adesão ao tratamento da tuberculose).
Após a definição da pergunta norteadora, foi pesquisada revisão similar na biblioteca Cochrane e no International Prospective Register of Systematic Reviews (PROSPERO) e, confirmando-se que não havia, foi desenvolvido um protocolo de pesquisa e submetido ao PROSPERO, sob registro CRD42022310640.
Com base na pergunta de pesquisa, os critérios de inclusão foram: estudos envolvendo sujeitos de qualquer idade; ensaios clínicos, ensaios clínicos controlados, ensaios clínicos randomizados; pacientes que receberam intervenção de aplicativo móvel para promover a adesão ao tratamento da tuberculose; desfechos relacionados ao uso de aplicativos móveis; e adesão ao tratamento da tuberculose. Os critérios de exclusão foram: estudos envolvendo exclusivamente pacientes pediátricos; tuberculose latente; pacientes em tratamento para tuberculose resistente a drogas.
As bases eletrônicas pesquisadas foram PubMed, Embase, LILACS, Scopus, ClinicalTrials.gov e Cochrane Library. Também foi feita busca manual (referência cruzada) nos estudos incluídos.
A busca nas bases de dados foi realizada em dezembro de 2021 e não houve restrições quanto à data ou idioma de publicação. Os descritores controlados foram obtidos por meio do Medical Subject Heading (MeSH) e combinados pelos operadores booleanos AND e OR: (tuberculosis OR pulmonary tuberculosis OR mycobacterium tuberculosis infection OR mycobacterium tuberculosis) AND (mobile applications OR mobile apps OR telemedicine OR mobile health OR smartphone app OR medical informatics OR health informatics) AND (medication adherence OR drug adherence OR patient participation OR patient empowerment OR treatment adherence and compliance).
Inicialmente, os títulos e resumos foram avaliados e os artigos que atenderam aos critérios de elegibilidade foram analisados na íntegra para exclusão ou inclusão na revisão. A seleção dos estudos foi realizada de maneira independente por dois revisores,
utilizando a plataforma Rayyan – Intelligent Systematic Review 21. Houve uma padronização para verificar a conformidade das decisões e as discordâncias foram resolvidas por um terceiro revisor.
Dois avaliadores extraíram os dados a partir de uma planilha no Microsoft Excel® com os seguintes campos: autor principal, ano de publicação, país, desenho do estudo (metodologia), tamanho da amostra, idade prevalente ou média de idade (anos), sexo, medida de adesão/método de verificação do resultado, intervenção (tipo de aplicativo), controle, duração do estudo e adesão medicamentosa.
A qualidade metodológica dos estudos incluídos foi testada por dois revisores, por meio da ferramenta de classificação de qualidade do Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions18. Discrepâncias foram resolvidas por um terceiro revisor. O potencial de viés foi classificado como alto, baixo ou incerto para cada um dos seis domínios: processo de randomização, desvios das intervenções pretendidas, dados de resultado ausentes, medição do resultado, seleção do resultado relatado e risco geral de viés.
A qualidade das evidências do desfecho primário foi avaliada por dois revisores, e as discrepâncias foram resolvidas por um terceiro revisor. A avaliação foi feita com base nos critérios de risco de viés, inconsistência, evidência indireta, imprecisão e viés de publicação, conforme descrito no sistema Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation (GRADE)22.
Todas as análises foram baseadas em estudos publicados anteriormente, portanto, nenhuma aprovação ética ou consentimento do paciente foi necessário para esta revisão.
A busca inicial nas bases eletrônicas identificou um total de 248 estudos e um artigo foi identificado por busca manual (referência cruzada) nos estudos incluídos, totalizando 249 artigos. Após a checagem das duplicatas, cinquenta estudos foram excluídos, restando 199. Nesta etapa, foram lidos os títulos e os resumos, e 176 estudos foram excluídos, restando 23 estudos elegíveis para leitura na íntegra. Após a leitura integral, 19 foram excluídos e três obedeceram aos critérios de inclusão predefinidos e formaram o corpus da revisão23,24,25, conforme detalhado no fluxograma
PRISMA na Figura 1.
Os estudos incluídos foram ensaios clínicos randomizados (ECR) realizados na Tanzânia23, Inglaterra24 e Moldávia25 e publicados entre os anos de 2016 e 2020, originalmente em língua inglesa. O período de seguimento variou de cinco semanas a 25 meses.
Revista Baiana de Saúde Pública
Figura 1 – Diagrama de fluxo PRISMA. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Identificação dos estudos por meio de bancos de dados e registros
dentificação
Estudos identificados (n=249) PubMed (n=34) Embase (n=25) Scopus (n=92) LILACS (n=0) Clinical Trials.gov (n=26) Cochrane (n=71) Referência cruzada (n=01)
Estudos selecionados (n=203)
Estudos avaliados para elegibilidade (n=21)
Inclusão
Fonte: Elaboração própria.
Estudo removidos antes da triagem Artigos duplicados removidos (n=46) Estudos excluídos por título e resumo (n=182)
Registros excluídos (n=18) Registros (n=13) Desfecho primário de interesse ausente (n=01) Pôster (n=02) Não encontrados para leitura integral (n=02)
Estudos incluídos na revisão (n=03)
A amostra foi de 453 pacientes com tuberculose e, quanto às características sociodemográficas, os achados revelaram que a TB acometeu, em sua maioria, pessoas do sexo masculino e adultos jovens, conforme sintetizado no Quadro 1
Quadro 1 – Características dos estudos incluídos na revisão sistemática. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Autor principal/ Ano de publicação País do estudo Metodologia Tamanho amostral (pacientes) Idade prevalente ou média de idade (anos) Sexo masculino (%)
Haji et al.23, 2016 Tanzânia ECR GI: 20 / GC: 10 ≥ 48
Story et al.24, 2019 Inglaterra ECR GI: 112 / GC: 114 GI: 16-34 / GC: 16-34 GI:73% / GC: 73%
Ravenscroft et al.25, 2020 Moldávia ECR
Fonte: Elaboração própria.
ECR = Ensaio Clínico Randomizado; GI = Grupo Intervenção; GC = Grupo Controle.
Em dois estudos, os aplicativos foram projetados apenas para monitorar a adesão ao tratamento da tuberculose24,25 e, em um estudo23, outras funções estavam presentes além desta, como lembrete de consultas ou cuidados gerais em saúde relacionados à TB. A aplicação do tratamento observado por vídeo (TOV) ocorreu em dois estudos24,25, e um estudo foi
v.46,supl.1,p.115-131
utilizado o sistema baseado em gráficos23. Em dois estudos, o grupo controle foi de pacientes supervisionados pelo TDO24,25, e em um estudo a supervisão ocorreu sob procedimentos médicos de rotina (não detalhados pelo autor)23. As principais características dos ECR e as informações sobre os aplicativos estão sintetizadas no Quadro 2
Quadro 2 – Características dos ECR incluídos na revisão sistemática. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Autor principal/ Ano de publicação
Medida de adesão/Método de verificação de desfecho Intervenção Controle Duração Adesão medicamentosa (%), p-valor
LBG: 89,9% / LBF: 89,4% / GC: 70,3%
Haji et al.23, 2016
PDT/contagem de comprimidos
Sistema de lembretes baseados em gráficos e em fala
Story et al.24, 2019
Ravenscroft et al.25, 2020
Procedimentos médicos de rotina
COP /≥ 80% das observações programadas
DOT/número de dias de não observação
Fonte: Elaboração própria.
cinco semanas
TOV assíncrono TDO 25 meses
TOV assíncrono TDO 22 meses
Grupo LBG x GC (U = 61,0, Z = −2,130, r = −0,389, p = 0,033) / Grupo LBG x LBF (U = 148,0, Z = −1,747, r = −0,276, p = 0,081).
GI: 78 (70%) / GC: 35 (31%) (OR 5,48, IC 95% 3,10 -9,68; p < 0,0001)
GI: 1,29 dias não aderidos / GC: 5,24 dias não aderidos (IC 95%, 3,35-4,67 dias; p < 0,01)
PDT = proporção de doses tomadas: calcular o número de pílulas que não foram tomadas em comparação com aquelas que foram coletadas; COP = conclusão de observações programadas: conclusão com sucesso de ≥ 80% das observações programadas nos primeiros dois meses; DOT = dias observados de tratamento: número de dias em cada período de duas semanas em que um paciente não foi observado aderindo aos seus medicamentos; TOV = tratamento observado por vídeo; TDO = tratamento diretamente observado; LBG = lembrete baseado em gráfico; LBF = lembrete baseado em fala; GC = grupo controle; U = teste U de Mann-Whitney; Z = teste Z; OR = odds ratio; IC = intervalo de confiança; GI = grupo intervenção.
Na avaliação quanto ao risco de viés, dois estudos foram considerados de alto risco na maioria dos domínios23,25. O viés de dados de resultados ausentes foi baixo em todos os estudos e o risco de viés na seleção do resultado relatado foi baixo em mais da metade dos estudos incluídos24,25. No geral, dois estudos foram considerados com alto risco de viés23,25
A avaliação da qualidade metodológica das pesquisas está representada nas Figuras 2 e 3.
Fonte: Elaboração própria.
O quadro de evidências GRADE determinou uma qualidade geral de evidência muito baixa para a intervenção dos aplicativos na adesão à medicação, conforme evidenciado no Quadro 3. O rebaixamento se deu devido à séria inconsistência, evidência indireta, imprecisão e viés de publicação, devido ao fato de não ter sido realizada metanálise.
Quadro 3 – Qualidade de evidência dos aplicativos móveis utilizados na adesão medicamentosa. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Avaliação da qualidade Sumário de resultados
Nº de estudos
Delineamento do estudo
Risco de viés Inconsistência Evidência indireta Imprecisão Viés de publicação Intervenção Controle
Resultado: adesão à medicação
três ECR Gravea Muito graveb Muito gravec Muito graved
Graus de evidência do grupo de trabalho GRADE
Diferença média padronizada (IC 95%)
Qualidade
Alta qualidade: é muito improvável que pesquisas adicionais mudem nossa confiança na estimativa do efeito. Qualidade moderada: é provável que pesquisas adicionais tenham um efeito importante em nossa confiança na estimativa do efeito e podem alterar a estimativa.
Baixa qualidade: é muito provável que pesquisas adicionais tenham um efeito importante em nossa confiança na estimativa do efeito e provavelmente alterarão a estimativa.
Qualidade muito baixa: estamos muito incertos sobre a estimativa.
a Alto risco de viés em alguns estudos. Rebaixar um nível.
b Não realizada metanálise. Rebaixar dois níveis. c Não realizada metanálise. Rebaixar dois níveis. d Não realizada metanálise. Rebaixar dois níveis.
e Não realizada metanálise. Rebaixar dois níveis.
Fonte: Elaboração própria.
Em dois ensaios24,25, a adesão ao tratamento da tuberculose foi avaliada por observação direta das doses tomadas e em um estudo por contagem de comprimidos23. As taxas de adesão foram impactadas positivamente pela intervenção, conforme exposto no Quadro 2
Em dois dos estudos23,25, os pacientes do grupo TOV relataram maior satisfação com o uso dos aplicativos móveis na adesão ao tratamento. No geral, os pacientes relataram facilidade de uso do app, mais autonomia para gerenciar o tratamento, melhor relação com os profissionais e economia de tempo e dinheiro.
O predomínio de tuberculose em adultos jovens e do sexo masculino encontrado nesta revisão é compatível com dados da OMS, nos quais cerca de 90% dos doentes por tuberculose são homens e adultos1 e 53% dos óbitos entre pacientes HIV negativos são de homens2. No Brasil, entre 2001 e 2020, 69% dos casos novos de TB no país ocorreram em pessoas do sexo masculino26 e na Coreia, em 2016, a taxa de incidência masculina foi 1,4 vezes superior à taxa feminina27. Tais dados podem ter relação com a maior exposição dos homens a fatores de risco para o contato com o Mycobacterium tuberculosis, o menor zelo com a saúde, a menor frequência ao serviço médico28 e as diferenças biológicas entre os sexos inerentes a certas faixas etárias29.
Quanto à prevalência encontrada de jovens doentes por TB, a OMS ressalta que a maioria dos casos de TB ocorre entre adultos jovens, particularmente entre 25 e 34 anos4. O Ministério da Saúde brasileiro estima que 90% dos casos de TB pulmonar atingem principalmente a faixa etária produtiva da população, ocorrendo em indivíduos com mais de 15 anos de idade30. Compatível com esses dados, em um estudo realizado na Uganda31 para avaliar o TOV no monitoramento da tuberculose, a média de idade foi 34,5 anos. Isso enfatiza a necessidade de reforçar o uso dos aplicativos no manejo do tratamento da tuberculose, já que indivíduos mais jovens têm grande acesso aos smartphones e boa alfabetização digital32
Os estudos incluídos nesta revisão foram, em sua maioria, realizados em países desenvolvidos. Contudo, dados da OMS mostram que, dos trinta países com alta carga de tuberculose, a maioria está em desenvolvimento e representa 90% dos doentes com TB anualmente1. Isso reforça o fato de a TB ser associada a determinantes sociais da saúde, com maior incidência e mortalidade em países de baixa renda e com maior vulnerabilidade social, desigualdade e pobreza33,34
Quanto ao uso dos aplicativos móveis, os resultados encontrados confirmam que ele auxilia no telemonitoramento do tratamento da tuberculose e melhora a adesão medicamentosa.
Tal desfecho também foi encontrado em uma revisão sistemática com metanálise realizada em 201917, na qual os aplicativos móveis interferiram na adesão de medicamentos em pacientes com doenças crônicas de forma mais eficiente do que as estratégias tradicionais previamente definidas.
Estudo observacional conduzido em Nova Iorque35 com pacientes elegíveis para completar o tratamento de TB encontrou 95% de adesão às sessões agendadas de TOV síncrono em comparação com 91% das visitas para o TDO, além de uma proporção maior de doses de tratamento observadas com TOV em comparação com TDO, o que demonstra altos níveis de adesão ao uso do aplicativo móvel. Entretanto, em 2001, DeMaio e colaboradores36 identificaram maior adesão do paciente à terapia para TB com o TDO (97,5%) em relação a 95% no TOV síncrono, contudo, nesse período havia menos facilidade em se conectar via internet e baixa qualidade da transmissão. Vale destacar que o uso da tecnologia síncrona pode repercutir de modo diferente na adesão quando comparado com o TOV assíncrono37.
Nesta revisão sistemática, um único estudo foi encontrado avaliando um sistema de aplicativo baseado em lembretes gráficos (imagens), e outros estudos avaliando a mesma tecnologia, mesmo no contexto de outras doenças infectocontagiosas, não foram encontrados. Contudo, em um ensaio controlado randomizado realizado na Etiópia38, comparando cuidados de rotina versus cuidados de rotina associados a lembretes diários de medicação por meio de gráficos e mensagens de texto via SMS no idioma local, a adesão ao tratamento da TB centrada no paciente foi de 79,1% no grupo intervenção e de 66,4% no grupo controle (p = 0,0083, mostrando diferença estatisticamente significativa).
Considerando que a TB prevalece entre populações mais pobres, investir em comunicação visual no contexto médico e em um sistema de lembrete via aplicativo e com base visual, que exigiria um grau de alfabetização mínimo e não limitaria barreiras de linguagem, seria uma estratégia pragmática.
Em geral, a satisfação dos participantes com os aplicativos móveis foi alta. Outros estudos também identificaram resultados semelhantes com a aceitação da tecnologia de vídeo, em que todos os pacientes recomendariam o TOV36,39. No entanto, os dados também poderiam ser justificados pela alfabetização digital dos participantes, o que facilita o uso dos aplicativos. Além disso, a satisfação alta pode ser justificada para alguns indivíduos pela quebra de estigmas relacionados ao TDO, que ocasionam sentimentos de humilhação, perda de controle e estresse13.
Em um estudo realizado por Anglada-Martínez e colaboradores40, cerca de 37% a 39% dos pacientes com doenças crônicas não possuíam smartphone ou tinham telefones sem
sistemas operacionais IOS ou Android, o que pode ser indício de uma barreira para que o uso dos aplicativos digitais no tratamento da tuberculose ocorra com mais frequência. Muitos planejamentos para a realização de novos ensaios clínicos usando aplicativos móveis para estimular a adesão medicamentosa na tuberculose ainda estão na fase de protocolos de pesquisa ou coleta de dados41,42,43. Além disso, pode haver limitações nas habilidades tecnológicas para o uso de internet móvel, sobretudo entre os pacientes mais idosos e de baixa renda, já que muitos aplicativos exigem acesso à internet para funcionar31
Esta revisão sistemática apresenta motivos para acreditar que os aplicativos para smartphones são viáveis na prática geral e podem melhorar a adesão medicamentosa para o tratamento da tuberculose. Entretanto, a qualidade metodológica dos artigos incluídos e a força geral da evidência dos estudos avaliados não foram altas, o que significa que mais pesquisas podem mudar essa estimativa de efeito. Assim, os dados deste estudo não podem ser generalizados, e se faz necessária a realização de mais ECR rigorosamente desenvolvidos para avaliar e validar a importância do impacto dos aplicativos móveis na adesão ao tratamento da tuberculose.
Esta revisão sistemática analisou o impacto do uso de aplicativos móveis na adesão de pacientes com tuberculose ao tratamento da doença, e os estudos analisados apontam maior adesão do grupo de intervenção usando aplicativos móveis em relação ao grupo controle, em sua maioria TDO, proporcionando uma melhor compreensão acerca da intervenção da tecnologia mHealth para esses pacientes. Além disso, também se avaliou que o grau de satisfação dos pacientes com o uso dos aplicativos móveis foi alto.
Vale destacar que, apesar do incentivo ao uso de aplicativos no tratamento da TB ocorrer desde a década de 1990, ECR sobre o tema são pouco desenvolvidos. Pelo fato da tuberculose ser de extrema relevância na área médica, com inúmeros pacientes infectados e mortos a cada ano, torna-se necessário desenvolver maneiras de incentivar a adesão medicamentosa a fim de aumentar as taxas de cura da doença.
Além disso, a qualidade muito baixa das evidências e o alto risco de viés dos estudos avaliados nesta revisão sistemática comprometem a avaliação dos dados, embora tragam perspectivas quanto ao tema proposto.
Ressalta-se, como limitação deste estudo, o baixo número de ECR encontrados sobre a temática. É preciso evidências mais fortes, obtidas por meio de ensaios clínicos randomizados com alto rigor metodológico e desenvolvidos em vários países, sobre o uso
de modalidades alternativas no impacto da adesão ao tratamento da TB, a fim de favorecer investimentos e capacitação profissional no uso dessas tecnologias.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Sylvia Márcia Fernandes dos Santos Lima, Lucimeire Cardoso Duarte, Márcia Sandra Fernandes dos Santos Lima e Lis Moura Ribeiro de Sá.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Sylvia Márcia Fernandes dos Santos Lima e Lucimeire Cardoso Duarte.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Lucimeire Cardoso Duarte.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Sylvia Márcia Fernandes dos Santos Lima e Lucimeire Cardoso Duarte.
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DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.nSupl_1.a3788
USO DE HEPARINA VERSUS CITRATO EM CATETER DE HEMODIÁLISE: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA
Lucas Villasboas de Oliveiraa
https://orcid.org/0000-0003-2130-8656
Sarah Oliveira Santos Ferreirab
https://orcid.org/0000-0001-8081-2436
Bianca Andrade Melloc
https://orcid.org/0000-0003-2556-4219
Nadia de Andrade Khourid
https://orcid.org/0000-0001-7468-1273
A heparina é a solução mais utilizada para selar cateteres de hemodiálise. Entretanto, seu uso está associado a complicações locais e sistêmicas. A solução de citrato surge como alternativa devido aos seus efeitos anticoagulantes. O objetivo desta revisão sistemática é avaliar o risco de infecção da corrente sanguínea relacionada ao cateter usando heparina em comparação com solução de bloqueio de citrato. Esta revisão sistemática seguiu o protocolo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) e a estratégia Population, Intervention, Comparison, Outcome (PICO), bem como utilizou as bases de dados Medline, Lilacs e Scielo. Buscaram-se ensaios clínicos randomizados que comparassem heparina com citrato como solução de bloqueio associada à infecção de corrente sanguínea relacionada a cateter. Inicialmente, foram encontrados 1.204 artigos. Após a leitura de seus títulos e resumos, foram selecionados 33 estudos. Depois da aplicação dos critérios de exclusão, restaram quatro artigos. Destes, o desfecho primário foi infecção
a Médico residente em clínica médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail:oliveiralucasv@ gmail.com
b Médica residente em clínica médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail:sarah_oliveiras@ live.com
c Médica residente em clínica médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail:biaamello.bm@ gmail.com
d Médica Nefrologista. Preceptora da residência em Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: nadiaakhouri@gmail.com
Endereço para correspondência: Hospital Geral Roberto Santos. Rua Direta do Saboeiro, s/n, Cabula. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40301-110. E-mail oliveiralucasv@gmail.com
da corrente sanguínea relacionada ao cateter. Em Weijmer et al. houve redução no grupo citrato. Por outro lado, Barcellos et al. mostraram resultados opostos usando o modelo multivariado. Power et al. não identificaram diferença entre os grupos e Winnett et al. favoreceram o grupo citrato usando análise de subgrupo. Não foi possível determinar diferença entre o grupo citrato e heparina na redução da infecção da corrente sanguínea relacionada ao cateter. São necessários mais estudos utilizando uma população maior e solução padronizada de citrato ou heparina.
Palavras-chave: Cateter de diálise renal. Cateter de hemodiálise. Diálise renal. Heparina. Infecções relacionadas a cateter.
Abstract
As the most used solution to seal hemodialysis catheters, heparin use is associated with local and systemic complications. Citrate solution emerges as an alternative due to its anticoagulant effects. This systematic review sought to evaluate the risk of catheter-related bloodstream infection using heparin compared to citrate lock solution. Based on the PRISMA protocol and PICO strategy, data were collected from the Medline, Lilacs and Scielo databases. The search strategy included randomized clinical trials that compared heparin versus citrate as lock solution associated with catheter-related bloodstream infection. Of the 1,204 articles identified, 33 were selected after reading tittles and abstract. After applying the exclusion criteria, four papers were included for review. Primary outcome was catheter-related bloodstream infection. Weijmer et al. observed a reduction in the citrate group. In turn, Barcellos et al. showed opposite results using a multivariate model. Power et al. found no difference between groups and Winnet et al. favored the citrate group using subgroup analysis. Results on the difference between citrate versus heparin in reducing catheter-related bloodstream infection were inconclusive. Further studies using a bigger population and standardized citrate or heparin solution are needed.
Keywords: Catheter renal dialysis. Catheter hemodialysis. Renal dialysis. Heparin. Catheter-related infections.
La heparina es muy utilizada para sellar catéteres de hemodiálisis. Sin embargo, su uso se asocia a complicaciones locales y sistémicas. La solución de citrato puede ser una alternativa por sus efectos anticoagulantes. El objetivo de esta revisión sistemática es evaluar el riesgo de infección del torrente sanguíneo relacionada con el catéter en el uso de heparina en comparación con la solución bloqueadora de citrato. Esta revisión sistemática siguió el protocolo PRISMA y la estrategia PICO, así como las bases de datos Medline, Lilacs y SciELO, para buscar ensayos clínicos aleatorizados que habían comparado la heparina versus citrato como solución bloqueadora asociada a la infección del torrente sanguíneo relacionada con el catéter. Inicialmente se encontraron 1.204 artículos. Realizada la lectura de sus títulos y resúmenes, se seleccionaron 33 textos. Después de aplicar los criterios de exclusión, quedaron cuatro artículos. De estos, el resultado primario fue la infección del torrente sanguíneo relacionada con el catéter. En Weijmer et al. hubo una reducción en el grupo de citrato.
Por otro lado, Barcellos et al. mostró resultados opuestos utilizando el modelo multivariado.
Power et al. no mostraron diferencias entre los grupos, y Winnet et al. favorecieron al grupo citrato mediante análisis de subgrupos. No fue posible determinar una diferencia entre el grupo de citrato y el de heparina en la reducción de la infección del torrente sanguíneo relacionada con el catéter. Se necesitan más estudios que utilicen una población mayor y una solución estandarizada de citrato o heparina.
Palabras clave: Catéter de diálisis renal. Catéter de hemodiálisis. Diálisis renal. Heparina. Infecciones relacionadas con el catéter.
Nos últimos anos surgiram iniciativas para estimular o uso de fístulas arteriovenosas. Elas são consideradas os acessos preferenciais para hemodiálise, devido a sua menor taxa de infecção1,2. No entanto, mesmo em países desenvolvidos, a taxa do uso de cateter para hemodiálise chega a 40%3,4.
Complicações precoces e tardias estão relacionadas ao uso do cateter de diálise3
Infecções, tanto locais quanto sistêmicas, decorrentes do uso de cateteres têm sido estudadas por serem consideradas a principal causa de morbidade e mortalidade nos doentes renais
crônicos. Além disso, hospitalizações frequentes, manipulação excessiva dos cateteres e uso indiscriminado de antimicrobianos favorecem o surgimento de microrganismos atípicos e multirresistentes5
Diversas estratégias têm sido propostas para reduzir a incidência dessas infecções, como a utilização de diferentes soluções para selar o cateter5,6. Tradicionalmente, a heparina é a solução mais utilizada e está associada a diversas complicações, como: coagulopatias, sangramentos, trombocitopenia e reações alérgicas6.
A solução de citrato é uma alternativa à heparina, pois tem uma ação quelante sobre o cálcio, que é fundamental na cascata de coagulação e na atividade plaquetária6,7 Além disso, a construção do biofilme bacteriano depende de um adequado equilíbrio iônico, principalmente magnésio e cálcio. Ao atuar como quelante, o citrato diminui a concentração desses íons e pode reduzir a incidência de infecções5,6,8,9.
O citrato de sódio tem efeito na concentração dependente e demonstrou, in vitro, atividade antibacteriana. Em altas concentrações, está associado a eventos cardíacos fatais5
O objetivo desta revisão sistemática é avaliar se há diferença no risco de infecção de corrente sanguínea (ICS) relacionada ao cateter utilizando solução selante de heparina ou citrato.
Esta revisão sistemática seguiu o protocolo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) e a estratégia Population, Intervention, Comparison, Outcome (PICO). Foram utilizadas as plataformas Medline (via PubMed), Lilacs e Scielo para pesquisa das publicações que compararam o uso do citrato com heparina para selar cateteres de hemodiálise, e utilizados os seguintes descritores na língua inglesa: cateter, renal dialysis; catheter hemodialysis, heparin, catheter-related infections. Essa busca se restringiu aos ensaios clínicos randomizados controlados publicados entre janeiro de 2001 e dezembro de 2021.
Os estudos incluídos compararam o uso de citrato com heparina para selar o cateter, de curta ou longa permanência, em adultos com doença renal crônica dialítica, cujo desfecho primário foi a ocorrência de bacteremia e ICS associada ao uso do cateter.
Os desfechos secundários variaram entre: trombose ou infecções no local de inserção do cateter, trombocitopenia, eventos hemorrágicos e tempo livre de hospitalização.
Excluíram-se os estudos que não se configuravam como ensaios clínicos, além dos que associaram outras substâncias ao citrato para selar o cateter e cujo desfecho primário não foi a ICS associada ao cateter.
Dois investigadores selecionaram, de forma independente e não cega, títulos e resumos para verificar se os estudos atendiam aos critérios de elegibilidade. Os textos completos dos artigos identificados como elegíveis foram avaliados para determinar sua inclusão na análise. Um terceiro revisor analisou as possíveis discrepâncias entre as escolhas.
Foram encontrados 1.204 resultados de acordo com os descritores utilizados, e selecionados 33 artigos com base na leitura inicial dos títulos. Destes, cinco estavam duplicados. Durante a leitura dos resumos, excluíram-se três estudos por não serem ensaios clínicos randomizados, um por não incluir ICS ou bacteremia como desfecho primário. Dois não foram incluídos porque comparavam outras substâncias, que não heparina, com o uso do citrato e 14 por associarem a ele outras substâncias.
Oito artigos foram lidos na íntegra. Destes, um foi excluído por se tratar de um estudo piloto e outros três por terem mais de um desfecho primário, restando quatro artigos para a elaboração desta revisão sistemática. O processo de seleção dos artigos pode ser visto na Figura 1 .
EXCLUÍDOS 1.717 COM BASE NA LEITURA DOS TÍTULOS
NA PESQUISA NO BANCO DE DADOS
33 ARTIGOS SELECIONADOS
5 ARTIGOS EXCLUÍDOS POR SEREM DUPLICADOS
• 3 EXCLUÍDOS POR NÃO SEREM ENSAIOS CLÍNICOS RANDOMIZADOS
• 2 NÃO COMPARAVAM HEPARINA COM CITRATO
28 ARTIGOS
8 ARTIGOS PARA LEITURA NA ÍNTEGRA
4 ARTIGOS SELECIONADOS PARA O ENSAIO
Fonte: Elaboração própria.
