RBSP v. 45 n. 4 (2021)

Page 1

i Secretaria da Saúde do Estado da Bahia ISSN 0100-0233 ISSN (online) 2318-2660 Revista Baiana de Saúde Pública v. 45 n. 4 out./dez. 2021

ENDEREÇO

Address Dirección

REVISTA BAIANA DE SAÚDE PÚBLICA Órgão Oficial da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia

EXPEDIENTE | CREDITS | CRÉDITOS

Rui Costa – Governador do Estado da Bahia

Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro – Secretária da Saúde

• Secretaria da Saúde do Estado da Bahia Centro de Atenção à Saúde (CAS) – Av. Antônio Carlos Magalhães

Parque Bela Vista, Salvador – Bahia – Brasil

CEP 40.280-000

E-mail: rbsp.saude@saude.ba.gov.br http://rbsp.sesab.ba.gov.br

EDITORA GERAL General Publisher

Editora General

EDITORA-EXECUTIVA

Executive Publisher

Editora Ejecutiva

EDITORES ASSOCIADOS

Associated Editors

Editores Asociados

CONSELHO EMÉRITO

Emeritus Council

Consejo Emérito

• Marcele Carneiro Paim – ISC – Salvador (BA)

• Lucitânia Rocha de Aleluia – Sesab/APG – Salvador (BA)

• Edivânia Lucia Araujo Santos Landim – Suvisa/Sesab – Salvador (BA)

Eduardo Luiz Andrade Mota – ISC/UFBA

Joana Angélica Oliveira Molesini – SESAB/UCSAL – Salvador (BA)

Lorene Louise Silva Pinto – SESAB/UFBA/FMB – Salvador (BA)

Milton Shintaku – IBICT/MCT

• Ana Maria Fernandes Pita – UCSAL – Salvador (BA)

Carmen Fontes Teixeira – UFBA/ISC – Salvador (BA)

Cristina Maria Meira de Melo – UFBA/EENF – Salvador (BA)

Eliane Elisa de Souza Azevedo – UEFS – Feira de Santana (BA)

Heraldo Peixoto da Silva – UFBA/Agrufba – Salvador (BA)

Jacy Amaral Freire de Andrade – UFBA/Criee – Salvador (BA)

José Carlos Barboza Filho – UCSAL – Salvador (BA)

José Tavares Neto – UFBA/FMB – Salvador (BA)

Juarez Pereira Dias – EBMSP/Sesab – Salvador (BA)

Lauro Antônio Porto – UFBA/FMB – DMP – Salvador (BA)

Luis Eugênio Portela Fernandes de Souza – UFBA/ISC – Salvador (BA)

Paulo Gilvane Lopes Pena – UFBA/FMB – DMP – Salvador (BA)

Vera Lúcia Almeida Formigli – UFBA/FMB – DMP – Salvador (BA)

CONSELHO EDITORIAL

Editorial Board

Consejo Editorial

• Adriana Cavalcanti de Aguiar – Instituto Oswaldo Cruz/Instituto de Medicina Social (UERJ) – Rio de Janeiro (RJ)

Andrea Caprara – UEC – Fortaleza (CE)

Jaime Breilh – Centro de Estudios y Asesoría en Salud (CEAS) – (Health Research and Advisory Center) – Ecuador

Julio Lenin Diaz Guzman – UESC (BA)

Laura Camargo Macruz Feuerwerker – USP – São Paulo (SP)

Luiz Roberto Santos Moraes – UFBA/Escola Politécnica – DHS – Salvador (BA)

Mitermayer Galvão dos Reis – Fiocruz – Salvador (BA)

Reinaldo Pessoa Martinelli – UFBA/FMB – Salvador (BA)

Rodolfo G. P. Leon – Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)

Ruben Araújo Mattos – UERJ – Rio de Janeiro (RJ)

Sérgio Koifman – ENSP/Fiocruz – Rio de Janeiro (RJ)

Volney de Magalhães Câmara – URFJ – Rio de Janeiro (RJ)

Rev. baiana saúde pública Salvador v. 45 n. 4 p. 1-296 out./dez. 2021

ISSN: 0100-0233

ISSN (on-line): 2318-2660

Governo do Estado da Bahia Secretaria da Saúde do Estado da Bahia

INDEXAÇÃO | INDEXING | INDEXACIÓN

Periódica: Índice de Revistas Latinoamericanas em Ciências (México)

Sumário Actual de Revista, Madrid

LILACS-SP – Literatura Latinoamericana em Ciências de La Salud – Salud Pública, São Paulo

Revisão e normalização de originais | Review and standardization | Revisión y normalización: Tikinet

Revisão de provas | Proofreading | Revisión de pruebas: Tikinet

Revisão técnica | Technical review | Revisión técnica: Lucitânia Rocha de Aleluia

Tradução/revisão inglês | Translation/review english | Revisión/traducción inglés: Tikinet

Tradução/revisão espanhol | Translation/review spanish | Traducción/revisión español: Tikinet

Editoração eletrônica | Electronic publishing | Editoración electrónica: Tikinet

Capa | Cover | Tapa: detalhe do portal da antiga Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Solar do século XVIII)

Fotos | Photos | Fotos: Paulo Carvalho e Rodrigo Andrade (detalhes do portal e azulejos)

Periodicidade – Trimestral | Periodicity – Quarterly | Periodicidad – Trimestral

Revista Baiana de Saúde Pública é associada à Associação Brasileira de Editores Científicos

Revista Baiana de Saúde Pública is associated to Associação Brasileira de Editores Científicos

Revista Baiana de Saúde Pública es asociada a la Associação Brasileira de Editores Científicos

Revista Baiana de Saúde Pública / Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. - v. 45, n. 4, p. 1-296 out./dez. 2021Salvador: Se cretaria da Saúde do Estado da Bahia, 2021.

Trimestral.

Publicado também como revista eletrônica.

ISSN 0100-0233

E-ISSN 2318-2660

1. Saúde Pública - Bahia - Periódico. IT

CDU 614 (813.8) (05)

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

FREE THEMED ORIGINAL ARTICLES

ARTÍCULOS ORIGINALES DE TEMAS LIBRES

PERFIL, EVOLUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS ÓBITOS POR SUICÍDIO EM IDOSOS NA REGIÃO NORDESTE, BRASIL 10

PROFILE, EVOLUTION, AND SPATIAL DISTRIBUTION OF DEATHS BY SUICIDE IN THE NORTHEAST REGION, BRAZIL PERFIL, EVOLUCIÓN Y DISTRIBUCIÓN ESPACIAL DE MUERTES POR SUICIDIO DE ANCIANOS EN LA REGIÓN NORDESTE, BRASIL Amanda Gabriela Neves Gomes, Matheus Pereira Regis Afonso, Raquel Moura Lins Acioli, Fernando Castim Pimentel

FUNCTIONALITY, VARIOUS SYMPTOMS, AND QUALITY OF LIFE OF PATIENTS UNDERGOING PALLIATIVE CHEMOTHERAPY FUNCIONALIDAD, SÍNTOMAS DIVERSOS Y CALIDAD DE VIDA DE PACIENTES SOMETIDOS A QUIMIOTERAPIA PALIATIVA

Rafaela de Morais Cavalcanti Ralph, Nauã Rodrigues de Souza, Eudanusia Guilherme de Figueiredo, Daniela de Aquino Freire, Thaís da Silva Oliveira, Careli Pereira Brandão

DO

EM UM

ACCURACY OF VES-13 IN A GERIATRIC OUTPATIENT CLINIC EXACTITUD DEL VES-13 EN UN CENTRO GERIÁTRICO DE DERIVACIÓN

Meirelayne Borges Duarte, Leonardo Rios Carteado, Rafaella de Oliveira Andrade, Carla Daltro

A SOCIODEMOGRAPHIC ANALYSIS

MORTALIDAD MATERNA EN BAHÍA: UN ANÁLISIS SOCIODEMOGRÁFICO

Ana Beatriz Costa Neiva, Júlia Libarino Pontes Pimentel Santos, Lahara Martins Dourado Macêdo, Victória Kelly Savernini Ramos, Meirelayne Borges Duarte

COMPORTAMENTO SUICIDA E ANSIEDADE ENTRE USUÁRIOS DE UM CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL NO NORDESTE BRASILEIRO

64

SUICIDE BEHAVIOR AND ANXIETY AMONG USERS OF A PSYCHOSOCIAL CARE CENTER IN NORTHEAST BRAZIL COMPORTAMIENTO SUICIDA Y ANSIEDAD EN USUARIOS DE UN CENTRO DE ATENCIÓN PSICOSOCIAL EN EL NORDESTE DE BRASIL

Bruno Andrade Santos, José Marcos de Jesus Santos, Thaiane Santana Santos, Iellen Dantas Campos Verdes Rodrigues, Joyce dos Anjos Santos, Carla Kalline Alves Cartaxo Freitas

SILENCIOSO E NEGLIGENCIADO: O QUE SE SABE APÓS QUATRO DÉCADAS DO DESCOBRIMENTO DO HTLV-1 81

SILENCED AND NEGLIGENCED: WHAT IS KNOWN FOUR DECADES AFTER THE DISCOVERY OF THE HTLV-1

SILENCIOSO Y DESCUIDADO: QUÉ SE SABE CUATRO DÉCADAS DESPUÉS DEL DESCUBRIMIENTO DEL HTLV-1

Raissa Frazão Campos, Carolina Souza Santana, Felipe de Oliveira Andrade, Jéssica Oliveira de Souza Nascimento, Thessika Hialla Almeida Araújo, Fernanda Khouri Barreto

EDUCAÇÃO E PROMOÇÃO DA SAÚDE: UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA POTENCIALIZADORA

DO PROTAGONISMO INFANTOJUVENIL NO ENFRENTAMENTO AO AEDES AEGYPTI 97

HEALTH EDUCATION AND PROMOTION: A PEDAGOGICAL EXPERIENCE TO ENHANCE CHILDREN AND YOUTH LEADERSHIP IN COMBATING AEDES AEGYPTI

EDUCACIÓN Y PROMOCIÓN DE LA SALUD: UNA EXPERIENCIA PEDAGÓGICA QUE POTENCIA EL PAPEL DE LOS NIÑOS Y ADOLESCENTES EN LA LUCHA CONTRA EL AEDES AEGYPTI

Roberta Duarte Maia Barakat, Andrea Caprara

SUMÁRIO
CONTENTS
SUMARIO EDITORIAL
EDITORIAL
7
|
|
|
| EDITORIAL
FUNCIONALIDADE, SINTOMAS DIVERSOS E QUALIDADE DE VIDA DE PACIENTES SUBMETIDOS À QUIMIOTERAPIA PALIATIVA 27
ACURÁCIA
AMBULATÓRIO GERIÁTRICO DE REFERÊNCIA 42
VES-13
MORTALIDADE MATERNA NA BAHIA: UMA ANÁLISE SOCIODEMOGRÁFICA 53
MORTALITY
MATERNAL
IN BAHIA:

NÍVEL DE ENTENDIMENTO DOS BRASILEIROS SOBRE AS MEDIDAS DE BIOSSEGURANÇA NO COMBATE À COVID-19 112

LEVEL OF UNDERSTANDING AMONG BRAZILIANS ABOUT BIOSAFETY MEASURES TO COMBAT COVID-19 NIVEL DE COMPRENSIÓN DE LOS BRASILEÑOS SOBRE LAS MEDIDAS DE BIOSEGURIDAD EN LA LUCHA CONTRA EL COVID-19

Isabela Maria Braga Sclauser Pessoa, Dayane Jhenifer Ribeiro Silva, Kerolynne Soares Campos, Grasiele Cristine Ferreira

ADOLESCENTES RURAIS: COMPORTAMENTO DE RISCO PARA EXCESSO DE PESO E AUMENTO DA CIRCUNFERÊNCIA DA CINTURA 125

RURAL ADOLESCENTS: RISKY BEHAVIOR FOR OVERWEIGHT AND INCREASED WAIST CIRCUNFERENCE ADOLESCENTES RURALES: COMPORTAMIENTO DE RIESGO PARA EL SOBREPESO Y AUMENTO DE LA CIRCUNFERENCIA DE LA CINTURA

Victor Vieira de Oliveira, Marilia de Souza Araújo, Laís do Espírito Santo Lima

PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO, DE SAÚDE E HÁBITOS DE VIDA DE IDOSOS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 138

SOCIODEMOGRAPHIC PROFILE, HEALTH AND LIFE HABITS OF OLDER ADULTS IN PRIMARY HEALTH CARE

HÁBITOS SOCIODEMOGRÁFICOS, DE SALUD Y DE ESTILO DE VIDA DEL ADULTO MAYOR EN ATENCIÓN PRIMARIA DE SALUD

Laize Gabriele de Castro Silva, Ítala da Silva Martins, Frankly Eudes Sousa Martins, Franciele Santos de Oliveira, Tulia Fernanda

Meira Garcia, Ana Carolina Patrício Albuquerque Sousa

ARTIGO DE REVISÃO

REVIEW ARTICLES

ARTÍCULOS DE REVISIÓN

O USO DE FITOTERÁPICOS NO TRATAMENTO DO DIABETES MELLITUS: UMA REVISÃO DA LITERATURA 153

USE OF PHYTOTHERAPEUTIC DRUGS IN DIABETES MELLITUS TREATMENT: A LITERATURE REVIEW

EL USO DE MEDICAMENTOS A BASE DE HIERBAS EN EL TRATAMIENTO DE LA DIABETES MELLITUS: UNA REVISIÓN DE LA LITERATURA

Carina Maria Dalmonech Loterio Leal, Natalia Salvador de Sousa Damaceno, Vitor Realli Gaspar Cuzzuol, Késia Alves Gomes Rosetti

SAÚDE MENTAL DA POPULAÇÃO BRASILEIRA NO CONTEXTO DA COVID-19 (SARS-CoV-2): REVISÃO DE LITERATURA 168

MENTAL HEALTH OF THE BRAZILIAN POPULATION IN THE COVID-19 (SARS-CoV-2) CONTEXT: LITERATURE REVIEW

SALUD MENTAL DE LA POBLACIÓN BRASILEÑA EN EL CONTEXTO DEL COVID-19 (SARS-CoV-2): UNA REVISIÓN DE LA LITERATURA

Ana Lilian de Aguiar Marinho, Roberta Duarte Maia Barakat, Alan Rodrigues Cavalcante, Francisco Regis da Silva

A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER COM DEFICIÊNCIA E SUA INVISIBILIDADE NO ÂMBITO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE 189

VIOLENCE AGAINST WOMEN WITH DISABILITIES AND ITS INVISIBILITY WITHIN THE SCOPE OF THE UNIFIED HEALTH SYSTEM

LA VIOLENCIA CONTRA LAS MUJERES CON DISCAPACIDAD Y SU INVISIBILIDAD EN EL SISTEMA SANITARIO ÚNICO

Brenna Oliveira de Souza, Francilene de Sousa Vieira

INFECÇÃO PELO HPV NA REGIÃO SUL DO BRASIL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA

HPV INFECTION IN SOUTHERN BRAZIL: AN INTEGRATIVE LITERATURE REVIEW

INFECCIÓN POR EL VPH EN EL SUR DE BRASIL: UNA REVISIÓN INTEGRADORA DE LA LITERATURA

Monique Cezimbra Ataides, Luciane Noal Calil, Lisiane Cervieri Mezzomo

PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE AS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS DIRECIONADAS À SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA

SCIENTIFIC PRODUCTION ON PUBLIC HEALTH POLICIES FOR THE BLACK POPULATION

PRODUCCIÓN CIENTÍFICA SOBRE LAS POLÍTICAS GUBERNAMENTALES DIRIGIDAS A LA SALUD DE LA POBLACIÓN NEGRA

Anáira Gisser Sousa Ribeiro, Edna Marcia Grahl Brandalize Slob

206

224

RELATO DE EXPERIÊNCIA EXPERIENCE REPORTS RELATO DE EXPERIENCIA

RELATO DA IMPLANTAÇÃO DO MATRICIAMENTO EM UM MUNICÍPIO CEARENSE:

DOS DESAFIOS ÀS CONQUISTAS

REPORT OF THE MATRIX IMPLEMENTATION IN A MUNICIPALITY OF CEARA: FROM CHALLENGES TO ACHIEVEMENTS

INFORME DEL DESARROLLO DEL APOYO MATRICIAL EN UNA CIUDAD DE CEARÁ: DE LOS DESAFÍOS A LOS LOGROS

Paulo Henrique Caetano de Sousa, Marianna Braga Noronha Monteiro, Pamela Bezerra da Silva, Uly Castro de Azevedo

REFLEXÕES SOBRE UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE EM SALVADOR (BA)

REFLECTIONS ON AN EXPERIENCE OF HEALTH EDUCATION IN SALVADOR (BA)

REFLEXIONES SOBRE UNA EXPERIENCIA DE EDUCACIÓN EN SALUD EN SALVADOR (BA)

Ana Paula Cândido de Oliveira, Fernanda Reis

POR QUE AINDA INSISTO NA TERAPIA COMUNITÁRIA? RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA FORMATIVA E PRÁTICA

WHY DO I STILL INSIST ON COMMUNITY THERAPY? REPORT OF A FORMATIVE AND PRACTICAL EXPERIENCE

¿POR QUÉ AÚN INSISTO EN LA TERAPIA COMUNITARIA? INFORME DE EXPERIENCIA FORMATIVA Y PRÁCTICA

Rosangela Gomes dos Santos, Maria Raquel da Silva Lima, Ítala Maria de Queiroz Maia, Erika Guidetti

241

252

262

ADAPTAÇÃO DO PET-SAÚDE NO CONTEXTO DA PANDEMIA E DE ATIVIDADES ONLINE: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA 273

ADAPTATION OF PET-HEALTH DURING THE PANDEMIC AND ONLINE ACTIVITIES: AN EXPERIENCE REPORT

ADAPTACIÓN DE PET-SAÚDE EN EL CONTEXTO DE LA PANDEMIA Y DE ACTIVIDADES EN LÍNEA: UN REPORTE DE EXPERIENCIA

Gabriela Éleres Casseb, Lucivaldo Almeida Alves, Danilo Souza Delgado, Juliana de Silva Lima, Monaliza dos Santos Pessoa, Nilo Cesar Raiol de Lima

ESPAÇO ESTAMIRA: EXPERIÊNCIA INOVADORA EM EDUCAÇÃO PERMANENTE COM RESIDENTES DE SAÚDE MENTAL 284

ESPAÇO ESTAMIRA: AN INNOVATIVE EXPERIENCE IN CONTINUING EDUCATION WITH MENTAL HEALTH RESIDENTS

ESPACIO ESTAMIRA: INNOVADORA EXPERIENCIA EN EDUCACIÓN PERMANENTE CON RESIDENTES DE SALUD MENTAL

Millena Raianny Xavier da Silva, Anna de Cássia Pessoa de Lima, Ana Lúcia da Silva Lira, Carolina Alves Barbosa de Souza, Israel Braz Nunes dos Santos, Nataly Regina da Silva

DIRETRIZES PARA AUTORES I GUIDELINES FOR AUTHORS DIRECTRIZES PARA AUTORES

O ano de 2021 seguiu com o protagonismo da saúde em todo o mundo. A pandemia de covid-19 exigiu que as autoridades de saúde mantivessem o foco no combate ao coronavírus.

A chegada das vacinas foi a boa notícia do ano e à medida que as populações se vacinavam, os números de casos da doença caíam. Nesse cenário, no campo da saúde coletiva, o surgimento do novo coronavírus causou um aumento da produção de pesquisas, em um ritmo acelerado e massivo, gerando uma corrida científica sem precedentes. As demandas por rapidez e eficiência na disseminação dos resultados científicos impuseram um desafio adicional ao sistema de comunicação científica, em destaque a relevância do compartilhamento de dados e resultados de pesquisas de forma mais rápida (e mais acessível) do que o sistema de comunicação científica tradicional. Foram muitos desafios e esforços empreendidos em todas as áreas da sociedade.

Mesmo com severos cortes financeiros e de infraestrutura para a pesquisa, o Brasil fez parte do grupo de países que liderou a publicação de estudos sobre covid-19. O campo da saúde coletiva buscou contribuir para um entendimento mais amplo desse fenômeno e seus desdobramentos nas várias dimensões – biológica, psicológica, social, cultural, política, entre outras – e possíveis impactos futuros.

Apresentamos este último número do ano de 2021, que reúne um conjunto de vinte trabalhos que versam sobre temáticas diversificadas e desafiadoras presentes no cotidiano do nosso Sistema Único de Saúde (SUS). Essa diversidade da produção de conhecimento confirma a relevância dos estudos e das contribuições no campo da saúde coletiva em prol da saúde da população brasileira. A seção Artigos Originais de Tema Livre apresenta dez artigos. São eles: Perfil, evolução e distribuição espacial dos óbitos por suicídio em idosos na região Nordeste, Brasil, que teve como objetivo analisar o perfil, a evolução e a distribuição espacial dos óbitos por suicídio em idosos na região Nordeste no período de 2009 a 2018; Funcionalidade, sintomas diversos e qualidade de vida de pacientes submetidos à quimioterapia paliativa, que analisou funcionalidade, sintomas diversos e qualidade de vida de 105 pacientes atendidos em uma instituição referência em oncologia no estado de Pernambuco submetidos à quimioterapia paliativa; Acurácia do VES-13 em um ambulatório geriátrico de referência, o intuito desse estudo é avaliar a acurácia do Vulnerable Elders Survey (VES-13) em um ambulatório geriátrico de referência; Mortalidade materna na Bahia: uma análise

v. 45, n. 4, p. 7-9 out./dez. 2021 7 E D I T O R I A L | E D I T O R I A L | E D I T O R I A L
Revista Baiana de Saúde Pública

sociodemográfica, cuja finalidade foi analisar a influência dos fatores sociodemográficos na mortalidade materna no estado da Bahia e identificar seus fatores de risco, para que sejam implantadas melhorias na Atenção Primária à Saúde; Comportamento suicida e ansiedade entre usuários de um Centro de Atenção Psicossocial no Nordeste brasileiro, que analisou a prevalência e os fatores associados ao comportamento suicida e o nível de ansiedade entre usuários de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS); Silencioso e negligenciado: o que se sabe após quatro décadas do descobrimento do HTLV-1?, o artigo teve como objetivo analisar as atualizações sobre o HTLV-1, destacando os aspectos clínicos, os avanços e as limitações no tratamento e na prevenção da infecção pelo HTLV-1.

Ainda na seção Artigos Originais de Tema Livre, constam as pesquisas Educação e promoção da saúde: uma experiência pedagógica potencializadora do protagonismo infantojuvenil no enfrentamento ao Aedes aegypti, um estudo qualitativo, pesquisa-ação, realizado com 55 estudantes em minicursos em duas escolas municipais de Fortaleza (CE); Nível de entendimento dos brasileiros sobre as medidas de biossegurança no combate à covid-19, estudo observacional, do tipo transversal descritivo, com brasileiros alfabetizados que responderam ao questionário eletrônico quanto à utilização correta dos equipamentos de proteção individual (EPI), visto que o mundo enfrenta a pandemia originada pela covid-19; Adolescentes rurais: comportamento de risco para excesso de peso e aumento da circunferência da cintura, com o propósito de investigar os fatores sociodemográficos, econômicos e comportamentais associados ao excesso de peso e aumento da circunferência da cintura em adolescentes cursando o ensino médio em comunidades rurais; e Perfil sociodemográfico, de saúde e hábitos de vida de idosos na Atenção Primária à Saúde, cujo objetivo é caracterizar o perfil sociodemográfico, hábitos de vida e aspectos de saúde dos idosos cadastrados em unidades básicas de saúde de um município localizado no interior do Nordeste.

Neste novo volume, temos também cinco Artigos de Revisão. São eles: O uso de fitoterápicos no tratamento do diabetes mellitus: uma revisão da literatura, esse artigo de revisão propõe-se a conhecer e analisar a produção científica publicada acerca do uso de fitoterápicos e plantas medicinais no tratamento do diabetes mellitus; Saúde mental da população brasileira no contexto da covid-19 (SARS-CoV-2): revisão de literatura, que objetiva refletir acerca da saúde mental da população brasileira durante a pandemia do coronavírus (SARS-CoV-2) por meio de uma revisão integrativa da literatura; A violência contra a mulher com deficiência e sua invisibilidade no âmbito do Sistema Único de Saúde, o objetivo deste artigo é descrever as principais violências contra a mulher com deficiência e sua invisibilidade no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS); Infecção pelo HPV na região Sul do brasil: uma revisão integrativa da

8

literatura, o intuito deste estudo é avaliar, por meio de revisão integrativa, a literatura disponível sobre a frequência da infecção pelo HPV na região Sul do Brasil; e Produção científica sobre as políticas governamentais direcionadas à saúde da população negra, que descreve a produção científica acerca das políticas, estratégias e ações governamentais direcionadas à saúde da população negra.

Ainda nesta edição temos cinco Relatos de Experiência: Relato da implantação do matriciamento em um município cearense: dos desafios às conquistas; Reflexões sobre uma experiência de educação em saúde em Salvador (BA); Por que ainda insisto na terapia comunitária? Relato de uma experiência formativa e prática; Adaptação do PET-Saúde no contexto da pandemia e de atividades online: um relato de experiência; e Espaço Estamira: experiência inovadora em educação permanente com residentes de saúde mental Esperamos que esta publicação estimule a troca de experiências e contribua com a produção e difusão de informações técnico-científicas em saúde.

Boa leitura!

Lucitania Rocha de Aleluia

https://orcid.org/0000-0001-9901-4768

Editora-executiva da Revista Baiana de Saúde Pública (RBSP)

v. 45, n. 4, p. 7-9 out./dez. 2021 9
Revista Baiana de Saúde Pública

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

PERFIL, EVOLUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS ÓBITOS POR SUICÍDIO EM IDOSOS NA REGIÃO NORDESTE, BRASIL

Amanda Gabriela Neves Gomesa

https://orcid.org/0000-0001-8068-1456

Matheus Pereira Regis Afonsob

https://orcid.org/0000-0001-9788-8584

Raquel Moura Lins Aciolic

https://orcid.org/0000-0002-5907-0068

Fernando Castim Pimenteld

https://orcid.org/0000-0002-2815-6192

Resumo

O suicídio está entre as vinte principais causas de morte no mundo e, com o processo de envelhecimento populacional, há uma tendência de aumento desses óbitos entre os idosos. Assim, este trabalho teve como objetivo analisar o perfil, a evolução e a distribuição espacial dos óbitos por suicídio em idosos na região Nordeste no período de 2009 a 2018. Para isso, foi realizado um estudo ecológico, com base no Sistema de Informação sobre Mortalidade. Verificou-se o perfil dos óbitos por suicídio nos quinquênios 2009-2013 e 2014-2018. Para estudar a evolução do coeficiente de mortalidade por suicídio em idosos ao longo dos anos, por estado do Nordeste, realizou-se a análise de regressão linear. Por fim, a análise espacial foi utilizada para verificar agrupamentos de municípios com maior risco de morte por esse agravo. Os resultados mostraram que os mais acometidos foram os indivíduos do sexo masculino, pardos, casados e com idades entre 60 e 69 anos, sendo a principal causa o

a Graduanda em Medicina. Núcleo de Ciências da Vida, Centro Acadêmico do Agreste, Universidade Federal de Pernambuco. Caruaru, Pernambuco, Brasil. E-mail: amandagng1997@gmail.com

b Graduando em Odontologia. Centro Universitário Facol. Vitória de Santo Antão, Pernambuco, Brasil. E-mail: matheus_mpra@hotmail.com

c Fonoaudióloga. Doutora em Saúde Pública. Sanitarista da Vigilância Epidemiológica do Distrito Sanitário VII da Prefeitura da Cidade do Recife (PE). Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: raquelmlacioli@hotmail.com

d Cirurgião-Dentista. Doutor em Saúde Pública. Professor Adjunto do Curso de Medicina, Núcleo de Ciências da Vida, Centro Acadêmico do Agreste, Universidade Federal de Pernambuco. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: fernando.castim@ufpe.br

Endereço para correspondência: Rua Teles Júnior, n. 65, apto. 401, Aflitos. Recife, Pernambuco, Brasil. CEP: 52050-375. Email: fernando.castim@ufpe.br

10 10
10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3548
DOI:

enforcamento. Foi evidenciada redução dos óbitos na faixa etária de 80 anos ou mais, redução entre os casados e aumento entre os idosos separados judicialmente, redução dos óbitos por autointoxicação e aumento dos óbitos por precipitação de locais elevados. Aumento significativo do coeficiente de mortalidade foi observado nos estados do Piauí, Maranhão, Ceará, Paraíba, Bahia e Pernambuco. A análise espacial demonstrou uma maior concentração de municípios com indicadores mais elevados nos estados do Piauí e do Rio Grande do Norte, evidenciando a necessidade de maiores esforços em saúde para essa população.

Palavras-chave: Suicídio. Idoso. Mortalidade. Saúde pública. Análise espacial.

PROFILE, EVOLUTION, AND SPATIAL DISTRIBUTION OF DEATHS BY SUICIDE IN THE NORTHEAST REGION, BRAZIL

Abstract

The suicide is among the twenty leading causes of death in the world, and, with the population aging process, these deaths tend to increase among the elderly. Thus this study aimed to analyze the profile, evolution, and spatial distribution of deaths by suicide in the elderly in the Northeast region in the period from 2009 to 2018. For this, an ecological study was carried out based on the Mortality Information System. The profile of deaths by suicide in the five-year periods of 2009-2013 and 2014-2018 was verified. To study the evolution of the suicide mortality rate in the elderly over the years, by state in the Northeast, a linear regression analysis was performed. Finally, spatial analysis was used to verify clusters of municipalities with a higher risk of death from this cause. The results showed that the most affected individuals were male, mixed race, married, and aged between 60 and 69 years, with hanging as the main cause. A reduction in deaths in the age group of 80 years and over, a reduction among married people and an increase among the elderly legally separated, a reduction in deaths due to self-intoxication and an increase in deaths due to precipitation from high places were evidenced. A significant increase in the mortality rate was observed in the states of Piauí, Maranhão, Ceará, Paraíba, Bahia, and Pernambuco. The spatial analysis showed a greater concentration of municipalities with higher indicators in the states of Piauí and Rio Grande do Norte, highlighting the need for greater efforts in health for this population.

Keywords: Suicide. Aged. Mortality. Public health. Spatial analysis

11 v. 45, n. 4, p. 10-26 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

PERFIL, EVOLUCIÓN Y DISTRIBUCIÓN ESPACIAL DE MUERTES POR SUICIDIO DE ANCIANOS

EN LA REGIÓN NORDESTE, BRASIL

Resumen

Entre las veinte principales causas de muerte en el mundo se destaca el suicidio que tiene una tendencia a incrementarse entre los ancianos dado el proceso de envejecimiento de la población. Por tanto, este estudio tuvo como objetivo analizar el perfil, la evolución y la distribución espacial de las muertes por suicidio en ancianos de la región Nordeste de Brasil en el período de 2009 a 2018. Para ello, se realizó un estudio ecológico, basado en el Sistema de Información de Mortalidad. Se determinó el perfil de muertes por suicidio en el quinquenio

2009-2013 y 2014-2018. Para estudiar la evolución de la tasa de mortalidad por suicidio en ancianos a lo largo de los años, por estados en el Nordeste, se realizó un análisis de regresión lineal. Por último, se utilizó el análisis espacial para verificar los conglomerados de municipios con mayor riesgo de muerte por esta condición. Los resultados mostraron que los individuos más afectados fueron los hombres, pardos, casados y con edades entre los 60 y los 69 años, con el ahorcamiento como principal causa. Se evidenció una reducción de las muertes en el grupo de edad de más de 80 años, una reducción entre las personas casadas, un aumento entre los ancianos legalmente separados, una reducción de las muertes por autointoxicación y un aumento de las muertes por precipitación de lugares altos. Se observó un aumento significativo en la tasa de mortalidad en los estados de Piauí, Maranhão, Ceará, Paraíba, Bahía y Pernambuco. El análisis espacial mostró una mayor concentración de municipios con los indicadores más altos en los estados de Piauí y Rio Grande do Norte, lo que apunta a la necesidad de mayores esfuerzos en salud orientados hacia esta población.

Palabras clave: Suicidio. Anciano. Mortalidad. Salud pública. Análisis espacial.

INTRODUÇÃO

O suicídio é classificado como um ato consciente e voluntário cujo objetivo é dar fim à própria vida1, destacando-se entre as principais causas de óbito em todo o mundo, com mais mortes, por exemplo, do que a malária, HIV/aids, câncer de mama e homicídios2.

Estima-se que, aproximadamente, 703.000 pessoas no mundo morrem por suicídio todos os anos, sendo registrada mais de uma a cada cem mortes (1,3%) no ano de 20192

Observa-se ainda que as taxas de suicídio entre idosos tendem a aumentar com o crescimento dessa população, sendo a que mais cresce no Brasil e na maior parte do mundo3

12

Esse fato representa uma preocupação constante, visto que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde4 (OMS), o número de pessoas com idade superior a 60 anos chegará a dois bilhões até 2050. No ano de 2016, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil já tinha a quinta maior população idosa do mundo, além disso, em 2030, o número de idosos terá ultrapassado o total de crianças entre zero e 14 anos5. No entanto, esse fenômeno ainda recebe pouca atenção das autoridades da área de saúde pública, de pesquisadores e da mídia, que, em suas reflexões e ações, costumam priorizar os grupos populacionais mais jovens6

Estudos demonstram que existem múltiplos fatores de risco para o suicídio entre os idosos, com destaque para o isolamento social, a falta de uma rede de apoio, a solidão, o luto pela perda de companheiro e filhos, assim como patologias relacionadas à fragilidade, quadros demenciais e depressão7,8. Já entre os fatores de proteção para o suicídio foram observadas as relações interpessoais, estratégias eficazes de enfrentamento, busca de ajuda, fé religiosa e um estilo de vida saudável7

Pesquisas apontam que os idosos usam meios mais letais em suas tentativas de suicídio, tendem a apresentar atos não impulsivos, bem como o suicídio passivo ou comportamento indireto, que apresenta como principal característica a recusa de alimentos ou de medicamentos9,10. Dados sociodemográficos evidenciam que as mulheres idosas tentam mais vezes, contudo, os homens costumam ser os mais efetivos nos atos (79,2%).

O enforcamento é considerado o meio mais comum para os dois sexos. No que concerne ao envenenamento, constata-se que, enquanto fármacos são os mais utilizados por mulheres, entre os homens idosos predomina o uso de agrotóxicos11.

Ao analisar as tendências mundiais de mortalidade por suicídio de 1990 a 2015, observou-se que a mortalidade por suicídio diminuiu na maioria dos países, com algumas exceções, mostrando tendências de alta nas seguintes regiões: Grécia, Holanda, Reino Unido, Brasil, México, Estados Unidos, Filipinas e Austrália12 No Brasil, várias pesquisas têm demonstrado o aumento de suicídios em idosos13-15 Segundo Machado e Santos16, a região Nordeste apresentou o maior crescimento percentual da taxa de suicídio (72,4%) entre as regiões do Brasil no período de 2000 a 2012. Além disso, também demonstrou maior crescimento percentual dessa taxa na faixa etária acima de 60 anos (57,2%), o que justifica o maior interesse no estudo do suicídio em idosos na região Nordeste e a identificação dos estados que mais contribuíram para esse aumento. Sendo assim, este estudo tem por objetivo analisar o perfil, a evolução e a distribuição espacial da mortalidade por suicídio na população idosa na região Nordeste no período de 2009 a 2018.

13 v. 45, n. 4, p. 10-26 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo e ecológico de série temporal acerca dos óbitos decorrentes da violência autoprovocada perpetrada por idosos, por meio de dados disponíveis na literatura e em bancos de dados secundários de domínio público do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus).

O estudo analisou os suicídios de idosos residentes na região Nordeste e ocorridos entre 2009 e 2018. O Nordeste é formado por nove estados, 1.794 municípios e, segundo estimativas intercensitárias do IBGE para 2018, o percentual da população acima de 60 anos está distribuído da seguinte forma em cada unidade da federação: Alagoas (10,02%), Bahia (11,67%), Ceará (11,38%), Maranhão (8,93%), Paraíba (12,15%), Pernambuco (11,58%), Piauí (11,18%), Rio Grande do Norte (11,57%) e Sergipe (9,92%).

A população de estudo foi constituída pelos óbitos registrados pela Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), referentes aos capítulos X60-X84 e faixa etária maior ou igual a 60 anos, contidos no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Os dados populacionais por faixa etária de 60 anos ou mais, por município e por estado, foram obtidos das informações do Censo 2010 e das projeções intercensitárias, no site do IBGE17

A fim de analisar o perfil desses óbitos, foram coletados dados sobre: sexo, faixa etária, raça/cor, escolaridade, estado civil, local de ocorrência e causa CID-10. O perfil dos óbitos foi analisado por meio da distribuição das frequências absolutas e relativas, sendo também realizadas comparações dos cinco primeiros anos da série (2009-2013) com os cinco últimos anos (2014-2018), a fim de identificar quais variáveis apresentaram mudanças nesses dois períodos. Para isso, utilizou-se o teste Qui-quadrado de Pearson, considerando a distribuição normal das variáveis. As variáveis foram descritas por meio de frequências absolutas e relativas para cada estado, com a utilização do programa Microsoft Excel 2016 para elaboração de gráficos e tabelas.

Para análise da tendência temporal da mortalidade por suicídio em idosos no período de estudo, em cada estado da região Nordeste, foram calculados os coeficientes de mortalidade por suicídio em idosos (número de óbitos na população > = 60 anos como causa CID10 X60-X84 em determinado período / população > = 60 anos no mesmo período × 100.000 hab.), por meio de planilhas do Microsoft Excel e do método de Regressão Linear Simples, utilizando o programa RStudio versão 1.3.1073, considerando-se o nível de significância de 0,05. Os coeficientes de mortalidade padronizados pela faixa etária, as variáveis dependentes e o ano foram considerados

14

como a variável independente. A adequação dos modelos de regressão foi testada por meio da análise dos resíduos (normalidade, homocedasticidade e ausência de autocorrelação).

Para apresentação da análise espacial, foi utilizada a taxa média anual da mortalidade por suicídio no período ([óbitos por suicídio em idosos / média da população idosa nos dez anos de estudo] × 100.000) como base para construção dos mapas de distribuição espacial. Dessa forma, foram utilizados três tipos de mapas para caracterizar os municípios da região Nordeste quanto à mortalidade por suicídio na população idosa:

Mapa A: Análise por quartil. Cada uma das quatro classes tem o mesmo número de elementos. Entretanto, pelo fato de muitos municípios não terem apresentado óbitos em idosos por suicídio, os municípios com valor 0 (zero) foram isolados em uma única categoria.

Mapa B: Análise por quebras naturais (Jenks). Considera que a variação dentro de cada classe é mínima, enquanto a variação entre as classes é máxima.

Após uma análise espacial descritiva, a presença da dependência espacial global foi avaliada utilizando o Índice de Moran Global (IMG) sobre indicadores brutos. O método identifica a autocorrelação espacial e varia de −1 a +1, segundo o qual valores próximos a zero indicam a ausência de dependência espacial, considerando p < 0,05 como significante. Por fornecer um único valor como medida de associação espacial para todo o conjunto de dados, é necessário decompor esse índice global de associação espacial e examinar padrões em uma escala de maior detalhe para evidenciar agrupamentos semelhantes (clusters) e/ou discrepantes (outliers). Nesse caso, o Indicador Local de Associação Espacial (LISA) foi avaliado pelo Índice de Moran Local, que verifica o valor do município e dos vizinhos para identificar os padrões espaciais do fenômeno estudado18

Mapa C: Análise espacial local de Moran. Permite verificar se existe autocorrelação espacial estatisticamente significativa de mais de 95%. Assim, os municípios são classificados em quatro quadrantes: Q1 High-High (cidades com altas taxas e rodeadas por outras com altas taxas); Low-Low (cidades com baixas taxas e rodeadas por outras com baixas taxas); High-Low (cidades com altas taxas rodeadas por outras com baixas taxas); e Low-High (cidades com baixas taxas rodeadas por outras com altas taxas), considerando p < 0,05 como significativo18

As análises espaciais foram realizadas usando planilhas eletrônicas, o software QGis versão 2.18.9 e o software GeoDA versão 1.14.0. Os resultados foram representados na base cartográfica da região Nordeste, fornecida pelo IBGE.

Esta pesquisa utilizou dados secundários disponíveis em sites oficiais do Ministério da Saúde, sem identificação dos sujeitos, sendo dispensada a apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa, em conformidade com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

15 v. 45, n. 4, p. 10-26 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

RESULTADOS

Com relação ao perfil dos óbitos por suicídio provocados por idosos no período de 2009 a 2018 (Tabela 1), foi observada maior prevalência entre os homens em ambos os quinquênios (2009-2013 e 2014-2018), com 81,44% e 80,15%, respectivamente. Ademais, também chamou atenção os indivíduos com idades entre 60 e 69 anos, casados e pardos. No que concerne ao local de ocorrência, ganhou destaque o ambiente domiciliar.

Considerando ainda a Tabela 1, a análise por quinquênios evidenciou uma redução significativa no perfil de óbitos por suicídio perpetrados por idosos com idade superior a 80 anos (de 17,59% para 14,6%) e indivíduos casados (de 56,28% para 52,97%) ao se comparar os dois períodos. Verifica-se, ainda, nesse contexto, um aumento estatisticamente significativo das mortes por lesões autoprovocadas por pessoas separadas judicialmente (de 4,33% para 6,63%).

Com relação ao meio utilizado, a distribuição dos óbitos por suicídio apontou o enforcamento como o predominante (71,96%), considerando o último quinquênio, seguido por autointoxicações (10,91%), armas de fogo (5,49%), entre outras causas. Os pesticidas (X68) predominaram entre as autointoxicações, representando, em todo o período, 48,13%, seguidos por uso de produtos químicos e substâncias nocivas não especificadas (25,14%).

Contudo, cabe destacar que, de acordo com a Tabela 1, houve uma redução estatisticamente relevante dos suicídios por autointoxicação e daqueles relacionados a fumaça e chamas. Já com relação aos óbitos provocados por precipitação de lugar elevado, observou-se aumento estatisticamente significativo ao se comparar o primeiro com o segundo quinquênio.

2009-2013 e 2014-2018. Caruaru, Pernambuco, Brasil – 2021

16
Tabela 1 – Perfil dos óbitos por suicídio em idosos na região Nordeste nos quinquênios
(continua) VARIÁVEIS 2009-2013 2014-2018 Var % p-valor n=1762 n=2383 N % N % Sexo Masculino 1435 81,44 1910 80,15 -1,58 0,281 Feminino 326 18,5 473 19,84 7,24 0,281 Ignorado 1 0,05 0 0 -Faixa etária 60-70 (60-69) 903 51,25 1279 53,67 4,73 0,122 70-80 (70-79) 549 31,16 756 31,72 1,82 0,698 80 ou + 310 17,59 348 14,60 -17,00 0,009* Raça/cor Branca 393 24,30 518 22,98 -5,44 0,339 Preta 80 4,95 104 4,61 -6,74 0,631 Parda 1138 70,38 1622 71,96 2,25 0,283 Amarela/Indígena 6 0,37 10 0,44 19,57 0,728 Ignorado 145 8,23 129 5,41 -34,22 0,000*

Tabela 1 – Perfil dos óbitos por suicídio em idosos na região Nordeste nos quinquênios 2009-2013 e 2014-2018. Caruaru, Pernambuco, Brasil – 2021 (conclusão)

Fonte: Elaborado pelos autores com base no Sistema de Informação sobre Mortalidade – SIM.

Legenda: * Diferença estatisticamente significativa entre os dois quinquênios.

Com relação aos gráficos da Figura 1, por estados da região Nordeste, observou-se que o estado do Piauí apresentou coeficientes de mortalidade muito superiores aos do Nordeste e do Brasil em toda a série histórica. Ceará e Rio Grande do Norte também apresentaram coeficientes acima da média do Nordeste e do Brasil, entretanto, mais próximos a essas referências. Já os estados do Maranhão, Pernambuco, Alagoas e Bahia exibiram indicadores abaixo dos referenciais (Nordeste e Brasil) ao longo do período de estudo.

17 v. 45, n. 4, p. 10-26 out./dez. 2021 VARIÁVEIS 2009-2013 2014-2018 Var % p-valor n=1762 n=2383 N % N % Estado civil Solteiro 338 21,23 452 20,68 -2,61 0,680 Casado 896 56,28 1158 52,97 -5,88 0,044* Viúvo 276 17,34 349 15,97 -7,91 0,262 Separado judicialmente 69 4,33 145 6,63 53,04 0,002* Outro 13 0,82 82 3,75 359,37 0,000* Ignorado 170 9,65 197 8,27 -14,32 0,122 Local de ocorrência Hospital 269 15,42 329 13,84 -10,21 0,156 Outro estabelecimento de saúde 5 0,29 23 0,97 237,69 0,008* Domicílio 1152 66,02 1595 67,10 1,64 0,466 Via pública 108 6,19 140 5,89 -4,84 0,690 Outros 211 12,09 290 12,20 0,90 0,916 Ignorado 17 0,96 6 0,25 -73,90 0,002* Causa CID-10 X60-X69 – Autointoxicações 249 14,13 260 10,91 -22,79 0,002* X70 – Enforcamento 1241 70,43 1715 71,96 2,17 0,279 X71 – Afogamento 17 0,96 25 1,04 8,33 0,788 X72-X74 – Armas de fogo 104 5,9 131 5,49 -6,95 0,577 X76 – Fumaça e chamas 50 2,8 39 1,63 -41,79 0,008* X78 e X79 – Lesão com objeto cortante 40 2,2 64 2,68 21,82 0,398 X80 – Precipitação de lugar elevado 26 1,4 97 4,07 190,71 0,000* X84 – Meios não especificados 25 1,4 26 1,09 -22,14 0,344 Outros 10 0,56 26 1,09 94,64 0,072
Revista Baiana de Saúde Pública

Figura 1 – Coeficientes de mortalidade por suicídio em idosos (por 100 mil hab.) por unidade da federação, Nordeste e Brasil, no período de 2009 a 2018. Caruaru, Pernambuco, Brasil – 2021

18
0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Piauí 0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 2009 2010 201 1 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Ceará 0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 2009 2010 2011 2012 2013 201 4 2015 2016 2017 2018 Pernambuco 0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 200 9 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Maranhão 0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Rio Grande do Norte

Fonte: Elaborado pelos autores com base no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e informações demográficas do IBGE.

Para melhor compreensão desses gráficos, foi realizada uma análise de regressão linear das taxas de mortalidade por suicídio, conforme esquematizado na Tabela 2. Percebe-se crescimento estaticamente relevante da taxa de óbitos por suicídio em idosos no Maranhão, Piauí, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Bahia, além da região Nordeste (p < 0,05).

Tabela 2 – Análise de tendências e modelo ajustado do coeficiente de mortalidade por suicídio em idosos por unidade da federação. Nordeste, Brasil (2009-2018).

Caruaru, Pernambuco, Brasil – 2021

Revista Baiana de Saúde Pública 19 v. 45, n. 4, p. 10-26 out./dez. 2021 0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 201 7 2018 Paraíba 0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 2009 201 0 201 1 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Alagoas 0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 200 9 201 0 201 1 201 2 201 3 201 4 201 5 201 6 201 7 201 8 Sergipe 0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Bahia
Unidade da federação Modelo R² p-value Tendência Maranhão y = −830,98 + 0,416x 0,674 0,004 * Crescente Piauí y = −1980,10 + 0,991x 0,805 0,000 * Crescente Ceará y = −723,92 + 0,364x 0,526 0,018 * Crescente Rio Grande do Norte y = 31,33 0,011x 0,001 0,940 Paraíba y = 575,23 + 0,290x 0,496 0,023 * Crescente Pernambuco y = −498,67 + 0,251x 0,484 0,025 * Crescente Alagoas y = 102,91 0,048x 0,009 0,793 Sergipe y = 715,21 0,351x 0,313 0,093 Bahia y = −481,67 + 0,242x 0,555 0,013 * crescente Nordeste y = −540,01 + 0,272x 0,793 0,000 * crescente Fonte: Sistema de Informação sobre Mortalidade. Legenda: * Estatisticamente significativo.

Na análise espacial da mortalidade por suicídio (Figura 2), percebe-se que, entre os dez municípios com maiores taxas de suicídio, seis pertencem ao Piauí e quatro à Paraíba. Os municípios do Nordeste com as maiores taxas de mortalidade por suicídio pelos idosos a cada 100.000 habitantes são: Monte das Gameleiras (13,45), Aguiar (10,69), Ouro Branco (10,4), Frei Martinho (10,03), Santa Cruz do Piauí (9,68), Amparo (9,22), Wall Ferraz (9,06), Belém do Piauí (8,73), Nossa Senhora de Nazaré (8,43), São Gonçalo do Piauí (8,12).

Figura 2 – Mapas temáticos da mortalidade por suicídio em idosos na região Nordeste (2009 a 2018). (A) análise por quartil; (B) análise por quebras naturais (Jenks); (C) análise de Moran do vizinho mais próximo; (D) Representação dos estados da região Nordeste, Brasil. Caruaru, Pernambuco, Brasil – 2021

20
Fonte: Elaborado pelos autores com base no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e informações demográficas do IBGE.

O estado do Piauí demonstrou uma situação mais preocupante ao se considerar que cerca de 37,05% das suas cidades (83) foram classificadas no quartil mais elevado. Rio Grande do Norte e Paraíba também apresentaram percentuais elevados de municípios no quarto quartil com 27,54% e 24,22%, respectivamente.

Por meio do índice global de Moran, foi possível verificar se o suicídio ocorre aleatoriamente na região Nordeste ou segue algum padrão de ocorrência espacial. Como o valor encontrado foi maior que zero (Moran’s I: 0,141) e estatisticamente significante (p-value: 0,001), conclui-se que existe evidência de autocorrelação espacial positiva, isto é, há áreas similares entre si quanto à variável coeficiente de mortalidade por suicídio em idosos.

Os dados apresentados no mapa C da Figura 2 permitem identificar a distribuição dos municípios com aglomerados espaciais por unidade da federação da região Nordeste. De acordo com os resultados, os estados do Piauí (18,75%) e Rio Grande do Norte (15,57%) exibiram maiores percentuais de municípios com alto risco (high-high), ou seja, municípios e vizinhos com altos indicadores de mortalidade por suicídio em idosos no período analisado. Os demais estados apresentaram menos de 5% dos municípios nessa classificação de risco alto. Esses dois estados também revelaram elevados percentuais dos seus municípios classificados como em transição (14,29% e 11,38%, respectivamente), em comparação com os demais estados. Foram identificados municípios com elevada mortalidade, mas com vizinhos apresentando indicadores baixos ou a situação inversa: municípios exibindo baixos indicadores, mas vizinhos com coeficientes elevados. Por fim, para a classificação de municípios aglomerados de baixo risco (municípios e vizinhos com baixos indicadores), os estados de Alagoas, Maranhão e Bahia demonstraram maiores percentuais, com respectivamente 16,67%, 10,60% e 9,83%.

DISCUSSÃO

Considerando os recortes geográfico e histórico analisados, percebe-se a predominância do sexo masculino no perfil de suicídios por idosos, o que coincide com o observado nacionalmente. Entre as justificativas, pode-se elencar a sensação de falência como provedor da família ao cessar a atividade profissional, maiores taxas de alcoolismo e a menor procura por ajuda profissional (quando comparados às mulheres). Ademais, os indivíduos do sexo masculino costumam usar meios mais letais como enforcamento e arma de fogo19

No que concerne à faixa etária, a maior proporção foi observada nos indivíduos com idades entre 60 e 69 anos, resultado que diverge do comumente encontrado na literatura sobre a situação no Brasil, uma vez que destaca maior incidência na faixa etária superior a 70 anos. Cabe ressaltar que o aumento da expectativa de vida implica demandas no setor social, da saúde e da previdência, uma vez que viver mais não é sinônimo de qualidade. Menos recursos sociais e

21 v. 45, n. 4, p. 10-26 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

financeiros, bem como doenças crônicas e fragilidades, são comumente observados na população idosa, colocando-a em situação de maiores vulnerabilidades física, social, mental e econômica20,21.

A vivência de situações desvitalizantes geralmente identificadas no processo de envelhecimento, como o isolamento social, a violência intrafamiliar e os problemas de ordem médica (por exemplo, as doenças crônicas), costuma desencadear ou agravar transtornos, como a depressão, podendo determinar ideações suicidas e o ato propriamente dito9,22.

Outra divergência ao observado nacionalmente se refere ao quesito raça/cor, em que a parda apresentou maior incidência em comparação com a indígena comumente citada na literatura do país23,24. De acordo com o estado civil, o grupo de casados se destacou, mas percebe-se o aumento estatisticamente significativo dos casos de óbitos por pessoas separadas judicialmente, o que pode ratificar o isolamento social como um fator de risco importante para essa prática. No que corresponde ao local de ocorrência, o ambiente domiciliar foi o mais frequente, corroborando outros estudos. Tal escolha pode estar associada ao fato de que muitos idosos moram sozinhos13.

O crescimento da mortalidade por suicídio em idosos é constatado na literatura13-15 e neste trabalho. No estudo de Silva, Santos e Oliveira15, foi observado que as capitais da região Nordeste concentram o segundo maior número de óbitos por suicídio em idosos, com 21,8% do total, atrás apenas da região Sudeste (48,2%).

Silva et al.25 mostraram que a região Nordeste, principalmente o estado do Ceará, revelou grandes índices de tentativas de suicídio, principalmente entre as idosas. Neste estudo, o Piauí, por sua vez, ganhou destaque de modo preocupante em relação a esse tema. O estado concentrou as maiores taxas de óbito por suicídio em idosos em seus municípios, assim como uma tendência de crescimento do indicador de mortalidade na maior parte do período em análise.

Além disso, nesta pesquisa, o estado do Rio Grande do Norte apresentou municípios com alto risco, ou seja, municípios e vizinhas com altos indicadores de mortalidade por suicídio em idosos no período analisado, embora essa autocorrelação tenha sido fraca (Moran’s I: 0,141), mas estatisticamente significativa (p-value: 0,001). Santos, Barbosa e Severo26, ao analisarem o espaçotemporal da mortalidade por suicídio no Rio Grande do Norte no período de 2000 a 2015, também evidenciaram a formação de clusters de alta taxa de suicídio e alta taxa de envelhecimento para região do Seridó, decorrente do processo de envelhecimento populacional, claramente observado com o aumento no número de idosos.

Apesar da gravidade do problema, há uma subestimação da sua importância, verificada, por exemplo, nas subnotificações dos atos suicidas. Não obstante, é comum o preenchimento incorreto da certidão de óbito como morte de causa desconhecida, acidentes ou homicídios27. Dessa forma, como se trata de um problema de saúde subestimado

22

e em franco crescimento em decorrência do envelhecimento populacional, faz-se necessário desenvolver ações voltadas ao correto registro das informações na declaração de óbito, além do conhecimento dos fatores que levam a população idosa a cometer suicídio.

Assim, entre as limitações do estudo, destaca-se a utilização de dados secundários originários de um sistema que está sujeito a subnotificações, seja por erro na captação dos dados ou por preenchimento incorreto da declaração de óbito28,29. Além disso, foram identificadas limitações próprias dos estudos ecológicos, como o baixo poder analítico e vulnerável à chamada falácia ecológica que consiste em “admitir que os coeficientes de uma dada área referem-se à população total dessa área, quando, na verdade, implicam uma média da variação por subgrupos com características internas diferentes”30:160. Contudo, tais aspectos não inviabilizaram a condução do estudo e não diminuíram sua importância. Foram observadas vantagens pela sua facilidade de planejamento e execução, baixo custo, simplicidade analítica e capacidade de geração de hipótese30.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados deste estudo alertam quanto às taxas de suicídio por idosos no estado do Piauí, o que implica maior ênfase nas questões de saúde pública. Tanto o aumento da mortalidade ao longo dos anos como a maior concentração de municípios com indicadores elevados de mortalidade por suicídio pelos idosos foram identificados nesse estado. Aumento estatisticamente relevante do coeficiente de mortalidade por suicídio também foi observado nos estados do Maranhão, Ceará, Paraíba, Bahia e Pernambuco.

Houve predominância do suicídio entre os homens e por meios potencialmente letais, como o enforcamento, verificando-se também aumento dos óbitos por precipitação de lugar elevado. Ademais, pardos e casados concentraram o maior percentual de óbitos por suicídio na população idosa.

Assim, conhecer o perfil, a evolução e a distribuição dos óbitos por lesões autoprovocadas poderá auxiliar na formulação de estratégias para a prevenção do suicídio, proporcionando um direcionamento mais assertivo dos esforços em saúde.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Fernando Castim Pimentel, Amanda Gabriela Neves Gomes, Matheus Pereira Regis Afonso, Raquel Moura Lins Acioli.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Fernando Castim Pimentel, Amanda Gabriela Neves Gomes, Matheus Pereira Regis Afonso, Raquel Moura Lins Acioli.

23 v. 45, n. 4, p. 10-26 out./dez. 2021

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Fernando Castim Pimentel e Raquel Moura Lins Acioli.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Fernando Castim Pimentel.

REFERÊNCIAS

1. Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R, editors. World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002.

2. World Health Organization. Suicide worldwide in 2019: Global Health Estimates. Geneva: WHO; 2021.

3. Minayo MCS, Cavalcante FG. Suicídio entre pessoas idosas: revisão da literatura. Rev Saúde Pública. 2010;44(4):750-7.

4. World Health Organization. Ageing and health [Internet]. Geneva: WHO; 2021. [citado em 2022 set 16]. Disponível em: https://www.who.int/ news-room/fact-sheets/detail/ageing-and-health

5. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2016. Rio de Janeiro (RJ): IBGE; 2016.

6. Pinto LW, Pires TO, Silva CMFP, Assis SG. Evolução temporal da mortalidade por suicídio em pessoas com 60 anos ou mais nos estados brasileiros, 1980 a 2009. Ciênc Saúde Colet. 2012;17(8):1973-81.

7. Tan RQ, Lim CS, Ong HS. Suicide risk assessment in elderly individuals. Singapore Med J. 2021;62(5):244-7.

8. Streda AB, Hubie APS. Perfil epidemiológico dos casos de suicídio em idosos no período de 2015 até 2019 do município de Cascavel-PR. FAG Journal of Health. 2020;2(3):338-41.

9. Pérez Barrero SA. Factores de riesgo suicida en el anciano. Ciênc Saúde Colet. 2012;17(8):2011-6.

10. Minayo MCS, Figueiredo AEB, Mangas RMN. Estudo das publicações científicas (2002-2017) sobre ideação suicida, tentativas de suicídio e autonegligência de idosos internados em instituições de longa permanência. Ciênc Saúde Colet. 2019;24(4):1393-1404.

11. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim epidemiológico. Tentativas e suicídios na população idosa do Brasil. Bol Epidemiol. 2020;51(38):1-4.

12. Alicandro G, Malvezzi M, Gallus S, La Vecchia C, Negri E, Bertuccio P. Worldwide trends in suicide mortality from 1990 to 2015 with a focus on the global recession time frame. Int J Public Health. 2019;64(5):785-95.

24

13. Coelho HT, Benito LAO. Suicídio de idosos no Brasil: 1996-2017. Revisa. 2020;9(3):405-18.

14. Freire NCS, Hortencio TDR, Fonseca MRCC. Série histórica de mortalidade por suicídio em município paulista segundo dados epidemiológicos. Rev Bras Promoç Saúde (Online). 2021;34:1-13.

15. Silva JVS, Santos CJ Jr, Oliveira KCPN. Suicídio em idosos: índice e taxa de mortalidade nas capitais brasileiras no período de 2001 a 2015. Medicina (Ribeirão Preto). 2020;53(3):215-22.

16. Machado DB, Santos DN. Suicídio no Brasil, de 2000 a 2012. J Bras Psiquiatr. 2015;64(1):45-54.

17. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas da população 2018 [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): IBGE; 2018. [citado em 2020 nov 15]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103estimativas-de-populacao.html?edicao=17283&t=downloads

18. Monteiro LD, Martins-Melo FR, Brito AL, Alencar CH, Heukelbach J. Padrões espaciais da hanseníase em um estado hiperendêmico no norte do Brasil, 2001-2012. Rev Saúde Pública. 2015;49:1-8.

19. D’Eça A Jr, Rodrigues LS, Meneses Filho EP, Costa LLN, Rêgo AS, Costa LC, et al. Mortalidade por suicídio na população brasileira, 1996-2015: qual é a tendência predominante? Cad Saúde Coletiva. 2019;27(1):20-4.

20. Miranda GMD, Mendes ACG, Silva ALA. Population aging in Brazil: current and future social challenges and consequences. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):507-19.

21. Veras RP, Oliveira M. Envelhecer no Brasil: a construção de um modelo de cuidado. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(6):1929-36.

22. Cavalcante FG, Minayo MCS, Mangas RMN. Diferentes faces da depressão no suicídio em idosos. Ciênc Saúde Colet. 2013;18(10):2985-94.

23. Brasil. Ministério da Saúde. Agenda de ações estratégicas para a vigilância e prevenção do suicídio e promoção da saúde no Brasil: 2017 a 2020. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017.

24. Minayo MCS, Teixeira SMO, Martins JCO. Tédio enquanto circunstância potencializadora de tentativas de suicídio na velhice. Estud Psicol. 2016;21(1):36-45.

25. Silva RM, Sousa GS, Vieira LJES, Caldas JMP, Minayo MCS. Ideação e tentativa de suicídio de mulheres idosas no nordeste do Brasil. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl.2):807-15.

26. Santos EGO, Barbosa IR, Severo AKS. Análise espaço-temporal da mortalidade por suicídio no Rio Grande do Norte, Brasil, no período de 2000 a 2015. Ciênc Saúde Colet. 2020;25(2):633-43.

25 v. 45, n. 4, p. 10-26 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

27. Marcolan JF. For a public policy of surveillance of suicidal behavior. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl.5):2343-7.

28. Pinto LLT, Meira SS, Ribeiro IJS, Nery AA, Casotti CA. Tendência de mortalidade por lesões autoprovocadas intencionalmente no Brasil no período de 2004 a 2014. J Bras Psiquiatr. 2017;66(4):203-10.

29. Carmo EA, Santos PHS, Ribeiro BS, Soares CJ, Santana MLAD, Bomfim ES, et al. Características sociodemográficas e série temporal da mortalidade por suicídio em idosos no estado da Bahia, 1996-2013. Epidemiol Serv Saúde. 2018;27(1):1-8.

30. Almeida Filho N, Rouquayrol MZ. Elementos da metodologia epidemiológica. In: Rouquayrol MZ. Epidemiologia e Saúde. 6a ed. Rio de Janeiro (RJ): Medsi; 2003. p. 149-77.

Recebido: 3.12.2021. Aprovado: 19.7.2022.

26

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

FUNCIONALIDADE, SINTOMAS DIVERSOS E QUALIDADE DE VIDA DE PACIENTES SUBMETIDOS À QUIMIOTERAPIA PALIATIVA

Rafaela de Morais Cavalcanti Ralpha

https://orcid.org/0000-0003-2645-9840

Nauã Rodrigues de Souzab

https://orcid.org/0000-0001-9076-0449

Eudanusia Guilherme de Figueiredoc

https://orcid.org/0000-0001-8015-3469

Daniela de Aquino Freired

https://orcid.org/0000-0002-6708-5139

Thaís da Silva Oliveirae

https://orcid.org/0000-0002-6461-201X

Careli Pereira Brandãof

https://orcid.org/0000-0003-3736-8493

Resumo

Este artigo teve como objetivo analisar a funcionalidade, sintomas diversos e qualidade de vida de pacientes submetidos à quimioterapia paliativa. Foi realizado um estudo descritivo, transversal, com 105 pacientes atendidos em uma instituição referência em oncologia no estado de Pernambuco. Os dados foram obtidos entre outubro de 2015 e janeiro de 2016, por meio dos instrumentos: Edmonton Symptom Assessment System, escala de Eastern Cooperative Oncology Group/Karnofsky e questionário de qualidade de vida em cuidados paliativos. O software utilizado para análise dos dados foi o SPSS. Identificou-se predomínio de uma população com baixos níveis de escolaridade e renda familiar, com boa funcionalidade

a Enfermeira. Residência pela Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES/PE). Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: rafaelaralph@hotmail.com

b Enfermeiro. Mestre em Enfermagem. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: naua_1@hotmail.com

c Enfermeira. Mestra em Enfermagem. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: eudanusiagf@gmail.com

d Enfermeira. Doutoranda em Enfermagem. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: daniela_3439@hotmail.com

e Enfermeira. Doutoranda em Enfermagem. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: thaiss.oliveira90@gmail.com

f Enfermeira. Especialista em Oncologia e Hematologia. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: carelibrandao@hotmail.com

Endereço para correspondência: Universidade de Pernambuco. Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças (Fensg). Rua Dr. Otávio Coutinho, Santo Amaro. Recife, Pernambuco, Brasil. CEP: 52171-011. E-mail: thaiss.oliveira90@gmail.com

27 v. 45, n. 4, p. 27-41 out./dez. 2021 27
Revista Baiana de Saúde Pública
DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3316

e condições de desenvolver as atividades de vida diária. Foi encontrada menor porcentagem de pessoas com capacidade funcional afetada. Entre os sintomas mais prevalentes destacaram-se: depressão, náusea e sonolência. Chegou-se à conclusão de que construir o perfil dos pacientes em quimioterapia paliativa é importante para o planejamento e construção de uma assistência capaz de promover melhorias na qualidade de vida, baseada na individualidade de cada paciente, favorecendo uma prática humanizada.

Palavras-chave: Enfermagem. Cuidados paliativos. Qualidade de vida.

FUNCTIONALITY, VARIOUS SYMPTOMS, AND QUALITY OF LIFE OF PATIENTS UNDERGOING PALLIATIVE CHEMOTHERAPY

Abstract

This article aimed to analyze the functionality, various symptoms, and quality of life of patients undergoing palliative chemotherapy. A descriptive, cross-sectional study with 105 patients treated at a reference institution in oncology in the state of Pernambuco was carried out. Data were obtained between October 2015 and January 2016, by using the following instruments: Edmonton Symptom Assessment System, Eastern Cooperative Oncology Group/Karnofsky scale and quality of life questionnaire in palliative care. The software used for data analysis was SPSS. A predominance of a population with low levels of schooling and family income was identified, with good functionality and conditions to carry out activities of daily living was identified. A smaller percentage of people showed affected functional capacity. Among the most prevalent symptoms, depression, nausea, and drowsiness stood out. In conclusion, constructing the profile of patients in palliative chemotherapy is important for the planning and construction of care capable of promoting improvements in the quality of life, based on the individuality of each patient, favoring a humanized practice.

Keywords: Nursing. Palliative care. Quality of life.

FUNCIONALIDAD,

SÍNTOMAS DIVERSOS Y CALIDAD DE VIDA DE PACIENTES

SOMETIDOS A QUIMIOTERAPIA PALIATIVA

Resumen

Este artículo tuvo como objetivo analizar la funcionalidad, los diversos síntomas y la calidad de vida de los pacientes sometidos a quimioterapia paliativa. Se realizó un estudio

28

descriptivo, transversal, con 105 pacientes atendidos en una institución de referencia en oncología en Pernambuco (Brasil). Los datos se obtuvieron entre octubre de 2015 y enero de 2016, utilizando los siguientes instrumentos: Edmonton Symptom Assessment System, escala de Eastern Cooperative Oncology Group/ Karnofsky y cuestionario de calidad de vida en cuidados paliativos. El software que se utilizó en el análisis de datos fue el SPSS. Se identificó un predominio de una población con bajos niveles de educación y renta familiar, con buena funcionalidad y condiciones para realizar las actividades de la vida diaria. Hubo un menor porcentaje de personas que tuvieron la capacidad funcional afectada. Entre los síntomas más prevalentes se destacaron depresión, náuseas y somnolencia. La construcción del perfil de los pacientes en quimioterapia paliativa es importante para la planificación y construcción de una asistencia capaz de promover mejoras en la calidad de vida, a partir de la individualidad de cada paciente, favoreciendo una práctica humanizada.

Palabras clave: Enfermería. Cuidados paliativos. Calidad de vida.

INTRODUÇÃO

O câncer é um problema de saúde pública no Brasil: é a segunda maior causa de morte por agravos não transmissíveis, ficando atrás apenas das doenças cardiovasculares1. Hoje se denomina câncer o conjunto de mais de cem doenças cuja característica fundamental é o crescimento celular desordenado, que adquire alta capacidade de invadir tecidos e órgãos2.

A mais recente estimativa mundial publicada no ano de 2018 demonstra um aumento na incidência e mortalidade. Aponta que ocorreram no mundo 18 milhões de casos novos de câncer (17 milhões excluindo os casos de cânceres de pele não melanoma) e 9,6 milhões de óbitos (9,5 milhões excluindo os casos de cânceres de pele não melanoma)3. No Brasil, em 2020, o Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes Silva (Inca), órgão do Ministério Saúde, estimou 450 mil casos novos, excluindo-se os cânceres de pele não melanoma (tipo mais prevalente da doença)4.

Por se tratar de uma doença com múltiplas características clínicas e patológicas, e não possuir sinais e sintomas clássicos, o câncer pode ser diagnosticado em várias fases de evolução. Então, é fundamental identificar o estadiamento correto da doença para definir o tratamento e a avaliação do prognóstico. Entretanto, quando os pacientes se encontram em estágios avançados, a indicação do tratamento passa a ser paliativo, visando, sobretudo, ao controle de sintomas e ao aumento da sobrevida5.

29 v. 45, n. 4, p. 27-41 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

O termo “paliativo” vem do latim “pallium”, nome dado a uma espécie de coberta/manto, que no passado protegia autoridades. Assim, entende-se que paliativo significa a capacidade de acalmar temporariamente um sintoma. Traz embutido no seu significado a filosofia de proteger, amparar, cobrir, ou seja, cuidar quando a possibilidade de cura não é possível6

Pacientes em estágios avançados ou com doença metastática são, em sua maioria, classificados como fora de possibilidade terapêutica para cura. No entanto, muito tem se investido para garantir a melhoria nas condições de qualidade de vida e a redução dos sinais e sintomas decorrentes do tratamento ou da própria enfermidade7. Além das intervenções implantadas pela equipe multiprofissional, destacam-se como importantes aliados ao tratamento a cirurgia, a radioterapia, a hormonioterapia e a quimioterapia8

A quimioterapia constitui a modalidade de maior escolha para alcançar a cura, controle ou paliação. Essa terapia envolve o uso de substâncias citotóxicas que interferem no processo de crescimento e divisão celular, com a finalidade de eliminar as células tumorais. São distribuídas sistemicamente e classificadas conforme sua finalidade: em quimioterapia adjuvante, neoadjuvante, curativa, para controle temporário da doença ou paliativa8

A proposta do tratamento com quimioterapia paliativa é recente e, na última década, seu âmbito expandiu7. Com o objetivo de reduzir as dimensões do tumor e principalmente controlar os sinais e sintomas da doença avançada que podem afetar diretamente a funcionalidade, qualidade e o tempo de sobrevida do paciente9,10. A mensuração desses sintomas e da capacidade de desempenho de suas atividades são aspectos de grande importância na avaliação global do paciente11

A equipe de enfermagem dispõe de subsídios fundamentais para a conquista desses objetivos, visto que o cuidado também é a essência dessa profissão. Porém, faz-se importante ir além da relação de cuidados enfermeiro/paciente. O enfermeiro necessita atuar na educação em saúde, para possibilitar, por meio da adoção de métodos e estratégias adequados, reflexão sobre hábitos e possibilidade de modificá-los, buscando uma melhor qualidade de vida12

Estudos que revelem o papel dessas relações são escassos para quimioterapia paliativa. Essas informações são importantes no fortalecimento do atendimento, favorecendo a aproximação do cuidado à realidade, além de estimular uma assistência de qualidade, a fim de se incluir essas pessoas aos cuidados paliativos precocemente. O objetivo deste estudo foi analisar a funcionalidade, sintomas e qualidade de vida de pacientes submetidos à quimioterapia paliativa, atendidos em uma instituição referência em cuidados paliativos do estado de Pernambuco.

30

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo, de corte transversal com abordagem quantitativa. A pesquisa foi realizada no ambulatório de Oncologia Clínica Adulto do Instituto de Medicina Integrada Professor Fernandes Figueira (Imip), localizado na cidade do Recife, Pernambuco.

Os dados foram coletados entre outubro de 2016 e janeiro de 2017, alcançando uma amostra de 105 pacientes. Incluíram-se na pesquisa pacientes definidos em prontuário como quimioterapia paliativa, com idade entre 19 e 79 anos, lúcidos e em condições de se comunicar verbalmente.

Os pacientes foram selecionados aleatoriamente, por meio das autorizações para procedimentos de alto custo (Apac) descritas como quimioterapia paliativa. Conforme fossem comparecendo para realização do tratamento, eram abordados e informados sobre a proposta e o objetivo do estudo.