• 1 ESTUDO NÃO INCLUIU ICS COMO DESFECHO PRIMÁRIO
• 14 ASSOCIAVAM OUTRAS SUBSTÂNCIAS AO CITRATO
• 1 ARTIGO EXCLUÍDO POR SER ESTUDO PILOTO
• 3 ARTIGOS INCLUÍRAM OUTROS DESFECHOS PRIMÁRIOS
Entre eles, dois estudos incluíram pacientes que utilizaram cateteres não tunelizados, Power et al.10 e Barcellos et al.11. Em um dos artigos, Winnett et al.9, foram usados cateteres tunelizados. Apenas um estudo, Weijmer et al.7, incluiu em sua análise uma população que utilizou ambos os tipos de cateteres7. A concentração do citrato adotada variou entre 30% –Weijmer et al.7 e Barcellos et al.11 – e 46,7% – Power et al.10 e Winnett et al.9
Weijmer et al.7, Power et al.10 e Winnett et al.9 consideraram como critério de ICS relacionada ao cateter a presença de febre, cuja definição variou entre temperaturas superiores a 37,5 e 38ºC, associada a uma hemocultura (HEC) positiva, sem outro sítio óbvio de infecção. Apenas Barcellos et al.11 adotaram um critério alternativo, o crescimento de uma bactéria em comum na hemocultura de sangue periférico, pareada com HEC do cateter.
Em todos os estudos, o desfecho primário foi a redução de infecções associadas ao cateter. Weijmer et al.7 demonstraram significância estatística no grupo que usava citrato, em relação à heparina.
Já Barcellos et al.11 evidenciaram que os pacientes em uso de citrato apresentaram maior risco de infecção em comparação aos que usaram heparina, levando à retirada precoce de cateteres. Contudo, o modelo do estudo foi multivariado. Power et al.10 não demonstraram diferença significativa em relação à ocorrência de infecções entre os grupos.
Em Winnett et al.9, houve redução, com significância estatística, nas infecções por Staphylococcus aureus, sensível (não MRSA) e resistente à meticilina (MRSA), e Staphylococcus epidermidis nos pacientes em uso de citrato. Esse benefício não foi observado nas infecções por outros agentes Gram-positivos ou Gram-negativos. Entretanto, nos pacientes diabéticos houve redução das ICS, o que não foi observado nos pacientes não diabéticos.
Nos trabalhos avaliados nesta revisão sistemática não foi descrita associação entre efeitos adversos fatais e o uso de citrato como solução seladora.
Power et al. 10 e Winnett et al. 9 demonstraram maior associação de efeitos adversos no grupo citrato, como parestesia digital, devido ao extravasamento da substância para a corrente sanguínea. Weijmer et al. 7 não descreveram efeitos colaterais com o uso do citrato. Por outro lado, a utilização da heparina foi associada à maior ocorrência de sangramentos no local de inserção do cateter. Por fim, Barcellos et al.11 demonstraram somente efeitos colaterais leves, como gosto metálico. Com relação à trombose, Winnett et al.9, Barcellos et al.11 e Weijmer et al.7 não evidenciaram aumento da ocorrência desse evento ou necessidade do uso de trombolíticos devido ao baixo fluxo do cateter, enquanto Power et al. 10 observaram resultados opostos. A síntese dos estudos selecionados consta no Quadro 1 .
Quadro 1 – Síntese dos artigos selecionados de acordo com características, intervenções e resultados. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Autor/ ano Tipo de estudo População Intervenção Desfecho primário Resultados Experimento Controle
Weijmer et al.7, 2005 Ensaio clínico randomizado.
291 pacientes DRC de clínicas de hemodiálise (Holanda e Bélgica) em uso de cateteres de longa e curta permanência.
Citrato 30%. Heparina não fracionada 5.000 UI.
Febre (temperatura > 38ºC) ou calafrios durante a sessão de hemodiálise com pelo menos uma cultura positiva, sem outra fonte óbvia de infecção.
Houve redução das ICS associadas ao cateter no grupo citrato.
Barcellos et al.11, 2016 Ensaio clínico randomizado.
464 pacientes DRC hospitalizados (Brasil). (2012-2014)
Citrato 30%. Heparina não fracionada 5.000 UI.
Winnett et al.9, 2008 Ensaio clínico randomizado.
1.097 pacientes de clínicas de hemodiálise (Londres) com cateteres de longa permanência. (2006)
Citrato 46,7%. Heparina não fracionada 5.000 UI.
Crescimento da mesma bactéria em hemocultura de sangue periférico e de sangue do cateter.
Temperatura > 37,5ºC e resultado de cultura positiva sem outra fonte óbvia de infecção.
Power et al.10, 2009 Ensaio clínico randomi-zado.
232 pacientes DRC em clínica de hemodiálise em uso de cateter de curta permanência. (2009)
Fonte: Elaboração própria.
Citrato 46,7%. Heparina não fracionada 5.000 UI.
Temperatura timpânica ≥ 38ºC associada à swab do local de saída e hemocultura positivas.
No grupo citrato houve aumento da ICS associada ao cateter.
Houve redução de ICS associada ao cateter no grupo citrato por S. aureus (tanto sensível quanto resistente à meticilina) e S. epidermidis
Sem diferença significativa em relação à ocorrência de ICS associada ao cateter no grupo citrato ou heparina.
Em 2020, aproximadamente 45 mil novos pacientes ingressaram na terapia de substituição renal, segundo o Censo Brasileiro de Diálise12. Embora as diretrizes mais recentes recomendem as fístulas arteriovenosas como primeira escolha 1, os cateteres venosos ainda são muito utilizados como acesso para realização de hemodiálise, sobretudo nos países em desenvolvimento 2,10
As complicações relacionadas ao cateter de diálise podem ser divididas em imediatas, associadas ao procedimento de inserção, ou tardias, que ocorrem com o uso do acesso vascular. Entre elas, a principal é a ICS relacionada ao cateter11,13
Estudos foram realizados a fim de comparar a eficácia de diferentes soluções seladoras de cateter na redução das ICS, com resultados conflitantes14. A heparina continua
sendo a solução mais utilizada na prática clínica, apesar dos seus efeitos colaterais, como trombocitopenia induzida por heparina, anticoagulação sistêmica e eventos hemorrágicos15,16.
O citrato é uma opção frente ao uso da heparina, devido ao seu suposto poder antimicrobiano. Além disso, ao quelar o cálcio, ele funciona como um anticoagulante local, inativando fatores dependentes desse cátion na cascata de coagulação16,17. Assim, a formação de fibrina é prejudicada, reduzindo as complicações trombóticas, o que afeta diretamente a formação do biofilme bacteriano15,16.
Weijmer et al. 7 concluíram que o citrato foi superior à heparina em relação à prevenção de ICS associada ao cateter, sem aumentar as complicações trombóticas. Winnett et al. 9 constataram efeito semelhante por meio da análise de subgrupos: houve benefício no uso do citrato na prevenção de infecções por S. aureus (MRSA ou não MRSA), além de S. epidermidis .
Embora esse benefício não seja observado na população geral, a redução de ICS causada por tais microrganismos é um dado relevante, uma vez que alguns estudos evidenciam prevalência de até 37% de S. aureus e S. epidermidis nas hemoculturas dos doentes renais dialíticos 18
De acordo com a maioria dos estudos já publicados 14, Power et al. 10 não constataram melhor desempenho do citrato em relação à heparina na redução de infecções. No entanto, observou-se maior necessidade do uso de trombolítico local para garantir a patência do cateter.
Ao utilizar análise multivariada, Barcellos et al.11 mostraram que o bloqueio dos cateteres com citrato foi inferior à heparina quanto à prevenção de ICS, além de apresentar piores resultados em relação à disfunção dos cateteres. Nesse estudo, houve predomínio de ICS por S. Aureus, o germe mais comum nesse tipo de infecção18. Contudo, não houve análise de subgrupos, não sendo possível comparar com os resultados encontrados em Winnett et al.9 Além disso, também foram relatados extravasamentos devido às microfissuras nos cateteres, repercutindo em efeitos adversos.
O citrato parece ser seguro em relação à heparina, que é classicamente associada às complicações hemorrágicas e trombocitopênicas15. Porém, concentrações elevadas se associam a distúrbios metabólicos, como alcalose, hipofosfatemia e hipocalemia, que podem culminar em arritmias e morte5,19. Nos Estados Unidos da América, a utilização do citrato é pouco comum, sobretudo em concentrações acima de 30%, após alerta feito pelo U.S. Food and Drug Administration (FDA) quanto à ocorrência de eventos fatais devido à cardiotoxicidade12,20.
Até o momento, não existem evidências que justifiquem o uso do citrato para redução de infecções. Contudo, sua utilização – incluindo solução, equipamentos necessários para infusão e treinamento da equipe – como solução seladora pode representar redução de até 85% nos gastos anuais associados ao manejo do cateter em comparação à heparina5,21.
No entanto, outros fatores devem ser considerados. Embora não seja o objetivo deste estudo, nota-se que não há consenso sobre a relação do citrato e da heparina com a prevenção de complicações trombóticas. Elas envolvem custos, seja com o uso de trombolíticos, troca de cateteres, equipe especializada e internamento para realização do procedimento. Portanto, são necessárias análises adicionais para determinar o custoefetividade do citrato.
Por meio da análise de ensaios clínicos randomizados, disponíveis em bases de dados validadas internacionalmente, concluímos que não há diferença significativa quanto à utilização da heparina para selagem de cateteres, solução mais usual, em relação ao citrato trissódico na ocorrência de ICS relacionada ao cateter, em pacientes com doença renal crônica/ aguda dialíticos.
São necessários estudos mais contundentes, com maiores populações e soluções padronizadas, para que se possa estabelecer um padrão de comparação confiável no uso de heparina versus citrato no bloqueio dos cateteres, a fim de confirmar a superioridade de uma solução sobre a outra.
Além disso, são importantes análises adicionais quanto à diferença na ocorrência de outros eventos adversos, como trombose e perda do cateter, complicações hemorrágicas e eventos potencialmente fatais, como arritmias.
Diversas revisões já foram publicadas comparando essas duas soluções seladoras, porém com o citrato associado a antibióticos, que pode representar um fator de confusão. Contudo, nesta revisão, foram utilizadas apenas publicações que comparam a utilização do citrato isoladamente. Em decorrência disso, encontrou-se um número limitado de trabalhos para sua elaboração e com resultados divergentes.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Lucas Villasboas de Oliveira, Sarah Oliveira Santos Ferreira e Bianca Andrade Mello.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Lucas Villasboas de Oliveira, Sarah Oliveira Santos Ferreira, Bianca Andrade Mello e Nadia de Andrade Khouri.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Lucas Villasboas de Oliveira e Nadia de Andrade Khouri.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Lucas Villasboas de Oliveira.
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Recebido: 27.10.2022. Aprovado: 12.12.2022.
Daline Conceição dos Santos de Almeidaa
https://orcid.org/0000-0002-0406-7902
Marcel Henrique Silva Moraesb
https://orcid.org/0000-0003-3607-1858
Maria Carolina Guimarães Bragac
https://orcid.org/0000-0003-1554-891X
Janine Magalhães Garcia de Oliveirad
https://orcid.org/0000-0003-0003-0503
Resumo
A doença renal crônica (DRC) é um problema global de saúde pública. Em países desenvolvidos, a prevalência fica entre 10 e 13% da população adulta. Já em países em desenvolvimento, os dados de prevalência são bastante limitados. Trata-se de uma comorbidade com implicações importantes em qualidade de vida, relacionada ao desenvolvimento de distúrbios do humor, principalmente transtorno depressivo. O objetivo deste trabalho é compreender como se dá a experiência de adoecimento de pessoas com doença renal crônica e o desenvolvimento dos sintomas depressivos, a fim de entender como essa doença interfere na qualidade de vida do indivíduo, além estabelecer a prevalência de distúrbios do humor, como depressão e ansiedade, nessa população. Este estudo é uma revisão sistemática da literatura acerca da frequência dos transtornos de humor em indivíduos com DRC, baseada nos critérios do PRISMA-P. Foram incluídos estudos observacionais transversais e longitudinais, bem como pesquisas de séries de casos publicados nos
a Médica Residente em Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: dalinesalmeida@gmail.com
b Médico Residente em Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: marcelhsmoraes10@yahoo.com.br
c Médica Residente em Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: mcarolina_gbraga@hotmail.com
d Médica Hematologista e Intensivista. Doutora em Medicina e Saúde Humana. Mestre em Medicina e Saúde Humana pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). Preceptora do Programa de Residência Médica em Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail:oliveirajanine2022@gmail.com
Endereço para correspondência: Hospital Geral Roberto Santos. Rua Direta do Saboeiro, s/n, Cabula. Salvador, Bahia, Brasil. CEP:41180-900. E-mail: mcarolina_gbraga@hotmail.com
v.46,supl.1,p.144-159
últimos dez anos. Inicialmente, foram selecionados 28 artigos por títulos. Após leitura de resumos e aplicação dos critérios de inclusão, foram selecionados nove artigos, que foram lidos na íntegra. Após essa etapa, foram excluídos dois, restando, portanto, sete estudos. Os principais desfechos foram depressão, ansiedade e redução na qualidade de vida em indivíduos acometidos por doença renal crônica terminal. A frequência de transtornos mentais, sobretudo depressão e ansiedade, é maior em doentes renais crônicos em comparação à população geral. Logo, torna-se necessária a criação de políticas públicas voltadas para melhoria da qualidade de vida, além do suporte em saúde mental adequado, a fim de minimizar a vulnerabilidade identificada nessa população. Palavras-chave: Doença renal crônica. Depressão. Ansiedade. Qualidade de vida. Transtornos de humor.
DISEASE AND IMPACT ON QUALITY OF LIFE: A SYSTEMATIC LITERATURE REVIEW
Chronic kidney disease (CKD) is a global public health issue, reaching a prevalence of 10-13% among the adult population in developed countries. Conversely, data on CKD prevalence in developing countries is scarce. Given the impacts of this comorbidity in quality of life and association with the development of mood disorders, especially major depressive disorder, this study sought to investigate how individuals with CKD experience illness and the development of depressive symptoms, to understand how this disease interferes in quality of life, as well as to establish the prevalence of psychological disorders, such as depression, in this population. This systematic literature review on the prevalence of mood disorders in individuals with CKD followed the PRISMA-P criteria. Cross-sectional, longitudinal observational studies and case series studies published in the last 10 years were included. A total of 28 articles were selected by titles, of which nine remained after reading the abstracts and applying the inclusion criteria. These were read in full, and two more were excluded, resulting in seven studies included for review. Main outcomes were depression, anxiety, and reduced quality of life in individuals with end-stage CKD. Prevalence of mental disorders, especially depression and anxiety, is higher in CKD patients compared to the general population. Thus, public policies aimed at improving quality of life and adequate mental health support are needed to minimize vulnerability in this population.
Keywords: Chronic kidney disease. Depression. Anxiety. Quality of life. Mood disorders.
RENAL CRÓNICA E IMPACTO EN LA CALIDAD DE VIDA: REVISIÓN SISTEMÁTICA DE LA LITERATURA
Resumen
La enfermedad renal crónica (ERC) es un problema de salud pública mundial. En los países desarrollados la prevalencia está entre el 10 y el 13% de la población adulta. Sin embargo, en los países en desarrollo, los datos de prevalencia son bastante limitados. Esta es una comorbilidad con importantes implicaciones en la calidad de vida y está relacionada con el desarrollo de trastornos del estado de ánimo, especialmente el trastorno depresivo. El objetivo de este estudio es conocer cómo las personas con enfermedad renal crónica experimentan la enfermedad y el desarrollo de síntomas depresivos, para comprender la interferencia de esta enfermedad en la calidad de vida del individuo, además de establecer la prevalencia de trastornos del estado de ánimo, tales como depresión y ansiedad en la población en cuestión. Este estudio es una revisión sistemática de la literatura sobre la frecuencia de trastorno del estado de ánimo en personas con ERC, con base en los criterios del PRISMA-P. Se incluyeron a estudios observacionales, transversales y longitudinales, así como investigaciones de series de casos que habían sido publicadas en los últimos diez años. Inicialmente se seleccionaron 28 artículos por títulos. Realizada la lectura de los resúmenes y aplicados los criterios de inclusión, se seleccionaron nueve artículos, los cuales fueron leídos en su totalidad. Después, se excluyeron nueve, quedando siete estudios. Los resultados principales fueron depresión, ansiedad y reducción de la calidad de vida en pacientes con enfermedad renal en etapa terminal. La frecuencia de trastornos mentales, especialmente depresión y ansiedad, es mayor en la enfermedad renal crónica en comparación con la población general. Por lo tanto, se hace necesaria la creación de políticas públicas para mejorar la calidad de vida y el adecuado apoyo a la salud mental, con el fin de minimizar la vulnerabilidad en esta población.
Palabras clave: Enfermedad renal crónica. Depresión. Ansiedad. Calidad de vida. Trastornos del estado de ánimo.
Pelo prisma biomédico, a doença renal crônica (DRC) é um problema global de saúde pública1. Sua definição baseia-se em alterações na taxa de filtração glomerular (< 60ml/ min/1.73m²), ou seja, perda de função renal e/ou presença de lesão em parênquima renal (geralmente detectada pela presença de albuminúria > 30mg/dia), por um período maior ou
igual a três meses2. Apesar da melhor definição de critérios diagnósticos para doença renal crônica, o quantitativo de pacientes que chegam ao nefrologista em fase já avançada da doença continua elevado2
A incidência e a prevalência dessa comorbidade ainda são desconhecidas em diversos países2,3. Em países desenvolvidos, a prevalência de doença renal crônica fica entre 10 e 13% da população adulta. Já em países em desenvolvimento, como o Brasil, os dados de prevalência são bastante limitados1. Inquéritos populacionais evidenciaram que cerca de três a seis milhões de brasileiros seriam doentes renais crônicos e mais de cem mil estão em terapia renal substitutiva. No entanto, faltam dados e estudos para evidenciar melhor a real prevalência dessa comorbidade em nosso meio1
Com base em um inquérito epidemiológico realizado no Brasil, pode-se observar que a prevalência de doença renal crônica foi maior em pessoas com idade avançada, comorbidades crônicas, tais como diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica e hipercolesterolemia, fumantes ou ex-fumantes e em pessoas que avaliaram seu estado de saúde regular ou ruim4. Logo, atuar na prevenção e no controle desses fatores de risco é prevenir a progressão para doença renal terminal e desfechos negativos relacionados à doença renal crônica. Além disso, saber o perfil epidemiológico da doença proporciona subsídios para políticas públicas, bem como formas de evitar o avanço para falência renal terminal.
No que se refere à fisiopatologia da doença renal crônica, os danos causados ao rim levam à fibrose do parênquima renal e à consequente perda de função. A sequência de eventos que levam ao desarranjo da arquitetura renal e à decorrente fibrose do órgão inclui uma série de mecanismos que envolvem células inflamatórias, infiltrando o órgão, ativação, proliferação de apoptose de células intrínsecas, bem como ativação, proliferação e deposição de colágeno pelos fibroblastos, desorganizando a arquitetura do órgão e ocasionando disfunção5
Diante disso, existem cinco estágios evolutivos da DRC, sendo a progressão para estágio V, terminal da DRC, um desfecho frequente6. A taxa de filtração glomerular (em mL/ min/1,73m²) é dividida nas seguintes categorias: G1 (> 89), G2 (60-89), G3a (45-59), G3b (30-44), G4 (15-29) e G5 (< 15). Há a recomendação de uso da fórmula CKD-EPI para estimativa da TFG7. Quanto à albuminúria (mg/g de creatinina), ela é dividida da seguinte forma: A1 (< 30mg/g – normal ou ligeiramente aumentada), A2 (30-300 mg/g – moderadamente aumentada) e A3 (> 300mg/g – acentuadamente aumentada)7. Portanto, a partir dessas categorizações, a classificação final da doença renal crônica é composta por uma combinação dos estágios G +A.
Com relação aos aspectos clínicos da doença, os sintomas podem demorar para serem notados, justamente por causa da grande capacidade homeostática do organismo e da capacidade de os seres vivos sobreviverem com apenas 10% da função renal8. As fases iniciais da DRC costumam ser assintomáticas, os sinais e sintomas se manifestam comumente nos estágios IV e V da doença. Os mais comuns são: fadiga, emagrecimento, náuseas, vômitos, perda de apetite, prurido, contrações musculares e cãibras. Com a progressão de disfunção renal, podem surgir sobrecarga volêmica evoluindo para edema agudo pulmonar, anasarca, dor torácica por pericardite urêmica, encefalopatia urêmica, acidose e hipercalemia graves, além de hipertensão de difícil controle8
Vale destacar que em fases avançadas da doença renal crônica diversos órgãos e tecidos são afetados e o indivíduo desenvolve alterações metabólicas, ósseas, anasarca, hipertensão de difícil controle, alterações mentais e do ciclo sono-vigília, bem como alterações cardíacas, sendo a doença cardiovascular a principal causa de morte de pessoas com doença renal crônica8
Nesse contexto, tendo em vista que o paciente com doença renal crônica apresenta diversas alterações sistêmicas, subentende-se que o tratamento deve envolver uma equipe multidisciplinar cujo foco seja o controle de comorbidades crônicas, tais como diabetes e hipertensão, correção de distúrbios hidroeletrolíticos e metabólicos, medidas dietéticas, psicoterapia, atenção ao autocuidado e adoção da terapia renal substitutiva8,9.
É sabido que o caminho existente entre a realização do diagnóstico e o início do tratamento perpassa por obstáculos em que o portador de DRC tem sua rotina alterada de forma que pode modificar vários costumes da vida pessoal. Seguindo essa ótica, a experiência do adoecimento envolve processos biológicos em que se atribui relevância à competência técnica e aos processos subjetivos no que se diz respeito à sensibilidade dos cuidadores e das pessoas que estão recebendo os cuidados10. Dessa forma, observa-se um contexto de complexidade e singularidade que constitui uma situação delicada para as pessoas envolvidas, uma vez que o adoecimento tem interpretações variadas, podendo ser aceito ou não. Isso porque os sentimentos que permeiam essa experiência estão associados a um conjunto de valores implícitos que são produtos da construção de significados que cada doente atribui às suas práticas de vida.
Nesse contexto, tendo em vista que uma doença crônica desencadeia uma série de fatores que interferem diretamente no psicológico do doente, as percepções da doença devem ser trabalhadas constantemente, pois predizem uma variedade de desfechos psicossociais e clínicos, incluindo depressão, abandono e até sobrevivência. Consequentemente, as crenças
pessoais sobre a doença são fatores prognósticos potencialmente modificáveis que interferem na aceitação da nova condição frente à doença e contribuem para que a adesão ao tratamento seja eficaz11
É válido afirmar que existem algumas hipóteses para o desenvolvimento da depressão em pessoas com DRC relacionadas aos aspectos emocionais, familiares, econômicos, sociais, laborais, físicos e cognitivos, além de disfunção sexual12. Nessa fase, os pacientes se deparam com diversas mudanças quanto a estilo de vida, dependência imposta pelo tratamento, medo quanto ao prognóstico, restrições hídricas e dietéticas, perdas pessoais, financeiras e mudanças corporais – fatores que predispõem alterações psicológicas irreversíveis e exigem um processo longo de reabilitação, observação, controle e cuidados13
Adicionalmente, a constante exposição a fatores adversos inerentes à doença renal – como o tempo gasto nas sessões de hemodiálise, as constantes consultas médicas, os exames laboratoriais, as dietas, a expectativa de transplante –, associada à frequente permanência em ambientes hospitalares, tem contribuído para o surgimento de doenças psicológicas, entre elas a depressão14
Apesar de os estudos sobre o tema indicarem que pessoas em terapia renal apresentam maior probabilidade de desenvolver sintomas depressivos quando comparadas aos indivíduos com outras doenças crônicas ou à população geral, não existe uma precisão quanto à taxa de prevalência da depressão nessas pessoas, uma vez que a doença muitas vezes encontra-se subdiagnosticada.
O que se sabe é que os sintomas depressivos tendem a prejudicar a adesão ao tratamento de substituição renal, podendo ocasionar problemas nutricionais, alterações imunológicas e aumento da mortalidade15. Pacientes com DRC apresentam de 1,5 a três vezes mais hospitalizações em decorrência de quadros psiquiátricos em comparação a pessoas com outras doenças crônicas, sendo depressão, demência e abuso de substâncias as causas mais frequentes10
Diante do exposto, o objetivo deste estudo é compreender como se dá a experiência de adoecimento de pessoas com DRC e o desenvolvimento dos sintomas depressivos, a fim de entender como essa doença interfere na qualidade de vida do indivíduo, além estabelecer a prevalência de distúrbios psicológicos, como depressão, nessa população.
A relevância do estudo baseia-se no fato de contribuir para a prática profissional no cuidado à saúde das pessoas com DRC dialítica, tendo em vista que estamos inseridos em um serviço com ampla necessidade de suporte aos portadores de DRC. Por meio da pesquisa, espera-se encontrar alternativas para garantir novos conhecimentos acerca da doença e seu
tratamento, com o propósito de construir novas práticas de assistência e organização dos serviços em saúde.
Este trabalho é uma revisão sistemática da literatura acerca da prevalência dos transtornos de humor em indivíduos com doença renal crônica, baseada nos critérios do Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analysis Protocols (PRISMA-P).
Os critérios de inclusão dos estudos foram: estudos de série de casos ou estudos observacionais transversais ou longitudinais determinando a frequência de transtornos de humor (ansiedade e depressão) em indivíduos com doença renal crônica, artigos em inglês, português ou espanhol e artigos publicados nos últimos dez anos. Os critérios de exclusão dos estudos foram: artigos de revisão, estudos publicados há mais de dez anos e artigos cujo conteúdo não foi possível acessar na íntegra.
As bases de dados utilizadas para a busca de artigos a serem incluídos neste estudo foram: PubMed e Scielo. A escolha dos descritores, ou seus equivalentes, para definir os termos de busca teve como base o vocabulário técnico-científico com termos MeSH (Medical Subjective Heading). A associação entre os descritores escolhidos foi feita através dos operadores booleanos de lógica “OR” e “AND”, conforme mostrado no Quadro 1
Quadro 1 – Descritores MeSH. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Descritores MeSH
Referentes aos transtornos de humor AND Referentes à doença renal crônica
Anxiety
Chronic Kidney Failure OR OR
Depression
Fonte: Elaboração própria.
Chronic Kidney Insufficiency
A busca dos artigos foi feita por dois revisores. A princípio, os artigos foram triados pelo título e posteriormente foi feita a leitura dos resumos dos selecionados. Após a leitura dos resumos, os artigos selecionados foram lidos na íntegra. Posteriormente, havendo discordância entre os dois avaliadores sobre a inclusão ou não de determinado estudo na revisão, foi requisitado o julgamento de um terceiro avaliador. O processo de seleção está esquematizado no Fluxograma 1.
Fluxograma 1 – Seleção dos artigos. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Busca e coleta de artigos em base de dados
1ª etapa: leitura de títulos
Concordância entre os pesquisadores para não leitura do resumo
Concordância entre os pesquisadores para leitura do resumo
Discordância entre os pesquisadores para leitura do resumo
Não inclusão
2ª etapa: artigos selecionados para leitura do resumo
Concordância entre os pesquisadores para não leitura do artigo completo
Concordância entre os pesquisadores para leitura do artigo completo
Discordância entre os pesquisadores para inclusão do artigo na revisão
Não inclusão
3ª etapa: artigos selecionados para leitura completa
Concordância entre os pesquisadores para não inclusão do artigo na revisão
Concordância entre os pesquisadores para inclusão do artigo na revisão
Discordância entre os pesquisadores para inclusão do artigo na revisão
Julgamento do terceiro avaliador para desempenho Inclusão Não inclusão
Fonte: Elaboração própria.
Não inclusão
Foram realizadas buscas nas seguintes bases de dados: PubMed e SciELO. O número de artigos encontrados foi relativamente próximo entre as bases de dados, conforme ilustrado no Quadro 2
Quadro 2 – Resultados da busca. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Base de dados Descritores utilizados Nº de artigos encontrados
SciELO ((Anxiety) OR (Depression)) AND ((Chronic Kidney Failure) OR (Chronic Kidney Insufficiency)) [(Article type: Clinical trial and randomized clinical trial. Publication date: past 10 years.
Fonte: Elaboração própria.
Por meio da triagem a partir da leitura dos títulos, foram selecionados para leitura dos resumos 23 artigos do PubMed e cinco artigos da Scielo. Após a leitura dos resumos, aqueles artigos que preencheram os critérios de inclusão, previamente descritos na metodologia, foram selecionados para a leitura na íntegra, sendo cinco do PubMed e quatro da Scielo. Durante a seleção, após a leitura na íntegra, dois artigos foram excluídos por não trazerem informações relevantes para esta revisão sistemática, sendo um do PubMed e um da Scielo. Os dois revisores concordaram na inclusão dos sete artigos após a leitura completa, não havendo necessidade de solicitar avaliação pelo terceiro revisor. Dentre os sete estudos incluídos neste trabalho, dois foram realizados na Ásia (China e Taiwan), dois na Europa (Portugal e Reino Unido), dois no Brasil e um nos Estados Unidos. O ano de publicação dos trabalhos variou de 2012 a 2020, considerando que a busca foi feita por artigos publicados entre 2012 e 2022. A amostra variou de cinquenta a 709 sujeitos, gerando um total de 1.678 indivíduos nos sete estudos. As amostras foram obtidas principalmente em centros de saúde especializados ou em bancos de dados dos sistemas nacionais de saúde. Os desenhos de estudos dos artigos incluídos foram: corte transversal (cinco artigos), coorte prospectiva (um artigo) e caso-controle (um artigo). Os principais desfechos encontrados foram: depressão, ansiedade e redução na qualidade de vida em indivíduos acometidos por doença renal crônica terminal.
Revista Baiana de Saúde Pública
Referência País Amostra Desenho do estudo
Su et al., 201216
Taiwan
320 Estudo de corte transversal
Peng et al., 201317 China
Desfecho principal Outras conclusões Risco de viés
A prevalência de sintomas depressivos maiores foi de 40,3% (129) pacientes.
57 Estudo de corte transversal
A incidência de depressão foi de 38,6% (22 de 57) e de ansiedade foi de 54,4% (31 de 57). Vinte pacientes (35,1%) não tinham depressão nem ansiedade, enquanto 16 (28,1%) sofriam dos dois.
A taxa de prevalência pontual de sintomas depressivos maiores foi alta entre os pacientes em diálise crônica, e os pacientes em hemodiafiltração apresentaram taxa de prevalência muito mais baixa.
A qualidade de vida do grupo de pacientes com depressão, com ansiedade ou depressão e ansiedade foi menor em relação àqueles sem esses distúrbios psiquiátricos. Além disso, pacientes com sintomas psíquicos frequentemente têm mais sintomas de dor intensa.
Alto
Intermediário
v.46,supl.1,p.144-159
out./dez. 2022
Chilcot et al., 201818
Reino Unido
709 Caso-controle
Tanto o BDI-II quanto o PHQ-9 seriam adequados para triagem regular de depressão entre pacientes em diálise ou como medidas de resultados em ensaios clínicos.
Belayev et al., 201519
Estados Unidos 259 Coorte prospectiva Foi demonstrado que os sintomas depressivos e, em menor grau, a dor estão independentemente associados a prejuízos na qualidade de vida e qualidade de vida global em pacientes que recebem hemodiálise crônica no centro.
Foi encontrada relação negativa entre idade e sintomas de depressão em pacientes em diálise. Além disso, foi observada associação entre débito urinário e sintomas de depressão. Ter um histórico de depressão foi associado ao aumento dos sintomas de depressão. Por fim, a perda de um transplante teve associação significativa com o aumento dos sintomas depressivos.
Intermediário
Baixo
Quadro 3 – Descrição geral dos resultados. Salvador, Bahia, Brasil – 2022 (conclusão)
Referência País Amostra Desenho do estudo Desfecho principal Outras conclusões Risco de viés
Ottaviani et al., 201620
Brasil 100 Estudo de corte transversal
A prevalência de ansiedade e depressão nos pacientes renais crônicos submetidos à hemodiálise foi de 33,0% de ansiedade e 16,0%, respectivamente.
Verificou-se a existência de correlação negativa de moderada magnitude, especificamente entre a HADS-A e as dimensões qualidade da interação social, dor, bem-estar emocional e energia/fadiga. Foi identificada correlação negativa fraca entre HADS-A e os domínios sintomas/problemas, efeitos da doença, carga da doença renal, função física e emocional; e para a HADS-D com a dimensão energia/fadiga
Intermediário
Sousa et al., 202021
Portugal 183 Estudo transversal, descritivo e correlacional
A prevalência de estresse e ansiedade foi de 24%, e depressão de 37,2%, entre os indivíduos do estudo.
Estresse e ansiedade tiveram relação significativamente positiva com depressão, severidade da dor, interferência da dor e relação negativa com os componentes físicos e mentais da qualidade de vida. Depressão foi significativamente e positivamente associada com severidade e interferência da dor, porém negativamente associada com os componentes físicos e mentais da qualidade de vida. O componente físico da qualidade de vida foi positivamente associado com o componente mental da qualidade de vida e negativamente associado com a severidade da dor e interferência da dor.
Intermediário
Costa et al., 201422
Brasil 50 Estudo de corte transversal
Fonte: Elaboração própria.
DISCUSSÃO
Os resultados registraram que 20% dos participantes apresentaram sintomas de depressão.
De modo geral, os pacientes representaram a DRC associada ao desconhecimento das causas da doença renal, gerando dificuldades no decorrer do tratamento.
Intermediário
A doença renal crônica configura-se como uma patologia associada a má qualidade de vida e a transtornos de humor (depressão e ansiedade) e isso é justificado pelas inúmeras restrições físicas, emocionais e sociais que podem ser causadas pela doença. Dentre os principais achados desta revisão sistemática, encontrou-se uma prevalência significativa de
sintomas depressivos e de ansiedade em pacientes renais crônicos, achados semelhantes a outros estudos em que sintomas depressivos e de ansiedade estiveram presentes, em algum grau, em até 66,7% da população estudada. A DRC apresenta ao longo do seu desenvolvimento riscos e complicações que interferem no estilo de vida do doente, como o transtorno de humor –condição frequentemente observada e diagnosticada nesses pacientes, capaz de prejudicar a adesão ao tratamento, a qualidade de vida e, consequentemente, afetar de forma negativa o curso da doença23. Portanto, transtornos de humor nessa população podem se relacionar aos piores desfechos clínicos, comorbidades, complicações da doença, maior número de internações, mortalidade e, consequentemente, redução da qualidade de vida24.
Ainda nesse contexto, ficou evidente que a qualidade de vida foi menor no grupo de pacientes em hemodiálise com depressão e/ou ansiedade. Esse dado pode ser relacionado a vários fatores, como a dor, que foi um sintoma frequente e intenso em pacientes com doença renal crônica com distúrbios psíquicos. Além disso, complicações como infecções repetitivas, anemia, fraqueza após sessão dialítica e baixa adesão medicamentosa, associadas aos sintomas depressivos, interferem diretamente na qualidade de vida dessa população.
Paralelo a esses dados, incluem-se os aspectos subjetivos atrelados ao processo de adoecimento. O conhecimento acerca da doença influencia como o paciente se comporta e se adéqua ao novo estilo de vida. Outros fatores como o significado da doença, os riscos e os estereótipos acerca da diálise, socioculturalmente compartilhados, assim como o autocuidado, são influenciados pela falta de informação e de entendimento. Nesse sentido, pode-se afirmar que a falta de conhecimento e informações sobre a doença, além do desinteresse sobre seu tratamento e possíveis complicações, impactam diretamente no desenvolvimento de sintomas depressivos24,25. Ainda de acordo com os resultados apresentados, o aumento da sobrevida desses pacientes, provocado em grande parte pela terapia de substituição renal, não significa, necessariamente, melhora em sua qualidade de vida, uma vez que fatores como infecções de repetição, fraqueza após hemodiálise, edema, dor no período dialítico são fatores com impacto negativo em qualidade de vida. Alguns estudos indicam que a expectativa atrelada ao transplante renal traz um impacto positivo na qualidade de vida dos pacientes. Em contrapartida, a perda do enxerto, assim como a impossibilidade do transplante, também influencia no desenvolvimento de sintomas depressivos a longo prazo. A eficácia da terapia antidepressiva, bem como a cognitivo-comportamental, não é bem estabelecida na literatura, porém, mesmo não tendo impacto significativo em comparação com o transplante, acredita-se que o alívio nos sintomas depressivos provocado por ambos justifica o tratamento.
Por fim, ficou explícito que conforme a qualidade de vida dos pacientes renais crônicos diminui, os sintomas ansiosos e/ou depressivos aumentam. Ademais, fatores atrelados à própria terapêutica podem facilitar a manifestação dos transtornos de humor, tais como isolamento social, deterioração do desempenho funcional tanto físico quanto mental, necessidade de adaptação e perda do controle sobre a vida devido à dependência da terapia renal substitutiva para manter-se vivo26.
Logo, torna-se importante, no atendimento ao paciente renal crônico, observar não apenas os aspectos biomédicos, mas também avaliar os fatores que interferem na qualidade de vida, aumentando, assim, as chances de reabilitação e diminuindo os sintomas dos transtornos de humor. Portanto, ao reconhecer a necessidade de uma abordagem dos aspectos subjetivos referentes ao processo saúde-doença, vinculando-a ao referencial próprio que cada sujeito constrói ao experienciar o adoecimento, torna-se fundamental a articulação do conhecimento biomédico às questões atreladas ao processo saúde-doença, a fim de garantir a adesão às medidas terapêuticas propostas27
É inegável que a doença renal crônica é um relevante problema de saúde pública a nível mundial, uma vez que acomete grande parcela da população e implica importantes limitações na vida dos indivíduos. Diante disso, existe um forte interesse de profissionais de saúde em estudar a doença a fim de amenizar seus impactos na saúde e melhorar a qualidade de vida dos indivíduos acometidos pela DRC. Entretanto, é notável que ainda existem grandes lacunas a serem preenchidas, principalmente no que se refere ao conhecimento e à compreensão dos problemas psíquicos causados pela doença, do impacto do tratamento dialítico e das práticas de cuidado realizadas a partir da influência sociocultural por parte do adoecidos. Dado que a frequência de transtornos mentais, sobretudo transtornos de humor, como ansiedade e depressão, é maior em doentes renais crônicos em comparação com a população geral, torna-se necessária a criação de políticas de saúde voltadas para esses indivíduos, a fim de prover suporte em saúde mental mais adequado e minimizar a vulnerabilidade psíquica dessa população. Adicionalmente, é fundamental a realização de mais estudos voltados a essa temática para que se obtenha um conhecimento mais sólido e consistente sobre como melhor ofertar assistência a esses sujeitos.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Daline Conceição dos Santos de Almeida, Marcel Henrique Silva Moraes, Maria Carolina Guimarães Braga.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Daline Conceição dos Santos de Almeida, Marcel Henrique Silva Moraes, Maria Carolina Guimarães Braga, Janine Magalhães Garcia de Oliveira.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Daline Conceição
dos Santos de Almeida, Marcel Henrique Silva Moraes, Maria Carolina Guimarães Braga, Janine Magalhães Garcia de Oliveira.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Daline Conceição dos Santos de Almeida, Marcel Henrique Silva Moraes, Maria Carolina Guimarães Braga.
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Recebido: 27.10.2022. Aprovado: 6.12.2022.
Caroline Daneu Lima Badaróa
https://orcid.org/0000-0002-7853-9693
Júlia Aslan Ribeiro Chavesb
https://orcid.org/0000-0002-2962-6125
Paloma Gama Alves da Silvac
https://orcid.org/0000-0002-9272-2857
Janine Magalhães Garcia de Oliveirad
https://orcid.org/0000-0003-0003-0503
Resumo
A síndrome de lise tumoral (SLT) é uma emergência onco-hematológica, associada à alta mortalidade e morbidade, que pode ocorrer espontaneamente ou em resposta à quimioterapia ou bioterapia anticâncer. A rasburicase é uma droga urato oxidase recombinante, a qual reduz o ácido úrico sanguíneo liberado, prevenindo e tratando a lesão renal aguda, que representa a principal complicação da SLT. O objetivo deste artigo foi avaliar a eficácia da rasburicase na prevenção e no tratamento da SLT, contribuindo para melhor compreensão do manejo dessa frequente síndrome em pacientes oncológicos. Foi realizada uma revisão de literatura sistematizada por meio de busca no banco de dados do PubMed e uptodate, de novembro de 2021 a janeiro de 2022, utilizando-se os descritores: prevention
[title/abstract] AND prophylaxis [title/abstract] AND tumor lysis syndrome [title/abstract]. Dos 212 artigos encontrados, após exclusão por título, abstract e leitura completa, apenas nove foram selecionados. Os estudos mostraram, em sua maioria, uma redução do ácido úrico plasmático com o uso da rasburicase em pacientes com alto risco para SLT. A rasburicase foi eficaz para prevenção e tratamento da hiperuricemia em pacientes com risco de SLT. Apesar dos estudos analisados serem positivos para eficácia
a Médica Residente de Clínica Médica no Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: carollbadaro@gmail.com
b Médica Residente de Clínica Médica no Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: juaslan@hotmail.com
c Médica Residente de Clínica Médica no Hospital Geral Roberto Santo. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: palomagads@gmail.com
d Médica Hematologista e Intensivista. Doutora em Medicina e Saúde Humana. Mestre em Medicina e Saúde Humana. Preceptora do Programa de Residência Médica em Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail:oliveirajanine2022@gmail.com
Endereço para correspondência: Hospital Geral Roberto Santos, Rua Direta do Saboeiro, s/n, Cabula. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41180-900. E-mail: juaslan@hotmail.com
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da rasburicase na prevenção e no tratamento da síndrome, nenhum deles trouxe como desfecho principal a redução de mortalidade. Torna-se relevante, portanto, a realização de mais estudos multicêntricos, prospectivos e com emprego de instrumentos validados sobre o tema desta revisão sistemática.
Palavras-chave: Prevenção. Profilaxia. Síndrome de lise tumoral.
LYSIS SYNDROME: A SYSTEMATIC LITERATURE REVIEW
Abstract
Tumor lysis syndrome (TLS) is an onco-hematological emergency associated with high mortality and morbidity, of spontaneous onset or in response to chemotherapy or anticancer biotherapy. Rasburicase is a recombinant urate oxidase drug that reduces blood uric acid released, preventing and treating acute kidney injury, considered the main TLS complication. This systematic literature review sought to evaluate the rasburicase effectiveness in preventing and treating tumor lysis syndrome, to better understand how to manage this frequent syndrome in cancer patients. Bibliographic search was conducted on the PubMed database from November 2021 to January 2022, using the following descriptors: prevention [title/abstract] AND prophylaxis [title/abstract] AND tumor lysis syndrome [title/abstract]. After exclusion by title, abstract and full reading, only nine papers were selected from the 212 found. Most studies showed reduced plasma uric acid by rasburicase use in high-risk patients for TLS. Rasburicase effectively prevented and treated hyperuricemia in patients at risk for tumor lysis syndrome. Despite these positive outcomes, none of the studies showed reduced mortality as the main outcome. Thus, further multicenter prospective studies using validated instruments are needed on the subject.
Keywords: Prevention. Prophylaxis. Tumor lysis syndrome.
DE LISIS TUMORAL: UNA REVISIÓN SISTEMÁTICA DE LA LITERATURA
Resumen
El síndrome de lisis tumoral (SLT) es una urgencia oncohematológica, asociada a una alta mortalidad y morbilidad, que puede presentarse de forma espontánea
o en respuesta a quimioterapia o bioterapia anticancerígena. La rasburicasa es un fármaco de urato oxidasa recombinante, que reduce el ácido úrico sanguíneo liberado mediante la prevención y el tratamiento de la lesión renal aguda, que representa la principal complicación del SLT. El objetivo de este artículo fue evaluar la efectividad de la rasburicasa en la prevención y tratamiento del SLT, lo que contribuye a una mejor comprensión del manejo de este síndrome frecuente en pacientes oncológicos. Se hizo una revisión sistemática de la literatura mediante búsqueda en la base de datos PubMed y actualizada de noviembre de 2021 a enero de 2022, utilizando los descriptores de PubMed: prevention [ title / abstract ] AND prophylaxis [ title / abstract ] AND tumor lysis syndrome [ title / abstract ]. De los 212 artículos encontrados, después de la exclusión por título, resumen y lectura completa, solo 9 fueron seleccionados. La mayoría de los estudios mostraron una reducción del ácido úrico plasmático con el uso de rasburicasa en pacientes con alto riesgo de SLT. La rasburicasa fue eficaz para la prevención y el tratamiento de la hiperuricemia en pacientes con riesgo de síndrome de lisis tumoral. A pesar de que los estudios analizados fueron positivos para la eficacia de la rasburicasa en la prevención y tratamiento del síndrome, ninguno de ellos trajo como desenlace principal la reducción de la mortalidad. Por lo tanto, es relevante realizar más estudios prospectivos multicéntricos utilizando instrumentos validados sobre el tema de esta revisión sistemática.
Palabras clave: Prevención. Profilaxis. Síndrome de lisis tumoral.
A síndrome de lise tumoral (SLT) é um distúrbio metabólico com risco de morte, que pode ocorrer espontaneamente ou em resposta à quimioterapia ou bioterapia anticâncer1,2. É particularmente prevalente entre pacientes que têm neoplasias hematológicas com alta taxa proliferativa, grande carga celular e alta sensibilidade à quimioterapia ou terapia com anticorpos citolíticos. Essa condição é uma emergência onco-hematológica e caracteriza-se pelo rompimento das células com liberação de seu conteúdo para o extravascular, elevando os níveis de potássio, fósforo e ácido úrico1,3. Como consequência desse processo, a lesão renal aguda resulta do acúmulo de cristais de fosfato de cálcio e ácido úrico nos túbulos renais e é a principal complicação da SLT, associada à alta mortalidade e morbidade3
As abordagens preventivas para SLT são hidratação intravenosa vigorosa, monitoramento próximo dos eletrólitos e da função renal e controle do ácido úrico usando alopurinol, como inibidor da xantina oxidase, e rasburicase, como urato oxidase recombinante4.
O alopurinol requer 24 a 72 horas para prevenir eficazmente a formação de novo ácido úrico e não reduz ativamente as concentrações plasmáticas do valor sérico preexistente. Em contraste, a rasburicase pode prevenir e reverter rapidamente a hiperuricemia5
A rasburicase é uma droga urato oxidase recombinante que reduz o ácido úrico sanguíneo por meio da degradação enzimática e formação de alantoína, composto orgânico fortemente solúvel em água e rapidamente excretado pelos rins6. Logo, essa terapêutica é apropriada para pacientes com hiperuricemia preexistente à terapia anticâncer, pacientes com SLT espontânea ou pacientes com alto risco de SLT7
Há um número crescente de estudos retrospectivos que investigam a eficácia da rasburicase em dose única para o tratamento de SLT em pacientes com tumores sólidos ou neoplasias hematológicas heterogêneas limitadas submetidos à terapia direcionada8. No entanto, relativamente poucos estudos examinaram a rasburicase em dose única para fins profiláticos, em casos de linfoma caracterizados por alta carga tumoral, altos níveis de lactato desidrogenase (LDH) e alta renovação celular. A partir do que foi apresentado e da importância clínica, o objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia da rasburicase na prevenção e tratamento da síndrome de lise tumoral, contribuindo para a melhor compreensão do manejo dessa frequente síndrome em pacientes oncológicos.
A primeira etapa de levantamento bibliográfico foi realizada nos portais PubMed e UpToDate. Não foi definido limite de período de tempo da publicação dos artigos e idioma; a busca abrangeu todos os estudos disponíveis. A pesquisa foi realizada entre novembro de 2021 e janeiro de 2022. Utilizaram-se os seguintes descritores no PubMed: prevention [title/abstract] AND prophylaxis [title/abstract] AND tumor lysis syndrome [title/abstract].
Os estudos foram selecionados de acordo com o preenchimento dos seguintes critérios de inclusão: se tratar de artigo original e ter resumo disponível; ser ensaio clínico ou estudo prospectivo; e, por fim, abordar o tema eficácia da rasburicase na prevenção e tratamento da síndrome de lise tumoral. Os critérios de exclusão estabelecidos foram: tratar-se de estudos retrospectivos, revisão sistemática e relato de caso.
A segunda etapa compreendeu a triagem e análise dos estudos e foi realizada por dois avaliadores, de forma independente, utilizando as mesmas palavras-chave. Em caso de discordância, realizou-se reunião de consenso e, quando necessário, solicitou-se a participação de um terceiro avaliador. A escolha foi realizada com base no título e posteriormente foi feita a leitura dos resumos dos selecionados. Após a leitura dos resumos, os artigos selecionados foram
lidos na íntegra e inseridos em um quadro, com as seguintes variáveis: número de participantes; média de idade da população; desenho do estudo; tipo de intervenção; desfecho principal; e conclusão (Quadro 1).
A qualidade dos estudos foi avaliada de acordo com a ferramenta da colaboração Cochrane, que determina os riscos de viés de ensaios clínicos randomizados. No tocante aos aspectos éticos, não houve conflito de interesses para a realização deste estudo. Por se tratar de estudo bibliográfico com uso exclusivo de bases de dados públicos e, portanto, não envolver seres humanos nos termos da Resolução n. 196/9625, esta pesquisa não foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa.
As etapas de busca da literatura e seleção de artigos estão apresentadas, resumidamente, na Figura 1
Revista Baiana de Saúde Pública
Estudo Número de pacientes Média de idade da população Desenho de estudo Tipo de intervenção Desfecho principal Conclusão Viés
Coiffier et al.4 100 57 anos
Ensaio clínico randomizado aberto multicêntrico.
A rasburicase foi administrada na dose de 0,20 mg/kg/d por três a sete dias, começando antes da quimioterapia de indução ou no mesmo dia, de acordo com o risco de SLT. Os níveis plasmáticos de ácido úrico foram medidos quatro horas após a injeção de rasburicase e repetidos pelo menos uma vez por dia durante o tratamento.
A eficácia da rasburicase em termos de tratamento da hiperuricemia e controle do ácido úrico durante a fase de indução da quimioterapia.
Todos os pacientes responderam à rasburicase, conforme definido pela normalização dos níveis de ácido úrico mantidos durante a quimioterapia. O controle do ácido úrico foi obtido em até quatro horas após a primeira injeção da droga.
Alto risco de viés.
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Digumarti et al.5 100
27,1 ± 19,1 anos
Ensaio clínico randomizado aberto multicêntrico.
Amostras de sangue para avaliar os níveis de ácido úrico foram coletadas no início e após a primeira dose de rasburicase em 4h, 12h, 24h, 36h, 48h, 60h, 72h, 84h, 96h, 120h e 240h imediatamente antes da administração da próxima dose de rasburicase.
Porcentagem de redução do ácido úrico plasmático quatro horas após a terapia com rasburicase.
Redução de 75,3 ± 28,5% do ácido úrico plasmático em quatro horas em comparação com o valor basal.
viés.
Goldman et al.8 52
7,1 (rasburicase) × 7,8 (alopurinol)
Ensaio clínico randomizado aberto multicêntrico.
Os pacientes foram programados para receber ácido úrico agente redutor (rasburicase ou alopurinol) por cinco a sete dias.
O controle do ácido úrico durante as primeiras 96h de terapia com quimioterapia de indução concomitante apropriada para a doença específica.
Queda no ácido úrico em pacientes hiperuricêmicos. Todos os pacientes hiperuricêmicos no início do estudo tratados com rasburicase alcançaram uma concentração de ácido úrico inferior a 8 mg/dL em menos de quatro horas. Em contraste, nenhum paciente hiperuricêmico no início do alopurinol atingiu um nível de ácido úrico inferior a 8 mg/dL por quatro horas.
Alto risco de viés.
Jeon et al.9 67 62 anos Coorte retrospectiva.
Avaliou-se retrospectivamente os pacientes com linfoma maligno de alto risco para SLT tratados com uma dose única profilática de rasburicase (0,1-0,2 mg/kg), de março de 2012 a março de 2016.
Avaliar a redução do ácido úrico sérico e da creatinina sérica.
A rasburicase em dose única preveniu efetivamente a progressão da SLT e, independentemente de quaisquer fatores de risco, incluindo aumento da creatinina, a rasburicase em dose única para profilaxia de SLT foi útil em pacientes com linfoma de alto risco para SLT.
Alto risco de viés.
Estudo Número de pacientes Média de idade da população Desenho de estudo Tipo de intervenção Desfecho principal Conclusão Viés
Reeves et al.10 40
66 ± 19 (Rasburicase 7,5 mg) × 57 ± 19 (0,15 mg/kg)
Estudo prospectivo aberto.
Os pacientes do grupo prospectivo receberam uma dose única de 7,5 mg de rasburicase e foram acompanhados por um mínimo de 96h. Os indivíduos controle receberam uma dose única de 0,15 mg/kg de rasburicase.
Determinar a eficácia de uma dose única de 7,5 mg de rasburicase em comparação com doses únicas de 0,15 mg/kg para a prevenção ou tratamento da hiperuricemia associada à síndrome de lise tumoral.
Uma única dose intravenosa de 7,5 mg de rasburicase pareceu ter efeitos semelhantes aos de uma dose intravenosa única de 0,15 mg/kg para o tratamento ou prevenção de hiperuricemia associada à síndrome de lise tumoral. Essa baixa dose fixa também tem potencial para reduzir custos.
Alto risco de viés.
Vadhan-Raj et al.11 80
62 anos (dose única) × 58 anos (dose única diária)
Ensaio clínico randomizado.
A rasburicase foi administrada em uma dose de 0,15 mg/ kg iv ao longo de trinta minutos, pelo menos quatro horas (não mais do que 24h) antes do início da terapia anticâncer. Os pacientes no braço A receberam uma dose única no dia um. Os pacientes no braço B receberam rasburicase na mesma dose diariamente durante cinco dias.
A taxa de resposta plasmática de ácido úrico, definida como normalização dos níveis plasmáticos desse em 48h após o início do medicamento do estudo, e a manutenção da faixa normal após a infusão final do medicamento no dia cinco.
Os níveis plasmáticos de ácido úrico diminuíram rapidamente dentro de quatro horas para níveis indetectáveis na grande maioria dos pacientes (84%) e ficaram normalizados em todos, exceto em um paciente (n = 79, 99%), dentro de 24h após a primeira dose. Os níveis de ácido úrico permaneceram baixos durante o período de estudo em 98% dos pacientes (39 de 40) que receberam dosagem diária de rasburicase (braço B). No braço de dose única (braço A), o ácido úrico também permaneceu dentro da faixa normal em 85% dos pacientes (34 de 40), incluindo todos em risco potencial e a maioria dos pacientes no grupo de alto risco.
Alto risco de viés.
Wang et al.12 45
3 a 98 anos, com mediana de sete anos nas crianças e 59,3 anos nos adultos.
Ensaio clínico multicêntrico, não randomizado e aberto.
Rasburicase 0,2 mg/ kg foi administrada por via intravenosa uma vez por dia durante dois a seis dias, por uma mediana de três dias em crianças e de quatro dias em adultos.
Avaliar a eficácia e segurança da rasburicase para a prevenção e tratamento da síndrome de lise tumoral em pacientes em Taiwan.
Após três dias de tratamento, os níveis médios de ácido úrico diminuíram em crianças e adultos. Concluiu-se que a rasburicase é segura e altamente eficaz para prevenir as complicações da síndrome de lise tumoral em pacientes com neoplasias hematológicas.
Alto risco de viés.
Cortes, et al.13 280
59 anos (rasburicase) 54 (rasburicase e alopurinol) 54 (alopurinol)
Estudo multicêntrico, aberto, randomizado, de grupo paralelo, de fase III comparativo com três braços de tratamento.
Os pacientes estratificados por risco de SLT (alto ou potencial) foram designados aleatoriamente a três braços de tratamento em uma proporção de 1:1:1, usando um desenho de bloco de permutação aleatória: rasburicase de agente único (0,20 mg/kg/d infusão IV durante trinta minutos) por cinco dias. Tratamento sequencial com rasburicase (infusão IV de 0,20 mg/kg/d durante trinta minutos) dos dias um a três, seguido por alopurinol oral (300 mg/d por via oral) dos dias três a cinco (sobreposição no dia três) e alopurinol oral de agente único (300 mg/d por via oral) por cinco dias.
Administrou-se rasburicase por via intravenosa, a 0,15 ou 0,20 mg/kg, por cinco a sete dias consecutivos a 131 crianças, adolescentes e adultos jovens com leucemia ou linfoma recém-diagnosticado, que apresentavam concentrações anormalmente altas de ácido úrico no plasma ou tinham células tumorais grandes fardos.
A taxa de resposta de ácido úrico plasmático definida como a porcentagem de pacientes que alcançaram ou mantiveram ácido úrico plasmático (7,5 mg/dL durante os dias três a sete).
A taxa de resposta do ácido úrico foi de 87% com rasburicase, 78% com rasburicase mais alopurinol e 66% com alopurinol. Foi significativamente maior para rasburicase do que para alopurinol (P.001) na população geral do estudo, em pacientes com alto risco de SLT (89% v 68%; P.012) e naqueles com hiperuricemia basal (90% v 53%; P.015).
Avaliar a eficácia, segurança e farmacocinética da rasburicase.
Em qualquer dosagem, a enzima recombinante produziu uma diminuição rápida e acentuada nas concentrações plasmáticas de ácido úrico em todos os pacientes.
Dos 212 artigos encontrados, após exclusão por título, abstract e leitura completa, apenas nove foram selecionados. Destes, 77,7% eram ensaios clínicos randomizados, 11,1% estudos prospectivos aberto e 11,1% coortes. As publicações variaram entre os anos de 2001 e 2017.
Conforme visto no Quadro 1, os estudos abordaram, em sua maioria, a eficácia da rasburicase na prevenção da SLT, principalmente em pacientes de alto risco.
Digumarti et al.5 e Coiffier et al.4 contaram com amostras de cem participantes, com uma média de idade da população de 27,1 ± 19,1 anos5 a 57 anos4. Ambos tiveram como desfecho primário a redução e o controle do ácido úrico em quatro horas após a terapia com rasburicase, considerando que o público do segundo estudo estava em fase de indução da quimioterapia. Em ambos, a rasburicase foi administrada na dose de 0,2 mg/kg, em quatro e três a sete dias, respectivamente, com redução de 75,3 ± 28,5% no ácido úrico plasmático5 e controle do ácido úrico em até quatro horas após a injeção da droga4
Goldman et al.8 compararam a rasburicase com o alopurinol em crianças com leucemia ou linfoma e alto risco de SLT. Foram 52 participantes, com idade média para pacientes designados a usar rasburicase versus alopurinol de 7,1 anos versus 7,8 anos, respectivamente8. O desfecho primário do estudo foi o controle do ácido úrico durante as primeiras 96 horas de quimioterapia.