As entrevistas foram realizadas pelos pesquisadores de forma individual, e os instrumentos para coleta foram: formulário de informações sociodemográficas e clínicas do paciente (elaborado pelas pesquisadoras), instrumento de Edmonton Symptom Assessment System (ESAS), a escala de ECOG/Karnofsky e o questionário de qualidade de vida em cuidados paliativos (FACIT-PAL – Versão 4).

O questionário (FACIT-PAL – Versão 4), instrumento escolhido para coleta de dados da pesquisa, compõem-se de uma subescala de cuidados paliativos desenvolvida a partir da Functional Assessment of Chronic Illness Therapy-G (FACT-G), instrumento desenvolvido para avaliação da qualidade de vida em saúde. Para verificação de suas propriedades psicométricas, por meio de estudo realizado com 256 pessoas nos Estados Unidos com diagnóstico avançado de câncer, utilizaram ambos os instrumentos e completaram 46 de seus itens, sendo 27 do FACT-G e 19 do FACIT-PAL. Diante disso, os pesquisadores do estudo concluíram que o questionário em uso, é um instrumento válido e confiável para avaliação da qualidade de vida de pacientes em cuidados paliativos.

O instrumento de Edmonton, ESAS, foi construído no Canadá para auxiliar na detecção e monitoramento dos sintomas em pacientes com câncer sob cuidados paliativos. Sua avaliação apresenta nove sintomas físicos e psicológicos: dor, náusea, depressão, ansiedade, sonolência, apetite, bem-estar e falta de ar. As respostas são graduadas em uma escala de 0 a 10, onde 0 corresponde a “sem” sintoma e 10 ao “pior” sintoma. Assim, registra-se sua frequência e intensidade, facilitando a tomada de decisões para um cuidado individualizado13,14.

31 v. 45, n. 4, p. 27-41 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

As escalas de Karnofsky (KPS) e Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG) avaliam o comprometimento funcional. Seus resultados variam de 0% a 100% na KPS e zero a quatro na ECOG, e suas variações são inversamente proporcionais. Escores mais baixos em Karnofsky e altos em ECOG estão associados a menor tempo de sobrevida. São instrumentos validados e amplamente utilizados, pois aferem parâmetros importantes como atividade física, grau de assistência necessária e avaliação de tolerância ao tratamento14,15.

O grupo Functional Assessment of Chronic Illness Therapy (FACIT) é a instituição elaboradora de questionários sobre qualidade de vida relacionada à pacientes com doenças e agravos não transmissíveis. O FACIT-PAL é uma subescala específica para a avaliação de pacientes que requeiram cuidados paliativos, contemplando itens que buscam avaliar sintomas prevalentes, relação família e amigos, fechamento da vida, tomada de decisões, comunicação e habilidades. As respostas são graduadas em uma escala de 0 a 4, de ‘nada’ até ‘demais’. Quanto maiores as pontuações nos escores, melhor a percepção da pessoa sobre sua qualidade de vida16

Os dados foram analisados através dos softwares SPSS 13.0 para Windows e o Excel 2010. Os resultados estão apresentados em forma de tabelas com suas respectivas frequências absolutas e relativas. As variáveis numéricas estão representadas pelas medidas de tendência central e medidas de dispersão. Para verificar a existência de associação foi realizado Teste Exato de Fisher para as variáveis categóricas. Todos os testes foram aplicados com 95% de confiança.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos (CEP-IMIP) em setembro de 2015, sob o parecer nº 1.234.804. Foram cumpridos os princípios éticos registrados na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde para pesquisa com seres humanos.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 105 pacientes oncológicos em tratamento paliativo. Os dados sociodemográficos demonstraram uma população cuja idade média foi de 54,12 anos (DP = 22) com idade mínima de 22 e máxima de 79 anos. Houve maior concentração de pessoas do sexo feminino (55 pacientes, ou seja, 52,4%), pessoas pardas (61 pacientes, 58,1%), maior proporção com o ensino fundamental incompleto (quarenta pacientes, 38,1%), aposentados (43 pacientes, 41%) e renda de um salário mínimo (64 pacientes, 61%).

As características sociodemográficas estão apresentadas na Tabela 1.

32

Tabela 1 – Características sociodemográficas dos pacientes em quimioterapia paliativa (N=105). Recife, Pernambuco, Brasil – 2016

33 v. 45, n. 4, p. 27-41 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
Variáveis N % Idade (anos) Menos de 30 6 5,7 30-40 13 12,4 40-50 19 18,1 50-60 23 21,9 ≥60 44 41,9 Sexo Masculino 50 47,6 Feminino 55 52,4 Raça Branco 27 25,7 Pardo 61 58,1 Negro 12 11,4 Amarelo 5 4,8 Município de residência Recife 25 23,8 Região metropolitana 34 32,4 Interior 46 43,8 Escolaridade Analfabeto 14 13,3 Ens. fund. completo 16 15,3 Ens. fund. incompleto 40 38,1 Ens. médio completo 14 13,3 Ens. médio incompleto 8 7,6 Ens. superior completo 7 6,7 Ens. superior incompleto 6 5,7 Renda familiar (SM) <1 SM 8 7,6 1 SM 64 61 2 SM 18 17,1 Mais de 2 SM 15 14,3 Situação de trabalho Desempregado 18 17,1 Aposentado 43 41 Licença médica 29 27,6 Trabalhando 8 7,6 Outros 7 6,7
Elaboração própria.
Fonte:

Todos os entrevistados apresentavam câncer em estádio avançado (estádio III e IV) e 62 (59%) confirmaram histórico familiar positivo para doença neoplásica. Os sítios primários da doença foram predominantemente no trato gastrointestinal superior (27 casos, ou seja, 25,7%) e o órgão mais atingido por metástase foram os ossos (trinta casos, ou seja, 28,6%), conforme verificado na Tabela 2

Como modalidade de escolha para tratamento, além da quimioterapia, a cirurgia foi a mais frequente (cinquenta casos, ou seja, 47,6%). Verificou-se que 35 (33,3%) pacientes apresentavam pelo menos uma comorbidade além do seu problema oncológico, 27 (25,7%) deles apresentavam hipertensão arterial e 13 (12,4%) eram diabéticos. Foi verificado também que 59 (56,2%) e 58 (55,2%) participantes, nessa ordem, asseguravam não fazer uso de tabaco e álcool durante o tratamento.

A capacidade funcional demonstrou que 89 pacientes (85,7%) se encaixavam na classificação ECOG 1, o que significa que apresentavam sinais e sintomas da doença, mas deambulavam e levavam seus dias normais. Entre eles, 37 (41,1%) estavam relacionados

34
Variáveis N % Histórico familiar de câncer (+) Sim 62 59 Não 43 41 Sítio primário Trato gastrointestinal superior 27 25,7 Mama 17 16,2 Cólon e reto 15 14,3 Pulmão 14 13,3 Próstata 9 8,6 Útero 6 5,7 Outros 17 16,2 Metástase Ossos 30 28,6 Fígado 27 25,7 Pulmão 16 15,2 Outros 32 30,4 Modalidades tratamento Cirurgia 50 47,6 Radioterapia 44 41,9 Hormonioterapia 22 21,0 Fonte: Elaboração própria.
Tabela 2 – Dados clínicos dos pacientes em quimioterapia paliativa (N=105). Recife, Pernambuco, Brasil – 2016

à Karnofsky 70%, ou seja, praticavam autocuidado, mas eram incapazes de exercer suas atividades habituais ou trabalho ativo. Devido às limitações funcionais, sessenta pacientes (57,1%) afirmavam não ter atividades de lazer. A Tabela 3 compara os dados e atesta que houve diferença estatística significativa entre as escalas ECOG e Karnofsky.

Tabela 3 – Cruzamento das escalas de ECOG X Karnofsky (N=105). Recife, Pernambuco, Brasil – 2016

Sobre os sintomas durante o tratamento, houve relatos de leve intensidade de: dor, fadiga, náusea, depressão, mal-estar e falta de ar, de acordo com a escala ESAS. Quando questionados sobre sonolência e falta de apetite, a maioria referiu intensidade moderada. Parte significativa (37 pacientes, ou seja, 35,2%) expressou forte ansiedade no enfrentamento da doença e do tratamento. A experiência dos sintomas está apresentada na Tabela 4

Tabela 4 – Experiência dos sintomas dos pacientes em quimioterapia paliativa (N=105). Recife, Pernambuco, Brasil – 2016

35 v. 45, n. 4, p. 27-41 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
Variáveis ECOG p-valor 0 1 2 Karnofsky 50 4 (28,6) <0,001 * 60 10 (71,4) 70 37 (41,1) 80 32 (35,6) 90 20 (23,3) 100 1 (100,0)
Fonte: Elaboração própria. (*) Teste Exato de Fisher
Edmonton Leve 0-3 % Moderada 4-7 % Forte 8-10 % Dor 53 50,5% 39 37,1% 13 12,4% Fadiga 50 47,6% 39 37,1% 16 15,2% Náusea 65 61,9% 28 26,7% 12 11,4% Depressão 83 79,0% 12 11,4% 10 9,5% Ansiedade 44 41,9% 24 22,9% 37 35,2% Sonolência 34 32,4% 55 52,4% 16 15,2% Falta de apetite 40 38,1% 52 49,5% 13 12,4% Mal-estar 54 51,4% 47 44,8% 4 3,8% Falta de ar 90 85,7% 13 12,4% 2 1,9% Fonte: Elaboração própria.

Quanto à qualidade de vida, não foram reveladas grandes perdas, as médias e medianas totais revelaram a homogeneidade da amostra. O domínio “bem-estar físico” demonstrou ótimo escore nas condições físicas, confirmando a experiência dos sintomas. “Bem-estar funcional” manteve boa média, coerente com avaliação da funcionalidade, e prejuízo mínimo na realização das AVD e AVDI. “Bem-estar social” e “preocupações adicionais” alcançaram bons rendimentos na amostra. Porém, apesar do bom escore geral, alguns participantes indicaram total falta de suporte social e funcional. O item “bem-estar emocional” obteve o pior escore dentre os domínios. Os dados referentes à qualidade de vida estão apresentados na Tabela 5 de acordo com os domínios do FACIT-PAL.

Tabela 5 – Qualidade de vida dos pacientes em quimioterapia paliativa (N=105). Recife, Pernambuco, Brasil – 2016

DISCUSSÃO

O perfil das necessidades de saúde da população sofre constantes mudanças devido ao aumento da longevidade e da sobrevida dos indivíduos com afecções clínicas, principalmente no que diz respeito ao avanço da saúde pública e da medicina clínica, que proporcionam uma vida mais produtiva. No entanto, essa evolução também transformou o processo de morrer, tornando-o mais prolongado, com maior sofrimento físico e psíquico, além de maior custo financeiro1.

Em 1900 a expectativa de vida era concentrada entre 40 e 50 anos, hoje se aproxima dos 80 anos de idade. Por meio desse aumento, as doenças crônicas não transmissíveis se tornaram mais frequentes1. Esse incremento na idade foi evidenciado por meio do estudo, uma vez que 41,9% dos entrevistados em quimioterapia paliativa tinham 60 anos ou mais.

Na relação entre os sexos, o número de mulheres mais expressivo condiz com a justificativa literária de que, para os países em desenvolvimento, espera-se uma maior concentração de casos de câncer entre as mulheres4,17.

36
FACIT-PAL Média ± DP Mediana (Q1; Q3) Mínimo Máximo Bem-estar físico (0-28) 10,0 ± 5,6 9,0 (5,5; 14,0) 0,0 24,0 Bem-estar social/familiar (0-28) 19,3 ± 5,0 19,0 (17,0; 23,0) 0,0 28,0 Bem-estar emocional (0-28) 7,1 ± 3,9 6,0 (4,0; 10,0) 0,0 19,0 Bem-estar funcional (0-28) 16,0 ± 5,2 16,0 (12,5; 19,0) 3,0 26,0 Preocupações adicionais (0-76) 38,8 ± 7,2 39,0 (34,5; 43,0) 20,0 58,0 Fonte: Elaboração própria.

Os dados relacionados ao sexo e à idade desses pacientes confirmam os índices apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em pesquisa nacional de amostra por domicílios de 2011, cuja maioria da população idosa com 60 anos ou mais é composta por mulheres18. No tocante à raça, denotou-se predominância da cor parda, concordando com os dados também apresentados pelo IBGE, seguida da cor branca, também autodeclarada pelos idosos18.

O apoio do cônjuge e/ou familiares é fundamental para a pessoa com uma doença que ameaça a vida. O paciente em tratamento oncológico demonstra maior adesão, melhor adaptação psicossocial e enfrentamento quando tem elevados níveis de suporte social e emocional, uma vez que as demandas de cuidados são mais intensas nos casos de doenças avançadas. Em sua grande maioria, o cônjuge torna-se também o principal cuidador19,20,21

O nível de escolaridade foi baixo, apresentando variedade entre os que têm ensino fundamental incompleto e o analfabetismo. Dados semelhantes são apresentados em outro estudo20, que verificou que a baixa escolaridade está relacionada a diagnósticos tardios e, consequentemente, maior mortalidade, considerando que nesse caso há piores padrões de cuidados à saúde em geral. São essenciais políticas públicas de qualidade para melhorar o acesso ao diagnóstico para os pacientes com suspeita de câncer que procuram o serviço de saúde (identificação precoce e vigilância em saúde), além da garantia de infraestrutura necessária (média e alta complexidade).

O câncer de mama é o mais incidente na população feminina, apresenta alta incidência entre mulheres jovens, com parcela significativa em idosas. Nos casos em que há menos oportunidades de diagnóstico precoce, existem as maiores taxas de doença oncológica mamária avançada ou metastática8. Além disso, os tumores gastrointestinais superiores são expressivos na literatura pela quantidade de órgãos que podem ser afetados, corroborando este estudo4

O alto índice de acometimento metastático ósseo pode estar relacionado à prevalência dos cânceres de mama e pulmão, sendo esse tipo de metástase comumente associada a esses tipos de neoplasias22. Do mesmo modo, sugere-se que a alta prevalência de metástase hepática, observada neste estudo, seja pela característica própria do órgão, que é alvo frequente de células neoplásicas provenientes da circulação sistêmica. Sabe-se que a agressão hepática por metástases é muito mais comum do que por um tumor primário23

A doença neoplásica acarreta prejuízos na capacidade laboral do indivíduo, impactando sua saúde psicossocial e qualidade de vida. Inúmeras vezes, a renda da família é proveniente do membro que adoeceu, ocasionando grandes consequências financeiras.

37 v. 45, n. 4, p. 27-41 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

O poder aquisitivo reduzido, somado com as licenças médicas e aposentadorias, quando os custos com medicamentos e transporte aumentam, pode produzir sentimentos negativos que influenciam diretamente a saúde e o bem-estar pessoal24.

Quanto às percepções sobre a doença, o câncer é uma doença estigmatizada e temida pela sociedade como sinônimo de morte e sofrimento, não agregando momentos felizes. A literatura retrata o desejo em receber tratamentos que prolonguem a vida, mesmo que as chances desse prolongamento sejam curtas, associadas à perseverança ou, por outro lado, pelo pobre entendimento do prognóstico6,25.

Junto ao diagnóstico de uma patologia crônica com consequências para o indivíduo, existe a avaliação da Performance Status. Esse instrumento é utilizado por profissionais da saúde para avaliar o paciente tanto em relação à progressão da doença e do impacto na capacidade de vida diária quanto para determinar o tratamento mais apropriado e o prognóstico13.

A avaliação da funcionalidade confronta a pessoa com sua fragilidade, mostrando os riscos físicos, relacionais e profissionais do ser humano, provocando, consequentemente, angústia e insegurança. Quando a doença produz impacto na capacidade funcional do indivíduo, seja relacionado a efeitos colaterais do tratamento quimioterápico ou ao avanço da própria patologia, o sentimento de impotência é inevitável7,9.

A existência e o avanço da doença neoplásica induzem o paciente ao sofrimento por diversas alterações que afetam significativamente a qualidade de vida. A fadiga ocorre por vários mecanismos e varia conforme a localização do tumor, a extensão da lesão e as terapias utilizadas. Porém, tem melhor se explicado pelo hipermetabolismo que ocorre no organismo do indivíduo, seja em decorrência da ação tumoral, da necrose tecidual ou citotoxicidade da quimioterapia, afetando a capacidade de recuperação da energia corporal, com consequências na funcionalidade, bem-estar psicológico e social do paciente25

O Brasil é o segundo país da América Latina com maior índice de dor por doentes oncológicos. Esse sintoma atinge 25% a 40% dos pacientes em fase inicial da doença, 50% dos que estão em estágios variados e 70% a 90% dos que estão em estágio final.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1986 afirmou que a dor oncológica precisa ser reconhecida como uma emergência médica, porém ainda há registros aproximados de quatro milhões de óbitos sem controle adequado da dor24.

O enfermeiro é o profissional indicado para fornecer orientações relativas à prevenção e ao diagnóstico precoce do câncer, identificar precocemente os efeitos colaterais do tratamento a fim de minimizá-los, orientar e acompanhar o binômio paciente/família, executando ações de enfermagem individualizadas, considerando suas características pessoais e sociais. Isso exige uma necessidade de conhecimentos atualizados e focados nos últimos avanços científicos8.

38

Nesse contexto, auxiliar o paciente a entender o processo em que está inserido é torná-lo capaz de enfrentar esse momento de sua vida, apoiando-o com clareza e identificando suas angústias. Uma comunicação mais efetiva entre a equipe e o paciente poderá favorecer a adesão ao tratamento e aos cuidados a serem implementados, bem como contribuir para minimizar os riscos da estratégia terapêutica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados revelaram o predomínio de uma população com baixos níveis de escolaridade e renda familiar, e que a maioria dos pacientes sem proposta terapêutica de cura não estava em fase terminal. O perfil predominante foi de pacientes com boa funcionalidade no desenvolvimento das atividades de vida diária, sintomas leves na sua grande variedade e bom desempenho físico e social. Uma menor porcentagem relatou capacidade funcional afetada, sintomas moderados a fortes e baixos índices relacionados à qualidade de vida. Esses pacientes são os mais beneficiados de um serviço de assistência paliativa introduzido mais precocemente.

Os cuidados paliativos requerem inclusão na assistência ao paciente oncológico durante todo o curso da doença, a partir do diagnóstico, visando o suporte para a família e o doente. No entanto, o número de profissionais capacitados para essa prática é reduzido, da mesma forma que essa modalidade terapêutica e seus benefícios ainda são pouco discutidos. A construção do perfil dos pacientes em quimioterapia paliativa e suas particularidades é de extrema importância para o planejamento e a construção de uma assistência capaz de promover melhorias na qualidade de vida, baseada na individualidade de cada paciente, favorecendo uma prática holística e humanizada.

Entre as limitações do estudo, indica-se o fato de ter sido conduzido em um único centro de referência em oncologia, além da utilização da escala FACIT-PAL-Versão 4, devido à escassez de pesquisas com esse instrumento. Elucida-se a importância de estudos futuros com enfoque na escala FACIT-PAL-Versão 4, com a finalidade de evidenciar as intervenções paliativas e a pluralidade das avaliações.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Rafaela de Morais Cavalcanti Ralph e Careli Pereira Brandão.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Rafaela de Morais Cavalcanti Ralph, Nauã Rodrigues de Souza, Eudanusia Guilherme de Figueiredo, Daniela de Aquino Freire, Thaís da Silva Oliveira e Careli Pereira Brandão

39 v. 45, n. 4, p. 27-41 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Nauã Rodrigues de Souza, Eudanusia Guilherme de Figueiredo, Daniela de Aquino Freire, Thaís da Silva Oliveira e Careli Pereira Brandão

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Careli Pereira Brandão.

REFERÊNCIAS

1. Fundação Oswaldo Cruz. A saúde no Brasil em 2030: diretrizes para a prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz; 2012.

2. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Diretrizes para a vigilância do câncer relacionado ao trabalho. Rio de Janeiro (RJ): Inca; 2020.

3. Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, Siegel RL, Torres LA, Jemal A. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2018;68(6):394-424.

4. Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2016: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): Inca; 2015.

5. Silva IBS, Lima JRM Jr, Almeida JS, Cutrim DSP, Sardinha AHL. Avaliação da qualidade de vida de pacientes oncológicos em cuidados paliativos. Rev Bras Cancerol. 2020;66(3):e12112.

6. Brasil. Ministério da Saúde. Caderno de atenção domiciliar. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013.

7. Chirico A, Serpentini S, Merluzzi T, Mallia L, Del Bianco P, Martino R, et al. Self-efficacy for Coping Moderates the Effects of Distress on Quality of Life in Palliative Cancer Care. Anticancer Res. 2017;37(4):1609-15.

8. Brito KCFV, Souza SR. Care needs of hospitalized cancer patients: application of NANDA taxonomy. Rev Pesqui. 2017;9(2):327-32.

9. Instituto Nacional do Câncer. Ações de enfermagem para o controle do câncer: uma proposta de integração ensino-serviço. 3a ed. Rio de Janeiro (RJ): Inca; 2008.

10. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. ABC do câncer: abordagens básicas para o controle do câncer. 6a ed. Rio de Janeiro (RJ): Inca; 2020.

11. Avelino CUR, Cardoso RM, Aguiar SS, Silva MJS. Avaliação da qualidade de vida de pacientes com carcinoma pulmonar de células não pequenas em estágio avançado, tratados com carboplatina associada a paclitaxel. J Bras Pneumol. 2015;41(2):133-42.

12. Souza RS, Simão DAS, Lima EDRP. Perfil sociodemográfico e clínico de pacientes atendidos em serviço ambulatorial de quimioterapia paliativa em Belo Horizonte. REME Rev Min Enferm. 2012;16(1):38-47.

40

13. Maja H, Ida G, Hanna S, Anette A. Leading an intervention for family caregiversa part of nursing in palliative care. Int J Palliat Nurs. 2017;23(4):1357-64.

14. Monteiro DR, Almeida MA, Kruse MHL. Tradução e adaptação transcultural do instrumento Edmonton Symptom Assessment System para uso em cuidados paliativos. Rev Gaúch Enferm. 2013;34(2):163-71.

15. Polo LHV, Moraes MW. Performance de Zubrod e Índice de Karnofsky na avaliação da qualidade de vida de crianças oncológicas. Einsten. 2009;7(3):314-21.

16. Lyons KD, Bakitas M, Hegel MT, Hanscom B, Hull J, Ahles TA. Reliability and validity of the Functional Assessment of Chronic Illness Therapy-Palliative Care (FACIT-Pal) scale. J Pain Symptom Manage. 2009;37(1):23-32.

17. Simão DAS, Lima EDRP, Souza RS, Faria TV, Azevedo GF. Síndrome mão-pé induzida por quimioterapia: relato de um caso. Rev Bras Enferm. 2012;65(2):374-78.

18. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Distribuição da população por sexo, segundo os grupos de idade: Brasil 2010 [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): IBGE; 2010. [citado em 2022 set 29]. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/ sinopse/webservice/frm_piramide.php.

19. Zimmermann C, Swami N, Krzyzanowska M, Hannon B, Leighl N, Oza A, et al. Early palliative care for patients with advanced cancer: a clusterrandomised controlled trial. Lancet. 2014;383(9930):1721-30.

20. Oliveira MBP, Souza NR, Bushatsky M, Dâmaso BFR, Bezerra DM, Brito JA. Atendimento domiciliar oncológico: percepção de familiares/cuidadores sobre cuidados paliativos. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2017;21(2):e20170030.

21. Andrade V, Sawada NO, Barichello E. Qualidade de vida de pacientes com câncer hematológico em tratamento quimioterápico. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(2):355-61.

22. Fukumothi DK, Pupo H, Reganin LA, Matte SRF, Lima BS, Mattos CA. Avaliação funcional das endopróteses no tratamento de tumores ósseos. Revista Bras Ortop. 2016;51(5):569-73.

23. Salik AG. O paciente oncológico e suas relações de encontro. Rev SBPH. 2013;16(2):89-102.

24. Van LA, Velghe A, Van HA, Verbrugghe M, Van DNN, Grypdonck M, et al. Prevalence of symptoms in older cancer patients receiving palliative care: A systematic review and meta-analysis. J Pain Symptom Manage. 2014;47(1):90-104.

25. Cunha FF, Rêgo LP. Nursing and cancer pain. Rev Dor. 2015;16(2):142-5.

Recebido: 11.3.2021. Aprovado: 5.9.2022.

41 v. 45, n. 4, p. 27-41 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

ACURÁCIA DO VES-13 EM UM AMBULATÓRIO GERIÁTRICO DE REFERÊNCIA

Meirelayne Borges Duartea

https://orcid.org/0000-0002-2744-1979

Leonardo Rios Carteadob

https://orcid.org/0000-0002-0246-5907

Rafaella de Oliveira Andradec

https://orcid.org/0000-0002-2548-6655

Carla Daltrod

https://orcid.org/0000-0003-1115-688X

Resumo

O objetivo deste estudo é avaliar a acurácia do Vulnerable Elders Survey (VES-13) em um ambulatório geriátrico de referência. Este é um estudo transversal com amostra de conveniência constituída por idosos (≥ 60 anos) em um ambulatório geriátrico de referência. O escore do VES-13, aplicado pelos pesquisadores, foi comparado com os estratos da Classificação Clínico Funcional (CCF), realizada pelas equipes assistentes. Após análise descritiva das variáveis, a acurácia do VES-13 foi calculada em diversos pontos de cortes. Foram avaliados 110 idosos, com idade entre 62 e 99 anos, média de 77,6 (±8.5) anos e predominância feminina (75,5%). A fragilidade esteve presente em 75,5% da amostra (CCF ≥ 6) e associada ao sexo feminino pelo VES-13 (RP = 2,28; IC 95%: 1,24-4,14), mas não pela CCF (RP = 1,02; IC 95%: 0,79-1,32). Pontos de corte reduzidos apresentaram sensibilidade elevada, sendo maior no escore ≥ 2 (96,4%). O escore do VES-13 ≥ 7 obteve o melhor balanço entre a sensibilidade e especificidade (respectivamente 63,86% e 59,26%). O valor preditivo positivo (VPP) foi de aproximadamente 80% em todos os cortes, possivelmente devido à alta prevalência de fragilidade

a Médica. Mestrado em Medicina e Saúde. Professora Adjunta do Curso de Medicina da Universidade Salvador (Unifacs). Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: meirelayne.duarte@unifacs.br

b Estudante de Medicina da Universidade Salvador (Unifacs). Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: leocarteado@gmail.com

c Estudante de Medicina da Universidade Salvador (Unifacs). Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: rafaellaoandrade@gmail.com

d Médica. Doutorado em Medicina e Saúde. Professora Adjunta da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: carlahcdaltro@gmail.com

Endereço para correspondência: Universidade Salvador (Unifacs). Campus Professor Barros. Avenida Luís Viana, n. 3100-3146, Pituaçu, Imbuí. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41720-200 E-mail: meirelayne.duarte@unifacs.br

42 42
DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3417

na amostra. Em conclusão, reitera-se a acurácia do VES-13 na identificação dos idosos robustos (VES-13 ≤ 2), que podem ser manejados exclusivamente na atenção primária à saúde (APS) e dos idosos frágeis (VES-13 ≥ 7), que devem ser encaminhados para atenção especializada.

O subgrupo intermediário (VES-13 entre 3 e 6) necessita de avaliação adicional para melhor definição da sua condição, configurando-se assim uma estratégia de hierarquização da atenção integral à saúde do idoso.

Palavras-chave: Envelhecimento. Idoso fragilizado. Vulnerabilidade em saúde. Atenção primária à saúde.

ACCURACY OF VES-13 IN A GERIATRIC OUTPATIENT CLINIC

Abstract

This study aims to assess the accuracy of the Vulnerable Elders Survey (VES-13) in a geriatric reference center. This is a cross-sectional study with a convenience sample of older adults (≥ 60 years) in a geriatric outpatient clinic. The VES-13 score, applied by the researchers, was compared with the strata of the Clinical Functional Classification (CCF), performed by the assistant teams. After descriptive analysis of the variables, the accuracy of the VES-13 was calculated at several cutoff points. A group of 110 individuals were evaluated, aged between 62 and 99 years, with an average of 77.6 (±8.5) years and female predominance (75.5%). Frailty was present in 75.5% of the sample (CCF ≥ 6) and associated with females by VES-13 (PR = 2.28; 95% CI: 1.24-4.14), but not by CCF (PR = 1.02; 95% CI: 0.79-1.32). Reduced cutoff points showed high sensitivity, higher at score ≥ 2 (96.4%). The VES-13 score ≥ 7 obtained the best balance between sensitivity and specificity (63.86% and 59.26%, respectively). The positive predictive value (PPV) was approximately 80% at all cutoffs, possibly due to the high prevalence of frailty in the sample. In conclusion, the accuracy of the VES-13 to identify robust older people (VES-13 ≤ 2), who can be accompanied exclusively in primary health care (PHC), and fragile older people (VES-13 ≥ 7), who must be referred to specialized care, is reiterated. The intermediate subgroup (VES-13 between 3 and 6), needs additional assessment to better define their condition, thus configuring a hierarchical comprehensive strategy of health care for older adults.

Keywords: Aging. Frail older adult. Healthy vulnerability. Primary health care.

43 v. 45, n. 4, p. 42-52 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

EXACTITUD DEL VES-13 EN UN CENTRO GERIÁTRICO DE DERIVACIÓN

Resumen

El objetivo de este estudio es evaluar la exactitud de Vulnerable Elders Survey (VES-13) en un centro geriátrico de derivación. Este es un estudio transversal, con una muestra de conveniencia de personas mayores (≥ 60 años) en un centro geriátrico de derivación.

La puntuación de VES-13 fue aplicada por los investigadores y se comparó con los estratos de la Clasificación Clínica Funcional (CCF), realizada por los equipos asistentes. Después del análisis descriptivo de las variables, se calculó la precisión del VES-13 en varios puntos de corte. Se evaluaron a 110 ancianos, con edades entre 62 y 99 años, promedio de edad de 77,6 (± 8,5) años y predominio del sexo femenino (75,5%). La fragilidad estuvo presente en el 75,5% de la muestra (CCF ≥ 6) y se asoció con las mujeres por VES-13 (RP = 2,28; IC del 95%: 1,24-4,14), pero no por la CCF (RP = 1,02; IC del 95%: 0,79-1,32). Los puntos de corte con reducción mostraron una alta sensibilidad, con una puntuación ≥ 2 (96,4%). La puntuación VES-13 ≥ 7 obtuvo el mejor equilibrio entre sensibilidad y especificidad (63,86% y 59,26%, respectivamente). El valor predictivo positivo (VPP) fue aproximadamente el 80% en todos los cortes, posiblemente debido a la alta prevalencia de fragilidad en la muestra. Se reitera la exactitud del VES-13 para identificar ancianos robustos (VES-13 ≤ 2), que pueden ser manejados exclusivamente en atención primaria de salud (APS) y ancianos frágiles (VES-13 ≥ 7), que deben ser derivados a atención especializada. Se necesita evaluar más el subgrupo intermedio (VES-13 de 3 a 6) para definir mejor su condición, configurando así una estrategia jerárquica para la atención integral de la salud del adulto mayor.

Palabras clave: Envejecimiento. Anciano frágil. Vulnerabilidad en salud. Atención primaria de Salud.

INTRODUÇÃO

O aumento progressivo da expectativa de vida repercute alterações relevantes no perfil epidemiológico brasileiro, fazendo com que as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) ocupem as principais posições de morbidade e mortalidade1. Essa transição reverbera na elevação dos custos e na utilização dos serviços de saúde, pois a população idosa é a que proporcionalmente consome mais serviços de saúde2,3,4,5,6

O termo fragilidade pode ser utilizado para representar o grau de vulnerabilidade do idoso a desfechos adversos, como quedas, institucionalização ou óbito. O desafio atual

44

é a aplicação prática do conceito de fragilidade, a fim de permitir o seu reconhecimento e estabelecer intervenções que promovam independência e autonomia do indivíduo, impedindo ou retardando desfechos adversos2,3,7,8,9,10

Na tentativa de identificar os fatores de risco, busca-se estruturar um método de ordenação de prioridade desde o primeiro momento, ou seja, desde a entrada do idoso no sistema de saúde. Estabelecer um sistema de estratificação de risco de fragilidade é relevante para diferenciar os pacientes que seriam beneficiados ou não por uma intervenção1,4,5,7.

O Vulnerable Elders Survey (VES-13) é o instrumento de triagem preconizado pelo Ministério da Saúde, a ser aplicado para avaliação da vulnerabilidade da pessoa idosa na Atenção Primária de Saúde (APS), constando na Caderneta de Atenção à Saúde da Pessoa Idosa. Consiste em uma ferramenta simples e prática, podendo ser aplicada em cinco minutos e administrada pessoalmente ou por telefone, pelos profissionais médicos ou não 11,12,13,14 .

A Classificação Clínico-Funcional (CCF) é uma ferramenta capaz de estratificar pessoas idosas frágeis. Essa proposta de classificação se fundamenta na Avaliação Geriátrica Ampla (AGA), abordagem multidimensional que contempla a definição de demandas biopsicossociais do indivíduo idoso. Diante dessa avaliação, que requer mais tempo e equipe capacitada, adota-se uma estratificação mais detalhada, baseada na funcionalidade do indivíduo idoso, com o objetivo de promover um acompanhamento geriátrico-gerontológico especializado, capaz de intervir efetivamente nas particularidades de cada grupo 2,6,15,16

O objetivo deste estudo é avaliar a acurácia do VES-13 na identificação de idosos frágeis, tendo a CCF como padrão-ouro.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal realizado no Centro de Referência Estadual de Atenção à Saúde do Idoso (Creasi), em Salvador, Bahia, Brasil. A amostra de conveniência foi constituída pelos pacientes atendidos no Creasi, com idade maior ou igual a 60 anos, no período de setembro de 2019 a março de 2020, presentes na sala de espera nos momentos de coleta de dados.

Os dados foram coletados pelos pesquisadores por meio da aplicação do VES-13 respondido pelo paciente ou responsável legal durante a espera para consulta na instituição. Além disso, foram coletados, nos prontuários, os estratos da CCF desses pacientes, já avaliados pela equipe assistente.

45 v. 45, n. 4, p. 42-52 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

Foram excluídos os idosos em cujos prontuários não foi encontrado registro da CCF e idosos ou responsáveis legais que não responderam completamente ao VES-13 ou não assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O VES-13 contém 13 perguntas que abordam informações referentes à idade (60 a 74 anos; 75 a 84 anos; 85 ou mais), autopercepção da saúde (excelente; muito boa; boa; regular; ruim), limitação para atividades físicas (agachar-se, levantar peso de 5 kg, elevar os braços, entre outras) e incapacidades para as atividades da vida diária (AVD) (como tomar banho, fazer compras, lidar com dinheiro, entre outras). A pontuação total varia de 0 a 10 pontos e estratifica os idosos em robustos (≤ 2 pontos), em risco de fragilização (3 a 6 pontos) e frágeis (≥ 7 pontos)5

A CCF avalia a funcionalidade global (independência e autonomia), os sistemas funcionais principais (humor, cognição, comunicação e mobilidade), as síndromes geriátricas (instabilidade postural, incapacidade comunicativa, imobilidade, incapacidade cognitiva e incontinência esfincteriana), contemplando também aspectos como lazer, segurança, suporte familiar e social do indivíduo. A pontuação total varia de 1 a 10 pontos e abrange a seguinte classificação: idosos robustos (escores de 1 a 3), idosos em risco de fragilização (escores 4 ou 5) e idosos frágeis (escores 6 a 10), sendo classificados em baixa complexidade, alta complexidade e idosos no fim da vida2.

Os dados foram analisados por sexo (feminino e masculino) por meio de frequências simples e relativas, além dos cálculos de medidas de tendência central (média) e medidas de dispersão – amplitude e desvio padrão (DP). Após a análise descritiva das variáveis, assumindo a CCF ≥ 6 como equivalente de idoso frágil, a acurácia do VES-13 foi avaliada em variados pontos de corte (entre 2 e 9), por meio das medidas de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo (VPP) e valor preditivo negativo (VPN), com intervalo de confiança de 95% (IC95%).

O presente estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Salvador (Unifacs), conforme parecer nº 3.335.681.

RESULTADOS

Foram entrevistados, de setembro de 2019 até março de 2020, 110 idosos. Com relação ao sexo, houve predominância das mulheres (n = 83; 75,5%). A faixa etária variou de 62 a 99 anos, com uma média 77,7 (± 8,5) anos. Aproximadamente 45% dos entrevistados estavam na faixa de 75 a 84 anos (Tabela 1).

46

Tabela 1 – Distribuição da amostra de acordo com o sexo e os atributos do VES-13.

Salvador, Bahia, Brasil, 2020

De acordo com o VES-13, 60,9% dos entrevistados consideraram a sua saúde como regular ou ruim, enquanto 39,1% a definiram como boa, muito boa ou excelente. Não houve diferença por sexo quanto à autopercepção de saúde (Tabela 1). Dos indivíduos que referiram saúde regular ou ruim, 62,7% e 71,6% foram classificados como frágeis, pelo VES-13 e pela CCF, respectivamente. Por outro lado, dos idosos que declararam ter um bom estado de saúde, o VES-13 e a CCF classificaram respectivamente 51,2% e 81,4% como frágeis.

A ausência de limitação para atividade física foi referida por apenas 15,7% das mulheres e por 40,7% dos homens (RP = 0,38; IC 95%: 0,20-0,76). Dentre os indivíduos que referiram ausência de limitações, nenhum foi identificado como frágil pelo VES-13, entretanto 62,5% foram estratificados como frágeis pela CCF. Dos pacientes que declararam ter alguma limitação, 80,0% das mulheres e 50% dos homens foram classificados como frágeis pelo VES-13 e 78,6% das mulheres e 81,3% dos homens pela CCF.

Ausência de incapacidade para as AVD foi referida por 15,7% das mulheres e por 33,3% dos homens (RP = 0,47; IC 95%: 0,23-0,98). Dos idosos que relataram ausência de incapacidades, nenhum foi considerado frágil pelo VES-13, diferente da CCF, na qual 54,5% foram estratificados como frágeis. Quando presente alguma incapacidade, 80,0% das mulheres e 44,4% dos homens apresentaram fragilidade pelo VES-13 enquanto pela CCF esses percentuais alcançaram respectivamente 77,1% e 94,4%.

Como demonstrado na Tabela 2, na amostra total, o VES-13 identificou 58,2% indivíduos em fragilidade (VES-13 ≥ 7), enquanto a CCF classificou 75,5% como frágeis (CCF ≥ 6).

47 v. 45, n. 4, p. 42-52 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
Feminino (n = 83) Masculino (n = 27) Total (n = 110) n % n % n % Idade 60 a 74 anos 26 31,3 13 48,1 39 35,5 75 a 84 anos 41 49,4 8 29,6 49 44,5 ≥ 85 anos 16 19,3 6 22,2 22 20,0 Autopercepção da saúde Boa ou melhor que boa 33 39,8 10 37,0 43 39,1 Regular ou ruim 50 60,2 17 63,0 67 60,9 Limitações físicas Nenhuma 13 15,7 11 40,7 24 21,8 Uma 13 15,7 7 26,0 20 18,2 Duas ou mais 57 68,6 9 33,3 66 60,0 Incapacidades Nenhuma 13 15,7 9 33,3 22 20,0 Uma ou mais 70 84,3 18 66,7 88 80,0 Fonte: Elaboração própria.

Pela perspectiva do VES-13, houve associação de fragilidade com o sexo feminino (RP = 2,28; IC 95%: 1,24-4,14), o que não foi visto através da CCF (RP = 1,02; IC 95%: 0,79-1,32).

Tabela 2 – Estratificação dos idosos (n = 110) por sexo e classificação de fragilidade.

Salvador, Bahia, Brasil, 2020

Na avaliação da acurácia do VES-13 (Tabela 3), pontos de cortes mais baixos (2 a 6) apresentaram sensibilidade elevada em detrimento da especificidade, apresentando maior diferença entre estas no escore ≥ 2 (96,4% versus 22,2%). Cortes elevados (8 e 9), por sua vez, demonstraram especificidade mais elevada, sendo essa maior no escore ≥ 9 (88,9%), em detrimento da sensibilidade. O escore ≥ 7 obteve o melhor balanço entre a sensibilidade e especificidade, sendo estas, respectivamente 63,9% e 59,3%.

Fonte: Elaboração própria. VPP = Valor preditivo positivo. VPN = Valor preditivo negativo.

48
Instrumento/estratificações de fragilidade Masculino (n = 27) Feminino (n = 83) Total (n = 110) n % n % n % Classificação clínico-funcional Robusto 1 0,9 2 1,8 3 2,7 Em risco de fragilização 6 5,5 18 16,4 24 21,8 Frágil 20 18,2 63 57,3 83 75,5 Vulnerable Elders Survey-13 Robusto 6 5,5 8 7,3 14 12,7 Em risco de fragilização 13 11,8 19 17,3 32 29,1 Frágil 8 7,3 56 50,9 64 58,2 Fonte: Elaboração própria.
Pontos de corte Sensibilidade % (IC 95%) Especificidade % (IC 95%) VPP % (IC 95%) VPN % (IC 95%) ≥ 2 96,39 (89,8-99,3) 22,22 (8,6-42,3) 79,21 (75,6-82,4) 66,67 (34,9-88,2) ≥ 3 93,98 (86,5-98,2) 33,33 (16,5-54,0) 81,25 (76,8-85,0) 64,29 (39,8-83,0) ≥ 4 89,16 (80,4-94.2) 33,33 (16,5-54,0) 80,43 (75,7-84,4) 50,00 (30,7-69,3) ≥ 5 86,75 (77,5-93,2) 40,74 (22,4-61,2) 81,82 (76,5-86,2) 50,00 (32,9-67,1) ≥ 6 79,52 (69,2-87,6) 44,44 (25,5-64,7) 81,48 (75,5-86,3) 41,38 (27,0-59,2) ≥ 7 63,86 (52,6-74,1) 59,26 (38,8-77,6) 82,81 (74,8-88,7) 34,78 (25,9-44,9) ≥ 8 34,94 (24,8-46,2) 81,48 (61,9-93,7) 85,29 (71,4-93,1) 28,95 (24,3-34,1) ≥ 9 16,87 (9,5-26,7) 88,89 (70,8-97,6) 82,35 (59,2-93,8) 25,81 (22,8-29,1)
Tabela 3 – Acurácia em variados pontos de cortes do VES-13 diante da CCF ≥ 6. Salvador, Bahia, Brasil, 2020

O VPP se manteve elevado em todos os pontos de cortes, com pequena variação (DP = 1,7). O VPN, por sua vez, oscilou mais (DP = 14,3), apresentando maiores valores nos escores mais baixos e menores valores nos escores mais elevados.

DISCUSSÃO

Este estudo evidenciou alta sensibilidade do VES-13 em baixos pontos de corte (≥ 2 a ≥ 6), com redução progressiva à medida que se elevam os escores. Por outro lado, a especificidade foi maior em pontos de corte mais elevados. Paralelamente, o valor preditivo positivo manteve-se elevado em todas as faixas analisadas, o que é afetado pela elevada prevalência de idosos frágeis nessa unidade de saúde, sendo a fragilidade critério de triagem para esse centro de referência.

O escore do VES-13 ≥ 3 é o ponto de corte de fragilidade adotado pelo Ministério da Saúde, que adverte que nessa condição o idoso necessita de cuidados especializados com o objetivo de evitar a progressão para quadros de saúde irreversíveis11. Comparado à fragilidade definida pela CCF, esse corte do VES-13 apresentou alta sensibilidade, o que, consonante com o alto VPP, traduz-se em uma adequada capacidade de identificar idosos frágeis. Todavia, ainda que a elevada sensibilidade nesse corte seja positiva para um instrumento de rastreio2,18, a menor especificidade faz com que mais idosos sejam triados como frágeis erroneamente, o que pode acarretar maior número de atendimentos com o especialista sem demanda real para isso.

Dentre todos os pontos de corte, o escore ≥ 7 apresentou maior equilíbrio entre sensibilidade e especificidade. Apesar de uma menor sensibilidade comparada a escores mais baixos, tal característica permite uma distinção balanceada de idosos frágeis e não frágeis, o que favorece seu uso para definir com maior precisão os idosos que necessitam de cuidados geriátricos especializados. Graças à sua maior especificidade, esse ponto de corte mais elevado pode ser útil como critério de encaminhamento da APS para o centro de referência, embora reconhecendo a possibilidade tanto de falsos positivos como de falsos negativos.

Os pontos de cortes do VES-13 entre 4 e 6 mostraram maior especificidade que os pontos mais baixos, porém mostram-se insuficientes para definir a real condição clínico-funcional do idoso com segurança. Dessa forma, nessa faixa intermediária de cortes, seria ideal avaliar outras características preditoras de fragilidade, mas não contempladas pelo VES-13, como déficits cognitivos, polifarmácia e internações recentes. O Índice de Vulnerabilidade Clínico Funcional-20 (IVCF-20), outro instrumento de triagem, abrange essas características e poderia ser aplicado para diminuir a probabilidade de resultados errôneos. No entanto, a aplicação do IVCF-20 não é tão rápida como o VES-13 e requer mais habilidades, pois envolve dados de exame físico como avaliação de IMC

49 v. 45, n. 4, p. 42-52 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

e de velocidade de marcha2. Ainda assim, a inserção desse instrumento após a triagem rápida por meio do VES-13, para os idosos com escores na faixa intermediária (4 a 6), poderá contemplar um protocolo de hierarquização na assistência aos idosos1

Utilizando o corte padrão para fragilidade do VES-13 (≥ 7), a prevalência de fragilidade no sexo feminino foi mais que o dobro da encontrada no sexo masculino. Isso pode ser justificado pelo fato de o VES-13 ser avaliado por meio de autorrelatos, sendo as limitações mais subestimadas pelo sexo masculino14. Por outro lado, a equivalência de fragilidade entre os sexos observada na CCF pode se relacionar a uma avaliação objetiva realizada por múltiplos profissionais de saúde. No entanto, são necessários mais estudos para compreender a associação de fragilidade com o sexo feminino.

O VES-13, por ter apenas quatro atributos14, torna-se limitado para uma avaliação integral do estado de saúde. Isso foi perceptível, neste estudo, quando a fragilidade não foi identificada em idosos que referiram ausência de limitações e incapacidades, pelo VES-13, mas foi detectada em mais da metade da mesma população pela CCF. Tal achado está em conformidade com a possibilidade de haver menor descrição, por parte dos pacientes, das reais condições de saúde analisadas pelo VES-13. Além disso, a maior discrepância entre os instrumentos, no sexo masculino, reforça a possibilidade de negação das limitações entre os homens.

Comparando a capacidade de identificar a possível fragilidade, o VES-13 apresentou elevado VPP e baixo VPN nos escores analisados, o que traduz uma menor susceptibilidade do instrumento aos resultados falso-positivos e maior susceptibilidade aos resultados falso-negativos. Essas variáveis dependem da prevalência da condição em estudo, sendo diretamente proporcional ao VPP e inversamente ao VPN18. Nesse estudo, a prevalência da fragilidade foi elevada em todos os contextos, o que justifica o valor constante e elevado do VPP. Dentre as limitações do estudo, a mais notória foi a diferença de tempo entre a avaliação da equipe multidisciplinar para determinação da CCF e a entrevista para coleta do VES-13. Além disso, é válido recordar que a amostra estudada se limita a idosos triados previamente como frágeis ou em risco de fragilização pela CCF, o que pode ter subestimado a relação entre os instrumentos. Outra limitação foi a interrupção da aplicação do VES-13 para coleta de dados, visto que em 2020 iniciou-se a pandemia da covid-19, o que restringiu o tamanho da amostra.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, reitera-se a acurácia do VES-13 como instrumento de triagem rápida para identificação dos idosos robustos (VES-13 ≤ 2), que podem ser manejados exclusivamente

50

na APS, e dos idosos frágeis (VES-13 ≥ 7), que devem ser encaminhados ao centro de referência em busca do cuidado compartilhado. Para o subgrupo intermediário (VES-13 entre 3 e 6), cabe a aplicação subsequente de outro instrumento apropriado, que permita avaliação de domínios não avaliados pelo VES-13. Tal avaliação sequenciada poderá ser uma estratégia de hierarquização da atenção à saúde da pessoa idosa.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Meirelayne Borges Duarte, Leonardo Rios Carteado, Rafaella de Oliveira Andrade e Carla Daltro.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Meirelayne Borges Duarte, Leonardo Rios Carteado, Rafaella de Oliveira Andrade e Carla Daltro.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Meirelayne Borges Duarte, Leonardo Rios Carteado, Rafaella de Oliveira Andrade e Carla Daltro.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Meirelayne Borges Duarte, Leonardo Rios Carteado, Rafaella de Oliveira Andrade e Carla Daltro.

REFERÊNCIAS

1. Lourenco RA, Martins CSF, Sanchez MAS, Veras RP. Geriatric outpatient healthcare: hierarchical demand structuring. Rev Saúde Pública. 2005; 39(2):311-8.

2. Moraes EM, Carmo JA, Moraes FL, Azevedo RS, Machado CJ, Montilla DER. Índice de Vulnerabilidade Clínico Funcional-20 (IVCF-20): reconhecimento rápido do idoso frágil. Rev Saúde Pública. 2016;50:1-10.

3. Duarte MB, Rego MAV. Comorbidade entre depressão e doenças clínicas em um ambulatório de geriatria. Cad Saúde Pública. 2007;23(3):691-700.

4. Veras R. Em busca de uma assistência adequada à saúde do idoso: revisão da literatura e aplicação de um instrumento de detecção precoce e de previsibilidade de agravos. Cad Saúde Pública. 2003;19(3):705-15.

5. Paraná. Secretaria de Estado da Saúde, Superintendência de Atenção à Saúde. Linha guia da saúde do idoso. Curitiba (PR): Sesa; 2018.

6. Moraes EN. Como preparar o sistema de saúde brasileiro para enfrentar o envelhecimento, tendo em vista a mudança do perfil demográfico [Internet]. Brasília (DF): Conass; 2014 [citado em 2020 mar 5]. Disponível em: http://www. conass.org.br/consensus/como-preparar-o-sistema-de-saude-brasileiro-paraenfrentar-o-envelhecimento-tendo-em-vista-a-mudanca-do-perfil-demografico.

51 v. 45, n. 4, p. 42-52 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

7. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.528 de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Brasília (DF); 2006.

8. Wang J, Lin W, Chang L. The linear relationship between the Vulnerable Elders Survey-13 score and mortality in an Asian population of community-dwelling older persons. Arch Gerontol Geriatr. 2018;54:32-8.

9. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in Older Adults: Evidence for a Phenotype: J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2001;56(3):146-56.

10. Moraes EN. Atenção à saúde do idoso: aspectos conceituais. Brasília (DF): Opas; 2012.

11. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa. 5a ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2018.

12. Bongue B, Buisson A, Dupre C, Beland F, Gonthier R, Crawford-Achour E. Predictive performance of four frailty screening tools in community-dwelling elderly. BMC Geriatr. 2018;17(1):1-9.

13. Beckett MK, Elliott MN, Ritenour D, Giordano LA, Grace SC, Malinoff R, et al. Adapting the Vulnerable Elders Survey-13 to Predict Mortality Using Responses to the Medicare Health Outcomes Survey. J Am Geriatr Soc. 2017;65(5):1051-5.

14. Saliba D, Elliott M, Rubenstein LZ, Solomon DH, Young RT, Kamberg CJ, et al. The Vulnerable Elders Survey: a tool for identifying vulnerable older people in the community. J Am Geriatr Soc. 2001;49(12):1691-9.

15. Faller JW, Pereira DN, Souza S, Nampo FK, Orlandi FS, Matumoto S. Instruments for the detection of frailty syndrome in older adults: A systematic review. PLoS One. 2019;14(4):1-23.

16. Miranda GMD, Mendes ACG, Silva ALA. Population aging in Brazil: current and future social challenges and consequences. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):507-19.

17. Min LC, Elliott MN, Wenger NS, Saliba D. Higher vulnerable elders survey scores predict death and functional decline in vulnerable older people. J Am Geriatr Soc. 2006;54(3):507-11.

18. Patino CM, Ferreira JC. Understanding diagnostic tests. Part 2. J Bras Pneumol. 2017;43(6):408.

Recebido: 18.4.2021. Aprovado: 5.9.2022.

52

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

MORTALIDADE MATERNA NA BAHIA: UMA ANÁLISE SOCIODEMOGRÁFICA

Ana Beatriz Costa Neivaa

https://orcid.org/0000-0002-8967-4479

Júlia Libarino Pontes Pimentel Santosb

https://orcid.org/0000-0003-2098-058X

Lahara Martins Dourado Macêdoc

https://orcid.org/0000-0001-7501-6371

Victória Kelly Savernini Ramosd

https://orcid.org/0000-0003-4346-4692

Meirelayne Borges Duartee

https://orcid.org/0000-0002-2744-1979

Resumo

Este estudo teve por objetivo analisar a influência dos fatores sociodemográficos na mortalidade materna no estado da Bahia e identificar seus fatores de risco, para que sejam implantadas melhorias na Atenção Primária à Saúde. Foi realizado um estudo quantitativo, transversal e descritivo com dados secundários, coletados no período de fevereiro a junho de 2020 por meio do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus). A população do estudo foi composta por todas as mulheres de faixa etária entre 10 e 49 anos que morreram durante a gravidez, parto ou puerpério, no período de 2007 a 2017. Foram estudadas as variáveis qualitativas escolaridade, estado civil, cor/raça e a variável quantitativa idade. Na análise dos dados, foram usadas a razão de mortalidade materna para calcular a variável quantitativa e as taxas de distribuição percentual para calcular as variáveis qualitativas. De acordo com a análise deste estudo, foi possível perceber que os óbitos maternos foram mais prevalentes em mulheres entre 40 e 49 anos, solteiras, com quatro a 11 anos de escolaridade e pardas. Assim, pode-se

a Acadêmica de Medicina da Universidade Salvador. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: anabeatriz.neiva09@gmail.com

b Acadêmica de Medicina da Universidade Salvador. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: julialibarinopps@gmail.com

c Acadêmica de Medicina da Universidade Salvador. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: laharamacedo@gmail.com

d Acadêmica de Medicina da Universidade Salvador. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: victoriasavernini@gmail.com

e Médica. Mestre em Saúde com Concentração em Epidemiologia. Docente do Curso de Medicina da Universidade de Salvador. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: meirelayne.duarte@unifacs.br

Endereço para correspondência: Universidade de Salvador. Avenida Luís Viana, n. 3100-3146, Imbuí. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41720-200. E-mail: julialibarinopps@gmail.com

53 v. 45, n. 4, p. 53-63 out./dez. 2021 53
Revista Baiana de Saúde Pública DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3476

concluir que, a fim de reduzir a mortalidade materna na Bahia, são necessárias ações governamentais mais amplas e articuladas, para que ocorram mudanças efetivas no atual modelo assistencial de atenção obstétrica.

Palavras-chave: Mortalidade materna. Saúde da mulher. Análise de vulnerabilidade.

MATERNAL MORTALITY IN BAHIA: A SOCIODEMOGRAPHIC ANALYSIS

Abstract

This study aimed to analyze the influence of sociodemographic factors on maternal mortality in the state of Bahia and to identify its risk factors, for implementing improvements in Primary Health Care. A quantitative, cross-sectional, and descriptive study was carried out with secondary data collected from February to June 2020 by using the Department of Informatics of the Unified Health System (DATASUS). The study population comprises all women aged between 10 and 49 years, who died during pregnancy, labor, or puerperium in the period from 2007 to 2017. Qualitative variables of schooling, marital status, skin color/race and quantitative age variable were studied. In the data analysis, maternal mortality ratios were used to calculate the quantitative variable and the percentage distribution rates to calculate the qualitative variables. According to this study analysis, noticing that maternal deaths were more prevalent in women between 40 and 49 years old, single, with four to 11 years of schooling and mixed race was possible. Thus, it is possible to conclude that, to reduce maternal mortality in Bahia, broader and more articulated governmental actions are necessary for effective changes to occur in the current model of obstetric care.

Keywords: Maternal Mortality. Women’s Health. Vulnerability Analysis.

MORTALIDAD MATERNA EN BAHÍA: UN ANÁLISIS SOCIODEMOGRÁFICO

Resumen

Este estudio tuvo como objetivo analizar la influencia de los factores sociodemográficos en la mortalidad materna en el estado de Bahía (Brasil) e identificar sus factores de riesgo para que se implementen mejoras en la atención primaria de salud. Se realizó un estudio cuantitativo, transversal y descriptivo con datos secundarios recolectados del Departamento de Informática del Sistema Único de Salud (DATASUS) en el período de febrero

54

a junio de 2020. La población del estudio se compuso de mujeres entre los 10 y los 49 años, que fallecieron durante el embarazo, parto o puerperio en el período de 2007 a 2017. Se estudiaron las variables cualitativas de educación, estado civil, color/raza y la variable cuantitativa edad. En el análisis de datos, se utilizó la razón de mortalidad materna para calcular la variable cuantitativa y las tasas de distribución porcentual para calcular las variables cualitativas. Del análisis se pudo notar que las muertes maternas fueron más prevalentes en mujeres entre 40 y 49 años, solteras, con cuatro a 11 años de educación y pardas. Se concluyó que la reducción de la mortalidad materna en Bahía requiere de acciones gubernamentales más amplias y articuladas para que se produzcan cambios efectivos en el actual modelo de atención de la atención obstétrica.

Palabras clave: Mortalidad Materna. Salud de la Mujer. Análisis de Vulnerabilidad.

INTRODUÇÃO

A mortalidade materna é um dos grandes problemas de saúde pública que assolam a Bahia e diversos estados brasileiros há mais de décadas. Nesse cenário, os óbitos maternos se tornam um importante indicador de desenvolvimento humano e socioeconômico para nortear melhorias para a saúde pública. De acordo com um estudo brasileiro, cerca de 95% das mortes maternas são por causas evitáveis1, o que reflete as precárias condições econômicas, culturais e tecnológicas de um país ou de uma sociedade e constitui-se em uma violação dos direitos reprodutivos das mulheres, tratando-se, portanto, de uma preocupação mundial2

A mortalidade materna pode ser descrita como a morte de mulheres durante a gestação, ou dentro de um período de 42 dias após o final da gravidez, baseada em causas diversas que estão relacionadas ou foram agravadas por decisões necessárias em relação à gestação, excluindo causas acidentais ou incidentais3. Por sua vez, pode ser expressa pela razão da mortalidade materna (RMM), que correlaciona o número de mortes de mulheres por causas ligadas à gravidez, parto e puerpério, ao de nascidos vivos (NV)1. Esse indicador é de grande importância para analisar o perfil da mortalidade materna no Brasil e na Bahia.

Nos países em desenvolvimento, os índices de mortalidade materna estão ainda distantes dos desejáveis. Em 1990 morreram 585 mil mulheres no mundo, vítimas de complicações durante o ciclo gravídico-puerperal. A disparidade dos índices de mortalidade materna entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, quanto a esse dado, é grande. Os índices de países como o Canadá e Estados Unidos são inferiores a nove óbitos maternos para cem mil nascidos vivos. Por outro lado, Bolívia, Peru e Haiti somam mais de duzentos óbitos por cem mil nascidos vivos. Desses casos, 98% poderiam ser evitados com medidas preventivas na área da saúde4

55 v. 45, n. 4, p. 53-63 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

Nos anos 2000, o Brasil assumiu perante as oito iniciativas identificadas como objetivos de desenvolvimento do milênio (ODM) o compromisso de reduzir a RMM para 35 óbitos a cada cem mil nascidos vivos até o ano de 20153. Entre os anos de 1990 e 2010, a mortalidade materna do país teve uma queda de 52% (de 141 para 68 óbitos por cem mil nascidos vivos)5. Contudo, já no ano de 2016, a RMM brasileira ainda se distanciava dessa meta, sendo de 64,4 mortes maternas em cada cem mil bebês nascidos6, não atingindo assim a meta dos ODM, uma realidade ainda distante para o Brasil e já perceptível em países desenvolvidos.

Adquirir informações sobre níveis e tendências da mortalidade materna é de suma importância, pois pode estimar os riscos que ocorrem na gravidez, parto e puerpério, além de ter um grande significado para a saúde da mulher, levando em consideração seu status social, familiar e econômico, permitindo assim que a idade, escolaridade, cor/raça e estado civil sejam analisadas e comparadas. A redução da mortalidade representa um grande desafio para os gestores de saúde, principalmente pelo fato de as mortes evitáveis atingirem um grupo específico de mulheres menos favorecidas e com menor acesso ao pré-natal. É necessária a elaboração de políticas públicas que garantam um acompanhamento completo e efetivo a essas gestantes, evitando índices elevados de mortalidade3

Sendo assim, este estudo teve como objetivo analisar a influência dos fatores sociodemográficos na mortalidade materna do estado da Bahia e identificar fatores de risco que sirvam de base para intervenções na saúde pública a serem aplicadas pelo governo.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo quantitativo, transversal e descritivo com dados secundários coletados por meio do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus). A população de estudo utilizada teve como critério de inclusão os óbitos maternos ocorridos nos anos de 2007 a 2017 na unidade da federação da Bahia. Foram excluídos os óbitos maternos na faixa etária de 50 a 59 anos e os que tiveram a idade, escolaridade, cor/raça ou estado civil ignorados.

O estudo utilizou uma amostra de dados agregados, composta por todos os óbitos maternos no estado da Bahia registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) no período de 2007 a 2017, e teve como variáveis: idade, cor/raça, escolaridade e estado civil.

56

A coleta de dados foi realizada por meio do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e do SIM da base de dados do Datasus. O número de óbitos maternos foi obtido pelo acesso ao item Informações de Saúde (Tabnet) em Estatísticas Vitais e a seleção do tópico Mortalidade – 1996 a 2017 (de acordo com a CID-10, óbitos de mulheres em idade fértil e óbitos maternos no Brasil por região e unidade de federação). Foi selecionada a opção óbitos maternos e a unidade de federação Bahia. O número de nascidos vivos foi obtido a partir do item Informações de Saúde (Tabnet) em Estatísticas vitais e a seleção do tópico Nascidos Vivos –1994 a 2016, com abrangência no Brasil por regionais/estados.

A análise das variáveis qualitativas, escolaridade, cor/raça e estado civil, foi feita por meio do cálculo da distribuição percentual dos óbitos por categoria, calculado por meio do número de óbitos maternos por categoria em determinado ano (nº total de óbitos maternos no ano × 100). A variável quantitativa idade foi analisada a partir da razão de mortalidade materna por faixa etária, calculada por meio do número de óbitos maternos na faixa etária em determinado ano (nº de nascidos vivos de mães nessa faixa etária no ano × 100.000).

Cabe salientar que esse estudo foi realizado respeitando o Código de Ética Médica e a Declaração de Helsinque. Na sua elaboração foram utilizados dados secundários já existentes para investigar questões diferentes daquelas para as quais os dados foram coletados. Desse modo, dispensou-se a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos. Para a realização, foram executadas as recomendações da Resolução 510/16 (Conep – CMS/MS).

RESULTADOS

Ao analisar o Gráfico 1, foi possível verificar que no estado da Bahia a faixa etária entre 40 e 49 anos teve a maior razão de mortalidade materna em todo o período observado, sendo o seu pico no ano de 2009. A partir de então, ocorreu uma redução considerável.

Já a faixa etária de 10 a 14 anos apresenta uma razão de mortalidade materna relativamente menor e diferente das outras, com pico no ano de 2014, a segunda maior neste ano. A razão de mortalidade materna é um coeficiente que reflete a qualidade da saúde da mulher, sendo assim, a observação de elevadas taxas de mortalidade materna revela insatisfatória prestação dos serviços de saúde a esse grupo.

57 v. 45, n. 4, p. 53-63 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

Gráfico 1 – Razão de mortalidade materna na Bahia. Salvador, Bahia, Brasil – 2007 a 2017

Conforme observa-se no Gráfico 2, as maiores taxas percentuais de óbitos maternos se encontram em mães com quatro a sete e oito a 11 anos de escolaridade, enquanto a taxa percentual de óbitos maternos em mães com 12 ou mais anos de escolaridade está entre as menores. A partir disso, podemos inferir que a maior parte dos óbitos maternos está concentrado em mulheres que não chegaram a concluir o ensino médio, e uma parte significativa não chegou nem a cursá-lo.

Gráfico 2 – Taxa de distribuição percentual de óbitos maternos por escolaridade.

Salvador, Bahia, Brasil – 2007 a 2017

58
Fonte: Elaboração própria com base em dados do Datasus. Fonte: Elaboração própria com base em dados do Datasus.

A partir do Gráfico 3, observou-se que os óbitos maternos por estado civil na Bahia estão percentualmente concentrados em mulheres solteiras, padrão que se mantém alto em todo o período analisado. A partir disso, é possível inferir que a mortalidade materna é um risco maior para mulheres que ainda não têm um relacionamento estabelecido do que para mulheres grávidas que são casadas com companheiros que as apoiam.

Gráfico 3 – Taxa de distribuição percentual de óbitos maternos por estado civil. Salvador, Bahia, Brasil – 2007 a 2017

Fonte: Elaboração própria com base em dados do Datasus.

De acordo com o Gráfico 4, no que se refere aos óbitos maternos por cor/raça na Bahia, as mulheres pardas apresentaram uma prevalência bem mais alta em relação às outras, com valores mais expressivos nos anos de 2011, 2013 e 2015. Esse resultado já era esperado, pelo fato de a maior parte da população do estado da Bahia ser composta por pardos e pretos (negros). A raça indígena, por sua vez, destacou-se por revelar a menor taxa de distribuição percentual de óbitos maternos.

Gráfico 4 – Taxa de distribuição percentual de óbitos maternos por cor/raça. Salvador, Bahia, Brasil – 2007 a 2017

Elaboração própria com base em dados do Datasus.

59 v. 45, n. 4, p. 53-63 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública Fonte:

DISCUSSÃO

Ao longo dos dez anos estudados, nota-se que a razão de mortalidade materna apresentou uma variação significativa, e as taxas percentuais das variáveis escolaridade, estado civil e cor/raça mantiveram um padrão no período analisado. Foi possível observar uma maior razão de mortalidade materna em mulheres de 40 a 49 anos e maior percentual de óbitos em mães solteiras, pardas e com quatro a 11 anos de escolaridade. É importante salientar que, grande parte das causas de óbitos maternos relacionadas aos resultados obtidos no estudo são evitáveis.

Nos últimos anos, ocorreu um aumento no número de gestações em idade avançada devido ao desejo da mulher em investir na formação e na carreira profissional, a postergação da época do casamento e a grande disponibilidade de métodos contraceptivos e técnicas de reprodução. A gravidez em mulheres com mais de 35 anos predispõe a maiores riscos obstétricos. Esse risco é decorrente tanto da própria senilidade ovariana quanto da maior frequência de doenças crônicas preexistentes, que aumentam ao longo da idade7.

Dessa forma, mulheres com idade mais avançada estão sujeitas a hospitalizações mais frequentes e têm maior chance de sofrer abortos espontâneos7. Com isso, a elevada razão de mortalidade materna na faixa etária de 40 a 49 anos, com redução progressiva ao longo dos anos, observada no estudo, reitera a vulnerabilidade dessa faixa etária e a necessidade de que essas mulheres recebam um acompanhamento pré-natal cauteloso e completo, a fim de evitar a ocorrência de complicações obstétricas.

A escolaridade é uma variável que deve ser considerada na atenção à saúde da mulher, pois pesquisas mostram de forma contundente que mulheres com menor escolaridade são as maiores vítimas da mortalidade materna³. A análise dos dados colhidos no presente estudo permite perceber que a maior parte dos óbitos maternos foram de mães com menos de 12 anos de escolaridade, ou seja, que não chegaram a concluir o ensino médio e nem a cursar o ensino superior.

A partir disso, pode-se inferir que o fato de não concluir o ensino médio e não cursar uma graduação pode estar associado à baixa renda, à impossibilidade de concluir os estudos e, consequentemente, a um menor grau de informação e a uma procura mais tardia pelo atendimento pré-natal, contribuindo, assim, para um elevado risco de complicações7. Aliado a isso, hábitos saudáveis e meios de prevenção de contaminação por doenças são aprendidos na escola, e a educação está associada à capacidade do indivíduo de executar esse aprendizado. Portanto, uma maior escolaridade pode estar associada a uma melhor condição de saúde do indivíduo8

O estado civil é um indicador que necessita ser analisado, pois constatou-se nos resultados desse estudo que as mortes maternas notificadas têm um percentual maior de

60

mães solteiras. Dessa forma, é importante refletir sobre a influência das relações conjugais não formalizadas na mortalidade materna, pois é comum que ocorra a quebra de vínculos entre a mãe e o pai do bebê, ou que sejam tomadas decisões inconvenientes na descoberta da gravidez. Portanto, percebeu-se que gestantes solteiras são mais propensas a ter uma ausência de aporte afetivo, emocional, social e financeiro, contribuindo para que não tenham auxílio e autocuidado durante o momento delicado em que se encontram. Por outro lado, as gestantes casadas têm melhores condições de apoio, portanto, representam um percentual de óbitos menor3.

O Brasil tem a segunda maior população negra do mundo, com quase 50% de seu povo autodeclarado como afrodescendente (pardos ou pretos). Isso é resultado do processo histórico da escravatura, iniciado a partir do século XVI9. No estado da Bahia, pode-se notar claramente como os fatores históricos influenciaram na predominância dos negros dentre as outras raças: no ano de 2018, o número de negros correspondia a 81,1% da população do estado, de acordo com o IBGE10.

A construção social das desigualdades entre brancos e negros interfere na forma de viver dessas pessoas e faz-se evidente nas disparidades das condições de existência entre um grupo e outro, que têm experiências desiguais ao nascer, viver, adoecer e morrer9. Com isso, o risco de mortalidade materna é bem maior entre as mulheres negras, o que inclui pretas e pardas, deixando nítido que os diversos fatores de desigualdade social, como menor acesso à assistência e menor renda e escolaridade, têm importante expressão nos óbitos dessas gestantes11.

A formulação da política de Estado do pacto pela vida (redução da mortalidade materna e a implantação da Rede Cegonha) complementa as questões de planejamento de atenção à saúde da mulher. Entretanto, sua implementação e monitorização estão comprometidas, uma vez que não se presta assistência com equidade às diversas regiões brasileiras, que apresentam características bem diferentes entre si. É preciso que os gestores implementem estratégias para minimizar essas diferenças, principalmente relacionadas à mulher negra, constantemente vitimada pelo racismo excludente, e assim melhorar a assistência às gestantes e buscar reduzir a mortalidade materna no país12

A adequada estratificação de risco da gestação é de grande importância para redução da razão de mortalidade materna e deve ser refeita a cada consulta pré-natal. No cenário nacional atual, tem sido aprofundada a discussão de incluir na estratificação a classificação de risco intermediária. O Guia Saúde da Mulher na Gestação, Parto e Puerpério propõe os dois estratos de risco clássicos na gestação, (risco habitual e alto risco) e agrega o risco intermediário, anteriormente proposto como “fatores de risco que permitem a realização do pré-natal pela equipe de atenção básica”. Esse novo estrato inclui gestantes que apresentam

61 v. 45, n. 4, p. 53-63 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

fatores de risco aumentados devido ao baixo acesso à escolaridade, violências, ausência de apoio e demais fatores associados aos determinantes proximais do processo saúde doença. A presença de um ou mais fatores da classificação intermediária implica maior complexidade da gestação e, portanto, maior vigilância e cuidado, devendo ser considerada a sua inclusão na estratificação de risco pré-natal13.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora sejam reconhecidos os notáveis avanços no país em relação à diminuição dos índices de mortalidade materna, muito ainda precisa ser feito para que todas as mulheres brasileiras, independente de raça, cor, escolaridade, estado civil e idade, tenham o seu direito pleno e assegurado à saúde11. Aliado a isso, é importante que sejam realizadas ações amplas e articuladas, que visem uma mudança efetiva do atual modelo assistencial na atenção obstétrica, dadas as inegáveis deficiências evidenciadas e o elevado número de óbitos evitáveis. Para que isso seja concretizado, é fundamental que todos os profissionais da área de saúde sejam treinados e sensibilizados quanto à relevância da atenção à saúde das gestantes, parturientes e puérperas, visando a identificação precoce de fatores de risco para complicações maternas. A partir disso, será possível oferecer todos os cuidados preventivos possíveis a esse grupo populacional.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Ana Beatriz Neiva, Júlia Libarino, Lahara Martins e Victória Kelly Savernini.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Ana Beatriz Neiva, Júlia Libarino, Lahara Martins, Victória Kelly Savernini e Meirelayne Borges Duarte.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Meirelayne Borges Duarte.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Ana Beatriz Neiva, Júlia Libarino, Lahara Martins e Victória Kelly Savernini.

REFERÊNCIAS

1. Faria DR, Sousa RC, Costa TJNM, Leite ICG. Mortalidade materna em cidadepolo de assistência na região Sudeste: tendência temporal e determinantes sociais. Rev Méd Minas Gerais. 2012;22(1):1-128.

2. Soares VMN, Souza KV, Azevedo EMM, Possebon CR, Marques FF. Causas de mortalidade materna segundo níveis de complexidade hospitalar. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012;34(12):536-43.

62

3. Gomes JO, Vieira MCA, Mistura C, Andrade GG, Barbosa KMG, Lira MOSC, et al. Perfil sociodemográfico e clínico de mortalidade materna. Rev Enferm UFPE on line. 2018;12(12):3165-71.

4. Riquinho DL, Correia SG. Mortalidade materna: perfil sócio-demográfico e causal. Rev Bras Enferm. 2006;59(3):303-7.

5. Pícoli RP, Cazola LHO, Lemos EF. Mortalidade materna segundo raça/cor, em Mato Grosso do Sul, Brasil, de 2010 a 2015. Rev Bras de Saúde Mater Infant. 2017;17(4):729-37.

6. Universidade Federal de Minas Gerais. Taxa de mortalidade materna no Brasil é dez vezes maior que a registrada em países desenvolvidos [Internet]. Belo Horizonte (MG): UFMG; 2019. [citado em 2020 mar 19]. Disponível em: https://ufmg.br/comunicacao/noticias/taxa-de-mortalidadematerna-no-brasil-e-dez-vezes-maior-que-a-registrada-em-paises-desenvolvidos # : ~:text=No%20Brasil%2C%20o%20%C3%BAltimo%20%C3%ADndice, a%20registrada%20em%20pa%C3%ADses%20desenvolvidos.

7. Alves NCC, Feitosa KMA, Mendes MES, Caminha MFC. Complicações na gestação em mulheres com idade maior ou igual a 35 anos. Rev Gaúch Enferm. 2017;38(4):e2017-0042.

8. Reis RN, Santos GF. O efeito da educação sobre o status de saúde e ocorrência de doenças crônicas na população do estado da Bahia [Monografia]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 2013.

9. Gois EC, Jesus CS, Conceição GC, Santos JB, Reis RB. Mortalidade materna na Bahia no período de 2012 a 2016. REAS/EJCH. 2019;18:e335.

10. G1 BA. Uma em cada cinco pessoas na Bahia se declara preta, aponta IBGE [Internet]. Salvador (BA): G1 BA; 2019 [citado em 2020 jun 15]. Disponível em: https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2019/05/22/uma-em-cada-5-pessoas-nabahia-se-declara-preta-aponta-ibge.ghtml.

11. Martins AL. Mortalidade materna de mulheres negras no Brasil. Cad Saúde Pública. 2006;22(1):2473-9.

12. Ribeiro L. Morbimortalidade materna no estado da Bahia: diferenciais segundo a raça/cor da pele [Tese]. Feira de Santana (BA): Universidade Estadual de Feira de Santana; 2013.

13. Gomes MNA, Santos LKO. Guia de orientação para secretarias estaduais e municipais de saúde- Saúde da mulher na gestação parto e puerpério. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019.

Recebido: 1.5.2021. Aprovado: 5.9.2022.

63 v. 45, n. 4, p. 53-63 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

COMPORTAMENTO SUICIDA E ANSIEDADE ENTRE USUÁRIOS DE UM CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL NO NORDESTE BRASILEIRO

Bruno Andrade Santosa

https://orcid.org/0000-0002-0613-4371

José Marcos de Jesus Santosb

https://orcid.org/0000-0001-5122-1469

Thaiane Santana Santosc

https://orcid.org/0000-0003-2207-8055

Iellen Dantas Campos Verdes Rodriguesd

https://orcid.org/0000-0002-5593-4172

Joyce dos Anjos Santose

https://orcid.org/0000-0002-9803-9995

Carla Kalline Alves Cartaxo Freitasf

https://orcid.org/0000-0001-7604-9132

Resumo

O comportamento suicida tem sido conceitualizado como um contínuo de pensamentos e comportamentos desde a ideação até o suicídio em si. O objetivo deste trabalho é analisar a prevalência e os fatores associados ao comportamento suicida e o nível de ansiedade entre usuários de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Trata-se de um estudo observacional e transversal realizado entre julho e setembro de 2019 com 188 usuários adultos de um CAPS em Lagarto, Sergipe. Utilizou-se o Inventário de Ansiedade de Beck

a Enfermeiro. Aracaju, Sergipe, Brasil. E-mail: bruno_andradesantos@outlook.com

b Enfermeiro. Doutor em Saúde Pública. Coordenador de Monitoramento e Avaliação na Secretaria Municipal de Saúde. São Cristóvão, Sergipe, Brasil. E-mail: jsmarcos.ufs@gmail.com

c Graduanda em Enfermagem na Universidade Federal de Sergipe. Bolsista de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Lagarto, Sergipe, Brasil. E-mail: thaianesantana08@gmail.com

d Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente na Universidade Federal do Piauí. Floriano, Piauí, Brasil. E-mail: iellendantas@hotmail.com

e Graduanda em Psicologia na Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão, Sergipe, Brasil. E-mail: joycedosanjos.psy@gmail.com

f Enfermeira. Doutora em Ciências da Saúde. Docente na Universidade Federal de Sergipe. Lagarto, Sergipe, Brasil. E-mail: carlakalline@gmail.com

Endereço para correspondência: Universidade Federal de Sergipe. Av. Governador Marcelo Déda, São José. Lagarto, Sergipe, Brasil. CEP: 49400-000. E-mail: bruno_andradesantos@outlook.com

64 64
DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3352

e a Escala de Avaliação do Risco de Suicídio de Columbia. Os resultados mostraram que, durante a vida, a prevalência de ideação suicida foi de 52,7% e de tentativas efetivas de suicídio, 31,8%, sendo maior entre pessoas com renda familiar menor que um salário mínimo (RP: 1,36, IC 95%: 1,07-1,56; RP: 1,97, IC 95%: 1,19-2,70, respectivamente). Com relação à ansiedade, 27,7% apresentaram ansiedade moderada e 21,8%, severa. A ansiedade severa e a tentativa efetiva de suicídio foram mais prevalentes no sexo feminino (RP: 2,70, IC 95%: 1,23-2,83; RP: 1,74, IC 95%: 1,23-1,84, respectivamente). A tentativa efetiva de suicídio se mostrou associada à ansiedade severa (RP: 2,99, IC 95%: 2,08-5,19). Foram encontradas prevalências elevadas e inter-relações da ideação suicida, tentativa efetiva de suicídio e ansiedade severa entre os usuários, com influência do sexo e renda familiar.

Palavras-chave: Ideação suicida. Comportamento autodestrutivo. Ansiedade.

SUICIDE BEHAVIOR AND ANXIETY AMONG USERS OF A PSYCHOSOCIAL CARE CENTER IN NORTHEAST BRAZIL

Abstract

Suicidal behavior has been conceptualized as a continuum of thoughts and behaviors from ideation to suicide itself. This article aimed to analyze the prevalence and the factors associated with suicidal behavior and the level of anxiety among users of a Psychosocial Care Center (CAPS). This is an observational and cross-sectional study conducted between July and September 2019 with 188 adult users of a CAPS in Lagarto, Sergipe. The Beck Anxiety Inventory and the Columbia-Suicide Severity Rating Scale were used. The results showed that, during life, the prevalence of suicidal ideation was 52.7% and suicide rates, 31.8%, being higher among people who had a family income lower than a minimum wage (PR: 1.36, 95% CI: 1.071.56; PR: 1.97, 95% CI: 1.19-2.70, respectively). Regarding anxiety, 27.7% moderate anxiety and 21.8%, severe. Severe anxiety and effective suicide attempt were more prevalent in females (PR: 2.70, 95% CI: 1.23-2.83; PR: 1.74, 95% CI: 1.23-1.84, respectively). Effective suicide attempt is associated with severe anxiety (PR: 2.99, 95% CI: 2.08-5.19). High prevalence and interrelations of suicidal ideation, effective suicide attempt, and severe anxiety among users were found, with the influence of gender and family income.

Keywords: Suicidal ideation. Self-destructive behavior. Anxiety.

65 v. 45, n. 4, p. 64-80 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

COMPORTAMIENTO SUICIDA Y ANSIEDAD EN USUARIOS DE UN CENTRO DE ATENCIÓN

PSICOSOCIAL EN EL NORDESTE DE BRASIL

Resumen

El comportamiento suicida se ha conceptualizado como un continuo de pensamientos y comportamientos desde la ideación hasta el suicidio mismo. El objetivo de este estudio fue analizar la prevalencia y los factores asociados a la conducta suicida y el nivel de ansiedad entre los usuarios de un Centro de Atención Psicosocial (CAPS). Se trata de un estudio observacional y transversal realizado entre julio y septiembre de 2019 con 188 usuarios adultos de un CAPS en Lagarto, Sergipe. Se utilizaron el Inventario de Ansiedad de Beck y la Escala de Evaluación del Riesgo de Suicidio de Columbia. Los resultados indujeron que, durante la vida, la prevalencia de ideación suicida fue del 52,7% y las tasas de suicidio del 31,8%, siendo mayor entre quienes tenían un ingreso familiar inferior al salario mínimo (RP: 1,36, IC 95%: 1,07-1,56; RP: 1,97, IC del 95%: 1,19-2,70, respectivamente). En cuanto a la ansiedad, el 27,7% presentó ansiedad moderada y el 21,8% severa. La ansiedad severa y el intento de suicidio efectivo fueron mayores en las mujeres (RP: 2,70; IC del 95%: 1,23-2,83; RP: 1,74; IC del 95%: 1,23-1,84, respectivamente). El intento de suicidio efectivo se asocia con la ansiedad severa (PR: 2,99; IC del 95%: 2,08 a 5,19). Se evidenció alta prevalencia e interrelaciones de ideación suicida, intento de suicidio efectivo y ansiedad severa entre los usuarios, con influencia del género y los ingresos familiares.

Palabras clave: Ideación suicida. Comportamiento autodestructivo. Ansiedad.

INTRODUÇÃO

Compreende-se o comportamento suicida como um conjunto de pensamentos e comportamentos que envolvem desde a ideação suicida até a tentativa, que pode se consumar no suicídio em si. Entre as terminologias utilizadas nos estudos sobre o suicídio, tem-se: a ideação suicida, o plano suicida, a tentativa de suicídio e o suicídio consumado1. Dessa forma, o indivíduo idealiza o fim da vida, formula um método com a intenção de morrer e engaja em comportamentos autodestrutivos que podem levar, consequentemente, à sua morte.

O comportamento suicida é considerado uma das maiores causas de morte a nível mundial. De acordo com dados epidemiológicos da Organização Mundial de Saúde (OMS), ocorrem cerca de 804 mil mortes em decorrência do suicídio, o que significa, em média, uma morte a cada quarenta segundos no mundo. O Brasil é o oitavo país com maior número de suicídios do planeta: são 32 mortes diárias ou uma morte a cada 45 minutos por

66

suicídio1. Ainda, um estudo brasileiro apontou um aumento de 12% nas taxas de suicídio no país, chegando a 13.467 em 2016, enquanto em 2012 o número era de 11.8212.

Considerando que o suicídio é um problema pessoal, familiar, social e multifatorial de saúde2, alguns estudos vêm sendo desenvolvidos para identificar pontos em que os serviços de saúde podem atuar para sua prevenção. Assim, os principais fatores de risco associados ao comportamento suicida são os problemas biológicos, médicos, ambientais, existenciais, motivações sociais, psiquiátricos e psicológicos. Desses últimos, os transtornos mais relacionados são depressão, transtornos de estado de humor e bipolaridade, esquizofrenia, ansiedade, transtornos de personalidade, desesperança, solidão e transtornos relacionados ao abuso de substâncias psicoativas como álcool, cocaína ou anfetamina3

Tendo isso em vista, entende-se que os transtornos relacionados à saúde mental são importantes fatores de risco ao comportamento suicida. Nesse contexto, uma revisão realizada por uma pesquisadora alemã identificou que as doenças psiquiátricas eram presentes na maioria dos indivíduos que tentaram ou cometeram suicídio, tendo até dez vezes maior prevalência entre esse grupo em comparação à população geral. Ademais, a autora identificou que os transtornos associados mais comuns eram a depressão, o abuso de substâncias e a psicose, porém destacou também o transtorno de personalidade, o alimentar, o relacionado a trauma e o de ansiedade4.

Nessa perspectiva, é importante afirmar que a ansiedade é uma condição individual e desagradável causada por alterações psicofisiológicas em decorrência de confrontos com situações que confundem, causam medo, irritam ou ameaçam o indivíduo. O organismo reage a esse estímulo e o interpreta como ameaça, o que perturba a homeostase e causa desequilíbrio emocional e físico, tendo manifestações clínicas como: taquicardia, hipertensão, fadiga, cefaleia, entre outros5.

Quando em nível patológico, a ansiedade é considerada um dos sintomas presentes nos transtornos de ansiedade. Esses transtornos estão agrupados na quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM V) da seguinte forma: transtorno de pânico, agorafobia, transtorno de ansiedade generalizada, fobia social, fobias específicas, transtorno de estresse pós-traumático e transtorno obsessivo-compulsivo6. Ainda, a ansiedade tem sido apresentada como um importante fator de risco para o comportamento suicida. Uma revisão sistemática com metanálise identificou que os indivíduos com transtornos de ansiedade eram mais propensos a apresentar ideações, tentativas ou qualquer comportamento suicida em comparação às pessoas sem ansiedade7.

Dessa forma, entendendo o suicídio como uma questão de saúde pública emergente, o Brasil conta com uma Rede de Atenção Psicossocial, estabelecida após a reforma psiquiátrica por meio da Portaria 3.088, de 23 de dezembro de 20118. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são locais essenciais para o trabalho dos profissionais de saúde mental, sob uma perspectiva interdisciplinar, com ênfase no atendimento às pessoas com transtornos mentais graves e às pessoas com transtornos relacionados ao abuso de substâncias.

67 v. 45, n. 4, p. 64-80 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

Assim, tendo em vista o crescente número de casos de suicídio no Brasil e a importância da análise de fatores de risco, sobretudo a presença de transtornos mentais como os de ansiedade, o estudo tem como objetivo analisar a prevalência do comportamento suicida e o nível de ansiedade, bem como seus fatores associados, entre usuários de um CAPS localizado em Sergipe.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo observacional e quantitativo, transversal, descritivo e inferencial, realizado entre os meses de julho e setembro de 2019 com 188 usuários adultos de um CAPS em Lagarto, Sergipe, Brasil. Utilizou-se o guia internacional STROBE devido ao desenho adotado. O STROBE é um checklist de 22 itens, sendo 18 itens comuns a todos os tipos de estudo – como título, resumo, introdução, método, resultados e discussão – e quatro específicos para os estudos de coorte, caso-controle ou seccional9

A população elegível ao estudo foi composta por 351 usuários, segundo dados da direção do serviço de saúde mental. A partir disso, realizou-se cálculo amostral usando a fórmula de Barbetta10, sendo considerado um nível de confiança de 95% e erro amostral de 5%, resultando em 187 usuários avaliados. Foram considerados elegíveis usuários ativos no serviço e com idade igual ou maior a 18 anos. Os critérios de exclusão foram estar em agitação psicomotora, apresentar sequela neurológica que impossibilitasse a obtenção de dados e/ou se recusar a participar da pesquisa. A aplicação das entrevistas seguiu um cronograma elaborado pelos pesquisadores, no qual todos os dias e turnos da semana foram cobertos e os usuários foram convidados a participar da pesquisa de forma aleatória simples. Os dados foram obtidos por meio dos seguintes instrumentos validados: Inventário de Ansiedade de Beck e Escala de Avaliação de Risco Suicida de Columbia (C-SSRS). Inventário de ansiedade de Beck (BAI): idealizado por Beck e Steer11, é constituído por 21 itens, que são afirmações descritivas de sintomas de ansiedade, com uma escala de intensidade de 4 pontos, em nível crescente de gravidade: (1) absolutamente não; (2) levemente: não me incomodou muito; (3) moderadamente: foi muito desagradável, mas pude suportar; (4) gravemente: dificilmente pude suportar. Pode ser aplicado em sujeitos de 18 a 80 anos. O escore total pode variar de 0 a 10, e o nível de ansiedade pode ser descrito da seguinte forma: grau mínimo de ansiedade (0-10), ansiedade leve (11-19), ansiedade moderada (20-30) e ansiedade severa (31-63). Escala de Avaliação do Risco de Suicídio de Columbia (C-SSRS): desenvolvida pela Columbia University, the University of Pennsylvania e University of Pittsburgh12 – apoiada pela National Institute of Mental Health (NIMH). Foi traduzida para mais de 120 idiomas e utilizada por diversas instituições norte-americanas para detecção e monitoramento de ideação

68

e comportamento suicida. Trata-se de uma entrevista semiestruturada com 21 perguntas que avaliam separadamente ideação, comportamento, tentativa e risco de suicídio. Além de possibilitar a diferenciação do comportamento suicida entre aqueles com pouca probabilidade de acarretar lesões e comportamentos com maior probabilidade de resultar em morte, apesar da existência de assistência médica, a entrevista é adequada para todas as idades e populações especiais em diferentes configurações.

Ademais, foi realizada a caracterização sociodemográfica da amostra que avaliou faixa etária, sexo, raça, escolaridade, zona de moradia, tipo de moradia, estado civil, trabalho e renda familiar. Com isso, realizou-se a apresentação de resultados descritivos das variáveis sociodemográficas e variáveis do Inventário de Ansiedade de Beck e da Escala de Avaliação do Risco de Suicídio de Columbia. Foram estimadas associações entre as seguintes variáveis qualitativas/categóricas: faixa etária, sexo, escolaridade e renda familiar com o nível de ansiedade, ideação suicida e tentativa efetiva de suicídio durante a vida. Estimou-se ainda a associação entre o nível de ansiedade e a ideação suicida e/ou tentativa efetiva de suicídio.

Nesse sentido, após digitação dupla, seguida pela apuração dos dados, realizou-se a análise estatística descritiva e inferencial no IBM SPSS – Statistical Package for the Social Sciences

20.0 Mac (SPSS 20.0 Mac, SPSS Inc., Chicago, Illinois, Estados Unidos). As variáveis quantitativas foram descritas em média, desvio-padrão, valor mínimo e máximo. As variáveis qualitativas/ categóricas foram descritas por meio de frequências absoluta e relativa. As associações entre as variáveis categóricas foram investigadas por meio do teste Qui-quadrado e Exato de Fisher. Estimou-se também a Razão de Prevalência (RP) como medida de associação e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%). Em todos os casos foi adotada significância de 5%.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe (UFS), sob parecer nº 3.471.399. Os pesquisadores seguiram as diretrizes e normas regulamentadoras preconizadas na Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde sobre as pesquisas envolvendo seres humanos.

RESULTADOS

A média de idade dos participantes foi de 41,3 anos, sendo 17 a mínima e 73 a máxima. A maioria tinha 35 anos ou mais (64,9%; n = 122), sexo feminino (53,2%; n = 100), raça parda (63,3%; n = 119), analfabeta ou com fundamental incompleto (70,2%; n = 132), procedente da zona rural (51,1%; n = 96), vivia em casa própria (78,7%; n = 148), sem companheira(o) (71,3%; n = 134) e não trabalhava (95,7%; n = 180). Quanto à renda familiar, 48,9% (n = 92) recebiam um salário mínimo ou menos e 41% (n = 77) recebiam entre um e dois salários (Tabela 1).

69 v. 45, n. 4, p. 64-80 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

Tabela 1 – Resultados descritivos de variáveis sociodemográficas dos usuários de um centro de atenção psicossocial (n = 188). Lagarto, Sergipe, Brasil – 2019

Com relação ao Inventário de Ansiedade de Beck, observou-se que 27,7% (n = 52) dos usuários apresentam ansiedade moderada e 21,8% (n = 41), ansiedade severa (Tabela 2).

70
Variáveis sociodemográficas N % Faixa etária ≤ 19 anos 3 1,6 20 a 34 anos 52 27,6 ≥ 35 anos 122 64,9 Ignorado 11 5,9 Sexo Masculino 87 46,3 Feminino 100 53,2 Ignorado 1 0,5 Raça Branca 33 17,5 Amarela 2 1,1 Parda 119 63,3 Preta 31 16,5 Não soube informar 1 0,5 Ignorado 2 1,1 Escolaridade Analfabeto 25 13,3 Fundamental incompleto 107 56,9 Fundamental completo 9 4,8 Médio incompleto 20 10,7 Médio completo 24 12,8 Superior incompleto 1 0,5 Superior completo 1 0,5 Ignorado 1 0,5 Zona de moradia Urbana 91 48,4 Rural 96 51,1 Ignorado 1 0,5 Tipo de moradia Moradia própria 148 78,7 Moradia alugada 38 20,3 Moradia terapêutica 1 0,5 Ignorado 1 0,5 Estado civil Solteiro 124 66 Casado 29 15,4 União estável 24 12,8 Divorciado 10 5,3 Ignorado 1 0,5 Trabalho remunerado Sim 6 3,2 Não 180 95,7 Ignorado 2 1,1 Renda familiar ≤ 1 salário mínimo 92 48,9 > 1 e ≤ 2 salários mínimos 77 41 > 2 e ≤ 3 salários mínimos 16 8,5 Ignorado 3 1,6 Fonte: Elaboração própria.
= Frequência absoluta, % = Frequência relativa.
N

Tabela 2 – Resultado da análise do Inventário de Ansiedade de Beck entre usuários de um centro de atenção psicossocial (n = 188). Lagarto, Sergipe, Brasil – 2019

Fonte: Elaboração própria. N = Frequência absoluta, % = Frequência relativa.

A análise da Escala de Avaliação do Risco de Suicídio de Columbia mostrou que, durante a vida, 52,7% (n = 99) apresentaram ideação suicida e 31,9% (n = 60) tentaram se suicidar. No que diz respeito à intensidade da ideação, 29,8% (n = 56) referiram uma frequência de muitas vezes por dia; 29,3% (n = 55) relataram duração maior que oito horas (pensamentos persistentes ou contínuos); 32,4% (n = 61) sentem-se incapazes de controlar os pensamentos e 38,9% (n = 73) responderam que a razão para ideação suicida era, sobretudo, para acabar com o sofrimento. A amostra também apresentou grande parcela com motivos para não cometer suicídio: 33,5 % (n = 63) com razões que com certeza o/a impediram de cometer suicídio e 8,5% (n = 16) com razões que provavelmente o/a impediram de cometer suicídio (Tabela 3).

Esses resultados sugerem que na população estudada há uma alta prevalência de ideação suicida, demonstrada principalmente na variável “ideação suicida ativa com plano específico e ação”, com 33 % (n = 64), que é considerada o mais alto grau de ideação captado pelo instrumento. Além disso, a intensidade da ideação também é um dado preocupante, visto que reflete a permanência dos pensamentos suicidas nos participantes e sua gravidade.

Quanto à parcela da escala que avalia especificamente o comportamento suicida, foi possível identificar que, durante a vida, o conjunto dos usuários cometeu um total de 314 tentativas efetivas, uma média de 1,67 tentativas por pessoa.

Os comportamentos autolesivos não suicidas, que são entendidos como danos causados à própria pessoa sem a intenção de morrer, aconteceram em 12,8 % dos participantes (n = 24), um número baixo, porém pode servir como alerta para o comportamento suicida específico, visto que o indivíduo pode cometer lesões contínuas a si mesmo que podem acarretar risco à sua vida. Já os atos ou comportamento preparatórios, como escrever bilhete, se desfazer dos bens, se despedir dos conhecidos, entres outros, ocorreram em 20,8% dos participantes (n 39), sendo vital para os serviços de saúde mental identificarem esses atos preparatórios para que a intervenção seja oportuna e a tentativa não seja efetivada.

71 v. 45, n. 4, p. 64-80 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
Inventário de Ansiedade de Beck N % Nível de ansiedade Grau mínimo de ansiedade 57 30,3 Ansiedade leve 37 19,7 Ansiedade moderada 52 27,7 Ansiedade severa 41 21,8 Ignorado 1 0,5

Tabela 3 – Distribuição de respostas à Escala de Avaliação do Risco de Suicídio de Columbia (C-SSRS), segundo período “durante a vida”, entre usuários de um centro de atenção psicossocial (n = 188). Lagarto, Sergipe, Brasil – 2019

72
Ideação suicida (durante a vida) N % Desejo de estar morto 11 5,9 Pensamentos suicidas ativos não específicos 15 8 Ideação suicida ativa com algum método (sem plano) sem intenção de agir 15 8 Ideação suicida ativa com alguma intenção de agir, sem plano específico 20 10,6 Ideação suicida ativa com plano específico e intenção 64 34 Não se aplica 62 33 Ignorado 1 0,5 Intensidade da ideação suicida (durante a vida) N % Frequência da ideação suicida Menos de uma vez por semana 23 12,2 Uma vez por semana 13 6,9 Duas a cinco vezes por semana 22 11,8 Todos os dias ou quase todos os dias 15 8 Muitas vezes por dia 56 29,8 Não se aplica 57 30,3 Ignorado 2 1 Duração da ideação suicida Passageiros (alguns segundos ou minutos) 22 11,7 Menos de uma hora (algum tempo) 19 10,1 Uma a quatro horas (muito tempo) 17 9,1 Quatro a oito horas (a maior parte do dia) 16 8,5 Mais de oito horas (pensamentos persistentes ou contínuos) 55 29,3 Não se aplica 57 30,3 Ignorado 2 1 Controlabilidade da ideação É capaz de controlar os pensamentos facilmente 23 12,2 Pode controlar os pensamentos com pouca dificuldade 8 4,3 Pode controlar os pensamentos com alguma dificuldade 14 7,5 Pode controlar os pensamentos com muita dificuldade 20 10,6 É incapaz de controlar os pensamentos 61 32,4 Não tenta controlar os pensamentos 0 0 Não se aplica 57 30,3 Ignorado 5 2,7 Razões para não cometer suicídio Essas razões, com certeza, o/a impediram de cometer suicídio 63 33,5 Essas razões, provavelmente, o/a impediram 16 8,5 Não tem certeza de que essas razões o/a impediram 15 8 Essas razões, provavelmente, não o/a impediram 6 3,2 Essas razões, com certeza, não o/a impediram 22 11,7 Não se aplica 57 30,3 Ignorado 9 4,8 Razões para ideação suicida Com certeza para chamar a atenção, se vingar ou provocar a reação de outras pessoas 1 0,5 Sobretudo para chamar a atenção, se vingar ou provocar a reação de outras pessoas 4 2,1 Tanto para chamar a atenção, se vingar ou provocar a reação de outras pessoas como acabar com o sofrimento 22 11,7 Sobretudo para acabar com o sofrimento (você não conseguia continuar a viver com esse sofrimento ou como você estava se sentindo) 73 38,9 Com certeza para acabar com o sofrimento (você não conseguia continuar a viver com esse sofrimento ou como você estava se sentindo) 13 6,9 Não se aplica ao seu caso 56 29,8 Ignorado 19 10,1 (continua)

Tabela 3 – Distribuição de respostas à Escala de Avaliação do Risco de Suicídio de Columbia (C-SSRS), segundo período “durante a vida”, entre usuários de um centro de atenção psicossocial (n = 188). Lagarto, Sergipe, Brasil – 2019

Fonte: Elaboração própria.

N = Frequência absoluta, % = Frequência relativa.

A ansiedade considerada severa foi maior entre usuários do sexo feminino (RP: 2,70, IC 95%: 1,23-2,83) e entre aqueles que já haviam tentado suicídio efetivamente (RP: 2,99, IC 95%: 2,08-5,19). O fato de o nível de ansiedade ser maior nos casos em que houve tentativa de suicídio anterior não revela se a tentativa foi um fator desencadeante da ansiedade severa ou o contrário, porém, pode-se afirmar que as duas condições são prováveis

73 v. 45, n. 4, p. 64-80 out./dez. 2021 Comportamento suicida (durante a vida) N % Você cometeu uma tentativa de suicídio? Sim 60 31,9 Não 127 67,6 Ignorado 1 0,5 Número total de tentativas efetivas Uma 18 9,6 Duas 16 8,5 Três 7 3,7 Quatro 3 1,6 Cinco ou mais 16 8,5 Não se aplica 127 67,6 Ignorado 1 0,5 O/A paciente se engajou em um comportamento autolesivo não suicida? Sim 24 12,8 Não 163 86,7 Ignorado 1 0,5 Tentativa interrompida Sim 46 24,5 Não 141 75 Ignorado 1 0,5 Número total de tentativas interrompidas Uma 18 9,6 Duas 14 7,4 Três 5 2,7 Quatro 2 1,1 Cinco ou mais 7 3,7 Não se aplica 141 75 Ignorado 1 0,5 Tentativa abortada Sim 21 11,2 Não 166 88,3 Ignorado 1 0,5 Número total de tentativas abortadas Uma 12 6,4 Duas 5 2,7 Três 2 1,1 Quatro 1 0,5 Cinco ou mais 1 0,5 Não se aplica 166 88,3 Ignorado 1 0,5 Atos ou comportamentos preparatórios Sim 39 20,8 Não 148 78,7 Ignorado 1 0,5
Revista Baiana de Saúde Pública
(conclusão)

de serem encontradas juntas em pacientes psiquiátricos, o que deve acender um alerta quando um paciente é diagnosticado com ansiedade severa, sendo prioritária a prevenção do suicídio nesse grupo, bem como o oposto é válido.

Tabela 4 – Associações entre variáveis sociodemográficas e da Escala de Avaliação do Risco de Suicídio de Columbia com os níveis de ansiedade entre usuários de um centro de atenção psicossocial. Lagarto, Sergipe, Brasil – 2019

Fonte: Elaboração própria.

RP = Razão de prevalência, IC 95% = Intervalo de confiança de 95%, X2 = Teste Qui-quadrado. *Teste Exato de Fisher.

A ideação suicida durante a vida foi maior entre usuários com renda familiar menor que um salário mínimo (RP: 1,36, IC 95%: 1,07-1,56). A tentativa efetiva de suicídio foi maior em pessoas do sexo feminino (RP: 1,74, IC 95%: 1,23-1,84) e, igualmente à ideação, que tinham renda familiar menor que um salário mínimo (RP: 1,97, IC 95%: 1,19-2,70) (Tabela 5).

Tabela 5 – Associações entre variáveis sociodemográficas e ideação suicida/tentativa efetiva de suicídio entre usuários de um centro de atenção psicossocial. Lagarto, Sergipe, Brasil – 2019

74
Variáveis sociodemográficas e da Escala de Avaliação do Risco de Suicídio de Columbia Nível de ansiedade p valor (X2) RP (IC 95%) Severa % Moderada, leve, grau mínimo % Faixa etária ≤ 34 anos 16,4 83,6 0,222 0,67 (0,43-3,80) ≥ 35 anos 24,6 75,4 Sexo Feminino 31 69 0,001 2,70 (1,23-2,83) Masculino 11,5 88,5 Escolaridade Analfabeta/Fundamental incompleto 18,9 81,1 0,126 0,65 (0,27-1,17) Fundamental completo/Médio/Superior 29,1 70,9 Renda familiar Até um salário mínimo 26,1 73,9 0,097 1,62 (0,26-1,82) Mais que um salário mínimo 16,1 83,9 Ideação suicida (durante a vida) Sim 29,3 70,7 *0,079 2,55 (0,88-8,40) Não 11,5 88,5 Tentativa efetiva de suicídio (durante a vida) Sim 40 60 <0,001 2,99 (2,08-5,19) Não 13,4 86,6
Variáveis sociodemográficas Ideação suicida (durante a vida) p valor (X2) RP (IC 95%) Tentativa efetiva de suicídio (durante a vida) p valor (X2) RP (IC 95%) Sim % Não % Sim % Não % Faixa etária ≤ 34 anos 68,6 31,4 0,089 0,83 (0,67-1,36) 32,7 67,3 0,994 1,00 (0,50-1,97) ≥ 35 anos 82,6 17,4 32,8 67,2 (continua)

Tabela 5 – Associações entre variáveis sociodemográficas e ideação suicida/tentativa efetiva de suicídio entre usuários de um centro de atenção psicossocial. Lagarto, Sergipe, Brasil – 2019 (conclusão)

Elaboração própria.

RP = Razão de prevalência, IC 95% = Intervalo de confiança de 95%, X2 = Teste Qui-quadrado.

Com relação à ideação suicida, considerou-se “sim” as respostas aos itens 3 a 5 –ideação suicida ativa com algum método (sem plano) sem intenção de agir; ideação suicida ativa com alguma intenção de agir, sem plano específico; ideação suicida ativa com plano específico e intenção – e “não” aos itens 1 e 2 – desejo de estar morto; pensamentos suicidas ativos não específicos.

DISCUSSÃO

Ao analisar os dados deste estudo, foi possível traçar paralelos com dados disponíveis na literatura científica. Assim, no que se refere ao perfil sociodemográfico, observa-se equivalência em outros estudos que analisaram variáveis relacionadas ao suicídio ou à ansiedade quanto à predominância do gênero feminino na amostra13,14,15 e quanto à média de idade da amostra14,15 Tais variáveis devem ser ressaltadas visto que, além da relação observada nos resultados desta pesquisa, foi apontada também por outros pesquisadores a associação entre maior nível de ansiedade e o gênero feminino16, além do risco de tentativa de suicídio e o gênero feminino14 Entretanto, vale ressaltar que a prevalência do suicídio consumado é maior entre o gênero masculino, sendo essa uma associação apontada nas pesquisas13,14. Apesar de não terem sido observados os níveis de ansiedade, ou o comportamento suicida, em relação à idade do indivíduo, estudos apontam que a idade está relacionada a esses aspectos13,14,15.

Quanto à escolaridade, um estudo chinês observou que a ideação suicida durante a vida se apresentava mais evidente entre a população com até a educação primária completa17,

75 v. 45, n. 4, p. 64-80 out./dez. 2021 Variáveis sociodemográficas Ideação suicida (durante a vida) p valor (X2) RP (IC 95%) Tentativa efetiva de suicídio (durante a vida) p valor (X2) RP (IC 95%) Sim % Não % Sim % Não % Sexo Feminino 79,7 20,3 0,860 1,02 (0,38-2,21) 40 60 0,013 1,74 (1,23-1,84) Masculino 78,4 21,6 23 77 Escolaridade Analfabeta/Fundamental incompleto 80,2 19,8 0,673 1,04 (0,48-3,03) 28 72 0,066 0,67 (0,28-1,04) Fundamental completo/ Médio/Superior 76,9 23,1 41,8 58,2 Renda familiar Até um salário mínimo 90,6 9,4 0,002 1,36 (1,07-1,56) 42,4 57,6 0,002 1,97 (1,19-2,70) Mais que um salário mínimo 66,7 33,3 21,5 78,5 Fonte:
Revista Baiana de Saúde Pública

o que condiz com os dados desta pesquisa, que afirmam que a ideação suicida durante a vida esteve presente em 80,2% da população analfabeta ou com ensino fundamental incompleto. Apesar disso, as tentativas de suicídio, como observado também nos resultados deste estudo, são mais frequentes em indivíduos com maior nível educacional13,18. Já a ansiedade severa é observada mais comumente entre pessoas com menor escolaridade15,16

Um estudo realizado na Espanha apresenta associação entre a renda e o risco de tentativa de suicídio, visto que os maiores índices de risco se encontram entre os indivíduos impossibilitados de trabalhar e desempregados14. Ao analisar essa variável e sua associação aos níveis de ansiedade também se obtêm significância estatística, o que foi observado em uma pesquisa realizada com 805 pacientes de hemodiálise na Grécia. Tal estudo identificou que as pessoas de baixa renda apresentavam, em maior proporção, níveis mais altos de ansiedade16

Ainda, os resultados desta análise vão ao encontro da literatura nacional e internacional acerca do tema, em que os transtornos mentais são apontados como importantes fatores de risco para o comportamento suicida, sendo fortes preditores para tentativa de suicídio e morte por suicídio. Nessa perspectiva, um estudo que analisou as tentativas de suicídio de moradores de uma província do Irã entre 2011 e 2016 apontou que, entre as causas identificadas, os transtornos mentais ocupavam o terceiro lugar, sendo presentes em 10,6% dos casos, atrás do tópico “conflitos familiares”, com 66,5%, e “outros”, com 13,8%13.

Nesse cenário, uma pesquisa com 120 adolescentes internados em um hospital do Irã após tentativa de suicídio identificou que a ansiedade apresentava forte associação à ideação suicida19

Tal dado também foi apontado em um estudo brasileiro realizado com 189 indivíduos, dos quais 63 já haviam tentado suicídio, 63 apresentavam histórico de ideação suicida e 63 não demonstravam tais comportamentos. Com o objetivo de investigar fatores de risco e de proteção para tentativa de suicídio na adultez emergente, os autores dessa pesquisa observaram que a ansiedade social esteve presente em níveis altos no grupo em que foi identificada a ideação suicida20

Vale ressaltar que a ideação suicida, presente em 34% da amostra com a frequência de muitas ocorrências durante o dia e com duração de mais de oito horas, e o comportamento suicida, relatado por 31,9% dos indivíduos, vêm sendo investigados em pesquisas a fim de elencar fatores de risco para que, assim, seja possível realizar a prevenção desse quadro13,14,17,18,19,20.

Apesar da importância da identificação dos fatores de risco, alguns estudos apontam fatores de proteção contra a ideação suicida, que devem ser observados atentamente pelos profissionais de saúde, visto que é um campo a ser trabalhado com indivíduos que apresentam comportamento suicida. Essa importância pode ser observada em dados desta pesquisa, em que 33,5% das pessoas afirmaram que tinham razões que, com certeza, as impendem de cometer suicídio.

76

Dessa forma, um estudo brasileiro realizado com 521 participantes, sendo que 12,09% desses apresentavam histórico de tentativa de suicídio, identificou que todos os fatores de proteção contra suicídio (amizade, relacionamento familiar, habilidades sociais, autoestima e autoeficácia) apresentavam maiores médias no grupo que não demonstrava ideação suicida. Além disso, foram destacadas, como fatores intrínsecos, as variáveis de autoestima e autoeficácia como imprescindíveis no processo de lidar melhor com problemas e as variáveis de amizade, relacionamento familiar e habilidades sociais como importantes fatores extrínsecos que servem de apoio e atuam no contexto em que a pessoa está inserida20 Assim, entende-se o suicídio como um dos extremos do comportamento suicida, relacionado a inúmeros fatores causais2, sendo os transtornos mentais importantes preditores desses acontecimentos4. Tendo isso em vista, é possível afirmar que as instituições de saúde que atendem pacientes com transtornos psiquiátricos são focos de trabalho imprescindíveis para prevenção e diminuição dos casos de suicídio. Diante disso, uma revisão sistemática observou que 80% dos indivíduos têm contato com as instituições primárias de saúde mental durante o ano antes de cometer suicídio, essa frequência diminui para 54% nos últimos seis meses, 41% nos últimos três meses e 16% na última semana21. Tal evidência expõe a necessidade de estratégias e intervenções nesse nível de cuidado em saúde.

Ao traçar um paralelo com o sistema de saúde do Brasil, essas ações seriam focadas na Atenção Básica e nos centros de atenção psicossocial, considerados os primeiros níveis da rede de atenção psicossocial. Estudos como este são de extrema importância a fim de servir de subsídio para o planejamento de estratégias com o objetivo de prevenir e diminuir a quantidade de suicídios no Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A amostra do estudo foi composta, predominantemente, por indivíduos do sexo feminino, com 35 anos ou mais, de cor parda, residentes de zona rural em moradia própria e solteiros. Foi observada prevalência do nível de escolaridade referente ao ensino fundamental incompleto. Além disso, a maioria não tinha um trabalho remunerado e a renda familiar era de até um salário mínimo.

Observou-se que a maioria dos indivíduos apresentavam ansiedade de grau mínimo e ideação suicida com plano específico e intenção. Foram evidenciadas prevalências elevadas e inter-relações da ideação suicida, tentativa efetiva de suicídio e ansiedade severa entre os usuários, com influência do sexo e da renda familiar.

A importância do tema é evidente, porém deve-se dar maior atenção para estudos que evidenciem a relação entre ansiedade, em pacientes com transtornos mentais,

77 v. 45, n. 4, p. 64-80 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

e comportamento suicida, visto a escassez de evidências na literatura sobre o tema nessa população específica.

Ainda, vale ressaltar que não basta somente identificar o risco de suicídio na população, deve-se dar atenção prioritária para atividades de prevenção, para que se possa diminuir o desfecho indesejável, que é a morte. Tendo isso em vista, espera-se que os resultados apresentados nesta pesquisa contribuam para a fomentação de ações de saúde que visem prevenir e reduzir os casos de suicídio, fortalecendo o serviço da Rede de Atenção Psicossocial.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Bruno Andrade Santos, Carla Kalline Alves Cartaxo Freitas e José Marcos de Jesus Santos.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Bruno Andrade Santos, Carla Kalline Alves Cartaxo Freitas, Thaiane Santana Santos, Iellen Dantas Campos Verdes Rodrigues, Joyce dos Anjos Santos e José Marcos de Jesus Santos.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Bruno Andrade Santos, Carla Kalline Alves Cartaxo Freitas, Thaiane Santana Santos, Iellen Dantas Campos Verdes Rodrigues, Joyce dos Anjos Santos e José Marcos de Jesus Santo.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Bruno Andrade Santos, Carla Kalline Alves Cartaxo Freitas, Thaiane Santana Santos, Iellen Dantas Campos Verdes Rodrigues, Joyce dos Anjos Santos e José Marcos de Jesus Santos.

REFERÊNCIAS

1. World Health Organization. Preventing suicide: A global imperative. Geneva: WHO; 2014.

2. Alves V, Nardi AE. Urgent need for government and social policies to prevent suicide in Brazil. J Bras Psiquiatr. 2020;69(1):1-2.

3. Bahia CA, Avanci JQ, Pinto LW, Minayo MCS. Lesão autoprovocada em todos os ciclos da vida: perfil das vítimas em serviços de urgência e emergência de capitais do Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(9):2841-50.

4. Bachmann S. Epidemiology of suicide and the psychiatric perspective. Int J Environ Res Public Health 2018;15(7):1-23.

5. Carmo LS, Ferreira JL, Affonso MJCO, Calças AQP, Belintani P, Zotarelli Filho IJ. Stress into university students impacts the learning quality. J Psychol Psychother 2016;6(2):1-4.

78

6. American Psychological Association. Annual report 2015. American Psychologist. 2016;71(5):S1-S48.

7. Kanwar A, Malik S, Prokop LJ, Sim LA, Feldstein D, Wang Z, et al. The association between anxiety disorders and suicidal behaviors: a systematic review and meta-analysis. Depress Anxiety. 2013;30(10):917-29.

8. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília (DF); 2011.

9. von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP. The strengthening the reporting of observational studies in epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting. J Clin Epidemiol 2008;61(4):344-9.

10. Barbetta PA. Estatística aplicada às ciências sociais. 9a ed. Florianópolis (SC): UFSC; 2014.

11. Beck AT, Steer RA. Beck Anxiety Inventory. Psychol Corp. 1993;(617):491-7.

12. Posner K, Brown GK, Stanley B, Brent DA, Yershova KV, Oquendo MA, et al. The Columbia-Suicide Severity Rating Scale: initial validity and internal consistency findings from three multisite studies with adolescents and adults. Am J Psychiatry. 2011;168(12):1266-77.

13. Mirahmadizadeh A, Rezaei F, Mokhtari AM, Gholamzadeh S, Baseri A. Epidemiology of suicide attempts and deaths: a population-based study in Fars, Iran (2011-16). J Public Health. 2019;42(1):e1-e11.

14. Huertas P, Moreno-Küstner B, Gutiérrez B, Cervilla JA. Prevalence and correlates of suicidality in Andalusia (Spain): Results of the epidemiological study PISMA-ep. J Affect Disord. 2020;266:503-11.

15. Pelletier L, O’Donnell S, McRae L, Grenier J. The burden of generalized anxiety disorder in Canada. Health Promot Chronic Dis Prev Can. 2017;37(2):54-62.

16. Gerogianni G, Lianos E, Kouzoupis A, Polikandrioti M, Grapsa E. The role of socio-demographic factors in depression and anxiety of patients on hemodialysis: an observational cross-sectional study. Int Urol Nephrol. 2018;50(1):143-54

17. Xu Y.-M, Zhong B.-L, Chen W.-C, Zhu J.-H, Lu J. Suicidal ideation among Chinese methadone-maintained patients: prevalence and correlates. Oncotarget. 2017;8(49):86181-7.

18. Huang X, Ribeiro JD, Musacchio KM, Franklin JC. Demographics as predictors of suicidal thoughts and behaviors: a meta-analysis. PloS One. 2017;12(7):1-21.

79 v. 45, n. 4, p. 64-80 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

19. Ahookhosh P, Bahmani B, Asgari A, Moghaddam HH. Family relationships and suicide ideation: the mediating roles of anxiety, hopelessness, and depression in adolescents. Int J High Risk Behav Addict. 2017;6(1):1-7.

20. Pereira AS, Willhelm AR, Koller SH, Almeida RMM. Fatores de risco e proteção para tentativa de suicídio na adultez emergente. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(11):3767-77.

21. Stene-Larsen K, Reneflot A. Contact with primary and mental health care prior to suicide: a systematic review of the literature from 2000 to 2017. Scand J Public Health. 2019;47(1):9-17.

Recebido: 19.3.2021. Aprovado: 20.9.2022.

80

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

SILENCIOSO E NEGLIGENCIADO: O QUE SE SABE APÓS QUATRO DÉCADAS DO DESCOBRIMENTO DO HTLV-1

Raissa Frazão Camposa

https://orcid.org/0000-0002-1979-5339

Carolina Souza Santanab

https://orcid.org/0000-0002-6104-9890

Felipe de Oliveira Andradec

https://orcid.org/0000-0003-0970-7005

Jéssica Oliveira de Souza Nascimentod

https://orcid.org/0000-0002-0332-5228

Thessika Hialla Almeida Araújoe

https://orcid.org/0000-0002-0420-8082

Fernanda Khouri Barretof

https://orcid.org/0000-0002-0088-9036

Resumo

O vírus linfotrópico T humano tipo 1 (HTLV-1) foi o primeiro retrovírus humano descoberto, descrito pela primeira vez há 41 anos. Esse retrovírus está associado ao desenvolvimento de duas doenças graves: a leucemia/linfoma de células T do adulto (ATLL) e a mielopatia associada ao HTLV-1/paraparesia espástica tropical (HAM/TSP). Este trabalho teve como objetivo analisar as atualizações sobre o HTLV-1, destacando os aspectos clínicos, os avanços e as limitações no trata-

a Graduanda de Medicina da Universidade Federal da Bahia – Instituto Multidisciplinar em Saúde. Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. E-mail: raissafrazao@gmail.com

b Graduanda de Medicina da Universidade Federal da Bahia – Instituto Multidisciplinar em Saúde. Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. E-mail: carolina.ssantana@outlook.com

c Graduando de Medicina da Universidade Federal da Bahia – Instituto Multidisciplinar em Saúde. Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. E-mail: felipeandradeaju@gmail.com

d Graduanda de Medicina da Universidade Federal da Bahia – Instituto Multidisciplinar em Saúde. Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. E-mail: jessicaosnascimento@outlook.com

e Biomédica. Mestrado e Doutorado em Biotecnologia em Medicina e Saúde Investigativa. Docente da Escola Bahiana de Medicina de Saúde Pública. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: thessika@gmail.com

f Biomédica. Mestrado e Doutorado em Biotecnologia em Medicina e Saúde Investigativa. Docente da Universidade Federal da Bahia – Instituto Multidisciplinar em Saúde. Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. Email: fernanda.khouri@hotmail.com

Endereço para correspondência: Universidade Federal da Bahia, Instituto Multidisciplinar em Saúde, Campus Anísio Teixeira. Rua Hormindo Barros, n. 58, quadra 17, lote 58, bairro Candeias. Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. CEP: 45029-094. E-mail: fernanda.khouri@hotmail.com

81 v. 45, n. 4, p. 81-96 out./dez. 2021 81
Revista Baiana de Saúde Pública
DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3453

mento e na prevenção da infecção pelo HTLV-1. Para isso, foi realizada uma revisão integrativa, por meio de coleta de dados nas plataformas PubMed, LILACS e SciELO, entre março e abril de 2021. Foram incluídos 61 artigos de diferentes países. O Brasil foi o país com maior número de publicações na área: 12. Os resultados obtidos mostram que existem avanços importantes no que diz respeito ao tratamento e à prevenção da infecção pelo HTLV-1. No entanto, a falta de estudos específicos sobre o vírus, que abordem os aspectos clínicos da infecção, foi um fator limitante para este estudo, o que reforça a necessidade de investimento em novas pesquisas sobre o tema.

Palavras-chave: Vírus linfotrópico T humano tipo 1. Leucemia-linfoma de células T do adulto. Paraparesia espástica tropical.

SILENCED AND NEGLIGENCED: WHAT IS KNOWN FOUR DECADES AFTER THE DISCOVERY OF THE HTLV-1

Abstract

The Human T-lymphotropic Virus 1 (HTLV-1) was the first human retrovirus discovered, described for the first time 41 years ago. This retrovirus is associated with the development of two serious diseases: adult T-cell leukemia/lymphoma (ATLL) and tropical spastic paraparesis/HTLV1-associated myelopathy (HAM/TSP). This study aimed to analyze the updates about HTLV-1, highlighting the clinical aspects, advances, and limitations in the treatment and prevention of HTVL-1 infection. To this end, an integrative review was carried out, with data collection on PubMed, LILACS, and SciELO platforms, between March and April 2021. A total of 61 articles from different countries were included. Brazil was the country with the largest number of publications in the area: 12. The results showed effective advances regarding treating and preventing HTLV-1 infection. However, the lack of specific studies about the virus, which address the clinical aspects of the infection, was a limiting factor for this study, which reinforces the need for investment in new research about this topic.

Keywords: Human T-lymphotropic virus 1. Leukemia-lymphoma, adult T-cell. Paraparesis, tropical spastic.

SILENCIOSO Y DESCUIDADO: QUÉ SE SABE CUATRO DÉCADAS DESPUÉS DEL DESCUBRIMIENTO DEL HTLV-1

Resumen

El virus linfotrópico T tipo 1 humano (HTLV-1) fue el primer retrovirus humano descubierto y se describió por primera vez hace 41 años. Este retrovirus está asociado con

82

el desarrollo de dos enfermedades graves: leucemia/linfoma de células T del adulto (ATLL) e mielopatía asociada a HTLV-1/paraparesia espástica tropical (HAM/TSP). Este estudio tuvo como objetivo analizar las actualizaciones sobre HTLV-1, destacando los aspectos clínicos, los avances y limitaciones en el tratamiento y prevención de la infección por HTLV-1. Para ello, se realizó una revisión integradora, a través de la recolección de datos en las plataformas PubMed, LILACS y SciELO entre marzo y abril de 2021. Se incluyeron 61 artículos de diferentes países. Brasil fue el país con mayor número de publicaciones en el área: 12. Los resultados obtenidos muestran que existen avances efectivos en cuanto al tratamiento y prevención de la infección por HTLV-1. Sin embargo, la falta de estudios específicos sobre el virus que aborden los aspectos clínicos de la infección fue un factor limitante para el presente estudio, lo que refuerza la necesidad de invertir en nuevas investigaciones sobre este virus.

Palabras clave: Virus linfotrópico T tipo 1 humano. Leucemia-linfoma de células T del adulto. Paraparesia espástica tropical.

INTRODUÇÃO

O vírus linfotrópico T humano tipo 1 (HTLV-1) foi descrito pela primeira vez há 41 anos, após ter sido isolado de um paciente com linfoma cutâneo de células T1. A descoberta do HTLV-1 como agente etiológico de uma doença humana demonstrou não apenas que os retrovírus eram capazes de infectar humanos, mas também que poderiam causar patologias1-3. Posteriormente, foram descobertos outros tipos de HTLV, como o HTLV-2, que foi identificado pela primeira vez em 1982, numa linhagem de células T imortalizadas de um paciente com tricoleucemia, e o HTLV-3 e HTLV-4, que foram descritos em indivíduos de Camarões, na África Central4,5. No entanto, até o momento, apenas o HTLV-1 está comprovadamente associado ao desenvolvimento de doenças.

O HTLV-1 é um agente etiológico de diversas doenças humanas como o distúrbio neurológico crônico e progressivo, denominado mielopatia associada ao HTLV-1/paraparesia espástica tropical (HAM/TSP)6, leucemia/linfoma de células T adultas (ATLL)7, dermatite infecciosa associada ao HTLV-1 (DIH)8, artropatia associada ao HTLV-19, uveíte associada ao HTLV-110, entre outros. Entretanto, normalmente a infecção pelo HTLV-1 tem um curso inócuo e insidioso, e grande parte dos indivíduos não apresenta sintomas clássicos. Devido a isso, os pacientes acabam sendo classificados como portadores assintomáticos, apesar de manifestarem depressão, incontinência urinária, entre outros11-15

As formas mais graves de desfecho da infecção pelo HTLV-1 estão relacionadas ao desenvolvimento de ATLL e HAM/TSP. Estudos sugerem que 1% a 4% das pessoas infectadas

83 v. 45, n. 4, p. 81-96 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

desenvolvem a HAM/TSP e 3% a 5% desenvolvem a ATLL após alguns anos da infecção15,16. O primeiro relato associando o vírus à ATLL ocorreu em 1980, em que uma pesquisa demonstrou uma atividade de DNA polimerase típica da transcriptase reversa viral em indivíduos acometidos pela leucemia17

Já a HAM/TSP teve sua relação com o HTLV-1 comprovada por dois estudos simultâneos. O primeiro estudo foi realizado na província de Kyushu no Japão, no qual foi caracterizada uma síndrome espástica paraparética com apresentação de anticorpos contra HTLV-1 no soro e no líquido cefalorraquidiano (LCR), sugerindo que o HTLV-1 seria possivelmente o agente etiológico desse quadro clínico neurológico18. O segundo estudo, realizado no Caribe, demonstrou que a descrição de títulos elevados de anticorpos contra o HTLV-1 estaria associada a uma síndrome denominada paraparesia espástica tropical6. Posteriormente, percebeu-se que as duas doenças se tratavam na mesma patologia e isso culminou com a caracterização de uma única nomenclatura denominada mielopatia associada ao HTLV-1/paraparesia espástica tropical (HAM/TSP)19.

O HTLV-1 apresenta uma distribuição mundial, porém heterogênea, havendo alta prevalência em algumas regiões. O estudo mais recente sugere que 5 a 10 milhões de pessoas estejam infectadas por esse retrovírus no mundo, embora esse número possa ser ainda maior devido à falta de estudos epidemiológicos em alguns locais. Atualmente, a região sudoeste do Japão, África subsaariana, América do Sul (especialmente o Brasil), região do Caribe, Australo-Melanésia e alguns focos no Oriente Médio são consideradas áreas altamente endêmicas para o HTLV-120,21. Apesar da escassez dos dados epidemiológicos, também pode-se observar o fenômeno de distribuição heterogênea no Brasil, sendo as maiores prevalências observadas em doadores de sangue nos estados do Maranhão, Bahia, Pará e Pernambuco22. Considerando a população total, Salvador apresenta uma prevalência de 1,78% de indivíduos infectados pelo HTLV-123.

Apesar do HTLV-1 ter sido o primeiro retrovírus humano descrito, os fatores envolvidos nas diferentes manifestações clínicas dos indivíduos infectados ainda são desconhecidos. Mesmo após 41 anos de descoberta desse retrovírus, ainda não existem vacinas e nem tratamentos específicos e eficazes contra essa infecção. Nesse sentido, é importante ressaltar a diferença de estudos e investimentos na área do HTLV-1, quando se comparado com estudos de outros retrovírus como o vírus da imunodeficiência humana (HIV-1), por exemplo.

Em abril de 2021 foram encontradas no GenBank 1.050.922 sequências geradas de HIV-1, enquanto nesse mesmo período apenas 9.953 sequências de HTLV-1 estavam disponíveis.

Com relação aos estudos publicados no PubMed sobre esses dois retrovírus, podemos ver mais uma vez a disparidade: existem 103.437 estudos sobre HIV-1, enquanto sobre HTLV-1 há

84

apenas 8.332 estudos. Outro ponto que merece destaque é que apesar desse cenário, o HTLV-1 ainda não consta na lista de doenças negligenciadas da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Para conter a infecção, se faz necessário entender as lacunas pendentes e investir principalmente na disseminação da informação e na conscientização da população, visto que esse vírus ainda é bem desconhecido para a sociedade – reflexo também da negligência com o processo de infecção. Ademais, a realização de poucos estudos e pesquisas dificulta muito o manejo clínico adequado dos pacientes e, consequentemente, a qualidade de vida da população acometida por esse vírus.

Considerando a importância de fomentar estudos sobre a infecção pelo HTLV-1, este trabalho tem como objetivo analisar cronologicamente as atualizações sobre o cenário do HTLV-1 por meio de uma rigorosa revisão integrativa, destacando os avanços metodológicos, aspectos clínicos, epidemiológicos e históricos da infecção e as contribuições que essas atualizações trazem para as questões que ainda precisam ser elucidadas.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de uma revisão integrativa sobre os avanços científicos no cenário da infecção pelo HTLV-1 e as contribuições para a prevenção e tratamento das doenças associadas a esse retrovírus. A coleta de dados foi realizada no período de março a abril de 2021. Utilizou-se o modelo descrito na literatura composto por seis etapas24.

A primeira etapa consistiu na seleção da hipótese por meio da seguinte questão norteadora: “Quais os progressos científicos no contexto da infecção pelo HTLV-1 após quatro décadas do seu descobrimento?”. A segunda etapa do processo metodológico foi a busca de estudos nas plataformas de bases de dados. Para essa busca de artigos utilizou-se as bases de dados LILACS, SciELO e PubMed, em conjunção com os descritores em ciências da saúde (DECs/MESH) e operadores booleanos “and” e “or”: ((“human T-lymphotropic virus 1” OR HTLV-1) AND (HAM/TSP OR ATLL OR screening test OR diagnosis)).

Para seleção dos estudos, foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão:

(1) artigos disponíveis na íntegra nos idiomas português, inglês e espanhol, publicados entre os anos 2016 e 2021, (2) artigos originais, revisões, reflexões teóricas, teses e relatos de caso,

(3) artigos que tivessem HTLV-1 como objeto de pesquisa, e (4) artigos sobre ATLL e HAM/TSP. Os critérios de exclusão foram: (1) artigos com estudos in vitro, (2) artigos sobre coinfecção,

(3) artigos apenas de abordagem molecular, que não abordavam as manifestações clínicas, diagnóstico ou tratamento das doenças associadas ao HTLV-1.

A terceira etapa consistiu na categorização dos estudos por meio da elaboração de um banco de dados com as informações a serem extraídas dos estudos selecionados. Foram

85 v. 45, n. 4, p. 81-96 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

elaboradas tabelas com as seguintes informações: (1) autor e ano do estudo, (2) desenho de estudo, (3) país de origem, (4) principais resultados. A quarta etapa compreendeu a avaliação dos estudos incluídos na etapa anterior e aplicação dos critérios de exclusão. Na quinta etapa ocorreu a interpretação e discussão dos resultados obtidos. A sexta etapa compreendeu a elaboração do documento e a apresentação da revisão.

RESULTADOS

A busca por artigos nas plataformas de dados identificou um total de 1159 artigos (891 disponíveis no PubMed, 544 no SciELO e 214 no LILACS). Destes, 103 foram excluídos por estarem duplicados, e 945 foram excluídos após leitura do título e resumo. Dessa forma, 111 estudos foram selecionados para leitura, e destes, 50 foram excluídos após leitura do texto completo. Portanto, 61 artigos foram incluídos nessa revisão (Figura 1)

Figura 1 – Fluxograma de seleção dos artigos analisados. Vitória da Conquista, Bahia, Brasil – 2021

Identificação

Artigos identificados por meio da pesquisa nas bases de dados (n=1.159)

PubMed (891)

SciELO (544)

Lilacs (214)

Artigos após a exclusão das duplicatas (n=1.056)

Artigos triados (n=1.056)

Artigos elegíveis para leitura completa (n=111)

Incluídos

Artigos duplicados (n=103)

Artigos excluidos após leitura de Títulos e resumos (n=945)

Artigos exlcuídos após a leitura completa:

Artigos com estudos in vitro (n=1)

Artigos sobre coinfecção (n=4)

Artigos incluídos na revisão integrativa (n=61)

Artigos apenas de abordagem molecular, que não abordavam as manifestações clínicas, diagnóstico ou tratamento das doenças associadas ao HTVL-1 (n=45)

86
T riagem Elegibilidade
Fonte: Elaboração própria.

Dos 61 artigos selecionados para confecção deste estudo, 27 foram estudos observacionais, 24 artigos de revisão de literatura, cinco trabalhos de revisão sistemática, dois artigos de metanálise, um estudo transversal, um protocolo clínico e um relato de conferência (Tabela 1). A maioria dos trabalhos selecionados nesta revisão foram estudos observacionais (44,2%). Estes estudos são úteis para descrever tendências nos indicadores de saúde, gerar hipóteses e permitir o monitoramento das políticas de saúde25. Os artigos foram classificados de acordo com o nível de evidência baseado no sistema GRADE (Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation). Os artigos com maior nível de evidência foram os estudos observacionais bem delineados com achados consistentes (n=27), o estudo transversal (n=1), as revisões sistemáticas (n=5) e as metanálises (n=2). Seguidos pelos artigos de revisão de literatura (n=24), protocolo clínico (n=1) e relato de conferência (n=1).

Tabela 1 – País, ano e desenho de estudo dos artigos analisados. Vitória da Conquista, Bahia, Brasil – 2021.

(continua)

Revista Baiana de Saúde Pública 87 v. 45, n. 4, p. 81-96 out./dez. 2021
Artigo País Ano Desenho de estudo 44 Brasil 2016 Revisão 34 Colômbia 2016 Revisão sistemática 66 Paraguai 2016 Estudo observacional 88 Australia 2016 Estudo observacional 75 Peru 2016 Revisão sistemática 77 Japão 2016 Estudo observacional 53 Uruguai 2017 Estudo observacional 89 Peru 2017 Revisão 56 Brasil 2017 Estudo observacional 60 Londres 2017 Revisão 42 Londres 2017 Revisão 61 Japão 2017 Revisão 70 Irã 2017 Estudo observacional 71 Argentina 2017 Estudo observacional 78 Peru 2017 Estudo observacional 79 Colômbia 2017 Estudo observacional 35 França 2017 Revisão 90 França 2018 Revisão 55 Peru 2018 Revisão 34 Uruguai 2018 Estudo observacional 30 Brasil 2018 Estudo observacional 80 Brasil 2018 Estudo observacional 73 Japão 2018 Estudo observacional 27 Brasil 2018 Estudo observacional 43 Estados Unidos 2018 Estudo observacional 94 Brasil 2018 Estudo observacional 76 Austrália 2018 Relato de conferência 52 Peru 2019 Estudo observacional 3 Estados Unidos 2019 Revisão 54 Japão 2019 Estudo observacional 91 Brasil 2019 Revisão 81 Espanha 2019 Revisão 21 Espanha 2019 Revisão sistemática 46 Japão 2019 Revisão 28 Estados Unidos 2019 Revisão 64 Canadá 2019 Revisão/Metanálise 65 Nigéria 2019 Estudo observacional

Tabela 1 – País, ano e desenho de estudo dos artigos analisados. Vitória da Conquista, Bahia, Brasil – 2021. (conclusão)

O país com maior número de artigos publicados é o Brasil (n=12), seguido pelo Japão (n=10) e Peru (n=7). Colômbia, Argentina, Estados Unidos da América, Reino Unido, Austrália e Espanha publicaram três artigos cada, e o Uruguai, Irã, França e Canadá disponibilizaram dois artigos cada. Já a Nigéria, Paraguai, Itália, China, Chile e Caribe publicaram apenas um artigo cada (Figura 2).

88 Artigo País Ano Desenho de estudo 68 Japão 2019 Estudo observacional 69 Argentina 2019 Estudo observacional 92 Canadá 2019 Revisão sistemática 74 China 2019 Estudo observacional 82 Irã 2019 Revisão sistemática 83 Brasil 2019 Estudo observacional 84 Brasil 2019 Protocolo clínico 48 Espanha 2019 Revisão 47 Itália 2020 Revisão 57 Austrália 2020 Metanálise 58 Brasil 2020 Revisão 62 Japão 2020 Revisão 45 Chile 2020 Revisão 63 Japão 2020 Estudo observacional 41 Japão 2020 Revisão 85 Peru 2020 Estudo observacional 86 Reino Unido 2020 Revisão 87 Japão 2020 Revisão 93 Argentina 2021 Estudo observacional 59 Colômbia 2021 Estudo observacional 67 Brasil 2021 Revisão 29 Peru 2021 Revisão sistemática 31 Brasil 2021 Revisão Fonte: Elaboração própria.
Figura 2 – Número de artigos incluídos de acordo com o país de origem. Vitória da Conquista, Bahia, Brasil – 2021 Fonte: Elaboração própria.

DISCUSSÃO

O Brasil é considerado um país endêmico para infecção pelo HTLV-1, e diante desse cenário, é um país que se destaca em números de estudos publicados. Existem outros países endêmicos que também investem em estudos sobre HTLV-1, como é o caso do Japão, Caribe, e países africanos6. No entanto, algumas regiões ainda não descritas como endêmicas para o HTLV-1, apresentaram um aumento do número de casos de infecção por esse retrovírus, como a Espanha, que não é considerada um país endêmico, mas revelou-se uma região emergente, principalmente após 2008, quando foi introduzida a testagem nos bancos de sangue no país, revelando um crescimento no número de indivíduos infectados pelo HTLV-126

A infecção pelo HTLV-1 ocorre principalmente por três vias: (1) de mãe para filho, (2) contato sexual, principalmente de homens para mulheres e (3) por meio de transfusão de sangue, hemoderivados contaminados ou agulhas contaminadas. Dentre essas formas de transmissão, sabe-se que o HTLV-1 é transmitido principalmente por meio de relações sexuais desprotegidas e de mãe para filho, por meio da amamentação21,27,28. A transmissão de mãe para filho é considerada uma das principais vias de contágio em áreas endêmicas, sendo responsável pela manutenção do HTLV-1 em várias gerações de uma mesma família29. Além disso, a literatura sugere uma possível associação entre o desenvolvimento de ATLL e a via de transmissão vertical, apesar da doença se desenvolver na maioria das vezes na vida adulta, após um longo período de incubação27,28,30. Diante disso, é necessário identificar as mulheres grávidas infectadas, com o intuito de bloquear a transmissão silenciosa do HTLV-1 que ocorre entre famílias e comunidades, e reduzir de maneira significativa a transmissão de mãe para filho, como ocorreu em países como o Japão, onde foi observado uma queda de 25% para 4% na prevalência de portadores de HTLV-1 na população de Nagasaki, após a adoção de medidas preventivas como a triagem pré-natal para identificar as mães soropositivas27,28,31. No Brasil, apesar de ser um país endêmico, a triagem pré-natal para HTLV ainda não foi implantada como política de saúde pública em todas as regiões27,28,30

No estado da Bahia, a testagem para HTLV-1 foi implantada na triagem pré-natal por meio do Programa Estadual de Triagem Pré-Natal em Papel Filtro, em 2012. A testagem deve ser realizada no início da gestação, preferencialmente no primeiro trimestre, e repetida no último trimestre32. Além disso, em novembro de 2020, foi implantada a Linha de Cuidado Integral às Pessoas Vivendo com HTLV-1 na Bahia, com intuito de promover assistência à saúde especializada e cuidado integral para os indivíduos infectados. A implementação dessas medidas demonstra um avanço do estado no combate ao HTLV-1 e reforça a importância de medidas preventivas para redução da prevalência da infecção, principalmente em áreas endêmicas.

Dentre as manifestações clínicas conhecidas, a infecção pelo HTLV-1 pode levar ao desenvolvimento de duas doenças graves: a HAM/TSP e a ATLL. A HAM/TSP é uma doença

89 v. 45, n. 4, p. 81-96 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

inflamatória crônica do sistema nervoso central que se manifesta clinicamente por uma lenta paraparesia espástica progressiva, bexiga neurogênica, sinais sensoriais menos visíveis33, além de fraqueza muscular com consequente prejuízo da marcha, distúrbios de função sexual34, dor lombar e disfunções intestinais35. É uma condição que afeta mais mulheres, principalmente na quarta década de vida. No entanto, foi descrito um grande número de pacientes com HAM/TSP infanto-juvenil na América do Sul, principalmente no Brasil, em comparação com outros países endêmicos30.

Há relatos frequentes de associação entre HAM/TSP e DIH, principalmente no Brasil30. Na Bahia, foi descrita uma associação entre HAM/TSP e DIH em 14 famílias, em duas gerações, onde todas as mães tinham HAM/TSP, sendo que 12 delas tinham um filho ou dois com filhos também com essa mielopatia36. A agregação familiar é um aspecto importante na infecção pelo HTLV-1, na qual ocorre o desenvolvimento de HAM/TSP simultaneamente em irmãos ou mãe e filho37

O manejo do paciente com HAM/TSP consiste principalmente no tratamento dos sintomas clínicos. O corticosteroide anti-inflamatório prednisolona é atualmente o tratamento típico, devido às manifestações inflamatórias da HAM/TSP19. Para pacientes que não toleram o tratamento com corticosteroides, são indicados tratamentos alternativos usando moléculas com propriedades anti-inflamatórias, como a ciclosporina A38, pentoxifilina39, danazol40 ou citocinas antivirais, como IFN-α ou IFN-β35. Apesar desses tratamentos apresentarem bons resultados, ainda existem diversas limitações. Atualmente não há tratamento eficaz acordado internacionalmente. Isso pode ser parcialmente explicado pelas limitações encontradas em ensaios clínicos, como um tamanho pequeno de amostra, tempo limitado de estudo, tipo de acompanhamento dos pacientes, falta de ensaios clínicos randomizados e pouco interesse da indústria farmacêutica34

Já a ATLL é uma malignidade altamente agressiva, caracterizada pela proliferação de células T maduras infectadas pelo HTLV-135,41. Essa doença é caracterizada por um período de latência antes da manifestação dos sintomas, sugerindo haver alterações genéticas e epigenéticas para seu desenvolvimento. Ocorre predominantemente em adultos entre a sexta e a sétima década de vida42,43. Na Bahia, a ATLL corresponde a cerca de 33% dos casos de linfoma cutâneo de células T e ocorre predominantemente em afrodescendentes42,43. Essa patologia pode ser classificada em quatro subtipos clínicos: agudo (60%), linfoma (20%), latente (5%) e crônico (15%)35

As manifestações clínicas principais da ATLL consistem em alteração do leucograma, lesões cutâneas (erupção eritematosa, nódulos ou pápulas), sintomas constitucionais e complicações respiratórias. Independente da classificação, essa doença tem uma taxa média de sobrevida baixa, variando entre seis meses para o subtipo agudo e 24 meses para o subtipo crônico41. Além disso, devido à imunossupressão, várias infecções oportunistas estão associadas, especialmente a estrongiloidíase e as infecções fúngicas43. O diagnóstico da ATLL

90

deve ser baseado na soropositividade para HTLV-1 associada a diagnósticos hematológicos e/ou histopatológicos de leucemia e/ou linfoma periférico de células T44.