Demonstrou-se, portanto, que em pacientes hiperuricêmicos tratados com rasburicase houve uma queda de ácido úrico inferior a 8 mg/dL em menos de quatro horas, enquanto os pacientes tratados com alopurinol não alcançaram tal resultado8
Jeon et al.9, Reeves et al.10 e Vadhan-Raj et al.11 avaliaram o uso de dose única da rasburicase e observaram efeitos semelhantes, mostrando que a droga foi eficaz na maior parte dos pacientes11, inferindo um potencial para reduzir os custos no tratamento10. O primeiro estudo avaliou retrospectivamente os pacientes com linfoma maligno de alto risco para SLT tratados com uma dose única profilática de rasburicase (0,1-0,2 mg/kg), de março de 2012 a março de 2016, em 67 pacientes com idade média de 62 anos. O desfecho primário foi observar se houve redução do ácido úrico sérico9. A rasburicase em dose única preveniu efetivamente a progressão da síndrome de lise tumoral, sendo efetiva não só como tratamento, mas também como profilaxia9.
O estudo prospectivo de Reeves et al.10, com quarenta participantes adultos, comparou um grupo de pacientes que receberam dose única de 7,5 mg de rasburicase e foram acompanhados por um mínimo de 96 horas com o grupo controle, que recebeu uma dose única de 0,15 mg/kg de rasburicase. Uma única dose intravenosa de 7,5 mg de rasburicase pareceu ter efeitos semelhantes aos de uma dose intravenosa única de 0,15 mg/kg para o tratamento ou prevenção de hiperuricemia associada à síndrome de lise tumoral10.
O ensaio clínico de Vadhan-Raj et al.11, composto por oitenta pacientes na faixa etária adulta, comparou a rasburicase em uma única dose de 0,15 mg/kg no dia um com pacientes que receberam rasburicase na mesma dose diariamente durante cinco dias. Os níveis de ácido úrico permaneceram baixos durante o período de estudo em 98% dos pacientes que
receberam dosagem diária de rasburicase. No grupo de dose única, o ácido úrico também permaneceu dentro da faixa normal em 85% dos pacientes11.
O ensaio clínico realizado em Taiwan por Wang et al.12 avaliou uma população composta por 45 participantes, com uma mediana de sete anos nas crianças e 59,3 anos nos adultos. Foi administrada rasburicase na dose de 0,2 mg/kg por via intravenosa uma vez por dia durante dois a seis dias, por uma mediana de três dias em crianças e de quatro dias em adultos. Foi avaliada a eficácia e segurança da rasburicase para prevenção e tratamento da síndrome de lise tumoral por meio da redução do ácido úrico plasmático12. Em crianças e adultos houve declínio acentuado nos níveis de ácido úrico, mostrando que a taxa de resposta à rasburicase foi de 100% para reduzir o ácido úrico aos níveis normais12.
Cortes et al.13 avaliaram uma amostra de 280 participantes em três braços de tratamento, comparando rasburicase como agente único na dose de 0,20 mg/kg versus rasburicase na mesma dose seguida por alopurinol oral (300 mg/dia) versus alopurinol oral como agente único durante cinco dias. A média de idade foi de 59 anos nos que usaram somente rasburicase e 54 anos nos outros dois grupos. O desfecho primário foi a taxa de resposta de ácido úrico plasmático, definida como a porcentagem de pacientes que alcançaram ou mantiveram ácido úrico plasmático menor do que 7,5 mg/dL durante os dias três a sete13. O estudo mostrou que a taxa de resposta do ácido úrico foi de 87% em pacientes que fizeram uso somente de rasburicase, 78% com rasburicase associada a alopurinol e 66% apenas com alopurinol13. Foi significativamente maior para rasburicase do que para alopurinol (P.001) na população geral do estudo, em pacientes com alto risco de SLT (89% v 68%; P.012) e naqueles com hiperuricemia basal (90% v 53%; P.015)13. Concluiu-se, portanto, que a rasburicase sozinha foi mais eficaz na redução do ácido úrico plasmático.
Por fim, o ensaio clínico de Pui et al.14 administrou rasburicase por via intravenosa, a 0,15 ou 0,20 mg/kg, por cinco a sete dias consecutivos, a 131 crianças, adolescentes e adultos jovens, com leucemia ou linfoma recém-diagnosticado e que apresentavam concentrações anormalmente altas de ácido úrico. O desfecho primário foi avaliar a eficácia e segurança da medicação por meio da redução dos níveis de ácido úrico plasmático. O estudo levou em consideração também a farmacocinética e os anticorpos contra a rasburicase e a taxa de excreção urinária da alantoína14. A taxa de excreção urinária de alantoína aumentou durante o tratamento com rasburicase, com pico no dia três. Dos participantes, 17 desenvolveram anticorpos para a enzima14. Concluiu-se que, em qualquer dosagem, a rasburicase produziu uma diminuição rápida e acentuada nas concentrações plasmáticas de ácido úrico em todos os pacientes.
A SLT e suas complicações metabólicas são responsáveis por alta morbidade e mortalidade. A prevenção e o tratamento da SLT estão se tornando mais importantes com o aumento do uso de agentes quimioterápicos potencialmente nefrotóxicos, como ifosfamida ou metotrexato, que podem aumentar o risco de tal condição15. Além da hidratação, diurese e alcalinização, o alopurinol foi o medicamento padrão usado para prevenir a SLT. No entanto, durante a última década, a rasburicase foi desenvolvida e mostrou reduzir imediatamente o pool de ácido úrico existente, evitando o acúmulo de xantina e hipoxantina.
Apesar da relevância do assunto, poucos estudos na literatura retratam a síndrome de lise tumoral e um número ainda menor aborda a prevenção e o tratamento dela. Porém, o que se pode observar atualmente é uma quantidade crescente de estudos retrospectivos que investigam a atuação da rasburicase nessa condição.
Os estudos selecionados avaliaram em sua maioria os efeitos da rasburicase para prevenção e tratamento da hiperuricemia em adultos com risco de SLT. Digumarti et al.5 e Coiffier et al.4 fizeram um ensaio clínico semelhante, com o mesmo número de participantes na faixa etária adulta. Ambos analisaram os efeitos da rasburicase na redução do ácido úrico em pacientes recebendo tratamento quimioterápico. O desfecho foi satisfatório, com uma redução de até 75% do ácido úrico em até quatro horas, assim como no estudo Vadhan-Raj et al.11, em que os níveis plasmáticos de ácido úrico diminuíram rapidamente em intervalo de tempo semelhante. Uma revisão sistemática com metanálise realizada por Lopez-Olivo et al.16 avaliou também o uso da rasburicase para profilaxia ou tratamento de SLT em adultos e 17 estudos observacionais, concluindo que a rasburicase foi eficaz na redução dos níveis séricos de ácido úrico em adultos com ou em risco de SLT. Contudo, faltam evidências atualmente para saber se os resultados clínicos foram melhorados em comparação com outras alternativas terapêuticas. Comparou-se também a rasburicase versus alopurinol em relação ao aumento de creatinina, necessidade de hemodiálise e tempo de redução do ácido úrico. Tatay et al.17 analisaram efeitos da rasburicase versus alopurinol nos níveis plasmáticos de ácido úrico, creatinina e fósforo em pacientes pediátricos com SLT. Os níveis basais de ácido úrico foram semelhantes em ambos os grupos. Quatro horas após a primeira dose, os pacientes tratados com rasburicase obtiveram maior redução (p < 0,0001) dos níveis plasmáticos iniciais de ácido úrico em relação ao alopurinol, como nas outras determinações seriadas. Portanto, há controle mais rápido e menores níveis plasmáticos de ácido úrico em pacientes com alto risco para síndrome de lise tumoral que receberam rasburicase em comparação ao alopurinol, além de menores níveis de creatinina e menor percentual de hemodiálise. O fato de os pacientes dos estudos não necessitarem de diálise para insuficiência
renal, incluindo os com insuficiência renal pré-tratamento, é consistente com os resultados de outras pesquisas com pacientes tratados com urato oxidase, mesmo com grande carga tumoral. A hemodiálise raramente foi necessária em outros ensaios clínicos.
Com relação à dose utilizada, Reeves et al.10 e Vadhan-Raj et al.11 analisaram o efeito da rasburicase em dose única versus a mesma dose diariamente por cinco dias. Foi visto que, tanto no grupo de dose única quanto no outro grupo, o ácido úrico permaneceu baixo ou dentro da faixa normal, o que significa potencial para redução de custos. No entanto, é imperativo que os níveis séricos de ácido úrico sejam medidos com precisão em pacientes tratados com rasburicase, particularmente quando uma única dose baixa é usada.
Feng et al.18 analisaram a eficácia e o custo de uma dose única de rasburicase em comparação com a dosagem diária em uma metanálise de dez estudos (oito retrospectivos e dois prospectivos). A taxa de resposta foi definida como a razão entre o número de indivíduos que responderam ao tratamento sobre o total de indivíduos no grupo de estudo. Para estudos de dose única, os indivíduos foram considerados respondedores se não precisassem de outra dose de rasburicase dentro de três dias para manter o nível de ácido úrico (< 7,5 mg/dL) sem rebote significativo durante esse período. Para estudos sem dose única, os pacientes que atingiram ou mantiveram o nível plasmático de ácido úrico (< 7,5 mg/dL) durante os dias três a sete foram considerados respondedores. No geral, a taxa de resposta combinada à terapia de dose única (em doses variando de 0,05 a 0,20 mg/kg) não foi significativamente diferente daquela da administração diária (0,2 mg/kg/dia) – 88 versus 90% –, e a administração de dose única gerou economias de custo significativas, aproximadamente US$ 4.500 contra US$ 36.000 para tratamento de drogas.
Conforme visto nos estudos analisados, todos os pacientes apresentavam SLT, refletida por seus níveis basais de ácido úrico, antes de receberem rasburicase. Embora seja uma medicação cara em comparação ao alopurinol, o melhor desempenho na diminuição de uricemia e a baixa incidência de insuficiência renal e de efeitos adversos em pacientes tratados com ela sugere que pode ser uma forma econômica de reduzir as complicações da síndrome.
Ainda que os estudos analisados sejam positivos, com redução considerável da uricemia com o uso da rasburicase, de modo geral, todos apresentaram alto risco de viés, incluindo viés de seleção, alocação e cegamento de participante e profissionais, além de algumas pesquisas terem se limitado pelo pequeno tamanho amostral. Deve-se também levar em consideração que nenhuma delas analisou desfecho duro, como, por exemplo, diminuição da mortalidade dos pacientes. Além disso, não foram abordados nas pesquisas efeitos colaterais da droga, como riscos de hemólise, hemoglobinúria, metemoglobinemia, interferência nas medições de ácido úrico sérico e anafilaxia. Tais considerações refletem-se em limitações também para esta revisão sistemática.
Diante do exposto e da pouca disponibilidade de pesquisas no assunto, torna-se imprescindível a realização de novos estudos com esse tema. Devem ser priorizados ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos e multicêntricos, com objetivo de minimizar o risco de viés, assim como trabalhos que abordem desfechos duros, por serem altamente objetivos e clinicamente relevantes.
A SLT, além de ser uma condição comum em pacientes oncológicos, está atrelada à alta taxa de mortalidade e morbidade. Dessa forma, torna-se fundamental que seja estudado o melhor manejo para essa emergência. Conforme visto nesta revisão, a rasburicase teve um início rápido de efeito, com reduções substanciais nos níveis plasmáticos de ácido úrico após a sua administração. Ademais, foi evidenciada a sua eficácia em dose única para prevenção e tratamento da hiperuricemia em pacientes com risco de síndrome de lise tumoral. Apesar dos estudos analisados serem positivos para eficácia da rasburicase na prevenção e tratamento da SLT, nenhum deles trouxe como desfecho principal a redução de mortalidade. Torna-se relevante, portanto, a realização de mais estudos multicêntricos, prospectivos e com emprego de instrumentos validados sobre o tema desta revisão sistemática.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Caroline Daneu Lima Badaró, Júlia Aslan Ribeiro Chaves e Paloma Gama Alves da Silva.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Caroline Daneu Lima Badaró, Júlia Aslan Ribeiro Chaves, Paloma Gama Alves da Silva e Janine Magalhães Garcia de Oliveira.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Caroline Daneu Lima Badaró, Júlia Aslan Ribeiro Chaves, Paloma Gama Alves da Silva e Janine Magalhães Garcia de Oliveira.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Caroline Daneu Lima Badaró, Júlia Aslan Ribeiro Chaves e Paloma Gama Alves da Silva.
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Recebido: 27.10.2022. Aprovado: 29.11.2022.
GRAVIDADE DO PÉ DIABÉTICO:
FATORES SOCIOECONÔMICOS EM ESTUDO ENVOLVENDO 5.300 OPERADOS
Alanna da Silva Amorima
https://orcid.org/0000-0003-4320-9165
Camila Leite Machadob
https://orcid.org/0000-0003-0074-5515
Victoria Luísa Alencar Rocha de Souzac
https://orcid.org/0000-0002-8476-765X
Aquiles Tadashi Ywata de Carvalhod
https://orcid.org/0000-0001-8878-5954
Aleksandro de Jesus Santose
https://orcid.org/0000-0002-6991-5589
Márcio Oliveira de Queirozf
https://orcid.org/0000-0001-6243-6107
As amputações decorrentes de pé diabético são graves e geram impacto social e econômico, porém são passíveis de prevenção. O objetivo deste estudo foi testar a hipótese de que há associação entre fatores socioeconômicos e a gravidade do pé diabético. Em estudo observacional restrospectivo, foram avaliados 5.300 prontuários de pacientes portadores de pé
a Graduanda de Medicina pela Faculdade de Tecnologia e Ciências. Interna do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: alanna.amorim@hotmail.com
b Graduanda de Medicina pela Faculdade de Tecnologia e Ciências. Interna do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: camila_leitemachado@outlook.com
c Graduanda de Medicina pela Faculdade de Tecnologia e Ciências. Interna do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: victoriaalencar@outlook.com
d Doutor em Cirurgia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Médico Cirurgião Vascular do Hospital Geral Roberto Santos. Supervisor do Programa de Cirurgia Vascular do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: aquilestadashiywata@gmail.com
e Especialista em Cirurgia Vascular. Médico Cirurgião Vascular do Hospital Geral Roberto Santos. Preceptor do Programa de Cirurgia Vascular do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail:santosalefsandro74@gmail.com
f Especialista em Cirurgia Vascular. Médico Cirurgião Vascular do Hospital Geral Roberto Santos. Preceptor do Programa de Cirurgia Vascular do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: drm.oqueiroz@gmail.com
Endereço de correspondência: Hospital Geral Roberto Santos. Rua Estrada do Saboeiro, s/n, bairro. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41180-170. Email: hgrs.coreme@saude.ba.gov.br
diabético operados pelo Serviço de Cirurgia Vascular do Hospital Geral Roberto Santos (HGRS), no período de fevereiro de 2005 a dezembro de 2015. Foram coletadas as condições socioeconômicas para verificar correlação com a gravidade do pé diabético. Os dados foram tabulados no Excel e a distribuição foi analisada no GraphPad Prism 8.0, por meio do teste qui-quadrado e da técnica de regressão logística. Foram considerados valores de p < 0,05 como estatisticamente significantes. A maioria dos pacientes era de meia-idade (entre 53 e 58 anos), do sexo masculino (57,58%), com o ensino fundamental completo (50,38%) e ganhava menos de um salário mínimo (56,81%). A principal doença associada foi a hipertensão arterial sistêmica (HAS) (55,64%). Com relação à distância, foi observado que 48,15% residiam a menos de 100 km da unidade hospitalar. Observou-se prevalência de amputação menor (37,36%) e taxa de letalidade de 6,32%. Também foi possível correlacionar, quanto à amputação maior, maiores frequências nos pacientes acima de 70 anos (p = 0,045), naqueles com renda familiar abaixo de um salário mínimo (p = 0,05), nos portadores de doença arterial coronariana (Daop) (p = 0,035) e nos indivíduos que residiam a uma distância acima de 400 km do HGRS. Registrou-se maior taxa de óbito nos portadores de coronariopatia, com idade superior a 70 anos e nos submetidos à amputação maior. Diante disso, faz-se necessário treinamento de profissionais e adoção de medidas de saúde pública, visando identificar precocemente a população de maior gravidade, a fim de evitar desfechos desfavoráveis.
Palavras-chave: Complicações da diabetes. Fatores socioeconômicos. Pé diabético.
DIABECT FOOT SEVERETY:
SOCIECONOMIC FACTORS IN A STUDY WITH 5,300 PATIENTS
Abstract
Amputations due to diabetic foot are serious and generate social and economic impact, but are preventable. This research sought to verify whether socioeconomic factors are associated with diabetic foot severity. A retrospective observational study evaluated 5,300 medical records from patients with diabetic foot, operated by the Vascular Surgery Service at Roberto Santos General Hospital (HGRS), between February 2005 and December 2015. Socioeconomic data were collected to verify correlation with diabetic foot severity. After tabulation in Excel, data distribution was analyzed by GraphPad Prism 8.0 using the Chi-square test and logistic regression. P-values of < 0.05 were considered statistically significant. Most patients were middle-aged (between 53 and 58 years old) men (57.58%), with basic education (50.38%) and
earning less than one minimum wage (56.81%). Hypertension was the main associated disease (55.64%). Regarding distance, 48.15% of the patients lived less than 100 km from the hospital unit. Results showed prevalence of minor amputation (37.36%) and a fatality rate of 6.32%. Major amputation was associated with patients over 70 years of age (p = 0.045), family income below 1 MW (p = 0.05), patients with coronary artery disease (CAD) (p = 0.035), and individuals who lived 400 km away from the HGRS. Patients with CAD aged over 70 years and those who underwent major amputation showed a higher death rate. As such, training professionals and adopting public health measures aimed at early identification of at risk population are necessary to avoid unfavorable outcomes.
Keywords: Complications of diabetes. Socioeconomic factors. Diabetic foot.
FACTORES SOCIOECONÓMICOS EN UN ESTUDIO CON 5.300 OPERADOS
Las amputaciones por pie diabético son graves y generan impacto social y económico, pero son prevenibles. El objetivo de este estudio fue probar el hipótesis de que existe una asociación entre los factores socioeconómicos y la gravedad de pie diabético. En un estudio observacional retrospectivo, se evaluaron 5.300 historias clínicas de pacientes con pie diabético operados por el Servicio de Cirugía Vascular del Hospital General Roberto Santos (HGRS), en el período comprendido entre febrero 2005 a diciembre 2015. Se recogieron condiciones socioeconómicas para verificar una correlación con la gravedad del pie diabético. Los datos se tabularon en Excel y la distribución se analizó en GraphPad Prism 8.0 mediante la prueba de chi-cuadrado y la técnica de regresión logística. Los valores de p < 0,05 se consideraron estadísticamente significativos. La mayoría de los pacientes eran de mediana edad (entre 53 y 58 años), del sexo masculino (57,58%), con el nivel de estudios de la primaria (50,38%) y que ganaban menos de 1 salario mínimo (56,81%). La principal enfermedad asociada fue la hipertensión arterial sistémica –HAS– (55,64%). En cuanto a la distancia, se observó que el 48,15% vive a menos de 100 km de la unidad hospitalaria. Hubo mayor frecuencia de amputaciones menores (37,36%) y una tasa de mortalidad del 6,32%. También fue posible correlacionar la amputación mayor, mayor frecuencia en pacientes mayores de 70 años (p = 0,045), en aquellos con renta familiar inferior a 1 salario mínimo (p = 0,05), en aquellos con enfermedad arterial coronaria –Daop– (p = 0,035) y en personas que residen
a una distancia superior a 400 km del HGRS. Hubo una mayor tasa de muerte en pacientes con enfermedad de las arterias coronarias, mayores de 70 años y sometidos a una amputación importante. Ante esto, es necesario una formación de profesionales y adopción de medidas de salud pública, con el objetivo de identificar tempranamente la población más grave y así evitar resultados desfavorables.
Palabras clave: Complicaciones de la diabetes. Factores socioeconómicos. Pie diabético.
O pé diabético é definido como a evidência de infecção, ulceração e/ou destruição de tecidos moles em pacientes acometidos por neuropatia ou vasculopatia1. É uma das complicações clínicas mais frequentes do diabetes mellitus, representando alta morbidade e conferindo ao paciente diabético um risco de morte 2,5 vezes maior2,3. Autores estimam uma taxa de 19-35% de incidência de ulceração ao longo da vida e uma elevada taxa de recorrência, mesmo após sua cicatrização, de 40% em um ano e 65% em três anos4
A fisiopatologia da doença se inicia pela neuropatia motora, que é responsável pela deformidade física e formação de calo nos pés, e pela neuropatia sensorial, que permite a sobrecarga contínua. Desse modo, o trauma frequente da região ocasiona uma hemorragia subcutânea com progressão para a úlcera. Além disso, um fator que contribui para a evolução é a doença arterial periférica, que reduz o suprimento sanguíneo para o membro inferior e torna as úlceras mais difíceis de serem cicatrizadas4
Esse prejuízo na cicatrização torna o pé diabético propenso a infecções por bactérias, a exemplo das Staphylococcus aureus, Streptococcus, Pseudomonas e, mais raramente, Escherichia Coli, demandando tratamento que pode ocorrer em ambiente ambulatorial ou hospitalar, a depender de questões como gravidade da ferida, adesão, duração e tipo de antibioticoterapia. Além disso, o tratamento envolve o cuidado com a doença vascular subjacente, visto que a revascularização e o suprimento adequados têm efeitos substanciais na evolução do quadro. Quando presente, a neuroartropatia de Charcot, que se refere à deformidade nos ossos e articulações dos pés neuropáticos, também emerge por cuidados ortopédicos com sapatos ou procedimentos cirúrgicos5.
Esforços devem ser feitos no sentido de prevenir complicações, como osteomielite, sepse e amputação6. Autores estimam que o pé diabético é responsável por 50-70% das amputações não traumáticas, e a taxa de amputação é 15 vezes maior em pessoas com diabetes mellitus quando comparadas à população geral1. Essa evolução traz prejuízos à
qualidade de vida dos pacientes, afetando sua mobilidade e sustento familiar, o que gera um importante impacto social e econômico7,8. Além disso, ao considerar as perspectivas do Sistema Único de Saúde (SUS), o custo com internações, órteses e próteses impõe um ônus significativo, enfatizando a necessidade de rever as políticas de saúde, a fim de atuar na prevenção de tal patologia9.
Apesar desse quadro relevante, é visto que uma ampla gama das condições de pé diabético complicado poderia ser prevenida por meio de ações simples e tangíveis, tais como os cuidados adequados dos pés, a preferência por calçados mais apropriados, a realização do autoexame diariamente, entre outros aspectos7,10. Dessa forma, a educação do paciente com pé diabético, quanto à sua condição de saúde, assim como os cuidados necessários que devem ser adotados, é de suma importância no que se refere a um tratamento adequado2. Portanto, fatores socioeconômicos, como escolaridade, acesso à educação e ao serviço de saúde, são questões que afetam diretamente os aspectos supracitados relacionados ao tratamento do pé diabético2.
Diante desses pressupostos, este estudo visou compreender e identificar os fatores socioeconômicos mais significativos, no que tange ao agravamento do pé diabético, para que seja possível minimizar a frequência das amputações, assim como de outros desfechos mais devastadores.
DESENHO DE ESTUDO
Este é um estudo retrospectivo, observacional, analítico de corte transversal, descritivo e quantitativo.
Trata-se de uma amostra aleatória, composta por 5.300 pacientes submetidos a procedimento cirúrgico por pé diabético pelo Serviço de Cirurgia Vascular do Hospital Geral Roberto Santos (HGRS), no período de 1º fevereiro de 2005 a 31 de dezembro de 2015.
Foram incluídos no estudo todos os pacientes internados no HGRS com indicação de procedimentos cirúrgicos de membros inferiores, de etiologia diabética. Foram excluídos os prontuários com as referidas variáveis de estudo incompletas ou aqueles equivocadamente preenchidos.
As variáveis estudadas foram as seguintes: idade (anos); gênero (sexo); escolaridade (ensino fundamental completo; ensino médio completo; ou ensino superior completo); renda familiar (abaixo de um salário mínimo [SM]; entre um e três SM; três a cinco SM; cinco a sete SM; e acima de sete SM); local de moradia/distância para o Serviço de Saúde do HGRS (até 100 km, 100-200 km, 200-300 km, 300-400 km e maior que 400 km); e doenças associadas (diabetes, hipertensão arterial sistêmica [HAS], dislipidemia, doença arterial oclusiva periférica [Daop], tabagismo, acidente vascular encefálico [AVE], revascularização prévia, doença arterial coronariana [DAC] e outras comorbidades ou cirurgias).
As variáveis analisadas foram: (1) gravidade do pé diabético (classificação de Wagner)11; (2) cirurgia realizada (desbridamento, amputação de pododáctilo, amputação parcial do pé, amputação infrapatelar, amputação suprapatelar, desarticulação de quadril); e (3) taxa de letalidade.
Os dados foram tabulados no programa Excel e a distribuição foi analisada no programa GraphPad Prism 8.0 por meio do teste qui-quadrado e pela técnica de regressão logística. Foram considerados valores p < 0,05 como estatisticamente significantes.
Este trabalho está em consonância com a Resolução n. 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), e foi submetido à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Faculdade de Tecnologia e Ciências (UniFTC), em Salvador (BA). A coleta de dados foi iniciada após a respectiva aprovação.
Este estudo prescinde da assinatura dos pacientes no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), visto que foi realizado a partir de base de dados preexistente e, por se tratar de uma amostra extensa de pacientes, tornou-se inviável a obtenção desse documento. Diante desse contexto, foi solicitada a dispensa do TCLE. No entanto, os pesquisadores garantiram sigilo, privacidade e anonimato perante as informações obtidas. Tais dados foram utilizados apenas com o intuito de contribuir para um maior conhecimento acerca do pé diabético.
Trata-se de um estudo de baixo custo, que foi desenvolvido com recursos dos próprios pesquisadores, não sendo necessário, assim, financiamento de pesquisa. Ademais,
foi constituído por uma equipe capacitada em iniciação científica, tornando dispensável o uso de equipe adicional, por se tratar de um projeto de dados secundários. Consoante a isso, não houve necessidade de infraestrutura adicional, tendo em vista que este é um estudo retrospectivo, no qual foi utilizado o banco de dados já coletados.
Participaram da pesquisa 5.300 pacientes, com percentual maior de indivíduos do sexo masculino (57,58%) em comparação com o feminino (42,42%). Na Tabela 1, além do sexo, foram descritas as variáveis grau de escolaridade e renda familiar. Com relação à primeira, observamos que o grau de escolaridade no ensino fundamental é mais significativo (50,38%). Vale ressaltar que apenas 16 pacientes (0,30%) concluíram o ensino superior. Quanto à segunda variável, pontuou-se que no período entre 2005 e 2015 houve modificações anuais acerca do valor do salário mínimo no Brasil. Dessa forma, ressaltamos que houve significativa variação nesse período, com valores de R$ 300,00 a R$ 788,00. Assim, identificamos que 3.011 pacientes (56,81%) ganhavam menos de um salário mínimo, seguindo com a distribuição entre um e três salários mínimos para 1.878 pacientes (35,44%); três a cinco salários mínimos para 358 (6,76%); cinco a sete salários mínimos para 48 (0,90%); e, por fim, apenas cinco participantes (0,094%) recebiam acima de sete salários mínimos.
Tabela 1 – Descrição da população dos pacientes submetidos a procedimento cirúrgico por pé diabético pelo Serviço de Cirurgia Vascular do HGRS, no período entre 1º fevereiro de 2005 e 31 de dezembro de 2015. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
No que diz respeito à distribuição de casos em relação à idade (Tabela 1), observamos a faixa etária entre 18 e 92 anos. Dessa forma, a média e a mediana de idade dos indivíduos que foram submetidos ao HGRS por causa do pé diabético foram, respectivamente, de 55 anos e 56 anos. Ambas apresentaram desvio-padrão de dois para mais e de dois para menos. De acordo com as doenças associadas, verificou-se que a HAS compreendeu a maior frequência entre os pacientes, com 2.949 casos (55,64%), e o AVE correspondeu à doença associada em menor quantidade, com 276 enfermos (5,20%), conforme apresentado na Tabela 2.
Tabela 2 – Doenças associadas, distância da residência do paciente até a unidade hospitalar do HGRS, tipo de procedimento cirúrgico de membros inferiores e desfecho final dos pacientes. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
Fonte: Elaboração própria.
HAS = hipertensão arterial sistêmica; Daop = doença arterial oclusiva periférica; DAC = doença arterial coronariana; Dpoc = doença pulmonar obstrutiva crônica; AVE = acidente vascular encefálico.
No panorama relacionado à distância da residência ao HGRS, conforme pode ser observado na Tabela 2, há maior número de pacientes que residem perto da unidade hospitalar, a uma distância menor que 100 km.
Com relação às variáveis clínicas, analisou-se que, dentre os níveis de amputação, aquele que apresentou maior frequência foi o de amputação menor (amputação de pododáctilo, pododáctilos ou parcial do pé), com 1.980 de casos assistidos (37,36%). Já o
tipo de procedimento com menor frequência correspondeu à amputação maior (amputação infrapatelar, desarticulação do joelho, suprapatelar e desarticulação do quadril), abrangendo um total de 1.355 casos (25,57%), conforme apresentado na Tabela 2
Após os procedimentos cirúrgicos aos quais os pacientes foram submetidos, observamos que um total de 335 enfermos (6,32%) tiveram um desfecho final com o óbito, como podemos verificar nas informações da Tabela 2. Além desses dados, na Tabela 3, observamos que todos os aspectos apresentaram correlação no que se refere à amputação maior e à letalidade.