Os pacientes com ATLL geralmente são tratados com quimioterapia combinada e os tratamentos quimioterápicos utilizados na doença são de duas gerações. A primeira geração consiste em CHOP (ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisona) e a segunda geração baseia-se em LSG15 (Lymphoma Study Group) constituídos de oito medicamentos35. Outra forma de terapia é o transplante de células-tronco hematopoéticas, que mostrou aumento da sobrevida, pois houve melhora na imunidade antiviral42. A combinação de zidovudina (ZDV) e Interferon-α (IFN-α) também demonstrou melhora na resposta à doença, principalmente se usado como terapia de primeira linha no subtipo agudo. Esse tratamento antiviral aumentou a taxa de sobrevida global em cinco anos quando comparado com a quimioterapia nos subtipos agudo, crônico e latente. Entretanto, seu uso não é recomendado após uso de quimioterapia por reduzir a taxa de sobrevivência35

Recentemente, no Japão, foi aprovado o anticorpo monoclonal anti-CCR4 (mogamulizumab) como tratamento inovador para a ATLL. Esse anticorpo age nas células cancerosas, sendo utilizado, principalmente, em pacientes refratários. Seu uso mostrou taxas de resposta de 11% vs. 0% em pacientes com outras terapias definidas pelo tratamento médico45 Além do mogamulizumab, outros anticorpos antitumorais estão sendo testados como tratamento inovador da doença41

Com relação aos avanços na prevenção e tratamento da infecção pelo HTLV-1, já existem estudos sobre vacinas sendo desenvolvidos, com o intuito de estimular a resposta imune do hospedeiro no combate à doença35,41,46. Além disso, existem tratamentos antirretrovirais que estão sendo estudados com a finalidade de reduzir a carga proviral e melhorar a qualidade de vida dos pacientes infectados pelo HTLV-135,47. O desenvolvimento e a implementação de um tratamento precoce, as melhorias no diagnóstico e o rastreio da infecção tornam-se de suma importância na determinação de um manejo clínico eficaz, uma vez que o diagnóstico adequado pode contribuir para uma mudança na percepção da infecção pelo HTLV-1 como rara47

Apesar das estratégias para alertar a sociedade sobre o conhecimento acerca da infecção por esse retrovírus, como a utilização do dia 10 de novembro, instituído pela Associação Internacional de Retrovirologia (IRVA) como o dia mundial de combate ao HTLV, é notório que ainda existem lacunas a serem preenchidas em relação à informação sobre a infecção pelo HTLV-1. Mesmo tendo sido o primeiro retrovírus humano descrito, os estudos sobre a patogênese e o tratamento desse vírus não são fomentados, corroborando com o fato de ser uma doença extremamente negligenciada37,48,49. Além disso, ainda não foi elucidado de que forma ocorre o desenvolvimento das doenças associadas ao HTLV-1, o que poderia contribuir para tratamentos mais eficazes e melhores prognósticos50,51. Portanto, mais investimentos em

91 v. 45, n. 4, p. 81-96 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

estudos precisam ser incentivados, além da implementação de estratégias de prevenção mundial para que ocorram avanços no sentido da erradicação e ou controle dessa infecção21

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo do HTLV-1 é de grande importância para a saúde pública, pelo vírus estar associado ao desenvolvimento de diversas doenças graves. Nesse sentido, os resultados obtidos mostram que existem avanços importantes no que diz respeito ao tratamento e prevenção da infecção, porém o baixo número de estudos específicos que abordem aspectos clínicos da infecção foi um fator limitante para o presente artigo, o que reforça a necessidade de investimento em novas pesquisas sobre esse vírus. Além disso, é importante ressaltar que a Bahia se destaca como estado pioneiro no desenvolvimento de medidas de prevenção e cuidado para os pacientes infectados pelo HTLV-1, com a implementação de testagem no pré-natal e desenvolvimento de uma linha de cuidado para as pessoas vivendo com HTLV-1. Espera-se que outros estados se baseiem no exemplo da Bahia e adotem medidas preventivas que visem reduzir a infecção pelo HTLV-1 no país.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Thessika Hialla Almeida Araújo, Fernanda Khouri Barreto, Raissa Frazão Campos, Carolina Souza Santana, Felipe de Oliveira Andrade, Jéssica Oliveira de Souza Nascimento.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Raissa Frazão Campos, Carolina Souza Santana, Felipe de Oliveira Andrade, Jéssica Oliveira de Souza Nascimento, Thessika Hialla Almeida Araújo, Fernanda Khouri Barreto.

3. Revisão e /ou aprovação final da versão a ser publicada: Raissa Frazão Campos, Carolina Souza Santana, Felipe de Oliveira Andrade, Jéssica Oliveira de Souza Nascimento, Thessika Hialla Almeida Araújo, Fernanda Khouri Barreto

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Raissa Frazão Campos, Carolina Souza Santana, Felipe de Oliveira Andrade, Jéssica Oliveira de Souza Nascimento, Thessika Hialla Almeida Araújo, Fernanda Khouri Barreto.

REFERÊNCIAS

1. Poiesz BJ, Ruscetti FW, Gazdar AF, Bunn PA, Minna JD, Gallo RC. Detection and isolation of type C retrovirus particles from fresh and cultured lymphocytes of a patient with cutaneous T-cell lymphoma. Proc Natl Acad Sci USA. 1980;77(12):7415-9.

92

2. Uchiyama T, Yodoi J, Sagawa K, Takatsuki K, Uchino H. Adult T-cell leukemia: clinical and hematologic features of 16 cases. Blood. 1977;50(3):481-92.

3. Tagaya Y, Matsuoka M, Gallo R. 40 years of the human T-cell leukemia virus: past, present, and future. F1000Res. 2019;8:228.

4. Kalyanaraman VS, Sarngadharan MG, Robert-Guroff M, Miyoshi I, Blayney D, Golde D, et al. A new subtype of human T-cell leukemia virus (HTLV-II) associated with a T-cell variant of hairy cell leukemia. Science. 1982; 218 (4572) : 571-3.

5. Wolfe ND, Heneine W, Carr JK, Garcia AD, Shanmugam V, Tamoufe U, et al. Emergence of unique primate T-lymphotropic viruses among central African bushmeat hunters. Proc Natl Acad Sci USA. 2005;102(22):7994-9.

6. Gessain A, Vernant JC, Maurs L, Barin F, Gout O, Calender A, et al. Antibodies to human T-lymphotropic virus type-I in patients with tropical spastic paraparesis. Lancet. 1985;2(8452):407-10.

7. Yoshida M, Miyoshi I, Hinuma Y. Isolation and characterization of retrovirus from cell lines of human adult T-cell leukemia and its implication in the disease. Proc Natl Acad Sci USA. 1982;79(6):2031–5.

8. La Grenade L, Manns A, Fletcher V, Carberry C, Hanchard B, Maloney EM, et al. Clinical, pathologic, and immunologic features of human T-lymphotrophic virus type I – associated infective dermatitis in children. Arch Dermatol. 1998;134(4):439-44.

9. Sato K, Maruyama I, Maruyama Y, Kitajima I, Nakajima Y, Higaki M, et al. Arthritis in patients infected with human T lymphotropic virus type I. Clinical and immunopathologic features. Arthritis Rheum. 1991;34(6):714-21.

10. Mochizuki M, Tajima K, Watanabe T, Yamaguchi K. Human T lymphotropic virus type 1 uveitis. Br J Ophthalmol. 1994;78:149-54.

11. Reiss DB, Freitas GS, Bastos RH, de Souza MA, Horiguchi CL, Martins ML, et al. Neurological outcomes analysis of HTLV-1 seropositive patients of the Interdisciplinary Research HTLV Group (GIPH) cohort, Brazil. Retrovirology. 2014;11(suppl 1):P51.

12. Sá KN, Baptista AF, Matos MA, Lessa Í. Chronic pain and gender in Salvador population, Brazil. Pain. 2008;139:498-506.

13. Martins JVP, Baptista AF, Araújo AQC. Quality of life in patients with HTLV-I associated myelopathy/tropical spastic paraparesis. Arq Neuropsiquiatr. 2012;70(2):257-61.

14. Zarei-Ghobadi M, Sheikhi M, Teymoori-Rad M, Yaslianifard S, Norouzi M, Yaslianifard S, et al. HTLV-1-associated myelopathy/tropical spastic paraparesis (HAM/TSP) versus adult T-cell leukemia/lymphoma (ATLL). BMC Res Notes. 2021;14(1):109.

93 v. 45, n. 4, p. 81-96 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

15 Bangham CRM, Cook LB, Melamed A. HTLV-1 clonality in adult T-cell leukaemia and non-malignant HTLV-1 infection. Semin Cancer Biol. 2014;26:89-98.

16. Giam CZ, Semmes O. HTLV-1 infection and adult T-cell leukemia/lymphoma: a tale of two proteins: tax and HBZ. Viruses. 2016;8(6):161.

17. Ozawa PMM, Reis DAS, Kurauti MA, Simões TMG, Oda JMM, Carneiro NK, et al. Vírus linfotrópico de células T humano tipo 1 (HTLV-1): implicações em doenças autoimunes. Semina Ciênc Biol Saúde. 2012;33(1):83-96.

18. Osame M, Igata A. The history of discovery and clinico-epidemiology of HTLV-I-associated myelopathy (HAM). Jpn J Med. 1989;28:412-4.

19. Osame M, Usuku K, Izumo S, Ijichi N, Amitani H, Igata A, et al. HTLV-I associated myelopathy, a new clinical entity. Lancet. 1986;1(8488):1031-2.

20. Gessain A, Cassar O. Epidemiological aspects and world distribution of HTLV-1 infection. Front Microbiol. 2012;3:388.

21. Eusebio-Ponce E, Candel FJ, Anguita E. Human T-cell lymphotropic virus type 1 and associated diseases in Latin America. Trop Med Int Health. 2019;24(8):934-53.

22. Catalan-Soares B, Carneiro-Proietti ABF, Proietti FA. Heterogeneous geographic distribution of human T-cell lymphotropic viruses I and II (HTLV-I/II): serological screening prevalence rates in blood donors from large urban areas in Brazil. Cad Saúde Pública. 2005;21(3):926-31.

23. Dourado I, Alcantara LCJ, Barreto ML, Teixeira MG, Galvão-Castro B. HTLV-I in the general population of Salvador, Brazil: a city with African ethnic and sociodemographic characteristics. J Acquir Immune Defic Syndr. 2003;34(5):527-31.

24. Ganong LH. Integrative reviews of nursing research. Res Nurs Health. 1987;10(1):1-11.

25. Fronteira I. Estudos observacionais na era da medicina baseada na evidência: breve revisão sobre a sua relevância, taxonomia e desenhos. Acta Med Port. 2013;26(2):161-70.

26. Treviño A, Aguilera A, Caballero E, Benito R, Parra P, Eiros JM, et al. Trends in the prevalence and distribution of HTLV-1 and HTLV-2 infections in Spain. Virol J. 2012;9:71.

27. Paiva AM, Assone T, Haziot MEJ, Smid J, Fonseca LAM, Luiz OC, et al. Risk factors associated with HTLV-1 vertical transmission in Brazil: longer breastfeeding, higher maternal proviral load and previous HTLV-1-infected offspring. Sci Rep. 2018;8:7742.

94

28. Rosadas C, Taylor GP. Mother-to-child HTLV-1 transmission: unmet research needs. Front Microbiol. 2019;10:999.

29. Ramos-Rincón JM, Ortiz-Martínez S, Vásquez-Chasnamote ME, de-MiguelBalsa E, Gamboa-Paredes ON, Talledo-Albujar MJ, et al. Screening for human t-cell lymphotropic virus (HTLV) in pregnant women in the Peruvian Amazon and systematic review with meta-analysis of HTLV infection in Peru. Pathogens. 2021;10(3):260.

30. Oliveira PD, Kachimarek AC, Bittencourt AL. Early onset of HTLV-1 associated myelopathy/tropical spastic paraparesis (HAM/TSP) and adult t-cell leukemia/lymphoma (ATL): systematic search and review. J Trop Pediatr. 2018;64(2):151-61.

31. Rosadas C, Caterino-de-Araujo A, Taylor GP. Specificity of HTLV screening tests and its impact on health care program costs: the perspective of antenatal screening in Brazil. Rev Soc Bras Med Trop. 2021;54:e0853-2020.

32. Pedro SAPS, Silva CAL, Rebouças MC, Costa MFD. Screening on prenatal infections in the South and Southwest macro-regions in the State of Bahia, Brazil: detected on paper filter. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2019;19(3):681-90.

33. Araujo AQ, Silva MTT. The HTLV-1 neurological complex. Lancet Neurol. 2006;5(12):1068-76.

34. Rivera-Caldón CC, López-Valencia D, Zaramora-Bastidas TO, Dueñas-Cuéllar RA, Mora-Obando DL. Infección por el virus linfotrópico humano de células T tipo 1 (HTLV-1) y paraparesia espástica: avances y diagnóstico 35 años después de su descubrimiento. Iatreia. 2017;30(2):146-59.

35. Futsch N, Mahieux R, Dutartre H. HTLV-1, the other pathogenic yet neglected human retrovirus: from transmission to therapeutic treatment. Viruses. 2018;10(1):1.

36. Garcia MCS, Heck R, Bonamigo RR, Cattani CAS. Infectious dermatitis associated with HTLV-I: uncommon case in southern Brazil simulating refractory atopic dermatitis. An Bras Dermatol. 2022;97(4):538-41.

37. Primo JRL, Brites C, Oliveira MFSP, Moreno-Carvalho O, Machado M, Bittencourt AL. Infective dermatitis and human T cell lymphotropic virus type 1-associated myelopathy/tropical spastic paraparesis in childhood and adolescence. Clin Infect Dis. 2005;41(4):535-41.

38. Martin F, Castro H, Gabriel C, Adonis A, Fedina A, Harrison L, et al. Ciclosporin A proof of concept study in patients with active, progressive htlv-1 associated myelopathy/tropical spastic paraparesis. PLoS Negl Trop Dis. 2012;6(6):e1675.

39. Shirabe S, Nakamura T, Tsujino A, Nishiura Y, Furuya T, Goto H, et al. Successful application of pentoxifylline in the treatment of HTLV-I associated myelopathy. J Neurol Sci. 1997;151(1):97-101.

95 v. 45, n. 4, p. 81-96 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

40. Harrington WJ Jr, Sheremata WA, Snodgrass SR, Emerson S, Phillips S, Berger JR. Tropical spastic paraparesis/HTLV-1-associated myelopathy (TSP/HAM): treatment with an anabolic steroid danazol. AIDS Res Hum Retroviruses. 1991;7(12):1031-4.

41. El Hajj H, Tsukasaki K, Cheminant M, Bazarbachi A, Watanabe T, Hermine O. Novel treatments of adult t cell leukemia lymphoma. Front Microbiol. 2020;11:1062.

42. Bangham CRM, Matsuoka M. Human T-cell leukaemia virus type 1: parasitism and pathogenesis. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 2017; 372(1732):20160272.

43. Malpica L, Pimentel A, Reis IM, Gotuzzo E, Lekakis L, Komanduri K, et al. Epidemiology, clinical features, and outcome of HTLV-1-related ATLL in an area of prevalence in the United States. Blood Adv. 2018;2(6):607-20.

44. Oliveira PD, Farre L, Bittencourt AL. Adult T-cell leukemia/lymphoma. Rev Assoc Médica Bras. 2016;62(7):691-700.

45. Cabrera ME, Peña C. Leucemia/linfoma T del adulto HTLV1, un desafío para el clínico. Rev Fac Med Humana. 2020;20(2):123-30.

46. Kannagi M, Hasegawa A, Nagano Y, Iino T, Okamura J, Suehiro Y. Maintenance of long remission in adult T-cell leukemia by Tax-targeted vaccine: a hope for disease-preventive therapy. Cancer Sci. 2019;110(3):849-57.

47. Marino-Merlo F, Balestrieri E, Matteucci C, Mastino A, Grelli S, Macchi B. Antiretroviral therapy in HTLV-1 infection: an updated overview. Pathogens. 2020;9(5):342.

48. Eusebio-Ponce E, Anguita E, Paulino-Ramirez R, Candel FJ. HTLV-1 infection: an emerging risk: pathogenesis, epidemiology, diagnosis and associated diseases. Rev Espanola Quimioter. 2019;32(6):485-96.

49. Chou KS, Okayama A, Tachibana N, Lee TH, Essex M. Nucleotide sequence analysis of a full-length human T-cell leukemia virus type I from adult T-cell leukemia cells: a prematurely terminated PX open reading frame II. Int J Cancer. 1995;60(5):701-6.

50. Satou Y, Matsuoka M. HTLV-1 and the host immune system: how the virus disrupts immune regulation, leading to HTLV-1 associated diseases. J Clin Exp Hematop. 2010;50(1):1-8.

51. Andrade FO, Cucco MS, Borba MMN, Conceição Neto R, Gois LL, Rego FFA, et al. An overview of sequencing technology platforms applied to HTLV-1 studies: a systematic review. Arch Virol. 2021;166(11):3037-48.

Recebido: 30.4.2021. Aprovado: 23.9.2022.

96

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

EDUCAÇÃO E PROMOÇÃO DA SAÚDE: UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA

POTENCIALIZADORA DO PROTAGONISMO INFANTOJUVENIL NO ENFRENTAMENTO

https://orcid.org/0000-0003-2305-1794

Andrea Caprarab

https://orcid.org/0000-0003-1972-8205

Resumo

Este artigo apresenta um recorte dos resultados da experiência pedagógica realizada com estudantes por meio da interlocução entre saúde e escola, permeada pela educação e promoção da saúde enquanto potencializadores do protagonismo infantojuvenil. Trata-se de um estudo qualitativo, pesquisa-ação, realizado com 55 estudantes em minicursos em duas escolas municipais de Fortaleza (CE). Esta pesquisa versa sobre a implementação de uma abordagem ecossistêmica em ambiente escolar para a promoção da saúde, prevenção e controle do Aedes aegypti. Observa-se que as ações de controle contra o vetor dependerão de ampla participação de diversos grupos e comunidades. Os estudantes perceberam a necessidade de intensificar ações de promoção da saúde no cotidiano e promover o protagonismo e a autonomia dos sujeitos para coletivamente compreender a saúde como resultante das condições de vida para um desenvolvimento social mais equitativo. Conclui-se que o incremento de atividades dirigidas à mudança comportamental dos alunos, concentrando-se em componentes educativos, e a compreensão de que a saúde resulta de múltiplos determinantes alinham-se a uma articulação de ações de promoção de saúde fomentadoras de um saber coletivo, que estimula no indivíduo e na coletividade sua autonomia e emancipação para o cuidado de si e de seu entorno.

Palavras-chave: Educação. Promoção da saúde. Arboviroses.

a Assistente Social. Doutoranda em Saúde Coletiva. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: robertadumaia@gmail.com b Médico. Doutor em Antropologia. Professor Associado no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: andreacaprara1@gmail.com

Endereço para correspondência: Rua Inácio Vasconcelos, n. 263, Messejana. Fortaleza, Ceará, Brasil. CEP: 60841-535. E-mail: robertadumaia@gmail.com

97 v. 45, n. 4, p. 97-111 out./dez. 2021 97
Revista Baiana de Saúde Pública
DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3344
AO AEDES AEGYPTI

HEALTH EDUCATION AND PROMOTION: A PEDAGOGICAL EXPERIENCE TO ENHANCE CHILDREN AND YOUTH LEADERSHIP

IN COMBATING AEDES AEGYPTI

Abstract

This paper presents the results of a pedagogical experience carried out with students via dialogue between healthcare and school, based on health education and promotion as potentiators of youth leadership. To investigate the implementation of an ecosystem approach in a school environment for health promotion, and Aedes aegypti control and prevention, a qualitative action research was carried out with 55 students attending mini-courses in two municipal schools in Fortaleza, Ceará, Brazil. Results show that action aimed at vector control depend on the broad participation of different groups and communities. Students realized the need to enhance daily health promotion actions and to promote youth leadership and autonomy to collectively understand health as a result of living conditions, seeking more equitable social development. In conclusion, the increased activities aimed at behavioral change, focusing on educational components, and the understanding that health results from multiple determinants, assumes an articulation of health promotion actions that foster collective knowledge to stimulate individual and community autonomy and emancipation in caring for themselves and their surroundings.

Keywords: Education. Health promotion. Arboviruses.

EDUCACIÓN Y PROMOCIÓN DE LA SALUD: UNA EXPERIENCIA PEDAGÓGICA

QUE POTENCIA EL PAPEL DE LOS NIÑOS Y ADOLESCENTES EN LA LUCHA

CONTRA EL AEDES AEGYPTI

Resumen

Este artículo presenta un extracto de los resultados de la experiencia pedagógica realizada con estudiantes a través del diálogo entre salud y escuela, permeada por la educación y la promoción de la salud como potenciadoras del protagonismo infantil. Se trata de un estudio cualitativo, investigación acción realizada con 55 alumnos en minicursos en dos escuelas municipales de Fortaleza (CE), Brasil. Se trata de la implementación de un enfoque ecosistémico en un ambiente escolar para la promoción de la salud, prevención y control del Aedes aegypti

Se observa que las acciones de control del vector dependerán de la amplia participación de diferentes grupos y comunidades. Los estudiantes percibieron la necesidad de intensificar las

98

acciones de promoción de la salud en el cotidiano y promover el protagonismo y la autonomía de los sujetos para comprender colectivamente la salud como resultado de condiciones de vida para un desarrollo social más equitativo. Se concluye que el aumento de actividades dirigidas al cambio de comportamiento de los estudiantes, con foco en los componentes educativos, y la comprensión de que la salud resulta de múltiples determinantes, se alinean con una articulación de acciones de promoción de la salud que fomenten el conocimiento colectivo que estimule en el individuo y la colectividad su autonomía y emancipación para cuidar de sí mismos y de su entorno.

Palabras clave: Educación. Promoción de la salud. Arbovirosis.

INTRODUÇÃO

No Brasil, a dengue (DENV) permanece como um significativo problema de saúde pública e, desde 1986, registra fases de contínuas epidemias1. Em 2014, foi confirmada a primeira ocorrência do vírus Chikungunya (CHIKV) no país2. Em 2016, a nação foi surpreendida por uma epidemia do vírus Zika (ZIKV)1. Os três arbovírus compartilham o mosquito Aedes aegypti3, vetor de transmissão encontrado comumente em ambientes urbanos, cuja proliferação se intensifica no primeiro semestre de cada ano em decorrência do período de sazonalidade pluviométrica.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estipulou, entre as dez prioridades para 2019, o enfrentamento do DENV ao ser considerada como infecção de crescente ameaça para a saúde nas últimas décadas4. Mesmo com o surgimento dos novos vírus transmitidos pelo Aedes aegypti, o DENV destaca-se em decorrência da carga viral e do grande potencial de evolução para óbito. O número de casos notificados de 2013 a 2016 superou o número de notificações na década anterior, o que sugere a necessidade de intensificar a vigilância, especialmente nos períodos de baixa transmissão, visando manter o alerta sobre a doença, detectar precocemente as alterações em seu padrão e intervir oportunamente em seu controle5 No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) elenca como uma de suas principais responsabilidades no enfrentamento ao DENV a coordenação de ações de controle do vetor por meio do Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD)6. No intuito de combater o mosquito, planos de ações e políticas são implementados nos territórios, como o Programa Saúde na Escola (PSE), que contempla atividades que atualmente abrangem escolas municipais e estaduais7,8. Por serem alicerçados na universalização de direitos fundamentais, os setores de educação e da saúde apresentam diversidades e afinidades no campo das políticas públicas8

99 v. 45, n. 4, p. 97-111 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

O reconhecimento dessa diversidade de ações propõe diferentes visões de mundo que auxiliam no processo de construção coletiva, sobretudo no processo de autonomia do sujeito em sua coletividade, visto que a educação está imersa nas ações intersetoriais, possibilitando a promoção da saúde numa interlocução com a cultura. Abordagens ecossistêmicas em saúde apresentam como eixo central de suas práticas o pluralismo metodológico, a participação social, o mapeamento e a análise da situação socioambiental e de saúde do território em estudo, bem como a proposição de estratégias de intervenção nos problemas identificados, subsidiados nos processos de aprendizagem social e colaborativa entre especialistas/pesquisadores e atores sociais locais1. Assim, tais abordagens manifestam-se enquanto propostas promissoras para o controle do Aedes aegypti e das doenças transmitidas por esse vetor9, sendo recomendadas como método inovador para o controle desse vírus no Brasil5. Destaca-se, para este estudo, a abordagem eco-bio-social, perspectiva ecossistêmica que se ancora nos preceitos da promoção da saúde e apresenta-se em seis princípios que a fundamentam: pensamento sistêmico, transdisciplinaridade, participação social, sustentabilidade, equidade social e de gênero e conhecimento para ação10. Ante tais considerações, este artigo objetiva mencionar uma experiência pedagógica, realizada com crianças e adolescentes, por meio da interlocução da saúde e da escola. Tem, como elemento norteador, os pressupostos da educação e promoção da saúde enquanto potencializadores do protagonismo dos estudantes para o controle e o enfrentamento ao vetor Aedes aegypti

MATERIAL E MÉTODOS

Este é um estudo de natureza qualitativa, alicerçado nos pressupostos de uma pesquisa-ação. Trata-se de um recorte de dissertação de mestrado desenvolvida entre 2017 e 2018 na cidade de Fortaleza e representa um trecho partícipe resultante de pesquisa multicêntrica realizada em três países (Brasil, Colômbia e México), na qual foram implementadas iniciativas baseadas nos princípios de abordagens ecossistêmicas em saúde para o combate às doenças transmitidas por vetores.

Desenvolveu-se, em 2017, uma intervenção comunitária como parte inicial da pesquisa, na qual foi realizado um levantamento entomológico para identificar potenciais criadouros do mosquito Aedes aegypti. Agentes de Controle de Endemias (ACE) da Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF) estiveram presentes em cada agregado domiciliar de quatro bairros de Fortaleza para a efetivação de um inquérito, parte integrante do estudo de caso-controle. Em seguida, e conforme os dados do inquérito, definiram-se duas áreas de intervenção e duas de controle, com critérios baseados nos casos notificados com maior incidência de DENV, CHIKV

100

e ZIKV pelo sistema de vigilância regular nos últimos três anos (2014, 2015 e 2016). As áreas foram avaliadas quanto a serem homogêneas em termos de status socioeconômico, cobertura de saúde, tipo de domicílio, acesso ao abastecimento de água, esgoto e outras características da infraestrutura do bairro, como estradas e espaços de lazer.

O estudo foi realizado em duas escolas municipais localizadas nas duas áreas definidas para a intervenção, conforme o resultado do inquérito. Nos dois locais, realizaram-se as mesmas atividades, porém com estudantes de séries diferentes. Os participantes do estudo foram 55 estudantes regularmente matriculados e cursando ensino fundamental II (6º ao 9º ano) na escola 1 e ensino fundamental I (4º e 5º ano) na escola 2, dos períodos manhã e tarde. A escolha desses sujeitos ocorreu pelo critério da faixa etária – apropriada à aplicação das técnicas de coleta de dados – e pelo critério de inclusão, que se fundamentou no desenvolvimento cognitivo e crítico para as discussões, além do interesse e disponibilidade em contribuir com a pesquisa.

O processo de seleção dos estudantes aconteceu em sala de aula, conduzido pela pesquisadora e definido pelo(a) professor(a), com a indagação sobre quem teria o interesse em participar. Entre os estudantes que manifestaram interesse, foram selecionados pelos professores, por meio de amostra por conveniência, pelo menos três representantes de cada turma, considerando o critério de maior participação nas aulas.

Entre as técnicas de coleta de dados aplicadas para alcançar os objetivos propostos do estudo, elencamos aqui as mostras educativas e o minicurso. As mostras educativas aconteceram nas duas escolas no período total de dois dias, com exposição de maquetes e material educativo em espaço coletivo de fácil acesso à visitação por toda a escola e comunidade. Contou-se com a parceria da Secretaria Estadual da Saúde do Ceará (SESA) e da PMF na montagem dos stands e maquetes, que simbolizavam os criadouros e ciclos de reprodução do vetor e ciclo larvário com o vetor vivo, nos materiais impressos de divulgação (cartazes, folders, adesivos), na contratação de um profissional fantasiado de mosquito e de três profissionais para orientar sobre o material exposto.

A mostra educativa foi realizada síncrona ao minicurso intitulado “A abordagem ecobio-social e a vigilância ativa na prevenção e controle do Aedes aegypti”. Com a duração de oito horas cada, o minicurso objetivou trabalhar os pressupostos teórico-metodológicos da abordagem eco-bio-social em saúde para intervenções que visem o controle e a prevenção das arboviroses transmitidas pelo vetor Aedes aegypti. Os participantes, facilitadores e apoio logístico receberam certificação como curso de extensão pela Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Estadual do Ceará (UECE). O Quadro 1 apresenta uma síntese das etapas realizadas no minicurso.

101 v. 45, n. 4, p. 97-111 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

Quadro 1 – Quadro sinóptico das atividades realizadas no minicurso. Fortaleza, Ceará, Brasil – 2018

Etapa Descrição

1) Acolhida

2) Círculo de cultura e formação de grupos

3) Tematização nos grupos

4) Estudo de caso: “Festa de aniversário do Joãozinho”

Boas-vindas aos estudantes e apresentação dos objetivos das atividades a serem realizadas. Apresentação do vídeo educativo para o público infantojuvenil intitulado: “Ciclo de vida do Aedes aegypti”.

Universo vocabular fomentado pela pergunta geradora: o que vocês compreendem por abordagem eco-bio-social? Os estudantes dividiram-se em pequenos grupos. Em seguida, expressaram espontaneamente e registraram pela escrita o conhecimento prévio e as primeiras impressões vindas em mente sobre a abordagem eco-bio-social.

Tematização e discussão a partir da compreensão expressada pelos estudantes participantes por meio do universo vocabular (palavras).

Estudo de caso: ainda nos grupos, os estudantes realizaram leituras coletivas identificando no caso exposto situações que refletem o assunto abordado na exposição dialogada. Construção de questionamentos: que questões poderiam ajudar a problematizar a festa de aniversário do Joãozinho?

Socialização das questões entre os grupos e síntese do estudo dirigido.

5) Exposição dialogada: “Um olhar sobre a abordagem eco-bio-social”

Os estudantes permaneceram nos grupos. Apresentação dos pressupostos teórico-metodológicos da abordagem eco-bio-social em saúde, correlacionando-os às proposições da promoção da saúde para intervenções em ambiente escolar com vistas à prevenção e ao controle das arboviroses presentes no cenário da saúde pública atual. Apresentação da construção sócio-histórica da promoção da saúde pautada na teoria ecossistêmica com a reflexão sobre conscientização, empoderamento, participação social, equidade, sustentabilidade e qualidade de vida. Estimulação à aquisição de hábitos cotidianos saudáveis que exerçam influência positiva e estimulem cuidados individuais e coletivos. Após a apresentação, os estudantes participaram ativamente para o esclarecimento de dúvidas sobre o tema abordado.

6) Exposição dialogada: “Eu sei o que vocês fizeram no verão passado”

7) Exposição dialogada: “Agente de endemias e vigilância participativa”

8) Estudo dirigido: O Photovoice

Temática apresentada sobre a entomologia do Aedes aegypti: contexto histórico dos três arbovírus dengue, zika e chikungunya; sintomatologia das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti; ciclo de vida do Aedes aegypti; semelhanças e diferenças entre o Aedes aegypti e o culex; principais formas de prevenção e combate.

Apresentação do trabalho do Agente de Endemias e sua importância na prevenção e no combate ao Aedes aegypti. A implementação de ações de vigilância ativa no controle do vetor em ambiente escolar e sua repercussão na comunidade.

Apresentação da técnica Photovoice com a explanação de conceitos e do principal objetivo nesse contexto, a identificação e o registro fotográfico de possíveis criadouros do Aedes aegypti no espaço interno da escola. Identificando e registrando por meio de fotografias imagens relacionadas ao conteúdo estudado no minicurso.

9) Encerramento e avaliação do minicurso. Momento de agradecimentos e de avaliação espontânea sobre o minicurso.

Fonte: Elaboração própria.

Após o minicurso e orientados pelas temáticas que foram abordadas, os estudantes fotografaram imagens explorando o âmbito escolar. As fotografias traduziram em imagem

102

o conhecimento assimilado e foram discutidas em quatro grupos focais. Os relatos que acompanharam as exposições de ideias e dos significados atribuídos às fotos foram gravados e transcritos integralmente. Para fonte de informação, este artigo utilizou-se das narrativas provenientes da discussão dos grupos focais aplicados aos participantes na coleta dos dados.

A concordância com os termos de participação foi documentada mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos pais e/ou responsáveis. Para os estudantes que porventura pudessem aparecer em fotografias, foi necessário o preenchimento de um consentimento informado, Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE). O projeto foi submetido à apreciação pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual do Ceará (CEP/UECE) e aprovado conforme resolução de n. 466/12 com parecer positivo de n. 2248326/CAAE: 70826017.8.0000.5534, emitido em 30 de agosto de 2017.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O processo de pesquisa-ação se subdivide em quatro principais etapas, a saber: fase exploratória, fase principal, fase de ação e fase de avaliação. Os resultados deste estudo compreendem a “fase de ação”. Essa etapa possibilita ao pesquisador a intervenção sobre uma problemática social por meio de uma base empírica, além de mobilizar os participantes a refletirem criticamente sobre suas ações na busca de novos saberes e resolução de um problema coletivo11.

Na realização de estudos em ambientes escolares em que se desenvolvem ações consentâneas com a educação e a promoção da saúde, é necessário compreender o contexto histórico das articulações socioculturais nesse cenário. Também é necessário engendrar uma aproximação da saúde com a educação na escola, ancorada em princípios participativos e democráticos, respeitando suas características relacionadas aos aspectos biológicos, psicossociais e culturais, bem como os riscos e vulnerabilidades circundantes.

O minicurso realizado nas escolas versou sobre a implementação da abordagem eco-bio-social em ambiente escolar, para a promoção da saúde e controle do vetor Aedes aegypti, na persecução de implementar iniciativas contra as doenças transmitidas por vetores, amparada nos princípios da transdisciplinaridade, participação comunitária, equidade social e de gênero. Tal abordagem pauta-se na teoria ecossistêmica e nas Conferências Internacionais e Nacionais de Promoção da Saúde, promove a reflexão sobre conscientização e empoderamento, participação social, equidade, sustentabilidade, transdisciplinaridade e apresenta como proposta prática a elaboração de estratégias de intervenção que vão ao encontro das políticas voltadas para a melhoria da qualidade de vida das populações urbanas10.

103 v. 45, n. 4, p. 97-111 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

Na escola 1, o minicurso foi realizado na biblioteca com a participação de trinta estudantes. Na escola 2, participaram 25 estudantes, e o evento foi sediado na sala da coordenação pedagógica. As narrativas, norteadas pela explanação dos estudantes sobre os registros fotográficos, foram coletadas nos grupos focais, audiogravadas e transcritas na íntegra. Ressalta-se que as menções sobre a mostra educativa e o minicurso foram espontâneas. Na Tabela 1 são apresentadas algumas características dos alunos participantes.

Tabela 1 – Características dos estudantes participantes do minicurso. Fortaleza, Cea rá, Brasil – 2018

Nas narrativas dos estudantes que surgiram espontaneamente no desdobramento da experiência pedagógica, percebeu-se a integração entre saúde e educação, assim como a potencialização das ações de promoção da saúde

Aedes aegypti. Uma das falas faz referência ao conhecimento dos estudantes a respeito do mosquito, e foi registrada em aulas de ciências ministradas pelos professores nas duas escolas. Ambas se beneficiaram da mostra educativa para explorar o conteúdo sobre prevenção e combate às arboviroses, como mostra a Figura 1.

104
Componentes Escola 1 Escola 2 Total Sexo Feminino 15 14 29 Masculino 15 11 26 Faixa etária < de 10 anos - 12 12 10 – 16 anos 30 13 43 Fonte: Elaboração própria.
para prevenção e controle do vetor Figura 1 – Aula de ciências realizada no pátio da escola. Fortaleza, Ceará, Brasil – 2018 Fonte: Elaboração própria.

“[…] tia, você sabia que o Aedes aegypti nasceu no Egito?” (Estudante do ensino fundamental I da escola 2).

“Ei…Cuidado! Se tu quebrar esse vidro, o mosquito vai sair, picar a gente e aí vamos pegar a dengue!

Não é assim! Esse mosquito ainda não tem o vírus… Ele ainda não picou ninguém!” (Estudantes do ensino fundamental I da escola 1).

O Ministério da Saúde (MS) destaca a necessidade de ampliação de ações de promoção da saúde para a consolidação do SUS. Uma das propostas para esse desafio foi delineada em 2002, com a elaboração de programas permanentes por meio do desenvolvimento de campanhas informativas e mobilização social. O fortalecimento das ações de vigilância amplia a capacidade de predição e detecção precoce de surtos das doenças causadas pelo Aedes aegypti. O controle depende da ampla participação das diversas políticas públicas envolvidas e da sociedade civil6

Essa transversalidade é ressaltada na Política Nacional de Promoção da Saúde, na qual as premissas da colaboração convergem com finalidades expressas, intentando ao desenvolvimento de ações de promoção da saúde e de prevenção de doenças, com a participação e colaboração de diversos profissionais, dos estudantes e seus familiares11. Nessa esfera, sobressai a ótica da prevenção de doenças, riscos ou agravos, uma vez que se orienta às ações de detecção, controle e enfraquecimento dos fatores de risco das enfermidades.

Observa-se que o envolvimento com a prática educativa deve notoriamente ser realizado com entusiasmo. Professor e aluno aprendem, ensinam e inquietam-se juntos na produção do conhecimento, resistindo aos obstáculos com satisfação12. Paralelamente, acentuam-se as críticas à lógica higienista, iniciada na década de 1950 no Brasil, e avivam-se os debates sobre a educação em saúde, valorizando a participação da comunidade ao propor a construção do saber para a vida, tendo como referência Paulo Freire. Esse debate ganha força e reconhecimento no Brasil, além de reafirmar a escola como espaço relevante de dialogicidade para a construção de cenários promissores à vida saudável13

No intento de combater o mosquito, planos de ações e políticas são implementados nos territórios. A saúde e a educação permanentemente articuladas em ações desenvolvidas nas escolas públicas respondem às demandas referentes à saúde que aparecem nas salas de aula nas suas diferentes representações, por professores, alunos e familiares, expressando preocupações com melhores condições de bem-estar, ambientes e qualidade

105 v. 45, n. 4, p. 97-111 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

de vida. Historicamente, as escolas representam espaços importantes para vivências e práticas presentes nas relações entre os sujeitos que fazem parte desse cenário. Fatores determinantes das condições de saúde e doença podem ser problematizados e analisados nesse espaço em que o tema é recorrente e fomenta a aprendizagem10

Considera-se oportuna a adoção da abordagem eco-bio-social no combate aos agravos e riscos de exposição às infecções causadas pelo Aedes aegypti. Nesse cenário de incertezas, a sociedade pode encontrar o momento apropriado de repensar sua relação com o meio ambiente, com os espaços que ocupa e transforma, além de seus modos de vida, seja na perspectiva individual e/ou coletiva e da esfera pública1

O princípio das abordagens ecossistêmicas em saúde auxilia na ordenação da complexidade da realidade de saúde considerando os sistemas socioecológicos, ou seja, as relações entre os elementos ecológicos, socioculturais, econômicos e políticos de um determinado problema, auxiliando na compreensão de seus limites, níveis e dinâmicas. Contribui para inclusão e avaliação de várias dimensões (ecológicas, socioculturais, econômica e governança), considerando a correlação entre esses elementos. O envolvimento das pessoas e a forma de interação são primordiais para modelar sistemas complexos e entender essas dimensões. Em última análise, tenciona um processo de pesquisa mais rico e eficaz no qual as investigações poderão repercutir em mudanças no âmbito das políticas e das práticas10 Podemos observar nas narrativas a seguir elementos que reportam ao aprendizado do conteúdo ministrado sobre a abordagem eco-bio-social.

“O que eu achei muito interessante foi que a gente conseguiu se unir mais por causa do minicurso, e aprendemos várias coisas com vocês, várias coisas mesmo que a gente não sabia. Eu achei muito bom porque todo mundo se reuniu e ficou amigo, aprendemos muitas coisas que vale pra nós e pro nosso próximo e que isso a gente vai usar na nossa vida toda. E até vai ajudar a gente ajudar o meio ambiente. A gente já sai daqui aprendendo um bocado de coisa, quando a gente chegar em casa, por exemplo, a gente já vai ver se tem foco do mosquito e ajudar a sociedade.” (A4; escola 1).

“[…] eles falaram lá no curso, que qualquer canto você pode ter criadouro de mosquito, então eu fiquei imaginando, até nos lugares mais pequenos onde você pode imaginar, numa tampinha de garrafa, num tubinho de cola seco pode acumular água e pode haver criadouro do mosquito mesmo que esse lugar seja um lugar que não pegue muita chuva, em alguma hora pode pegar, pode dar uma chuva muito forte […] podem haver porque antigamente o mosquito preferia água limpa, hoje ele prefere apenas água […].” (A2; escola 1).

106

Todas as atividades educacionais realizadas ancoraram-se na responsabilidade socioambiental corroborando ações voltadas para a melhoria da qualidade de vida. A escola é reputada como o ambiente onde, por excelência, realiza-se a educação por meio da transmissão de informações em sala de aula e que atua como uma agência sistematizadora de uma cultura complexa14. A promoção da saúde abrange a educação por meio de práticas, planos de ação, estratégias e formas de intervenção. Esforça-se em resgatar a concepção de saúde como produção social e pretende desenvolver políticas públicas e ações no âmbito coletivo. Intimamente correlacionada à vigilância e à educação, é um movimento de crítica em que a concepção de saúde atua nos determinantes relacionados à prevenção e controle dos agravos15.

Percebe-se que a saúde escolar, como política pública de promoção da saúde e de garantia de qualidade de vida, pleiteia coordenação e planejamento intersetoriais, assim como a definição de iniciativas interdisciplinares selecionadas a partir de diagnóstico local da realidade, com identificação dos problemas reais e das soluções viáveis16. Estudos multicêntricos realizados em países da Ásia e da América Latina incorporaram importantes resultados que posteriormente serviram de base para as primeiras intervenções denominadas de abordagem eco-bio-social, na qual a gestão ambiental e a participação social ganharam protagonismo. Em alguns contextos, essas ações, associadas ou não às rotinas de controle vetorial, têm apresentado redução significativa da infestação pelo Aedes aegypti, refletida nos principais indicadores entomológicos9

Neste estudo, a educação e a saúde andaram de ‘mãos dadas’, reverberando entre os participantes o entendimento de que temos sempre muito a descobrir quando

107 v. 45, n. 4, p. 97-111 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública Figura 2 – Registro minicurso escola. Fortaleza, Ceará, Brasil – 2018 Fonte: Elaboração própria.

aprendemos a escutar, ouvir e ver atentamente o outro e o seu meio. A partir dos relatos, foi possível perceber as descobertas sobre uma escola ainda ‘desconhecida’, tanto nos aspectos positivos quanto negativos, bem como o empoderamento para intervir nessa realidade.

“Eu gostei de tirar essas fotos porque a gente explorou a escola, a gente viu coisas que nunca tinha visto. Eu gostei porque nós aprendemos muitas coisas sobre o mosquito da dengue e como se prevenir dele. Eu gostei também porque eu pude explicar e demonstrar como que eu vejo aquilo e o que eu aprendi.” (A4; escola 1).

“Eu gostei de tirar as fotos porque também a gente fica vendo as águas paradas, fica combatendo o mosquito, e também tive uma experiência muito legal que a gente fica batendo fotos que é pra depois ilustrar, e também a gente aprende mais sobre o mosquito. […] porque a minha visão de hoje com a de antes é bem diferente, e eu também percebi que a minha escola tem muitos defeitos e muitas qualidades. Eu gostei, foi muito legal, tirei várias fotos e eu sempre vou guardar esse momento.” (A20; escola 2).

As ações individuais e coletivas nos processos de vigilância comunitária são essenciais para reconsiderar ferramentas de controle do vetor e políticas de combate, integrando e ultrapassando os limites territoriais. Necessitamos nos apropriar do conhecimento sobre o tema em seus diferentes níveis para a formulação de estratégias inovadoras e inteligentes,

108
Figura 3 – Mostra educativa na escola. Fortaleza, Ceará, Brasil – 2018 Fonte: Elaboração própria.

adaptadas à realidade, no combate ao vetor17. A participação dos estudantes no minicurso, com ulterior realização do registro fotográfico, fortaleceu o processo de aprendizagem e fomentou o protagonismo dos participantes.

É pertinente destacar a necessidade de intensificar ações de promoção da saúde no dia a dia, promover a autonomia dos sujeitos para que, coletivamente, possam compreender a saúde como resultante das condições de vida para um desenvolvimento social mais equitativo.

A OMS define promoção da saúde como um processo que busca possibilitar que indivíduos e comunidades visem a melhoria nas condições de vida por meio de estratégias de mediação de pessoas e seu meio ambiente, combinando escolha e responsabilidade social para a saúde18

Todo e qualquer movimento ou política que apresente o propósito de combater ou eliminar o ciclo de reprodução desse vetor é bem-vindo para a saúde pública. Nenhuma ação de controle terá êxito sem a efetiva participação de cada sujeito. O poder público não tem como estar presente em todas essas ações com a frequência ideal, por isso é importante a informação, o incentivo a ações de vigilância comunitária, o conhecimento e a formação para a ação, a fim de proporcionar as mudanças de atitude necessárias.

A abordagem dessa linha de investigação relacionada às arboviroses foi motivada pelo reconhecimento da relevância do tema e pela possibilidade de compartilhar conhecimentos capazes de subsidiar intervenções baseadas em práticas integrativas, participativas e sustentáveis. O minicurso se pautou na abordagem ecossistêmica, coadunado ao ambiente escolar, cenário que contextualiza e correlaciona os processos histórico-culturais, a fim de melhorar a compreensão dos determinantes de saúde e a própria saúde da população, por meio de ações que proporcionem transições ambientais sustentáveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constata-se no estudo que as atividades pedagógicas referentes à abordagem eco-bio-social, realizadas no âmbito escolar, apontam para a aplicação de conceitos e práticas relacionados à educação ambiental e social como aliados ao controle do mosquito e repercutem positivamente no sentido de pensar em educação e promoção da saúde no âmbito individual e coletivo. No cenário das arboviroses, a mobilização e a sensibilização da sociedade por meio de informações e de orientações sobre a prevenção destas infecções virais trazem benefícios reconhecidos por todos. Ações de promoção da saúde por meio da vigilância comunitária podem ser consideradas, nessa conjuntura, como a observação contínua e permanente, a consolidação do conhecimento adquirido durante o processo formativo educacional e a integração de sujeitos e comunidades para um propósito comum à saúde de todos.

109 v. 45, n. 4, p. 97-111 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Roberta Duarte Maia Barakat.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Roberta Duarte Maia Barakat e Andrea Caprara.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Andrea Caprara.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Roberta Duarte Maia Barakat e Andrea Caprara.

REFERÊNCIAS

1. Valle D, Pimenta DN, Aguiar R. Zika, dengue e chikungunya: desafios e questões. Epidemiol Serv Saúde. 2016;25(2):419-22.

2. Nunes MRT, Faria RN, Vasconcelos JM, Golding N, Kraemer MUG, Oliveira MF, et al. Emergence and potential for spread of Chikungunya virus in Brazil. BMC Med. 2015;13(102).

3. Kantor IN. Dengue, zika y chikungunya. Medicina (B Aires). 2016;76(2):93-7.

4. World Health Organization. WHO Director-General summarizes the outcome of the Emergency Committee regarding clusters of microcephaly and Guillain-Barré syndrome [Internet]. Geneva: WHO; 2016. [citado em 2017 set 15]. Disponível em: https://www.who.int/news/item/01-02-2016-whodirector-general-summarizes-the-outcome-of-the-emergency-committeeregarding-clusters-of-microcephaly-and-guillain-barr%C3%A9-syndrome.

5. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Saúde Brasil 2015/2016: uma análise da situação de saúde e da epidemia pelo vírus Zika e por outras doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016.

6. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.933, de 09 de outubro de 2003. Institui o Programa Nacional de Controle da Dengue, o Comitê Técnico de Acompanhamento e Assessoramento do Programa e dá outras providências. Brasília (DF); 2003.

7. Brasil. Decreto n. 6.286, de 5 de dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola – PSE, e dá outras providências. Brasília (DF); 2007.

8. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica: saúde na escola. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2009.

110

9. Caprara A, Lima JW, Peixoto AC, Motta CM, Nobre JM, Sommerfeld J., et al. Entomological impact and social participation in dengue control: a cluster randomized trial in Fortaleza, Brazil. Trans R Soc Trop Med Hyg. 2015;109(2):99-105.

10. Charron DF, editor. La investigación de Ecosalud en la práctica: aplicaciones innovadoras de um enfoque ecossistêmico para la salud. 1a ed. Madrid: Plaza y Valdez; 2014.

11. Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18a ed. São Paulo (SP): Cortez; 2011.

12. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 51a ed. Rio de Janeiro (RJ): Paz e Terra; 2015.

13. Silva CS, Bodstein RCA. Referencial teórico sobre práticas intersetoriais em Promoção da Saúde na Escola. Ciênc Saúde Colet. 2016;21(6):1777-88.

14. Mizukami MGN. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo (SP): E.P.U.; 2016.

15. Sícoli JL, Nascimento PR. Health promotion: concepts, principles and practice. Interface Comun Saúde Educ 2003;7(12):91-112.

16. Casemiro JP, Fonseca ABC, Secco FVM. Promover saúde na escola: reflexões a partir de uma revisão sobre saúde escolar na América Latina. Ciênc Saúde Colet. 2014;19(3):829-40.

17. Medronho RA. Dengue no Brasil: desafios para o seu controle. Cad Saúde Pública. 2008;24(5):948-9.

18. Carvalho SR. Saúde coletiva e promoção da saúde: sujeito e mudança. 3a ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2013.

Recebido: 17.3.2021. Aprovado: 14.6.2022.

111 v. 45, n. 4, p. 97-111 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

NÍVEL DE ENTENDIMENTO DOS BRASILEIROS SOBRE AS MEDIDAS DE BIOSSEGURANÇA NO COMBATE À COVID-19

Isabela Maria Braga Sclauser Pessoaa

https://orcid.org/0000-0002-8986-7799

Dayane Jhenifer Ribeiro Silvab

https://orcid.org/0000-0002-2744-2461

Kerolynne Soares Camposc

https://orcid.org/0000-0002-8540-5028

Grasiele Cristine Ferreirad

https://orcid.org/0000-0002-5441-743X

Resumo

A utilização correta dos equipamentos de proteção individual (EPI) é essencial, visto que o mundo enfrenta a pandemia originada pela covid-19, doença transmitida por via respiratória mediante gotículas e/ou aerossóis, os quais podem depositar-se em objetos e superfícies durante a fala, tosse ou espirro. Assim, como forma de controle da disseminação, a Organização Mundial de Saúde (OMS) preconizou várias medidas de biossegurança para evitar o contágio, como o distanciamento social e o uso de máscaras. Este é um estudo observacional, do tipo transversal descritivo, com brasileiros alfabetizados que responderam ao questionário eletrônico elaborado pelas autoras. Os formulários foram encaminhados aos participantes no período de junho a setembro de 2020 via plataformas digitais. Os dados obtidos foram

a Graduada em Fisioterapia. Mestre em Fisioterapia. Doutora em Ciências da Reabilitação. Pós-doutorado em Ciências da Reabilitação. Professora do Departamento de Fisioterapia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e do Centro Universitário Newton Paiva. Professora Convidada dos Programas de Pós-graduação Lato Sensu da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e do Centro Universitário Redentor/Interfisio. Betim, Minas Gerais, Brasil. E-mail: isa.sclauser@terra.com.br

b Graduada em Fisioterapia. Pós-graduanda em Dor pela Instituição Fisioemortopedia. Betim, Minas Gerais, Brasil. E-mail: dayaneribeirofisio@gmail.com

c Graduada em Fisioterapia. Especialista em Urgência e Emergência pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais. Pós-graduada em Fisioterapia Respiratória pela Unyleya. Betim, Minas Gerais, Brasil. E-mail: kerolynne.campos@gmail.com

d Graduada em Fisioterapia. Pós-graduanda em Ortopedia e Traumatologia pela Instituição Fisioemortopedia. Betim, Minas Gerais, Brasil. E-mail: gcf.fisioterapia@gmail.com Endereço para correspondência: Dayane Jhenifer Ribeiro Silva. Rua Newton Amaral Franco, n. 211. Betim, Minas Gerais, Brasil. CEP: 32671-638. E-mail: dayaneribeirosfisio@gmail.com

112 112
DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3307

tabulados e, posteriormente, foi realizada análise descritiva por meio de frequências relativas e absolutas. Participaram do estudo 214 cidadãos, 76% do sexo feminino e 24% masculino, com faixa etária predominante entre 18 e 59 anos. A maioria dos participantes compreendia a forma de disseminação da covid-19 e adotava medidas preventivas, como o uso da máscara em locais públicos. Apesar disso, após a pandemia, aproximadamente metade da amostra alega que não usará a máscara de tecido ao sair se estiver com infecção respiratória. Os principais aprendizados com a pandemia foram a lavagem das mãos com água e sabão e higienização com álcool. Por fim, sabe-se que a diminuição da propagação da doença ocorre quando todas as estratégias de biossegurança são empregadas de forma conjunta.

Palavras-chave: Covid-19. Prevenção. Biossegurança. Equipamento de proteção individual. Conhecimento.

LEVEL OF UNDERSTANDING AMONG BRAZILIANS ABOUT BIOSAFETY MEASURES TO COMBAT COVID-19

Abstract

Correct use of Personal Protective Equipment (PPE) is essential considering the global context of the COVID-19 pandemic, a respiratory tract disease transmitted through droplets and/or aerosols, which can be deposited on objects and surfaces during speaking, coughing or sneezing. As a means to control dissemination, the World Health Organization (WHO) recommended several biosafety measures to avoid contagion, such as social distancing and mask use. This is an observational, cross-sectional study conducted with literate Brazilians who answered the electronic questionnaire prepared by the authors. Forms were sent to participants from June to September 2020 via digital platforms. After tabulation, data underwent descriptive analysis using relative and absolute frequencies. A total of 214 Brazilians participated in the study, of which 76% were female and 34% male, aged 18 to 59 years old. Most participants understood how COVID-19 is disseminated and employed preventive measures such as using masks in public places. Nonetheless, after the pandemic, about half of the sample claimed they will forgone wearing a tissue mask when in public if they have a respiratory infection. Washing hands with soap and water and using hand sanitizer were the mains lessons learned. Finally, studies show that disease spread decreases when all biosafety strategies are used together.

Keywords: COVID-19. Prevention. Biosafety. Individual Protection Equipment. Knowledge.

113 v. 45, n. 4, p. 112-124 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

NIVEL DE COMPRENSIÓN DE LOS BRASILEÑOS SOBRE LAS MEDIDAS

DE BIOSEGURIDAD EN LA LUCHA CONTRA EL COVID-19

Resumen

Es fundamental el uso correcto de los equipos de protección personal (EPP), ya que el mundo se enfrenta a la pandemia provocada por el covid-19, una enfermedad que afecta el tracto respiratorio y se propaga por medio de gotitas y / o aerosoles, que pueden depositarse en objetos y superficies cuando las personas hablan, tosen o estornudan. Para controlar su propagación, la Organización Mundial de la Salud recomendó varias medidas de bioseguridad para evitar los contagios, como la distancia social y el uso de mascarillas. Se trata de un estudio observacional, transversal descriptivo, realizado con brasileños alfabetizados que respondieron el cuestionario electrónico elaborado por las autoras. Los formularios se enviaron a los participantes en el período de junio a septiembre de 2020 a través de plataformas digitales. Se tabularon los datos obtenidos y, posteriormente, se realizó un análisis descriptivo utilizando frecuencias relativa y absoluta En el estudio participaron 214 ciudadanos, de los cuales el 76% eran mujeres y el 24% hombres, predominantemente entre los 18 y 59 años. La mayoría de los participantes entendieron cómo se propaga el covid-19 y llevaron a cabo medidas preventivas, como el uso de la mascarilla en lugares públicos. Pero casi la mitad de la muestra afirmó que cuando pase la pandemia no usaría mascarilla de tejido al salir si están con infección respiratoria. Las principales lecciones aprendidas de la pandemia fueron el lavado de manos con agua y jabón y la limpieza con alcohol. Finalmente, se sabe que la disminución en la propagación de la enfermedad ocurre cuando se utilizan juntas todas las estrategias de bioseguridad.

Palabras clave: Covid-19. Prevención. Bioseguridad. Equipo de protección personal. Conocimiento.

INTRODUÇÃO

No momento atual, é de extrema importância a utilização correta de equipamentos de proteção individual (EPI), visto que o mundo enfrenta a pandemia originada por um novo coronavírus de alta infectividade, denominado SARS-CoV-2, causador da covid-19. De acordo com a Portaria 25, de outubro de 2001, EPI é “todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalhado”1:1. O órgão que regulamenta e recomenda o uso dos EPI é a Agência

Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), especificando a necessidade do uso de precaução padrão ou de precauções específicas2.

114

A transmissão da doença pelo novo coronavírus pode ocorrer pelo contato direto ou indireto com o patógeno por meio das mucosas nasal, oral ou ocular, sendo as gotículas respiratórias e/ou aerossóis as principais vias de transmissão3. Dessa forma, evidencia-se que a covid-19 é transmitida por via respiratória, gotículas e/ou aerossóis, os quais podem depositarse em objetos e superfícies próximas durante a fala, tosse ou espirro, transmitindo a infecção a quem nelas toque e leve as mãos à boca, nariz ou olhos e, também, pelo contato direto com pessoas infectadas e/ou fezes4,5. Apenas em situações especiais, tais como tosse e espirro, a contaminação se dá pelo contato com os aerossóis do paciente contaminado5

Essa doença apresenta semelhanças filogenéticas e imunológicas com o vírus SARS-CoV-1, que se originou na China há aproximadamente duas décadas e acarretou 774 mortes e 8.096 pessoas infectadas em todo o mundo, segundo os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS)6. Ambos os vírus causam surto de pneumonia atípica, caracterizada por febre alta e sintomas respiratórios leves, evoluindo rapidamente para pneumonia em poucos dias7. Tais semelhanças facilitaram o estabelecimento da forma de transmissão da doença e a compreensão dos EPI mais adequados ao uso.

Assim, como forma de prevenção e controle da disseminação da covid-19, a OMS8 preconizou várias medidas de biossegurança para evitar o contato com gotículas respiratórias, entre elas, manter-se a pelo menos um metro de distância das outras pessoas, lavar as mãos com frequência e cobrir a boca com um lenço de papel ou com o antebraço ao espirrar ou tossir. Quando o distanciamento físico (a um metro ou mais de distância) não é possível, o uso de máscara de tecido também é uma medida importante para proteção8. Tendo em vista a relevância dessas medidas de combate à transmissão da doença, este estudo objetivou descrever o nível de entendimento dos cidadãos brasileiros sobre a importância das orientações de biossegurança contra à covid-19.

MATERIAL E MÉTODOS

Esta pesquisa consiste em um estudo observacional, do tipo transversal descritivo, cuja amostra de conveniência foi composta por brasileiros alfabetizados. Foram incluídos os participantes que concordaram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e responderam ao questionário eletrônico elaborado pelas autoras na plataforma Google Forms. Foram excluídos os participantes que não responderam 10% das questões do formulário.

O questionário eletrônico autoaplicável foi composto por 22 questões de múltipla escolha, sendo seis relacionadas ao perfil sociodemográfico e 16 específicas sobre biossegurança. Os formulários foram encaminhados no período de junho a setembro de 2020 para os participantes via plataformas digitais (WhatsApp, Facebook, Instagram, e-mail), a fim

115 v. 45, n. 4, p. 112-124 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

de alcançar um maior número de cidadãos brasileiros. Os participantes não precisaram se identificar, garantindo o anonimato e sigilo das informações.

Após a obtenção dos formulários respondidos, os dados foram tabulados em uma planilha eletrônica no Microsoft Office Excel (versão 10.0). Posteriormente, foi realizada análise descritiva dos dados por meio de frequências relativas (%) e absolutas (n). Para uma população de 220 milhões de habitantes, considerando o nível de confiança de 95% e margem de erro de 1%, seriam necessários 216 voluntários. O cálculo amostral foi realizado por meio da calculadora do website SurveyMonkey.

RESULTADOS

Foram incluídos 214 cidadãos que concordaram em participar do estudo. Porém, como não havia obrigatoriedade de responder a todas as questões do questionário, algumas perguntas não foram respondidas. Todos os participantes responderam mais de 10% das perguntas, assim, nenhum sujeito foi excluído. Com relação ao perfil sociodemográfico, 76% eram do sexo feminino, com faixa etária predominante entre 18 e 59 anos. A maioria dos cidadãos tinham ensino superior incompleto (32%) ou completo (40%) e residiam na região sudeste do Brasil (88,9%), conforme demonstrado na Tabela 1. Vale ressaltar que menos de 11% dos participantes apresentaram sintomas ou receberam o diagnóstico da covid-19.

116
Variável % Sexo Feminino 76,2 Masculino 23,8 Idade < 18 anos 3,3 18 a 59 94,4 60 2,3 Escolaridade Pós-graduação/mestrado 4,9 Doutorado/pós-doutorado 1,5 Ensino superior completo 40 Ensino superior incompleto 33 Ensino médio completo 14 Ensino médio incompleto 3,3 Ensino fundamental completo 1,9 Ensino fundamental incompleto 1,4 Analfabeto 0 Ocupação Aposentado 4,2 Autônomo 31 Servidor público 12,2 Celetista 30,5 Não trabalha 28,6 Fonte: Elaboração própria.
Tabela 1 – Características sociodemográficas da amostra. Betim, Minas Gerais, Brasil – 2021

Durante a pandemia de covid-19, 99% dos participantes consideraram importante o uso da máscara em locais públicos. Destes, 93% usaram máscara de tecido, 30% máscara cirúrgica e apenas 19% respirador particulado (N-95 ou similares). Além disso, 91% dos cidadãos usaram face shield ao sair de casa. No entanto, somente 69% informaram que cumpriram o distanciamento social conforme preconizado pela OMS e pelo Ministério da Saúde do Brasil. Vale ressaltar que a maioria (85%) relatou compreender a diferença entre distanciamento social, quarentena e isolamento social.

No que diz respeito aos meios de transmissão da covid-19, 97% dos participantes consideram que o vírus é transmitido por superfícies contaminadas, 75% pelo ar e 50% por contato físico. Uma parcela considerável dos cidadãos (93%) compreende que crianças e adultos assintomáticos podem transmitir a doença e que a máscara de tecido pode não bloquear totalmente a eliminação de partículas pequenas (aerossóis) contendo o coronavírus. No Gráfico 1 é ilustrado o percentual de conhecimento sobre cada medida investigada no estudo em relação à prevenção da covid-19 relacionada ao cuidado durante o retorno da rua para residência. Por fim, 97% dos participantes relataram fazer a higienização correta das mãos.

Gráfico 1 – Medidas preventivas à covid-19 adotadas ao chegar em casa. Betim, Minas Gerais, Brasil – 2021

Fonte: Elaboração própria.

Lavar as mãos com água e sabão

Retirar os sapatos

Retirar a máscara e higienizar as mãos novamente

Trocar de roupa sem sacudi-las

Pisar em um tapete com água sanitária

117 v. 45, n. 4, p. 112-124 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
0% 20% 40% 60% 80% 100%

Sobre as medidas para evitar a disseminação da covid-19, aproximadamente 90% dos cidadãos consideraram importante: manter o distanciamento social (96%); evitar tocar nos olhos, nariz e boca sem a adequada higienização das mãos (96%); limpar e desinfetar objetos e superfícies com frequência (89%); não compartilhar objetos de uso pessoal (90%); manter o isolamento social e evitar contato com doentes (93%); evitar tocar a máscara durante o uso (92%); e trocar a máscara se estiver úmida/suja de secreção (94,1%). No entanto, parte dos cidadãos não consideraram relevantes: usar lenço de pano/papel ao tossir ou espirrar, descartá-lo e higienizar as mãos (36%); cobrir boca e nariz ao tossir ou espirrar no antebraço com cotovelo flexionado ou com o uso de lenço de papel (35%); e lavar as mãos frequentemente com água e sabão ou preparação alcoólica (25%).

Após a pandemia de covid-19, aproximadamente metade da amostra alega que não usará máscara de tecido para sair de casa e 39% não soube responder. Com relação à face shield, 50% dos participantes também não a usarão para sair, mesmo estando gripados, e 32% não sabem se farão uso. Os principais hábitos que serão mantidos ao fim da pandemia por parte dos participantes são: lavagem das mãos com água e sabão (78%); higienização com álcool 70% em caso de não poder lavá-las (76%); mudança na forma de tossir, como cobrir a boca com o antebraço (67%); e uso de máscara quando estiver doente (61%).

DISCUSSÃO

A OMS declarou em 11 de março de 2020 a pandemia da covid-19, e seu fim ainda é algo incerto9,10. Decorrido aproximadamente um ano do início da pandemia, o Brasil acumulou em torno de 620.971 óbitos por covid-19, de acordo com dados do dia 15 de janeiro de 202211. A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas)9, em conjunto com o Ministério da Saúde8, estabeleceu medidas de biossegurança capazes de minimizar o risco de contaminação pelo coronavírus. Entre as recomendações consta a higienização correta de mãos, que deve ser feita com água e sabão e, na falta desses recursos, com álcool 70%. Também é importante realizar a limpeza das superfícies com álcool, visto que o vírus pode sobreviver por até 72 horas em plástico e aço inoxidável, menos de 24 horas em papelão e até quatro horas em cobre9,12 Essa sobrevida do vírus em superfícies reforça também a importância da higienização das mãos após contato com objetos e superfícies inanimadas10.

A lavagem das mãos é uma medida extremamente importante para evitar a infecção cruzada, além de ser barata e ter elevada eficiência10. Neste estudo, foi identificado que a maioria das pessoas conhece a maneira adequada de higienizar as mãos e reconhece a importância de fazer sua higienização correta ao chegar em casa, mas apenas uma parcela

118

considera importante lavar as mãos antes e após retirar e/ou manusear a máscara. De acordo com a Comissão Permanente de Protocolos de Atenção à Saúde da SES-DF13, a higienização das mãos deve durar de 40 a 60 segundos quando usado água e sabão e de 20 a 30 segundos quando se utiliza preparação alcoólica. Nos dois casos, deve-se dar atenção às palmas e ao dorso das mãos, em volta do polegar, entre os dedos, nas polpas digitais e abaixo das unhas.

O uso de máscara também foi orientado como forte medida de proteção, visto que a maior fonte de contaminação se dá por gotículas expelidas durante a fala, tosse e espirro. Contudo, somente sua utilização não é uma medida segura; deve-se evitar tocar o rosto (olhos, nariz e boca) mesmo quando há uso da máscara e fazer a adequada higienização de mãos e superfícies9,10. Segundo a OMS, as máscaras cirúrgicas devem ser usadas por profissionais de saúde em situações de disseminação de gotículas, contato com pessoas com sintomas sugestivos ou confirmados e para aqueles com 60 anos de idade ou mais, ou que tenham alguma comorbidade de saúde9. Já as máscaras de tecido devem ser usadas por todas as pessoas, principalmente aquelas que estarão em locais públicos, salvo as crianças com cinco anos ou menos, que não são obrigadas a utilizar9. É sugerido que as máscaras de tecido tenham três camadas, com os seguintes materiais: camada interna, com material hidrofílico (algodão); camada intermediária, hidrofóbica com material sintético (polipropileno) ou uma camada de algodão; e, por fim, camada externa, com material hidrofóbico (polipropileno, poliéster)9. Isolamento social, quarentena e distanciamento social são medidas utilizadas para prevenção ao novo coronavírus e se diferem conforme a emergência do curso da doença. O isolamento social consiste em separar pessoas infectadas de não infectadas, a fim de diminuir o risco de contaminação14. Quarentena se refere ao ato de manter os indivíduos potencialmente expostos a uma doença contagiosa restritos às suas casas ou a outros ambientes, podendo ser realizada de forma obrigatória ou voluntária, individualmente ou em grupo14,15. Já o distanciamento social visa diminuir a distância de contato entre uma pessoa e outra, sendo uma conduta importante para doenças como a covid-19, que tem um potencial de disseminação por meio do contato próximo14. A maioria da população deste estudo entende a diferença entre esses termos e considera importante o distanciamento social.

Na amostra estudada, aproximadamente 1/3 dos participantes não cumpriram o distanciamento social preconizado pela OMS, que é de no mínimo um metro9. Por diversas vivências internacionais, é sabido que o controle da elevação dos números de casos se dá pelo distanciamento social16. O não cumprimento dessa medida pode estar relacionado a questões financeiras, ausência de liberdade e ao cansaço em permanecer isolado no domicílio17 É importante compreender que cada uma das pessoas que estão enfrentando alguma das

119 v. 45, n. 4, p. 112-124 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

situações descritas anteriormente requer abordagens distintas de educação em saúde, a fim de abordar de forma compreensível os aspectos que a impede de entender ou realizar o isolamento17. Vale ressaltar também a função dos representantes públicos em divulgar dados e esclarecimentos sobre a pandemia, além de realizar ações para potencializar os meios de transmissão de informações para os cidadãos18

Ganem et al.19 desenvolveram um estudo sobre a previsão do impacto do distanciamento social na região metropolitana de São Paulo, estimando que medidas adequadas de prevenção evitam a sobrecarga do sistema de saúde, com uma ocupação mantida em cerca de 76% da capacidade máxima e com redução de pelo menos noventa mil mortes durante a pandemia. Em consoante, Gupta et al.20 e Mubayi et al.21 concluíram em seus estudos que quanto mais precoce os métodos eficazes de quarentena forem implementados, maior será a economia do país com os gastos oriundos das consequências da contaminação comunitária20,21. Nussbaumer-Streit et al.15 observaram que o isolamento e o distanciamento social cumpridos de forma simultânea contribuem fortemente para o controle de propagação da doença e para a diminuição da mortalidade.

Os resultados desta pesquisa reforçam a importância de trabalhar a educação em saúde, que consiste em um processo de construção de saberes com objetivo de promover a autonomia dos indivíduos em relação aos conhecimentos abordados17. A educação em saúde é considerada uma ferramenta essencial para o enfrentamento da pandemia, pois a partir do entendimento do contexto do indivíduo é possível trabalhar em conjunto a significância das medidas relacionadas à quarentena, como o distanciamento social17, além de ser um instrumento útil para lidar com a desinformação da população por usar uma linguagem clara e compreensível22. É necessário compreender que a educação em saúde no cenário da pandemia não consiste em uma transmissão de informações sobre a covid-19, mas em um meio de trabalhar o raciocínio crítico dos cidadãos e torná-los mais autônomos e capazes de decidir sobre ações que interferem na sua saúde e na de toda a população17

Ainda não há medicamentos que possam evitar a infecção pelo coronavírus23, no entanto, vários países e empresas estão unindo esforços na elaboração de vacinas para prevenir a covid-1924. No dia 18 de janeiro de 2020, o Ministério da Saúde iniciou a campanha de vacinação contra essa doença no Brasil24. Mesmo com a imunização em andamento, é essencial que as autoridades públicas se esforcem para incentivar que os cidadãos fiquem em casa, a fim de conter o avanço da doença, reduzindo a curva de casos10. A corresponsabilidade de toda a sociedade na adesão das medidas preventivas à covid-19 é importante, pois os impactos da pandemia no Brasil dependem das ações de cada cidadão10. Contudo, as lições dessa e de

120

outras pandemias são válidas, mesmo que as próximas não sigam esses padrões de transmissão, uma vez que auxiliam no combate a futuras infecções. Por fim, a repercussão da pandemia se relaciona com o nível de imunização e adesão da população às medidas de controle25.

Até o presente momento, este é o primeiro estudo que investigou o nível de entendimento de cidadãos brasileiros sobre a covid-19. Apesar disso, a pesquisa apresenta algumas limitações, como o número amostral pequeno – o que impacta a validação externa do estudo –, a baixa representatividade de cidadãos das regiões Sul, Centro-Oeste, Nordeste e Norte do país e a não obrigatoriedade de respostas de todos os itens. Ainda sobre o formulário, por mais que tenha uma rápida resolução, é necessário realizar login com uma conta do Google para respondê-lo, sendo essa uma medida de controle proposital para evitar duplicidades de respostas, mas que pode ter impactado na participação dos cidadãos no estudo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A maioria dos cidadãos deste estudo entenderam a forma de contaminação e disseminação da covid-19 e adotaram medidas preventivas, como o uso de máscaras em locais públicos. Os participantes também conheciam as ações preventivas que são realizadas ao chegar em casa, como lavar as mãos com água e sabão, retirar e higienizar os sapatos, não sacudir as roupas, entre outras. Além disso, o passo a passo da higienização das mãos, aspecto primordial no combate ao SARS-CoV-2, também era de conhecimento dos participantes.

Diante dos dados expostos, observa-se que a maior parte da amostra selecionada reconheceu a importância de medidas preventivas à covid-19, porém, constatou-se uma pequena parcela cujo nível de entendimento pode contribuir para a potencial disseminação da doença ou atraso na redução da curva de contaminação. A diminuição da propagação da doença ocorre quando todas as estratégias de biossegurança são empregadas de forma conjunta. Portanto, sugere-se que medidas de educação em saúde e divulgação de informações continuem sendo empregadas e reforçadas para que a empatia prevaleça e a população seja protagonista no combate à covid-19.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Isabela Maria Braga Sclauser Pessoa, Dayane Jhenifer Ribeiro Silva, Kerolynne Soares Campos e Grasiele Cristine Ferreira.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Isabela Maria Braga Sclauser Pessoa, Dayane Jhenifer Ribeiro Silva, Kerolynne Soares Campos e Grasiele Cristine Ferreira

121 v. 45, n. 4, p. 112-124 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Isabela Maria Braga Sclauser Pessoa.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Isabela Maria Braga Sclauser Pessoa, Dayane Jhenifer Ribeiro Silva, Kerolynne Soares Campos e Grasiele Cristine Ferreira.

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Portaria nº 25, de 15 de outubro de 2001. Altera a Norma Regulamentadora que trata de Equipamento de Proteção IndividualNR 6 e dá outras providências. Brasília (DF); 2001.

2. Brasil. Ministério do Trabalho. Portaria nº 877, de 24 de outubro de 2018. Diário Oficial da União, Brasília (DF); 2018 out 25. Seção 1, p. 76.

3. U. S. Food and Drug Administration. N95 Respirators, Surgical Masks, Face Masks, and Barrier Face Coverings [Internet]. Washington (DC): Food and Drug Administration; 2020. [citado em 2020 mar 28]. Disponível em: https://www.fda.gov/medical-devices/personal-protective-equipmentinfection-control/n95-respirators-and-surgical-masks-face-masks.

4. Ferioli M, Cisternino C, Leo V, Pisani L, Palange P, Nava S. Protecting healthcare workers from SARS-CoV-2 infection: practical indications. Eur Respir Rev. 2020;29(155):200068.

5. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Perguntas e respostas: levantamento de questionamentos recorrentes recebidos pela Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde GGTES/ANVISA sobre a emergência de saúde pública internacional – COVID 19 – relacionada ao SARS-CoV-2. 4a ed. Brasília (DF): Anvisa; 2020.

6. World Health Organization. Summary of probable SARS cases with onset of illness from 1 November 2002 to 31 July 2003 [Internet]. Geneva: WHO; 2015. [citado em 2021 fev 13]. Disponível em: http://www.who.int/csr/sars/ country/table2004_04_21/en/.

7. Zhong NS, Zheng BJ, Li YM, Poon, Xie ZH, Chan KH, et al. Epidemiology and cause of severe acute respiratory syndrome (SARS) in Guangdong, People’s Republic of China, in February, 2003. Lancet. 2003;362(9393):1353-8.

8. World Health Organization. Advice on the use of masks in the context of COVID-19: interim guidance [Internet]. Geneva: WHO; 2020. [citado em 2021 fev 13]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/ 10665/331693/WHO-2019-nCov-IPC_Masks-2020.3-eng.pdf?sequence= 1&isAllowed=y.

122

9. Organização Pan-Americana da Saúde. Folha informativa sobre COVID-19 [Internet]. Brasília (DF): Opas; 2020. [citado em 2021 fev 13]. Disponível em: https://www.paho.org/pt/covid19.

10. Oliveira AC, Lucas TC, Iquiapaza RA. What has the covid-19 pandemic taught us about adopting preventive measures? Texto Contexto Enferm. 2020;29:e20200106.

11. Agência Brasil. Covid-19: Brasil tem 22,9 milhões de casos e 620,9 mil mortes [Internet]. Brasília (DF): Agência Brasil; 2022. [citado em 2022 nov 29]. Disponível em: agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2022-01/covid-19-brasiltem-229-milhoes-de-casos-e-6209-mil-mortes.

12. Kampf G, Todt D, Pfaender S, Steinmann E. Persistence of coronaviruses on inanimate surfaces and their inactivation with biocidal agents. J Hosp Infect. 2020;104(3):246-51.

13. Distrito Federal. Secretaria de Estado de Saúde, Comissão Permanente de Protocolos de Atenção à Saúde. Segurança do paciente: higienização das mãos nos serviços de saúde. Brasília (DF): CPPAS; 2019.

14. Wilder-Smith A, Freedman DO. Isolation, quarantine, social distancing and community containment: pivotal role for old-style public health measures in the novel coronavirus (2019-nCoV) outbreak. J Travel Med. 2020;27(2):taaa020.

15. Nussbaumer-Streit B, Mayr V, Dobrescu AI, Chapman A, Persad E, Klerings I, et al. Quarantine alone or in combination with other public health measures to control covid-19: a rapid review. Cochrane Database Syst Rev. 2020; 4(4):CD013574.

16. Rafael RMR, Neto M, Carvalho MMB, David HMSL, Acioli S, Faria MGA. Epidemiologia, políticas públicas e Covid-19: o que esperar no Brasil? Rev Enferm UERJ. 2020;28:1-6.

17. Ceccon RF, Schneider IJC. Light technologies in the pandemic times: health education as a device to fight the Coronavirus. SciELO Preprints. 2020:1-18.

18. Al-Hasan A, Yin D, Khuntia J. Citizens’ adherence to COVID-19 mitigation recommendations by the government: A 3-country comparative evaluation using web-based cross-sectional survey data. J Med Internet Res. 2020; 22(8):e20634.

19. Ganem F, Mendes FM, Oliveira SB, Porto VB, Araújo W, Nakaya H, et al. The impact of early social distancing at covid-19 Outbreak in the largest Metropolitan Area of Brazil. MedRxiv. 2020:1-11.

20. Gupta AG, Moyer CA, Stern DT. The economic impact of quarantine: SARS in Toronto as a case study. J Infect. 2005;50(5):386-93.

123 v. 45, n. 4, p. 112-124 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

21. Mubayi A, Zaleta CK, Martcheva M, Castillo-Chávez C. A cost-based comparison of quarantine strategies for new emerging diseases. Math Biosci Eng. 2010;7(3):687-717.

22. Souza TSS, Ferreira FB, Bronze KM, Garcia RV, Rezende DF, Santos PR, et al. Mídias sociais e educação em saúde: o combate às fakes news na pandemia pela covid-19. Enferm Foco. 2020;11(1esp):124-30.

23. Oda AMGR, Leite S. A pandemia de covid-19 no Brasil: em busca de sentidos em meio à tragédia. Rev Latinoam Psicopatol Fundam. 2020;23(3):467-73.

24. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Covid-19: Fique por dentro do mapa das vacinas em teste no Brasil [Internet]. Brasília (DF): Anvisa; 2020. [citado em 2021 fev 13]. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/ assuntos/noticias-anvisa/2020/fique-por-dentro-do-mapa-das-vacinas-emteste-no-brasil.

25. Mujica G, Sternberg Z, Solis J, Wand T, Carrasco P, Henao-Martínez AF, et al. Defusing covid-19: Lessons Learned from a Century of Pandemics. Trop Med Infect Dis. 2020; 5(4):182.

Recebido: 5.3.2021. Aprovado: 18.10.2022.

124

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

ADOLESCENTES RURAIS: COMPORTAMENTO DE RISCO PARA EXCESSO DE PESO E AUMENTO DA CIRCUNFERÊNCIA DA CINTURA

Victor Vieira de Oliveiraa

https://orcid.org/0000-0002-3123-1851

Marilia de Souza Araújob

https://orcid.org/0000-0002-9888-7548

Laís do Espírito Santo Limac

https://orcid.org/0000-0001-5287-5480

Resumo

Este estudo tem como objetivo investigar os fatores sociodemográficos, econômicos e comportamentais associados ao excesso de peso e aumento da circunferência da cintura em adolescentes cursando o ensino médio em comunidades rurais. Trata-se de estudo epidemiológico, transversal e observacional. As informações foram coletadas por meio de versão adaptada do questionário da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, proposto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por meio da análise exploratória de dados e análise de regressão logística múltipla, foi possível estimar as razões de chances brutas e ajustadas e seus respectivos intervalos de confiança de 95%. O excesso de peso corporal mostrou associações significativas com o sexo masculino (p = 0,042), faixa etária (p = <0,003), baixa escolaridade materna (p = 0,018) e aumento da circunferência da cintura

a Nutricionista na Secretaria Municipal de Educação do Município de Ipixuna do Pará. Mestre em Saúde Coletiva pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Sociedade na Amazônia da Universidade Federal do Pará (Ufpa). Especialista em Nutrição Humana pela Universidade Federal de Lavras. Especialista em Nutrição em Neuropsiquiatria pela Faculdade Unyleya. Especialista em TEA: Intervenções Multidisciplinares em Contextos Intersetoriais na Universidade do Estado do Pará (Uepa). Belém, Pará, Brasil. E-mail: vicvoli2310@gmail.com

b Professora Associada da Faculdade de Nutrição, do Instituto de Ciências da Saúde, da Universidade Federal do Pará. Graduação em Nutrição pela Universidade Federal do Pará. Mestrado em Nutrição pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutorado em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília (UnB). Belém, Pará, Brasil. E-mail: maraujo_bel@hotmail.com

c Graduada no Curso de Licenciatura Plena e Bacharelado em Enfermagem da Universidade Federal do Pará. Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Sociedade na Amazônia do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará. Especialista em Enfermagem em Centro de Terapia Intensiva pelo Programa de Residência em Enfermagem em Centro de Terapia Intensiva da Universidade Estadual do Pará. Doutoranda no Programa de Pós- Graduação em Enfermagem Fundamental na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP). Belém, Pará, Brasil. E-mail: laislima@usp.br Endereço para correspondência: Bartolomeu de Gusmão, n. 75, Curió-Utinga. Belém, Pará, Brasil. CEP: 66610-190. E-mail: vicvoli2310@gmail.com

125 v. 45, n. 4, p. 125-137 out./dez. 2021 125
Revista Baiana de Saúde Pública
DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3392

(p = <0.001). Já a elevação da circunferência da cintura (CC) mostrou-se também associada ao sexo masculino (p = 0,033), à baixa escolaridade materna (p = 0,016) e à quantidade de banheiros com chuveiro por domicílio (p = 0,025). Ser do sexo masculino mostrou-se como fator de proteção para o excesso de peso e obesidade abdominal, e as piores condições socioeconômicas mostraram-se associadas ao aumento de risco cardiovascular nessa população.

Palavras-chave: Epidemiologia. Obesidade abdominal. Saúde pública. Estudantes. Saúde da população rural.

RURAL ADOLESCENTS: RISKY BEHAVIOR FOR OVERWEIGHT AND INCREASED WAIST CIRCUNFERENCE

Abstract

This epidemiological, cross-sectional and observational study investigates the sociodemographic, economic, and behavioral factors associated with overweight and increased waist circumference in high schoolers from rural communities. Data were collected by an adapted version of the National School Health Survey questionnaire, proposed by the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). Exploratory data analysis and multiple logistic regression analysis estimated the gross and adjusted odds ratios, and their respective 95% confidence intervals. Overweight showed significant association with male gender (p = 0.042), age group (p = <0.003), low maternal schooling (p = 0.018) and increased waist circumference (p = < 0.001). In turn, increased waist circumference (WC) was associated with male gender (p = 0.033), low maternal schooling (p = 0.016), and the number of bathrooms with treated water per household (p = 0.025). Being male was shown to be a protective factor against overweight and abdominal obesity, whereas poor socioeconomic conditions were associated with increased cardiovascular risk in this population.

Keywords: Epidemiology. Abdominal obesity. Public health. Student. Rural health.

ADOLESCENTES RURALES: COMPORTAMIENTO DE RIESGO PARA EL SOBREPESO

Y AUMENTO DE LA CIRCUNFERENCIA DE LA CINTURA

Resumen

Este estudio tiene como objetivo investigar los factores sociodemográficos, económicos y de comportamiento asociados con el sobrepeso y el aumento de la circunferencia

126

de la cintura en adolescentes que asisten a la escuela secundaria en comunidades rurales. Se trata de un estudio epidemiológico, transversal y observacional. La información fue recabada de una versión adaptada del cuestionario de la Encuesta Nacional de Salud Escolar, propuesto por el Instituto Brasileño de Geografía y Estadística (IBGE). Se realizaron un análisis de datos exploratorios y análisis de regresión logística múltiple, lo que permitió estimar los odds ratios brutos y ajustados, y sus respectivos intervalos de confianza del 95%. El sobrepeso mostró asociaciones significativas con los hombres (p = 0,042), grupo de edad (p = <0,003), baja educación materna (p = 0,018) y aumento de la circunferencia de la cintura (p = <0,001). El aumento de la circunferencia de la cintura (CC) también se asoció con el género masculino (p = 0,033), la baja escolaridad materna (p = 0,016) y el número de baños con ducha por hogar (p = 0,025). Ser hombre fue un factor protector contra el sobrepeso y la obesidad abdominal, y las peores condiciones socioeconómicas se asociaron con un mayor riesgo cardiovascular en esta población.

Palabras clave: Epidemiología. Obesidad abdominal. Salud pública. Estudiantes. Salud de la población rural.

INTRODUÇÃO

De acordo com o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN)1, no Brasil, somente no ano de 2020, estimou-se que 32% dos 2.438.295 adolescentes avaliados apresentavam excesso de peso. O sobrepeso/obesidade é marcado pelo índice de massa corpórea (IMC) acima do limite da eutrofia. Assim como o IMC, a circunferência da cintura é uma medida antropométrica que demonstra a presença de gordura do tipo visceral no indivíduo, aumentando o risco cardiovascular2.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o período da adolescência de 10 a 19 anos, 11 meses e 29 dias de idade3. Para Eisentein4, adolescentes são os indivíduos que estão no período de transição entre a infância e a fase adulta, caracterizado por profundas transformações físicas, emocionais, de cunho sexual, mental e social. Esse período tem sido investigado devido a maior vulnerabilidade desse grupo a comportamentos de risco para a saúde que influenciam prematuramente na morbidade e mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)5,6,7.

Diante do atual cenário pandêmico (2020-2021), pesquisas evidenciam que na infecção pelo SARS-CoV-2, apesar da faixa pediátrica ser relacionada a um melhor prognóstico e baixa taxa de mortalidade, a obesidade infantil pode estar associada ao crescimento exponencial

127 v. 45, n. 4, p. 125-137 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

dos casos e/ou complicações pela doença, devido ao carácter inflamatório crônico generalizado e acentuado causado pelo tecido adiposo8,9

Diversos estudos10,11 analisaram os fatores que exercem influência na saúde dos adolescentes brasileiros, porém com foco no público urbano, não retratando as condições de saúde dos adolescentes que vivem distantes de grandes cidades. Dessa forma, este estudo se propõe a investigar os fatores sociodemográficos, econômicos e comportamentais associados ao excesso de peso e circunferência da cintura aumentada em adolescentes rurais.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de estudo epidemiológico, transversal, observacional, realizado com adolescentes com idades entre 15 e 19 anos, cursando do 1o ao 3o ano do ensino médio regular das seis escolas públicas localizadas na zona rural do município de Ipixuna do Pará (PA), nordeste paraense (Figura 1).

Figura 1 – Mapa com localização das escolas com turmas do ensino médio no município de Ipixuna do Pará, no período de outubro a novembro de 2018.

Ipixuna da Pará, Pará, Brasil – 2018

128
Fonte: Elaboração própria.

Utilizou-se a Técnica de Amostragem Aleatória Simples para selecionar o primeiro aluno por meio de sorteio, garantindo que todos tivessem a mesma probabilidade de serem sorteados. Para seleção dos demais alunos, empregou-se a técnica de amostragem sistemática, assim, todos os alunos foram enumerados e organizados de forma aleatória em uma lista. Após a coleta dos dados do primeiro aluno sorteado, foi dado um salto de dois números e coletada a informação do consecutivo e assim sucessivamente, até que completasse o número amostral necessário para realização da pesquisa.

O total de matriculados nas seis escolas do referido município era de 689 alunos. Adotou-se a equação de população finita para cálculo amostral e nível de confiança de 95%, que gerou o n de 193 adolescentes. Todos os adolescentes foram incluídos no estudo, exceto os que não concordaram em participar da pesquisa.

A coleta de dados ocorreu nos meses de outubro e novembro de 2018. Empregou-se uma versão adaptada pelo pesquisador do questionário da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE)10, proposto pelo IBGE. O instrumento autoaplicável continha perguntas sobre informações gerais, marcadores alimentares, marcadores comportamentais, atividade física, uso de cigarro, bebidas alcoólicas, medidas antropométricas e pressão arterial aferida pelo pesquisador. As variáveis pertencentes aos seis primeiros módulos foram interpretadas conforme a PeNSE10.

Para avaliação do estado nutricional, considerou-se o IMC (IMC = Peso em quilogramas / Altura ao quadrado medida em metros) e analisou-se de acordo com os critérios da OMS para adolescentes12. O peso corporal foi verificado em uma balança digital da marca Líder, modelo P150M, com pesagem máxima de 200 kg e variação mínima de 0,05 kg. O adolescente foi posicionado no centro do equipamento, descalço, ereto, com os pés juntos e os braços estendidos ao longo do corpo13.

Para a medição da estatura, utilizou-se estadiômetro portátil e desmontável da marca Altura Exata, com capacidade de extensão de 200 centímetros e intervalos de um milímetro, em uma parede sem rodapé. O adolescente ficou de pé, ereto, braços estendidos ao longo do corpo, cabeça erguida, olhando para um ponto fixo na altura dos olhos, com os calcanhares, ombros e nádegas em contato com o equipamento, os ossos dos calcanhares se tocando, bem como a parte interna de ambos os joelhos e os pés unidos, mostrando um ângulo reto com as pernas13.

O perímetro da cintura foi verificado com trena antropométrica em fibra de vidro da marca Sanny, com resolução em milímetros e extensão de 1,5 metro. A circunferência da cintura foi aferida com o abdômen do indivíduo à mostra, após a expiração, na sua curvatura natural, no ponto médio entre a décima costela e a crista ilíaca, facilmente identificada pelo indivíduo14. O resultado para a faixa etária de 15 a 17 anos foi classificado de acordo com

129 v. 45, n. 4, p. 125-137 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

McCarthy et al.15, considerando os percentis 85 e 95 para identificar sobrepeso e obesidade, respectivamente. Para as idades de 18 e 19 anos foi considerada a classificação da International Diabetes Federation (IDF)16, que considera como fator de risco CC ≥ 80 cm para as mulheres e ≥ 90 cm para homens.

Os dados coletados foram agrupados em planilhas do programa Microsoft Excel 2010. A Análise de Regressão Logística foi a técnica de escolha para análise dos dados por meio do software Minitab versão 2017. Estimaram-se as razões de chances (Odds ratio – OR) brutas e ajustadas, bem como seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Salienta-se que as variáveis independentes foram consideradas a partir das variáveis demográficas, econômicas, comportamentais, alimentares e antropométricas, e que o modelo de regressão logística múltipla foi constituído manualmente, obtendo-se somente variáveis estatisticamente significativas no fim de cada modelo.

Esta pesquisa é um recorte da dissertação de mestrado intitulada “Adolescentes rurais: comportamentos de risco para doenças crônicas não transmissíveis em um município do interior do estado do Pará”, submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Pará (UFPA) e aprovada sob o (CAAE) nº 2.856.862.

RESULTADOS

Dos 193 adolescentes avaliados, a maioria era do sexo feminino (60,66%), autodeclarada parda (69,42%), com 18 anos de idade (24,36%), seguida dos de 17 anos (23,83%).

A frequência de sobrepeso e obesidade abdominal foi de 18% e 19%, respectivamente, apresentando-se maior entre as adolescentes do sexo feminino (16%). Destas, 10,36% estavam com sobrepeso e 5,7% com obesidade. Da mesma maneira, a presença de circunferência da cintura elevada foi identificada em 16,67%. Destes, 7% da amostra apresentaram risco cardiovascular, e 9,68% risco aumentado cardiovascular.

A partir do modelo de regressão logística multivariada, o excesso de peso corporal (Tabela 1) exibiu relação significativas com o sexo (p = 0,042), faixa etária (p = <0,003), escolaridade materna (p = 0,018) e circunferência da cintura (p = <0.001). Adolescentes do sexo masculino apresentaram 80% menos chances de ter sobrepeso e obesidade quando comparados às adolescentes do sexo feminino. Quanto ao risco de desenvolver excesso de peso, encontrou-se associação com o avançar da idade, adolescentes de 17 e 18 anos apresentavam 13 vezes mais chances de risco quando comparados aos adolescentes de 15 e 16 anos.

Observou-se, ainda, que o aumento da circunferência da cintura foi acompanhado de sobrepeso e obesidade, aumentando o risco em 162 vezes. Além disso, quanto mais baixa a escolaridade materna, menor o risco de o jovem apresentar excesso de peso.

130

Tabela 1 – Análise de regressão logística múltipla dos fatores de risco associados ao excesso de peso corporal em adolescentes residentes em Ipixuna do Pará, no período de outubro a novembro de 2018. Ipixuna do Pará, Pará, Brasil – 2018

No que tange ao aumento da circunferência da cintura (Tabela 2), a regressão logística multivariada mostrou associação com o sexo, apresentando 85% menos chances desse aumento no sexo masculino quando comparado ao feminino (p = 0,033). O avançar da idade aparece como um fator de proteção para o risco de elevação da CC, dado que adolescentes de 19 anos têm 80% menos chances de apresentar aumento desse índice quando comparados com os de 15 e 16 anos (p = 0.000).

Tabela 2 – Análise de regressão logística múltipla dos fatores de risco associados à circunferência da cintura elevada em adolescentes residentes em Ipixuna do Pará, no período de outubro a novembro de 2018. Ipixuna do Pará, Pará, Brasil – 2018

131 v. 45, n. 4, p. 125-137 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
Variável Categoria RC (IC95%) p Sexo Masculino/Feminino 0,2048 (0,039; 1,073) 0,042* Faixa etária 17 a 18 anos/15 a 16 anos 13,522 (2,129; 85,870) <0,003* 19 anos/15 a 16 anos 11,562 (1,244; 107,435) 19 anos/17 a 18 anos 0,855 (0,151; 4,833) Escolaridade materna EFC a EMI/EMC a ESC 0,377 (0,069; 2,062) 0,018* Analfabeto a EFI/EMC a ESC 0,138 (0,032; 0,586) Analfabeto a EFI/EFC a EMI 0,365 (0,064; 2,084) Circunferência da cintura Elevada/Normal 162,272 (25,859; 1018,307) <0.001*
Elaboração própria.
significante
Fonte:
*Estatisticamente
E.F.C. = Ensino Fundamental Completo; E.M.I. = Ensino Médio Incompleto; E.M.C. = Ensino Médio Completo; E.S.C. = Ensino Superior Completo.
Variável Categoria RC (IC95%) p Sexo Masculino/Feminino 0,148 (0,015; 0,990) 0,042* Faixa etária 17 a 18 anos/15 a 16 anos 0,039 (0,003; 0,243) 0.000* 19 anos/15 a 16 anos 0,020 (0,0018; 0,2998) 19 anos/17 a 18 anos 0,517 (0,082; 8,996) Escolaridade materna EFC a EMI/EMC a ESC 1,0889 (0,125; 15,687) 0,016* Analfabeta a EFI/EMC a ESC 8,451 (2,298; 192,120) Analfabeta a EFI/EFC a EMI 7,762 (1,362; 165,657) Banheiro com chuveiro dentro do domicílio Um/≥ Dois 24,438 (1,209; 337,897) 0,025* Nenhum/≥ Dois 64,631 (2,497; 1824,605) Nenhum/Um 2,644 (0,572; 19,504) Tempo assistindo televisão > 2 horas/≤ 2 horas 6,259 (1,792; 76,712) 0,015* Experimentação do tabaco Sim/Não 4,314 (1,429; 128,181) 0,047* Excesso de peso corporal Com excesso/Sem excesso 433,517 (47,342; 10443,364) 0.000*
Elaboração própria.
significante.
Fonte:
*Estatisticamente
E.F.C. – Ensino Fundamental Completo; E.M.I. – Ensino Médio Incompleto; E.M.C. – Ensino Médio Completo; E.S.C. – Ensino Superior Completo.

O aumento da CC apresentou relação com as condições socioeconômicas, a exemplo da baixa escolaridade materna e da quantidade de banheiros com chuveiro por domicílio. Ter mãe “analfabeta ou com ensino fundamental incompleto” aumentou em até oito vezes as chances de elevação desse índice (p = 0,016). Quanto menor a quantidade de banheiros com chuveiro dentro do domicílio, maior o risco de o jovem ter a CC elevada, aumentando o risco em aproximadamente 65 vezes (p = 0,025).

O tempo de tela também demonstrou influenciar diretamente no aumento da CC. Adolescentes que passaram mais de duas horas sentados têm cerca de seis vezes mais chances de ter a circunferência da cintura aumentada (p = 0,015), assim como os jovens que já experimentaram tabaco (p = 0,047), aumentando as chances em quatro vezes. Por fim, houve relação significativa com a presença de excesso de peso (p = <0,000). O sobrepeso e a obesidade aumentariam em 433 vezes as chances de ter a CC elevada ao comparar com os jovens que estavam em estado nutricional adequado.

DISCUSSÃO

Com a pandemia do covid-19 e as várias medidas restritivas para conter a sua transmissibilidade, se consolidaram também mudanças de fatores comportamentais, como a diminuição do nível de atividade física, o aumento do consumo de hipercalóricos e o aumento do tempo de tela. O medo da contaminação e a ansiedade acentuam ainda mais o excesso de peso entre os mais jovens, impulsionando o processo de transição epidemiológica para as doenças crônicas não transmissíveis e o aumento da letalidade pelo SARS-CoV-217,18,19

Os achados desta pesquisa foram similares aos encontrados pelo Estudo de Risco Cardiovascular em Adolescentes (ERICA)20 para os adolescentes de ambos os sexos da região Norte, com prevalência de sobrepeso de 15% e de obesidade de 6,6%. O estudo da PeNSE10 também revelou que não há grande diferença na detecção do excesso de peso, pois adolescentes das capitais e regiões metropolitanas brasileiras apresentavam prevalência de sobrepeso de 16% e obesidade de 8%. Tais dados demonstram que, apesar das regiões analisadas serem distintas, o resultado da ação dos fatores predisponentes à obesidade pareceu influenciar de forma semelhante tanto os jovens da zona urbana quanto os da rural.

O excesso de peso apresentou maior prevalência em mulheres. De acordo com a Tabela 1, as chances de os homens desenvolverem excesso de peso diminuem em 80% quando comparados às mulheres. Castro et al.21 também encontraram maior associação entre o sexo feminino e sobrepeso/obesidade, corroborando a hipótese de que ser homem seria um fator de proteção. No entanto, muitas pesquisas encontraram uma prevalência maior do sexo masculino com o excesso de peso10,20,22, podendo sugerir uma associação contrária à observada nesta amostra.

132

A idade mostrou influenciar no perfil antropométrico nutricional. Adolescentes com mais idade apresentaram maior risco de excesso de peso quando comparados aos mais jovens, podendo aumentar de 11 a 13 vezes as chances, dependendo da comparação em questão. Esse resultado foi semelhante ao estudo de Enes et al.23, que consideraram o resultado encontrado mais grave na fase da adolescência por ocorrer importantes mudanças na composição corporal, com aumento de peso maior que o aumento de estatura, levando ao excesso de peso. Cumming et al.24 consideram que esse maior peso em escolares mais velhos (17 a 18 anos) pode acontecer devido aos vários compromissos escolares e trabalho de meio período, acarretando menos cuidado com hábitos saudáveis na sua rotina, como a prática de atividade física.

Este estudo evidenciou que quanto mais baixa a escolaridade materna, maior o risco de o adolescente apresentar sobrepeso e obesidade, conforme foi observado nos resultados da análise multivariada. Esses achados complementam os de Bacil et al.25, que encontraram associação significativa entre excesso de peso nos adolescentes e escolaridade materna. Segundo o autor, as adolescentes cujas mães tinham maior escolaridade (maior que oito anos) apresentaram menor risco de sobrepeso e obesidade.

Já a circunferência da cintura apresentou forte associação com o excesso de peso, aumentando 162 vezes as chances de o adolescente apresentar excesso de peso. O contrário também demonstrou forte significância, aumentando em 433 vezes as chances de a cintura estar aumentada quando o jovem estiver com excesso de peso. Ramirez et al.26 encontraram associação significante entre excesso de peso e a circunferência da cintura aumentada, assim como Carmenate Moreno et al.27, corroborando os achados deste estudo ao concluir que os adolescentes com circunferência da cintura elevada se associaram significativamente com os que foram classificados com excesso de peso.

Esta pesquisa encontrou valores aumentados da circunferência da cintura em 18,8% dos adolescentes. O ERICA20 encontrou circunferência da cintura aumentada em 12,6% dos adolescentes estudados, menor do que o observado nesta pesquisa. É possível que a maior presença de circunferência da cintura elevada entre os adolescentes deste estudo em comparação com as demais pesquisas se dê pela diferença da área geográfica, conforme sugere Zhang et al.28. Em estudo realizado na China, os autores observam que há uma relação entre o local de moradia (urbana e rural) com a obesidade abdominal.

A elevação da circunferência da cintura mostrou associação significativa com outras variáveis, como o sexo masculino, que tem as chances de aumento da CC diminuídas em 95% quando comparado às participantes do sexo feminino. Alguns estudos que utilizaram ressonância magnética foram de encontro aos resultados obtidos nesta pesquisa, pois sugeriram que há um aumento na circunferência da cintura dos homens devido ao fato de o sexo masculino ter uma maior quantidade de gordura visceral quando comparado às mulheres29.

133 v. 45, n. 4, p. 125-137 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

O avançar da idade também influenciou no aumento da cintura. A associação fica clara ao observar que adolescentes de 19 anos têm 70% menos chances de apresentar aumento desse índice quando comparados aos adolescentes com idades entre 15 e 16 anos. Esse achado é contrário ao encontrado por Ramirez et al.26, em amostra populacional com adolescentes peruanos, e por Carmenate Moreno et al.27, em amostra com adolescentes espanhóis. Ambos observaram aumento da circunferência da cintura conforme o avançar da idade.

Da mesma forma, a escolaridade materna e a quantidade de banheiros com chuveiro dentro de casa demonstraram associação significativa com o risco para elevação da circunferência da cintura. A baixa escolaridade materna se relacionou positivamente com esse aumento, demonstrando que, quanto mais baixa a escolaridade, maior a chance de o adolescente ter aumento da CC, podendo atingir até oito vezes mais chances de risco. Já a ausência de banheiros por domicílio demonstrou aumentar em até 64 vezes as chances de o jovem ter obesidade abdominal. Esses achados mostram relação com outras investigações em regiões com menores níveis econômicos30,31, porém se contrapõem a estudos como o de Castro et al.21 e Ramirez et al.26

Já o tempo sentado em frente à televisão maior que duas horas mostrou associação positiva com o aumento da cintura, aumentando em seis vezes as chances de o jovem apresentar obesidade abdominal. Esse resultado é corroborado por Byun et al.32, que encontraram associação positiva entre hora adicional de televisão e obesidade abdominal. Castro et al.21 sugerem que essa associação poderia ser explicada pelo menor gasto energético ao longo do dia em adolescentes que apresentavam maior comportamento sedentário. Estudos já indicam que a pandemia do covid-19 está tornando os jovens mais suscetíveis a comportamentos sedentários excessivos, com diminuição da prática de atividade física e aumento do tempo de tela33,34

A experimentação do tabaco também apresentou associação com o aumento da circunferência da cintura, aumentando quatro vezes mais as chances de o adolescente apresentar obesidade abdominal. Esses achados são confirmados por Bertoni et al.35 em pesquisa com dados nacionais, na qual encontrou maior prevalência de obesidade abdominal nos adolescentes que consumiam mais de um cigarro por dia quando comparados aos não fumantes. Chiolero et al.36 sugerem que uma possível explicação para esse fato seria o aumento da resistência insulínica provocada pela nicotina (substância do tabaco) que, por sua vez, está relacionada ao depósito de gordura na região abdominal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos achados apresentados, este estudo deixa mais evidente a necessidade de políticas públicas mais eficazes, como projetos e programas intersetoriais que objetivem a conscientização da necessidade de um estilo de vida mais saudável entre os adolescentes de áreas

134

rurais, principalmente das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Dessa forma, sugere-se a realização de novos estudos em populações rurais para dar maior subsídio sobre informações importantes a essas populações, ainda pouco estudadas dentro do contexto nacional e internacional.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Victor Vieira de Oliveira e Marilia de Souza Araújo.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Victor Vieira de Oliveira e Laís do Espírito Santo Lima.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Marilia de Souza Araújo.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Victor Vieira de Oliveira.

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional. Relatório de estado nutricional. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020.

2. Ramírez JP, Aparcana LT, Zamora RA, Leo IB. El sobrepeso, la obesidad y la obesidad abdominal en la población adulta del Perú. An Fac Med. 2019;80(1):21-7.

3. World Health Organization. Young people’s health: a challenge for society. Report of a WHO Study Group on Young People and Health for All by the Year 2000. Geneva: World Health Organization; 1986.

4. Eisenstein E. Adolescência: definições, conceitos e critérios. Adolesc Saúde. 2005;2(2):6-7.

5. Guimarães LVS, Ramos MA, Souza MJC, Moreira DC, da Silva JLP, Menezes RAO. Obesidade na adolescência: um problema de Saúde Pública. REAS. 2021;13(1):e5521.

6. Amorim GG, Pinto EF, Lima GBV, Moraes JFVN, Silva CAB. Avaliaçao dos fatores de riscos cardiovasculares em adolescentes. Adolesc Saúde. 2018;15(3):27-35

7. Barros AMG, Visco DB, Silva RMP, Alves SP, Simões MOS, Medeiros CCM, Carvalho DF. Lipid profile in children with overweight and obesity: an integrative review. Res Soc Dev. 2020;9(11):e4349119952

8. Lu X, Zhang L, Du H, Zhang J, Li YY, Qu J, et al. SARS-CoV-2 infection in children. N Engl J Med. 2020;382:1663-5.

9. Sinha IP, Harwood R, Semple MG, Hawcutt DB, Thursfield R, Narayan O, et al. COVID-19 infection in children. Lancet Respir Med. 2020;8(5):446-7.

10. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde Escolar. Rio de Janeiro (RJ): IBGE; 2016.

135 v. 45, n. 4, p. 125-137 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

11. Kuschnir MCC, Bloch KV, Szklo M, Klein CH, Barufaldi LA, Abreu GA et al. ERICA: prevalence of metabolic syndrome in Brazilian adolescents. Rev Saúde Pública. 2016;50(Suppl1):11s.

12. Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ. 2007;85(9):660-7.

13. Brasil. Ministério da Saúde. Antropometria: como Pesar e Medir. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2004.

14. Kahn HS, Austin H, Williamson DF, Arensberg D. Simple anthropometric indices associated with ischemic heart disease. J Clin Epidemiol. 1996;49(9):1017-24.

15. McCarthy HD, Jarrett KV, Crawley HF. The development of waist circumference percentiles in British children aged 5.0-16.9 y. Eur J Clin Nutr. 2001;55(10):902-7.

16. Alberti KGMM, Zimmet P, Shaw J. Metabolic syndrome – a new world-wide definition. A Consensus Statement from the International Diabetes Federation. Diabet Med. 2006;23(5): 469-480.

17. Jamison DT, Summers LH, Alleyne G, Arrow KJ, Berkley S, Binagwaho A, et al. Salud global 2035: un mundo convergiendo en el lapso de una generación [Global health 2035: a world converging within a generation]. Salud Publica Méx. 2015;57(5):444-67.

18. Araújo RJS, Santiago ADE, Conceição JM, Nunes ICM, Alves VM. Ansiedade em Crianças Obesas: Uma revisão Sistemática. Gep News, 2019; 2(2):325-334.

19. Santos GSH, Camargo CC, Menossi BRS. Projeto de extensão universitário no combate a obesidade infantil através das mídias sociais em face de pandemia por covid-19: um estudo transversal. Brazilian Journal of Development. 2020;6(9):69886-900.

20. Bloch KV, Klein CH, Szklo M, Kuschnir MC, Abreu GA, Barufaldi LA, et al. ERICA: prevalências de hipertensão arterial e obesidade em adolescentes brasileiros. Rev Saúde Pública 2016;50(1):9s.

21. Castro JAC, Nunes HEG, Silva DAS. Prevalência de obesidade abdominal em adolescentes: associação entre fatores sociodemográficos e estilo de vida. Rev Paul Pediatr. 2016;34(3):343-51.

22. Carneiro CS, Peixoto MRG, Mendonça KL, Póvoa TIR, Nascente FMN, Jardim TSV et al. Excesso de peso e fatores associados em adolescentes de uma capital brasileira. Rev Bras Epidemiol. 2017;20(2):260-73.

23. Enes CC, Pegolo GE, Silva MV. Influência do consumo alimentar e do padrão de atividade física sobre o estado nutricional de adolescentes de Piedade, São Paulo. Rev Paul Pediatr. 2009;27(3):265-71.

24. Cumming SP, Standage M, Gillison F, Malina RM. Sex differences in exercise behavior during adolescence: is biological maturation a confounding factor? J Adolesc Health. 2008;42(5):480-5.

136

25. Bacil EDA, Rech CR, Hino AAF, Campos W. Excesso de peso em adolescentes: papel moderador do sexo e da escolaridade maternal. Rev Bras Promoç Saúde. 2016;29(4):515-24.

26. Ramírez JP, Sánchez JA, Álvarez DD, Tarqui CM, Bustamente AV. La circunferencia de la cintura en adolescentes del Perú. An Fac Med. 2016;77(2):111-6.

27. Carmenate Moreno MM, Serrano MDM, Saturnino MSM, Espinosa MGM; Díaz JAA. Obesidad y circunferencia de la cintura en adolescentes madrileños. Rev Cubana Salud Pública, Ciudad de La Habana. 2007;33(3).

28. Zhang YX, Zhao JS, Chu ZH, Tan HL. Prevalence and regional disparities in abdominal obesity among children and adolescents in Shandong, China, surveyed in 2010. Ann Nutr Metab. 2014;64(2):137-43.

29. Bacopoulou F, Efthymiou V, Landis G, Rentoumis A, Chrousos GP. Waist circumference, waist-to-hip ratio and waist-to-height ratio reference percentiles for abdominal obesity among Greek adolescents. BMC Pediatr. 2015;15:50.

30. Bozza R, Campos W, Bacil ED, Barbosa Filho VC, Hardt JM, Silva PM. Sociodemographic and behavioral factors associated with body adiposity in adolescents. Rev Paul Pediatr. 2014;32(3):241-6.

31. Silva DAS, Pelegrini A, Silva AF, Grigollo LR, Petroski EL. Obesidade abdominal e fatores associados em adolescentes: comparação de duas regiões brasileiras diferentes economicamente. Arq Bras Endocrinol Metab. 2012; 56(5):291-9.

32. Byun W, Dowda M, Pate RR. Associations between screen-based sedentary behavior and cardiovascular disease risk factors in Korean youth. J Korean Med Sci. 2012;27(4):388-94.

33. Sá CSC, Pombo A, Luz C, Rodrigues LP, Cordovil R. Distanciamento Social Covid-19 no Brasil: Efeitos sobre a Rotina de Atividade Física de Famílias com Crianças. Rev Paul Pediatr. 2021;39:e2020159.

34. Hesketh KR, Lakshman R, van Sluijs EM. Barriers and facilitators to young children’s physical activity and sedentary behaviour: a systematic review and synthesis of qualitative literature. Obes Rev. 2017;18:987-1017.

35. Bertoni N, de Almeida LM, Szklo M, Figueiredo VC, Szklo AS. Assessing the relationship between smoking and abdominal obesity in a National Survey of Adolescents in Brazil. Prev Med. 2018;111:1-5.

36. Chiolero A, Faeh D, Paccaud F, Cornuz J. Consequences of smoking for body weight, body fat distribution, and insulin resistance. Am J Clin Nutr. 2008;87(4):801-9.

Recebido: 7.4.2021. Aprovado: 26.10.2022.

137 v. 45, n. 4, p. 125-137 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO, DE SAÚDE E HÁBITOS DE VIDA DE IDOSOS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

Laize Gabriele de Castro Silvaa

https://orcid.org/0000-0002-1708-0786

Ítala da Silva Martinsb

https://orcid.org/0000-0002-5610-244X

Frankly Eudes Sousa Martinsc

https://orcid.org/0000-0001-9660-9790

Franciele Santos de Oliveirad

https://orcid.org/0000-0002-6192-7390

Tulia Fernanda Meira Garciae

https://orcid.org/0000-0003-1746-4808

Ana Carolina Patrício Albuquerque Sousaf

https://orcid.org/0000-0001-7517-8792

Resumo

O envelhecimento populacional é considerado uma importante conquista da humanidade, no entanto, tem representado um desafio para os países em desenvolvimento, como o Brasil. Assim, conhecer o perfil da população idosa é relevante para o desenvolvimento de ações específicas e para nortear políticas de saúde. Este estudo teve como objetivo caracterizar o perfil sociodemográfico, os hábitos de vida e os aspectos de saúde dos idosos cadastrados em unidades básicas de saúde de um município localizado no interior do

a Fisioterapeuta. Mestre em Fisioterapia. Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail: laize_castro@outlook.com

b Fisioterapeuta. Especialista em Atenção Básica. Patos, Paraíba, Brasil. E-mail: itala22martins@gmail.com

c Fisioterapeuta. Mestre em Educação, Trabalho e Inovação em Medicina. Fisioterapeuta da Fundação Paraibana de Gestão em Saúde, Santa Rita, Paraíba, Brasil. E-mail: frankly_eudes@hotmail.com

d Fisioterapeuta. Especialista em Atenção Básica. Campo Redondo, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail: francieleolliveira@hotmail.com

e Fonoaudióloga. Doutora em Gerontologia. Docente na Escola Multicampi de Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Caicó, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail: tulia_fernanda@yahoo.com.br

f Fisioterapeuta. Doutora em Ciências da Saúde. Docente na Escola Multicampi de Ciências Médicas da UFRN. Caicó, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail: acapas@gmail.com

Endereço para correspondência: Avenida Dr. Carlindo de Souza Dantas, n. 540 (II andar), Centro. Caicó, Rio Grande do Norte, Brasil. CEP: 59300-000. E-mail: acapas@gmail.com

138 138
DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3384

Nordeste. Para isso, foi realizada uma pesquisa epidemiológica, observacional e transversal, no ano de 2018. Foram avaliados 109 idosos, a maioria do sexo feminino (77,1%), faixa etária de 65 a 69 anos (45,9%), casados (47,7%), brancos (46,8%), com ensino fundamental incompleto (64,2%). Com relação aos hábitos de vida, a maior parte relatou não fumar (92,7%), não beber álcool (91,7%) e ter comportamento sedentário (60,6%). Quanto às condições de saúde, a maioria apresentou comorbidades (57,8%), sem sintomatologia depressiva (80,7%), além de relatar satisfação com os serviços de saúde. Assim, conclui-se que os resultados obtidos neste estudo podem contribuir para nortear possíveis ações a serem realizadas na Atenção Primária à Saúde e auxiliar no desenvolvimento das políticas de saúde voltadas para a população idosa.

Palavras-chave: Envelhecimento. Saúde do idoso. Perfil de saúde. Atenção primária à saúde.

SOCIODEMOGRAPHIC PROFILE, HEALTH AND LIFE HABITS OF OLDER ADULTS IN PRIMARY HEALTH CARE

Abstract

Population aging is an important achievement of humanity; however, it has represented a challenge for developing countries, such as Brazil. Thus, knowing the profile of the aging population is relevant for developing specific actions and guiding health policies. This epidemiological, observational, and cross-sectional study, conducted in 2018, sought to characterize the sociodemographic profile, life habits and health aspects of older adults registered in basic health units in a Northeastern municipality. Total sample evaluated consisted of 109 older adults, mostly female (77.1%), age range 65 to 69 years old (45.9%), married (47.7%), white (46.8%), with incomplete primary education (64.2%). Regarding lifestyle habits, most reported not smoking (92.7%), not drinking alcohol (91.7%), and having sedentary behavior (60.6%). As for health conditions, most participants had comorbidities (57.8%), no depressive symptoms (80.7%), and reported satisfaction with health services. In conclusion, the results obtained in this study can contribute to guide possible Primary Health Care actions and assist in developing health policies aimed at older adults

Keywords: Aging. Health of the elderly. Health profile. Primary Health Care.

139 v. 45, n. 4, p. 138-152 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

HÁBITOS SOCIODEMOGRÁFICOS, DE SALUD Y DE ESTILO DE VIDA

DEL ADULTO MAYOR EN ATENCIÓN PRIMARIA DE SALUD

Resumen

El envejecimiento de la población es considerado como un logro importante de la humanidad, sin embargo, ha representado un desafío para los países en desarrollo, como Brasil. Así, conocer el perfil de la población anciana es importante para el desarrollo de acciones específicas y para orientar las políticas de salud. Este estudio tuvo como objetivo caracterizar el perfil sociodemográfico, los hábitos de vida y los aspectos de salud de los ancianos registrados en unidades básicas de salud de un municipio ubicado en el interior del Nordeste (Brasil). Para ello, se realizó una encuesta epidemiológica, observacional y transversal en 2018. Se evaluaron a 109 adultos mayores, la mayoría del sexo femenino (77,1%), con edad entre 65 y 69 años (45,9%), casados (47,7%), blancos (46,8%) y con primaria incompleta (64,2%). En cuanto a los hábitos de vida, la mayoría refirió no fumar (92,7%), no consumir alcohol (91,7%) y tener una conducta sedentaria (60,6%). Respecto a las condiciones de salud, la mayoría tenía comorbilidades (57,8%) y sin síntomas depresivos (80,7%); además, reportaron satisfacción con los servicios de salud. Por lo tanto, se concluye que los resultados obtenidos en este estudio pueden contribuir a orientar posibles acciones futuras en la Atención Primaria de Salud y a auxiliar en el desarrollo de políticas de salud dirigidas a la población anciana.

Palabras clave: Envejecimiento. Salud del anciano. Perfil de salud. Atención Primaria de Salud.

INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional é considerado uma grande conquista da humanidade, no entanto, tem representado um desafio no século XXI, sobretudo para os países em desenvolvimento, como o Brasil. No contexto brasileiro, esse fenômeno ocorre de forma acelerada e produzindo mudanças no padrão de doenças, com aumento de enfermidades crônicas e incapacitantes, onerando o sistema de saúde. Assim, conhecer o perfil da população idosa é importante para identificar os membros mais vulneráveis e suas necessidades de saúde, principalmente para poder auxiliar no direcionamento das políticas públicas1

Nesse contexto, a atenção às questões relacionadas ao envelhecimento e aos modos de intervir no processo saúde/doença do idoso ganha importância devido aos impactos sociais e econômicos dessas demandas2. Sabe-se que as doenças crônicas não transmissíveis são condições frequentes nessa população e que o estilo de vida tem relevância na prevenção

140

e no tratamento dessas condições, porém, ainda são escassos os estudos na região Nordeste que abordem esses aspectos3. Assim, entende-se que o envelhecimento da população tem relação com fatores condicionantes e determinantes sociais, sendo fundamental o conhecimento sobre as características sociodemográficas e clínicas dos idosos para definir as principais necessidades de saúde desse público, além de servir como indicador para um planejamento estratégico de ações4.

Oliveira e Porto 5 realizaram um estudo com idosos longevos moradores do município de Quixabeira no estado da Bahia, descrevendo aspectos sociodemográficos, de saúde e hábitos de vida da população. Os autores ressaltaram a importância de compreender o perfil dos idosos em pequenas cidades e destacaram o impacto positivo desse tipo de avaliação no planejamento em saúde da pessoa idosa. Já o estudo de Bezerra e Santos6 foi realizado com pessoas idosas acompanhadas na Atenção Primária à Saúde (APS), com o objetivo de avaliar o perfil sociodemográfico e a situação de saúde dessa população. Os autores destacaram que esse tipo de estudo pode subsidiar políticas e programas de cuidado à saúde, além de auxiliar no conhecimento sobre as características dos idosos nas diferentes regiões do Brasil, o que pode contribuir para a tomada de decisão mais apropriada conforme a realidade local.

Nesse sentido, a APS tem sido apontada como peça fundamental na prestação de assistência e monitoramento da saúde da pessoa idosa. Sugere-se que, nesse nível de atenção, o idosos seja avaliado de forma multidimensional, buscando conhecer o perfil do indivíduo que envelhece e, a partir disso, nortear ações a serem realizadas que favoreçam o envelhecimento ativo e\ou que previnam ou amenizem os desfechos deletérios do processo de envelhecimento7 Entretanto, os processos organizacionais da APS são influenciados pelas diferentes realidades locais8, de forma que a reorganização da prática assistencial passa muito mais próxima dos aspectos relativos à territorialidade e à vigilância sobre os determinantes, os riscos e os agravos à saúde, visando definição de problemas, prioridades, atendimento às necessidades de saúde da comunidade, considerando cada situação específica9

Percebe-se que vários estudos avaliaram as características sociodemográficas e clínicas dos idosos, apontando a relevância dos levantamentos de informações e do planejamento do cuidado da pessoa idosa. No entanto, ainda são escassos os estudos sobre as condições de vida e saúde dos idosos, que requerem cuidados específicos 10 , em regiões do interior do Brasil. Dessa forma, este estudo justifica sua importância perante a necessidade de dados atualizados sobre a população idosa para melhor planejamento em saúde e medidas com respostas efetivas às demandas desse crescente público. Tais achados

141 v. 45, n. 4, p. 138-152 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

podem servir de base para o desenvolvimento de políticas públicas e para práticas em saúde na região. Sendo assim, o objetivo deste estudo é caracterizar o perfil sociodemográfico, os hábitos de vida e os aspectos de saúde dos idosos cadastrados em unidades básicas de saúde (UBS) do município de Caicó (RN).

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa de cunho epidemiológico, observacional e caráter transversal, desenvolvida no período de setembro a novembro de 2018. Vale ressaltar que este estudo faz parte de um projeto maior denominado “Pesquisa sobre as condições de vida e saúde de idosos comunitários do município de Caicó/RN”. Tal pesquisa teve como principal referência o estudo da Rede de Estudos sobre Fragilidade em Idosos Brasileiros (Rede Fibra) 11, desenvolvido em meados de 2009, no município de Santa Cruz (RN). Dessa forma, a escolha da faixa etária, da estrutura do questionário de investigação e dos instrumentos de avaliação selecionados para compor esta pesquisa teve como referência o estudo da Rede Fibra 11

O estudo foi realizado em Caicó, município do estado do Rio Grande do Norte (RN), distante 282 km da capital do estado, Natal. De acordo com dados do Censo de 2010, tem, aproximadamente, 68 mil habitantes, com densidade populacional de 51,04 hab./km², caracterizando-se como a sétima cidade mais populosa do estado e a segunda mais populosa do interior do RN. Ainda de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Caicó tem índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,71, sendo o quarto melhor índice de desenvolvimento humano do estado. Além disso, apresenta um crescente índice de longevidade humana, com expectativa de vida em torno de 74,4 anos, maior do que a média nacional e uma das maiores entre os municípios do Norte e do Nordeste 12. Ao todo, o município apresenta 18 UBS, totalizando uma cobertura populacional em torno de 95%.

Foram incluídos na pesquisa idosos a partir de 65 anos, de ambos os sexos, moradores da comunidade, cadastrados em cinco UBS da zona urbana do município de Caicó, campus de atuação dos residentes do programa de residência multiprofissional em atenção básica da Escola Multicampi de Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Optou-se por uma amostra de conveniência devido à desatualização dos dados cadastrais das unidades, não sendo possível a diferenciação entre população rural e urbana, sequer entre idosos comunitários ou institucionalizados, o que limitou a realização do cálculo amostral. Foram estabelecidos como critérios de exclusão não aceitar assinar o Termo

142

de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), não ser encontrado para avaliação após três tentativas durante o recrutamento e não concluir todas as etapas da coleta dos dados diante de dificuldades por parte do idoso ou por desistência.

Os dados foram coletados no período de setembro a novembro de 2018 por uma equipe de três residentes em atenção básica (AB) que conheciam os instrumentos de coleta. As informações coletadas foram referentes a: características sociodemográficas, hábitos de vida, condições de saúde dos idosos e satisfação desses indivíduos quanto ao serviço de saúde.

Para obtenção das características sociodemográficas foi utilizado um questionário semiestruturado com as seguintes informações: sexo/gênero, idade, escolaridade, renda familiar, cor/etnia, estado civil e se tem alguma religião. Em seguida, foi investigado o consumo de álcool e/ou tabaco. Em casos afirmativos, era questionada a frequência (dia/ semana). Foi pesquisado quanto à prática de atividade física referente aos últimos três meses, verificando se o participante praticou ou tem praticado algum tipo de exercício físico e/ou esporte e com qual frequência.

Quanto aos aspectos relacionados à saúde, foi utilizado o Miniexame do Estado Mental (MEEM) para a avaliação do nível cognitivo. O escore do MEEM varia de 0 a 30 pontos, sendo estabelecido como ponto de corte o valor ≥ 1713. A sintomatologia depressiva foi avaliada aplicando a versão brasileira da Escala de Depressão Geriátrica (Geriatric Depression Scale – GDS-15), que constitui um instrumento de rastreio rápido, simples e útil para a identificação de sintomas depressivos ou vulnerabilidade à depressão na velhice. Caso o escore total seja ≤ 5, considera-se como “não caso” para depressão; caso seja > 5, considera-se como “caso” para depressão14

Além disso, foi avaliada a percepção de saúde, perguntando ao idoso como ele considera sua saúde, cuja resposta varia entre muito boa, boa, regular, ruim ou muito ruim. Em seguida, foi analisada a quantidade de comorbidades, considerando o diagnóstico médico no último ano das seguintes doenças crônicas: doença do coração (arritmia, angina, insuficiência cardíaca), hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, tumor maligno, artrite ou reumatismo, doenças pulmonares, depressão, osteoporose e acidente vascular encefálico (AVE). Foi considerada presença de comorbidades apresentar duas ou mais enfermidades crônicas. Referente ao uso de medicamentos, foi questionado ao idoso se ele fazia uso de cinco ou mais medicamentos receitados pelo médico.

Por fim, foi avaliada a mobilidade funcional dos idosos por meio do Time Up and Go Test (TUG) 15 e o histórico de quedas sofridas nos últimos 12 meses. Essa é uma avaliação retroativa, na qual o avaliado deve se lembrar da quantidade de quedas sofridas

143 v. 45, n. 4, p. 138-152 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

no último ano: se nenhuma queda, uma queda, duas ou mais quedas. Foi investigada a satisfação do idoso em relação ao serviço prestado na Estratégia de Saúde da Família (ESF), por meio de questões utilizadas no segundo ciclo do Programa de Melhoria e Avaliação da Qualidade. O idoso foi questionado se era bem recebido na UBS quando buscava o serviço, se quando atendido na unidade a equipe buscava resolver o problema/necessidade de saúde na própria UBS e se tinha acesso aos medicamentos prescritos pelo médico, como também se havia deixado de tomar algum medicamento por dificuldade financeira de comprá-lo.

Os dados foram armazenados e processados no software Statistics Package for Social Science (SPSS) versão 22.0 para Windows. A análise dos dados foi feita por meio de estatística descritiva com medidas de tendência central (média), de dispersão (desvio-padrão) e frequências absoluta e relativa para caracterização da amostra.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas (CEP Facisa – UFRN), conforme as determinações da Resolução n° 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que define as diretrizes e normas regulamentadoras que regem a pesquisa envolvendo seres humanos, conforme as suas recomendações. Nº do protocolo: 2.756.715.

RESULTADOS

Foram avaliados 109 idosos, a maioria na faixa etária de 65 a 69 anos (45,9%), sendo a média de idade 71,5 anos (± 5,5). Houve predomínio do sexo feminino (77,1%), com ensino fundamental incompleto (64,2%), renda familiar menor que dois salários mínimos (51,4%), casados (47,7%), de cor branca (46,8%) e praticantes de alguma religião (92,7%) ( Tabela 1 ).

Com relação aos hábitos de vida e às condições de saúde, a maioria dos idosos relatou não fumar (92,7%), não beber álcool (91,7%), não praticar atividade física (60,6%). Quanto às condições de saúde, a maior parte apresentou comorbidades (57,8%), não revelou déficits cognitivos (92,5%) e não houve presença de sintomatologia depressiva (80,7%). Ademais, os idosos relataram condição de saúde razoável em maior porcentagem (55%) e 35,8% dos idosos tiveram ocorrência de uma ou mais quedas no último ano (Tabela 2). No que tange à satisfação dos idosos em relação aos serviços de saúde, eles se mostraram bem satisfeitos com a forma como são recebidos na UBS (87,7%) e apontaram o serviço como resolutivo na maioria das vezes (86,2%) (Tabela 3).

144

Tabela 1 – Perfil sociodemográfico dos idosos atendidos nas UBS do município de Caicó (RN). Caicó, Rio Grande do Norte, Brasil – 2018

145 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
138-152
Variáveis N % Idade [M ± Dp =71,5 ± 5,5] 65 a 69 anos 50 45,9 70 a 74 anos 27 24,8 75 anos ou mais 32 29,3 Sexo Feminino 84 77,1 Masculino 25 22,9 Escolaridade Analfabeto 10 9,2 Fundamental incompleto 70 64,2 Fundamental completo 19 17,4 Médio incompleto/completo/ Superior ou mais 10 9,2 Renda familiar Menos de um salário mínimo 10 9,2 Um salário mínimo 26 23,9 Mais de um e menos de dois salários mínimos 20 18,3 Entre dois e quatro salários mínimos 52 47,7 Mais de quatro salários mínimos 1 0,9 Estado civil Solteiro 12 11,0 Casado 52 47,7 Separado 12 11,0 Viúvo 33 30,3 Cor autorreferida Amarela 6 5,5 Branca 51 46,8 Indígena 1 0,9 Negra 15 13,8 Parda 36 33,0 Religião Sim 101 92,7 Não 7 6,4 Não respondeu 1 0,9
Fonte:
Elaboração própria. M = Média; Dp = Desvio-padrão.

Tabela 2 – Caracterização dos hábitos de vida e condições de saúde dos idosos atendidos

nas UBS em Caicó (RN) (N = 109). Caicó, Rio Grande do Norte, Brasil – 2018

146
Variáveis N % Fuma Sim 8 7,3 Não 101 92,7 Consome álcool Sim 9 8,3 Não 100 91,7 Pratica atividade física Sim 43 39,4 Não 66 60,6 Frequência da prática Nenhum 66 60,6 Um a dois dias por semana 14 12,8 Três a quatro dias por semana 7 6,4 Cinco a seis dias por semana 18 16,5 Todos os dias 4 3,7 Déficit cognitivo (MEEM) Sim 8 7,5 Não 99 92,5 Sintomatologia depressiva Sim 21 19,3 Não 88 80,7 Percepção da saúde Excelente/muito boa 37 33,9 Razoável 60 55,0 Ruim 12 11,0 Presença de comorbidades Sim 63 57,8 Não 46 42,2 Utiliza cinco ou mais medicamentos Sim 22 20,2 Não 87 79,8 Desempenho físico TUG 0 a 10 seg. 36 33,0 11 a 20 seg. 63 57,8 Mais de 20 seg. 10 9,2 Ocorrência de quedas Sim 39 35,8 Não 70 64,2 Quantas quedas Nenhuma 70 64,2 Uma queda 30 27,5 Fonte: Elaboração própria. TUG = Time up and go test; seg. = segundos.

Caicó, Rio Grande do Norte,

DISCUSSÃO

Este estudo apresentou um perfil majoritário de mulheres (77,1%), em consonância com tendências observadas mundialmente, não sendo diferente no contexto brasileiro 16 Esse achado se relaciona ao processo de feminização da velhice, que reflete em maior longevidade das mulheres quando comparada aos homens em idades avançadas17,18. Na literatura específica, o termo male-female health-survival paradox tem sido utilizado para descrever o fenômeno em que mulheres experimentam maior expectativa de vida quando comparadas aos homens, além de maior taxa de deficiências e saúde mais precária19. Silva et al.17 desenvolveram um estudo em unidades de saúde da família e associaram esse fenômeno ao fato de as mulheres atuarem no mercado de trabalho em atividades com menor risco, apresentarem consumo de álcool e tabaco em menor índice e demonstrarem maiores cuidados em relação à saúde, utilizando mais os serviços de saúde. Além disso, aponta-se percentual maior de mortes por causas externas (acidentes e assassinatos) entre homens, cerca de 90%. No entanto, o predomínio do sexo feminino no que se refere aos cuidados em saúde está relacionado ao padrão de utilização dos serviços. As mulheres tendem a buscar mais as práticas de prevenção e os homens procuram mais os serviços de urgência e emergência20.

147 v. 45, n. 4, p. 138-152 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública Tabela 3 – Satisfação dos idosos em relação aos serviços públicos de saúde (N = 109).
Variáveis N % Como é recebido na UBS Bem/muito bem 88 80,7 Regular 13 11,9 Muito ruim/ruim 8 7,3 Resolução de problemas na UBS Na maioria das vezes/sempre 94 86,2 Nunca/quase nunca 15 13,8 Acesso a medicamentos Não soube responder 10 9,2 Compra com dinheiro próprio 39 35,8 Obtém no posto 22 20,2 Qualquer composição ou doação 38 34,9 Deixa de tomar algum medicamento por falta de dinheiro NA 12 11,0 Sim 11 10,1 Não 86 78,9 Fonte: Elaboração própria.
Brasil – 2018

Nesse contexto, o cenário atual exige atenção especial aos aspectos relacionados ao sexo feminino, buscando uma saúde efetiva e resolutiva à mulher idosa dentro da ESF, articulada com toda a rede de atenção21. Todavia, conforme a realidade, são necessárias também estratégias que favoreçam a adesão do público masculino às ações propostas pela Política Nacional de Saúde do Homem, contribuindo para melhor implementação e adesão à política16. Assim, ao reconhecer esse perfil dos idosos na APS, é possível organizar melhor a prática assistencial e estabelecer as prioridades conforme necessidades específicas da população.

No que se refere à idade, os resultados deste estudo apontaram predomínio de idosos na faixa etária entre 65 e 69 anos (45,9%), corroborando dados de pesquisas semelhantes nessa população na APS22,23. Verificou-se também que 64,2% dos idosos avaliados nesta pesquisa apresentaram ensino fundamental incompleto. Esse achado pode estar relacionado à dificuldade de acesso à escola até meados de 1950, problemática que se destacou nas regiões Norte e Nordeste do país, influenciando nos baixos níveis de escolaridade entre os idosos nessas regiões24,25. Ainda em relação ao perfil dos idosos entrevistados, a maioria afirmou viver em união estável (47,7%), se autodeclarou branca (46,8%) e praticante de alguma religião. Pesquisas destacam a presença de um companheiro como fator de apoio importante para diminuir o aparecimento de sintomatologia depressiva26, além disso, o envolvimento religioso também influencia positivamente no funcionamento mental25, portanto, ambos traduzem um suporte social e emocional para o idoso.

Quanto aos hábitos de vida, poucos idosos avaliados neste estudo demonstraram fazer uso de tabaco (7,3%) e álcool (8,3%), o que, de acordo com Barbosa et al.27, é esperado, pois esses costumes tendem a ser diminuídos ou interrompidos com o avançar da idade. Com relação à prática de atividade física, 60,6% relataram não praticar nenhum tipo de atividade. Contudo, os benefícios da prática de atividade física regular já são altamente conhecidos na literatura específica, sendo importante para a promoção da saúde e qualidade de vida dos idosos28,29. Assim, as equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) e da Atenção Básica (AB) podem contribuir para mudar essa realidade por meio da implementação de programas de atividade física e realização de atividade coletivas na comunidade, proporcionando ambientes favoráveis para os idosos e incentivando a realização de exercícios de forma continuada e direcionada.

No tocante às condições de saúde, a maior parte dos idosos entrevistados referiu comorbidades (57,8%), descritas como a presença de duas ou mais doenças crônicas. Nesse âmbito, Melo et al.30 relataram a presença de multimorbidade como uma condição comum em idosos, que pode ser influenciada por condições sociodemográficas, hábitos de vida e estrutura

148

familiar. No Brasil, a APS atua como ordenadora do cuidado em saúde com foco em ações de promoção e prevenção, bem como busca fornecer respostas efetivas para o tratamento de doenças crônicas por equipes multiprofissionais31. Assim, essas doenças crônicas e suas complicações têm causado aumento da busca pelos serviços de saúde, e este estudo realçou a satisfação dos idosos com os serviços prestados pelo sistema público de saúde, corroborando os achados da literatura32.

Esta pesquisa apresentou limitações quanto à amostra, realizada por conveniência e considerada pequena para estudos epidemiológicos, impondo cautela para a generalização dos resultados. Contudo, os resultados encontrados foram importantes e representativos, pois reforçam a necessidade de um olhar mais criterioso para os idosos dentro da APS, tendo em vista que as características e condições observadas neste estudo são sensíveis a esse nível de atenção e devem ser avaliadas. Segundo a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, é necessária a incorporação de uma avaliação multidimensional do idoso na APS33. Para tanto, a caderneta de saúde do idoso se configura como um importante instrumento de avaliação das condições de saúde, prevenção de agravos e eventos adversos, bem como orientações para promoção do envelhecimento ativo, porém sua implementação ainda não foi efetivada no território pesquisado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo teve como objetivo avaliar o perfil sociodemográfico, os hábitos de vida e a situação de saúde de idosos comunitários. A partir dos dados obtidos nesta pesquise, pôde-se verificar um perfil de idosos com as seguintes caraterísticas: maioria do sexo feminino, faixa etária entre 65 e 69 anos, baixo nível de escolaridade, renda familiar menor que dois salários mínimos, em união estável, brancos e praticantes de alguma religião. A maioria não consome bebidas alcoólicas e não fuma, não pratica atividade física e apresenta comorbidades. Os idosos deste estudo se mostraram satisfeitos com os serviços de saúde.

Esses achados podem contribuir para nortear possíveis ações a serem realizadas na APS e servir de base para construção e fortalecimento das políticas públicas de saúde voltadas para a pessoa idosa, que favoreçam o envelhecimento ativo, previnam ou amenizem os desfechos deletérios do processo de envelhecimento. Além disso, este estudo pode contribuir para elaboração e planejamento do cuidado integral ao idoso na Atenção Primária à Saúde. Diante do exposto, acreditamos que é necessário potencializar as atividades voltadas para esse público dentro da APS, incorporando avaliações multidimensionais e fortalecendo práticas interprofissionais voltadas às necessidades do idoso.

149 v. 45, n. 4, p. 138-152 out./dez. 2021

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Laize Gabriele, Ítala da Silva e Franciele Santos.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Laize Gabriele, Ítala da Silva, Frankly Eudes, Franciele Santos, Túlia Fernanda e Ana Carolina.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Laize Gabriele e Frankly Eudes.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Laize Gabriele.

REFERÊNCIAS

1. Veras RP, Oliveira M. Envelhecer no Brasil: a construção de um modelo de cuidado. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(6):1929-36.

2. Duarte YAO, Nunes DP, Andrade FB, Corona LP, Brito TRP, Santos JLF, et al. Fragilidade em idosos no município de São Paulo: prevalência e fatores associados. Rev Bras Epidemiol. 2018;21(Supl.2):e180021.

3. Podmelle RM, Zimmermann RD. Estilo de vida dos idosos do nordeste do Brasil: estudo comparativo. Rev Baiana Saúde Pública. 2019;43(2):425-43.

4. Nobre TTX, Oliveira KBA, Souza Neto VL, Mendonça AEO, Torres GV. Características sociodemográficas e condições de saúde de idosos de um município do interior do Nordeste/Brasil. Rev Baiana Saúde Pública. 2015;39(3):542-51.

5. Oliveira NR, Porto EF. Perfil sociodemográfico, de saúde e hábitos de estilo de vida de idosos longevos de um município do interior da Bahia. Res Soc Dev. 2021;10(3):e33810312839.

6. Bezerra PCL, Santos EMA. Perfil sociodemográfico e situação de saúde de idosos acompanhados na Atenção Primária à Saúde em uma capital da Amazônia Ocidental. Rev Kairós. 2020;23(1):451-69.

7. Placideli N, Castanheira ERL, Dias A, Silva, PA, Carrapato JLF, Sanine PR, et al. Avaliação da atenção integral ao idoso em serviços de atenção primária. Rev Saúde Pública. 2020;54:6.

8. Rocha ACD, Sousa CPC, Queiroz D, Pedraza DF. Atenção básica à saúde: avaliação de estrutura e processo. Rev Adm Saúde. 2012;14(55):71-9.

9. Souza TO. Em busca de uma nova prática: o desafio do envelhecimento saudável. In: Guedes DT, Sousa ACPA, Guerra RO, editores. Avaliação da mobilidade e capacidade funcional em idosos na prática clínica. João Pessoa (PB): Ideia; 2013. p. 9-16.

150

10. Corgozinho JNC, Ferreira PHC, Lucas TC. Perfil sociodemográfico e clínico dos idosos atendidos em uma instituição filantrópica no interior de Minas Gerais. REME Rev Min Enferm. 2019;23:e-1212.

11. Sousa ACPA, Dias RC, Maciel ACC, Guerra RO. Frailty syndrome and associated factors in community dwelling elderly in Northeast Brazil. Arch Gerontol Geriatr. 2012;54(2):e95-e101.

12. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Brasil / Rio Grande do Norte / Caicó [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): IBGE; 2020. [citado em 2020 jul 14]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rn/caico/panorama.

13. Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestões para o uso do mini-exame do estado mental no Brasil. Arq Neuro-Psiquiatr. 2003;61(3B):777-81.

14. Almeida OP, Almeida SA. Confiabilidade da versão brasileira da Escala de Depressão em Geriatria (GDS) versão reduzida. Arq Neuro-Psiquiatr. 1999;57(2B):421-6.

15. Shumway-Cook A, Brauer S, Woollacott M. Predicting the probability for falls in community-dwelling older adults using the Timed Up & Go Test. Phys Ther. 2000;80(9):896-903.

16. Rocha MDHA, Sousa MIB, Cavalcante PAM, Rocha PFA, Santos SCC, Mariano WS. Saúde da mulher e do homem idoso na contemporaneidade: abordagens fisiológicas e sociais. J Business Techn. 2019;11(3):72-80.

17. Silva PAB, Santos FC, Soares SM, Silva LB. Perfil sociodemográfico e clínico de idosos acompanhados por equipes de Saúde da Família sob a perspectiva do gênero. Rev Pesqui. 2018;10(1):97-105.

18. Cepellos VM. Feminização do envelhecimento: um fenômeno multifacetado muito além dos números. Rev Adm Empres. 2021;61(2):1-7.

19. Gordon EH, Peel NM, Hubbard RE. The male-female health-survival paradox in hospitalised older adults. Maturitas. 2018;107:13-8.

20. Gutmann VLR, Santos D, Silva CD, Vallejos CCC, Acosta DF, Mota MS. Motivos que levam mulheres e homens a buscar as unidades básicas de saúde. J Nurs Health. 2022;12(2):e2212220880.

21. Campos VS, Araújo PO, Araújo BO, Assis MMA, Araújo EGO. Saúde da mulher idosa: resolubilidade do cuidado na estratégia saúde da família. Braz J Dev. 2020;6(12):98787-802.

22. Rêgo AS, Rissardo LK, Scolari GAS, Sanches RCN, Carreira L, Radovanovic CAT. Fatores associados ao atendimento a idosos por condições sensíveis à Atenção Primária à Saúde. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017;20(6):778-89.

151 v. 45, n. 4, p. 138-152 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

23. Sousa FJD, Gonçalves LHT, Paskulin LGM, Gamba MA. Perfil sociodemográfico e suporte social de idosos na atenção primária. Rev Enferm UFPE On Line. 2018;12(4):824-31.

24. Travassos GF, Coelho AB, Arends-Kuenning MP. The elderly in Brazil: demographic transition, profile, and socioeconomic condition. Rev Bras Estud Popul. 2020;37:1-27.

25. Margaça C, Rodrigues D. Religiosidade e funcionamento mental em idosos portugueses: uma perspetiva sociopsicológica. Psicol Teor Pesqui. 2021;37:e37219.

26. Trindade FM, Castro FF. Condições de saúde do idoso, de uma unidade básica de saúde de Parintins Amazonas [Internet]. Manaus (AM): Universidade do Estado do Amazonas; 2017. [citado em 2022 dez 13]. Disponível em: http://repositorioinstitucional.uea.edu.br/bitstream/riuea/760/1/Condi%C3% A7%C3%B5es%20de%20sa%C3%BAde%20do%20idoso%2C%20de%20 uma%20unidade%20b%C3%A1sica%20de%20sa%C3%BAde%20de%20 Parintins%20Amazonas..pdf.

27. Barbosa MB, Pereira CV, Cruz DT, Leite ICG. Prevalência e fatores associados ao consumo de álcool e de tabaco em idosos não institucionalizados. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2018;21(2):125-35.

28. Moura CRB, Alves WS, Macêdo JLC, Silva AM, Mota OS, Riedel TL, et al. A melhora da qualidade de vida e os benefícios da atividade física em idosos: uma revisão sistemática. Braz J Hea Rev. 2020;3(4):10381-93.

29. Santana JC, Aoyama EA. A prática da atividade física para melhoria da qualidade de vida no processo do envelhecimento. ReBIS. 2020;2(2):84-8.

30. Melo LA, Braga LC, Leite FPP, Bittar BF, Oséas JMF, Lima KC. Factors associated with multimorbidity in the elderly: an integrative literature review. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2019;22(1):e-180154.

31. Braga VAS, Jesus MCP, Conz CA, Silva MH, Tavares RE, Merighi MAB. Atuação de enfermeiros voltada para a obesidade na Unidade Básica de Saúde. Revista Brasileira de Enfermagem. 2020;73(2):e20180404.

32. Ferreira ES, Castro LC, Silva LD, Silva NC, Barreto SCS, Alencar MSS. Satisfação dos idosos em relação ao serviço público de saúde: uma revisão integrativa de literatura. Res Soc Dev. 2020;9(6):e196963502.

33. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.528 de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Brasília (DF); 2006.

Recebido: 6.4.2021. Aprovado: 29.11.2022.