Tabela 3 – Fatores que se correlacionaram ao desfecho de amputação maior e letalidade. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
O pé diabético é uma complicação frequente entre os pacientes diabéticos, constituindo uma possibilidade de amputação significativa para esse público, além de acarretar sofrimento, incapacidade e afastamento laboral para o paciente, caso não haja intervenção precoce dessa condição12. Ademais, a amputação dos membros inferiores é um importante problema de saúde pública, apresentando incidência mundial de mais de um milhão de casos ao ano13, o que representa uma parcela expressiva dos gastos em saúde, principalmente nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.
Portanto, estudos que correlacionem o perfil epidemiológico dos pacientes com pé diabético à gravidade dessa patologia têm se mostrado de extrema relevância porque auxiliam na adoção de medidas profiláticas por meio da conscientização dos pacientes pelos profissionais que lidam diretamente com o problema, assim como das autoridades em saúde9,14
Por outro lado, quanto ao número de casos de amputação do pé diabético, ao mesmo tempo que tende a reduzir de modo significativo quando são realizados a prevenção e o tratamento precoce correto7,10, também tende paradoxalmente a aumentar, em decorrência,
principalmente, do aumento da expectativa de vida com o passar dos anos15. Além disso, muitos outros fatores contribuem para essa maior tendência à amputação do pé diabético em pacientes com diabetes mellitus, quais sejam: maior prevalência de síndromes plurimetabólicas (diabetes, dislipidemias, obesidade etc.); menor qualidade de vida (alimentação incorreta, sedentarismo, alto nível de estresse, abuso de substâncias nocivas, como álcool e tabaco); e maior risco de doenças crônicas e sistêmicas (doenças cardiovasculares, pneumopatias, neoplasias, hipertensão arterial, nefropatias etc.)14,15.
Os trabalhos de Souza et al.15 e Seidel et al.14 demonstraram que a maioria dos pacientes submetidos à amputação do membro inferior por diabetes mellitus eram pessoas idosas (60-90 anos). Isso ocorre justamente devido à elevação da expectativa de vida e das ações de controle, prevenção e assistência das complicações do pé diabético na atenção básica15,16 Entretanto, diferentemente desses trabalhos internacionais e de outras regiões do Brasil, este estudo verificou que a maioria desses pacientes eram indivíduos de meia-idade (entre 53 e 58 anos). Nesse sentido, pode-se inferir que a esse fato são atribuídas as piores condições de saúde e cuidado da população, além das dificuldades de acesso ao serviço de atenção básica de saúde e ao serviço terciário (HGRS) na região Nordeste.
Dessa forma, é possível demonstrar a diferença entre os perfis epidemiológicos dos pacientes na região Nordeste e dos pacientes das outras regiões do Brasil e do mundo. É um dado de extrema relevância, visto que tal informação pode auxiliar na adoção de medidas e ações de saúde no estado da Bahia e nos municípios que atuam nesses fatores epidemiológicos da região, melhorando as condições de saúde dessa população.
Outrossim, foi observado que o predomínio do gênero masculino (57,58%) nos casos de amputação do pé diabético, determinado neste trabalho, está de acordo com outros estudos semelhantes encontrados na literatura e que em suas casuísticas também reportaram maior prevalência de indivíduos do sexo masculino14,15,17,18. Esse fato pode estar relacionado ao menor autocuidado identificado nos homens, o que torna mais difícil a identificação precoce de úlceras e a prevenção da amputação.
Na avaliação da amostra, foi observado predomínio de pessoas com apenas o ensino fundamental concluído (50,38%), seguido dos indivíduos analfabetos (43,94%). De modo semelhante, outros trabalhos similares encontraram pacientes que tiveram entre zero e quatro anos de estudos17,18,19. O baixo grau de escolaridade está atrelado a maiores dificuldades no acesso às informações, o que pode levar a menos oportunidades de aprendizado relacionadas ao autocuidado dos pacientes com pé diabético16, impossibilitando o processo de responsabilização do paciente com o seu estado de saúde. Nesse sentido, pode-se sugerir que
quanto menor é o grau de escolaridade, maior será a propensão dos indivíduos às amputações por pé diabético. Apesar disso, com o intuito de prevenir desfechos clínicos desfavoráveis do pé diabético, os profissionais de saúde devem colaborar facilitando a compreensão das informações de autocuidado pelos pacientes, por meio do emprego de uma linguagem mais simples e acessível durante o contato com o enfermo20
Quanto à renda familiar, outros trabalhos, de forma similar a este estudo, revelaram que a imensa maioria dos indivíduos amputados tem renda inferior a um salário mínimo (56,81%)17,18. Também foi observado que 35,44% dos pacientes recebiam entre um e três salários mínimos e que apenas 7,75% dos participantes recebiam de três a mais de sete salários mínimos. A baixa escolaridade observada em adição ao baixo ganho salarial, portanto, impõe aos profissionais da atenção básica um desafio que requer o planejamento de estratégias diferenciadas e mais intensivas acerca das orientações para o autocuidado, de modo a alcançar efetivamente a população-alvo17
A HAS se mostrou importante comorbidade entre os pacientes da amostra, compreendendo uma totalidade de 56,54%. Essa patologia apresenta importante prevalência entre os pacientes diabéticos1, sendo considerada fator de risco para o desenvolvimento de pé diabético, além de estar frequentemente associada a pacientes amputados21,22. Em estudos semelhantes foi observado que, sem o adequado tratamento, a HAS pode levar ao aparecimento e à progressão das complicações crônicas do diabetes mellitus21. A Daop também apresentou significativa relevância entre os pacientes deste estudo, evidenciada em mais de 32,70% da população avaliada. Quanto a essa condição, de modo semelhante, outros trabalhos reforçaram que pacientes com diabetes têm risco aumentado de 1,5 a quatro vezes no desenvolvimento de Daop e, consequentemente, maior risco de eventos cardiovasculares e mortalidade23. Ademais, considerável percentual dos pacientes da amostra era ainda formado por tabagistas (28,77%) e dislipidêmicos (18,52%), comorbidades também evidenciadas em outros trabalhos22. O tabagismo e o risco aumentado de amputação estão bem documentados, especialmente se em conjunto com o diabetes mellitus, considerando que o pé diabético de um fumante tem chances muito maiores de amputação. Apesar disso, é visto que a interrupção do tabagismo está também muito associada à diminuição dos riscos de amputação com o passar do tempo14. Nesse sentido, é de extrema importância que sejam realizadas a detecção precoce dessas condições e a instrução adequada dos pacientes quanto às suas comorbidades, assim como os cuidados necessários que devem ser instituídos para que seja possível inviabilizar o aparecimento de desfechos críticos e desfavoráveis do pé diabético nesses pacientes.
Apenas 5,20% da amostra era portadora de AVE, comorbidade que, de forma discordante, compreende fator de risco considerável para mortalidade em pacientes com pé diabético, o que se verificou em outros estudos.
A distância da residência dos pacientes da amostra até o HGRS demonstrou certa relevância quanto ao desenvolvimento do pé diabético e suas complicações, tendo em vista que mais da metade dos pacientes (51,85%) moravam em regiões distantes (> 100 km) do hospital em que foram atendidos. A distância considerável desses pacientes do local de atendimento e do suporte médico constitui importante obstáculo no que tange ao oferecimento de uma assistência médica adequada e de qualidade para esses pacientes. Nesse cenário, se faz imprescindível o papel das autoridades de saúde na adoção de medidas que viabilizem o acesso mais facilitado aos centros de saúde, de modo a garantir melhor assistência médica aos enfermos. Com relação ao tipo de procedimento cirúrgico realizado, observou-se que o nível de amputação menor (amputação de pododáctilo, pododáctilos ou parcial do pé) compreendeu a maioria dos pacientes (37,36%), seguido por procedimentos de desbridamento (37,07%) e, por fim, pelo nível de amputação maior (amputação infrapatelar, desarticulação do joelho, suprapatelar e desarticulação do quadril), que abrangeu 25,57% dos casos. De modo consoante, outros estudos também constataram maior incidência na amputação de pododáctilos como o procedimento de mais alta frequência14,22. As características das intervenções foram também semelhantes aos estudos, pois evidenciaram um maior percentual de amputações (62,91%) do que de desbridamentos (37,07%)14. Isso significa que a grande maioria dos casos, ao chegar, já estava em fase avançada, sendo necessária uma amputação em vez de apenas um desbridamento.
Tal cenário reforça a necessidade de orientação dos pacientes com pé diabético para que seja possível corresponsabilizá-los quanto ao seu estado de saúde e capacitá-los a colocar em prática as medidas de autocuidado, para assim promover a prevenção de possíveis complicações e consequências irreparáveis, como a perda de um membro.
Evidenciou-se também, nesta pesquisa, que alguns pacientes evoluíram com uma taxa de amputação maior, todos retratando um p significativo. Trata-se daqueles com idade acima de 70 anos (p = 0,045), juntamente com os que apresentavam renda familiar abaixo de um salário mínimo (p = 0,05), os portadores de Daop (p = 0,035) e os indivíduos cuja moradia se encontrava a mais de 400 km do HGRS (p = 0,05).
Por outro lado, não foi observada amputação maior nos pacientes com ensino superior completo e naqueles em que a renda familiar era acima de sete salários mínimos. Esses dados, no entanto, não compreenderam significância estatística.
Outrossim, a taxa de letalidade encontrada no estudo foi de 6,32%, o que abrange um total de 335 pacientes da amostra. Ademais, a pesquisa identificou que os portadores de DAC – aqueles mais idosos, com mais de 70 anos de idade, e os submetidos à amputação maior – compreenderam os pacientes com maior taxa de letalidade.
Os pacientes amputados sofrem de problemas físicos, mentais e sociais irreversíveis, o que pode impedir que se tornem produtivos novamente14. Nesse sentido, é possível perceber que não apenas a realização da amputação, mas também as consequências geradas por esse procedimento geram impactos extremamente onerosos para o sistema de saúde.
Embora consista em um desfecho crítico e delicado ao paciente, a amputação deve ser vista como um recomeço. O indivíduo, com sua rede de apoio (equipe médica, familiares e amigos), deve reunir esforços necessários para tentar superá-la.
O processo de reabilitação e reinserção social deve ser iniciado de forma imediata. Nesse processo também deve ser enfatizada a instrução ao paciente e aos seus familiares quanto aos cuidados necessários para uma boa cicatrização, evitando infecções e novas amputações. Mudanças no estilo de vida, como a adoção de hábitos mais saudáveis, assim como a interrupção de práticas maléficas ao organismo, a exemplo do tabagismo, são imprescindíveis nessa fase.
A amputação das extremidades inferiores é um importante problema de saúde pública. Por isso, tanto a sociedade quanto as autoridades em saúde devem assumir a responsabilidade de lidar com essa questão, entendendo a relevância necessária pela qual ela deve ser conduzida.
O estudo evidenciou que os fatores socioeconômicos relacionados à gravidade do pé diabético nos pacientes admitidos pelo Serviço de Cirurgia Vascular do HGRS são constituídos pelos seguintes aspectos: meia-idade, sexo masculino, ensino fundamental completo, renda de menos de um salário mínimo, moradia a menos de 100 km da unidade hospitalar e amputação menor. A taxa de letalidade observada na amostra foi de 6,32% (335 óbitos), e a doença mais associada foi a HAS.
Resta dizer que este estudo viabiliza expandir o panorama da pesquisa sobre a diabetes mellitus, de modo que amplie a dimensão das investigações acadêmicas sobre essa patologia, suas complicações, as doenças associadas e os desfechos. Portanto, se faz importante destacar que as intervenções realizadas no âmbito das análises socioeconômicas nunca findam, uma vez que permanecem produzindo resultados valiosos nos mais diversos campos de estudo
e propõem, certamente, novas investidas para o campo da pesquisa em geral e, pontualmente, da cirurgia vascular.
Ao nosso maravilhoso Deus, pela dádiva da vida e por nos permitir realizar tantos sonhos nesta existência. Obrigado por nos permitir errar, aprender e crescer, por sua eterna compreensão e tolerância, por seu infinito amor, pela sua voz “invisível” que não nos permitiu desistir e principalmente por ter nos dado uma família tão especial, enfim, obrigada por tudo. Deus é bom todo o tempo, o todo tempo Deus é bom!
Sem a partilha amiga com aqueles que compreendem e valorizam o que amamos não conseguimos manter o vigor e as nossas paixões, nem ter a clareza devida para realizálas. Por isso, agradecemos aos queridos amigos. Muito obrigado pela paciência com as nossas partilhas em cada etapa do caminho. Um agradecimento especial aos amigos que Deus colocou em nosso caminho: Rosana Amorim, Edvaldo Amorim, Reinaldo Miranda, Leonardo Fraga e Nathália França.
Aos amigos de turma que conhecemos durante a vida acadêmica, com os quais dividimos as dificuldades durante todo o período, incluímos também o nosso agradecimento especial.
À Universidade Faculdade de Tecnologia e Ciências, aos seus integrantes e a todos os professores do curso de medicina, fontes inspiradoras do conhecimento, por acreditarem em uma educação de transformação e qualidade e não medirem esforços para isso. Obrigada, de coração!
Concluímos com um agradecimento especial ao nosso querido professor: Dr. Aquiles Tadashi, orientador do trabalho, sobretudo pelo compromisso com o qual sempre nos atendeu e por nortear nossos passos nesta caminhada. Obrigado por acreditar em nós e pelos tantos elogios e incentivos. Tenho certeza de que não chegaríamos neste ponto sem o seu apoio. Você foi e está sendo muito mais que orientador: para nós, será sempre nosso mestre e amigo.
Muito obrigada! E que Deus abençoe a todos!
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Aquiles Tadashi Ywata de Carvalho.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Alanna da Silva Amorim, Camila Leite Machado, Victória Luísa Alencar Rocha de Souza e Aquiles Tadashi Ywata de Carvalho.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Aquiles Tadashi Ywata de Carvalho.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Aquiles Tadashi Ywata de Carvalho.
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Recebido: 27.10.2022. Aprovado: 2.12.2022.
https://orcid.org/0000-0001-7027-7652
Lourianne Nascimento Cavalcanteb
https://orcid.org/0000-0003-1110-0931
Resumo
A inserção das mulheres na medicina tem sido progressiva, com média de 5,2% de aumento a cada década nos últimos trinta anos. As mulheres já são maioria entre as faixas etárias até 34 anos (55,3%) e até 29 anos, representando 58,5% dos graduandos, segundo o Conselho Federal de Medicina. A abordagem do tipo quantiqualitativa e exploratória, com levantamento e análise de dados secundários, buscou evidenciar uma amostra temporal sobre a inserção das mulheres na formação de especialidades médicas da Comissão de Residência Médica (Coreme) do Hospital Geral Roberto Santos (HGRS). Apesar da formação da graduação ser equânime e da entrada das médicas na residência no HGRS permanecer com média de 69,2%, os quantitativos de preceptoras, supervisoras e coordenadoras de serviço relacionados aos programas de residência médica na instituição são bem inferiores (40,5%; 17,4% e 26,1%, respectivamente), não oportunizando a progressão das médicas para os espaços de decisão e gestão. Quanto à coordenação da Coreme, não há registro de mulheres médicas na função da instituição. Trabalhar as questões de gênero em unidade hospitalar no contexto da medicina, profissão surgida da hegemonia masculina e patriarcal, enquanto cultura, não é simples, mas necessário. O estudo traz uma reflexão para o diálogo sobre a construção de políticas de desenvolvimento na gestão do trabalho, que envolva equidade e justiça social quanto ao gênero
a Sanitarista da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Mestre em Saúde Coletiva. Especialista em Gestão Regionalizada do Sistema Único de Saúde. Especialista em Gestão do Trabalho e Educação na Saúde. Especialista em Gestão de Políticas de Saúde Informadas por Evidências. Assessora Técnica na Comissão de Residência Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: sil_cardoso13@hotmail.com
b Doutora em Medicina e Saúde. Supervisora do Programa de Residência Médica em Gastroenterologia e Vice-Coordenadora da Comissão de Residência Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Professora Adjunta da Faculdade Medicina da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: lourianne@gmail.com Endereço para correspondência: Hospital Geral Roberto Santos. Rua Estrada do Saboeiro, s/n, Saboeiro. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41180-170. E-mail:hgrs.coreme@saude.ba.gov.br
no ensino da residência médica, com equiparação de direitos e valores que possam beneficiar a igualdade no desenvolvimento social nos dias atuais.
Palavras-chave: Equidade de gênero em saúde. Divisão de trabalho baseado no gênero. Residência médica.
Abstract
Women have been progressively integrating medicine programs, with an average increase of 5.2% each decade in the past 30 years. Female physicians are already the majority among the age groups of up to 34 years (55.3%) and up to 29 years, representing 58.5% of undergraduates, according to the Federal Council of Medicine. This quantitative, qualitative and exploratory research, based on survey and analysis of secondary data, sought to highlight a temporal sample on the inclusion of women in the medical specialties of the Geral Roberto Santos Hospital’s (HGRS) Medical Residency Committee (Coreme). Despite an equanimous graduation education and a fixed average entry of female physicians (69.2%) into the HGRS residency, the number of female preceptors, supervisors and service coordinators related to the residency programs are much lower (40.5%,17.4% and 26.1%, respectively), hindering their carrier progression to decision and management roles. As for the Coreme coordination, there is no record of female physicians exercising this role. Discussing gender issues in medicine — a profession that emerged from male and patriarchal hegemony — within a hospital setting as a cultural phenomenon is complex and necessary. The study reflects on the development of management policies to include gender-based equity and social justice in medical residency, fostering equal rights and values in today’s society.
Keywords: Gender equity in health. Gender-based division of labor. Medical residency.
INSERCIÓN DE MÉDICAS EN LA FORMACIÓN DE LA ESPECIALIDAD DEL COMITÉ DE RESIDENCIA MÉDICA DEL HOSPITAL GENERAL ROBERTO SANTOS
Resumen
La creciente inserción de la mujer en la medicina ha sido progresiva, con un aumento promedio del 5,2% cada década en los últimos 30 años. Las mujeres predominan
entre los grupos de edad de los 34 años (55,3%) y de los 29 años, y representa el 58,5% de los estudiantes de grado según el Consejo Federal de Medicina. El enfoque cuantitativo-cualitativo, exploratorio, con encuesta y análisis de datos secundarios, buscó destacar una muestra temporal sobre la inclusión de mujeres en la formación de especialidades médicas de la Comisión de Residencia Médica (Coreme) del Hospital General Roberto Santos (HGRS). A pesar de que la formación de graduación es ecuánime y de que el ingreso de médicas a la residencia en el HGRS se mantiene en un promedio del 69,2%, el número de preceptoras, supervisoras y coordinadoras de servicios relacionado con los programas de residencia en la institución es muy inferior (el 40,5%; el 17,4% y el 26,1%, respectivamente), lo que no permite la progresión de las médicas a los espacios de decisión y gestión. En cuanto a la coordinación del Coreme, no existe registro de mujeres médicas en el rol de la institución. No es sencillo sino necesario trabajar temas de género en una unidad del hospital en el contexto de la medicina, una profesión que surgió de la hegemonía masculina patriarcal como cultura. Este estudio permite reflexionar sobre el diálogo de la formación de políticas de desarrollo en la gestión del trabajo, que incluya la equidad y la justicia social respecto al género en la enseñanza de residencia médica, con igualdad de derechos y valores que pueden favorecer la igualdad al desarrollo social en la actualidad.
Palabras clave: Equidad de género en salud. División del trabajo basada en el género. Residencia médica.
Ao estudar a inserção da mulher como profissional na medicina, deve-se levar em consideração uma história marcada pela cultura e poder ligados às políticas de gênero, classe e raça1. A cultura que interliga trabalho externo ao ambiente doméstico tem em sua construção um sistema machista, de domínio de poder econômico, político e patriarcal, profundamente enraizado nas instituições2.
Em seu histórico, a medicina surgiu como uma profissão masculina, e por muito tempo não foi permitido às mulheres a formação e o seu exercício. Esse contexto foi marcado, desde seus primórdios, por uma cultura em que as mulheres não podiam estudar ou trabalhar fora de casa e posteriormente pela cultura machista ligada ao saber, ao fazer e a políticas de poder. Atualmente, porém, os dados contrapõem o passado e mostram que o número de mulheres na graduação da medicina é superior ao de homens.
Segundo os dados do Conselho Federal de Medicina (CFM), em 2020, as mulheres representavam 46,6% da população de médicos no Brasil, já sendo maioria entre as faixas
etárias até 34 anos (55,3%) e até 29 anos (58,5%). A inserção das mulheres na medicina tem sido crescente, tendo média de 5,2% de aumento a cada década nos últimos trinta anos3. Por um lado, existe uma ideologia conservadora pela qual as mulheres são convencidas, por meio de uma combinação perversa entre violência e sedução, que a família e o amor valem mais do que tudo. Desmontada, tal ideologia faria bem a todos, menos àqueles que realmente preferem uma sociedade injusta, porque se valem covardemente de seus privilégios2. Aqui, a mulher é posta com um papel intrínseco à criação dos filhos, cuidado do casal, cuidado doméstico e todo o contexto de família, trazendo o sofrimento da dualidade em se dedicar à família ou ao trabalho, visto que o trabalho externo para mulheres é secundário aos valores patriarcais. Por outro lado, em tempos contemporâneos, em que a luta crescente por políticas democráticas de inclusão e participação vem se acirrando, a busca pela equidade de gênero em termos de chances de carreira deve ser alcançada e medidas especiais de apoio devem ser adotadas4. Modificações na cultura médica do corpo docente e do corpo administrativo das instituições constituem a alavanca inicial para mudanças na estrutura política das faculdades de medicina4. A representação de mulheres em cargos de gestão e de construção, deliberação e execução de políticas públicas é uma necessidade na equiparação de direitos e valores que possam beneficiar a equidade no desenvolvimento social.
Uma das mudanças de maior impacto tem sido o incentivo a uma cultura médica que proporcione a equidade de gênero e, a respeito dessa questão, há indícios de que as atitudes estão mudando4
A ampliação da inserção das mulheres no contexto da formação médica também precisa ser refletida no campo da especialidade, no qual as escolhas podem tendenciar a masculinidade em determinadas áreas do conhecimento. Pensar no que direciona as escolhas das mulheres para algumas áreas e o prognóstico da sua não inserção em outras é um importante questionamento para o mercado de trabalho capitalista e complacente ao sexo masculino.
Segundo Ávila4, existem múltiplas influências no processo de escolha da especialidade médica, algumas de caráter subjetivo, como expectativas e projetos de vida, e outras de caráter objetivo, como base escolar, características do trabalho e peso do capital cultural, econômico e social da família de origem4.
O que leva uma especialidade médica a ser escolhida pelas mulheres em detrimento de outras e quais especialidades vêm sendo preenchidas em maior proporção por mulheres no
Hospital Geral Roberto Santos (HGRS) são os questionamentos que nos direcionam nesta pesquisa. Refletir o comportamento social, cultural e econômico desse profissional pelo gênero pode trazer respostas sobre o desenvolvimento justo da categoria, em prol de proporcionar maior acesso
da sociedade à saúde universal e integral, evitando os vazios assistenciais derivados da falta de profissional qualificado para o diagnóstico e tratamento entre os diferentes campos do saber médico.
Entender os fatores e as atrações que influenciam as preferências na escolha da especialidade por parte das médicas também é base para corrigir a má distribuição de profissionais e as injustiças de gênero no mundo do trabalho, mas são questões que não abordaremos neste estudo.
A cultura ligada ao processo de trabalho tem se modificado, porém, o machismo enraizado na forma de viver da sociedade, que tem influência desde a educação familiar até a da universidade, interfere até os dias atuais na inserção de mulheres em algumas especialidades, sobretudo naquelas em que há maior valorização e retorno financeiro no mercado de trabalho. Considerando que todas as lutas que envolvem os marcadores de opressão quando não estão atentas aos problemas de gênero, que reproduzem um sistema conservador, não conseguem avançar na transformação social2, este estudo tem como objetivo geral identificar a inserção de médicas nas especialidades da Comissão de Residência Médica (Coreme) do HGRS, buscando levantar a proporção de médicas residentes matriculadas nos programas de residência do HGRS por especialidade médica dos últimos cinco anos. Objetiva-se, além disso, verificar a proporção de médicas preceptoras e supervisoras cadastradas na Coreme do HGRS nos programas de residência por especialidade médica; identificar o percentual de médicas que assumiram a coordenação da Coreme do HGRS desde a implantação da comissão na instituição e levantar a proporção de médicas que assumem o papel de coordenação de serviço por especialidade de residência médica cadastrada no HGRS.
Este estudo tem uma abordagem do tipo quantiqualitativa e exploratória, com levantamento e análise de dados secundários, e busca evidências da amostra temporal sobre a inserção das mulheres na formação de especialidades médicas.
O conhecimento sobre o contexto do gênero na formação médica na instituição poderá ajudar na formatação de projetos de intervenção que venham a contribuir para universalização do acesso à assistência médica pela população e condizentes com as áreas de especialidades necessárias no tratamento da saúde integral, descobertas nos territórios.
A coleta do percentual de mulheres inseridas no processo de formação da residência médica do HGRS foi realizada por meio do Sistema Nacional de Residência Médica (SisCNRM) do Ministério da Educação e de planilhas Excel com banco de dados do cadastro de preceptores, supervisores e médicos residentes da instituição. A base de dados utilizada para o estudo é gerada, alimentada e acompanhada pela secretaria acadêmica da Coreme.
Os dados foram organizados de forma estruturada por categoria, levando em consideração a proporção de mulheres matriculadas dos últimos cinco anos (2018 a 2022), a proporção de médicas preceptoras, a proporção de médicas supervisoras e o percentual de médicas que assumiram o papel de coordenação de serviço por especialidade de residência médica cadastrada na Coreme do HGRS.
Os dados foram formatados em planilha do Excel, com fórmulas de cálculo que geraram informações de quantitativo e percentual organizadas em quadros e gráficos de cada amostragem para análise. Foi considerado o total de médicas residentes matriculadas na secretaria acadêmica e ativas em abril de cada ano, considerando o prazo de remanejamento durante processo de seleção da residência médica, legalizado pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM).
Foi realizada uma análise descritiva exploratória verificando os dados gráficos e estatísticos das informações trabalhadas e identificando as variáveis de gênero que pudessem responder aos objetivos deste estudo.
O resultado do estudo, além de publicizado na instituição e órgãos competentes, servirá para a construção de projetos e tomadas de decisão em prol de melhor formação na residência médica, de melhor assistência interna e externa à instituição e para um provimento dimensionado de especialistas, conforme a necessidade social para o mercado de trabalho no estado da Bahia.
O estudo levou em consideração o trabalho ético da pesquisa, resguardando informações que levassem à identificação do profissional. Não houve conflitos de interesse e o estudo não contou com apoio de organização de fomento e/ou patrocínio.
A residência médica funciona no HGRS desde 1980, um ano após sua inauguração. A coordenação da residência médica na instituição era executada diretamente pela CNRM, inicialmente com a gestão regionalizada do Instituto de Saúde da Bahia e a partir de 1988 pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), quando essa passou a ser a mantenedora do hospital. Nesse período, funcionava com a atuação de uma secretaria executiva vinculada à Sesab, que acompanhava as atividades acadêmicas dos médicos residentes e tinha como um dos responsáveis pela assinatura dos certificados, antes, a Superintendência de Educação e Comunicação em Saúde (Supecs), que posteriormente passou, com reformas políticas, a ser denominada Superintendência de Recursos Humanos (Superh)5,6.
Atualmente, além da legislação nacional, a residência médica no estado da Bahia acompanha o regulamento da residência médica por meio do estabelecido na Portaria n. 1.117, de 10 de outubro de 2018, que estabelece fluxos de estágio interinstitucional7
As Coreme e Comissão Estadual de Residência Médica (Cerem) foram constituídas em 1987 pela Resolução n. 1, de 5 de setembro de 19878. Entretanto, a implantação da Coreme no HGRS, fazendo-se cumprir a Resolução, tem registro de início apenas em 1999. A residência do HGRS foi sendo ampliada em relação ao número de programas e vagas anuais preenchidas. Atualmente, há 118 vagas anuais em 23 programas de residência médica cadastrados e ativos na CNRM e sete cadastrados junto à Sociedade Nacional de Especialidade, o que totaliza a possibilidade de trezentos médicos residentes em treinamento a cada ano na instituição9.
Nos últimos anos, vem se percebendo maior número de mulheres na residência médica na instituição, principalmente entre 2020 e 2022. Nos Quadros 1 e 2 e nas Figuras 1 e 2 podem ser observados o percentual de médicas matriculadas por programa no HGRS entre os anos de 2018 e 2022; o percentual de mulheres preceptoras por programa atuando na residência médica do HGRS no ano 2022; o percentual de médicas supervisoras por programa atuando na residência médica do HGRS no ano 2022; o percentual de médicas coordenadoras da Coreme que assumiram a função desde a sua implantação no HGRS; e o percentual de mulheres coordenadoras de serviço relacionado aos 23 programas de residência médica atuando no HGRS no ano 2022, organizadas nessa ordem.
A Coreme, até 2022, tinha credenciado o programa de nefrologia pediátrica com três vagas anuais, que foi perdido porque não vinha abrindo vaga na seleção e, assim, não preenche vaga há mais de três anos.