152

ARTIGO DE REVISÃO

O USO DE FITOTERÁPICOS NO TRATAMENTO DO DIABETES MELLITUS:

UMA REVISÃO DA LITERATURA

Carina Maria Dalmonech Loterio Leala

https://orcid.org/0000-0003-4299-6662

Natalia Salvador de Sousa Damacenob

https://orcid.org/0000-0002-2245-448X

Vitor Realli Gaspar Cuzzuolc

https://orcid.org/0000-0002-3131-4032

Késia Alves Gomes Rosettid

https://orcid.org/0000-0001-9368-9211

Resumo

No Brasil, aproximadamente 9,1 milhões de pessoas são portadoras de diabetes mellitus, uma doença proveniente de falhas nos mecanismos metabólicos e que tem por consequência a hiperglicemia e várias outras complicações. Entre os programas ofertados pelo Sistema Único de Saúde para o seu controle, destaca-se a fitoterapia, que vem se mostrando bastante eficaz, conforme evidenciam os resultados de diferentes estudos. Por meio deste artigo de revisão, propõe-se conhecer e analisar a produção científica publicada acerca do uso de fitoterápicos e plantas medicinais no tratamento do diabetes mellitus. Para tal, optou-se pela realização de um estudo bibliográfico, em que foram analisadas publicações a partir de 1990. As plantas que obtiveram resultados positivos em diversos estudos foram as espécies: Bauhinia forficata (pata-de-vaca), Syzygium cumini (jamelão), Sphagneticola trilobata (insulina), Cissus sicyoides L (insulina vegetal), carqueja, tintura de mororó, Stevia rebaudiana, Chrysobalanus icaco Lin (abajeru), Myrcia multiflora (pedra-ume-caá) e epicarpo da romã

As evidências acerca dos benefícios proporcionados pelo uso das plantas medicinais corrobo -

a Acadêmica de Enfermagem na Faculdade Multivix. Vitória, Espírito Santo, Brasil. E-mail: carina_mariadalmonech@hotmail.com

b Acadêmica de Enfermagem na Faculdade Multivix. Vitória, Espírito Santo, Brasil. E-mail: nataliassdamaceno@gmail.com

c Acadêmico de Enfermagem na Faculdade Multivix. Bolsista pelo Programa Universidade para Todos (Prouni). Vitória, Espírito Santo, Brasil. E-mail: vitorgcuzzuol@hotmail.com

d Enfermeira. Mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP). Docente na Faculdade Multivix. Vitória, Espírito Santo, Brasil E-mail: alves.kesia@gmail.com

Endereço para correspondência: Rua Cristóvão Colombo, n. 157, bloco 8, ap. 106. São Diogo II. Serra, Espírito Santo, Brasil. CEP: 29163-172. E-mail: nataliassdamaceno@gmail.com

153 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021 153
Revista Baiana de Saúde Pública
153-167
DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3351

ram a necessidade de investimento para sua utilização adequada e melhoria da qualidade de vida do paciente diabético.

Palavras-chave: Diabetes mellitus. Fitoterápicos. Plantas medicinais. Sistema Único de Saúde.

USE OF PHYTOTHERAPEUTIC DRUGS IN DIABETES MELLITUS TREATMENT: A LITERATURE REVIEW

Abstract

In Brazil, approximately 9.1 million people live with diabetes mellitus (DM), a disease that results from failures in metabolic mechanisms and leads to hyperglycemia and several other complications. Among the programs provided by the Unified Health System for DM control, phytotherapy stands out as quite effective, as reported by different studies. Thus, this literature review proposes to examine and analyze the scientific production published on the use of herbal medicines and medicinal plants in treating diabetes mellitus. To this end, articles published starting from 1990 were analyzed. The plants Bauhinia forficata (cow’s foot), Syzygium cumini (jamelão), Sphagneticola trilobata (insulin), Cissus sicyoides L (vegetable insulin), gorse, Mororó tincture, Stevia rebaudiana, Chrysobalanus icaco Lin (abajeru), Myrcia multiflora (rock-hume-caá), and pomegranate Epicarp obtained positive results in several studies. Evidence on the benefits provided by medicinal plants corroborates the need for investment aimed at proper phytotherapy and at improving the quality of life of diabetic patients.

Keywords: Diabetes mellitus. Phytotherapeutic drugs. Medicinal plants. Unified Health System.

EL USO DE MEDICAMENTOS A BASE DE HIERBAS EN EL TRATAMIENTO DE LA DIABETES MELLITUS:

UNA REVISIÓN DE LA LITERATURA

Resumen

En Brasil, aproximadamente 9,1 millones de personas tienen diabetes mellitus, una enfermedad causada por fallas en los mecanismos metabólicos y que resultan en hiperglucemia y varias otras complicaciones. Entre los programas que ofrece el Sistema Único de Salud para su control, se destaca la fitoterapia, que ha demostrado ser bastante eficaz, como lo demuestran los resultados de diferentes estudios. A través de este artículo de revisión se propone conocer y analizar la producción científica publicada sobre el uso de hierbas y plantas medicinales en el tratamiento de la diabetes mellitus. Para ello, se decidió realizar un estudio bibliográfico, donde se analizaron

154

publicaciones de 1990. Las plantas que obtuvieron resultados positivos en varios estudios fueron las especies: Bauhinia forficata (pata-de-vaca), Syzygium cumini (jamelão), Sphagneticola trilobata (insulina), Cissus sicyoides L (insulina vegetal), tojo, tintura de Mororó, Stevia rebaudiana, Chrysobalanus icaco Lin. (abajeru), Myrcia multiflora (Piedra-hume-caá) y Epicarpio de la granada. La evidencia sobre los beneficios que brinda el uso de plantas medicinales corrobora la necesidad de inversión para su adecuado uso y mejora de la calidad de vida del paciente diabético.

Palabras clave: Diabetes mellitus. Hierbas medicinales. Plantas medicinales. Sistema Único de Salud.

INTRODUÇÃO

O diabetes mellitus (DM) é uma doença crônica decorrente de um conjunto de distúrbios metabólicos e tem como centro da patologia a hiperglicemia, ocasionando falhas na ação e/ou secreção de insulina1.

De acordo com a última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), aproximadamente 6,2% da população brasileira acima dos 18 anos têm DM, o que diz respeito a 9,1 milhões de pessoas². O que poucos sabem é que as plantas medicinais e os fitoterápicos podem ser grandes aliados no tratamento e no controle de doenças crônicas como o DM – fato já comprovado cientificamente, principalmente para aqueles pacientes que não conseguem manter os valores adequados dos níveis de glicose sanguínea3

A essência da fitoterapia é o uso das plantas medicinais em distintas apresentações farmacêuticas, seja na utilização tópica ou no formato de cápsula, por exemplo, mas em hipótese alguma isolando substâncias ativas, mesmo sendo de origem vegetal4.

Ao longo de séculos, as plantas medicinais foram a base da medicina tradicional, o conhecimento sobre essa prática não se disseminou, muito pelo contrário, foi passado sucessivamente de geração em geração5. Nos dias de hoje, seus derivados também são utilizados pela medicina contemporânea, a citar como exemplo o ópio, atropina, cafeína, quinina e tantos outros fármacos que são incorporados de fonte vegetal6

Dessa forma, a Organização Mundial da Saúde (OMS) vem estimulando os estadosmembros à prática da medicina complementar ajustada aos sistemas de saúde com as técnicas da medicina moderna e recomenda, ainda, a amplificação de políticas nacionais que objetivem o benefício, a eficácia, a segurança, a qualidade e o uso de forma acessível dos produtos disponibilizados7

No Brasil, essa inclusão inicia a partir da década de 1980, com a criação e fundação do Sistema Único de Saúde (SUS), obtendo forças após a descentralização dos estados e municípios, agora com mais autonomia na formatação de políticas próprias em saúde, implementando experiências pioneiras4.

As experiências socioculturais levam as pessoas ao conhecimento empírico sobre a utilização de recursos fitoterápicos no dia a dia. É notório que muitos já ouviram, em algum momento da vida,

155 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
153-167

alguém dizer que o suco de maracujá é bom para acalmar pessoas nervosas e que o chá de boldo é bom para dor abdominal e enjoo. Esse tipo de conhecimento, adquirido de forma empírica, é explicado pela ciência, que expõe, por meio das propriedades de cada planta, os efeitos benéficos para cada finalidade terapêutica8

Apesar da criação de políticas públicas que dizem respeito ao uso consciente e seguro desses recursos naturais, não é suficiente para afastar dos usuários o pensamento errôneo de que esses produtos, por serem naturais, não apresentam risco à saúde. Sabe-se que o uso excessivo ou o uso de plantas inapropriadas para consumo podem acarretar efeitos indesejáveis à saúde, portanto, é imprescindível o conhecimento sobre as indicações, posologia e preparo dessas plantas, a fim de preservar a integridade da saúde de quem consome, bem como a eficiência da terapêutica9

O Brasil tem um acervo muito rico de plantas medicinais. A fitoterapia vem sendo abordada em uma vertente crescente, de modo que políticas e propostas estão sendo elaboradas ao longo dos anos, assim como estudos científicos que comprovam a eficácia sobre a utilização das plantas e seus princípios ativos10.

Contudo, embora exista conteúdo teórico que defenda o uso de plantas medicinais e fitoterápicos, ainda existe um déficit de material teórico que objetive explorar não apenas essa vertente alternativa, mas, sobretudo, o uso adequado desse recurso para obter sucesso na melhora clínica, no controle e no tratamento do DM, capaz de trazer informações e capacitar acadêmicos, profissionais da saúde e a população de modo geral.

Diante do exposto, este trabalho se propõe a conhecer e analisar a produção científica publicada acerca do uso de fitoterápicos e plantas medicinais no tratamento do DM, descrevendo a introdução das plantas medicinais como medida complementar na restauração da saúde na atenção básica e tendo como foco a promoção da utilização consciente, eficaz e segura das plantas medicinais e dos fitoterápicos por meio da informação – a valorizar a prática da medicina complementar e, sobretudo, a utilização de plantas medicinais e fitoterápicos no controle do DM, discorrendo sobre as espécies utilizadas no controle do DM, viáveis intoxicações e manejo dessa prática complementar.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de uma revisão bibliográfica de caráter exploratório e descritivo, visando descrever os benefícios da utilização de plantas medicinais e fitoterápicos no tratamento do DM.

De acordo com Gil, a revisão bibliográfica tem como base o desenvolvimento em cima de materiais já elaborados, mudando a fonte de pesquisa¹¹. O material explorado na pesquisa bibliográfica é constituído basicamente por artigos científicos e livros, já para a pesquisa documental, são utilizados como fontes de pesquisas: cartas, documentos governamentais, entre outros. O mesmo autor ainda afirma que a metodologia exploratória tem o intuito de proporcionar familiaridade do leitor com a

156

problematização e com o tema da pesquisa, com o objetivo de torná-lo mais claro, aperfeiçoando as ideias¹¹. Contudo, as pesquisas descritivas têm como finalidade a descrição das características de determinada população ou fenômeno, estabelecendo também uma relação entre elas¹².

Foram avaliados os artigos publicados a partir do ano de 1990, extraídos das bases de dados por meio de buscas nos portais Google Scholar, Pubmed, BVS (Scielo, Medline, Lilacs, Bedenf). Além disso, foram consultados livros da biblioteca da Faculdade Multivix, livros retirados de sites online, cartilhas e documentos retirados de sites governamentais. Os descritores utilizados foram: Diabetes Mellitus AND Plantas Medicinais AND Ervas Medicinais AND Diabetes AND Fitoterápicos AND Programas Nacionais de Saúde.

Os critérios de inclusão são publicações a partir de 1990, de língua portuguesa, inglesa e espanhola, artigos, livros, teses, dissertações, cartilhas oficiais, documentos do governo, monografias e anais de congressos. Optou-se pelo recorte temporal a partir de 1990 devido ao marco que o ano representa no que tange à criação do SUS.

Os critérios de exclusão são publicações antes de 1990, que não abordem a temática da pesquisa e publicações sem acesso aberto.

RESULTADOS

A amostra deste estudo foi composta de 102 artigos. Entre eles, destacaram-se as espécies Bauhinia forficata (pata-de-vaca), Syzygium cumini (jamelão), Sphagneticola trilobata (insulina), Cissus sicyoides L (insulina vegetal), Baccharis trimera (carqueja), Bauhinia ungulata L (tintura de mororó), Stevia rebaudiana, Chrysobalanus icaco Lin (abajeru), Myrcia multiflora (pedra-ume-caá) e Punica granatum (epicarpo da romã), sendo todas colocadas como coadjuvantes no tratamento do DM. Seguem, no Quadro 1, os principais artigos utilizados que abordam a temática e, em seguida, no Quadro 2, apresentam-se as revistas, cartilhas e outros documentos de relevância.

Quadro 1 – Artigos de relevância sobre a temática. Vitória, Espírito Santo, Brasil – 2020

ARTIGO 1

Citação: Defani MA, Barbosa TK, Rossi SDL, Nascimento RDC. Utilização das Plantas Medicinais por Diabéticos do Município de Goioerê – PR. Saúde Pesqui. 2011;4(2):223-31.

Título: Utilização das Plantas Medicinais por Diabéticos do Município de Goioerê–PR

Objetivo: o trabalho se propôs a conhecer quais plantas medicinais a população diabética do município de Goioerê utiliza como recurso terapêutico.

Metodologia: realizado pesquisa bibliográfica. Foram aplicados cem questionários estruturados e todos os dados foram transformados em porcentagem.

Conclusão: a população que utiliza as plantas medicinais e tem bons resultados no controle glicêmico e nas complicações causadas por essa síndrome metabólica.

Idioma: português.

157 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
153-167
(continua)

Quadro 1 – Artigos de relevância sobre a temática. Vitória, Espírito Santo, Brasil – 2020 (continua)

ARTIGO 2

Citação: Feijó AM, Bueno MEN, Ceolin T, Linck CL, Schwartz E, Lange C, et al. Plantas medicinais utilizadas por idosos com diagnóstico de Diabetes mellitus no tratamento dos sintomas da doença. Rev Bras Pl Med. 2012;14(1):50-6.

Título: Plantas medicinais utilizadas por idosos com diagnóstico de Diabetes mellitus no tratamento dos sintomas da doença

Objetivo: investigar as plantas medicinais utilizadas por idosos assistidos em uma Unidade Básica de Saúde de Pelotas-RS.

Metodologia: caracterizou-se por pesquisa qualitativa. Foi aplicado um questionário semi-estruturado, com questões abertas, em visitas domiciliares agendadas por telefone, aos 18 idosos do estudo.

Conclusão: considera-se importante a realização de estudos farmacológicos que investiguem os efeitos das plantas utilizadas pela população e incentivar meios de educação do uso correto e seus reais benefícios.

Idioma: português.

ARTIGO 3

Citação: Zaccaron C, Rempel C, Strohschoen AAG, Dal Bosco SM, Moreschi, C. Efeito da planta medicinal Bauhinia forficata (Link) nos indivíduos diabéticos tipo 2. ConsSaúde. 2014;13(2):171-8.

Título: Efeito da planta medicinal Bauhinia forficata nos indivíduos diabéticos tipo 2

Objetivo: relacionar os níveis de glicemia, pressão arterial e medidas antropométricas de portadores de DM tipo 2 que utilizam chá da planta medicinal Bauhinia forficata

Metodologia: participaram dois grupos: controle e teste. No primeiro e último encontro, tomaram-se as medidas antropométricas e, quinzenalmente, durante 180 dias.

Conclusão: os dados demonstraram eficácia desta planta medicinal para tratamento do Diabetes Mellitus tipo 2.

Idioma: português.

ARTIGO 4

Citação: Pepato MT, Baviera AM, Vendramini RC, Brunetti IL. Evaluation of toxicity after one-month treatment with Bauhinia forficata decoction in streptozotocin-induced diabetic rats. BMC Complement Med Ther. 2004;4(7):1-7.

Título: Evaluation of toxicity after one-month treatment with Bauhinia forficata decoction in streptozotocin-induced diabetic rats

Objetivo: descobrir se o uso de B. forficata tem efeitos tóxicos no fígado, músculo ou pâncreas ou na microcirculação renal.

Metodologia: um grupo experimental de ratos normais e diabéticos com estreptozotocina recebeu uma decocção aquosa de folhas frescas de B. forficata (150 g/L) por via oral por 33 dias.

Conclusão: a administração de uma decocção aquosa de B. forficata é um tratamento potencial para diabetes e não produz efeitos tóxicos mensuráveis com os marcadores enzimáticos usados em nosso estudo.

Idioma: inglês.

158

Quadro 1 – Artigos de relevância sobre a temática. Vitória, Espírito Santo, Brasil – 2020

ARTIGO 5

Citação: Damasceno DC, Volpato GT, Calderon IDMP, Aguilar R, Cunha Rudge MVR. Effect of Bauhinia forficata extract in diabetic pregnant rats: maternal repercussions. Phytomedicine. 2004;4(2):196-201.

Título: Effect of Bauhinia forficata extract in diabetic pregnant rats: maternal repercussions.

Objetivo: determinar as repercussões do diabetes no sistema de defesa contra o estresse oxidativo em ratas grávidas e caracterizar a influência do tratamento com extrato de Bauhinia forficata

Metodologia: ratas fêmeas foram injetadas com estreptozotocina antes do acasalamento. A administração oral de um extrato aquoso de folhas de Bauhinia forficata foi administrada às ratas.

Conclusão: observou-se aumento do glicogênio hepático, diminuição da concentração de ácido úrico e aumento da atividade de GSH. Este último fato sugere que a planta pode ter alguma ação no sistema de defesa antioxidante.

Idioma: inglês.

ARTIGO 6

Citação: Santos APAD, Rieder A. Análise de objetivos e conclusões de estudos com nove plantas usadas para o controle de diabetes em Mato Grosso. Rev Fitos. 2016;10(4):383-96.

Título: Análise de objetivos e conclusões de estudos com nove plantas usadas para o controle de diabetes em Mato Grosso

Objetivo: o trabalho analisa os objetivos e conclusões de estudos sobre nove plantas medicinais usadas na terapia do diabetes, no estado de Mato Grosso.

Metodologia: os estudos foram recuperados na internet, por meio das ferramentas de buscas e foram aproveitados 208 artigos.

Conclusão: Nas espécies pesquisadas houve constatação de uso popular para a diabetes, a potencialização da insulina, o efeito na cicatrização de feridas e a constatação do efeito hipoglicemiante.

Idioma: português.

Fonte: Elaboração própria.

Quadro 2 – Documentos de relevância sobre a temática. Vitória, Espírito Santo, Brasil – 2020

DOCUMENTO 1

Citação: Bragança LAR. Plantas Medicinais Antidiabéticas: uma abordagem multidisciplinar. Niterói (RJ): EDUFF; 1996.

Título: Plantas medicinais antidiabéticas: uma abordagem multidisciplinar

Modelo: revista científica.

Objetivo: fornecer uma valiosa contribuição científica, com um desafio para que todos os que lidam nesta área se engajem na luta para que possamos alcançar uma ou mais alternativas terapêuticas, utilizando plantas medicinais.

Conclusão: existe muito a ser esclarecido sobre as diversas espécies brasileiras antidiabéticas. Devemos ressaltar que a maioria dos ensaios pré-clínicos, que comprovaram o efeito hipoglicemiante, não tiveram continuidade com a observação dos efeitos da planta sobre seres humanos. Por outro lado, algumas pesquisas com pacientes diabéticos necessitam de complementação com estudos toxicológicos.

Idioma: português.

159 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
153-167
(conclusão)
(continua)

DOCUMENTO 2

Citação: Marques GS, Rolim LA, Alves LDS, Silva CCAR, Soares LAL, Rolim-Neto PJ. Estado da arte de Bauhinia forficata como alternativa terapêutica para o tratamento do Diabetes mellitus. Rev Ciênc Farm Básica Apl. 2013;34(3):313-20.

Título: Estado da arte de Bauhinia forficata como alternativa terapêutica para o tratamento do Diabetes mellitus

Modelo: periódico de revisão.

Objetivo: apresentar uma revisão sobre os aspectos botânicos, químicos, farmacológicos e toxicológicos de B. forficata

Conclusão: verificou-se que o amplo emprego da espécie B. forficata no tratamento terapêutico do Diabetes Mellitus se encontra pautado em uma pluralidade de estudos científicos com diferentes modelos experimentais, sendo a propriedade antidiabética atribuída à presença dos glicosídeos canferólicos e quercetínicos presentes nas folhas.

Idioma: português.

DOCUMENTO 3

Citação: Vizzotto M, Fetter MDR. Jambolão: o poderoso antioxidante. Cultivar. 2009:1-2.

Título: Jambolão: o poderoso antioxidante

Modelo: cartilha.

Idioma: português.

Fonte: Elaboração própria.

De acordo com a pesquisa de Defani et al.13, plantas medicinais, como pata-de-vaca, carqueja e tintura de mororó, que foram utilizadas pelos portadores de DM participantes do estudo, demonstraram efeitos considerados ‘bons’ para a maioria, ocasionando a baixa do índice glicêmico e melhora no estado geral dos pacientes.

Corroborando sua pesquisa, Feijó et al. também relataram efeito positivo em pacientes diabéticos que fizeram o uso de plantas medicinais, onde as mais citadas foram Sphagneticola trilobata (insulina), Bauhinia spp. (pata-de-vaca) e Syzygium cumini (Jambolão), sendo que todas causam efeito hipoglicemiante14.

Em estudo realizado com pacientes diabéticos do tipo 2, foi observado e comprovado que a planta medicinal Bauhinia forficata, popularmente conhecida como pata-de-vaca, foi associada ao tratamento da patologia e teve resultado significativo, no qual foi verificado que o grupo que fez o uso da planta como adjuvante no tratamento mostrou redução no nível glicêmico15.

Pepato et al. demonstram, em seus estudos, o efeito hipoglicemiante dessa leguminosa, especialmente em modelos animais com diabetes induzido16. Uma pesquisa realizada em ratos diabéticos demonstrou a diminuição da glicemia e da glicosúria na população, onde era administrado o decocto da planta. De acordo com Bragança, ela atua na regularização da glicemia na urina6.

160
Quadro 2 – Documentos de relevância sobre a temática. Vitória, Espírito Santo, Brasil – 2020 (conclusão)

Outro estudo realizado em ratas prenhas provou a diminuição dos níveis glicêmicos, cujos valores estavam modificados devido às alterações hormonais, bem como o aumento de progesterona e estrogênio durante o período de gravidez17

Foram realizados uma diversidade de estudos com diferentes experimentos, onde foi comprovado que a propriedade antidiabética da Bauhinia forficata vem da presença dos glicosídeos canferólicos e quercetínicos existentes em suas folhas, porém ainda está sendo investigado de forma mais aprofundada o mecanismo de ação da planta18

Soma-se para relevância desses resultados a pesquisa realizada por Santos et al com pacientes do sexo masculino e feminino, com idade entre 30 e 59 anos, diabéticos tipo 2 e intolerantes a glicose, em um período de 21 meses, em que foi administrado o “chá” das folhas da Cissus sicyoides L, popularmente conhecida como insulina vegetal19. A pesquisa consistiu em duas etapas: a primeira foi feita uma avaliação glicêmica desses pacientes em jejum, nos tempos 0, 1, 2 e 3 horas, durante três dias consecutivos. Após esse período, os pacientes foram orientados a verificar a glicemia nesses mesmos tempos e ingerir o chá após a verificação glicêmica. A pesquisa concluiu que o chá das folhas de Cissus sicyoides teve efeito hipoglicemiante significativo, em sua maior parte, aos 120 minutos, porém não houve aumento da insulinemia além da fisiológica, sugerindo que esse efeito não ocorreu por liberação ou secreção da planta.

No estudo elaborado por Santos et al., foram avaliadas 15 plantas. A Stevia Rebaudiana se destacou no tratamento do diabetes por atuar na diminuição da expressão do gene Pepck (o qual codifica a proteína fosfoenolpiruvato carboxiquinase) no fígado, diminuindo, portanto, a gliconeogênese, restaurando as estruturas das células-β e a ação no sistema de transporte, carregando glicose para o músculo esquelético20. A planta é utilizada em diversos países como substituta não calórica e com baixo risco de hipoglicemia.

Na pesquisa de Bragança, a Chrysobalanus icaco Lin (abajeru), planta comum no litoral fluminense, em especial da Região dos Lagos, foi capaz de reduzir a glicemia média dos pacientes em 12,61%, bloqueando a absorção intestinal de glicose6. Foram identificadas também outras plantas com o mesmo mecanismo de ação, sendo elas: as folhas de Myrcia multiflora (pedra-ume-caá) e o epicarpo da romã.

O autor ainda cita a Syzygium cumini (Jambolão), que é uma planta comum de ser encontrada em diversos estados, como Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, onde inúmeras pesquisas realizadas relatam um positivo efeito hipoglicemiante.

A lanta também é utilizada no combate a hemorragias, disenterias, perturbações do estômago e para o tratamento de úlceras crônicas da pele6.

161 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
153-167

Vizzotto et al. também afirmam a ação antidiabética do Jambolão, vinda de suas folhas, regulando os níveis glicêmicos, se assemelhando às ações da insulina e causando influências no metabolismo e estoque de glicogênio hepático21.

DISCUSSÃO

A flora brasileira é a maior e mais rica em biodiversidade quando comparada a outros países. Ao longo dos anos, foram instituídos documentos que motivam a utilização dos fitoterápicos e plantas medicinais na atenção básica de saúde7, até que, em 2006, por meio do Decreto 5.813, foi implementada a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Assim, foi então criado o Programa Nacional de Fitoterápicos e Plantas Medicinais e o Comitê Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Dessa forma, por meio da Portaria Interministerial 2.960, de 2008, foi estabelecida como uma de suas diretrizes o acesso de modo seguro, racional e sustentável das plantas medicinais e fitoterápicos22.

Nesse sentido, a fitoterapia tem por finalidade resgatar a cultura da utilização das plantas na prevenção e restauração da saúde, além de se espelhar na atenção humanizada e na criação de vínculo do profissional com o paciente e da natureza com o ser humano4.

O conhecimento cultural da região implica na utilização dos meios disponíveis em prol da promoção da saúde, buscando metodologias que liguem as práticas tradicionais às práticas de saúde no SUS, especificamente na atenção básica, onde os programas de atenção à comunidade, como a estratégia de saúde da família (ESF), que possibilitam que profissionais estejam mais próximos ao paciente, onde podem utilizar desses recursos culturais como uma opção complementar para manutenção da saúde23 e, no caso do DM, por meio da fitoterapia para o controle glicêmico.

Compreende-se ainda que a inserção dessa prática nas unidades básicas tem propósito não somente de restauração, manutenção e prevenção da saúde da população, mas também causa efeitos na esfera econômica, uma vez que não é necessário o isolamento de substâncias ativas para se obter uma terapêutica eficaz. Sendo assim, facilita também o acesso aos usuários devido ao custo-benefício24

Apesar de se tratar de um produto de origem vegetal, portanto um produto natural, é necessário que se tenha uma utilização responsável. Por isso, a promoção do conhecimento e encorajamento do uso inequívoco das plantas medicinais é de essencial importância, levando em consideração que o uso desse recurso é uma prática cultural bastante enraizada na sociedade, que muitas vezes faz uso sem as preocupações e os cuidados, quanto a forma de preparo, posologia, parte da planta adequada para o consumo e outras condicionantes que garantem a eficácia da terapêutica4.

A Medicina baseada em evidências, onde as evidências científicas são associadas à prática clínica, tem sido uma grande aliada aos tratamentos com fitoterápicos, por permitir

162

uma avaliação crítica de sua funcionalidade, potencializando seus benefícios, diminuindo riscos e proporcionando maiores chances de um tratamento eficaz ao paciente25,26.

Sendo um dos principais fatores de risco para agravos de doenças cardiovasculares e para outras doenças, o DM representa um problema grave de saúde pública, em que mais da metade dos casos podem ser cuidados na atenção básica da saúde. Nesse sentido, é extremamente importante a implementação de medidas que visem minimizar os números e agravos da doença na rede básica27. Dessa maneira, as plantas medicinais vêm sendo examinadas e enunciadas como assessoras no tratamento do DM e/ou amenizando sinais e sintomas e prováveis complicações. Em sua maioria, as plantas antidiabéticas utilizadas popularmente possuem efeitos hipoglicemiantes e elementos químicos capazes de serem utilizados para criar novos fármacos hipoglicemiantes. Os fatores que levam determinadas plantas a possuírem esses efeitos são variados, podendo ser desde o estímulo das células beta pancreáticas até ao consumo de glicose nos tecidos e órgãos28.

Estudos realizados em diversas plantas antidiabéticas resultaram nas descobertas de elementos responsáveis pelos efeitos hipoglicemiantes das plantas, como proteínas, alcalóides, polissacarídeos, flavonóides, esteróides e terpenóides6 A citar como exemplo a Bauhinia forficata, conhecida popularmente como pata-de-vaca, que é uma das plantas nomeadas pelo Ministério da Saúde no tratamento do DM, apresenta efeitos hipoglicemiante, diurético, purgativo e tônico renal, sendo caracterizada pelo efeito moderador da glicemia, particularmente em portadores de diabetes mellitus29.

As formas de preparo e utilização variaram de acordo com a situação de saúde do paciente, porém se mostraram principalmente por meio de chás e outras formas, desde cascas colocadas de molho na água, sumo, cozimento, melado (xarope), inalação e infusão até o uso das partes vegetais in natura30

Dos modos de uso, temos o uso oral, que está associado especialmente ao chá, prescrito em 87,3% das citações de uso, utilizados por meio do cozimento ou em conserva. Já o uso tópico é utilizado por meio de massagens, fricções e emplastros, e o uso pela inalação está relacionado ao tratamento de doenças respiratórias, nesse caso, importante no tratamento de gripes e resfriados31

Na maior parte das plantas medicinais e dos fitoterápicos utilizados atualmente, sendo por automedicação ou por prescrição médica, não há perfil tóxico conhecido, contudo, estudos mostram que muitas plantas têm substâncias agressivas e, por esse motivo, devem ser utilizadas respeitando seus riscos toxicológicos32.

A ideia de que plantas medicinais e fitoterápicos são inofensivos e não apresentam potencial de toxicidade por serem naturais é bem corriqueira, podendo haver sérias complicações, como efeitos colaterais e intoxicações sem precedentes33

Devido à escassez de estudos clínicos com plantas medicinais, é importante levar em conta que algumas podem ter efeitos tóxicos, como hepatotoxicidade e bloqueio β adrenérgico,

163 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
153-167

que podem levar o efeito desejado a hipoglicemia, não como método terapêutico eficaz, mas tóxico, pois desregula todo o sistema com o bloqueio desses receptores essenciais20

A Morus nigra (Amoreira preta), Portulaca oleracea (Beldroega), Bellis perennis (Bonina), Bauhinia forficata (pata-de-vaca), Arctium lappa (bardana), Cissus sicyoides L (insulina vegetal), Coffea (café), Anacardium humile (cajuí), Syzygium jambolanum (jambolão), Linum usitatissimum (linho) e Handroanthus albus (ipê) são exemplos de plantas utilizadas no tratamento da DM.

O profissional, ao indicar uma das plantas ou fitoterápicos para um determinado tratamento, precisa ter conhecimento sobre qual parte da planta pode ser utilizada, bem como o emprego, as formas farmacêuticas, a constituição química e a toxicidade34

Ainda utilizando como exemplo a pata-de-vaca, podemos empregá-la como um diurético com potencial efeito hipoglicemiante que auxilia no tratamento do DM. Pode-se utilizar as folhas, raízes e até mesmo as flores da planta, que contêm, em sua estrutura química, esteróides e flavonóides, podendo provocar quadro diarreico se utilizada em doses altas35

É válido ressaltar que o tratamento com plantas medicinais deve ser realizado de maneira complementar, não substituindo, em hipótese alguma, o tratamento alopático. Assim, sugerido pelos profissionais da saúde, é importante manter o controle glicêmico, adotar medidas saudáveis, suspender o uso indiscriminado de açúcares, frituras, alimentos processados e realizar atividade física regularmente36.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa mostrou uma grande pluralidade de plantas medicinais e fitoterápicos utilizados no tratamento do diabetes mellitus, além de demonstrar que os pacientes que fazem o uso dessas plantas apresentaram resultados significativos em seu quadro clínico.

As plantas que obtiveram resultados positivos em diversos estudos foram das seguintes: Bauhinia forficata (pata-de-vaca), Syzygium cumini (jamelão), Sphagneticola trilobata (insulina), Cissus sicyoides L (insulina vegetal), carqueja, tintura de mororó, Stevia rebaudiana, Chrysobalanus icaco Lin (abajeru), Myrcia multiflora (pedra-ume-caá) e epicarpo da romã. Essas plantas mostraram diferentes mecanismos de ação, atuando em diversos locais, inibindo a absorção intestinal de glicose, diminuindo a expressão de enzimas PEPK no fígado, estimulando as células pancreáticas e até mesmo carregando a glicose para os tecidos, resultando no efeito hipoglicemiante.

Contudo, foi observado que, apesar de fazer parte das políticas públicas e do incentivo na inclusão desses recursos pelos órgãos afins, esse tratamento complementar ainda não é muito aplicado nos serviços de saúde, sendo, para muitos profissionais, algo ainda desconhecido cientificamente ou desacreditado, carecendo de conhecimento suficiente quanto a sua aplicabilidade e manejo para prescrição.

164

Portanto, é possível concluir que para as plantas medicinais e fitoterápicos proporcionarem benefícios à saúde é importante que novos estudos sejam realizados, de forma a acrescentar conhecimentos já existentes, investigando seus mecanismos de ação farmacológica para oferecer melhor tratamento e controle glicêmico aos pacientes com DM.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Carina Maria Dalmonech Loterio Leal, Natalia Salvador de Sousa Damaceno, Vitor Realli Gaspar Cuzzuol e Késia Alves Gomes Rosetti.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Carina Maria Dalmonech Loterio Leal, Natalia Salvador de Sousa Damaceno, Vitor Realli Gaspar Cuzzuol e Késia Alves Gomes Rosetti.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Carina Maria Dalmonech Loterio Leal, Natalia Salvador de Sousa Damaceno, Vitor Realli Gaspar Cuzzuol e Késia Alves Gomes Rosetti.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Carina Maria Dalmonech Loterio Leal, Natalia Salvador de Sousa Damaceno, Vitor Realli Gaspar Cuzzuol e Késia Alves Gomes Rosetti.

REFERÊNCIAS

1. Kumar V, Abbas AK, Aster JC. Robbins, patologia básica. 9a ed. Rio de Janeiro (RJ): Elsevier; 2013.

2. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013: percepção do estado de saúde, estilo de vida e doenças crônicas: Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro (RJ): IBGE; 2014.

3. Martins SR, Pereira FW, Acosta DF, Amorim CB. Representações sociais de profissionais da saúde acerca das plantas medicinais. Rev Cubana Enferm. 2017;33(2):1-11.

4. Brasil. Ministério da Saúde. Política e Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016.

5. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS: atitude de ampliação de acesso. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006.

6. Bragança LAR. Plantas Medicinais Antidiabéticas: uma abordagem multidisciplinar. Niterói (RJ): EDUFF; 1996.

7. Brasil. Portaria nº 971, de 03 de maio de 2006. Aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União, Brasília (DF); 2006 abr. 3. Seção 1, p. 32.

165 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
153-167

8. Heisler EV, Budó MDLD, Schimith MD, Perottoni J, Heisler ED. Origem do saber popular no cultivo de horto medicinal. REUFSM. 2018;8(1):1-15.

9. Virgínio TB, Castro KS, Lima ALAD, Rocha JV, Bonfim IM, Campos AR. Utilização de plantas medicinais por pacientes hipertensos e diabéticos: estudo transversal no nordeste brasileiro. Rev Brasileira de Promoção da Saúde. 2018;31(4):1-10.

10. Zanchett CCC. Legislação e controle de qualidade de medicamentos fitoterápicos nos países do Mercosul. INFARMA. 2016;28(3):123-89.

11. Gil AC. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6a ed. São Paulo (SP): Atlas; 2008.

12. Brasil. Ministério da Saúde. Declaração de Alma Ata sobre Cuidados Primários. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2002.

13. Defani MA, Barbosa TK, Rossi SDL, Nascimento RDC. Utilização das Plantas Medicinais por Diabéticos do Município de Goioerê – PR. Saúde Pesqui. 2011;4(2):223-31.

14. Feijó AM, Bueno MEN, Ceolin T, Linck CL, Schwartz E, Lange C, et al. Plantas medicinais utilizadas por idosos com diagnóstico de Diabetes mellitus no tratamento dos sintomas da doença. Rev Bras Pl Med. 2012;14(1):50-6.

15. Zaccaron C, Rempel C, Strohschoen AAG, Dal Bosco SM, Moreschi, C. Efeito da planta medicinal Bauhinia forficata (Link) nos indivíduos diabéticos tipo 2. ConsSaúde. 2014;13(2):171-8.

16. Pepato MT, Baviera AM, Vendramini RC, Brunetti IL. Evaluation of toxicity after one-month treatment with Bauhinia forficata decoction in streptozotocininduced diabetic rats. BMC Complement Med Ther. 2004;4(7):1-7.

17. Damasceno DC, Volpato GT, Calderon IDMP, Aguilar R, Cunha Rudge MVR. Effect of Bauhinia forficata extract in diabetic pregnant rats: maternal repercussions. Phytomedicine. 2004;4(2):196-201.

18. Marques GS, Rolim LA, Alves LDS, Silva CCAR, Soares LAL, Rolim-Neto PJ. Estado da arte de Bauhinia forficata como alternativa terapêutica para o tratamento do Diabetes mellitus. Rev Ciênc Farm Básica Apl. 2013;34(3):313-20.

19. Santos HB, Modesto-Filho J, Diniz MDFFM, Vasconcelos THC, Pereira FSDB, Ramalho JDA, et al. Avaliação do efeito hipoglicemiante de Cissus sicyoides em estudos clínicos fase II. Rev Bras Farmacogn. 2008;18(1):70-6.

20. Santos APAD, Rieder A. Análise de objetivos e conclusões de estudos com nove plantas usadas para o controle de diabetes em Mato Grosso. Rev Fitos. 2016;10(4):383-96.

21. Vizzotto M, Fetter MDR. Jambolão: o poderoso antioxidante. Cultivar. 2009:1-2.

22. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS. 2ª ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2015.

166

23. Starosta JA, Anjos MDCRD. “Cantos e saberes”: processo de construção de um documentário sobre plantas medicinais. RECIIS – Rev Eletrôn Comum Inf Inov Saúde. 2020;14(1):200-11.

24. Vargas ECA, Teixeira ER, Wenerck YCDS, Arantes DG. Uso de Plantas com Fins Terapêuticos por Usuários de uma Unidade Pré-Hospitalar Pública de Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil. Rev Pesqui. 2019;11(5):1129-34.

25. Alexandre RF, Garcia FN, Simões CMO. Fitoterapia baseada em evidências. Parte 1. Medicamentos fitoterápicos elaborados com ginkgo, hipérico, kava e valeriana. Acta Farm Bonaer. 2005;24(2):300-9.

26. Lopes AA. Medicina Baseada em Evidências: a arte de aplicar o conhecimento científico na prática clínica. Rev Ass Med Brasil. 2000;46(3):285-8.

27. Brasil. Ministério da Saúde. Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão arterial e ao Diabetes mellitus: manual de hipertensão arterial e Diabetes mellitus. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2002.

28. Defani MA, Oliveira LEND. Utilização das plantas medicinais por diabéticos do município de colorado (PR). Saúde Pesqui. 2015;8(3):413-21.

29. Xavier AT, Nunes JDS. Tratamento de diabetes mellitus com plantas medicinais. Rev Cient FAEMA. 2018;9:603-9.

30. Guerra AMNDM, Silva PSD, Santos DSD, De Sá HTS, Medeiros ACD, Coelho DC. Uso de Plantas com Fins Medicinais no Município de Barra, BA. Rev. Verde Agroecologia Desenvolv Sustent. 2016;11(2):8-15.

31. Monteles R, Pinheiro CUB. Plantas medicinais em um quilombo maranhense: uma perspectiva etnobotânica. Rev de Biologia e Ciências da Terra. 2007;7(2).

32. Nunes MGS, Bernardino ADO, Martins RD. Uso de plantas medicinais por pessoas com hipertensão. Rev Rene. 2015;16(6):75-81.

33. Oliveira FQ, Gonçalves LA. Conhecimento sobre plantas medicinais e fitoterápicos e potencial de toxicidade por usuários de Belo horizonte, Minas Gerais. Rev Eletrônica Farm. 2006;3(2):36-41.

34. Grandi TSM. Tratado das plantas medicinais: mineiras, nativas e cultivadas. Belo Horizonte (MG): Adaequatio Estúdio; 2014.

35. Bueno MJA, Martinez BB, Bueno JC. Manual de plantas medicinais e fitoterápicos utilizados na cicatrização de feridas. Pouso Alegre (MG): Univas; 2016.

36. Ceolin S, Ceolin T, Casarin ST, Severo VO, Ribeiro MV, Lopes ACP. Plantas medicinais e sua aplicabilidade na atenção primária à saúde. Rev APS;20(1):81-8.

Recebido: 19.3.2021. Aprovado: 14.6.2022.

167 v. 45, n. 4, p. 153-167 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

ARTIGO DE REVISÃO

SAÚDE MENTAL DA POPULAÇÃO BRASILEIRA NO CONTEXTO DA COVID-19 (SARS-COV-2): REVISÃO DE LITERATURA

Ana Lilian de Aguiar Marinhoa

https://orcid.org/0000-0003-1027-1800

Roberta Duarte Maia Barakatb

https://orcid.org/0000-0003-2305-1794

Alan Rodrigues Cavalcantec

https://orcid.org/0000-0001-6757-8665

Francisco Regis da Silvad

https://orcid.org/0000-0001-5470-2874

Resumo

Este estudo objetiva refletir acerca da saúde mental da população brasileira durante a pandemia do coronavírus (SARS-CoV-2) por meio de uma revisão integrativa da literatura. Pondera-se sobre a saúde mental como uma questão de saúde pública em tempos de pandemia para além dos danos biológicos e sociais. Para tal, acessaram-se as bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Latin American and Caribbean Health Sciences Literature (LILACS) no período de 15 de julho a 15 de agosto de 2020 em busca de trabalhos produzidos no Brasil sobre o tópico. Foi identificado que os sentimentos mais presentes na população são de ansiedade, estresse, depressão e alteração no sono, ocasionados principalmente pelo medo de adoecer e morrer. Os grupos mais afetados por esses sentimentos são os profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate ao coronavírus e pessoas com transtornos mentais preexistentes. Fatores como os condicionantes sociais, as fake news e o distanciamento social estão entre os maiores responsáveis pelo aumento desses sentimentos nas pessoas. Houve também alteração

a Psicóloga. Especialista em Saúde Pública. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: lilianmarinho.psi@outlook.com

b Assistente Social. Mestra e Doutoranda em Saúde Coletiva. Bolsista Centro de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: robertadumaia@gmail.com

c Acadêmico de Medicina. Faculdade Estácio de Canindé. Canindé, Ceará, Brasil. E-mail: alan.taua@hotmail.com

d Mestre em Saúde Coletiva. Professor Auxiliar I do Curso de Medicina na Faculdade Estácio de Canindé e no Centro

Universitário Estácio de Quixadá – Campus Quixadá. Canindé, Ceará, Brasil. E-mail: francisco.regis@estacio.br

Endereço para correspondência: Rua Inácio Vasconcelos, n. 263, apto. 1132, Messejana. Fortaleza, Ceará, Brasil. CEP: 60841-535. E-mail: robertadumaia@gmail.com

168 168
10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3334
DOI:

no comportamento da população no tocante ao aumento do consumo de bebidas alcoólicas.

Concluiu-se a necessidade de uma maior assistência à saúde mental da população para que os impactos da pandemia não sejam tão duradouros quanto relatam os estudos levantados.

Palavras-chave: Saúde mental. Infecções por coronavírus. Saúde pública.

MENTAL HEALTH OF THE BRAZILIAN POPULATION IN THE COVID-19

(SARS-CoV-2) CONTEXT: LITERATURE REVIEW

Abstract

This study aims to reflect on the mental health of the Brazilian population during the coronavirus pandemic (SARS-CoV-2) by an integrative literature review. It ponders on mental health as a public health issue in a pandemic beyond the biological and social harm.

To this end, we accessed databases Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Scientific Electronic Library Online (SciELO), and Latin American and Caribbean Health Sciences Literature (LILACS) between July 15 and August 15, 2020 searching for Brazilian works on the topic. We identified that the most common feelings in the population are anxiety, stress, depression, and altered sleep patterns, caused mainly by the fear of falling ill and dying. The groups most affected by these feelings are the health professionals who are at the forefront of the fight against the coronavirus and people with pre-existing mental disorders. Factors such as social determinants, fake news, and social distancing are among the main factors responsible for increasing these feelings in the people. The behavior of the population also changed regarding the increased consumption of alcoholic beverages. In conclusion, a greater care to the population’s mental health is needed so that the pandemic’s impacts are not as long-lasting as reported in the studies.

Keywords: Mental health. Coronavirus infections. Public health.

SALUD MENTAL DE LA POBLACIÓN BRASILEÑA EN EL CONTEXTO DEL COVID-19 (SARS-CoV-2): UNA REVISIÓN DE LA LITERATURA

Resumen

Este estudio tiene como objetivo reflexionar sobre la salud mental de la población brasileña durante la pandemia de coronavirus (SARS-CoV-2) desde una revisión

169 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
168-188

integradora de la literatura. Se considera la salud mental como un problema de salud pública en tiempos de pandemia, además del daño biológico y social que provoca. Para ello, se hizo una búsqueda en las bases de datos Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Scientific Electronic Library Online (SciELO) y Literatura Latinoamericana y del Caribe en Ciencias de la Salud (LILACS) en el período entre el 15 de julio y el 15 de agosto de 2020 al respecto de trabajos producidos en Brasil acerca del tema. Se identificó que los sentimientos más comunes en la población fueron la ansiedad, el estrés, la depresión y la alteración de patrones del sueño, provocados principalmente por el miedo a enfermarse y morir. Los grupos más afectados por estos sentimientos fueron los profesionales de la salud que están en primera línea contra el coronavirus y las personas con trastornos mentales preexistentes. Entre los principales factores responsables del aumento de estos sentimientos en la población se destacan las limitaciones sociales, las noticias falsas y el distanciamiento social. También hubo un cambio en el comportamiento de la población con respecto al aumento en el consumo de bebidas alcohólicas. Se concluyó que es necesaria una mayor asistencia a la salud mental de la población para que los impactos de la pandemia no sean tan duraderos como se reportan en los estudios.

Palabras clave: Salud mental. Infecciones por coronavirus. Salud Pública.

INTRODUÇÃO

Vivemos em tempos marcados por situações dramáticas provocadas pela crise sanitária ocasionada pelo novo coronavírus, infecção viral que provoca a Síndrome Respiratória Aguda Grave, SARS-CoV-21. Nomeado de covid-19, o novo coronavírus (Coronavirus disease) espalhou-se rapidamente por todos os continentes do mundo, sendo declarado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 30 de janeiro de 2020, emergência de saúde pública, e em 11 de março de 2020, situação de pandemia2

Conhecida por ceifar vidas humanas, assolar economias, desafiar o equilíbrio emocional de milhares de pessoas produzindo medo, angústia e solidão, ampliando-se por todos os países do mundo com o atravessamento de incontáveis dúvidas sobre o futuro, a pandemia da covid-19 consolida-se como um dos maiores eventos da humanidade de repercussão global dos últimos cem anos3. No Brasil, o primeiro caso foi notificado pelo Ministério da Saúde (MS) em 25 de fevereiro de 2020 no estado de São Paulo: um homem que havia viajado para o norte da Itália, na região da Lombardia, em que estava culminando um surto significativo da

170

doença4. Após a confirmação do primeiro caso, em 20 de março de 2020, foi declarado pelo MS reconhecimento de transmissão comunitária em todo o país5.

No estado do Ceará, o Governo Estadual decretou medidas de isolamento mais severas a partir de 23 de março de 2020. Nesse período, o estado contava com vinte casos notificados em apenas três dias. No dia 26 de março de 2020, foram notificados 235 casos com três óbitos4. Até a data da pesquisa, dia 30 de agosto de 2020, foram confirmados no mundo 24.316.245 casos de covid-19 e 828.575 mortes6. No Ceará, contabilizavam-se 214.457 casos confirmados e 8.384 mortes7

O alto índice de transmissibilidade do novo coronavírus, disseminado por meio do espirro, tosse, contato próximo com indivíduo infectado (mesmo assintomático) ou pelo contato com objetos e superfícies2, manifesta-se como um problema desafiador que afeta todos nesses tempos, mesmo em proporções diferentes. Ninguém está imune de sentir os medos, ansiedades e incertezas suscitados pela pandemia. Sendo assim, conter a propagação do vírus tornou-se prioridade para a saúde pública, pois não há, até o momento, um tratamento profilático específico.

Estudos recentes e a OMS declararam que as melhores medidas de combate à transmissão do novo coronavírus são hábitos de higiene, como lavar as mãos com água e sabão com frequência, fazer uso de álcool 70%, não tocar o rosto com as mãos sujas, “descontaminar” a si e aos objetos trazidos de fora ao chegar em casa 8. Outra medida de contenção é o distanciamento social, evitando contatos diretos como apertos de mãos, abraços, beijos, o compartilhamento de objetos. É recomendado manter a distância mínima de um metro das outras pessoas, e em caso de alguém do mesmo domicílio apresentar sintomas gripais, orienta-se fazer o isolamento domiciliar e uso permanente de máscara 9

A mudança abrupta da rotina, o afastamento social, o grande número de notícias alarmantes por parte da mídia misturadas às notícias falsas (fake news) e, em particular no Brasil, a postura negacionista sobre o contágio por parte do Governo Federal acarreta grande prejuízo à saúde, ocasionando outro problema no âmbito da saúde pública: o aumento dos danos em saúde mental na população8

Pessoas inseridas em contextos geradores de receio, como as que fazem parte dos chamados “grupos de risco”, pessoas idosas e/ou com comorbidades 2, somado ao cenário socioeconômico fragilizado dos indivíduos de classes sociais mais baixas, marginalizados, ou desempregados e as que vivenciam a precarização de fatores sociais,

171 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
168-188

econômicos ou de saúde, transfigura um grupo mais vulnerável aos riscos de adoecimentos psíquicos originados pela pandemia 10 .

Historicamente, os danos à saúde mental tendem a ser negligenciados. Contudo, o aumento dessas demandas evidencia a necessidade da criação de políticas públicas voltadas especialmente para o contexto pandêmico, em que se apresenta alto risco de situações de sofrimento mental e psíquico. Este estudo objetiva investigar sinteticamente, por meio de uma revisão de literatura, a produção de informações sobre a saúde mental da população brasileira durante a pandemia da covid-19.

MATERIAL E MÉTODOS

Realizou-se uma revisão integrativa da literatura sobre saúde mental da população brasileira no contexto da pandemia de covid-19 em três bases de dados científicas em formato eletrônico: Medical Literature and Retrieval System Online (MEDLINE), Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e Literatura Latino-Americana em Ciências de Saúde (LILACS), abarcando publicações entre o período de 15 de julho a 15 de agosto de 2020. A busca incluiu publicações de produções nacionais nos idiomas português, inglês e espanhol, publicados no ano de 2020, contendo pelo menos um dos termos: “Coronavirus Infections”, “Mental Health”, “Infecções por coronavírus”, “Saúde mental”, “Infecções por coronavírus” e “Saúde mental”. Foram considerados os artigos completos disponíveis nos periódicos eletrônicos que atendessem aos objetivos da pesquisa, sendo selecionados os que apresentaram como tema central a saúde mental da população brasileira no curso da pandemia por covid-19. Os artigos excluídos foram aqueles que não tinham a população brasileira e sua saúde mental como enfoque, além de trabalhos de anos anteriores a essa temática, escritos em outros países, focando uma população que não seja a brasileira. Também foram desconsiderados revisões de literatura, fascículos, teses, dissertações, arquivos não convencionais e estudos incompletos. Por tratar-se de uma pesquisa de revisão de literatura, é desnecessária a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) para avaliação e aprovação. No entanto, foram considerados os princípios morais e os parâmetros científicos favoráveis para a pesquisa bibliográfica, buscando livrar o estudo de plágios. Assim, todos os autores foram referenciados e foi preservada a autenticidade de suas ideias, conforme a Associação Brasileira de Normas Técnicas.

RESULTADOS

A pesquisa bibliográfica nas bases de dados eletrônicas resultou nos seguintes achados: cinco artigos na base SciELO, no qual um estudo era incompatível com os critérios de

172

168-188

inclusão pelo tipo de estudo, três artigos apresentaram temas divergentes aos critérios explorados neste estudo e um foi escrito em outro país, não ficando apto para a análise do objetivo do estudo. Na MEDLINE foram encontrados quatro artigos, todos originários de outros países. Na LILACS foram encontrados trinta artigos, no qual três se repetem na mesma plataforma e foram escritos em outro país, outros cinco também foram escritos em outros países, dez estão dentro dos critérios de exclusão pelo tipo de estudo (artigos não convencionais, fascículos e portarias) e seis eram sobre temas divergentes ao objetivo deste estudo, resultando no total seis artigos dessa base para elaboração da análise. Foi necessário incluir na análise artigos de opinião, relato de experiência e estudos reflexivos, pois até a data da pesquisa não foram identificados, nas referidas bases, outros tipos de estudos produzidos no Brasil que abordassem a temática requerida por esta pesquisa (Figura 1).

Identificação

Triagem

Elegibilidade

Incluídos

Pesquisa Bibliográfica com os termos “Coronavírus infections” AND “Mental Health”, “Infecções por Coranavírus” AND “Saúde mental” e “Infecções por coronavírus” AND “Saúde mental”

Número de artigos encontrados: 39

SciELO: 05

MedLine: 04

LILACS: 30

Número de artigos repetidos: 03

Número de artigos não elegíveis: 30

Número de artigos incluídos: 06

Fonte: Elaboração própria.

Incompatível aos critérios de inclusão: 11

Temas divergentes: 09

Original de outro país: 10

173 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública Figura 1 – Fluxograma do processo de busca e seleção dos artigos para o estudo. Fortaleza, Ceará, Brasil – 2020

Os dados retirados dos artigos foram agrupados e compactados com o objetivo de serem confrontados entre si. A leitura posterior dos estudos selecionados incluiu a identificação de elementos pertinentes ao objetivo do estudo vigente. Para tanto, utilizou-se um instrumento específico para análise dos artigos (Quadro 1).

Quadro 1 – Instrumento para avaliação dos artigos selecionados. Fortaleza, Ceará, Brasil – 2020

1. Identificação do artigo original: Título:

Ano:

Autores:

Fonte:

Idioma: Descritores:

2. Tipo de estudo:

3. Contexto do estudo:

4. Local do estudo:

5. População-alvo:

6. Objetivos do estudo:

7. Resultados encontrados e conclusões:

Fonte: Elaboração própria.

Foram selecionados os trechos que constituem as evidências científicas, e estas foram problematizadas nas discussões. Ademais, foram agregados e divididos em um quadro para serem comparados uns com os outros, procurando evidenciar os temas comuns que foram interpretados e analisados. Identificamos, ao todo, 39 artigos nas bases de dados MEDLINE, SciELO e LILACS. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, a amostra final do estudo foi composta por seis artigos, todos pertencentes à plataforma LILACS, listados no Quadro 2.

174

Revista Baiana de Saúde Pública

Quadro 2 – Síntese das publicações em relação a autoria/ano, local, objetivo do estudo, delineamento, amostra, resultados e principais conclusões. Fortaleza, Ceará, Brasil – 2020

N Autor/Ano Local Objetivo Delineamento População-alvo Resultados Principais conclusões

1 Miranda et al. (2020)

Curitiba – PR –Brasil

Refletir sobre as condições de trabalho dos profissionais de enfermagem no enfrentamento ao novo coronavírus e apontar o impacto na vida desses profissionais em meio à pandemia.

Estudo reflexivo Profissionais de enfermagem no combate à pandemia do novo coronavírus.

Acredita-se na enfermagem como um elo na corrente multiprofissional em saúde no enfrentamento à covid-19, com foco na vida humana, atentando para a saúde do trabalhador e a segurança do paciente. Considerado um momento de se reinventar e reaprender diante de um cenário desafiador ao trabalhador e às instituições, a presença e posicionamento dos conselhos e associações de classe são indispensáveis.

Esta reflexão pode contribuir para repensar a saúde e segurança dos profissionais de enfermagem visando uma assistência com qualidade e segurança aos pacientes frente a esta doença.

168-188

Relatar a experiência no desenvolvimento do projeto de extensão “Vida em quarentena” com uma estratégia para promoção da saúde mental de enfermeiros atuantes na linha de frente do combate à covid-19.

Relato de experiência Enfermeiros que estão no combate à pandemia do novo coronavírus.

O projeto desenvolve atividades, como lives e postagens com temas pertinentes à saúde mental na quarentena e vídeos com depoimentos dos participantes. Os profissionais da enfermagem demonstraram instabilidade emocional; altruísmo; apelo à população; crença na ciência; fé e esperança e medo da contaminação, além de formas de adaptação e de superação dos problemas instalados com mecanismos para vivenciar a situação.

A pandemia suscita a importância do gerenciamento da saúde mental com fatores que potencializem o bem-estar mental nos enfermeiros e aponta a necessidade de medidas de segurança e conhecimentos sustentados pela ciência que operem na direção de diminuir impactos negativos nos aspectos físicos e mentais nesse público.

175 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
2 Oliveira et al. (2020) Sobral – CE –Brasil
(continua)

Quadro 2 – Síntese das publicações em relação a autoria/ano, local, objetivo do estudo, delineamento, amostra, resultados e principais conclusões. Fortaleza, Ceará, Brasil – 2020 (continua)

3 Silva, Santos e Oliveira (2020)

Sem indicação de local

Desenvolver reflexões críticas sobre os efeitos da pandemia do novo coronavírus na saúde mental de indivíduos e coletividades.

Estudo reflexivo População geral Tem-se percebido um pânico generalizado e estresse na saúde mental na sociedade. Os achados apontam um impacto psicológico imediato na população em decorrência da pandemia, sendo observado um crescimento de sintomas de ansiedade e até mesmo depressão.

Os efeitos da pandemia vêm atingindo direta e indiretamente a saúde mental das pessoas nos mais diversos aspectos, o que implica uma condição preocupante de saúde pública.

4 Saidel et al. (2020)

Rio de Janeiro – RJ –Brasil

Refletir sobre as intervenções/ações de cuidado em saúde mental voltadas aos profissionais da saúde que prestam assistência ao paciente suspeito ou diagnosticado com covid-19.

Estudo reflexivo Profissionais de saúde Ainda que de forma não sistematizada e com programação repentina diante de uma situação de pandemia, o Brasil tem demonstrado sua capacidade em oferecer estratégias importantes em prol daqueles que estão à frente do cuidado de pessoas contaminadas com o covid-19, cuja pandemia se apresenta como uma possibilidade de um morrer diferente e completamente só.

Foi possível elencar ações em saúde mental que têm se mostrado assertivas no cuidado aos trabalhadores de saúde, atuantes na ponta do cuidado, sobretudo as baseadas no esclarecimento da doença, uso adequado de equipamentos de proteção individual, além do mapeamento daqueles profissionais fragilizados emocionalmente e/ou com sofrimento mental anterior à pandemia, além do suporte emocional oferecido por meio de plataformas digitais.

176 N
Autor/Ano Local Objetivo Delineamento População-alvo Resultados Principais conclusões

168-188

Quadro 2 – Síntese das publicações em relação a autoria/ano, local, objetivo do estudo, delineamento, amostra, resultados e principais conclusões. Fortaleza, Ceará,

N Autor/Ano Local Objetivo Delineamento População-alvo Resultados Principais conclusões

5 Soccol e Tisott (2020)

Porto Alegre – RS –Brasil

Opinar acerca do abuso de bebidas alcoólicas durante a transmissão de lives no período de isolamento social.

Artigo de opinião População geral

O artigo discute possíveis consequências do consumo abusivo de bebidas alcoólicas presente na mídia e aponta estratégias para o enfrentamento de momentos de ansiedade e estresse ocasionados pelo isolamento social.

Discorre sobre a necessidade de um maior controle e fiscalização dessas atividades de entretenimento.

6 Garrido e Rodrigues (2020)

Petrópolis – RJ – Brasil

Analisar os impactos das condicionantes sociais preexistentes no Brasil sobre a saúde mental em condições de restrição de contato interpessoal pela pandemia de covid-19.

Pesquisa exploratória População brasileira

A pandemia de covid-19 demandou medidas de restrição de contato social, gerando dilemas éticos, legais e econômicos. Essas restrições, contrariamente, podem atuar negativamente sobre a saúde individual, em especial a mental. Assumindo que a saúde não se restringe a parâmetros biomédicos, os condicionantes sociais assumem importante papel. Esses parâmetros ficam evidentes em países como o Brasil, em que a estrutura social é perversa e a desigualdade flagrante. Essa estrutura dificulta a adequação às normas preventivas da covid-19 e atua sinergicamente às condicionantes sociais pré-pandêmicas, interferindo decisivamente na saúde mental.

É esperado que as mudanças repentinas e compulsórias, bem como as incertezas com o futuro, acarretem sofrimento mental, devendo-se atentar para possíveis adoecimentos. Já se verifica agravamento de alguns estados psicopatológicos e aumento no consumo de álcool e drogas. Por fim, ficou evidente que a pandemia não só afastou pessoas, mas potencializou a distância preexistente para aqueles mais vulneráveis, agravando as condicionantes sociais de saúde.

177 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública Fonte: Elaboração própria. Brasil – 2020 (conclusão)

Quanto às metodologias dos trabalhos selecionados para a revisão, ressalta-se que três são estudos reflexivos, um artigo de opinião, um relato de experiência e uma pesquisa exploratória. Contextualizados, os artigos abordaram os impactos em saúde mental que a pandemia do novo coronavírus nos expôs e quais os cuidados e intervenções implementados pelas autoridades sanitárias.

Considerando o material consultado e o objetivo do estudo, realizamos uma seleção das informações resultantes desta revisão, buscando correlações entre o contexto pandêmico e a saúde mental dos indivíduos. Perante o exposto, quais foram as repercussões mais evidentes na saúde mental da população brasileira decorrentes da pandemia do coronavírus (SARS-CoV-2)?

As informações foram sintetizadas em dois tópicos temáticos: (1) Coronavírus: a nova emergência de saúde pública e suas implicações; (2) O medo e os riscos psicológicos de adoecimento, quais os grupos mais vulneráveis?

CORONAVÍRUS: A NOVA EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA E SUAS IMPLICAÇÕES

O estudo elaborado por Miranda11 nos remete às condições de trabalho dos profissionais de enfermagem e os impactos causados à saúde deles durante a pandemia da covid-19. Em seu estudo, discorre sobre as condições de trabalho que proporcionam riscos, como a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) adequados, extensas horas de trabalho e o quanto essas condições pioraram durante a pandemia. Essas situações conduzem os profissionais a vivenciarem um dilema ético e moral, pois, segundo o código penal brasileiro, eles não podem negar assistência a pacientes em situação de urgência e emergência. No entanto, os profissionais são respaldados por dois artigos do código de ética da enfermagem, os quais afirmam que eles podem suspender suas atividades laborais caso não lhes seja oferecida total segurança para execução de seus trabalhos e negar assistência em situações como pandemias e catástrofes se tal condição comprometer sua integridade física.

Saidel et al. evidenciam também a importância dos EPI para que os profissionais possam trabalhar de maneira mais segura e executar suas atividades com maior segurança. Os autores destacam que, antes da pandemia, os profissionais já enfrentavam incontáveis dificuldades na execução de suas atividades laborais e que, no cenário pandêmico, o agravamento dessas condições aumentou sobremaneira, sobretudo em relação ao adoecimento mental, fazendo-se necessárias a elaboração e execução de estratégias de cuidado com a saúde mental dos profissionais de saúde12.

178

Na pesquisa desenvolvida por Oliveira, Lucas e Iquiapaza, é mencionada a realização do “Projeto vidas em quarentena: saúde mental em foco”, uma investigação pautada na elaboração de lives e conteúdos online para a população em geral, e no relato de experiência de profissionais de enfermagem que atuavam na linha de frente ao combate do novo coronavírus. Percebeu-se grande relevância das temáticas sobre saúde mental nas publicações durante o período de isolamento social. Foram abordados temas como a prática de atividades que proporcionam maior bem-estar, cuidados com pessoas no espectro do autismo, além de assuntos como violência doméstica e abuso de substâncias entorpecentes13.

O estudo de Silva, Santos e Oliveira14 enfatiza que além dos prejuízos econômicos e psicossociais, aspectos como idade, sexo e nível socioeconômico estão diretamente ligados a fatores que proporcionam maiores riscos de desencadear um adoecimento mental durante esse período pandêmico. O fator fake news também é frisado, apontado como um possível causador de histeria coletiva, pois a falta de informação de confiabilidade pode gerar sentimentos de mal-estar, bem como o contato em excesso de notícias, mesmo reais14

Os autores relatam, ainda, que os sentimentos mais presentes na população são de ansiedade, estresse, depressão e alteração no sono, ocasionados principalmente pelo medo de adoecer e morrer. Fatores como hábitos prejudiciais também foram apontados como importantes para a avaliação da saúde mental da população, pois com o isolamento social houve grande aumento do consumo de álcool, cigarro e outras drogas. Agregado a todas essas questões, entende-se que o sujeito diagnosticado com covid-19 também necessita de um suporte psicológico, pois está lidando com as incertezas da evolução diagnóstica, o preconceito social que pode haver e o distanciamento social, mostrando com isso que as variáveis e complexidades do cuidado em saúde mental são infinitas e que, se não houver um cuidado prévio e efetivo, as consequências podem ser irreversíveis a longo prazo.

Garrido e Rodrigues15 desenvolvem em seus estudos a etiologia das medidas de restrição de contato social, trazendo as diferenças dos termos que vêm sendo utilizados como isolamento social, quarentena, distanciamento social e lockdown. Eles explicam que o isolamento se refere à separação do indivíduo infectado com uma doença contagiosa das outras pessoas, na intenção de evitar a disseminação à população não infectada; a quarentena é um período de reclusão voluntária, ou não, em que o indivíduo pode não apresentar sintomas clínicos, porém pode estar infectado, então é acompanhado pela possível manifestação sintomática. Uma vez confirmada a infecção, deve ser colocado em isolamento; o distanciamento, ou contenção social, busca diminuir a interação entre a população, com o objetivo de mitigar a transmissão do patógeno; o lockdown é uma contenção social em que todo um território fica bloqueado, utilizado em momentos no qual

179 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
168-188

há grave ameaça ao sistema de saúde, com proibição do tráfego de pessoas por um curto período de tempo. Os autores apontam que todos esses modelos de restrição do contato social geram consequências psicológicas significativas na população, destacando o aumento do aparecimento de casos de humor rebaixado, irritabilidade, insônia, raiva, medo e que, por muitas vezes, podem ser de longa duração, ultrapassando o período da pandemia15

De modo geral, é notório o aumento dos casos de ansiedade, depressão, irritabilidade, distúrbios do sono e risco de comportamentos autodestrutivos, como aumento no consumo de drogas lícitas, especialmente álcool e cigarro. Apesar dos esforços das autoridades de saúde na promoção de informações, ainda há muito o que refletir e trabalhar para que os impactos da pandemia não sejam tão duradouros quanto relatam as possibilidades nos estudos.

O MEDO E OS RISCOS PSICOLÓGICOS DE ADOECIMENTO: QUAIS OS GRUPOS MAIS VULNERÁVEIS?

Quanto aos impactos à saúde, estudos apresentados por Miranda11 demonstram que os profissionais de saúde – dentre eles os profissionais de enfermagem – têm sido os mais infectados pela covid-19. Esse cenário impõe consequências negativas à sua saúde física e mental, ocasionadas pelo medo que sentem em relação às suas próprias vidas e o temor de levar a contaminação aos familiares e amigos. A necessidade de tomar decisões difíceis também pode causar agravos psicológicos a médio e longo prazo.

Para Saidel et al.12, não há como evitar que os profissionais de saúde estejam ainda mais vulneráveis durante a pandemia por coronavírus, pois além de lidar com seus medos, precisam enfrentar as incertezas, frustrações e estresses causados pelas suas limitações, perdas e excessivas horas de trabalho. Com informações de outros países, os autores trazem dados de prejuízos à saúde mental dos profissionais de saúde, tais como depressão, ansiedade, estresse pós-traumático, angústia, insônia, esgotamento físico e mental.

Na composição do estudo fomentado por Silva, Santos e Oliveira15 – que basearam suas pesquisas na população geral por meio de estudos anteriores –, para determinados grupos, as condições impostas pela pandemia do novo coronavírus podem levar ao agravamento das questões psíquicas preexistentes, levando à piora na relação desse indivíduo com seu meio social. Outro impacto ocorre nas gestões de saúde pela necessidade de administrar os recursos a fim de evitar a escassez, prover políticas públicas para situações de emergência e os diversos questionamentos que pertencem também aos sujeitos em suas individualidades e ao âmbito social. É previsto, diante de uma pandemia, o aumento do adoecimento mental na população geral, seja pelas restrições abruptas advindas das necessidades de isolamento social, pelas perdas

180

em diversos aspectos da vida ou pela necessidade de enfrentar um sofrimento real que lhe obriga a encarar a todo instante a iminência da morte.

Silva, Santos e Oliveira14 relatam, ainda, que os sentimentos mais presentes na população são de ansiedade, estresse, depressão e alteração no sono, ocasionados principalmente pelo medo de adoecer e morrer. Fatores como hábitos prejudiciais também foram apontados como importantes para a avaliação da saúde mental da população, pois com o isolamento social aumentaram o consumo de álcool, cigarro e outras drogas. Agregado a essas questões, entende-se que o sujeito diagnosticado com covid-19 também necessita de suporte psicológico, pois está lidando com as incertezas da evolução diagnóstica, o preconceito social que pode haver e o distanciamento social, mostrando, com isso, que as variáveis e complexidades do cuidado em saúde mental são infinitas, e se não houver um cuidado prévio e efetivo, as consequências podem ser irreversíveis a longo prazo.

Destaca-se, no estudo de Garrido e Rodrigues15, que fatores sociais são relevantes em relação às medidas de restrição social. Tais medidas não são de simples aplicabilidade em algumas situações, principalmente em um país como o Brasil, em que a disparidade social evidenciou-se com a pandemia. Contatou-se que grande parte da população reside em lugares onde não é possível fomentar o distanciamento e que há pessoas em situação de vulnerabilidade social, que dependem de serviços autônomos para subsistência, o que afeta diretamente a manutenção da saúde mental. Os autores propõem um questionamento bastante válido: “isolamento social para quem? Distanciamento de quem?”. O estudo menciona uma pesquisa realizada com a população brasileira durante a pandemia por meio de um questionário online, que apresenta como resultado o aumento gradual dos sintomas de transtornos e outras questões de ordem psicológica e psiquiátrica e faz um paralelo aos dados pré-pandemia. Os autores apontam dados do Brasil que indicam uma média de 5,8% da população com diagnóstico de depressão e 9,3% da população com histórico de ansiedade, sendo o país com a maior prevalência de ansiedade do mundo. Durante a pandemia, de acordo com a atualização de dados, os casos de depressão praticamente dobraram, e houve um aumento de cerca de 80% nos casos de ansiedade e estresse. Outro fator que gera preocupação é a possibilidade do aumento do uso abusivo de álcool e outras substâncias durante o período de isolamento.

Nesse ínterim, Soccol e Tisott16 apresentam um trabalho pertinente que aborda o abuso de bebidas alcoólicas durante as transmissões de lives nesse período de isolamento. As lives têm sido um recurso utilizado por muitos e em diversos contextos, seja para informar, buscar cuidados, se comunicar ou se divertir. As interações via internet tomaram uma grande proporção nesse momento pandêmico, por ser um recurso que assegura o distanciamento social e alcança

181 v. 45, n. 4, p. 168-188 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

diversos objetivos. Com essa possibilidade de manter um entretenimento proporcionando bemestar, e ainda buscando arrecadar recursos para ajudar pessoas ou instituições que necessitassem de ajuda, o meio artístico encontrou nas lives seu palco e acesso para alcançar a população. No entanto, por ser um período que gera diversas sensações negativas como preocupação, medo, irritabilidade e outros sentimentos desagradáveis, anexados à impossibilidade de estar na interação social externa à sua residência, é preocupante que haja um aumento no consumo de bebidas alcoólicas. A própria mídia fortalece esse comportamento, ao observar que o patrocínio desses eventos é gerado, em sua maioria, pela indústria de bebidas, fazendo uma clara apologia ao seu consumo16.

Soccol e Tisott16 pontuam ainda que essas substâncias podem causar dependência química, que está diretamente ligada a comportamentos suicidas, violentos e de irresponsabilidade social, como dirigir após o consumo de álcool, gerando o risco de acidentes. É claro que há um aumento no sofrimento de pessoas que apresentam dependência química nesse período de isolamento, devido ao aumento de quadros ansiosos e à necessidade de fuga da realidade. Quando esse consumo é apresentado em uma mídia de fácil acesso para a população, pode haver maior aceitação do comportamento de beber, até mesmo para aqueles sujeitos que não têm idade adequada para o consumo de álcool.

Nos estudos, é percebido consenso em afirmar que fatores como fake news aumentam a possibilidade de piora no quadro geral de saúde mental. Assim, se faz necessária uma reflexão acerca da educação da população, que não tem o hábito de verificar quais as fontes de uma determinada informação ou se há veracidade naquele fato, o que leva à disseminação de uma notícia irreal e sensacionalista. Faz-se necessário fortalecer a confiança da população nas autoridades competentes de saúde, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), Ministério da Saúde (MS) e organizações como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), bem como um alinhamento com os governantes de cada estado e da própria federação, buscando uma melhora na comunicação, com maior clareza e transparência. Dessa forma, pode-se evitar a repetição de comportamentos inadequados à situação em questão, e com isso diminuir a sensação de insegurança que gera sentimentos como tristeza e ansiedade.

Desse modo, fica claro que a saúde mental tem sido bastante impactada durante esse período de pandemia em todo o mundo. No Brasil, além dos fatores como medo e preocupação em relação ao patógeno em circulação, foram encontradas evidências de que os condicionantes psicossociais têm influência direta na condição de adoecimento mental. Mesmo sendo uma reação esperada para um momento atípico, se fazem necessárias estratégias de cuidado para que se tenha, em tempo hábil, condições para evitar maiores prejuízos. Deve-se buscar medidas que fortaleçam a saúde psicológica, buscando a diminuição dos danos à saúde mental.

182

DISCUSSÃO

Observou-se que o medo de ser infectado e de contaminar entes queridos, as incertezas sobre evolução, prognóstico e tratamento, somados ao alerta de possível contaminação e morte por covid-19, evidenciaram problemas de saúde mental na população e nos profissionais de saúde, especialmente os que estão na linha de frente. Esses danos não se apresentam apenas em quem já vivenciava algum transtorno mental, mas também em quem já carregava predisposição para tal antes da pandemia, o que desencadeou o processo de adoecimento. Os maiores índices foram de ansiedade, depressão, estresse e transtorno do estresse pós-traumático (TEPT)17

Segundo Barros et al.18 e Oliveira, Lucas e Iquiapaza9, ao enfrentar uma situação de saúde dessa magnitude, é natural que esforços, aplicações técnicas e pesquisas científicas sejam, prioritariamente, voltadas a questões biológicas. Esse contexto demanda agilidade em tentar mitigar a transmissão, buscando diminuir os impactos negativos que possam vir a acontecer no curso da pandemia, em cada uma de suas fases, elaborando cuidados específicos para cada momento e cada região afetada. Justamente com o aparecimento de uma doença viral que acarreta diversas incertezas, evidencia-se outro mal: o adoecimento psíquico. Como vivemos em um modelo biomédico, no qual a saúde mental vem lutando para ganhar espaço, mas ainda não recebeu sua devida importância, tais demandas tendem a ser negligenciadas ou subestimadas. Surgem, a partir desse dado e com maiores evidências, as necessidades e os desafios para os cuidados em saúde mental19

Para Ornell et al.20, a ocorrência dessa negação contribui para fatores negativos associados à doença, o que deve ser analisado com cuidado, pois os danos psicológicos tendem a abranger uma maior parte da população, gerando uma sobrecarga ao sistema de saúde. Não havendo os cuidados necessários, esses danos podem se tornar mais duradouros que a própria pandemia, estendendo-se a diversas esferas da vida e da sociedade. Para a sobrevivência da espécie humana foi necessário o uso de mecanismos adaptativos e de defesa, dentre eles, o medo. Na presença de eventos potencialmente ameaçadores o medo se ativa, por meio de vários processos biológicos de preparação, em uma resposta que busque a manutenção da sobrevivência, possuindo um papel fundamental para a preservação da espécie. Porém, quando se apresenta de forma desproporcional ou crônica, pode ser prejudicial, e tende a contribuir no desenvolvimento de transtornos psiquiátricos.

Durante uma situação epidêmica, estima-se que entre um terço e metade da população tende a apresentar demandas psicológicas e psiquiátricas, o que torna o número de pessoas afetadas por tais demandas maior que o número de pessoas acometidas pela

183 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
168-188

doença infecciosa em circulação. Caso não haja um cuidado adequado para tais pessoas, os danos podem se estender para além da epidemia, fazendo com que os afetados levem as consequências para o resto da vida4. Entretanto, nem toda reação psicológica poderá ser classificada como doença, pois diante de uma situação anormal é, de certa forma, normal que haja impactos psicológicos e sociais10

Conforme relatam Asmundson e Taylor21, uma pesquisa realizada no início de fevereiro de 2020, por Angus Reid, com 1.354 adultos canadenses, indicou que um terço dos entrevistados estavam preocupados com o coronavírus, ressaltando a importância dos aspectos emocionais e psicológicos em contexto de pandemia, e instigando pesquisadores a investigarem uma possível “pandemia do medo” ou “coronafobia”, ocorrendo concomitantemente à pandemia por coronavírus18

É possível verificar a ocorrência de sintomas psicológicos tais como depressão, humor depressivo, irritabilidade, insônia, ansiedade, estresse e transtorno do estresse póstraumático na população geral em situação de quarentena. O surgimento de alteração no sono, sofrimentos psíquicos e os transtornos mentais graves são reconhecidamente fatores negativos na qualidade da saúde, rotina e vida social das pessoas, sendo responsáveis por um aumento considerável de anos vividos com incapacidade. Esses aspectos contribuem também para o risco do desenvolvimento de doenças crônicas, que são fatores de risco para doenças virais e podem influenciar a adesão de comportamentos e hábitos prejudiciais à saúde18.

Fatores como a potencialidade fatal do vírus, que ainda tem sido estudada em suas origens, como se dá seu desenvolvimento, além do sentimento de dúvida e incertezas diante do cenário pandêmico, têm gerado mal-estar psicológico em muitas pessoas22. Um estudo realizado com a população geral na China, no qual foram incluídos 1.210 participantes em 194 cidades, no início da pandemia, revelou sintomas moderados a severos de ansiedade (28,8%), depressão (16,5%) e estresse (8,1%) e apontou alta prevalência (75,2%) do sentimento de medo de que seus familiares fossem contaminados pela covid-1919

Alguns fatores contribuem para o aumento desses índices de adoecimento mental: pessoas que precisam cumprir com a medida do isolamento social apresentam maior predominância de sentimentos de depressão e ansiedade em comparação às pessoas que não precisam se manter em isolamento18; profissionais de saúde da “linha de frente”, que enfrentam a sobrecarga emocional e a rotina estressante, pois lidam com constantes mudanças de protocolos, frustração em não conseguir salvar todas as vidas em risco, exposição a um grande número de óbitos e até possíveis ameaças e agressões de pessoas que perderam entes ou que não conseguiram atendimento e estão necessitando de algo que o profissional não pode oferecer19.

184

Para Moreira, Sousa e Nóbrega8, outro fator que se destaca também como um motivador para o agravo dessa condição de adoecimento são as fake news. Tais notícias, além de difundir mentiras e informações deturpadas, geram desinformação, fazendo com que os materiais desenvolvidos pelas autoridades de saúde não alcancem seu objetivo. Elas geram sensação de insegurança pois, no geral, são notícias de manchetes atraentes e alarmantes, instaurando um estado de pânico e afetando o senso de coletividade. Inclusive, essas notícias falsas podem contribuir para um comprometimento dos cuidados adequados para prevenção e mitigação da contaminação.

Fatores socioeconômicos também são preditores para o adoecimento mental, pois no Brasil pensar em “ficar em casa” é um desafio para a grande maioria das pessoas, seja pelas condições financeiras ou estruturais ou pela quantidade de pessoas inseridas dentro de um espaço pequeno. Ter que continuar a trabalhar e se preocupar constantemente com a perda da renda também é uma realidade para muitas dessas pessoas, sem citar as pessoas em situação de rua, indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outros grupos marginalizados10.

Outro grupo ainda mais afetado são pessoas com doença mental grave. Pesquisas indicam que sujeitos com transtornos mentais preexistentes têm maior predisposição a sofrer com índices mais altos de sintomas, como estresse e sofrimento psíquico, quando comparados a sujeitos sem histórico prévio de transtornos mentais. Em sua maioria, são mais afetados por causa de fatores como maior vulnerabilidade psicológica e maior dificuldade de acesso aos cuidados e à continuidade dos tratamentos, prejuízos provocados pela quarentena imposta devido à pandemia de covid-19. A presença de sentimentos como ansiedade, tristeza, alterações no sono são prevalentes nesse grupo22

Esse cenário pandêmico tem gerado desafios até no que diz respeito ao luto. Devido aos riscos produzidos pelo novo coronavírus, foi necessário implementar ações de amparo às famílias e aos amigos de vítimas da covid-19. Em uma cultura ocidental, onde o cortejo de despedida não tem sido possível, pensar novos modos de elaborar esse luto é de grande importância para não gerar diversas repercussões negativas de ordem emocional e psicossocial. Cada pessoa elabora o seu luto ao seu modo, não havendo uma sequência para que esse luto aconteça, pois é uma experiência pessoal e que precisa ser respeitada10

É necessário compreender que os cuidados em saúde mental precisam ser executados pelos diferentes campos da saúde, e é preciso enfatizar que o cuidado nos primeiros momentos evita a cronificação dos sintomas e reações que tendem a ser “normais” diante de uma situação “anormal”. Não se deve olhar para essa parcela da população como doentes, e deve-se evitar a medicalização desnecessária do cuidado. Oferecer uma escuta responsável e cuidadosa pode fazer total diferença para o desenvolvimento do quadro do sujeito que está em sofrimento emocional10.

185 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
168-188

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos evidenciaram a necessidade de maior investimento nos cuidados de profissionais de saúde que estão na linha de frente no combate à pandemia, seja investindo em EPI ou na valorização de seus esforços. O preparo desses profissionais quanto ao gerenciamento de crises também é um modo de causar menor impacto em possíveis situações futuras. A pandemia escancarou diversas deficiências e expôs fragilidades, mas ao mesmo tempo nos fortaleceu quanto à importância do SUS para a sobrevivência da população brasileira, que é rica em desigualdade social. Nesse sentido, o acesso universal, integral e equânime à saúde pública faz toda diferença em um período de crise no qual, teoricamente, as pessoas são atingidas pela doença independentemente de raça, credo ou condição social.

De modo geral, é notório o aumento dos casos de ansiedade, depressão, irritabilidade, distúrbios do sono e risco de comportamentos autodestrutivos, como aumento no consumo de álcool e cigarro. Apesar dos esforços das autoridades de saúde na promoção de informações, ainda há muito o que refletir e trabalhar para que os impactos da pandemia não sejam tão duradouros quanto relatam as possibilidades nos estudos. Desse modo, confirma-se que a saúde mental tem sido bastante impactada durante esse período de pandemia em todo o mundo. No Brasil, além dos fatores como medo e preocupação em relação ao patógeno em circulação, encontrou-se evidência que os condicionantes psicossociais têm influência direta na condição de adoecimento mental. Mesmo sendo uma reação esperada para um momento atípico, se fazem necessárias estratégias de cuidado para que a população tenha, em tempo hábil, para evitar maiores prejuízos, um cuidado que fortaleça a saúde psicológica, buscando a diminuição dos danos à saúde mental.

Pela sua característica de novidade, poucos foram os estudos encontrados voltados para a saúde mental da população brasileira no contexto da pandemia por coronavírus, gerando uma dificuldade para a autora no desenvolvimento e execução deste estudo. Sendo assim, salienta-se a grande necessidade de elaboração de novos estudos voltados para essa demanda, que é essencial para a saúde e bem-estar de todos.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Ana Lilian de Aguiar Marinho

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Ana Lilian de Aguiar Marinho, Roberta Duarte Maia Barakat, Francisco Regis da Silva, Alan Rodrigues Cavalcante

186

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Roberta Duarte Maia Barakat, Francisco Regis da Silva

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Roberta Duarte Maia Barakat

REFERÊNCIAS

1. Mota DM, Ferreira PJG, Leal LF. Produção científica sobre a COVID-19 no Brasil: uma revisão de escopo. Vigil Sanit Debate. 2020;8(3):114-24.

2. Nogueira CJ, Cortez ACL, Leal SMO, Dantas EHM. Recommendations for physical activity during COVID-19: an integrative review. Rev Bras Fisiol Exerc 2021;20(1):101-24.

3. Buss PM, Fonseca LE. Diplomacia da saúde e Covid-19: reflexões a meio caminho. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz; 2020.

4. Lima DLF, Dias AA, Rabelo RS, Cruz ID da, Costa SC, Nigri FMN et al. COVID-19 no estado do Ceará, Brasil: comportamentos e crenças na chegada da pandemia. Ciênc Saúde Colet. 2020;25(5):1575-86.

5. Sanar. Linha do tempo do coronavírus no Brasil [Internet]. Salvador (BA): Sanar; 2020. [citado em 2020 ago 15]. Disponível em: https://www.sanarmed. com/linha-do-tempo-do-coronavirus-no-brasil

6. Pan American Health Organization, World Health Organization. Epidemiological Update: Coronavirus disease (COVID-19), 26 June 2020. Washington (DC): Paho; 2020.

7. Secretaria da Saúde do Estado do Ceará. Boletim epidemiológico novo coronavírus (COVID-19) [Internet]. Ceará (CE): Secretaria da Saúde do Estado do Ceará; 2020. [citado em 2020 ago 30] Disponível em: https:// indicadores.integrasus.saude.ce.gov.br/indicadores/indicadores-coronavirus/ coronavirus-ceara

8. Moreira WC, Sousa AR, Nóbrega MPSS. Adoecimento mental na população geral e em profissionais de saúde durante a COVID-19: scoping review. Texto & Contexto Enferm. 2020;29:e20200215.

9. Oliveira EN, Costa MSA, Marques NS, Lomeo RC, Nascimento PIFV, Rodrigues CS, et al. Projeto vida em quarentena: estratégia para promoção da saúde mental de enfermeiros diante da COVID-19. Enferm Foco. 2020;11(1):162-7.

10. Fundação Oswaldo Cruz. Saúde mental e atenção psicossocial na pandemia COVID-19: recomendações gerais. Brasília (DF): Fiocruz, 2020.

187 v. 45, n. 4, p. 168-188 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

11. Miranda FMA, Santana LL, Pizzolato AC, Saquis LMM. Condições de trabalho e o impacto na saúde dos profissionais de enfermagem frente a Covid-19. Cogitare Enferm. 2020;25:e72702.

12. Saidel MGB, Lima MHM, Campos CJG, Loyola CMD, Esperidão E, Rodrigues J. Intervenções em saúde mental para profissionais de saúde frente a pandemia de Coronavírus. Rev Enferm UERJ. 2020;28:e49923.

13. Oliveira AC, Lucas TC, Iquiapaza RA. O que a pandemia da covid-19 tem nos ensinado sobre adoção de medidas de precaução? Texto & Contexto Enferm. 2020;29:e20200106.

14. Silva HGN, Santos LES, Oliveira AKS. Efeitos da pandemia no novo Coronavírus na saúde mental de indivíduos e coletividades. J Nurs Health. 2020;10(esp):e20104007.

15. Garrido RG, Rodrigues RC. Restrição de contato social e saúde mental na pandemia: possíveis impactos das condicionantes sociais. J Health Biol Sci. 2020; 8(1):1-9.

16. Soccol KLS, Tisott ZL. Abuso de bebidas alcoólicas durante a transmissão de “lives” no período de isolamento social. Enferm Foco. 2020;11(1):182-4.

17. Brooks SK, Webster RK, Smith LE, Woodland L, Wessely S, Greenberg N, et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet. 2020;395:912-20.

18. Barros MBA, Lima MG, Malta DC, Szwarcwald CL, Azevedo RCS, Romero D, et al. Relato de tristeza/depressão, nervosismo/ansiedade e problemas de sono na população adulta brasileira durante a pandemia de COVID-19. Epidemiol Serv Saúde. 2020;29(4).

19. Schmidt B, Crepaldi MA, Bolze DAS, Neiva-Silva L, Demenech LM. Saúde mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Estud Psicol (Campinas). 2020;37:e200063.

20. Ornell F, Schuch JB, Sordi AO, Kessler FHP. “Pandemic fear” and COVID-19: mental health burden and strategies. Braz J Psychiatry. 2020;42(3).

21. Smundson GJ, Taylor S. Coronaphobia: fear and the 2019-nCoV outbreak. J Anxiety Disord. 2020;70:102-96.

22. Iasevoli F, Fornaro M, D’Urso G, Galletta D, Casella C, Paternoster M, et al. Psychological distress in patients with serious mental illness during the COVID-19 outbreak and one-month mass quarantine in Italy. Psychol Med. 2020;51(6):1054-5.

Recebido: 14.3.2021. Aprovado: 20.9.2022.

188

ARTIGO DE REVISÃO

A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER COM DEFICIÊNCIA E SUA INVISIBILIDADE NO ÂMBITO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Brenna Oliveira de Souzaa

https://orcid.org/0000-0002-1506-9794

Francilene de Sousa Vieirab

https://orcid.org/0000-0003-3099-6032

Resumo

A violência contra as mulheres (VCM) é um episódio complexo e multifacetado, envolvendo distintos sistemas, aspectos sociais, mentais, estabelecidos pelas diferenças de gênero. O objetivo deste artigo é descrever as principais violências contra a mulher com deficiência e sua invisibilidade no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se de um estudo de revisão integrativa, realizado nas seguintes bases de dados: Electronic Library Online (SciELO), Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), contemplando a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas)/OMS, Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme), incluindo ainda a Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline), sendo os idiomas português, inglês e espanhol, com uma amostra final de 14 artigos. Os textos foram organizados segundo seu tema central de discussão em categorias. Este estudo procurou discutir aspectos acerca da violência contra a mulher, em especial mulheres portadoras de deficiências, tendo em vista a falta de atenção e compreensão sobre esse fenômeno social no público especificado. Embora haja diversos recursos de promoção dos direitos das mulheres e combate à violência por elas sofridas, muitos casos de violência são banalizados, não recebendo as devidas providências para redução dos índices de violência. Por último, ressalta-se a necessidade de esforços para diminuição das vulnerabilidades do próprio setor de saúde, com o intuito de aperfeiçoar suas ações e a necessidade de mudança gradativa do perfil dos profissionais, a fim de propiciar o melhor atendimento à vítima.

Palavras-chave: Mulheres. Violência. Deficiência. Serviços de saúde.

a Graduada em Enfermagem. Enfermeira. Imperatriz, Maranhão, Brasil. E-mail: brennaoliveira.1712@gmail.com

b Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em Biodiversidade, Ambiente e Saúde pela Universidade Estadual do Maranhão (Uema). Bacharel em Enfermagem pela Uema. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: lennyenf93@gmail.com Endereço para correspondência: Rua Delta, n. 36, Centro. Imperatriz, Maranhão, Brasil. CEP: 65900-350.

E-mail: brennaoliveira.1712@gmail.com

189 v. 45, n. 4, p. 189-205 out./dez. 2021 189
Revista Baiana de Saúde Pública
DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3331

VIOLENCE AGAINST WOMEN WITH DISABILITIES AND ITS INVISIBILITY WITHIN THE SCOPE OF THE UNIFIED HEALTH SYSTEM

Abstract

Violence against women (VAW) is a complex and multifaceted episode, involving different systems, social and mental aspects, established by gender differences. This article aims to describe the main violence against women with disabilities and their invisibility within the scope of the Unified Health System (SUS). This is an integrative review study, carried out in the following databases: Electronic Library Online (SciELO), Regional Portal of the Virtual Health Library (VHL), including the Pan American Health Organization (PAHO)/WHO, Latin American and Caribbean Center on Health Sciences Information (BIREME), also including the Latin American and Caribbean Literature on Health Sciences (LILACS), and Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), in the languages Portuguese, English, and Spanish, with a final sample of 14 articles. The texts were organized according to their central topic of discussion in categories. This study sought to discuss aspects of violence against women, especially women with disabilities, considering the lack of attention and understanding of this social phenomenon in this specific public. Despite the several resources to promote women’s rights and combat the violence suffered by them, many violence cases are trivialized, not receiving the necessary measures to reduce violence rates. Finally, we emphasize the need for efforts to reduce the vulnerabilities of the health sector itself, to improve its actions and the need for a gradual change in the profile of professionals, to provide the best care for the victim.

Keywords: Women. Violence. Disability. Health services.

LA VIOLENCIA CONTRA LAS MUJERES CON DISCAPACIDAD Y SU INVISIBILIDAD EN EL SISTEMA SANITARIO ÚNICO

Resumen

La violencia contra la mujer (VAW) es un episodio complejo y multifacético, que involucra diferentes sistemas, aspectos sociales y mentales, establecidos por las diferencias de género. El presente artículo tiene como objetivo describir las principales violencias contra las mujeres con discapacidad y su invisibilización en el ámbito del Sistema Único de Salud (SUS). Se trata de un estudio de revisión integradora realizado en las siguientes bases de datos: Biblioteca Electrónica en Línea (SciELO), Portal Regional de la Biblioteca Virtual en Salud (BVS) contemplando la Organización Panamericana de la Salud (OPS)/OMS, Literatura Latinoamericana Centroamericana y del Caribe

190

sobre Información en Ciencias de la Salud (Bireme), incluyendo también Literatura Latinoamericana y del Caribe en Ciencias de la Salud (Lilacs) y Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline), con portugués, inglés y español, con una muestra final de 14 artículos. Los textos se organizaron según su tema central de discusión en categorías. Este estudio buscó discutir aspectos de la violencia contra las mujeres, especialmente las mujeres con discapacidad, dada la falta de atención y comprensión de este fenómeno social en este público específico. Aunque existen varios recursos para promover los derechos de las mujeres y combatir la violencia que sufren, muchos casos de violencia son banalizados, no recibiendo las medidas necesarias para reducir los índices de violencia. Finalmente, destacamos la necesidad de esfuerzos para reducir las vulnerabilidades del propio sector de salud para mejorar su actuación y la necesidad de un cambio paulatino en el perfil de los profesionales, para brindar la mejor atención a la víctima.

Palabras clave: Mujeres. Violencia. Discapacidad. Servicios de salud.

INTRODUÇÃO

A violência contra as mulheres (VCM) é um episódio complexo e multifacetado, envolvendo distintos sistemas, aspectos sociais, mentais, estabelecidos pelas diferenças de gênero. Dessa forma, ultrapassa acontecimentos específicos das variáveis que envolvem a saúde e doença estabelecidas pelo modelo biomédico1

A violência sexual resulta em danos traumáticos, psicológicos e físicos, para quem a padece. Por percorrer épocas, territórios, e transpassar as mais diferentes civilizações, a despeito do nível social, cor, grupo, mantém-se uma marca universal2. Define-se a VCM como um aspecto de violência entre pessoas nos relacionamentos, como um mecanismo de poder consequente das diferenças de gênero, posição ocupacional e geração3.

Constantemente, nos deparamos com acontecimentos que abordam assuntos relacionados a gênero, deficiência, violências, mas, várias vezes, não vivemos ou compreendemos os obstáculos enfrentados pelo indivíduo com deficiência. Nesse caso, os problemas são intensificados, pois abrangem aspectos diversificados no mesmo acontecimento, como episódio global da violência de gênero sobre a vítima com deficiência4.

A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres tem por intuito determinar conceitos, princípios, diretrizes e ações de precaução e cautela à VCM, assim como de auxílio e garantia de direitos às mulheres em circunstâncias de violência, em conformidade com as normas e mecanismos internacionais de direitos humanos e legislação nacional5. Na maior parte dos casos, as mulheres que sofrem violência manifestam mazelas

191 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
189-205

por conta dos efeitos subsequentes das ações violentas vivenciadas, apresentando necessidade de apoio multidisciplinar com os vestígios deixados na vida sexual, afetiva, social, profissional6.

Nesse contexto, a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres consiste na intersetorialidade, por meio das políticas públicas, na tentativa de uma assistência completa para sistematizar o enfrentamento à violência sexual, garantindo-lhes direitos, em acordo com normas e ferramentas internacionais de direitos humanos e legislação nacional7.

Torna-se indispensável ampliar o ponto de vista dos profissionais sobre o uso de protocolos, levando em consideração que estes operacionalizam as orientações políticas e as normas dos sistemas de saúde que prestam assistência às mulheres em situação de violência sexual8

No Brasil, a legislação que visa garantir os direitos constitucionais à mulher tem se determinado, aperfeiçoado e alongado com os anos. Destaca-se, nesse processo, a busca de certificação do amparo à vítima de violência, particularmente na assistência de saúde. Entretanto, existe uma falha na avaliação da eficiência dos referidos instrumentos legais9.

Mulheres com deficiência, além de possuírem menos acesso à proteção contra a violência sexual e outros danos, com repetição, são menos aptas a se proteger. Os agressores, frequentemente, são provedores, protetores ou indivíduos de quem elas dependem para apoio físico ou financeiro. Além disso, existe o receio de realizar a denúncia devido à falta de credibilidade e, também, por não haver alcance longitudinal suficiente para que o Estado tenha compreensão desses fatos4.

O percentual de indivíduos com deficiência na comunidade tende a ampliar com o passar do tempo. Isso ocorre em virtude do aumento da expectativa de vida da população, culminando, consequentemente, na maior longevidade e no surgimento de novos agravos. Sendo assim, apurar os problemas encontrados pelas pessoas com deficiências no acesso aos serviços de saúde pode fornecer contribuições para o planejamento em saúde, fortalecendo os sistemas de saúde de forma que atendam a esse grupo populacional de maneira adequada10 Agir com integralidade retrata a proximidade mais propícia para investigar as ocorrências de vulnerabilidade a que as mulheres com deficiência estão submetidas, invisíveis aos serviços de saúde pela falta de abordagem pelos profissionais11. Ressalta-se que, muitas das vezes, são esses profissionais que realizam os primeiros atendimentos e precisam estar apropriados das necessidades das mulheres12.

É expressiva a presença, nos serviços de saúde, de mulheres que estão ou estiveram em situação de violência em seus vínculos afetivo-conjugais, sendo mais comuns as violências psicológicas, físicas ou sexuais por seus parceiros íntimos7. Apesar dos empenhos globais com as legislações e os regulamentos para sistematizar a atenção às mulheres em situação de

192

violência sexual nos serviços de saúde, nem sempre o trabalhador se apropria dos assuntos das políticas e registros protocolares que conduzem a sua execução e que tendem aos conceitos administrativos e gerenciais do sistema de saúde8.

Portanto, esta revisão se justifica em um cenário crescente de ocorrências de violência contra a mulher, em que as ações de prevenção são relevantes em todos os segmentos e podem contribuir para a redução de danos decorrentes desse tipo de violência. Dessa forma, o objetivo deste artigo é realizar uma revisão integrativa de estudos que abordem a violência contra a mulher com deficiência e sua invisibilidade no âmbito do Sistema Único de Saúde, com o intuito de conhecer e analisar as principais abordagens sobre a temática e, dessa forma, contribuir para o aprofundamento das reflexões existentes sobre as práticas da prevenção da violência contra a mulher no Brasil.

MATERIAL E METÓDOS

Trata-se de um estudo de revisão integrativa, instrumento fundamental para a transmissão dos resultados das pesquisas, uma vez que promove a síntese do conhecimento existente, fornecendo subsídios para a tomada de decisão, contribuindo para a incorporação de evidências e otimizando a transferência de novos conhecimentos para a prática13

A revisão foi realizada por meio do levantamento bibliográfico em bases de dados virtuais indexadas. A busca ocorreu no ano de 2020, nas seguintes bases eletrônicas: Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS).

A base de dados SciELO consiste em um sistema de publicação eletrônica de edições integradas de revistas científicas, apresentando ainda a produção de indicadores estatísticos de impacto da literatura científica.

O portal da BVS foi escolhido em virtude da concentração de informações técnico-científicas sobre saúde na América Latina e no Caribe, contemplando o centro especializado da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas)/OMS de informações científicas em saúde, Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme), incluindo ainda a Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline).

Os critérios de inclusão adotados na primeira etapa da pesquisa bibliográfica consistiram em artigos científicos que abordassem o tema “violência contra a mulher” sem delimitação de tempo. As razões dessa busca mais ampla no momento inicial serão explicitadas posteriormente. Outro critério de inclusão adotado contemplou materiais disponíveis nos idiomas português, inglês ou espanhol que tivessem texto completo disponível. Como critério

193 v. 45, n. 4, p. 189-205 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

de exclusão, adotaram-se textos com foco no feminicídio e publicações cujos resumos não estivessem disponíveis para acesso.

Utilizaram-se descritores listados no Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) que compreendessem os aspectos relacionados a mulheres, deficiência e violência, tendo sido selecionados os seguintes descritores: “Mulheres”, “violência”, “deficiência”, “Pessoas com deficiência”, “violência contra a mulher”, “Exposição a violência”, “Serviços de saúde”, “Sistema Único de Saúde”.

Foram realizadas combinações dos DeCS nos idiomas português, inglês e espanhol por meio do operador booleano AND. A combinação dos descritores em espanhol não obteve publicações que atendessem aos critérios de inclusão, ocorrendo, na maior parte das vezes, a fuga temática, o que pode ter ocorrido em razão da especificidade do tema.

Nessa primeira fase, foi feita uma busca bibliográfica ampla, abrangendo todos os tipos de violência, não apenas os relativos à violência contra a mulher com deficiência. A seleção inicial contemplou publicações que tratassem da violência e que, independentemente do local de realização, tivessem como país/região, enquanto assunto, o Brasil, em virtude da pretensão de conhecer a situação da violência contra a mulher com deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto, em virtude do grande número de publicações levantadas, optou-se por restringir o escopo de análise, ou seja, direcionar a análise para artigos que tivessem como alvo a violência contra a mulher com deficiência.

Na segunda fase de busca, aplicou-se um segundo filtro, objetivando reunir apenas publicações que discorressem sobre violência contra a mulher no Brasil, visando conhecer o que autores e periódicos haviam publicado sobre a temática. A busca inicial levantou 3.835 pesquisas apenas nas bases SciELO e no portal da BVS; após a filtragem de materiais repetidos, que fugiam à temática, totalizou 1.567 publicações.

Os trabalhos selecionados foram concentrados em pasta específica, onde as publicações foram organizadas com base nos descritores utilizados em cada base de dados. Após avaliação crítica pelos revisores, os artigos foram reagrupados por categorias temáticas, tipologia, periódico, ano de publicação e objetivos das publicações. Os estudos foram sistematizados por categorias temáticas, considerando os temas dominantes e secundários dos materiais.

RESULTADOS

Após a análise crítica das publicações, foram selecionados 14 estudos. Embora o tema “violência contra a mulher” tenha sido alvo de inúmeras discussões na atualidade, sendo apresentado em várias publicações, as pesquisas apresentam o assunto de forma geral, em que ocorre a delimitação, na maior parte das vezes, apenas sobre o tipo de violência, com o público-alvo limitado

194

Revista Baiana de Saúde Pública

a mulheres, não sendo tratada a especificidade da violência para os grupos vulneráveis, como as mulheres que apresentam deficiência. Foi identificado um pequeno número de publicações que contemplam esse público em especial.

As publicações selecionadas estão apresentadas no Quadro 1, sendo que quatro delas relacionavam-se ao tema “mulheres, deficiência e violência e suas características”; cinco publicações remetem a estratégias de enfrentamento da violência contra a mulher e, por fim, cinco artigos abordaram a temática “atenção à saúde e acesso aos serviços de saúde por vítimas de violência”.

Quadro 1 – Caracterização das publicações selecionadas. Fortaleza, Ceará, Brasil – 2020

1 Meneghel, Mueller, Collaziol, Quadros, 2011 Ciência & Saúde Coletiva

2 Santos, Moré, 2011 Paidéia

3 Souto, Leite, França, Cavalcante, 2012 Cogitare Enfermagem

Repercussões da Lei Maria da Penha no enfrentamento da violência de gênero

Repercussão da violência na mulher e suas formas de enfrentamento

Violência sexual contra mulheres portadoras de necessidades especiais: perfil da vítima e do agressor

4 Baraldi, Almeida, Perdoná, Vieira, 2012 Rev. Bras. Saúde Matern. Infant.

Violência contra a mulher na rede de atenção básica: o que os enfermeiros sabem sobre o problema?

Identificar a rota das mulheres que decidiram romper com a violência e buscar ajuda

Caracterizar a repercussão da violência na mulher e suas formas de enfrentamento

Caracterizar o perfil da vítima e do agressor da violência sexual a portadoras de necessidades especiais

Descrever o conhecimento dos enfermeiros das Unidades Distritais Básicas de Saúde do município de Ribeirão Preto, SP, Brasil, acerca da violência contra a mulher, particularmente aquela cometida pelo parceiro íntimo

Qualitativo

Qualitativo

Quantitativo

Quantitativo

Limites e possibilidades avaliativos da Estratégia Saúde da Família para a violência de gênero

Qualitativo

189-205

195 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
PUBLICAÇÃO PERIÓDICO TÍTULO DA PUBLICAÇÃO OBJETIVO MÉTODO
ORDEM AUTOR E ANO DE
5 Guedes, Fonseca, Egry, 2012 Rev. Esc. Enferm. USP
Compreender os limites e as possibilidades avaliativas da Estratégia Saúde da Família (ESF) no que tange ao reconhecimento e enfrentamento de necessidades em saúde de mulheres que vivenciam violência de gênero (continua)

Quadro 1 – Caracterização das publicações selecionadas. Fortaleza, Ceará, Brasil – 2020 (conclusão)

ORDEM AUTOR E ANO DE PUBLICAÇÃO PERIÓDICO

6 Nicolau, Schraiber, Ayres, 2013 Ciência & Saúde Coletiva

7 Gesser, Nuernberg, Toneli, 2013 Psicologia em Estudo

8 Menezes, Lima, Correia, Souza, Erdmann, Gomes, 2014 Saúde Sociedade

Mulheres com deficiência e sua dupla vulnerabilidade: contribuições para a construção da integralidade em saúde

Constituindo-se sujeito na intersecção gênero deficiência: relato de pesquisa

Enfrentamento da violência contra a mulher: articulação intersetorial e atenção integral

Conhecer como mulheres com deficiência fazem uso dos serviços de atenção primária, examinado a condição de ser mulher e ser portadora de deficiência

Compreender o processo de constituição de mulheres com deficiência física, com ênfase na intersecção das questões de gênero com a deficiência

Identificar elementos que interferem no processo de enfrentamento da violência contra a mulher

Qualitativo

9 Batista, Schraiber, D’oliveira, 2018 Cadernos de Saúde Pública

Gestores de saúde e o enfrentamento da violência de gênero contra as mulheres: as políticas públicas e sua implementação em São Paulo, Brasil.

10 Costa, Lordes, Fraga, Santana, Bubach, Leite, 2018 Rev. Enferm. UERJ Estratégias de enfrentamento adotadas por mulheres vítimas de violência

11 Rosa, Ramos, Gomes, Melo, Melo, 2018 Saúde Debate

12 Santos, Leite, Amorim, Maciel, Gigante, 2018

Ciência & Saúde Coletiva

13 Passos, Telles, Oliveira, 2019 Saúde Debate

14

Carneiro, Gomes, Estrela, Paixão, Romano, Mota, 2020

Fonte: Elaboração própria.

Qualitativo

Qualitativo

Mapear as políticas públicas e as propostas de organização institucional de uma rede de atenção integral, assim como conhecer suas implementações nos serviços

Analisar as estratégias de enfrentamento adotadas por mulheres vítimas de violência

Violência provocada pelo parceiro íntimo entre usuárias da Atenção Primária à Saúde: prevalência e fatores associados

Violência contra a mulher na vida: estudo entre usuárias da Atenção Primária

Da violência sexual e outras ofensas contra a mulher com deficiência

Texto & Contexto Enfermagem

Investigar a prevalência e os fatores associados à violência contra a mulher, provocada por parceiro íntimo

Estimar a prevalência e os fatores associados à violência praticada por parceiro íntimo, ao longo da vida, entre as usuárias da Atenção Primária

Analisar dois parâmetros que sustentam a violência no Brasil: ser mulher e com deficiência

Desvelando as estratégias de enfrentamento da violência conjugal utilizadas por mulheres

Desvelar as estratégias de enfrentamento da violência conjugal utilizadas por mulheres.

Qualitativo

Qualiquantitativo

Quantitativo

Quantitativo

Qualitativo

Qualitativo

196
TÍTULO DA PUBLICAÇÃO OBJETIVO MÉTODO

189-205

Quanto à metodologia utilizada nas publicações, predominaram os estudos de caráter transversal, seguidos pelos artigos de cunho descritivo e exploratório, respectivamente. A amostra foi composta ainda por um artigo de revisão de literatura, um estudo de caso e controle, uma publicação de caráter transversal e um estudo de caso. Quanto à abordagem dos estudos, cinco eram de abordagem quantitativa; oito de abordagem qualitativa e apenas um quantiqualitativo.

Identificou-se um conjunto de categorias para análise, buscando trazer à tona dados a respeito da temática proposta neste estudo. Portanto, cabe destacar que certas características evidenciadas em conjunto auxiliam a melhor contextualização do tema estudado. Os aspectos mais discutidos foram abordados a partir de um quadro de temáticas principais, como pode ser visualizado na Tabela 1.

Tabela 1 – Temas abordados nas publicações. Fortaleza, Ceará, Brasil – 2020

TEMÁTICA ENFOQUES

Mulheres, deficiência e violência Pessoas com deficiência; violência de gênero; tipos de violência.

Características das mulheres com deficiência vítimas de violência

Atenção à saúde e acesso aos serviços de saúde por vítimas de violência

Estratégias para o enfrentamento da violência contra a mulher

Avaliação da deficiência; violência de gênero; direitos humanos; gênero e deficiência; pessoas com deficiência; atenção integral à saúde; saúde da mulher; atenção primária à saúde; vulnerabilidade.

Violência contra a mulher; violência doméstica; mulheres agredidas; maus-tratos conjugais; atenção primária à saúde; médicos de emergência; qualificação dos profissionais para atender a mulher vítima de violência; gênero e saúde; política de saúde; gestores; profissionais da saúde; agentes comunitários de saúde; serviços de saúde; atenção primária à saúde; humanização da assistência.

Atenção à saúde; ação intersetorial; enfermagem; políticas de enfrentamento à violência; violência doméstica; violência; educação em saúde; enfrentamento.

Fonte: Elaboração própria.

Os textos foram organizados segundo seu tema central de discussão nas categorias: Mulheres, deficiência e violência; Características das mulheres com deficiência vítimas de violência; Atenção à saúde e acesso aos serviços de saúde por vítimas de violência; Estratégias para o enfrentamento da violência contra a mulher.

DISCUSSÃO

MULHERES, DEFICIÊNCIA E VIOLÊNCIA

As mulheres com deficiência, ao longo de sua vida, lidam com situações que influenciam em seu desenvolvimento e no relacionamento com o meio, como, por exemplo, experiências de superproteção ou rejeição familiar, família com pouca informação sobre deficiência, costumes tradicionais embasados em gênero e paternalismo, dificuldade de acesso

197 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

aos serviços de saúde e reabilitação, privação de recursos para promover sua autonomia e falta de investimentos em educação e habilitação11.

A multidimensionalidade da violência contra a mulher está no fato de a maioria dos casos acontecerem dentro do núcleo familiar, o que faz as vítimas duvidarem das atitudes agressoras sofridas, por medo de ficarem sozinhas, atreladas à dependência financeira, por culpa, vergonha e medo de perder os filhos. Mesmo com todos esses relatos, observa-se o romantismo pelos seus companheiros, pelo medo de perdê-los ou que sejam presos, procurando motivos para amenizar suas atitudes, o que contribui para sustentação das situações de violência14.

A dupla vulnerabilidade, ser mulher e ter deficiência, refere-se às suas experiências no meio social, no qual pessoas com deficiência ocupam uma posição menos favorecida e possuem menores possibilidades de participação na sociedade e política, educação, justiça, saúde, mercado de trabalho, cultura, lazer, entre outras oportunidades de promoção da equidade e dos direitos da pessoa portadora de deficiência. Além disso, devido à diferença de gênero imposta, as mulheres são vítimas de preconceitos referentes à expressão de sua sexualidade e da maternidade, tendo como argumento os padrões corporais padronizados pela sociedade, e são vistas como mulheres que fogem dos padrões estéticos considerados “normais”11

Dentre as violências sofridas pela mulher com deficiência, destaca-se a violência conjugal, processo multidimensional de agressões anteriores e ausência de atitudes frente a essa violência. No entanto, algumas mulheres, mesmo sofrendo violência física, não identificam essas ações como violência, o que faz permear essa situação por tempos14 Mesmo com medidas de promoção dos direitos da mulher, como a Lei Maria da Penha, ainda é necessário o alinhamento desta lei com legislações mais avançadas e acordos internacionais que visam a diminuição dos casos de violência contra a mulher. Essa lei é uma forma de punição mais severa da pessoa que comete agressão contra as mulheres, porém ainda há falta de órgãos que integrem essa luta por direitos15

A violência provoca repercussões devastadoras à mulher em termos de sua saúde física e psicológica. As reações comportamentais e emocionais consistem em desânimo, insônia, dores de cabeça, angústia, ansiedade, choro frequente e instabilidade emocional. Entre as consequências de ordem psicológica, estão o uso cada vez mais frequente de psicoterápicos, como antidepressivos, ansiolíticos, uso de bebidas alcoólicas, drogas lícitas e ilícitas, além de pensamento suicida, enfatizando o grau de prejuízo psicológico pelo qual as mulheres vítimas de violência são acometidas14

Embora o tema esteja em ampla discussão, muitas mulheres desconhecem seus direitos. No que concerne à divulgação dos casos ocorridos, tende a aumentar o número de denúncias, isso porque as pessoas adquirirem mais conhecimentos sobre seus direitos e leis protetivas15.

198

Quanto aos tipos de violências sofridas pelas mulheres portadoras de necessidades especiais, houve predomínio da violência provocada pelo parceiro íntimo (VPPI), seguida por outros agressores, como vizinhos, familiares, desconhecidos ou amigos, nas dimensões psicológica ou moral, física e sexual. Estudos citam que a violência psicológica, sexual e física são as mais evidentes. A violência provocada por um membro da família configura violência doméstica, que representa a maior parte das violências sofridas14,16

Mulheres portadoras de deficiências intelectuais são mais vulneráveis a abusos de cunho sexual, em relação aos demais tipos de deficiência. Embora, no Brasil, existam instrumentos jurídicos para a promoção da equidade de gênero e de inclusão de pessoas portadoras de deficiência, a realidade é muito diferente do esperado, sendo marcada por iniquidades. Essa realidade coloca a mulher em posição de vulnerabilidade, não se reconhecendo como cidadã dotada de direitos e responsabilidades17,11

CARACTERÍSTICAS DAS MULHERES COM DEFICIÊNCIA VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA

Quatro das publicações exploradas citam as vulnerabilidades da mulher com deficiência. O enfoque da violência acometida na mulher com deficiência foi discutido em duas publicações.

Os achados referentes às características sociodemográficas das mulheres vítimas de violência apontam renda inferior a dois salários mínimos, residência na zona rural, baixo grau de escolaridade, como fatores importantes para a vítima ter um baixo nível de conhecimento. Torna-se evidente que, nas classes menos favorecidas, a violência pode ser gerada pelo baixo nível educacional. Além disso, a fragilidade feminina construída historicamente também foi responsável por colocar a mulher em posição vulnerável ao homem e seus comportamentos hostis17 Grande parte das mulheres entrevistadas estavam na faixa etária de 30 a 40 anos e a maioria era solteira14. No que diz respeito à escolaridade, predominou o ensino fundamental completo, apresentando renda familiar de um a dois salários mínimos, exercendo função de doméstica e donas do lar. Isso mostra a vulnerabilidade condicionada a essa mulher, pela sua condição socioeconômica e dependência financeira do seu parceiro.

O tema “violência sexual ou outros abusos sofridos contra a mulher com necessidades especiais” perpassa vários entendimentos. Comumente, essas mulheres são obrigadas a agradecer pelos abusos sofridos, afinal, estão lhe fazendo um favor com o interesse sexual pela sua pessoa. Por vezes, os abusos e as maldades sofridas são inenarráveis. Elas são privadas de cuidados básicos, como higiene, alimentação; são negados seus instrumentos de auxílio, bengalas ou muletas, entre outros18.

Nessa perspectiva, as informações obtidas mostram a necessidade de prevenir a violência sexual entre mulheres portadoras de necessidades especiais. Essas mulheres deveriam receber a ajuda

199 v. 45, n. 4, p. 189-205 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

necessária para que, diante de situações abusivas, fossem capazes de se proteger e não sofrer violência, resultando na garantia dos direitos e chances de terem uma vida mais saudável e plena17.

Outra característica identificada foi que as mulheres conseguiam reconhecer o comportamento violento de seus companheiros ou demais agressores, contudo, apresentaram uma grande resistência em romper com o ciclo de violência. Ademais, outras formas de privação também foram descritas, como o acesso à educação e inclusão social, desigualdade de gênero evidenciada ainda mais na mulher com deficiência, o que influi na naturalização da violência sofrida, trazendo a ideia de que elas têm menos poder nas relações conjugais e familiares e tornando-as mais vulneráveis e submissas à violência19

A tomada de decisão por parte da mulher para denunciar o agressor, em muitos casos, depende da intensidade e gravidade das agressões consideradas como situações intoleráveis. Por exemplo, agressões na cabeça ou uso de objetos no ato da violência. Esses relatos são considerados como situações-limite para cessação do círculo de violência14

ATENÇÃO À SAÚDE E ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA

Em duas das publicações, identificou-se a atuação dos profissionais frente à violência contra a mulher. Identificar e intervir no fenômeno da violência contra a mulher, muitas vezes, perpassa pela capacidade do profissional de reconhecer tal vivência. Portanto, um dos principais problemas identificados foi a ausência ou a falta de capacitação adequada dos profissionais para lidar com os casos de violência contra a mulher. Assim, evidencia-se a função do profissional da atenção básica, primeiro nível da assistência, de identificar e intervir precocemente20,21.

A compreensão das necessidades biopsicossociais das mulheres vítimas de violência é comentada quando se trata da atenção a essa mulher, levando em conta todo o apoio psicológico que deve ser levado em consideração, não apenas práticas baseadas na atenção biomédica voltadas em atender as necessidades de ordem física, mas também em uma visão biológica, holística e social da situação, bem como nos aspectos desencadeantes que levam a mulher a procurar o serviço de saúde22.

A vulnerabilidade vivenciada pelas mulheres com deficiência se refere à falta de direitos assistenciais com abordagens específicas para cada tipo de deficiência, falta de acessibilidade nos serviços de saúde, capacitação e sensibilização ineficazes dos serviços e profissionais de saúde, não reconhecimento dos direitos humanos das mulheres com deficiência11

Alguns aspectos são importantes no que se refere aos serviços de apoio à mulher que sofre violência, como a concepção de que o reconhecimento da violência é um problema que também compete aos serviços de saúde e o problema da identificação de sinais de violência pelo próprio profissional, pois muitas vezes a verbalização pela vítima não ocorre. Quanto ao atendimento, as consultas médicas

200

e de enfermagem, as visitas domiciliares constituem espaços mais relatados no reconhecimento de situações de violência, especialmente durante as consultas pré-natal, onde a mãe e o bebê são o foco do atendimento. Além disso, outros espaços não específicos em saúde da mulher constituem oportunidades para esse reconhecimento, tais como o atendimento à criança, curativos, vacinas e triagem22

Em casos de violência, é notório que muitos profissionais não se atentam ao fato. Dessa forma, destaca-se o papel do Agente Comunitário de Saúde (ACS). Pela estreita relação com as pacientes, em suas visitas domiciliares, podem perceber mais facilmente marcas da violência sofrida, em especial a violência doméstica, bem como todas as suas repercussões em sua saúde, mesmo que não seja verbalizado por elas20.

A função desempenhada dos gestores no enfrentamento da violência contra a mulher é imprescindível. Eles são responsáveis por intervir e implementar mudanças, apostando na criação de redes de enfrentamento, o que nem sempre é uma realidade. São poucos os gestores ou profissionais da saúde que entendem sobre a temática “violência contra a mulher” como parte de sua atuação, e um número ainda menor de gestores que conhecem as leis, normas ou protocolos de atuação23 Torna-se evidente que a capacitação específica para essa temática é necessária, para que haja um maior nível de atenção a ela.

A abordagem da violência como um fenômeno multidimensional, determinado por fatores relacionais, culturais, sociais, históricos, econômicos e por estigmas de gênero, envolve discussões sobre violação, ética e promoção e proteção dos direitos humanos e da mulher. Com essas abordagens, os profissionais podem elaborar estratégias para mudança nas condições de enfrentar o agravo, com intuito de promover a saúde e a cidadania dessas mulheres14.

Muitos profissionais da saúde não têm capacitação adequada para lidar com a violência. Os resultados obtidos em pesquisa14 demonstraram que, dentre os médicos e enfermeiros entrevistados, apenas em algum momento foi discutido esse assunto. Os profissionais de enfermagem apresentaram maiores chances de formação para qualificação do atendimento aos casos de violência. Apesar do pouco treinamento específico para esses casos, alguns profissionais reconhecem a necessidade de treinamento, já outros relatam ser desnecessária a capacitação, por ser um trabalho mais voltado para a área policial.

Há uma carência de profissionais nos serviços que compõem a rede de apoio à mulher que sofre violência. Entre os profissionais, havia mais voluntários, sendo muitas vezes a única categoria presente nesses serviços15. Isso ressalta a escassez de atenção e prioridade do Estado à política de enfrentamento da violência de gênero. Ademais, faltam protocolos específicos para o atendimento qualificado das vítimas, registros dos casos para devida notificação e preocupação quanto aos planos terapêuticos e de cuidado, bem como os encaminhamentos efetuados dentro da rede.

201 v. 45, n. 4, p. 189-205 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

ESTRATÉGIAS PARA O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Saber identificar é essencial para entender a complexidade da violência contra a mulher, o que favorecerá a intervenção das diversas demandas, que muitas vezes superam a capacidade de resolução de um só serviço. Além disso, é necessário um olhar holístico para o atendimento, visando assegurar que ele ocorra de forma integral, contemplando os aspectos biológicos e psicológicos, além das questões policiais, jurídicas e socioeconômicas, superando o despreparo dos serviços para o acolhimento, assistência integral e o encaminhamento da mulher21

Destaca-se, dentre as vulnerabilidades que influem na tomada de decisão para o enfrentamento e o rompimento do ciclo da violência, a ausência de renda, ou não possuir a própria autonomia financeira. Dados revelam que o apoio familiar, afetivo e financeiro é de suma importância na decisão feminina. A falta de suporte por parte dos familiares, por sua vez, induz a permanência e até mesmo influencia no regresso à relação abusiva. Nota-se que a renda é uma ferramenta crucial na tomada de decisão e no rompimento do ciclo da violência24,25.

A articulação intersetorial, a fim de possibilitar o enfrentamento das agressões sofridas pelas mulheres e melhorar a assistência, favorece a resolução do problema. Essa dificuldade de articulação, principalmente do setor da saúde, deve-se à pouca percepção dos profissionais de que a violência constitui um agravo à saúde, tanto individual como coletiva. Para amenização da violência sofrida, a socialização dos problemas, conhecimentos, experiências e ideias auxiliam no processo de enfrentamento, servindo como fortalecimento da rede de atenção à mulher em situação de violência21.

Algumas medidas são tomadas para garantir à mulher segurança. Medidas protetivas, por exemplo, funcionam para resguardar a integridade física e psicológica das mulheres em situação de violência. No entanto, muitas vítimas não se sentem seguras e amparadas com esta ferramenta legal. Os agressores ficam impunes quando o pedido de proteção é acionado. Em geral, não são atendidos prontamente, ficando, assim, apenas no papel o que está previsto em lei. Portanto, em muitos casos, o Estado não consegue garantir proteção a essas vítimas e punir de forma oportuna o desrespeito às normas judiciais. Além do mais, a precariedade de recursos estruturais e humanos dificulta o enfrentamento da violência de gênero15

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo procurou conhecer e analisar aspectos acerca da violência contra a mulher, em especial mulheres portadoras de deficiências. Apesar de muitos avanços na assistência à vítima de violência, percebe-se que a atenção integral ainda é um grande desafio, e isso é evidenciado ainda mais na mulher com deficiência. No que tange a esse último aspecto, houve a

202

carência de publicações acerca do estudo sobre vítimas portadoras de deficiência, o que afirma, mais uma vez, a falta de atenção e compreensão desse fenômeno social nesse público.

Embora haja diversos recursos de promoção dos direitos das mulheres e combate à violência por elas sofridas, muitos casos de violência são banalizados, não recebendo as devidas providências para redução dos índices de violência. A respeito da assistência à saúde e rede de apoio à mulher violentada, é observada uma desarticulação da rede, faltando recursos para amparar a mulher vítima de violência. Outro aspecto é a falta de atenção integral e a promoção das ações que assegurem os direitos humanos, que geralmente são desconhecidos.

As medidas de enfrentamento da violência contra a mulher são de responsabilidade conjunta, tanto dos serviços de saúde e sociais como dos profissionais de saúde na percepção de sinais e comportamentos que sugerem situações de violência omissas. Medidas educativas visando o empoderamento feminino também podem ser implantadas para a desconstrução da desigualdade de gênero e o rompimento do ciclo da violência.

Dessa forma, estimulam-se investigações que apontem mais claramente as experiências e os desafios relacionados com a atuação intrassetorial e intersetorial para identificação e prevenção da violência contra a mulher, bem como mapeamento da rede de apoio ofertada às mulheres vítimas de violência, serviços disponíveis e, no caso de uma mulher ser a agressora, quais as medidas tomadas. Ademais, não foram verificados artigos que abordassem, em profundidade, a temática da violência de forma globalizada, sendo direcionados, em sua maioria, para um tipo de violência específica, ou seja, a violência e suas diferentes formas são abordadas de forma isolada. Os estudos não apresentam uma análise geral, mas de maneira individualizada, o que impossibilita uma visão geral sobre o tema. Por último, ressalta-se a necessidade de esforços para diminuição das vulnerabilidades do próprio setor de saúde, com o intuito de aperfeiçoar suas ações e promover a mudança gradativa do perfil dos profissionais, a fim de propiciar o melhor atendimento à vítima.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Brenna Oliveira de Sousa e Francilene de Sousa Vieira.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Brenna Oliveira de Sousa e Francilene de Sousa Vieira.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Brenna Oliveira de Sousa e Francilene de Sousa Vieira.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Brenna Oliveira de Sousa e Francilene de Sousa Vieira.

203 v. 45, n. 4, p. 189-205 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

REFERÊNCIAS

1. Cortes LF, Padoin SMM, Kinalski DDF. Instrumentos para articulação da rede de atenção às mulheres em situação de violência: construção coletiva. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37:2016-56.

2. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Pragmáticas e Estratégicas. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes: norma técnica. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012.

3. Moreira SNT, Galvão LLLF, Melo COM, Azevedo GD. Violência física contra a mulher na perspectiva de profissionais de saúde. Rev Saúde Pública. 2008;42(6):1053-59.

4. Passos RL, Telles FSP, Oliveira MHB. Da violência sexual e outras ofensas contra a mulher com deficiência. Rev Saúde Debate. 2019;43:154-64.

5. Brasil. Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Brasília (DF): Presidência da República; 2011.

6. Oliveira EM, Barbosa RM, Moura AAVM, Kossel KV; Morelli K; Botelho LFF, et al. Atendimento às mulheres vítimas de violência sexual: um estudo qualitativo. Rev Saúde Pública. 2005;39(3):376-82.

7. Schraiber LB, Barros CRS, Castilho EA. Violência contra as mulheres por parceiros íntimos: usos de serviços de saúde. Rev Bras Epidemiol. 2010;13(2):237-45.

8. Vieira LJES, Silva ACF, Moreira GAR, Cavalcanti LF, Silva RM. Protocolos na atenção à saúde de mulheres em situação de violência sexual sob a ótica de profissionais de saúde. Ciênc Saúde Colet. 2016;21(12):3957-65.

9. Pinto LSS, Deus MCBR, Melo AN, Leite CBC, Oliveira IMP, Pinto ESS. Políticas públicas de proteção à mulher: avaliação do atendimento em saúde de vítimas de violência sexual. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(5):1501-08.

10. Castro SS, Lefèvre F, Lefèvre AMC, Cesar CLG. Acessibilidade aos serviços de saúde por pessoas com deficiência. Rev Saúde Pública. 2011;45(1):99-105.

11. Nicolau SM, Schraiber LB, Ayres JRCM. Mulheres com deficiência e sua dupla vulnerabilidade: contribuições para a construção da integralidade em saúde. Ciênc Saúde Colet. 2013;18(3):863-72.

12. Cortes LF, Padoin SMM. Intencionalidade da ação de cuidar mulheres em situação de violência: contribuições para a Enfermagem e Saúde. Esc Anna Nery. 2016;20(4).

13. Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2008;17(4):758-64.

204

14. Santos ACW, Moré CLOO. Repercussão da violência na mulher e suas formas de enfrentamento. Paidéia (Ribeirão Preto). 2011;21(49):227-35.

15. Meneghel SN, Mueller B, Collaziol ME, Quadros MM. Repercussões da Lei Maria da Penha no enfrentamento da violência de gênero. Ciênc Saúde Colet. 2013;18(3):691-700.

16. Rosa DOA, Ramos RCS, Gomes TMV, Melo EM, Melo VH. Violência provocada pelo parceiro íntimo entre usuárias da Atenção Primária à Saúde: prevalência e fatores associados. Saúde Debate. 2018;42:67-80.

17. Souto RQ, Leite CCS, França ISX, Cavalcanti AL. Violência sexual contra mulheres portadoras de necessidades especiais: perfil da vítima e do agressor. Cogitare Enferm. 2012;17(1):72-7.

18. Passos RL, Telles FSP, Oliveira MHB. Da violência sexual e outras ofensas contra a mulher com deficiência. Saúde Debate. 2020;43:154-64.

19. Gesser M, Nuernberg AH, Toneli MJF. Constituindo-se sujeito na intersecção gênero e deficiência: relato de pesquisa. Psicol Estud. 2013;18(3):419-29.

20. Baraldi ACP, Almeida AM, Perdoná GC, Vieira EM. Violência contra a mulher na rede de atenção básica: o que os enfermeiros sabem sobre o problema. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2012;12(3):307-18.

21. Menezes PRM, Lima IS, Correia CM, Souza SS, Erdmann AL, Gomes NP. Enfrentamento da violência contra a mulher: articulação intersetorial e atenção integral. Saúde Soc. 2014;23(3):778-86.

22. Guedes RN, Fonseca RMGS, Egry EY. Limites e possibilidades avaliativas da Estratégia Saúde da Família para a violência de gênero. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(2):304-11.

23. Batista KBC, Schraiber LB, D’Oliveira AFPL. Gestores de saúde e o enfrentamento da violência de gênero contra as mulheres: as políticas públicas e sua implementação em São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2018;34(8):1-11.

24. Costa L, Lordes RG, Fraga D, Santana NMT, Bubach S, Leite FMC. Estratégias de enfrentamento adotadas por mulheres vítimas de violência. Rev Enferm UERJ. 2018;26:1-7.

25. Carneiro JB, Gomes NP, Estrela FM, Paixão GPN, Romano CMC, Mota RS. Desvelando as estratégias de enfrentamento da violência conjugal utilizadas por mulheres. Texto Contexto Enferm. 2020;29:1-11.

Recebido: 14.3.2021. Aprovado: 26.9.2022.

205 v. 45, n. 4, p. 189-205 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

ARTIGO DE REVISÃO

INFECÇÃO PELO HPV NA REGIÃO SUL DO BRASIL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA

Monique Cezimbra Ataidesa

https://orcid.org/0000-0002-8964-1159

Lisiane Cervieri Mezzomob

https://orcid.org/0000-0002-3309-247X

Luciane Noal Calilc

https://orcid.org/0000-0002-6830-4735

Resumo

O papilomavírus humano (HPV) infecta pele e mucosas e causa, na grande maioria dos casos, lesões transitórias que podem evoluir para câncer. O objetivo deste estudo é avaliar, por meio de revisão integrativa, a literatura disponível sobre a frequência da infecção pelo HPV na região Sul do Brasil. Buscou-se nas bases de dados PubMed, Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e Scientific Electronic Library Online (SciELO) a frequência de HPV na região Sul do Brasil nos últimos dez anos. Foram identificados oito estudos que se enquadraram nos critérios da pesquisa. A prevalência estimada de infecção pelo HPV foi de 46,19%. Os genótipos mais encontrados foram HPV 6, de baixo risco, e os subtipos HPV 16, HPV 18, HPV 31 e HPV 58, de alto risco. Nas amostras classificadas como LSIL/HSIL ou de células escamosas atípicas (ASC), tipos virais de baixo risco HPV 6, HPV 11 e HPV 44 foram os mais prevalentes, enquanto para os de alto risco os subtipos HPV 16, HPV 18 e HPV 58 foram os mais encontrados. Embora tenham sido identificados poucos estudos com essa temática nos últimos anos, a partir dos dados da pesquisa foi possível estimar a prevalência do HPV no Sul do Brasil e seus genótipos mais frequentes. Essa informação é importante para o planejamento das

a Bióloga. Especialista em Análises Clínicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Docente da Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul. Minas do Leão, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: monique.cezimbra@hotmail.com

b Farmacêutica-Bioquímica. Doutora em Patologia pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: lisimezzomo@gmail.com

c Farmacêutica-Bioquímica. Doutora em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Associada da UFRGS. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: luciane1011@gmail.com

Endereço para correspondência: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Departamento de Análises. Avenida Ipiranga, n. 2752, Azenha. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. CEP: 90610-000. E-mail: luciane1011@gmail.com

206 206
10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3374
DOI:

ações de saúde pública e dos serviços de saúde, contribuindo para a elaboração de estratégias de controle e prevenção da infecção.

Palavras-chave: Papilomavírus humano. HPV. Saúde pública. Neoplasia intraepitelial cervical.

HPV INFECTION IN SOUTHERN BRAZIL: AN INTEGRATIVE LITERATURE REVIEW

Abstract

Human Papillomavirus (HPV) infects skin and mucous membranes, and, in most cases, causes transient lesions that can progress to cancer. Given this scenario, this integrative review sought to evaluate the available literature on the frequency of HPV infection in southern Brazil. Bibliographic search was conducted on the PubMed, Latin American and Caribbean Literature on Health Sciences (Lilacs) and Scientific Electronic Library Online (SciELO) databases for papers on the frequency of HPV in southern Brazil published in the last ten years. Eight studies were identified. Estimate of HPV infection prevalence was 46.19%. Low-risk HPV 6 and high-risk HPV 16 were the most common genotypes, and HPV 18, HPV 31 and HPV 58 the most common subtypes. Risky viral types HPV 6, HPV 11 and HPV 44 were most prevalent in cellular changes classified as LSIL/HSIL or atypical squamous cell (ASC), whereas HPV 16, HPV 18 and HPV 58 prevailed as the high risk subtypes. Despite the small sample size of recent studies, the review was able to identified the prevalence of HPV infection in southern Brazil and its most common genotype, essential information for elaborating public health strategies and preventing infections.

Keywords: Human papillomavirus. HPV. Public health. Cervical intraepitelial neoplasia.

INFECCIÓN POR EL VPH EN EL SUR DE BRASIL: UNA REVISIÓN INTEGRADORA DE LA LITERATURA

Resumen

El virus del papiloma humano (VPH) infecta la piel y las mucosas y, en la mayoría de los casos, provoca lesiones transitorias que pueden progresar a cáncer. El objetivo de este estudio es evaluar, a través de una revisión integradora, la literatura disponible sobre la frecuencia de infección por VPH en la región Sur de Brasil. Se realizaron búsquedas en las bases de datos

207 v. 45, n. 4, p. 206-223 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

PubMed, Literatura Latinoamericana y del Caribe en Ciencias de la Salud (Lilacs) y Scientific Electronic Library Online (SciELO) para determinar la frecuencia del VPH en la región Sur de Brasil en los últimos diez años. Se identificaron ocho estudios que cumplieron con los criterios de búsqueda. La prevalencia estimada de infección por VPH fue del 46,19%. Los genotipos más comunes fueron el VPH 6 de bajo riesgo y los subtipos VPH 16, VPH 18, VPH 31 y VPH 58 de alto riesgo. En muestras clasificadas como LSIL/HSIL o células escamosas atípicas (ASC), los tipos virales de bajo riesgo VPH 6, VPH 11 y VPH 44 fueron los más prevalentes, mientras que para los subtipos de alto riesgo VPH 16, VPH 18 y VPH 58 fueron los más frecuentes. Aunque se identificaron pocos estudios sobre este tema en los últimos años, con base en los datos de la encuesta, fue posible estimar la prevalencia del VPH en el Sur de Brasil y sus genotipos más frecuentes. Esta información es importante para planificar acciones de salud pública y servicios de salud, contribuyendo al desarrollo de estrategias de control y prevención de infecciones. Palabras clave: Virus del papiloma humano. VPH. Salud pública. Neoplasia intraepitelial cervical.

INTRODUÇÃO

Apesar de a infecção pelo papilomavírus humano (HPV) ser considerada umas das infecções sexualmente transmissíveis (IST) mais frequentes em todo o mundo1,2, ela é, na maioria das vezes, transitória e regride de forma espontânea. A infecção persistente é ocasionada por tipos virais oncogênicos, os quais provocam o surgimento de lesões precursoras que podem evoluir para o câncer. A região mais acometida é o colo do útero, embora estudos relatem a infecção na vagina, vulva, ânus, pênis, orofaringe e boca3.

Há mais de duzentos tipos de vírus do HPV descritos, que são agrupados de acordo com o respectivo potencial oncogênico. Os de baixo risco são os subtipos 6, 11, 42, 43 e 44, e de alto risco os subtipos 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 46, 51, 52, 56,58, 59 e 684. Há incertezas sobre o potencial oncogênico de alguns genótipos, entretanto, sabe-se que os subtipos 16 e 18 de alto risco representam 70% de todos os cânceres do colo do útero, 90% dos cânceres anais e estão presentes em frações variáveis de cânceres vulvar, vaginal, peniano e orofaríngeo. Os genótipos 31, 33, 45, 52 e 58 representam os agentes etiológicos de mais de 20% dos cânceres de colo de útero. Os genótipos 6 e 11, de baixo risco, estão relacionados às lesões cervicais vulvar e vaginal de baixo grau, responsáveis por 90% dos casos de verrugas anogenitais e condiloma acuminado5-7

No Brasil, a predominância estimada para infecções por HPV é de 54,6%, sendo 38,4% para vírus de alto risco oncogênico8. Há uma variação em relação à prevalência do vírus nas diferentes regiões do país, possivelmente relacionada aos aspectos socioeconômicos

208

de cada local. Segundo pesquisas preliminares, a região Sul do Brasil apresenta predomínio geral para infecções por HPV de 49,7%, não sendo descritos, até o momento, dados precisos sobre a epidemiologia nessa região9-11

Diante do exposto e tendo em vista a escassez de dados no campo científico, este estudo tem por objetivo avaliar, por meio de revisão integrativa, a literatura disponível sobre a frequência da infecção pelo HPV na região Sul do Brasil, visando contribuir para o conhecimento epidemiológico acerca dessa temática.

MATERIAL E MÉTODOS

Para a execução deste estudo, fez-se uma seleção em três etapas. Na primeira, foi realizada a revisão da literatura e a escolha dos artigos indexados nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), por meio do PubMed; Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs); e Scientific Electronic Library Online (SciELO). As buscas foram realizadas em junho de 2020 pelo pesquisador responsável, utilizando-se combinações de termos do Medical Subject Heading (MeSH): “human papillomavirus”, “HPV”, “Southern Brazil”, “prevalence” e o operador booleano “AND”. Os limites de busca foram: espécies (humanos), idioma (espanhol, inglês e português) e, procurando trazer dados atualizados, optou-se pela pesquisa de estudos realizados nos últimos dez anos.

Na segunda etapa, foram revisados os títulos das referências recuperadas na pesquisa e, posteriormente, lidos os resumos. A maioria dos artigos era proveniente da busca no portal PubMed/MEDLINE. Foram excluídos artigos repetidos, estudos de revisão e os que não se referiam ao tema da pesquisa: de polimorfismos, realizados em outras regiões do Brasil e não relacionados à infecção pelo HPV.

Na terceira etapa, foi feita a leitura dos artigos na íntegra, e os estudos que não atenderam aos critérios de inclusão, como artigo original, estudos de prevalência, incidência e mortalidade, foram excluídos. A relação de artigos incluídos e excluídos está apresentada na Figura 1.

Inicialmente, foram selecionados 23 artigos por meio das pesquisas nas bases de dados, 16 deles por meio da pesquisa no PubMed e outros sete a partir da pesquisa realizada no SciELO. Posteriormente, foram excluídos sete artigos após a leitura dos títulos, e outros dois artigos foram excluídos após a leitura dos resumos. Sendo assim, oito artigos foram selecionados para a realização deste estudo.

209 v. 45, n. 4, p. 206-223 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

Figura 1 – Relação dos artigos incluídos e excluídos. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil – 2020

23 artigos encontrados nas pesquisas das bases de dados

16 artigos encontrados na pesquisa do PubMed Sete artigos encontrados na pesquisa do SciELO

Artigos excluídos após leitura dos títulos (n = 13)

Artigos repetidos (n = 7)

Artigos de revisão (n = 1)

Artigos não realizados no Sul (n = 3)

Artigos não relacionados ao tema (n = 2)

Artigos excluídos após leitura dos resumos (n = 2)

Artigos não relacionados ao tema (n = 2)

Oito artigos selecionados para o estudo

Após a leitura completa dos oito artigos selecionados, as publicações foram submetidas ao processo de extração dos dados.

RESULTADOS

A análise dos termos de busca selecionou, inicialmente, 23 artigos. Após a leitura dos títulos, 13 foram excluídos, e dois foram retirados após a análise dos resumos. Dentre os 15 artigos excluídos, havia estudos repetidos, de revisão, não referentes ao tema e não realizados na região sul do Brasil.

Por fim, oito artigos foram incluídos na análise. Na Tabela 1 constam a descrição dos autores, local de realização do estudo, delineamento, número amostral e a faixa etária da população estudada. Apesar de a busca abranger as publicações da última década, os artigos recuperados foram publicados entre os anos de 2013 e 2018. Com relação ao idioma, sete foram publicados em inglês e um em português.

Dentre os oito estudos incluídos, sete foram realizados no estado do Rio Grande do Sul e um no Paraná. Não foram encontrados estudos realizados em Santa Catarina. Todos os estudos incluídos tiveram delineamento transversal. A população incluída foi de 1.632 amostras/pacientes, variando entre n = 25 e n = 445. A faixa etária das pacientes foi de 14 a 60 anos, sendo que em três artigos constava somente a informação da idade média da população estudada12,13,14.

210
Fonte: Elaboração própria.

Tabela 1 – Relação dos artigos incluídos na análise segundo autor, local de realização do estudo, delineamento, número amostral e faixa etária. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil – 2020

Estudo Local Delineamento n Faixa etária

Antunes et al.12 Santa Maria (RS) Transversal 125 Média de 58,57 anos (DP= ±12,13)

Oliveira et al.13 Rio Grande (RS)

Calil et al.14 Porto Alegre (RS)

Entiauspe et al.15 Pelotas (RS)

Transversal 302 14 a 41 anos – média: 32,7 anos (DP: ± 13,6)

Transversal 174 Média de 38,5 anos (DP: ± 13,2)

Transversal 251 18 a 45 anos – média: 33,3 anos

Paesi et al.16 Caxias do Sul (RS) Transversal 250 20 a 60 anos – média: 32,5 anos

Ruggeri et al.19 Maringá (PR)

Transversal 25 20 a 59 anos – média: 27,76 anos (DP: ± 7,75)

Oliveira et al.20 Rio Grande (RS) Transversal 445 Média de 31 anos (DP: ± 12,8 anos)

Jesus et al.21 Canoas (RS) Transversal 60 16 a 55 anos – média: 29,6 anos)

TOTAL 1632 14 a 60 anos

Fonte: Elaboração própria. DP = desvio-padrão

Dois autores relataram o uso de citologia convencional17,18; quatro, de citologia convencional e em meio líquido13,15,16,19; e em dois estudos não foi possível identificar o tipo de técnica citológica empregada. Três artigos incluíram o uso do esfregaço cervical/colpocitologia/ Papanicolau13,15,17; dois utilizaram biópsia cervical14,19; um aplicou a combinação de esfregaço cervical + colposcopia16; um empregou o exame citopatológico cervical + biópsia cervical18; e um fez uso de biópsia esofágica12

Além de análise citológica, todos os artigos incluídos utilizaram a técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR), objetivando detectar ácido desoxirribonucleico (DNA) do HPV nas amostras analisadas com primers para identificação de tipos específicos. A prevalência dos tipos virais obtida por meio do uso do PCR para tipagem do HPV e a descrição dos primers utilizados estão apresentadas na Tabela 2

O diagnóstico da infecção por HPV foi realizado mediante dois conjuntos de primers consensus. Um estudo relatou o uso dos primers MY09/MY11 (5’ CGTCCMAARGGAWACTGATC 3’/ 5’ GCMCAGGGWCATAAYAATGG 3’), conhecidos como iniciadores de consenso externo que amplifica um fragmento de 450 pares de bases14; um afirmou o uso dos primers GP5/GP6 (5’ TTTGTTACTCTGGTAGATAC 3’/ GAAAAATAAACTGTAAATCA 3’), iniciador de consenso interno que realiza sua amplificação em 140 pares de base19; cinco indicaram o uso da combinação dos primers MY09/MY11 e GP5/GP6 nas etapas da PCR realizada12,13,15,16,18; e um não mencionou o tipo de primer aplicado17.