Quadro 1 – Percentual de médicas residentes por programa matriculadas na residência médica do HGRS. Salvador, Bahia, Brasil – 2018-2022
Quadro 1 – Percentual de médicas residentes por programa matriculadas na residência médica do HGRS. Salvador, Bahia, Brasil – 2018-2022 (conclusão)
A Coreme do HGRS teve um acréscimo do número de vagas preenchidas no ano de 2022, fruto da qualificação na organização e participação da Comissão nas políticas de ensino dos programas de residência médica e da implantação dos programas de nutrologia e medicina intensiva na instituição, acrescendo cinco vagas ao ano. O preenchimento das 118 vagas saiu da média de cem para 114 vagas preenchidas em 2022. A fixação de médicos residentes no ano de 2022 foi de 97,3%, tendo desistências apenas no programa de medicina intensiva, enquanto nos anos anteriores a média era de 4,6% de desistência, sendo 2018 –4,5%; 2019 – 5,4%; 2020 – 3,6%; 2021 −7%; e 2022 – 2,7%9
Segundo o SisCNRM, acessado em setembro de 2022, entre 2018 e 2022 houve 13 desistências (50%) pelo sexo feminino nos programas de residência médica em medicina intensiva pediátrica, ginecologia e obstetrícia, cirurgia do aparelho digestivo, cirurgia geral, clínica médica (n = 3), endoscopia digestiva, endoscopia e pediatria (n = 4). As demais 50% das desistências foram nos programas de clínica médica, cirurgia geral (n = 2), endoscopia, neurologia (n = 2), ginecologia e obstetrícia, radiologia e diagnóstico por imagem (n = 3) e medicina intensiva (n = 3).
No Quadro 1, é possível observar que em 2020 houve um percentual de 75,5% de matrículas de médicas nos programas de residência no HGRS, tendo maior acesso em comparação aos anos de 2018, 2019, 2021 e 2022, respectivamente, 62,6%, 68,7%, 68,3% e 71,1%. Considerando que o processo seletivo de residência na Bahia vem sendo organizado pela Cerem de forma unificada, regulando os candidatos pelo estado entre as instituições com programa cadastrado, o HGRS, sendo o maior hospital de ensino do estado, situado na capital baiana, vem tendo suas vagas preenchidas
como primeira escolha para a maioria dos programas oferecidos, mediante classificação no resultado seletivo, permitindo supor que as médicas vêm se dedicando mais aos estudos. Os programas de residência médica escolhidos em proporção média maior que 70% pelas médicas no HGRS são cirurgia pediátrica, clínica médica, endocrinologia e metabologia, endoscopia digestiva, gastroenterologia, ginecologia e obstetrícia, medicina intensiva pediátrica, neurologia e pediatria.
As especialidades médicas do HGRS que vêm tendo inserção feminina equitativa são cirurgia geral, cirurgia vascular, neurocirurgia, radiologia e diagnóstico por imagem.
As especialidades médicas do HGRS que têm média abaixo de 50%, mas que vem demonstrando crescimento progressivo na procura pelas mulheres, são coloproctologia, neurocirurgia e cirurgia do aparelho digestivo.
As especialidades masculinas no HGRS têm sido urologia, angiorradiologia e cirurgia endovascular, endoscopia e anestesiologia e, até o momento, mas sem critério de comparação com outros anos, medicina intensiva e nutrologia.
O programa de neonatologia não vem preenchendo as vagas abertas no processo seletivo, mostrando uma baixa procura no mercado de trabalho. O programa de medicina intensiva pediátrica não teve candidatos em 2021, tendo influência da mudança de dois para três anos de duração no programa de pediatria. O programa de cirurgia pediátrica não teve candidatos entre 2018 e 2020. Os demais programas preencheram as vagas disponibilizadas em processo seletivo.
Conforme banco de dados da Coreme/HGRS (registro de 2019 a 2022), entre os matriculados nos programas de residência médica que se declararam pardos ou pretos tem-se: em 2019 – 52% do total, sendo 56% do sexo feminino; em 2020 – 52%, sendo 80% do sexo feminino; em 2021 – 48%, sendo 70% do sexo feminino; em 2022 – 57%, sendo 70% do sexo feminino. Em 2022, nos registros dos últimos quatro anos, há apenas uma matrícula com declaração de etnia indígena, do sexo feminino. Não há registro de matriculados na Coreme/HGRS de médicos residentes autodeclarados transexuais. Nesse sentido, analisa-se que a inserção de mulheres pardas e negras na residência médica equivale ao percentual de mulheres que adentraram na residência médica. A inclusão da etnia indígena, independente do sexo, e de indivíduos transexuais é infinitamente deficitária na residência médica.
A política nacional de cota que favorece a inclusão de pardos e pretos nas seleções públicas, principalmente na área de educação, tem permitido que os candidatos se manifestem como pardos e aumentem o percentual de integrantes na formação superior. Considera-se que 76% dos matriculados de 2019 até 2022 são originários do estado da Bahia, que soma uma população de 80,2% de pardos e pretos10, e que, destes, 59% são naturais do município de Salvador –considerada a capital negra do país –, com 82,1% da população declarada negra (parda)10.
A maior inserção na especialização médica pelas médicas nos programas credenciados no HGRS vem acompanhando o aumento do número de graduandas em medicina, tendo especialidades já tidas como maioria feminina, enquanto outras vêm sendo gradativamente incorporadas pelas médicas, com pequenas exceções.
Qualquer esforço para corrigir a má distribuição de profissionais por especialidade deve incluir as mulheres. Deve procurar descobrir quais são os fatores que influenciam as preferências na escolha da especialidade por parte das estudantes de Medicina e deve procurar entender por que as mulheres não têm sido atraídas para determinadas especialidades.4:148
As áreas de especialização inovadoras no mercado brasileiro, com manuseio de maior complexidade tecnológica e/ou cirúrgica, ainda são de maior procura pelos médicos. Esse contexto deixa a reflexão se as especialidades médicas de atuação masculina teriam no mercado de trabalho maior remuneração em detrimento da complexidade das áreas de escolha ou da menor inserção feminina, considerando a desigualdade de gênero existente no país. Segundo Scheffer et al.11, em estudo sobre a demografia médica no Brasil, em 2018, em três categorias salariais mais baixas o percentual de mulheres médicas era de quase 80%; já nas três categorias mais bem remuneradas a prevalência masculina era de 51%, demonstrando também que a desigualdade salarial entre os gêneros persiste em relação à carga horária, atendimento em consultório e plantões. Dessa forma, o número de médicas graduadas e especialistas crescem, mas permanecem com remuneração inferior. Na pesquisa supracitada, cabe destacar que dentro da desigualdade de gênero foram observadas diferenças salariais em todas as categorias, não somente na medicina11
Segundo Pringle12, o fenótipo masculino inspira 25% a mais de confiança do que o feminino. Isso significa que, para qualquer cargo que pleiteie, uma mulher precisa mostrar ser pelo menos 25% mais capacitada do que seu concorrente masculino mais próximo para ter as mesmas chances de sucesso.
Seguindo o avanço do acesso feminino na formação médica, na Coreme percebeu-se, nos últimos dois anos, a entrada de 72% de candidatas mulheres nos programas de residência. Contudo, o acesso não vem sendo equitativo entre as especialidades, tendendo a direção do gênero masculino para umas e do feminino para outras.
Observa-se também uma tendência das mulheres para especialidades, em sua maioria, de acesso com pré-requisito em clínica médica. Os homens se direcionam para especialidades de acesso direto e áreas cirúrgicas.
Quadro 2 – Quantitativo e percentual de médicas preceptoras por programa da residência médica do HGRS. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
No Quadro 2, sobre o percentual de médicas preceptoras por programa de residência médica do HGRS no ano de 2022, há 40,5% de médicas preceptoras; percebe-se uma quantidade de quase 20% a menos de preceptoras em comparação ao sexo masculino. Os programas de residência médica do HGRS com percentual de mulheres na preceptoria acima de 70% são endocrinologia e metabologia, gastroenterologia, neonatologia e pediatria. Os programas com proporção acima de 70% de preceptores homens são angiorradiologia e cirurgia endovascular, cirurgia do aparelho digestivo, cirurgia geral, endoscopia, ginecologia e obstetrícia, neurocirurgia, neurologia, urologia, medicina intensiva e medicina de emergência, situação que pode interferir nas escolhas das mulheres no processo seletivo, considerando que o hospital de ensino também é o principal campo de estágio para o internato de medicina no estado. Contudo, o que chama atenção são os programas de ginecologia e obstetrícia e de neurologia que, apesar de serem de grande escolha das mulheres médicas no HGRS, encontram-se dominados por preceptores do sexo oposto.
Chamam atenção os programas que são constituídos 100% por preceptores de um único sexo, sendo endocrinologia e metabologia com o sexo feminino e angiorradiologia e cirurgia endovascular, cirurgia geral, neurocirurgia e medicina intensiva pelo sexo masculino. Os preceptores desses programas no HGRS têm entre 40 e 60 anos de idade. Segundo Scheffer et al.11, em 2018, os homens eram maioria após os 40 anos de idade, tendo mais de 70% quando acima dos 65 anos. Franco e Santos 12 reforçam que foi apenas a partir da década de 1970 que as mulheres começaram a ter expressão nas especialidades cirúrgicas.
A função do preceptor no HGRS não é regulamentada e nem fomentada, apesar de ser exercida em um hospital de ensino reconhecido segundo critérios da Portaria Interministerial n. 285, de 24 de março de 201513, e da Portaria Interministerial n. 2612, de 6 de outubro de 202114. Considera-se o preceptor no HGRS aquele que atua na instituição e desenvolve acompanhamento, orientação nas atividades de campo, aulas teóricas, avaliação e orientação de trabalhos científicos para com os médicos residentes.
Os preceptores têm a função de acompanhar, monitorar e orientar os médicos residentes em campo de prática, nas aulas teóricas, discussão de caso, orientação de trabalhos científicos, reuniões de conduta e organização de agenda, presencialmente e com suporte nos moldes virtuais, seja nas dúvidas específicas da especialidade, utilizando dos meios de comunicação como telefone, e-mail, aplicativos ou plataforma de educação à distância.
Os preceptores são indicados pelo supervisor do programa, considerando o perfil do profissional da especialidade e das áreas afins constantes no programa pedagógico e matriz de competência da especialidade. Os preceptores vão se consolidando no programa junto ao serviço, médicos residentes, equipe de trabalho e com a Coreme.
A Coreme do HGRS possui planilha de cadastros dos médicos preceptores e preceptores orientadores por programa com dados e contatos, que vão sendo constantemente atualizados junto ao supervisor do programa. Cadastrados, os profissionais passam a receber informações da Coreme pelo endereço eletrônico e podem participar das políticas estaduais e nacionais para preceptoria na residência em saúde. Somente preceptores cadastrados podem ser eleitos a supervisores e, como supervisores, a coordenador da Coreme.
Na Figura 1, mostra-se o percentual de médicas supervisoras por programa de residência médica atuando no HGRS em 2022. Entre os 23 programas de residência médica do HGRS, quatro têm supervisoras (17,4%): endocrinologia e metabologia, gastroenterologia, neonatologia e radiologia e diagnóstico por imagem. Dos demais, 19 programas são supervisionados por homens, sendo eles anestesiologia, cirurgia do aparelho digestivo, cirurgia geral, cirurgia pediátrica, angiorradiologia e cirurgia endovascular, cirurgia vascular, coloproctologia, clínica médica, endoscopia, endoscopia digestiva, ginecologia e obstetrícia, medicina intensiva, medicina intensiva pediátrica, medicina de emergência, neurologia, neurocirurgia, nutrologia, pediatria e urologia. A função de supervisão no HGRS é promovida por meio de eleição entre os preceptores do respectivo programa. O interstício é indeterminado, sendo válido até que o supervisor conceda ou entregue a função à Coreme para nova eleição, tenha mal comportamento que desabone ou prejudique o programa e/ou a instituição, não frequente a plenária bimensal da Coreme por duas vezes durante o ano, seja falta consecutiva ou intercalada, e/ou deixe de atuar na instituição, conforme regimento interno da Coreme15
Analisando o Quadro 2 e a Figura 1, é possível perceber três programas nos quais a função de supervisor e de preceptor é predominantemente feminina: endocrinologia e metabologia, neonatologia e gastroenterologia.
A função de supervisor não é ressarcida financeiramente. O profissional desempenha a função por afinidade pedagógica com o programa de residência e para melhorias acadêmicas no currículo. Contudo, percebe-se que a função de supervisor traz ao profissional um reconhecimento e maior consideração na instituição com a equipe gestora, com os colegas de profissão, com a equipe multiprofissional e em meio aos médicos residentes de todos os programas. O supervisor do programa passa a ser conhecido entre as demais instituições externas, como em troca de campos de prática entre as universidades, que buscam a parceria para serem preceptores de médicos internos. Os supervisores de programa acabam por ser também buscados como parceiros no desenvolvimento de pesquisas clínicas científicas por pesquisadores e/ou patrocinadores. Dessa forma, o ganho da supervisão perpassa pelo valor na relação de poder e da micropolítica interinstitucional.
Quanto ao percentual de mulheres que assumiram a coordenação da Coreme do HGRS, temos 100% de atuação na função pelos homens, o que concorda com o estudo de Scheffer et al.11, em 2018, sobre a demografia médica no Brasil, no qual apontam que os homens ocupam posições de liderança com mais regularidade do que as mulheres na área médica11. No caso da Coreme do HGRS, a ausência de regularidade pelas mulheres já passa de vinte anos de história.
O interstício do coordenador da Coreme, segundo regimento interno, é de dois anos e prorrogável por mais dois15. A função é realizada entre os supervisores de programa que, em plenária, aprovam e elegem a chapa de coordenador e vice-coordenador que se candidataram à função. O coordenador da Coreme do HGRS vem tendo o papel técnico e político para com o pleno funcionamento de todos os programas credenciados e ativos na instituição e com a busca por qualificação do ensino na instituição. A relação na micropolítica é ativa junto aos supervisores, preceptores, médicos residentes, coordenadores de serviço, equipe diretora, instituições patrocinadoras de bolsa, instituições parceiras conveniadas, instâncias da Sesab, Comissão Estadual e Nacional de Residência Médica e Ministério da Saúde por meio dos serviços ligados às políticas de governo para o ensino na residência médica e do hospital de ensino e com as instituições de apoio, patrocínio e fomento à pesquisa em saúde. A coordenação da Coreme do HGRS vem buscando estar presente e construir políticas de melhoria e inovação para o ensino na residência médica da instituição. Nesse sentido, o papel do coordenador da Coreme ganha notoriedade, e a participação das médicas mulheres pode contribuir com o fazer na gestão política e acadêmica, com a construção de novos olhares, saberes e moldes de fazer ensino na residência médica.
Figura 2 – Percentual de médicas coordenadoras de serviço relacionado aos 23 programas de residência médica do HGRS. Salvador, Bahia, Brasil – 2022
FEMININO 26,% MASCULINO 73,9%
Na Figura 2, observa-se o percentual de mulheres coordenadoras de serviço diretamente relacionado aos programas credenciados no HGRS no ano de 2022. Entre os 23 programas de residência médica ativos, apenas seis dos serviços (26,1%) são coordenados por mulheres na instituição, sendo os programas de endocrinologia e metabologia, ginecologia e obstetrícia, medicina intensiva pediátrica, neonatologia, pediatria, radiologia. No total geral, as coordenações de serviço relacionadas a sete dos programas têm acúmulo de função com a supervisão do programa de residência e, dentre estes, três correspondem ao sexo feminino, sendo 50% dos programas supervisionados por mulheres.
É observada na instituição a confusão de entendimento entre o papel do coordenador de serviço e o do supervisor de programa por parte significativa dos médicos residentes, preceptores e coordenadores de serviço, espaços em que a coordenação da Coreme vem buscando orientar e fortalecer a função do supervisor e preceptor na instituição. Contudo, é necessário trabalhar por políticas de equidade de gênero na instituição, principalmente nos espaços de construção e decisão, espaços esses onde o discurso tende, parte das vezes, a construir imagem visual e verbal das mulheres como seres pertencentes ao campo de atitudes negativas e/ou frágeis, proveniente da cultura histórica patriarcal em nossa sociedade2
Atuar por projetos de desenvolvimento democrático de direito, nos quais as médicas possam estar em condição de igualdade de gênero nas políticas e micropolíticas da instituição e fora dela, é sinônimo de vitória contra a violência, feminicídio, assédios moral e sexual e desigualdade, em direção a uma sociedade mais justa, próspera e saudável.
Este estudo, que teve o objetivo de identificar a inserção de médicas na atuação das especialidades médicas da Coreme do HGRS, trouxe na amostra da instituição evidências de
que as mulheres têm se inserido progressivamente nas especialidades médicas, ultrapassando a média de inserção na graduação e tornando-se maioria entre os residentes na medicina.
Apesar da formação da graduação ser equânime e da entrada das médicas na residência permanecer com média de 69,2%, os quantitativos de preceptores, supervisores e coordenadores de serviço relacionados aos programas de residência médica na instituição são bem inferiores, refletindo nas oportunidades de progressão para os espaços de decisão e gestão, como foi identificado na inexistência de registro de mulheres médicas na função de coordenação da Coreme na instituição.
Trabalhar as questões de gênero em unidade hospitalar no contexto da medicina, profissão surgida da hegemonia masculina e patriarcal, enquanto cultura, não é simples, mas necessário. Segundo Tiburi2, se o local de fala é abstrato e silencia o lugar de dor quando deveria haver diálogo, ele já não é um lugar político, mas um ambiente autoritário que destrói a política que visa à melhoria das condições de vida em sociedade.
Dessa forma, o estudo traz reflexão para o diálogo da construção de políticas de desenvolvimento na gestão do trabalho, principalmente em unidades hospitalares e de ensino, que envolvam a equidade e justiça social quanto ao gênero, com as particularidades do ser mulher, para que elas participem de forma ativa na construção do ensino na residência médica para sociedade nesses novos dias.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Sílvia Denise Laranjeira Cardoso.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Sílvia Denise Laranjeira Cardoso e Lourianne Nascimento Cavalcante
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Sílvia Denise Laranjeira Cardoso e Lourianne Nascimento Cavalcante.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Sílvia Denise Laranjeira Cardoso.
1. Martins APV. A mulher, o médico e as historiadoras: um ensaio historiográfico sobre a história das mulheres, da medicina e do gênero. Hist Ciênc Saúde-Manguinhos. 2020;27(1):241-64.
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Recebido: 27.10.2022. Aprovado: 5.12.2022.
Priscila Filardi de Oliveirab
Ricardo Almeida de Azevedoc
Pedro
Resumo
A parada cardíaca com evolução para o óbito é o pior desfecho no cenário do paciente cirúrgico. A PCR intraoperatória é definida como aquela que ocorre do momento da admissão do paciente na sala cirúrgica até o fim da anestesia para o procedimento. Nesse contexto, a anestesia tem o potencial de induzir mudanças fisiológicas que interfiram na morbimortalidade do paciente cirúrgico. Avaliar a epidemiologia da mortalidade no intraoperatório do Hospital Geral Roberto Santos (HGRS) no período de um ano elucida o perfil de atendimento cirúrgico. Este estudo é do tipo transversal, retrospectivo de revisão de prontuários. Foram estudados pacientes submetidos à cirurgia eletiva ou de urgência com morte no intraoperatório, no período de junho de 2020 a junho de 2021. Dos óbitos avaliados, houve a predominância de pacientes do sexo masculino, entre 0 e 86 anos, de cirurgia de urgência e predisposição para ASA IV, tendo maior probabilidade de mortalidade. A causa mortis predominante foi choque, seguida por infarto agudo do miocárdio. As intercorrências foram bradicardia e parada cardiorrespiratória. O perfil epidemiológico do estudo em questão é muito semelhante ao de outros estudos, com restrições. Portanto, devido ao baixo número de mortes nesse período, faz-se necessária maior investigação do perfil epidemiológico, que visa analisar, juntamente, a mortalidade do intraoperatório e a mortalidade pós-operatória de trinta dias.
Palavras-chave: Mortalidade. Parada cardíaca. Anestesia.
a Médica Residente em Anestesiologia do Hospital Geral Roberto Santos (HGRS). Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: anarolbrito@outlook.com
b Médica Residente em Anestesiologia do HGRS. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: prifilardi@hotmail.com
c Médico Anestesiologista do HGRS. Supervisor do Programa de Residência Médica do HGRS. Salvador, Bahia, Brasil.
E-mail: ftpedrobrito@hotmail.com
d Médico Anestesiologista do HGRS. Preceptor do Programa de Residência Médica do HGRS. Salvador, Bahia, Brasil.
E-mail:riaz@uol.com.br
Endereço para correspondência: Hospital Geral Roberto Santos. Rua Direta do Saboeiro, s/n, Cabula. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40301-110. E-mail: riaz@uol.com.br
Abstract
Cardiac arrest with evolution to death is the worst outcome in the surgical patient scenario. Intraoperative cardiac arrest is defined as that which occurs from the time of patient admission to the operating room until the end of anesthesia for the procedure. In this context, anesthesia may induce physiological changes that interfere in the surgical patient’s morbidity and mortality. Assessing the epidemiology of intraoperative mortality at the Roberto Santos General Hospital (HGRS) in a one-year period contributes to elucidate the profile of surgical care. This cross-sectional, retrospective study reviewed medical records from patients who underwent elective or emergency surgery with intraoperative death from June 2020 to June 2021. Most deaths involved male patients aged between 0 and 86 years old, who underwent emergency surgery and showed predisposition for ASA IV, with a higher probability of mortality. Predominant cause of death was shock, followed by acute myocardial infarction. Complications were bradycardia and cardiorespiratory arrest. The epidemiological profile found is similar to that of other studies, with restrictions. Due to the low number of deaths in this one-year period, further investigation of the epidemiological profile is needed to jointly analyze intraoperative mortality and 30-day postoperative mortality.
Keywords: Mortality. Cardiac Arrest. Anesthesia.
EPIDEMIOLOGÍA DE LA MORTALIDAD INTRAOPERATORIA EN UN HOSPITAL PÚBLICO DE BAHÍA EN UN PERÍODO DE UN AÑO
Resumen
El paro cardíaco con evolución a muerte es el peor desenlace en el escenario del paciente quirúrgico. El paro cardíaco intraoperatorio se define como el que ocurre desde que el paciente ingresa al quirófano hasta el final de la anestesia para el procedimiento. En ese contexto, la anestesia tiene el potencial de inducir cambios fisiológicos que interfieren en la morbimortalidad del paciente quirúrgico. La evaluación de la epidemiología de la mortalidad intraoperatoria en el Hospital General Roberto Santos (HGRS) durante un período de un año aclara el perfil de la atención quirúrgica. Se trata de un estudio transversal, retrospectivo
de revisión de historias clínicas. Se estudiaron a pacientes sometidos a cirugía electiva o de emergencia con muerte intraoperatoria en el período de junio de 2020 a junio de 2021. De las muertes evaluadas hubo predominio de pacientes del sexo masculino, con edades entre 0 y 86 años, de cirugía de emergencia y predisposición para ASA IV, con mayor probabilidad de mortalidad. La causa predominante de muerte fue el shock, seguido del infarto agudo de miocardio. Las complicaciones fueron bradicardia y paro cardiorrespiratorio. El perfil epidemiológico del estudio en cuestión fue muy similar al de otros estudios, con restricciones. Por lo tanto, debido al bajo número de muertes en este período, es necesaria una mayor investigación del perfil epidemiológico, que tiene como objetivo analizar conjuntamente la mortalidad intraoperatoria y la mortalidad posoperatoria a los 30 días.
Palabras clave: Mortalidad. Paro cardíaco. Anestesia.
O desempenho dos serviços de saúde está, cada vez mais, ganhando foco no contexto nacional, sobretudo nas exigências de segurança do enfermo. Além disso, cabe ressaltar que, para se alcançar tal objetivo, é imprescindível que haja avanço nas técnicas dos procedimentos e medicamentos, além de desenvolvimento tecnológico1,2.
No âmbito hospitalar, principalmente no contexto cirúrgico, tal avanço é ainda mais importante devido ao grande número de cirurgias realizadas anualmente. Esse fato pode ser visto em dados publicados por 56 países, no ano de 2004, estimando, aproximadamente, um número entre 187 e 281 milhões de procedimentos cirúrgicos maiores, sendo uma média de uma operação para cada 25 seres humanos vivos anualmente3. Esse grande volume de cirurgias talvez possa ser ocasionado pelo aumento da incidência de enfermidades, tais como: injúrias traumáticas, cânceres e doenças cardiovasculares4
Por não serem homogêneos e haver uma vasta gama de condições clínicas, é difícil haver uma comparação entre as taxas de complicações cirúrgicas e taxas de mortalidade. Entretanto, há dados de países desenvolvidos com a ocorrência de complicações em 3% a 16% dos procedimentos cirúrgicos nos pacientes que estão internados, e com a mortalidade geral em 0,4% a 0,8%. Ainda sobre esses dados, metade deles poderia ter sido evitada. Em países em desenvolvimento, como o Brasil, essa taxa de mortalidade pode variar de 5% a 10%3. Essas complicações podem decorrer de diversos eventos adversos, que são definidos como lesão ou dano não proposital, podendo acarretar incapacidade ou disfunção, seja temporária
ou permanente, além de prolongamento da internação ou morte como consequência não natural do evento de base1.
Nesse contexto, dentro da prática cirúrgica há uma ocorrência das seguintes situações como graves eventos adversos: infecção de sítio cirúrgico, posicionamento cirúrgico inadequado, procedimento em lado errado do corpo, administração incorreta de medicamentos e problemas no ato anestésico-cirúrgico5. Outro fator que também é possível ser citado é a parada cardíaca, embora tenha ocorrido uma redução na sua incidência no Brasil6
Tendo em vista isso, alguns autores classificaram uma série de fatores de risco cirúrgico-anestésico, por exemplo: condição do paciente, tipo de cirurgia, tipo de anestesia, paciente neonato, criança abaixo de um ano de idade, idosos, indivíduos do sexo masculino, estado físico ASA ≥ III, cirurgia de emergência e anestesia geral em cirurgias cardíacas, torácicas, vasculares, abdominais e neurológicas – esses são fatores de risco para uma evolução adversa6-8.
Nesse contexto, a anestesia tem o potencial de induzir mudanças fisiológicas que podem aumentar a morbidade e a mortalidade do paciente cirúrgico, sendo, por vezes, considerada uma atividade de alto risco.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 234 milhões de procedimentos cirúrgicos são realizados anualmente9. O óbito cirúrgico tem como definição: óbito dos pacientes durante o período anestésico-cirúrgico (perioperatório) em até sete dias no pós-operatório. Para os países desenvolvidos, há uma incidência de mortalidade cirúrgica de 0,4% a 0,8% e de 3% a 17% de complicações10. No âmbito brasileiro, essa taxa de mortalidade cirúrgica é de 1,63%, com variação de 1,07% a 2,02% entre as regiões11. Neste contexto cirúrgico-anestésico, o caráter do procedimento é de suma importância, visto que, a depender dele, o fluxograma de condutas será diferente. No caráter eletivo, a sequência de ocorrência para que haja o procedimento terá, inicialmente, uma consulta em um estabelecimento de saúde a nível ambulatorial, com a emissão de laudo pelo profissional de saúde. Já para o caráter de urgência/emergência, o fluxo terá como início o atendimento – que pode ser no mesmo estabelecimento ou em outro –, sendo encaminhado pela Central de Regulação. Dessa forma, é possível definir esses caracteres como: cirurgia eletiva – aquela que pode ser postergada por até um ano sem causar grandes problemas ao enfermo; cirurgia de urgência – aquela em que há risco de morte ou perda de membro caso o enfermo não seja operado em um intervalo de tempo (6 a 24 horas); e cirurgia de emergência – aquela em que há risco de morte ou perda de membro caso o paciente não seja operado em um curto intervalo de tempo (< 6 horas).
A condição pré-operatória do paciente é uma variável que influencia a mortalidade cirúrgica, independentemente do tipo de cirurgia. Há uma relação direta entre a gravidade da condição clínica e a mortalidade6. Apesar disso, considerando os diferentes tipos de pacientes, seus riscos associados e a complexidade cirúrgica, pode-se concluir que a segurança do ato anestésico vem aumentando drasticamente nas últimas duas décadas7. Nesse contexto, a mortalidade por causas anestésicas ou diretamente relacionada ao ato anestésico vem reduzindo com o passar do tempo, tornando-se raras exceções. Entretanto, descobertas importantes ainda podem ser extraídas das raras mortes que ainda ocorrem durante o intraoperatório12
Dessa forma, há a necessidade de estudos sobre mortalidade perioperatória como ferramentas norteadoras para a prevenção de eventos futuros e como indicador global de acesso seguro à assistência cirúrgica e anestésica13.
Considera-se neste estudo a hipótese de que a mortalidade intraoperatória do Hospital Geral Roberto Santos (HGRS) é mais elevada que outros hospitais locais devido à condição clínica pregressa dos pacientes que são atendidos na instituição de referência. Ademais, vale ressaltar que nos hospitais que são referência no atendimento de pacientes graves e na realização de procedimentos cirúrgicos mais complexos há, portanto, um maior risco de incidência associado. Assim, a hipótese era que a taxa de mortalidade cirúrgica é mais elevada14. Logo, a instituição em questão, Hospital Geral Roberto Santos, enquadra-se nesse perfil por ser um centro de referência em pacientes e cirurgias desse porte. Diante do exposto e tendo em vista que a qualidade do atendimento está ligada aos indicadores da área hospitalar, os pesquisadores em questão, com o intuito de planejar protocolos de abordagem do paciente crítico na prevenção de eventos adversos, visaram conhecer melhor o perfil epidemiológico da mortalidade no intraoperatório do HGRS em cirurgias de grande porte e pacientes de elevada complexidade, o que possivelmente irá favorecer uma melhor oferta do serviço cirúrgico-anestésico.
Estudando a taxa de mortalidade do paciente cirúrgico, os pesquisadores em questão pretendiam identificar e avaliar os fatores clínicos-cirúrgicos, tais como: causa mortis, associação do estado físico com a classificação ASA e mortalidade no intraoperatório, ocorrência de óbito de acordo com o tipo de procedimento e o caráter da admissão, além dos efeitos adversos do ato anestésico como causa do óbito. Assim, construindo um perfil epidemiológico da mortalidade no intraoperatório em um hospital de referência em cirurgias de grande porte e pacientes de elevada complexidade, este artigo possivelmente favorecerá uma melhor oferta do serviço cirúrgico-anestésico.
Avaliar a epidemiologia da mortalidade no intraoperatório do HGRS no período de um ano.
Avaliar a causa mortis por meio da declaração de óbito expedida pelo médico assistente; analisar a ocorrência de óbito de acordo com o tipo de procedimento e o caráter da admissão – cirurgia de emergência, urgência ou eletiva; e examinar a ocorrência do óbito de acordo com as especialidades cirúrgicas.
Trata-se de um estudo transversal, retrospectivo, acerca do levantamento dos prontuários, com a finalidade de determinar a causa mortis por meio da declaração de óbito expedida pelo médico assistente.
Como critério de inclusão foram considerados pacientes de ambos os sexos, submetidos à cirurgia eletiva, de urgência ou emergência com morte no intraoperatório, no período de junho de 2020 a junho de 2021, tendo como critérios de exclusão pacientes que tiveram a morte fora do período intraoperatório, compreendido como da indução anestésica até o término da cirurgia.
Para a amostra, foram coletados dos dados disponíveis nos prontuários: sexo, idade, etnia, data de internamento, local de internamento, data do procedimento, data do óbito, causa mortis, comorbidades prévias, doença de base, ASA, procedimento realizado, especialidade cirúrgica, indicação cirúrgica, procedimento realizado, tempo cirúrgico, classificação cirúrgica (limpa, potencialmente contaminada, contaminada, infectada), plano anestésico (tipo de anestesia submetida), realização de hemotransfusão, motivo da hemotransfusão, realização de RCP, problema no parto (se RN), doença congênita (se RN), síndrome genética (se RN), drogas administradas, reposição hídrica, tipo de reposição (coloide ou cristaloide) e custos hospitalares.
O desfecho esperado é a descrição de perfil epidemiológico das mortes de pacientes no período intraoperatório no Hospital Geral Roberto Santos. A coleta de dados se deu por meio da planilha referente aos procedimentos cirúrgicos realizados no HGRS, pelo setor de estatística. Utilizamos como filtro o termo “necrotério”, sendo o destino do paciente que vai a óbito no centro cirúrgico. O estudo foi realizado no Hospital Geral Roberto Santos, instituição geral terciária, credenciado ao Sistema Único de Saúde (SUS), localizado em Salvador (BA).
As variáveis obtidas foram expressas por meio de suas proporções. Os dados serão utilizados para confecção de uma análise descritiva. Foram apresentadas as frequências absolutas e relativas para as variáveis qualitativas. A apresentação das variáveis contínuas foi exposta pela média, desvio-padrão (quando possível) e pela amplitude.
Conforme determina a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que trata de aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, esta pesquisa requer a participação voluntária das pessoas envolvidas. Entretanto, devido a este estudo ser do tipo retrospectivo de revisão de prontuário de óbitos, não se faz necessário o preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelo paciente, podendo então haver sua dispensa. Contudo, mesmo sem o preenchimento do termo, está assegurado aos participantes a preservação dos dados, a confidencialidade e o anonimato dos indivíduos abordados pelos autores, visando impossibilitar a ocorrência de estigmatização, invasão de privacidade, divulgação de dados confidenciais e risco à segurança dos prontuários, além de limitar o acesso aos prontuários apenas pelo tempo, quantidade e qualidade das informações específicas para a pesquisa.
Cabe ressaltar que, devido ao projeto ser um estudo retrospectivo de análise de prontuários, houve necessidade de submissão do trabalho à avaliação do Comitê de Ética e Pesquisa (CEP).
Para este estudo, foram analisados nove registros de pacientes com óbito definido como intraoperatório na referida unidade hospitalar, no período entre junho de 2020 e junho de 2021. Desse montante, apenas um foi descartado, não integrando a análise dos dados, devido ao paciente já ter chegado sem vida no centro cirúrgico, ou seja, esse paciente não se encaixou nos critérios de elegibilidade propostos para o estudo. Assim, os oito restantes fizeram parte do cálculo amostral.
Conforme pode-se observar nas informações apresentadas pelo Quadro 1, do total de óbitos, todos os indivíduos eram do sexo masculino e, principalmente, pardos (62,5%). A idade desses pacientes que foram a óbito variaram entre 0 e 86 anos (média de 33,13 anos, desvio-padrão = 29,73). O mais novo deles tinha apenas 23 horas de vida, e o mais velho 86 anos.
Esses pacientes estiveram internados, principalmente, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) (37,5%). O intervalo de tempo entre o internamento e a realização do procedimento foi de sete dias.
Analisando-se o perfil de óbitos relacionado à especialidade cirúrgica, ao tempo cirúrgico e ao risco cirúrgico de contaminação, respectivamente, constatou-se que: a maioria dos óbitos ocorreu entre procedimentos realizados pela cirurgia geral (50%). Além disso, o tempo cirúrgico variou de 2 a 17 horas (média de 5,2 horas, desvio-padrão = 5,17). Para o risco cirúrgico de contaminação não houve um predominante, tendo uma equidade entre as três principais opções (limpa, contaminada, infectada).
A respeito dos óbitos infantis, todos os infantes submetidos a cirurgias apresentaram alguma complicação no momento do parto. Destes, 50,0% eram portadores de doença congênita. Em todos os casos, a causa provável de parada cardiorrespiratória foi choque. O tempo de ressuscitação cardiopulmonar variou entre 5 e 40 minutos (média de 22,6 minutos, desvio-padrão = 15,55). A média de concentrado de hemácias utilizada foi 1,8 (desvio-padrão = 0,84).
No Gráfico 1, observa-se a distribuição dos procedimentos cirúrgicos de acordo com o seu caráter durante o ano base de 2020, de janeiro a dezembro. Nesse período, foram realizados 5.429 procedimentos cirúrgicos. Destes, 26,7% foram eletivos e 73,3% em caráter de urgência. Nessa época, o mês com maior volume de cirurgias realizadas foi julho, que representou um percentual de 8,9% do volume de cirurgias. Já o mês com menor volume de cirurgias realizadas foi junho, com 7% (Gráfico 2)
Gráfico 1 – Produção cirúrgica por caráter de agendamento, Hospital Geral Roberto Santos, janeiro a dezembro, 2020. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
Gráfico 2 – Consolidado da produção cirúrgica por mês de realização, Hospital Geral Roberto Santos, janeiro a dezembro, 2020. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
Ainda sobre esse período, a especialidade com maior produção cirúrgica foi a nefrologia (vascular), com 20,6%, seguida pela cirurgia geral, com 20,5% (Tabela 1).
Das especialidades cirúrgicas dispostas no Hospital Geral Roberto Santos, a nefrologia (vascular) foi a especialidade que mais realizou procedimentos em caráter de urgência (26,4%). Aqui, as urgências representaram 94,2% de todos os procedimentos realizados por esta especialidade.
Tabela 1 – Consolidado da produção cirúrgica por especialidade, Hospital Geral Roberto Santos, janeiro a dezembro, 2020. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
Tabela 1 – Consolidado da produção cirúrgica por especialidade, Hospital Geral Roberto Santos, janeiro a dezembro, 2020. Salvador, Bahia, Brasil – 2021 (conclusão)
No Gráfico 3, está ilustrada a distribuição dos procedimentos cirúrgicos no ano base de 2021, de janeiro a julho. Nesse período, foram realizados 3.285 procedimentos cirúrgicos. Destes, 35,8% foram eletivos e 64,2% em caráter de urgência. Para esse período, junho foi o mês com maior volume de cirurgias realizadas (15,3%), já fevereiro foi o mês com menor volume (12,8%) (Gráfico 4).
Gráfico 3 – Produção cirúrgica por caráter de agendamento, Hospital Geral Roberto Santos, janeiro a julho, 2021. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
Gráfico 4 – Consolidado de produção cirúrgica por mês de realização, Hospital Geral Roberto Santos, janeiro a julho, 2021. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
Fonte: Elaboração própria.
Nesse mesmo período, a especialidade com maior produção cirúrgica foi a cirurgia geral (18,4%), seguida da cirurgia vascular (16,9%) (Tabela 2).
Conforme pode-se perceber na Tabela 2, entre todas as especialidades cirúrgicas, a nefrologia (vascular) foi a especialidade que mais realizou procedimentos em caráter de urgência (11,9%). No entanto, proporcionalmente, a cirurgia pediátrica foi a que mais realizou procedimentos de urgência: 82,2% de todos os procedimentos realizados pela especialidade.
Tabela 2 – Consolidado de produção cirúrgica por especialidade, Hospital Geral Roberto Santos, janeiro a julho, 2021. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
Tabela 2 – Consolidado de produção cirúrgica por especialidade, Hospital Geral
Roberto Santos, janeiro a julho, 2021. Salvador, Bahia, Brasil – 2021 (conclusão)
No Gráfico 5 está ilustrada a distribuição dos procedimentos cirúrgicos no período base de junho de 2020 a junho de 2021, em que foram realizados 5.838 procedimentos cirúrgicos. Destes, 32,6% foram eletivos e 67,4% em caráter de urgência. Nesse período, o mês com maior volume de cirurgias realizadas foi junho de 2021 (8,5%), e junho de 2020 foi o mês com menor volume de cirurgias realizadas (6,2%) (Gráfico 6).
Gráfico 5 – Produção cirúrgica por caráter de agendamento, Hospital Geral Roberto
Santos, junho de 2020 a junho de 2021. Salvador, Bahia, Brasil – 2020-2021
Figura 6 – Consolidado de produção cirúrgica por mês de realização, Hospital Geral Roberto Santos, junho de 2020 a junho de 2021. Salvador, Bahia, Brasil – 2020-2021
Conforme o exposto pela Tabela 3, no intervalo de um ano (junho de 2020 a junho de 2021), a especialidade com maior produção cirúrgica foi a cirurgia geral (19,8%). Entre as especialidades cirúrgicas, a nefrologia (vascular) foi a especialidade que mais realizou procedimentos em caráter de urgência (24,9%). Aqui, as urgências representaram 92,3% de todos os procedimentos realizados por essa especialidade.
Tabela 3 – Consolidado de produção cirúrgica por especialidade, Hospital Geral Roberto Santos, junho de 2020 a junho de 2021. Salvador, Bahia, Brasil – 2020-2021
Tabela 3 – Consolidado de produção cirúrgica por especialidade, Hospital Geral Roberto Santos, junho de 2020 a junho de 2021. Salvador, Bahia, Brasil – 2020-2021 (conclusão)
Ainda nesse período supracitado, ocorreram oito óbitos. A taxa de mortalidade geral foi de 1,4 óbito a cada mil procedimentos realizados.
Além disso, a taxa de mortalidade dos procedimentos eletivos foi de 0,5 óbito a cada mil procedimentos realizados. A taxa de mortalidade dos procedimentos de urgência/ emergência foi de 1,8 óbito a cada mil procedimentos realizados. Os óbitos ocorreram principalmente entre os procedimentos cirúrgicos de emergência (75,0%).
No que tange à classificação ASA, percebe-se que, para os dados amostrais dispostos no Quadro 1, houve uma predominância na incidência de óbitos nos pacientes ASA IV (62,5%). Além disso, embora seja sabido que uma pior classificação ASA seja um provável maior fator de risco para mortalidade, constatou-se que houve maior incidência de mortalidade nos pacientes ASA I do que nos ASA II (respectivamente, responderam por 25% e 12,5%).
Quanto à declaração de óbito, segundo a documentação expedida pelo médico assistente, houve a predominância de choque como causa mortis (62,5%), seguida por infarto agudo do miocárdio (25%) e hiperpotassemia (12,5%).
Sobre as intercorrências mais comuns no intraoperatório desse período, têm-se: bradicardia e parada cardiorrespiratória (16,6%), seguidas por instabilidade hemodinâmica, taquicardia e hipotensão (11,1%).
v.46,supl.1,p.209-230
Concomitante com o perfil dos pacientes que foram atendidos, com as intercorrências listadas no Quadro 1, pode-se destacar os seguintes pontos como possíveis efeitos adversos do ato anestésico-cirúrgico: parada cardiorrespiratória, hipotensão, choque e hiperpotassemia.
Quadro 1 – Dados adicionais gerais dos óbitos. Salvador, Bahia, Brasil – 2020-2021
A intervenção cirúrgica intrinsecamente influencia em alto grau o risco perioperatório, relacionado aos processos patológicos subjacentes e ao estresse associado à lesão tecidual 13. Logo, a parada cardíaca com evolução para o óbito é o pior desfecho no cenário do paciente cirúrgico. Braz et al. afirmam, ainda, que a condição do paciente é o principal fator desencadeante, seguido da cirurgia e, por último, da anestesia para a ocorrência de parada cardíaca e óbito6. Dessa forma, uma melhor técnica anestésica, a utilização de dispositivo de monitorização e ventiladores mais modernos reduzirão com êxito a mortalidade intraoperatória por oferecerem maior segurança nos procedimentos 7 .
Segundo Zuercher et al., atualmente, no escopo anestésico – ou seja, durante a anestesia –, a parada cardíaca é um fator que se manifesta de maneira simultânea aos fatores de risco e ao ato cirúrgico, e não é causada especificamente pelo procedimento da anestesiologia. Assim, boa parte das paradas cardíacas devem ser atribuídas a fatores prévios do paciente, sobretudo a doenças de base preexistentes, como as cardiovasculares ou traumas graves. Além disso, há também os fatores cirúrgicos, importantes causas para um desfecho fatal, embora tenham diminuído drasticamente 7. No contexto deste trabalho, isso pode ser visto em concordância ao citado, devido ao perfil crítico instável do paciente atendido. Além disso, no âmbito da causa mortis perioperatória, a doença e a condição do paciente são os principais fatores, seguidos pela cirurgia e pelo fator anestésico 6 .
Entretanto, mesmo com tal fato e, analisando os resultados deste estudo, constatou-se que houve prevalência de 100% do sexo masculino, verificando-se, assim, maior ocorrência de mortes nos homens. Esse achado está de acordo com estudos publicados na Revista Brasileira de Anestesiologia, entre os anos de 2002 e 2006, em que, respectivamente, foi encontrada incidência no sexo masculino de 2,67:1 e de 2.4:1 comparado com o sexo feminino15,16
Quanto à variável idade, outro importante indicador epidemiológico, os resultados obtidos concordaram com os achados publicados anteriormente, em que a incidência na faixa etária de neonatos (até 30 dias) tem maior distribuição do que na população infantil. Por outro lado, quando comparado com a população adulta, houve predominância na população acima de 52 anos, o que não corresponde ao encontrado nesses estudos nessa faixa etária15,16.
A respeito da distribuição dos óbitos em relação com às especialidades cirúrgicas, a maior incidência de óbitos foi na cirurgia geral, seguida pela pediátrica e a neurocirurgia – fato que não condiz com os achados de uma revisão sistemática realizada no ano de 2009, em que o maior número de óbitos no intraoperatório ocorreu durante as cirurgias cardíacas, seguidas pelas cirurgias torácicas, vasculares, entre outras, sendo as duas primeiras não presentes ou com pequenos procedimentos no período8
Quanto ao caráter de agendamento cirúrgico (emergência, urgência e eletivo), há concordância com os dados preexistentes da literatura15,17-19. Tal fato pode ser expresso devido à gravidade do enfermo, que ocorre devido a uma provável descompensação fisiológica geralmente atrelada ao motivo do atendimento. Além disso, constatou-se também a predominância de óbitos nos pacientes titulados com piores classificações ASA (por exemplo: ASA IV) – fato que corresponde aos achados de estudos anteriores8,15,16,20
O desenvolvimento na tecnologia médica a partir do fim do século XX, bem como melhorias nas técnicas cirúrgicas, trouxe avanços significativos aos cuidados perioperatórios. Embora não seja possível eliminar os riscos envolvidos, é preciso encontrar um equilíbrio entre a probabilidade de danos e o resultado esperado. Dessa forma, a taxa de mortalidade perioperatória tem sido usada como um índice sanitário cirúrgico, que engloba a qualidade e a segurança da anestesia e da intervenção cirúrgica.
A análise dos resultados deste estudo transversal, retrospectivo, acerca do levantamento dos prontuários – do número de pacientes que foram a óbito no intraoperatório –, permitiu concluir que o perfil epidemiológico do estudo em questão é muito semelhante ao de estudos anteriores, salvo algumas situações. Portanto, faz-se necessária maior investigação para determinar se o real perfil epidemiológico do hospital em questão condiz com os dados anteriores, visto que o baixo número de mortes nesse período não foi tão expressivo.
É preciso frisar, também, que a mortalidade intraoperatória atualmente é rara, mas há um contraste com a mortalidade pós-operatória de trinta dias que permanece comum e com a maioria das mortes ocorrendo durante a hospitalização inicial. Dessa maneira, atualmente, o maior problema da medicina perioperatória é a falha em lidar com a mortalidade no pós-operatório imediato, evidenciando uma necessidade de realização de estudos epidemiológicos que correlacionem os dois dados.
Porém, apesar desses fatores, espera-se que esta investigação possa ajudar a aprimorar a qualidade de atendimento e de tratamentos oferecidos aos pacientes do Hospital Geral Roberto Santos, uma vez que agora é conhecido o perfil crítico do paciente nessa unidade. Logo, faz-se necessária uma intervenção precoce, pelos profissionais, para as variadas situações que poderão vir a acontecer, a fim de serem evitadas.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Ana Carolina Carlos Brito e Priscila Filardi de Oliveira.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Ana Carolina Carlos Brito, Priscila Filardi de Oliveira e Pedro Brito de Oliveira Júnior.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Ana Carolina Carlos Brito, Priscila Filardi de Oliveira e Pedro Brito de Oliveira Júnior.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Ana Carolina Carlos Brito, Priscila Filardi de Oliveira, Ricardo Almeida de Azevedo e Pedro Brito de Oliveira Júnior.
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Bruno Bulhões Ribeiro Ramosa
https://orcid.org/0000-0003-2725-3967
Sérgio Fernandes de Oliveira Jezlerb
https://orcid.org/0000-0002-5861-3681
Camila Verônica Souza Freirec
https://orcid.org/0000-0003-1873-3512
Daniel Santana Fariasd
https://orcid.org/0000-0003-0433-748X
Os objetivos deste artigo são relatar o caso de um paciente diagnosticado com proteinose alveolar pulmonar (PAP) após piora do quadro clínico decorrente da infecção por covid-19 e realizar uma revisão sobre a PAP na busca de promover o maior conhecimento dos profissionais de saúde sobre essa comorbidade. Participou da pesquisa um paciente de 48 anos de idade, sexo masculino, com relato de quadro de tosse e dispneia há um ano, apresentando exacerbação do quadro respiratório após infecção por SARS-CoV-2, com necessidade de início de suporte de oxigênio via cateter nasal devido à diminuição da saturação e ao comprometimento das atividades da vida diária. Foi realizada tomografia computadorizada de alta resolução do tórax (TCAR) e evidenciada pavimentação em mosaico com comprometimento difuso dos campos pulmonares. Conforme achados clínicos e radiológicos compatíveis com PAP, o paciente foi submetido à lavagem pulmonar total e apresentou melhora da dispneia e da tosse. A proteinose alveolar pulmonar é uma
a Médico Residente em Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: brunobulhoesribeirobbr@gmail.com
b Médico Pneumologista. Preceptor da Residência Médica em Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: sergiojezler@hotmail.com
c Graduanda de Medicina pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Interna do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: camilafreire17.2@bahiana.edu.br
d Médico Neurologista. Supervisor do Programa de Residência Médica em Clínica Médica do Hospital Geral Roberto Santos. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: danielsfarias1@gmail.com
Endereço para correspondência: Hospital Geral Roberto Santos. Rua Direta do Saboeiro, s/n, Cabula. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40301-110. E-mail brunobulhoesribeirobbr@gmail.com
doença que merece relevância devido ao comprometimento clínico que pode ocasionar ao paciente. É necessário um acompanhamento médico periódico para observar a evolução da doença e definir a conduta terapêutica conforme apresentação clínica de cada enfermo. Por vezes, pode ser necessário repetir a lavagem pulmonar total e em casos refratários, buscar alternativas terapêuticas. Tendo em vista o envolvimento pulmonar e os sintomas semelhantes a infecções por SARS-CoV-2, é importante atentar para os diagnósticos diferenciais.
Palavras-chave: Proteinose alveolar pulmonar. Pavimentação em mosaico. Covid-19. Coronavírus. SARS-CoV-2. PULMONARY ALVEOLAR PROTEINOSIS DIAGNOSIS OF AFTER EXPOSURE TO COVID-19: CASE REPORT
Abstract
This paper reports the case of a patient diagnosed with pulmonary alveolar proteinosis (PAP) after a worsening clinical picture due to COVID-19 infection, reviewing the literature on PAP to promote greater knowledge on this comorbidity for health professionals. A 48-year-old male patient with reported coughing and dyspnea for one year, presenting exacerbation of respiratory symptoms after SARS-CoV-2 infection, needing to start oxygen support via nasal catheter due to decreased saturation and impairment of daily living activities. High resolution computed tomography (HRCT) of the chest was performed and showed crazy paving with diffuse involvement of the lung fields. As per clinical and radiological findings compatible with PAP, the patient underwent total lung lavage and showed improvement in dyspnea and coughing. Pulmonary alveolar proteinosis deserves relevance due to the clinical impairment it can cause to the patient. Periodic medical follow-up is necessary to observe the disease evolution and define the therapeutic approach according to the clinical presentation of each patient. Sometimes, it may be necessary to repeat the total lung lavage, and to seek therapeutic alternatives in refractory cases. Given the pulmonary involvement and symptoms similar to SARS-CoV-2 infections, one must pay attention to the differential diagnoses.
Keywords: Pulmonary alveolar proteinosis. Crazy paving. COVID-19. Coronavirus. SARS-CoV-2.
EXPOSICIÓN AL COVID-19: REPORTE DE CASO
Los objetivos de este artículo son presentar el caso de un paciente diagnosticado de proteinosis alveolar pulmonar (PAP) tras empeorar el cuadro clínico debido a infección por covid-19 y realizar una revisión sobre la PAP con el fin de generar más conocimiento a los profesionales sanitarios sobre esta comorbilidad. El caso investigado fue de un paciente masculino de 48 años de edad, con reporte de tos y disnea desde hace un año, que presentaba exacerbación del cuadro respiratorio posterior a infección por SARS-CoV-2, lo que requirió inicio de soporte de oxígeno vía catéter nasal por disminución de la saturación y deterioro de las actividades de la vida diaria. Se realizó una tomografía computarizada de alta resolución (TCAR) de tórax y se observó empedrado en mosaico con afectación difusa de los campos pulmonares. Según los hallazgos clínicos y radiológicos compatibles con PAP, se le realizó al paciente lavado pulmonar total y mejoró la disnea y la tos. La proteinosis alveolar pulmonar es una enfermedad que merece relevancia por el compromiso clínico que puede ocasionar al paciente. Es necesario un seguimiento médico periódico para observar la evolución de la enfermedad y definir el abordaje terapéutico según la presentación clínica de cada paciente. También es necesario repetir el lavado pulmonar total y, en casos refractarios, buscar alternativas terapéuticas. Ante la afectación pulmonar y síntomas similares a infecciones por SARS-CoV-2, es importante prestar atención a los diagnósticos diferenciales.
Palabras clave: Proteinosis alveolar pulmonar. Empedrado en mosaico. Covid-19. Coronavirus. SARS-CoV-2.
A proteinose alveolar pulmonar (PAP) é uma doença pulmonar difusa resultante da acumulação de material lipoproteico nos alvéolos1-4. Trata-se de uma doença rara, cuja distinção da pneumocistose ocorreu pela primeira vez em 1958 por Rosen e colaboradores4
A etiologia da PAP caracteriza-se como um espectro de manifestações fisiopatológicas. As três principais categorias são: PAP congênita, PAP primária (que pode ser autoimune ou hereditária) e PAP secundária1,3,5. A PAP congênita ocorre por erros inatos do metabolismo do surfactante, intolerância à proteína lisinúrica (LPI) e variantes da RNA-sintetase de metionil (MARS)5-12. Nessa manifestação da doença, a clínica apresenta desde sintomas
insidiosos de doença intersticial crônica em crianças mais velhas até insuficiência respiratória severa em neonatos9,13. A PAP primária é a etiologia de 90% dos casos14. Ela é induzida principalmente por desordens em anticorpos que neutralizam o fator estimulador de colônia granulocítica-macrofágica (GM-CSF) nos macrófagos alveolares. Além disso, variantes genéticas do receptor do GM-CSF interferem na sinalização do antígeno5,15-17. A PAP secundária é associada a exposições de risco com materiais como sílica, alumínio, titânio, óxido de estanho e irídio18-26. Apresenta associação com doenças hematológicas e transplante de medula para tratamento de neoplasias mieloides27-34. Quando há presença de interferência na sinalização GM-CSF, porém sem mutações no receptor GM-CSF ou de anticorpos anti-GM-CSF, define-se PAP não classificada2
A prevalência da doença é estimada em menos de 0,4 casos a cada cem mil habitantes, afetando principalmente homens com cerca de 40 a 50 anos, com maior incidência em tabagistas14,35. Os pacientes relatam principalmente sintomas de tosse e dispneia, de maneira insidiosa. Perda de peso e fadiga são sintomas frequentes em cerca de metade da população afetada, enquanto febre baixa e tosse produtiva são ocorrências mais raras. Pacientes assintomáticos representam ⅓ dos casos2,36. É possível auscultar crepitações por meio do exame físico, embora possam estar ausentes mesmo com preenchimento alveolar evidenciado por radiografia. Baqueteamento digital e cianose são menos frequentes2,36,37.
Para fins diagnósticos, a PAP congênita exibe elevadas taxas GM-CSF sérico; a PAP primária apresenta teste sorológico positivo para anti-GM-CSF; a PAP secundária segue investigação de causa base, podendo ter hemograma alterado em neoplasias hematológicas ou síndromes mielodisplásicas2,15,16,29. Biomarcadores para o diagnóstico dessa condição não demonstraram ser sensíveis ou específicos o suficiente para utilidade clínica. Devido a isso e ao caráter sintomatológico, a avaliação geralmente evolui para exames complementares, como radiografia de tórax, tomografia computadorizada, broncoscopia e testes de função pulmonar2,36
Enquanto algumas infecções, como a pneumocistose, resultam em PAP, é possível também que o contrário ocorra4,26. Esse processo de sobreposição infecciosa pode também acontecer com o novo coronavírus. Apesar de a fisiopatologia da covid-19 não se relacionar com a PAP, manifestações radiológicas como o padrão de vidro fosco geralmente bilateral, comum em infecções pelo coronavírus38, são frequentes na PAP – com ressalva para o espessamento septal adjacente (pavimentação em mosaico) mais comum no segundo quadro39. No entanto, nota-se que ainda há pouco entendimento pela literatura sobre as repercussões dessa associação no impacto do tratamento do paciente.
Este relato de caso é sobre um paciente diagnosticado com proteinose alveolar pulmonar secundária após piora de quadro clínico devido à sobreposição de infecção respiratória por SARS-CoV-2.
Paciente de 48 anos de idade, sexo masculino, pardo, natural e procedente do interior da Bahia, desempenhando atividade laboral como pedreiro. Relatou exposição à cerâmica, referindo passado de atividade ocupacional com funilaria e pintura de automóveis. Paciente sem comorbidades prévias conhecidas e sem exposição a tabaco, relatou quadro de tosse seca iniciado há um ano, associado à dispneia. Após seis meses do início dos sintomas, o paciente evoluiu para quadro gripal e foi diagnosticado com covid-19 por meio de exame RT-PCR em fevereiro de 2021, apresentando a forma leve da doença, sem necessidade de internamento hospitalar ou suporte de oxigênio suplementar, mesmo sem vacinação para o novo coronavírus. Após dois meses da infecção por SARS-CoV-2, o paciente apresentou piora significativa da dispneia, associada à tosse com secreção esbranquiçada, perda desmotivada de 12 quilos, astenia, cansaço aos esforços, comprometimento das atividades da vida diária, episódio único de hemoptise e sensação de “peso em tórax”, sendo iniciado suporte de oxigênio via cateter nasal devido à diminuição da saturação (SaO2 < 90%). Fez uso de azitromicina e prednisona pelo período de cinco dias, sem melhora dos sintomas após uso das medicações. Negou febre no período. Devido à persistência do quadro e à necessidade de uso de oxigênio domiciliar, realizou tomografia computadorizada de tórax, descrita com presença de vidro fosco e características de proteinose alveolar pulmonar.
O paciente foi encaminhado para unidade terciária em Salvador (BA) em setembro de 2021, usando suporte de oxigênio via cateter nasal em baixa vazão (3L/min) e com pouca tolerância à realização de esforços devido ao desconforto respiratório. A ausculta pulmonar revelou murmúrio vesicular presente em ambos os pulmões, com presença de estertores crepitantes finos em bases pulmonares, sendo mais evidentes em base do pulmão esquerdo. Presença de B3 identificada por meio da ausculta cardíaca, sem sinais de baqueteamento digital. Foi realizada nova tomografia computadorizada de alta resolução do tórax (TCAR) em setembro de 2021, com evidência de pavimentação em mosaico, comprometendo difusamente os campos pulmonares (Figura 1). O paciente apresentava sorologias negativas na admissão hospitalar.
– TCAR em dois níveis distintos com presença do padrão de pavimentação em mosaico (setembro de 2021). Salvador, Bahia, Brasil – 2021
Figura
O paciente foi avaliado pelas equipes de pneumologia e de cirurgia torácica, sendo indicada realização da lavagem pulmonar total, devido à alta suspeição de PAP.
O procedimento foi realizado com intubação seletiva de brônquio fonte. Foi evidenciado conteúdo esbranquiçado por meio da broncoscopia, sendo coletado biópsia pulmonar e material do lavado broncoalveolar, conforme Figuras 2 e 3. A lavagem pulmonar foi iniciada pelo pulmão esquerdo devido ao maior comprometimento ao exame físico. A lavagem foi realizada até apresentar melhora significativa no aspecto do lavado broncoalveolar (Figura 4), sendo utilizado o total de 14 litros de soro fisiológico 0,9%. Ao ser iniciada a lavagem do pulmão direito, o paciente apresentou diminuição da saturação de oxigênio (SaO2 = 89%) e hipotensão (pressão arterial de 87x53 mmHg). Optou-se por interromper o procedimento e encaminhar o paciente para unidade de terapia intensiva (UTI) para suporte clínico e vigilância respiratória.
Figura
esbranquiçada visualizada durante broncoscopia para realizar lavado pulmonar total (setembro de 2021). Salvador, Bahia, Brasil – 2021
O paciente evoluiu durante o internamento, apresentando melhora da dispneia e mantendo saturação estável em ventilação espontânea ao ar ambiente (SaO2 de 95%), sem necessidade de suporte de oxigênio suplementar. Ele realizou tomografia de controle em outubro de 2021 (Figura 5), recebeu alta hospitalar com encaminhamento para acompanhamento ambulatorial com pneumologista e foi orientado a programar marcação de lavagem pulmonar do pulmão direito.
Bahia, Brasil
Figura 5 – TCAR em dois níveis distintos com presença do padrão de pavimentação em mosaico após lavagem pulmonar total. Salvador, Bahia, Brasil – 2021
Após três meses da alta hospitalar, o paciente retornou para a unidade terciária com queixa de dispneia e episódios de tosse com discreta secreção esbranquiçada, porém sem necessidade de uso de oxigênio suplementar, sendo realizado nova tomografia computadorizada dos pulmões (Figura 6). Foi realizada lavagem do pulmão direito sem intercorrências em fevereiro de 2022, acarretando melhora da dispneia.
Figura 6 – TCAR em dois níveis distintos com presença do padrão de pavimentação em mosaico no segundo internamento – antes de realizar lavagem pulmonar total do pulmão direito (fevereiro de 2022). Salvador, Bahia, Brasil – 2022
Em julho de 2022, o paciente apresentou o resultado do anatomopatológico decorrente da biópsia pulmonar realizada com confirmação da proteinose alveolar pulmonar.
O caso descrito é de um paciente de 48 anos de idade, previamente hígido e sem histórico de tabagismo, que evoluiu com piora da tosse seca e dispneia após infecção por SARS-CoV-2, com necessidade de início de suporte de oxigênio via cateter nasal e realização de lavagem pulmonar total. O diagnóstico de PAP foi confirmado com achados radiológicos da TCAR, por meio da broncoscopia, com presença de secreção leitosa-opaca e resultado do anatomopatológico.
Tendo em vista o envolvimento pulmonar e os sintomas semelhantes a infecções por SARS-CoV-2, mesmo no contexto de pandemia, é importante atentar para os diagnósticos diferenciais ao avaliar o doente, haja vista maior procura por unidades de saúde nesse contexto de saúde pública. Aproximadamente dois terços dos pacientes adultos apresentam sintomas geralmente de instalação insidiosa em semanas ou meses. Duas coortes com um total de 318 pacientes relataram dispneia de esforço como o sintoma mais frequente, seguido de tosse, expectoração, fadiga, perda de peso e febre baixa, representando as ocorrências mais prevalentes. A febre pode ocorrer como consequência da sobreposição de infecções, apesar de infrequente36,40. Achados no exame físico são geralmente pouco significativos, alguns pacientes foram reportados apresentando creptos, baqueteamento digital e cianose. Resultados radiográficos podem demonstrar opacidades simétricas em terços médios e inferiores, sendo um padrão típico das formas hereditária e autoimune2. A tomografia computadorizada demonstra tipicamente opacificações em vidro fosco, de distribuição homogênea, podendo apresentar o padrão crazy-paving – superposição do padrão de vidro fosco com espessamento septal interlobular e linhas intralobulares –, que apesar de ter sido descrito inicialmente na PAP, está presente em diversas outras etiologias41. Testes de função pulmonar demonstram que comumente há uma redução na capacidade de difusão de monóxido de carbono que pode ser também acompanhada de padrão ventilatório restritivo36.
Achados sugestivos de PAP na TC somados ao quadro clínico direcionam a abordagem para estratificação de gravidade do comprometimento respiratório. Essa estratificação é realizada mediante testes de função respiratória. Em adultos, segue-se a investigação a fim de descartar ou confirmar as causas de PAP secundária. Existência de história de exposição de risco ou confirmação de doenças hematológicas de base associada à broncoscopia com lavado broncoalveolar de aparência sugestiva de PAP por aspecto leitoso-opaco satisfaz o diagnóstico de PAP secundária, como o caso relatado neste manuscrito sugeriu20,26-29,31,32
Caso a história não confirme exposição a materiais como sílica, alumínio, titânio, estanho e irídio e a investigação descarte distúrbios hematológicos, a broncoscopia com biópsia transbrônquica ou até mesmo testes sorológicos podem confirmar ou afastar o diagnóstico de
PAP primária, devido ao aumento de anti-GM-CSF. O aumento de anti-GM-CSF caracteriza
PAP primária autoimune, enquanto a não detecção de anticorpos anti-GM-CSF deve evoluir para teste sorológico quantitativo de GM-CSF15,16. Se a taxa de GM-CSF sérica estiver elevada e acompanhada de anormalidade de função no receptor GM-CSF, caracteriza-se PAP primária hereditária, que pode ser confirmada com sequenciamento de genes das subunidades do receptor, como CSF2RA, CSF2RB15. Em situação similar, mas com evidência de receptor de GM-CSF com função e estrutura preservadas, sugere-se caso de PAP não classificada e biópsia cirúrgica pulmonar é necessária para diagnóstico definitivo2,15. Se nenhuma dessas condições for confirmada, o diagnóstico diferencial de outras doenças, como pneumocistose, deve ser afastado.
A terapia de escolha para pacientes com PAP que têm insuficiência respiratória moderada a grave e necessitam de intervenção médica é a realização da lavagem pulmonar total42
Em casos de progressão da doença, persistência dos sintomas clínicos ou intolerância à realização da lavagem pulmonar total, pode ser administrado o GM-CSF inalatório como opção terapêutica off-label para PAP autoimune. Em alguns casos, os pacientes responderam com melhora clínica após terem realizado inicialmente a lavagem pulmonar total seguida de GM-CSF inalatório43-47. Em casos refratários ao tratamento convencional, pode ser utilizado o rituximabe na tentativa de controle da doença48.
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Bruno Bulhões Ribeiro Ramos, Camila Verônica Souza Freire.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Bruno Bulhões Ribeiro Ramos, Sérgio Fernandes de Oliveira Jezler, Camila Verônica Souza Freire, Daniel Santana Farias.
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Bruno Bulhões Ribeiro Ramos, Sérgio Fernandes de Oliveira Jezler, Camila Verônica Souza Freire, Daniel Santana Farias.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Bruno Bulhões Ribeiro Ramos.
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Recebido: 27.10.2022. Aprovado: 9.12.2022.
A Revista Baiana de Saúde Pública (RBSP), publicação oficial da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), de periodicidade trimestral, publica contribuições sobre aspectos relacionados aos problemas de saúde da população e à organização dos serviços e sistemas de saúde e áreas correlatas. São aceitas para publicação as contribuições escritas preferencialmente em português, de acordo com as normas da RBSP, obedecendo a ordem de aprovação pelos editores. Os trabalhos são avaliados por pares, especialistas nas áreas relacionadas aos temas referidos.
Os manuscritos devem destinar-se exclusivamente à RBSP, não sendo permitida sua apresentação simultânea a outro periódico, tanto no que se refere ao texto como às ilustrações e tabelas, quer na íntegra ou parcialmente. Os artigos publicados serão de propriedade da revista, ficando proibida a reprodução total ou parcial em qualquer meio de divulgação, impresso ou eletrônico, sem a prévia autorização da RBSP. Devem ainda referenciar artigos sobre a temática publicados nesta Revista.
1 Artigos Temáticos: revisão crítica ou resultado de pesquisa de natureza empírica, experimental ou conceitual sobre um assunto em pauta, definido pelo Conselho Editorial (10 a 20 páginas).
2 Artigos Originais de Tema Livre:
2.1 pesquisa: artigos apresentando resultados finais de pesquisas científicas (10 a 20 páginas);
2.2 ensaios: artigos com análise crítica sobre um tema específico (5 a 8 páginas);
2.3 revisão: artigos com revisão crítica de literatura sobre tema específico, solicitados pelos editores (8 a 15 páginas).
3 Comunicações: informes de pesquisas em andamento, programas e relatórios técnicos (5 a 8 páginas).
4 Teses e dissertações: resumos de dissertações de mestrado e teses de doutorado/ livre docência defendidas e aprovadas em universidades brasileiras (máximo 2 páginas). Os resumos devem ser encaminhados com o título oficial da tese/ dissertação, dia e local da defesa, nome do orientador e local disponível para consulta.
5 Resenha de livros: livros publicados sobre temas de interesse, solicitados pelos editores (1 a 4 páginas).
6 Relato de experiência: apresentando experiências inovadoras (8 a 10 páginas).
7 Carta ao editor: comentários sobre material publicado (2 páginas).
8 Documentos: de órgãos oficiais sobre temas relevantes (8 a 10 páginas).
De responsabilidade dos editores, pode também ser redigido por um convidado, mediante solicitação do editor geral (1 a 3 páginas).
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c) os desenhos ou fotografias digitalizadas devem ser encaminhados em arquivos separados;
d) o número máximo de autores por manuscrito científico é de seis (6).
ARTIGOS
Folha de rosto/Metadados: informar o título (com versão em inglês e espanhol), nome(s) do(s) autor(es), principal vinculação institucional de cada autor, órgão(s) financiador(es) e endereço postal e eletrônico de um dos autores para correspondência.
Segunda folha/Metadados: iniciar com o título do trabalho, sem referência a autoria, e acrescentar um resumo de no máximo 200 palavras, com versão em inglês (Abstract) e espanhol (Resumen). Trabalhos em espanhol ou inglês devem também apresentar resumo em português.
Palavras-chave (3 a 5) extraídas do vocabulário DeCS (Descritores em Ciências da Saúde/ www. decs.bvs.br) para os resumos em português e do MESH (Medical Subject Headings/ www.nlm. nih.gov/mesh) para os resumos em inglês.
Terceira folha: título do trabalho sem referência à autoria e início do texto com parágrafos alinhados nas margens direita e esquerda (justificados), observando a sequência: introdução – conter justificativa e citar os objetivos no último parágrafo; material e métodos; resultados, discussão, conclusão ou
considerações finais (opcional) e referências. Digitar em página independente os agradecimentos, quando necessários, e as contribuições individuais de cada autor na elaboração do artigo.
Os resumos devem ser apresentados nas versões português, inglês e espanhol. Devem expor sinteticamente o tema, os objetivos, a metodologia, os principais resultados e as conclusões. Não incluir referências ou informação pessoal.
Obrigatoriamente, os arquivos das ilustrações (quadros, gráficos, fluxogramas, fotografias, organogramas etc.) e tabelas devem ser encaminhados em arquivo independente; suas páginas não devem ser numeradas. Estes arquivos devem ser compatíveis com o processador de texto “Microsoft Word” (formatos: PICT, TIFF, GIF, BMP).
O número de ilustrações e tabelas deve ser o menor possível. As ilustrações coloridas somente serão publicadas se a fonte de financiamento for especificada pelo autor.
Na seção resultados, as ilustrações e tabelas devem ser numeradas com algarismos arábicos, por ordem de aparecimento no texto, e seu tipo e número destacados em negrito (e.g. “[...] na Tabela 2 as medidas [...]).
No corpo das tabelas, não utilizar linhas verticais nem horizontais; os quadros devem ser fechados.
Os títulos das ilustrações e tabelas devem ser objetivos, situar o leitor sobre o conteúdo e informar a abrangência geográfica e temporal dos dados, segundo Normas de Apresentação Tabular do IBGE (e.g.: Gráfico 2 – Número de casos de aids por região geográfica. Brasil – 1986-1997).
Ilustrações e tabelas reproduzidas de outras fontes já publicadas devem indicar esta condição após o título.
Trabalho que resulte de pesquisa envolvendo seres humanos ou outros animais deve vir acompanhado de cópia escaneada de documento que ateste sua aprovação prévia por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), além da referência na seção Material e Métodos.
Preferencialmente, qualquer tipo de trabalho encaminhado (exceto artigo de revisão) deverá listar até 30 fontes.
As referências no corpo do texto deverão ser numeradas em sobrescrito, consecutivamente, na ordem em que sejam mencionadas a primeira vez no texto.
As notas explicativas são permitidas, desde que em pequeno número, e devem ser ordenadas por letras minúsculas em sobrescrito. As referências devem aparecer no final do trabalho, listadas pela ordem de citação, alinhadas apenas à esquerda da página, seguindo as regras propostas pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (Requisitos Uniformes para Manuscritos apresentados a periódicos biomédicos/Vancouver), disponíveis em http://www.icmje.org ou http://www.abeceditores.com.br.
Quando os autores forem mais de seis, indicar apenas os seis primeiros, acrescentando a expressão et al.
Exemplos:
a) LIVRO
Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales.
2ª ed. Washington (DC): Organizacion Panamericana de la Salud; 1989.
b) CAPÍTULO DE LIVRO
Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68.
c) ARTIGO
Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Hum Biol. 1982;54:329-41.
d) TESE E DISSERTAÇÃO
Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 1997.
e) RESUMO PUBLICADO EM ANAIS DE CONGRESSO
Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1α (IL-1α). In: Anais do 30º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p. 272.
f) DOCUMENTOS EXTRAÍDOS DE ENDEREÇO DA INTERNET
Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Regimento Interno da Coreme. Extraído de [http://www.hupes. ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001].
Não incluir nas Referências material não publicado ou informação pessoal. Nestes casos, assinalar no texto: (i) Antunes Filho FF, Costa SD: dados não publicados; ou (ii) Silva JA: comunicação pessoal, 1997. Todavia, se o trabalho citado foi aceito para publicação, incluí-lo entre as referências, citando os registros de identificação necessários (autores, título do trabalho ou livro e periódico ou editora), seguido da expressão latina In press e o ano.
Quando o trabalho encaminhado para publicação tiver a forma de relato de investigação epidemiológica, relato de fato histórico, comunicação, resumo de trabalho final de curso de pós-graduação, relatórios técnicos, resenha bibliográfica e carta ao editor, o(s) autor(es) deve(m) utilizar linguagem objetiva e concisa, com informações introdutórias curtas e precisas, delimitando o problema ou a questão objeto da investigação. Seguir as orientações para referências, ilustrações e tabelas.
As contribuições encaminhadas só serão aceitas para apreciação pelos editores e revisores se atenderem às normas da revista.
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The Public Health Journal of Bahia (RBSP), a quarterly official publication of the Health Secretariat of the State of Bahia (Sesab), publishes contributions on aspects related to population’s health problems, health system services and related areas. It accepts for publication written contributions, preferably in Portuguese, according to the RBSP standards, following the order of approval by the editors. Peer experts in the areas related to the topics in question evaluate the papers.
The manuscripts must be exclusively destined to RBSP, not being allowed its simultaneous submission to another periodical, neither of texts nor illustrations and charts, in part or as a whole. The published articles belong to the journal. Thus, the copyright of the article is transferred to the Publisher. Therefore, it is strictly forbidden partial or total copy of the article in the mainstream and electronic media without previous authorization from the RBSP. They must also mention articles about the topics published in this Journal.
1 Theme articles: critical review or result from empirical, experimental or conceptual research about a current subject defined by the editorial council (10 to 20 pages).
2 Free theme original articles:
2.1 research: articles presenting final results of scientific researches (10 to 20 pages);
2.2 essays: articles with a critical analysis on a specific topic (5 to 8 pages);
2.3 review: articles with a critical review on literature about a specific topic, requested by the editors (8 to 15 pages).
3 Communications: reports on ongoing research, programs and technical reports (5 to 8 pages).
4 Theses and dissertations: abstracts of master degree’ dissertations and doctorate thesis/ licensure papers defended and approved by Brazilian universities (2 pages maximum). The abstracts must be sent with the official title, day and location of the thesis’ defense, name of the counselor and an available place for reference.
5 Book reviews: Books published about topics of current interest, as requested by the editors (1 to 4 pages).
6 Experiments’ report: presenting innovative experiments (8 to 10 pages).
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d) the maximum number of authors per manuscript is six (6).
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Second page/Metadata: Start with the paper’s title, without reference to authorship and add an abstract of up to 200 words, followed with English (Abstracts) and Spanish (Resumen) versions. Spanish and English papers must also present an abstract in Portuguese. Keywords (3 to 5) extracted from DeCS (Health Science Descriptors at www.decs.bvs.br) for the abstracts in Portuguese and from MESH (Medical Subject Headings at www.nlm.nih.gov/mesh) for the abstracts in English.
Third page: paper’s title without reference to authorship and beginning of the text with paragraphs aligned to both right and left margins (justified), observing the following sequence: introduction –containing justification and mentioning the objectives in the last paragraph; material and methods; results, discussion, conclusion or final considerations (optional) and references. Type in the acknowledgement on an independent page whenever necessary, and the individual contribution of each author when elaborating the article.
The abstracts must be presented in the Portuguese, English and Spanish versions. They must synthetically expose the topic, objectives, methodology, main results and conclusions. It must not include personal references or information.
The files of the illustrations (charts, graphs, flowcharts, photographs, organization charts etc.) and tables must forcibly be independent; their pages must not be numbered. These files must be compatible with “Microsoft Word” word processor (formats: PICT, TIFF, GIF, BMP).
Colored illustration will only be published if the author specifies the funding source.
On the results section illustrations and tables must be numbered with Arabic numerals, ordered by appearance in the text, and its type and number must be highlighted in bold (e.g. “[...] on Table 2 the measures […]).
On the body of tables use neither vertical nor horizontal lines; the charts must be framed.
The titles of the illustrations and tables must be objective, contextualize the reader about the content and inform the geographical and time scope of the data, according to the Tabular Presentation Norms of IBGE (e.g.: Graph 2 – Number of Aids cases by geographical region. Brazil – 1986-1997).
Illustrations and tables reproduced from already published sources must have this condition informed after the title.
Paper that results from research involving human beings or other animals must be followed by a scanned document, which attests its previous approval by a Research Ethic Committee (REC), in addition to the reference at the Material and Methods Section.
Preferably, any kind of paper sent (except review article) must list up to 30 sources.
The references in the body of the text must be consecutively numbered in superscript, in the order that they are mentioned for the first time.
Explanatory notes are allowed, provided that in small number and low case letters in superscript must order them.
References must appear at the end of the work, listed by order of appearance, aligned only to the left of the page, following the rules proposed by the International Committee of Medical Journal Editors (Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals/ Vancouver), available at http://www.icmje.org or http://www.abec-editores.com.br.
When there are more than six authors, indicate only the first six, adding the expression et al.
Examples:
a) BOOK
Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2ª ed. Washington (DC): Organizacion Panamericana de la Salud; 1989.
b) BOOK CHAPTER
Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68.
c) ARTICLE
Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Hum Biol. 1982;54:329-41.
d) THESIS AND DISSERTATION
Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 1997.
e) ABSTRACT PUBLISHED IN CONFERENCE ANNALS
Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1α (IL-α). In: Anais do 30º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p. 272.
f) DOCUMENTS OBTAINED FROM INTERNET ADDRESS
Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Regimento Interno da Coreme. Extraído de [http://www. hupes. ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001].
Do not include unpublished material or personal information in the References. In such cases, indicate it in the text: (i) Antunes Filho FF, Costa SD: unpublished data; or Silva JA: personal communication, 1997. However, if the mentioned material was accepted for publication,
include it in the references, mentioning the required identification entries (authors, title of the paper or book and periodical or editor), followed by the Latin expression In press, and the year.
When the paper directed to publication have the format of an epidemiological research report, historical fact report, communication, abstract of post-graduate studies’ final paper, technical report, bibliographic report and letter to the editor, the author(s) must use a direct and concise language, with short and precise introductory information, limiting the problem or issue object of the research. Follow the guidelines for the references, illustrations and tables.
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La Revista Baiana de Salud Pública (RBSP), publicación oficial de la Secretaria de la Salud del Estado de la Bahia (Sesab), de periodicidad trimestral, publica contribuciones sobre aspectos relacionados a los problemas de salud de la población y a la organización de los servicios y sistemas de salud y áreas correlatas. Son aceptas para publicación las contribuciones escritas preferencialmente en portugués, de acuerdo con las normas de la RBSP, obedeciendo la orden de aprobación por los editores. Los trabajos son evaluados por pares, especialistas en las áreas relacionadas a los temas referidos.
Los manuscritos deben destinarse exclusivamente a la RBSP, no siendo permitida su presentación simultánea a otro periódico, tanto en lo que se refiere al texto como a las ilustraciones y tablas, sea en la íntegra o parcialmente. Los artículos publicados serán de propiedad de la revista, quedando prohibida la reproducción total o parcial en cualquier soporte (impreso o electrónico), sin la previa autorización de la RBSP. Deben, también, hacer referencia a artículos sobre la temática publicados en esta Revista.
1 Artículos Temáticos: revisión crítica o resultado de investigación de naturaleza empírica, experimental o conceptual sobre un asunto en pauta, definido por el Consejo Editorial (10 a 20 hojas).
2 Artículos originales de tema libre:
2.1 investigación: artículos presentando resultados finales de investigaciones científicas (10 a 20 hojas);
2.2 ensayos: artículos con análisis crítica sobre un tema específico (5 a 8 hojas);
2.3 revisión: artículos con revisión crítica de literatura sobre tema específico, solicitados por los editores (8 a 15 hojas).
3 Comunicaciones: informes de investigaciones en andamiento, programas e informes técnicos (5 a 8 hojas).
4 Tesis y disertaciones: resúmenes de tesis de maestría y tesis de doctorado/ libre docencia defendidas y aprobadas en universidades brasileñas (máximo 2 hojas). Los resúmenes deben ser encaminados con el título oficial de la tesis, día y local de la defensa, nombre del orientador y local disponible para consulta.
5 Reseña de libros: libros publicados sobre temas de interés, solicitados por los editores (1 a 4 hojas).
6 Relato de experiencias: presentando experiencias innovadoras (8 a 10 hojas).
7 Carta al editor: comentarios sobre material publicado (2 hojas).
8 Documentos: de organismos oficiales sobre temas relevantes (8 a 10 hojas).
De responsabilidad de los editores, también puede ser redactado por un invitado, mediante solicitación del editor general (1 a 3 páginas).
ITEM DE VERIFICACIÓN PARA SUMISIÓN
Como parte del proceso de sumisión, los autores son obligados a verificar la conformidad de la sumisión en relación a todos los item descritos a seguir. Las sumisiones que no estén de acuerdo con las normas serán devueltas a los autores.
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b) las páginas deben ser formateadas en espacio 1,5, con márgenes de 2 cm, fuente Times New Roman, tamaño 12, página patrón A4, numeradas en el lado superior derecho;
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d) el número máximo de autores por manuscrito científico es de seis (6).
Página de capa/Metadatos: informar el título (con versión en inglés y español), nombre(s) del(los) autor(es), principal vinculación institucional de cada autor, órgano(s) financiador(es) y dirección postal y electrónica de uno de los autores para correspondencia.
Segunda página/Metadatos: iniciada con el título del trabajo, sin referencia a la autoría, y agregar un resumen de 200 palabras como máximo, con versión en inglés (Abstract) y español (Resumen). Trabajos en español o inglés deben también presentar resumen en portugués. Palabras clave (3 a 5) extraídas del vocabulario DeCS (Descritores en Ciências da Saúde/ www. decs.bvs.br) para los resúmenes en portugués y del MESH (Medical Subject Headings/ www. nlm.nih.gov/mesh) para los resúmenes en inglés.
Tercera página: título del trabajo sin referencia a la autoría e inicio del texto con parágrafos alineados en las márgenes derecha e izquierda (justificados), observando la secuencia: introducción – contener justificativa y citar los objetivos en el último parágrafo; material y métodos; resultados, discusión, conclusión o consideraciones finales (opcional) y referencias. Digitar en página independiente los agradecimientos, cuando sean necesarios, y las contribuciones individuales de cada autor en la elaboración del artículo.
Los resúmenes deben ser presentados en las versiones portugués, inglés y español. Deben exponer sintéticamente el tema, los objetivos, la metodología, los principales resultados y las conclusiones. No incluir referencias o información personal.
Obligatoriamente, los archivos de las ilustraciones (cuadros, gráficos, diagrama de flujo, fotografías, organigramas etc.) y tablas deben ser independientes; sus páginas no deben ser numeradas. Estos archivos deben ser compatibles con el procesador de texto “Microsoft Word” (formatos: PICT, TIFF, GIF, BMP).
El número de ilustraciones y tablas debe ser el menor posible. Las ilustraciones coloridas solamente serán publicadas si la fuente de financiamiento sea especificada por el autor.
En la sección de resultados, las ilustraciones y tablas deben ser enumeradas con numeración arábiga, por orden de aparecimiento en el texto, y su tipo y número destacados en negrita (e.g. “[...] en la Tabla 2 las medidas [...]).
En el cuerpo de las tablas, no utilizar líneas verticales ni horizontales; los cuadros deben estar cerrados.
Los títulos de las ilustraciones y tablas deben ser objetivos, situar al lector sobre el contenido e informar el alcance geográfico y temporal de los datos, según Normas de Presentación de Tablas del IBGE (e.g.: Gráfico 2 – Número de casos de SIDA por región geográfica. Brasil – 1986-1997).
Ilustraciones y tablas reproducidas de otras fuentes ya publicadas deben indicar esta condición después del título.
Trabajo resultado de investigación envolviendo seres humanos u otros animales debe venir acompañado con copia escaneada de documento que certifique su aprobación previa por un Comité de Ética en Investigación (CEP), además de la referencia en la sección Material y Métodos.
REFERENCIAS
Preferencialmente, cualquier tipo de trabajo encaminado (excepto artículo de revisión) deberá listar un máximo de 30 fuentes.
Las referencias en el cuerpo del texto deberán ser enumeradas en sobrescrito, consecutivamente, en el orden en que sean mencionadas la primera vez en el texto.
Las notas explicativas son permitidas, desde que en pequeño número, y deben ser ordenadas por letras minúsculas en sobrescrito.
Las referencias deben aparecer al final del trabajo, listadas en orden de citación, alineadas apenas a la izquierda de la página, siguiendo las reglas propuestas por el Comité Internacional de Editores de Revistas Médicas (Requisitos uniformes para manuscritos presentados a periódicos biomédicos/ Vancouver), disponibles en http://www.icmje.org o http://www.abeceditores. com.br.
Cuando los autores sean más de seis, indicar apenas los seis primeros, añadiendo la expresión et al.
Ejemplos:
a) LIBRO
Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales.
2ª ed. Washington (DC): Organización Panamericana de la Salud; 1989.
b) CAPÍTULO DE LIBRO
Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68.
c) ARTÍCULO
Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Hum Biol. 1982;54:329-41.
d) TESIS Y DISERTACIÓN
Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 1997.
e) RESUMEN PUBLICADO EN ANALES DE CONGRESO
Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1α (IL-1α). In: Anais do 30º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p. 272.
f) DOCUMENTOS EXTRAIDOS DE SITIOS DE LA INTERNET
Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Regimento Interno da Coreme. Extraído de [http://www.hupes. ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001].
No incluir en las Referencias material no publicado o información personal. En estos casos, indicar en el texto: (i) Antunes Filho FF, Costa SD: datos no publicados; o (ii) Silva JA: comunicación personal, 1997. Sin embargo, si el trabajo citado es acepto para publicación, incluirlo entre las referencias, citando los registros de identificación necesarios (autores, título del trabajo o libro y periódico o editora), seguido de la expresión latina In press y el año.
Cuando el trabajo encaminado para publicación tenga la forma de relato de investigación epidemiológica, relato de hecho histórico, comunicación, resumen de trabajo final de curso de postgraduación, informes técnicos, reseña bibliográfica y carta al editor, el(los) autor(es) debe(n) utilizar lenguaje objetiva y concisa, con informaciones introductorias cortas y precisas, delimitando el problema o la cuestión objeto de la investigación. Seguir las orientaciones para referencias, ilustraciones y tablas.
Las contribuciones encaminadas a los editores y revisores, solo serán aceptadas para apreciación si atienden las normas de la revista.
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