211 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
206-223

Tabela 2 – Características de estudos com genotipagem do HPV por PCR. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil – 2020

Estudo População do Estudo (n) Primer

de detecção Prevalência do HPV (%)

Fonte: Elaboração própria.

*Antunes et al.12 empregaram PCR para identificação do DNA do HPV em amostras esofágicas; N/A: Não encontrado; PCR: Reação em cadeia da Polimerase.

O domínio do HPV variou de 18,2% a 89,25%. A menor prevalência (18,2%) foi encontrada no estudo de Oliveira et al.13, os quais analisaram 302 mulheres atendidas em ambulatórios de ginecologia e obstetrícia e em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e submetidas à coleta cervical. A maior frequência foi 89,25%, encontrada no estudo de Jesus et al.19, no qual foram analisadas sessenta amostras de biópsias cervicais classificadas como neoplasia intraepitelial cervical (NIC I, NIC II, NIC III) e câncer escamoso, provenientes do hospital da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).

Um estudo conduzido por Antunes et al.12 avaliou 125 amostras de biópsias esofágicas e não evidenciou a presença do DNA do HPV. Oliveira et al.18 realizaram uma análise em mulheres atendidas no serviço de ginecologia do Hospital Universitário da Faculdade Federal de Rio Grande (HU-Furg). Os autores concluíram que a predominância do DNA do HPV foi de 47,2%, sendo que 24% dos casos foram detectados em amostras cervicais e 23,2% em biópsias cervicais de pacientes com lesões intraepiteliais de alto grau (HSIL), que também eram negativos para o vírus do HIV. Na tabela 3 apresentam-se os predomínios dos estudos que utilizaram a biologia molecular para identificar os tipos de HPV.

212
Técnica
Antunes et al.12 125 MY09/MY11 GP5/GP6 Esofágica Nested-PCR N/A* Oliveira et al.13 302 MY09/MY11 GP5/GP6 Cervical Nested-PCR 18,2% Calil et al.14 174 MY09/MY11 Cervical Nested-PCR 83% Entiauspe et al.15 251 MY09/MY11 GP5/GP6 Cervical Nested-PCR 29,9% Paesi et al.16 250 MY09/MY11 GP5/GP6 Cervical PCR-Multiplex PCR-RFLP 52% Ruggeri et al.17 25 - Cervical PCR-Multiplex PCR-RFLP 50% Oliveira et al.18 445 MY09/MY11 GP5/GP6 Biópsias cervicais Nested-PCR 47,2% Jesus et al.19 60 GP5/GP6 Cervical Biópsias cervicais Nested-PCR 89,25%
Amostra analisada

Revista Baiana de Saúde Pública

Tabela 3 – Prevalência geral dos tipos de HPV identificados pela técnica de PCR.

Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil – 2020

Citologia Tipos de HPV Prevalência geral segundo os estudos Oliveira et al.13 Calil et al.14 Entiauspe et al.15 Oliveira et al.18

Fonte: Elaboração própria.

*Prevalência de subtipos de HPV que não foram identificados nos estudos analisados N/A = não encontrado.

Todos os artigos analisaram a predominância do HPV pela técnica de PCR, e quatro deles demonstraram a prevalência geral para os subtipos detectados. O HPV 6 foi o tipo que mais apareceu entre os de baixo risco. Os subtipos de HPV de alto risco mais citados foram HPV 16, HPV 18, HPV 31 e HPV 58. Oliveira et al.13 demonstram que, no grupo de HPV de baixo risco, essa prevalência variou de 4,2% (HPV 61 e HPV 83) a 12,7% (HPV 6). Nesse mesmo estudo, a variação geral que prevalece o HPV de alto risco esteve entre 5,4% (HPV 53) e 17% (HPV 16 e HPV 58). Para os tipos não identificados de HPV, a prevalência apresentada foi de 14,5%.

213 v. 45, n. 4, p. 206-223 out./dez. 2021
oncogênico HPV 6 12,7% N/A 2,7% 14% HPV 35 N/A N/A N/A 1% HPV 43 N/A N/A 1,3% N/A HPV 54 N/A N/A 4,0% N/A HPV 61 4,2% N/A N/A 2% HPV 67 N/A N/A N/A 2% HPV 68 N/A N/A N/A 1% HPV 70 N/A N/A 1,3% 2% HPV 81 N/A N/A 2,7% N/A HPV 82 6,3% N/A N/A 7% HPV 83 4,2% N/A N/A 1% HPV 85 N/A N/A N/A 1% HPVs de alto risco oncogênico HPV 16 17% 33% 41,3% 24% HPV 18 8,5% 8% 17,3% 4% HPV 31 N/A 15% 2,7% 5% HPV 33 8,5% N/A 9.3% 7% HPV 44 N/A N/A N/A 4% HPV 45 N/A N/A 1,3% 9% HPV 53 5,4% N/A N/A 2% HPV 56 N/A N/A 4,0% N/A HPV 58 17% N/A 4,0% 14% Não identificados* N/A 14,5% N/A 8,0% N/A Média 9,74% 18,67% 3,2% 5,88%
HPVs de baixo risco

Calil et al.14 testaram tipos virais de alto risco e descreveram a dominância de 33% para HPV 16, 8% para HPV 18 e 15% para HPV 31. No estudo de Entiauspe et al.15, o aparecimento de HPV de baixo risco teve variação de 1,3% (HPV 43 e HPV 70) a 4% (HPV 54); o grupo de HPV de alto risco variou de 1,3% (HPV 45) para 41,3% (HPV 16); e para os tipos de HPV que não houve identificação possível a variação foi de 8%.

Em outro estudo de Oliveira et al.18, que considerou resultados positivos para HIV, para os tipos de HPV de baixo risco houve variação de 1% (HPV 35, HPV 68, HPV 83 e HPV 85) a 14% (HPV6), enquanto para os subtipos de alto risco oncogênico a variação foi de 4% (HPV 18 e HPV 44) a 24% (HPV 16). Dos oito estudos analisados, seis consideraram os resultados da citologia para realizar uma análise da prevalência dos genótipos de HPV, incluindo citologia alterada ou normal. Na Tabela 4 é apresentada a predominância dos subtipos de HPV dos artigos que levaram em consideração a citologia.

Cinco estudos estimaram o predomínio de tipos de HPV, segundo resultado de citologia, e um artigo apresentou apenas a preponderância geral para os seus achados citológicos (Tabela 4). Oliveira et al.13 apontaram que as evidências foram de 62,5% (HPV 16) e 75% (HPV 18), ambas consideradas de alto risco, para o grupo que apresentou citologia normal.

Nesse estudo, o DNA do HPV foi detectado em 55 pacientes, sendo diagnosticado em 18,2%; desses, 47 amostras puderam ser genotipadas para análise. Os autores apontaram que, para os grupos que apresentaram lesão intraepitelial de baixo grau (LSIL) e lesão intraepitelial de alto grau (HSIL), o predomínio de HPV 16 e HPV 18 foi de 37,5% e 25%, respectivamente.

Outro estudo, publicado por Entiauspe et al.15, relatou que, em seus resultados de citologia, 54,2% apresentaram citologia normal, 2,1% foram classificados como LSIL e 0,4% como HSIL. Não foram relacionados resultados da citologia com os genótipos de HPV encontrados. Ruggeri et al.17 detectaram, dentre os HPV de baixo risco, duas amostras com HPV 6. Relacionando-as com os achados citológicos, 100% estavam presentes em casos de LSIL, o que também ocorreu com o HPV 44. Além disso, o HPV 16 foi detectado em 14 amostras, 42,9% em LSIL e 77,1% em HSIL; uma amostra continha HPV 18, relacionada com HSIL, e HPV 33 e HPV 57; uma amostra foi genotipada com o HPV 57, encontrada em LSIL; e três amostras continham o HPV 66, sendo que 33,3% estavam presentes em LSIL e 66,7% em HSIL.

Jesus et al.19 descreveram que os genótipos de alto risco de HPV 16 e HPV 18 foram relacionados à citologia. Um total de 37 amostras foram classificadas como LSIL, 17 como HSIL e três como carcinoma. Para o HPV 16, em LSIL, foram 18,5%; para HSIL, 59,1%; e carcinoma, 33%. Para o HPV 18, em LSIL, foram 8,1%, e, em HSIL, 9,1%. Nesse mesmo estudo, consideram-se as coinfecções de HPV 16 e 18, sendo que, em LSIL, elas representam 78,4%; em HSIL, 65,9% e, em carcinomas, 66,7%.

214

Sul,

geral dos tipos de HPV identificados por meio da técnica de PCR segundo

215 v. 45, n. 4, p. 206-223 out./dez. 2021
–Prevalência
da citologia.
Revista Baiana de Saúde Pública
Tabela 4
o resultado
Citologia
Prevalência dos genótipos do HPV segundo resultados da citologia Oliveira et al. (2013) 13 Entiauspe et al. (2014) 15 Ruggeri et al. (2015) 17 Jesus et al. (2018) 19 Paesi et al. (2015) 16 Oliveira et al. (2017) 18 Resultado da citologiaNormal LSIL HSIL Normal LSIL HSIL LSIL HSIL LSIL HSIL Carcinoma Sem ASCUS ASCUS Normal LSL HSIL Prevalência geral 54,20% 2,10% 0,40%--51,1% 60% Baixo risco HPV 6 100% 10,4% 66,7% HPV 11 10,4% 66,7% 6% HPV 43 3,5% 6,7% HPV 44 100% 7% 13,3% Alto risco HPV 16 62,5% 37,5% 42,9% 77,1% 18,5% 59,1% 33,3% 9,4% 40% 58% 47% 66% HPV 18 75% 25% 100% 8,1% 9,1% 4,3% 20% 6% 20% 7% HPV 31 7% 6,7% 7% 7% HPV 33 100% 7% 26,7% 6% HPV 35 7% 6,7% HPV 39 0,9% 0 HPV 42 1,7% 0 HPV 45 1,7% 6,7% HPV 51 7,8% 40% HPV 52 3,5% 6,7% HPV 53 6% 3% HPV 57 100% HPV 56 4,7% 13,3% HPV 58 100% 4,3% 13,3% 12% 13% 13% HPV 66 33,3% 66,7% 0,9% 6,7% HPV 68 7% 20% HPV 70 6% HPV 82 0 6,7% Coinfecções* HPV 16/18 78,4% 65,9% 66,7% 10% Infecções Múltiplas 7% Fonte: Elaboração própria. *Coinfecções: associação de mais de um tipo de HPV. LSIL = lesão intraepitelial de baixo grau; HSIL = lesão intraepitelial de alto grau; ASCUS = células escamosas atípicas de significado indeterminado
Porto Alegre, Rio Grande do
Brasil –2020
Tipos de HPV

O estudo de Paesi et al.16 relacionou os subtipos de HPV encontrados com a presença de células escamosas atípicas de significado indeterminado (ASCUS). Na citologia, dentro dos limites da normalidade, os subtipos de HPV de baixo risco mais predominantes foram HPV 6 (10,4%), HPV 11 (10,4%) e HPV 44 (7%). Entretanto, nos casos de ASCUS, apesar de os subtipos mais citados serem os mesmos, a frequência foi superior, sendo 66,7% (HPV 6), 66,7% (HPV 11) e 13,3% (HPV 44). Quando avaliados os genótipos de HPV de alto risco, as maiores frequências encontradas nos casos de citologia normal foram HPV 16 (9,4%) e HPV 51 (7,8%) e os subtipos HPV 31, HPV 33, HPV 35 e HPV 68 (7% cada um). Nos casos ASCUS, as maiores prevalências foram para os mesmos subtipos HPV 16 (40%), HPV 51 (40%), HPV 31 (6,7%), HPV 33 (26,7%), HPV 35 (6,7%) e HPV 68 (20%).

No estudo de Oliveira et al.18, a classificação, realizada de acordo com a citologia encontrada, foi levada em conta apenas nas amostras de biópsias cervicais (n = 90), sendo que 82 delas (91%) foram positivas para o DNA do HPV. Foram genotipadas 77 dessas amostras e somente em 72 um genótipo foi detectado; as outras cinco foram diagnosticadas com múltiplas infecções de HPV. Em amostras de citologia normal, o genótipo de HPV de baixo risco mais frequente foi o HPV 11 (6%), e o de alto risco foi o HPV 16 (58%). Para LSIL e HSIL, foram identificados apenas genótipos de alto risco, sendo que o HPV 16 coincidiu como o mais dominante, com uma frequência de 47% e 66% para LSIL e HSIL, respectivamente. A Tabela 5 apresenta a prevalência do HPV, de acordo com a faixa etária analisada nos estudos.

Tabela 5 – Prevalência do HPV de acordo com a faixa etária. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil – 2020

Categoria por idade/autor

Apenas dois estudos correlacionaram o HPV com a faixa etária. Para Oliveira et al.13, que estimaram a frequência do HPV em 18,2% (55/302) em 302 mulheres com idades entre

216
Prevalência
Oliveira et al.13 ≤ 20 anos 2,8% 21 a 30 anos 1,1% 31 a 40 anos 0,8% ≥ 41 anos 1,0% Entiauspe et al.15 18 a 24 anos 17,5% 25 a 30 anos 21,9% 31 a 35 anos 17,9% 36 a 39 anos 19,9% 40 a 45 anos 22,7%
(%)
Fonte: Elaboração própria.

14 e 41 anos, a faixa etária que a infecção por HPV foi mais frequente está na categoria ≤ 20 anos (2,8%). Entiauspe et al.15 estimaram o aparecimento de HPV em 251 mulheres, com idades entre 18 e 45 anos, sendo as faixas etárias mais acometidas a de 40 a 45 anos (22,7%), de 25 a 30 anos (21,9%) e de 36 a 39 anos (19,9%). Pode-se dizer que houve variação nos achados para as diferentes faixas etárias nos poucos estudos que apresentam esses dados. As diferenças nas metodologias empregadas e dos perfis dos pacientes analisados impossibilitaram que os exames fossem feitos de forma mais completa sobre os resultados encontrados.

DISCUSSÃO

Nesta revisão, a predominância da infecção pelo HPV variou de 18,2% a 89,25%, com uma média estimada em 46,19%. É importante evidenciar que os artigos analisados não foram uniformes na metodologia e nos tipos de amostras analisadas, não sendo possível apresentar uma prevalência com maior exatidão. Ressalta-se que a população do menor índice de prevalência apresentado diz respeito ao total de 302 amostras de secreção vaginal, e a de maior prevalência se refere a sessenta amostras de biópsias cervicais analisadas e previamente classificadas com citologia positiva. Estudos realizados em outras regiões do Brasil, ou que incluíram a região Sul em suas análises, demonstraram predomínio estimado em 25,3% e 25,41%, respectivamente20,10.

Wendland et al.8 avaliaram a dominância dos tipos de HPV em amostras de homens e mulheres com idades entre 16 e 25 anos, sexualmente ativos, de 26 capitais e do Distrito Federal. Detectaram predominância de HPV em 54,6% das mulheres e 51,8% dos homens. Com relação às taxas de HPV consideradas de alto risco, elas são maiores em mulheres (38,6%). Esses autores apresentaram prevalências do HPV em todas as regiões do país, sendo que a região Sul obteve a menor (49,7%), enquanto a região Nordeste evidenciou a maior prevalência de infecções por HPV (58,1%).

Diferentes sítios de infecções pelo HPV também têm sido estudados. Colpani et al.10 realizaram uma revisão sistemática, na qual estimaram a dominância de infecções genitais, anal e oral por HPV no Brasil, com uma frequência de 25,41% para o HPV cervical, 36,21% para o HPV peniano, 25,68% para a região anal e 11,89% para a região oral. Nesse estudo, as taxas de predominância para a região sul foram: 21,59% nas amostras cervicais; 54,55% para a região peniana; 1,26% para a região oral; e sem informação para a região anal. Entretanto, há estudos que diferem da prevalência do HPV na região oral descrita por Colpani et al.10. Elevadas taxas foram verificadas em um estudo conduzido em Sergipe, demonstrando que 81,9% das amostras de mucosa oral foram positivas para HPV, sendo que os tipos mais frequentemente

217 v. 45, n. 4, p. 206-223 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

encontrados foram: HPV 6/HPV 11 (41,8%); HPV 18 (36%); e HPV 16 (4,6%); destaca-se que múltiplas infecções foram detectadas em 17,4%21. Percentuais semelhantes resultaram em outro estudo que avaliou lesões detectadas clinicamente na cavidade oral, das quais 81% foram positivas para o HPV, tendo como genótipos mais frequentes HPV 6 (58,8%), HPV 18 (23,5%), HPV 16 (5,9%), coinfecções HPV 6/18 (23,5%), e 35,3% não puderam ser genotipadas com as técnicas utilizadas no estudo22. O HPV foi igualmente detectado em sete amostras de sêmen entre as 35 pesquisadas, em homens de 27 a 68 anos, o que equivale a uma frequência de 28%23.

Neste estudo, o genótipo de baixo risco mais frequente foi o HPV 6, e os de alto risco foram os genótipos HPV 16, HPV 18, HPV 31 e HPV 58. Esses dados coincidem, de forma parcial, com os achados já publicados. Uma revisão sistemática com metanálise, realizada por Peder et al.24, verificou dados referentes ao HPV no Brasil, entre os anos de 2006 e 2016, e verificou que os genótipos mais dominantes foram HPV 6 e HPV 11, de baixo risco, com frequências estimadas de 15% e 13%, respectivamente. Referente aos tipos virais de alto risco, a maior prevalência foi do HPV 16, com 54%, e 34% para coinfecções do HPV 16/1824

Os genótipos de HPV 6 e HPV 16, de baixo e alto risco, nessa ordem, também foram os mais predominantes nas realizadas em Alagoas, no Nordeste do Brasil, com amostras obtidas em serviços públicos de citologia e colposcopia25

No estudo de Wendland et al.8, os tipos HPV 6 e HPV 11, considerados de baixo risco, foram igualmente detectados e apresentaram prevalência de 5,6% e 1,4%, respectivamente. Entretanto, o tipo de HPV de baixo risco mais frequente foi o HPV 61 (6%); o de alto risco foram o HPV 52 (7,8%) e, corroborando os achados desta revisão, os tipos HPV 16 (7,5%) e HPV 18 (3,8%).

Para os estudos que levaram em consideração os resultados da citologia, antes da coleta do DNA do vírus, os tipos virais não foram muito distintos dos que já foram apresentados. Entretanto, como genótipos de baixo risco foram o HPV 6, HPV11 e HPV 44, e os de alto risco os HPV 16, HPV 18, HPV 33, HPV 58 e HPV 66.

As estimativas dos genótipos de HPV segundo o resultado de citologia nesta revisão coincidem parcialmente com os achados da literatura. Um estudo que avaliou a prevalência de tipos de HPV em 432 mulheres com lesões cervicais no Sergipe, região Nordeste do Brasil, apresentou 337 pacientes positivas para HPV (78%), sendo que seus genótipos mais frequentes foram HPV 16 (63,4%), HPV 66 (4,6%), HPV 18 (1,6%) e HPV 45 (1,4%), sendo o primeiro o mais frequente em ASCUS e LSIL. Para ASC-H e HSIL, o genótipo mais prevalente foi o HPV 6626. Outro estudo, que correlacionou os dados citológicos e os genótipos de HPV encontrados, demonstrou que o HPV 56 esteve presente em 28,8% das amostras de LSIL,

218

e o HPV 16 se destacou em amostras de HSIL e carcinoma invasivo, com uma frequência de 37,2% e 66,7%, nessa ordem27.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Evidencia-se que os artigos selecionados nesta revisão apresentam diferenças em relação à técnica de citologia utilizada, a nomenclatura empregada para classificar os dados relacionados à análise citológica e o número amostral analisado nos estudos. Essas variações influenciam os resultados deste estudo, já que as técnicas de citologia existentes para a realização das pesquisas resultam na diversificação de classificações e de frequências de predomínio do HPV, o que, consequentemente, dificulta a comparação direta entre esses dados. Além disso, os artigos recuperados nas buscas que foram analisados trouxeram dados referentes às amostras coletadas, especificamente de mulheres, dificultando uma análise mais minuciosa dos resultados apresentados em relação ao sexo masculino e ao HPV acometido em outras regiões do corpo.

As limitações deste estudo incluem as diferenças e as variações dos primers para identificação dos genótipos do HPV utilizados nos artigos incluídos, considerando que determinados primers usados que não apresentam sensibilidade para alguns tipos virais específicos. Além disso, uma análise mais detalhada do predomínio de HPV, de acordo com a idade, foi influenciada pela grande diversidade de faixas etárias nos estudos analisados e, principalmente, pela ausência desses dados em grande parte das análises recuperadas na busca.

Houve uma concentração maior de estudos realizados no estado do Rio Grande do Sul, sendo apenas um elaborado no Paraná e nenhum em Santa Catarina. É provável que outra limitação para esta revisão tenha sido a seleção de artigos, que podem não ter sido identificados por meio das estratégias de busca com os termos utilizados. Salienta-se que os artigos selecionados nem sempre trouxeram dados completos e claros, impedindo que a interpretação fosse feita de forma mais aprofundada. Ressalta-se, ainda, que o delineamento de alguns estudos dificultou uma maior estimativa de predominância, haja vista que alguns deles se referem ao número de amostras analisadas e não ao total de pacientes recrutados para o estudo.

A realização de análises sobre a infecção pelo vírus do HPV deve ser estimulada em todo o país, especialmente os que estimem a prevalência, a distribuição dos tipos virais em ambos os sexos e as regiões do corpo mais acometidas. O que ocorre atualmente é que a maioria dos estudos realizados leva em consideração a análise de dados apenas de mulheres que buscam diagnóstico e tratamento por meio das consultas de rotina nos serviços de saúde. Há uma carência de dados sistematizados acerca da incidência e da amplitude dessa

219 v. 45, n. 4, p. 206-223 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

problemática, o que limita as ações e a consolidação de programas de controle do câncer, especialmente o de colo do útero28.

Embora os estudos incluídos possam não representar com total precisão as cidades de todos os estados pertencentes à região Sul do Brasil, os achados desta revisão contribuem para o aumento da compreensão sobre a predominância geral do HPV e os genótipos mais frequentes, além de fornecer as melhores estimativas sobre esse domínio na população da região sul até o momento.

Com a realização desta revisão, foi possível verificar que há uma carência muito grande de estudos sobre a temática, o que permite apenas estimar a prevalência do HPV no Sul do Brasil, não obstante, essa carência não impeça atenção aos números apresentados neste estudo. Quanto aos genótipos de HPV de alto risco detectados nas pesquisas analisadas, há um predomínio de HPV 16, subtipo responsável por grande parte das lesões precursoras que evoluem para câncer de colo do útero. Dados como esses são importantes para mensurar e compreender as pesquisas realizadas, proporcionando melhor planejamento das ações de saúde pública e dos serviços de saúde, de modo a contribuir para a elaboração de melhores estratégias de controle e prevenção da infecção.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Monique Cezimbra, Lisiane Cervieri Mezzomo e Luciane Noal Calil.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Monique Cezimbra, Lisiane Cervieri Mezzomo e Luciane Noal Calil.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Lisiane Cervieri Mezzomo e Luciane Noal Calil.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Lisiane Cervieri Mezzomo e Luciane Noal Calil.

REFERÊNCIAS

1. Carvalho FLO, Rodrigues WP, Pereira RSF, Fraga F, Brandão IM. HPV como principal precursor do câncer de colo de útero em adolescentes. Rev Saúde ReAGES. 2018;1(2):23-36.

2. Moura MRP, Costa ACM. Prevalência de HPV em mulheres HIV positivas atendidas no centro de referência em DST. AIDS. Rev Enferm UFPI. 2014;3(2):33-41.

3. Brasil. Ministério da Saúde. Guia Prático HPV. Brasília (DF): Inca; 2014.

220

4. Abreu MNS, Soares AD, Ramos DAO, Soares FV, Nunes Filho G, Valadão AF, et al. Conhecimento e percepção sobre o HPV na população com mais de 18 anos da cidade de Ipatinga, MG, Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(3):849-60.

5. Hartwig S, St Guily JL, Dominiak-Felden G, Alemany L, Sanjosé S. Estimation of the overall burden of cancers, precancerous lesions, and genital warts attributable to 9-valent HPV vaccine types in women and men in Europe. Infect Agent Cancer. 2017;12:19.

6. Bruni L, Albero G, Serrano B, Mena M, Gómez D, Muñoz J, et al. Human papillomavirus and related diseases in Americas. Summary Report. [place unknown]: HPV Information Centre; 2021.

7. Oliveira CM, Fregnani JHTG, Villa LL. HPV Vaccine: Updates and highlights. Acta Cytol. 2019;63(2):159-68.

8. Wendland EM, Villa LL, Unger ER, Magda Domingues C, Benzaken AS, OP-Brazil Study Group. Prevalence of HPV infection among sexually active adolescents and young adults in Brazil: the POP-Brazil Study. Sci Rep. 2020;10:4920.

9. Carvalho AMC, Andrade EMLR, Nogueira LT, Araújo, TME. Adesão à vacina HPV entre os adolescentes: revisão integrativa. Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20180257.

10. Colpani V, Falcetta FS, Bidinotto AB, Kops NL, Falavigna M, Hammes LS, et al. Prevalence of human papillomavirus (HPV) in Brazil: A systematic review and meta-analysis. PloS ONE. 2020;15(2):e0229154.

11. Giuliano AR, Nyitray AG, Kreimer AR, Campbell CMP, Goodman MT, Sudenga SL, et al. E Urogin 2014 roadmap: Differences in human papillomavirus infection natural history, transmission and human papillomavirus-related cancer incidence by gender and anatomic site of infection. Int J Cancer. 2015;136(12):2752-60.

12. Antunes LCM, Prolla JC, Lopes AB, Rocha MP, Fagundes RB. No evidence of HPV DNA in esophageal squamous cell carcinoma in a population of Southern Brazil. World J Gastroenterol. 2013;19(39):6598-603.

13. Oliveira GR, Vieira VC, Barral MFM, Döwich V, Soares MA, Gonçalves CV, et al. Fatores de risco e prevalência da infecção pelo HPV em pacientes de Unidades Básicas de Saúde e de um Hospital Universitário do Sul do Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(5):226-32.

14. Calil LN, Edelweiss MIA, Meurer L, Igansi CN, Bozzetti MC. p16INK4a and Ki67 expression in normal, dysplastic and neoplastic uterine cervical epithelium and human papillomavirus (HPV) infection. Pathol Res Pract. 2014;210(8):482-7.

221 v. 45, n. 4, p. 206-223 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

15. Entiauspe LG, Silveira M, Nunes EM, Basgalupp SP, Stauffert D, Dellagostini OA, et al. High incidence of oncogenic HPV genotypes found in women from Southern Brazil. Braz J Microbiol. 2014;45(2):689-94.

16. Paesi S, Correa L, Tregnago MC, Mandelli J, Ely MR. Human papillomavirus among women with atypical squamous cells of undetermined significance in southern Brazil. Int J Gynaecol Obstet. 2015;128(1):23-6.

17. Ruggeri JB, Dell Agnolo CM, Gravena, AAF, Demitto MO, Lopes TCR, Delatorre S, et al. Treatment and Follow-up of Human Papillomavirus Infected Women in a Municipality in Southern Brazil. Asian Pac J Cancer Prev. 2015;16(15):6521-6.

18. Oliveira GR, Vieira VC, Ávila EC, Finger-Jardim F, Caldeira TDM, Gatti FAA, et al. Human papillomavirus type distribution and HPV16 intratype diversity in southern Brazil in women with and without cervical lesions. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2017;112(7):492-8.

19. Jesus SP, Costa ACM, Barcellos RB, Medeiros RM, Silva CMD, Rossetti ML, et al. A high prevalence of human papillomavirus 16 and 18 co-infections in cervical biopsies from southern Brazil. Braz J Microbiol. 2018;49(Suppl1):220-23.

20. Vieira RC, Monteiro JSV, Manso EP, Santos MRM, Tsutsumi MY, Ishikawa EAY, et al. Prevalence of type-specific HPV among female university students from northern Brazil. Infect Agent Cancer. 2015;10:1-5.

21. Ribeiro MGM, Marcolino LD, Ramos BRA, Trento CL, Araujo KCGM, Silva JRS, et al. Elevated prevalence of high-risk HPV in healthy oral mucosa of users and nonusers of drugs in Northeastern Brazil. Braz Oral Res. 2019;33:e031.

22. Ribeiro MGM, Marcolino LD, Ramos BRA, Miranda EA, Trento CL, Jain S, et al. High prevalence of human papillomavirus (HPV) in oral mucosal lesions of patients at the ambulatory of oral diagnosis of the Federal University of Sergipe, Northeastern Brazil. J Appl Oral Sci. 2017;25(1):69-74.

23. Bossi RL, Valadares JBF, Del Puerto HL, Rocha MGL, Braga LC, Sampaio MAC. Prevalence of human papillomavirus (HPV) in the semen of patients submitted to assisted reproductive technology treatment in a private clinic in Brazil. JBRA Assist Reprod. 2019;23(3):205-9.

24. Peder LD, Silva CM, Boeira VL, Plewka J, Turkiewicz, Consolaro MEL. Association between human papillomavirus and non-cervical genital cancers in Brazil: a systematic review and meta-analysis. Asian Pac J Cancer Prev. 2018;19(9):2359-71.

25. Santos Filho MV, Gurgel AP, Lobo CD, Freitas AC, Silva-Neto JC, Silva LA, et al. Prevalence of human papillomavirus (HPV), distribution of HPV types, and risk factors for infection in HPV-positive women. Genet Mol Res. 2016;15(2).

222

26. Serra IGSS, Araujo ED, Barros GS, Santos FLSG, Gurgel RQ, Batista MVA. Prevalence of human papillomavirus types associated with cervical lesions in Sergipe state, Northeastern Brazil: high frequency of a possibly carcinogenic type. Epidemiol Infect. 2018;146(9):1184-93.

27. Martins TR, Mendes de Oliveira C, Rosa LR, de Campos Centrone C, Rodrigues CLR, Villa LL, et al. HPV genotype distribution in Brazilian women with and without cervical lesions: correlation to cytological data. Virol J. 2016;13(1):138.

28. Ayres ARG, Silva GA. Prevalência de infecção do colo do útero pelo HPV no Brasil: revisão sistemática. Rev Saúde Pública. 2010;44(5):963-74.

Recebido: 29.3.2021. Aprovado: 26.9.2022.

223 v. 45, n. 4, p. 206-223 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

ARTIGO DE REVISÃO

PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE AS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS

DIRECIONADAS À SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA

Anáira Gisser Sousa Ribeiroa

https://orcid.org/0000-0002-0283-4135

Edna Marcia Grahl Brandalize Slobb

Resumo

Objetivou-se descrever a produção científica acerca das políticas, estratégias e ações governamentais direcionadas à saúde da população negra. Conduziu-se uma revisão integrativa da literatura nas bases de dados da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO), sites governamentais, legislações vigentes e revistas eletrônicas. Utilizaram-se os descritores “política de saúde”, “saúde pública”, “negro” e “população negra”, com o auxílio dos operadores booleanos. Percebe-se, na sociedade, que o negro convive com situações de discriminações, preconceitos, desigualdades, vulnerabilidades e vários tipos de exclusão. É nesse cenário que programas, projetos e ações na área da saúde foram criados na tentativa de amenizar os impactos sofridos por essa população. Assim, foram identificadas 11 estratégias, ações ou políticas governamentais, entre os anos de 2004 e 2017, direcionadas à saúde da população negra. A produção científica sobre as políticas, estratégias e ações governamentais está em evolução; ressalta-se que esse processo é assistemático e sofre influência do engajamento social pelo assunto, no entanto, há dificuldades e barreiras que limitam a materialização dessas medidas.

Palavras-chave: Política de saúde. Saúde pública. Negro. População.

a Psicóloga. Especialista em Psicologia Hospitalar e em Saúde Pública com ênfase em Saúde da Família. Psicóloga Hospitalar no Hospital Municipal Dr. Oswaldo Prediliano Santana. Salinas, Minas Gerais, Brasil. E-mail: anairagisser@hotmail.com

b Enfermeira Obstetra. Licenciada em Enfermagem. Especialista em Metodologia da Ciência e Magistério Superior. Auditora de Qualidade e Orientadora de TCC da Faculdade Internacional de Curitiba – Fatec/Facinter. Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: ednaslob@hotmail.com

Endereço para correspondência: Rua Otaviano Braga, n. 339, Alto Casa Blanca. Salinas, Minas Gerais, Brasil. CEP: 39560-000. E-mail: anairagisser@hotmail.com

224 224 DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3403

SCIENTIFIC PRODUCTION ON PUBLIC HEALTH POLICIES FOR THE BLACK POPULATION

Abstract

This integrative literature review describes the scientific production on government health policies, strategies and actions targeted at the black population. Bibliographic search was conducted on the Virtual Health Library, Latin American and Caribbean Health Sciences Literature (LILACS), and Scientific Electronic Library Online (SciELO) databases, as well as government websites, current legislation and electronic journals. The following descriptors, articulated by Boolean operators, were used: “health policy,” “public health,” “black” and “black population.” Black people’s lives are fraught with discrimination, prejudices, inequalities, vulnerabilities and various types of exclusion. As a response to this scenario, programs, projects and actions in health care were created to mitigate the impacts suffered by this population. The analysis identified 11 strategies, actions or government policies implemented between 2004 and 2017 targeting Black people’s health. Scientific production on government policies, strategies and actions targeting health care for the black population is increasing, albeit unsystematically and influenced by social engagement on the subject, resulting in difficulties and barriers to their materialization.

Keywords: Health policy. Public health. Black. Population.

PRODUCCIÓN

CIENTÍFICA SOBRE LAS POLÍTICAS GUBERNAMENTALES DIRIGIDAS A LA SALUD DE LA POBLACIÓN NEGRA

Resumen

El objetivo de este artículo fue describir la producción científica sobre políticas, estrategias y acciones gubernamentales dirigidas a la salud de la población negra. Se realizó una revisión bibliográfica integradora en las bases de datos de la Biblioteca Virtual en Salud (BVS), Literatura Latinoamericana y del Caribe en Ciencias de la Salud (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO), sitios web gubernamentales, legislación vigente y revistas electrónicas. Se utilizaron los descriptores “política de salud”, “salud pública”, “negro” y “población negra” con la ayuda de operadores booleanos. Se observó que las personas negras viven con situaciones de discriminación, prejuicios, desigualdades, vulnerabilidades y varios tipos de exclusión. Es en este escenario que se generaron programas, proyectos y acciones en el área de la salud

225 v. 45, n. 4, p. 224-240 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

para mitigar los impactos que sufre esta población. Se identificaron 11 estrategias, acciones o políticas de gobierno entre los años 2004 al 2017 dirigidas a la salud de la población negra. La producción científica sobre políticas, estrategias y acciones gubernamentales dirigidas a la salud de la población negra está en evolución, y cabe señalar que este proceso es asistemático y está influenciado por el compromiso social con el tema, sin embargo, existen dificultades y barreras que limitan la materialización. de estas políticas, estrategias y acciones.

Palabras clave: Política de salud. Salud pública. Negro. Población.

INTRODUÇÃO

O negro, desde os tempos de escravidão até os tempos atuais, convive com situações de discriminações, preconceitos, desigualdades, vários tipos de exclusão e vulnerabilidades, e isso é tema constante nas discussões sobre direitos humanos desse grupo1

Segundo o censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2010, mais de 96 milhões de pessoas se declararam pretas e pardas, formando a população negra no Brasil. Isso representa 54% da população do país, e esse número expressivo requer atenção em vários aspectos: políticos, sociais, econômicos, de educação, de saúde são alguns deles2.

No que tange ao aspecto saúde, dados coletados da base de informações do IBGE e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), referentes ao último censo realizado, mostraram que a mortalidade infantil é maior em pretos e pardos (61%) e que a expectativa de vida da população negra é inferior do que da branca (67 contra 73 anos). A justificativa para essa menor perspectiva está nas maiores taxas de morte por homicídio, acidentes de trânsito, suicídio, em decorrência de complicações por Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (aids), por doenças cerebrovasculares, isquêmicas e do coração que tiveram os negros como vítimas3,4.

Ainda em relação à saúde, um estudo revela que as doenças mais presentes na população negra são: aids, anemia falciforme, câncer de mama, de útero, próstata e intestino, diabete mellitus, hepatites B e C, hipertensão arterial e tuberculose. De acordo esse trabalho, os negros têm as piores condições de trabalho, educação, segurança, lazer, cultura, religiosidade e acesso à saúde; este último agrava o quadro de doenças que normalmente poderiam ser evitadas, como chagas, doenças mentais, esquistossomose e leishmaniose5.

Além de culturais, parece haver diferenças fisiológicas entre pessoas de pele escura e pessoas de pele clara no que se refere à ação de medicamentos nesses organismos para o tratamento de algumas doenças. Os autores levantam a hipótese de que isso pode ser consequência das condições socioeconômicas desfavoráveis vividas desde os anos de escravatura6.

226

É nesse cenário de vulnerabilidades que a população negra está envolvida. Por isso, são criadas estratégias como programas, projetos e ações na área da saúde, na tentativa de amenizar os impactos sofridos por essa população, proporcionando melhor qualidade de vida. Nesse sentido, no ano de 2009, o Ministério da Saúde (MS) instituiu a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PnSiPn), por meio da Portaria nº 992/20097

Considerando que a saúde é uma das principais preocupações da população e dos governantes, esta pesquisa tem relevância científica e social, pois possibilitará uma melhor visualização das ações para promover saúde para a população negra, de forma a contribuir para a criação de outras. Assim, objetiva-se descrever a produção científica acerca das políticas, estratégias e ações governamentais direcionadas à saúde da população negra.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo de revisão integrativa da literatura que consiste em uma ampla abordagem metodológica, cuja finalidade é analisar a literatura em relação a determinado tema e/ou questão norteadora com o propósito de aprofundar-se no entendimento de um fenômeno, baseando-se em estudos anteriores. É um método que possibilita a síntese de conhecimento adquirido no decorrer da pesquisa, agrupando-o de modo a aplicar seus resultados na prática para que, por meio de discussões sobre métodos e resultados de pesquisas e reflexões, seja possível proporcionar a busca pelo conhecimento, contribuir para o planejamento de estratégias e políticas públicas, bem como oferecer subsídio para a realização de futuros estudos8,9.

Conforme o método de estudo, seguiram-se as seguintes etapas: identificação do tema ou problema; seleção da questão norteadora da pesquisa; definição do objetivo específico; aplicação dos critérios de inclusão e exclusão previamente estabelecidos; categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos; análise dos resultados, e síntese do conhecimento10.

Para o norteamento do estudo, formulou-se a seguinte questão: “qual é o nível de conhecimento e sistematização da produção científica acerca das políticas, estratégias e ações governamentais direcionadas à saúde da população negra?” Realizou-se a busca on-line da literatura entre os meses de janeiro e abril de 2021 nas bases de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO), sites governamentais, legislações vigentes e revistas eletrônicas.

Os descritores selecionados a partir da terminologia em saúde consultada nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) foram os seguintes: “política de saúde”; “saúde pública”; “negro”; e “população negra”, com o auxílio dos operadores booleanos. Os critérios de inclusão estabelecidos para esta revisão foram: artigos na íntegra, em português, inglês e

227 v. 45, n. 4, p. 224-240 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

espanhol publicados nos últimos vinte anos, tendo como assunto principal temas que tivessem relação com políticas governamentais direcionadas à saúde da população negra.

Para a coleta de dados, foi elaborado instrumento contemplando os seguintes itens: código de identificação; título da publicação; autor e formação do autor; fonte; ano de publicação; tipo de estudo; região em que foi realizada a pesquisa; e a base de dados na qual o artigo foi publicado. Após a seleção dos artigos, foram definidas as informações que seriam extraídas dos estudos. Para viabilizar a apreensão das informações, utilizou-se banco de dados elaborado no software Microsoft Office Excel 2010, composto das seguintes variáveis: título do artigo; ano de publicação; delineamento do estudo; intervenção; e desfecho. Os dados obtidos foram agrupados em quadros e em abordagens temáticas e interpretados com base na literatura.

RESULTADOS

Foram identificadas 11 estratégias, ações ou políticas governamentais entres os anos de 2004 e 2017 direcionadas à saúde da população negra (Quadro 1).

Quadro 1 – Estratégias, ações ou políticas direcionadas à saúde e atenção à população negra. Salinas, Minas Gerais, Brasil – 2022

Estratégias, ações ou políticas

1 Política Nacional de Saúde Integral da População Negra

2 Campanha de enfrentamento do racismo no Sistema Único de Saúde

3 Priorização das comunidades quilombolas no Programa Mais Médicos

4 Grupos de trabalho do I Seminário Nacional de Saúde da População Negra

5 Programa de Combate ao Racismo Institucional

6 Programa Brasil Afroatitude

7 Programa Saúde e Prevenção nas Escolas – Educação entre Pares, Raça e Etnias

8 Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e Outras Hemoglobinopatias

9 Recorte racial no Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal

10 Incorporação do “Quesito Cor” nos Sistemas de Informação em Saúde e do Recorte Racial nas principais publicações periódicas em saúde

11 Promoção e informação sobre o direito à saúde no campo e na floresta

Fonte: Elaboração própria.

DISCUSSÃO ESTRATÉGIA 1: POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA

Devido às especificidades descritas relacionadas à saúde da população negra e de seus maiores índices de óbitos por homicídio, suicídio e doenças singulares, levantados pelo relatório “Saúde Brasil” em 2005, foi formulada a PnSiPn, baseada em princípios, diretrizes e objetivos.

228

Seus princípios são: prevalência da cidadania e da dignidade humana, repúdio ao racismo e à desigualdade. Além disso, é coerente com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS): universalidade, integralidade, equidade, participação popular e controle social7

As diretrizes da PnSiPn são: inclusão de temas como racismo e saúde da população negra na formação de trabalhadores da área da saúde; reconhecimento de saberes e práticas populares em saúde e avaliação; e monitoramento das ações de combate às desigualdades raciais 7

Já os objetivos da política são: promover a saúde integral da população negra; reduzir a discriminação nas instituições; ampliar o acesso da população negra aos serviços de saúde; pactuar, com as três esferas de governo, indicadores e metas para a promoção da saúde desses povos, bem como avaliá-los; e desenvolver estudos e pesquisas na área7

Em 2017, o MS, por meio da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa e em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SNPIR) do Ministério dos Direitos Humanos (MDH), produziu a cartilha intitulada O SUS está de Braços Abertos para a Saúde da População Negra com o objetivo de contribuir para a efetivação da política nacional a partir de temáticas prioritárias sobre saúde da população negra que traziam o exercício da reflexão para todas as esferas da gestão11

Diante do exposto, percebe-se que a estratégia 1 tem grande impacto no sentido de promover a saúde de pessoas negras, uma vez que influencia na criação de outras estratégias com o mesmo propósito.

ESTRATÉGIA 2: CAMPANHA DE ENFRENTAMENTO DO RACISMO NO SUS

No dia 25 de novembro de 2014, foi lançada a primeira campanha publicitária de enfrentamento ao racismo no SUS. A sua criação foi motivada por relatos de discriminação e números que revelam a expressão do racismo no SUS, consequências do contexto social e histórico da população negra no Brasil. Como exemplo, há as taxas de mortalidade materna e infantil que, na população negra, são mais elevadas do que aquelas registradas na população branca, as quais podem ser resultado do menor tempo de atendimento das suas demandas em saúde e da menor quantidade de informações médicas que mulheres negras recebem em detrimentos das mulheres brancas12.

As ações propostas por essa campanha são: oferecer treinamento aos profissionais do Disque Saúde, para identificação das denúncias caracterizadas como racismo e direcionamento para os órgãos competentes; inscrever profissionais de saúde em módulo virtual de educação

229 v. 45, n. 4, p. 224-240 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

sobre a “Saúde Integral da População Negra”; e, em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), abrir editais para o recebimento de projetos de pesquisa voltados para a saúde da população negra12.

Por saber que o racismo nas instituições de saúde dificulta o acesso da população negra aos serviços de saúde e agrava o quadro de doenças que podem ter tratamento simples, tornar o atendimento mais humanizado, como a estratégia 2 propõe, é uma forma plausível de promoção de saúde para essa população.

ESTRATÉGIA 3: PRIORIZAÇÃO DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS NO

PROGRAMA MAIS MÉDICOS

Lançado em julho de 2013, o Programa Mais Médicos tem o objetivo de melhorar o atendimento aos usuários do SUS, levando mais médicos para regiões onde há escassez ou ausência desses profissionais. As comunidades quilombolas são priorizadas nesse programa, recebendo investimentos em infraestrutura e profissionais para atuarem nessas localidades13

A estratégia 3 se trata de uma forma de garantir que as comunidades quilombolas, que vivem às margens da sociedade, possam receber atendimento médico.

ESTRATÉGIA 4: PROPOSTAS DOS GRUPOS DE TRABALHO DO I SEMINÁRIO

NACIONAL DE SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA

Entre os dias 18 e 20 de agosto de 2004, aconteceu em Brasília (DF) o I Seminário Nacional de Saúde da População Negra, no qual a situação atual de saúde desse grupo foi debatida e formas de como melhor promovê-la foram propostas. As propostas foram publicadas na cartilha A Saúde da População Negra e o SUS: Ações Afirmativas para Avançar na Equidade, produzida pelo MS em 2005.

As proposições envolveram os temas educação permanente, informação, mortalidade Precoce, participação e controle social, produção de conhecimento científico, anemia falciforme, população remanescente de quilombos e propostas gerais.

As sugestões feitas pelos grupos de trabalho foram especificamente para cada um dos três níveis de atenção à saúde (municipal, estadual e federal); houve também aquelas que abarcam tanto o nível municipal, como o estadual e o federal, além de sugestões de parcerias, entre outras. Algumas delas são:

• Educação permanente: incluir temas sobre saúde da população negra e racismo nas grades curriculares de escolas de nível técnico e superior, assim como na formação de profissionais de saúde e em educação permanente de trabalhadores dessa área 14 .

230

• Informação: aprimorar os sistemas de informação em saúde e transmitir informações adequadas sobre a saúde da população negra14.

• Mortalidade precoce: garantir o acesso a serviços de pré-natal, parto e puerpério à população negra; reforçar a vigilância da mortalidade materna, infantil e neonatal; e realizar estudos sobre a ocorrência de homicídios entre jovens negros14

• Participação e controle social: incluir o tema do racismo institucional dentro da política de humanização do SUS, introduzir representantes da população negra nos conselhos de saúde, capacitar os conselheiros em saúde para a temática e propor parcerias com religiões de origem africana14

• Produção de conhecimento científico: reconhecer a contribuição do saber popular no desenvolvimento do conhecimento científico, promover pesquisas que contenham recorte étnico-racial e chamar atenção de órgãos do legislativo e outras instâncias para questões de gênero e raça14.

• Anemia falciforme: realizar o mapeamento e busca ativa de pessoas portadoras da doença, implantar o Programa Nacional de Anemia Falciforme, orientar sobre as influências genéticas da patologia e estabelecer parcerias para o combate dela14

• Populações remanescentes de quilombos: cobrir as comunidades quilombolas com a Estratégia Saúde da Família (ESF), garantir o deslocamento dos quilombolas para os serviços de saúde e introduzir representantes dessas comunidades nas decisões em saúde14.

• Propostas gerais: implantar políticas públicas de redução de desigualdades, introduzir a história africana e a capoeira nas grades curriculares das escolas, garantir que o Ministério Público, quando acionado, faça cumprir a leis antirracistas e disseminar a campanha “Orgulho de Ser Negro”14

Na estratégia 4, são plausíveis as orientações para a criação de estratégias, além das já criadas, visando à melhoria da qualidade de vida desses povos.

ESTRATÉGIA 5: PROGRAMA DE COMBATE AO RACISMO INSTITUCIONAL

O Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI), que atua no combate e na prevenção de situações de racismo no setor público, foi criado em 2005 e é composto por ações municipais de combate ao racismo nas instituições públicas e por ações na área da saúde em nível federal. O programa busca promover educação permanente aos trabalhadores em saúde, incluindo revisão de procedimentos, processos e condutas, informação e comunicação em saúde e controle social e gestão participativa por meio da formação de redes de representantes da população negra15.

231 v. 45, n. 4, p. 224-240 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

Na estratégia 5, percebe-se um esforço por extinguir o racismo ainda muito presente nos tempos atuais e que dificulta o acesso do negro à saúde.

ESTRATÉGIA 6: PROGRAMA BRASIL AFROATITUDE

A aids é uma grave doença e um problema de saúde pública que envolve questões sociais e culturais. Social porque, além de outros casos, acomete pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social, vítimas da exclusão, com pouco acesso à informação nas situações em que há presença de relações sexuais desprotegidas. Cultural porque ainda existem práticas religiosas e não religiosas nas quais o compartilhamento de instrumentos perfurocortantes é feito sem precauções. Tudo isso contribui para a transmissão do vírus.

O Programa Integrado de Ações Afirmativas para Negros – Brasil Afroatitute surgiu em 2006, a partir de discussões levantadas pelo Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e aids (PN-DST/AIDS) acerca das possíveis formas de enfrentamento da doença, nesse caso, para a população negra.

O PN-DST/AIDS é responsável por ações em parceria com outros movimentos em prol da disseminação de informações e combate dessa epidemia e implantou o Sistema de Informação Nacional de Agravos de Notificação (Sinan) com um recorte por raça/cor no ano 200016.

O Brasil Afroatitude é um projeto inserido em algumas universidades federais e estaduais do país, direcionado para alunos negros que ingressaram nos cursos por cotas, possibilitando apoio financeiro para esses estudantes e a criação de um espaço para discutir, construir e difundir conhecimentos sobre aids, outras IST e racismo para a população em geral, mas principalmente para a população negra16 Uma das ações realizadas por esse programa foi uma “[…] capacitação e treinamento na prevenção em DST/aids, para todos os estudantes prestarem atividades junto à comunidade no campo da assistência e prevenção”16:22. Como efeito dessa e de outras ações, houve uma aproximação dos acadêmicos com a comunidade na medida em que colocaram os conhecimentos adquiridos em prática16.

A experiência adquirida pelos alunos contemplados pelo projeto pode ser observada em algumas falas de alguns deles:

Nesse projeto, aprendemos a perceber e focalizar questões voltadas a gênero, cotas, saúde DST/aids e as perspectivas da vida da mulher negra na cidade de Maceió.16:22

232

Com o projeto Afroatitude, estou adquirindo conhecimentos em DST/ aids, anemia falciforme, religião afro-brasileira e pude conhecer a Serra da Barriga, local onde viveu Zumbi dos Palmares.16:22

A consciência em relação às práticas sexuais seguras e o cuidado com a própria saúde foi potencialmente aumentada. Junto a isso, a vontade de conhecer e valorizar a nossa história, enquanto afrodescendentes, foi sensivelmente suscitada em mim, na busca pela minha identidade e diretos.16:22

Além desse resultado, consequências como a promoção da equidade e o combate à desigualdade racial com o fortalecimento do sistema de cotas, o engajamento dos estudantes e de universidades na luta contra a aids e o racismo, dentre outras, puderam ser observadas no primeiro ano de desenvolvimento do programa16

Perante o exposto sobre a estratégia 6, pode-se ver que ela conseguiu construir uma ponte entre promoção à saúde da população negra e direitos humanos.

ESTRATÉGIA 7: PROGRAMA SAÚDE E PREVENÇÃO NAS ESCOLAS – EDUCAÇÃO

ENTRE PARES, RAÇA E ETNIAS

A Atenção Básica em Saúde tem ações com foco na prevenção e, por isso, realiza trabalhos também em escolas, um dos ambientes mais propícios para a dispersão de informações. Procurando atender esse objetivo, o Programa Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE), criado em 2010, é uma parceria entre os Ministérios da Saúde e Educação e procura contribuir com a formação integral de alunos da rede pública de ensino no que tange à prevenção e promoção à saúde.

O Projeto Adolescentes e Jovens para a Educação entre Pares é uma das ações que integram o SPE e visa à participação de jovens e adolescentes nas discussões e decisões sobre assuntos que envolvem a convivência em sociedade. Para isso, baseia-se na estratégia de educação entre pares, ou seja, no aprendizado que é construído socialmente. Alguns temas trabalhados por esse projeto são: adolescência; juventude e participação; álcool e outras drogas; diversidades sexuais; gêneros, prevenção das IST; sexualidade e saúde reprodutiva; raça e etnias17

O fascículo com textos e uma série de oficinas sobre raça e etnias apoia-se, além de em outras recomendações, nos princípios e diretrizes da PnSiPn e propõe uma discussão sobre o racismo institucional partindo da constatada falta de acesso da população negra aos serviços de saúde e aos serviços em geral, tendo como prova os altos índices de mortalidade materna e infantil e a menor expectativa de vida entre essas pessoas17.

233 v. 45, n. 4, p. 224-240 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

As oficinas produzidas foram: “Preconceito e Discriminação”, “Que País é Esse? “, “A Escola e a Discriminação”, “Diversidades e Vulnerabilidades”, “Mídia e racismo”, e “Desigualdades Raciais e Políticas de Inclusão”. É importante ressaltar que cada oficina foi organizada contendo objetivo, material necessário, tempo de execução, dinâmica de quebragelo, questões a serem respondidas, ações indispensáveis para que as oficinas ocorressem da melhor forma possível, conclusão e relaxamento final. A cartilha também conta com dicas, textos de apoio para as oficinas, filmes relacionados ao tema e conceitos pertinentes17.

As discussões propostas pelas oficinas na estratégia 7 contribuem para o conhecimento dos direitos de pessoas negras por adolescentes e jovens, tornando-os mais críticos e melhorando sua autoestima.

ESTRATÉGIA 8: POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL ÀS PESSOAS COM DOENÇA FALCIFORME E OUTRAS HEMOGLOBINOPATIAS

A doença falciforme (DF) afeta o sistema sanguíneo, causando uma produção de hemoglobina com formato anormal e interferindo no funcionamento do organismo 18 .

De acordo com os dados do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) de 2011, três mil crianças nascem com DF por ano e, segundo estudos, essa patologia atinge indivíduos negros devido sua origem africana, principalmente 19,20,21,22

Felix, Souza e Ribeiro 20 escrevem que, além do fator genético e hereditário, a doença falciforme causa disfunção social e psicológica para a pessoa portadora, que necessita de cuidados não só em relação à condição orgânica, mas também quanto a aspectos psicossociais. É pensando nisso que a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e Outras Hemoglobinopatias foi criada.

Antes de ser instituída pela Portaria nº 1.391/2005, essa política e outras ações reivindicadas pelo Movimento Negro passaram por vários desafios em sua formulação. Antes, falava-se apenas em medicamentos e procedimentos clínicos, passando a se tornar um programa instituído pela Portaria nº 1.018/GM/200522,23

Essa política tem como objetivos: criação de um cadastro nacional de doentes falciformes e outras hemoglobinopatias; garantia de atenção integral com atendimento por equipe multidisciplinar; capacitação em educação permanente para os trabalhadores da área da saúde; promoção do acesso à informação e aconselhamento genético aos portadores da doença ou traço falciforme; integralização com o PNTN; garantia de acesso aos insumos e medicamentos essenciais; e favorecimento da pesquisa científica e do avanço tecnológico no que tange à DF23.

234

A política descrita na estratégia 8 é uma forma de garantia de saúde biopsicossocial para a população negra, uma vez que tal doença atinge principalmente essas pessoas.

ESTRATÉGIA 9: RECORTE RACIAL NO PACTO NACIONAL PELA REDUÇÃO DA MORTALIDADE MATERNA E NEONATAL

A mortalidade materna é caracterizada pela morte de mulheres em virtude de complicações durante a gravidez, parto ou puerpério. A mortalidade neonatal é caracterizada pela morte de recém-nascidos com até quatro semanas de vida. Ambas são consideradas um grave problema de saúde pública no Brasil24,25.

Segundo pesquisas de Martins, até o ano de 2001, o número de mortes maternas de mulheres negras era até sete vezes maior do que o de mulheres brancas. Entre as possíveis causas para a morte materna daquelas mulheres, está a predisposição maior para doenças como hipertensão e diabetes tipo II, além de determinantes sociais, como menor acesso à informação e menores níveis de renda e escolaridade24.

De acordo com os dados do IBGE de 2013, em uma projeção até o ano de 2015, a taxa de mortalidade infantil foi de 15 óbitos para cada mil nascidos vivos. É um número consideravelmente menor se comparado ao dos anos 1980, em que o número de óbitos era de 85 para cada mil nascidos vivos3. Weirich e Domingues25 afirmam que as causas desses óbitos são, em sua maioria, de origem biológica e por ausência de atendimento adequado no pré-natal, natal e pós-natal, portanto, percebe-se que são causas tratáveis e que a morte pode ser evitada.

É diante desse cenário que, no ano de 2005, foi introduzido o recorte étnico/racial no Pacto pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal26. Essa ação ofereceria atenção às mulheres e recém-nascidos negros e indígenas, respeitando suas particularidades étnicas e culturais, atentando para as especificidades no perfil de morbimortalidade desses segmentos da população27. Além disso, vale acrescentar, nessa estratégia, um capítulo destinado à saúde da mulher negra na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher.

Na estratégia 9, percebe-se uma preocupação com o crescimento saudável da população, em especial, da população negra.

ESTRATÉGIA 10: INCORPORAÇÃO DO “QUESITO COR” NOS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE E DO RECORTE RACIAL NAS PRINCIPAIS PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS EM SAÚDE

De acordo Piovesan28, é importante oferecer a determinados grupos sociais uma proteção específica, considerando suas particularidades, características históricas, sociais,

235 v. 45, n. 4, p. 224-240 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

políticas e suas vulnerabilidades para atingir a igualdade. A incorporação do “quesito cor” nos sistemas de informação em saúde e do recorte racial nas principais publicações periódicas em saúde é uma forma de se alcançar isso.

O “quesito cor” foi implantado em 1996 pelo MS, primeiramente nos registros de natalidade e mortalidade e, posteriormente, em 2000, nos registros de agravos notificáveis, mas só desde 2005, com a PnSiPn, é que a inclusão desse quesito vem ocorrendo gradualmente em todos os sistemas de informação em saúde. Já o recorte racial nas principais publicações periódicas de análises epidemiológicas e de vigilância em saúde no SUS foi incluído, por essa política, em 2006 29,30

Para Adorno, Alvarenga e Vasconcellos30, a incorporação do quesito cor é um importante instrumento de análise epidemiológica, monitoramento e avaliação do processo saúde-doença da população negra e de planejamento de estratégias para melhor atendê-la. As publicações periódicas em saúde com recorte racial podem apresentar esse mesmo objetivo. Ainda segundo esses autores, a falta desse quesito nos registros de saúde pode causar a manutenção da situação de exclusão de tal população30.

Vê-se o interesse, na estratégia 10, em entender a realidade de saúde da população negra e divulgar informação sobre novos conhecimentos, avanços tecnológicos e até novas políticas de saúde relativas a ela, com o intuito de promover melhores condições de vida para esse segmento.

ESTRATÉGIA 11: PROMOÇÃO E INFORMAÇÃO SOBRE O DIREITO À SAÚDE NO CAMPO E NA FLORESTA

Em 2004, o projeto de formação de multiplicadores e multiplicadoras em gênero, saúde, direitos sexuais e reprodutivos foi criado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), com o objetivo de disseminar informações sobre esses temas para a população do campo e das florestas31.

Nesse projeto, foi firmado um convênio com o MS e a Secretaria Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em 2005, que auxiliou em seu desenvolvimento e possibilitou a transmissão de informações a respeito da saúde da população negra e igualdade racial31.

É importante ressaltar que o projeto alcançou 19 estados, incluindo o Distrito Federal, nos anos de 2004 a 2006, e desde então tem tido aceitação de diversos setores sociais e governamentais. Suas ações e atividades têm dado à população a oportunidade de conhecer as políticas de saúde e de dialogar com seus gestores, favorecendo o controle social dessas políticas31.

236

A disseminação de informações acerca da saúde da população negra e igualdade racial se torna mais abrangente por meio de projetos, programas e ações de políticas públicas, como é o caso da estratégia 11, podendo ser uma importante forma de promover a saúde da população negra.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A produção científica sobre as políticas, estratégias e ações governamentais direcionadas à saúde da população negra está em evolução; ressalta-se que esse processo é assistemático e sofre influência do engajamento social pelo assunto, no entanto, há dificuldades e barreiras que limitam a materialização dessas políticas, estratégias e ações. Diante das características únicas em relação ao contexto histórico, vulnerabilidades e fisiologia da população negra, cada uma das estratégias evidenciadas tem sua importância no combate ao preconceito e na promoção de saúde para essa população.

Com a proposição dessas formas de promoção da saúde, torna-se possível cumprir os princípios doutrinários do SUS: universalidade, equidade e integralidade. Assim, o negro é visto como cidadão que tem direito ao acesso a todos os serviços públicos de saúde; é um indivíduo igual perante o SUS, que deve ser atendido conforme suas necessidades, e, além de tudo, é uma pessoa que deve ter seus aspectos biológico, psicológico e social acolhidos de forma integral.

As informações levantadas por esta pesquisa instigam a realização de outros estudos sobre o assunto, ampliando os conhecimentos na área, bem como a criação de novas estratégias, uma vez que não foi encontrada, nas bases de dados pesquisadas, a divulgação de táticas referentes a esse segmento da saúde a partir do ano de 2018 até o presente momento.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Anáira Gisser Sousa Ribeiro e Edna Marcia Grahl Brandalize Slob.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Anáira Gisser Sousa Ribeiro e Edna Marcia Grahl Brandalize Slob.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Anáira Gisser Sousa Ribeiro.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Anáira Gisser Sousa Ribeiro.

237 v. 45, n. 4, p. 224-240 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

REFERÊNCIAS

1. Willeman EM, Lima GR. O preconceito e a discriminação racial nas religiões de matriz africana no Brasil. Rev Uniabeu. 2010;3(5):70-94.

2. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. População residente por cor ou raça segundo a situação do domicílio e os grupos de idade [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2010. [citado em 2021 abr 11]. Disponível em: https://sidra. ibge.gov.br/Tabela/3175#resultado.

3. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Taxa de Mortalidade Infantil por mil nascidos vivos de 2000 a 2015 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2013. [citado em 2021 abr 11]. Disponível em: https://brasilemsintese.ibge.gov.br/ populacao/taxas-de-mortalidade-infantil.

4. Brasil. Fundação Nacional de Saúde. Saúde da população negra no Brasil: contribuições para a promoção da equidade. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2005.

5. Campos ACM, Almeida CR, Aoki FH, organizadores. Saúde da população negra, HIV/AIDS: pesquisas e práticas. Campinas (SP): Arte Escrita; 2011.

6. Vale NB, Delfino J. Anestesia na população negra. Rev Bras Anestesiol. 2003;53(3):401-18.

7. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: Uma política do SUS. 3a ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017.

8. Bragion GKP, Costa CMS, Viana EC, Freitas NF. Aspectos sociais dos pacientes com úlcera de perna na doença falciforme: revisão integrativa. Rev Enferm Cent-Oeste Min. 2017;7(1):e1470.

9. Soares MKP, Facundo SHBC, Oliveira Branco JG, Aguiar FAR, Costa FBC, Morais Brilhante AV. Tratamentos na doença trofoblástica gestacional: uma revisão integrativa. Rev Enferm Cent-Oeste Min. 2017;7(1):e1838.

10. Oliveira RF, Lima GG, Vilela GS. Incidência da síndrome de burnout nos profissionais de enfermagem: uma revisão integrativa. Rev Enferm Cent-Oeste Min. 2017;7(1):e1383.

11. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. O SUS está de braços abertos para a saúde da população negra. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017.

12. Brasil. Secretaria de Direitos Humanos. Campanha de enfrentamento do racismo no SUS [Internet]. [local desconhecido]: Blog da Saúde; 2014. [citado

238

em 2021 abr 11]. Disponível em http://www.blog.saude.gov.br/34777campanha-mobiliza-a-populacao-contra-o-racismo-no-sus.html.

13. Brasil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília (DF); 2013 out 23. Seção 1, p. 1.

14. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria-Executiva, Subsecretaria de Planejamento e Orçamento. Seminário Nacional de Saúde da População Negra: Síntese do relatório. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006.

15. Brasil. Organização Pan-Americana de Saúde, Programa de Combate ao Racismo Institucional. Boletim Eletrônico [Internet]. 2005 [citado em 2021 abr 11];(2). Disponível em: https://www.paho.org/bra/dmdocuments/Sala5516.pdf

16. Brasil. Ministério da Saúde. Brasil Afroatitude: Primeiro ano do programa. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006.

17. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Saúde e prevenção nas escolas: adolescentes e jovens para a educação entre pares. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010.

18. Galiza Neto GC, Pitombeira MS. Aspectos moleculares da anemia falciforme. J Bras Patol Med Lab. 2003;39(1):51-6.

19. Brasil. Ministério da Saúde. Autocuidado na doença falciforme: manual de educação em saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2008.

20. Felix AA, Souza HM, Ribeiro SF. Aspectos epidemiológicos e sociais da doença falciforme. Rev Bras Hematol Hemoter. 2010;32(3):203-8.

21. Cavalcanti JM, Maio MC. Entre negros e miscigenados: a anemia e o traço falciforme no Brasil nas décadas de 1930 e 1940. Hist Cienc SaúdeManguinhos. 2011;18(2):377-406.

22. Jesus JA. A implantação do Programa de Doença Falciforme no Brasil. BIS Bol Inst Saúde. 2011;13(2):107-13.

23. Brasil. Portaria nº 1.391, de 16 de agosto de 2005. Institui no âmbito do Sistema Único de Saúde, as diretrizes para a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias. Brasília (DF); 2005.

24. Martins AL. Mortalidade materna de mulheres negras no Brasil. Cad Saúde Pública. 2006;22(11):2473-9.

25. Weirich CF, Domingues MHMS. Mortalidade neonatal: um desafio para os serviços de saúde. Rev Eletr Enferm. 2006;3(1):1-10.

239 v. 45, n. 4, p. 224-240 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

26. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Perspectiva da equidade no pacto nacional pela redução da mortalidade materna e neonatal: atenção à saúde das mulheres negras. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2005.

27. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Pacto pela redução da mortalidade materna e neonatal. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2004.

28. Piovesan F. Ações afirmativas sob a perspectiva dos Direitos Humanos. Cad Pesqui. 2005;124(35):43-55.

29. Brasil. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial. Informativo Igualdade Racial [Internet]. Brasília (DF): MDH; 2007. [citado em 2021 abr 12]. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/centrais-de-conteudo/igualdaderacial/informativo-igualdade-racial-fsm_2007_informativo/view.

30. Adorno RDC, Alvarenga ATD, Vasconcellos, MDP. Quesito cor no sistema de informação em saúde. Estud Av. 2004;(18)50:119-23.

31. Brasil. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial. Brasília (DF): MDH; 2005. [citado em 2021 abr 12]. Disponível em: https://www. gov.br/mdh/pt-br/centrais-de-conteudo/igualdade-racial/relatorio-deatividades-2005-seppir.

Recebido: 13.4.2021. Aprovado: 20.11.2022.

240

RELATO DE EXPERIÊNCIA

RELATO DA IMPLANTAÇÃO DO MATRICIAMENTO EM UM MUNICÍPIO CEARENSE: DOS DESAFIOS ÀS CONQUISTAS

Paulo Henrique Caetano de Sousaa

https://orcid.org/0000-0002-7205-1558

Marianna Braga Noronha Monteirob

https://orcid.org/0000-0003-2101-2628

Pamela Bezerra da Silvac

https://orcid.org/0000-0001-7778-1931

Uly Castro de Azevedod

https://orcid.org/0000-0002-5464-4165

Resumo

O apoio matricial constitui uma das prerrogativas básicas para o acompanhamento longitudinal, holístico e eficaz de casos complexos das comunidades, sendo essa a base de sustentação do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB), hoje chamado de equipe multiprofissional em saúde. O objetivo deste artigo foi descrever como ocorreu o processo de implantação das reuniões de matriciamento em um Nasf municipal do interior cearense, por meio de um relato de experiência qualitativo, transversal, narrativo-descritivo e com base na vivência de instituição da reunião de matriciamento. Foram utilizados registros escritos das atas de reunião e os eventos memoráveis. O processo de instituição das reuniões de matriciamento se deu em três etapas: análise territorial, na qual foram levantados os problemas da comunidade, bem como identificadas as redes disponíveis no município; reunião de esclarecimento sobre a ideia do apoio matricial, benefícios e maneiras de sua implantação na rotina profissional (nessa etapa, além da conscientização dos profissionais, buscou-se o apoio da a Fisioterapeuta. Mestre em Saúde da Família pela Universidade Federal do Ceará/Fundação Oswaldo Cruz. Egresso da Residência em Saúde da Família e Comunidade – ESP/CE. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: desousa.ph@gmail.com

b Fonoaudióloga. Especialista em Motricidade Orofacial e Capacitação em Desenvolvimento Infantil. Servidora Pública do Município de Uruburetama. Uruburetama, Ceará, Brasil. E-mail: mari-noronha@hotmail.com

c Psicóloga. Especialista em Saúde Mental. Servidora Pública do Município de Uruburetama. Uruburetama, Ceará, Brasil. E-mail: pam.oiq@gmail.com

d Assistente Social. Mestre em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará. Egressa da Residente em Saúde Mental – ESP/CE. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: ulyazevedo@gmail.com

Endereço para correspondência: Rua Marcolino Evangelista, s/n, Centro. Uruburetama, Ceará, Brasil. CEP: 60650-000. E-mail: desousa.ph@gmail.com

241 v. 45, n. 4, p. 241-251 out./dez. 2021 241
Revista Baiana de Saúde Pública DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3422

gestão); e pactuação acerca das frequências em que os encontros se realizariam, tomando por base reuniões de maneira sequencial e seleção dos casos que seriam discutidos. Foi concluído que, para que se realizem de maneira eficaz, é necessário que as reuniões de matriciamento tenham objetivos esclarecidos diante dos profissionais que participarão delas, uma vez que muitos processos de trabalho não têm a ótica do apoio matricial. Porém, deve-se compreender que surgirão dificuldades na manutenção de tais encontros e que o sucesso ou fracasso das reuniões será responsabilidade de todos os participantes.

Palavras-chave: Saúde da família. Atenção primária. Apoio matricial.

REPORT OF THE MATRIX IMPLEMENTATION IN A MUNICIPALITY OF CEARA: FROM CHALLENGES TO ACHIEVEMENTS

Abstract

Matrix support is one of the basic prerogatives for the longitudinal, holistic, and effective follow-up of complex cases in the communities, which is the basis of support of the Expanded Nucleus of Family Health and Primary Care (NASF-AB), now called multiprofessional health team. This article aimed to describe how the process of implementing matrix support meetings took place in a municipal NASF from the interior of the state of Ceará, by a qualitative, cross-sectional, narrative-descriptive experience report and based on the experience from the institution of the matrix support meeting. Written records of meeting minutes and memorable events were used. The process of establishing the matrix meetings took place in three stages: territorial analysis, in which the problems of the community were raised and the networks available in the municipality were identified; clarification meeting on the idea of matrix support, benefits and ways of implementing it in the professional routine (at this stage, in addition to raising awareness among professionals, management support was sought); and agreement on the frequencies at which the meetings would take place, based on sequential meetings and selection of the cases that would be discussed. In conclusion, for them to be carried out effectively, the matrix support meetings need to have clear objectives in front of the professionals who will participate in them, since many work processes do not have the perspective of matrix support. However, it must be understood that difficulties will arise in maintaining such meetings and that the success or failure of the meetings will be the responsibility of all participants.

Keywords: Family health. Primary health. Matrix support.

242

INFORME DEL DESARROLLO DEL APOYO MATRICIAL EN UNA CIUDAD DE CEARÁ: DE LOS DESAFÍOS A LOS LOGROS

Resumen

El apoyo matricial es una de las atribuciones básicas para el seguimiento longitudinal, holístico y efectivo de casos complejos en las comunidades, que es la base de apoyo del Núcleo Ampliado de Salud de la Familia y Atención Primaria (Nasf-AB), hoy denominado equipo multiprofesional en salud. El objetivo de este artículo fue describir cómo ocurrió el proceso de desarrollo de las reuniones de apoyo matricial en un municipio de Ceará (Brasil) mediante relato de experiencia cualitativo, transversal, narrativo-descriptivo y basado en la experiencia de institución del apoyo matricial y reunión. Se utilizaron registros escritos de las actas de reuniones y eventos memorables. El proceso de establecimiento de las reuniones matrices se llevó a cabo en tres etapas: análisis territorial, en el que se plantearon los problemas de la comunidad, así como se identificaron las redes disponibles en el municipio; la reunión de aclaración sobre la idea de apoyo matricial, beneficios y formas de implementarlo en el cotidiano profesional (en esta etapa, además de sensibilizar a los profesionales, se buscó tener el apoyo de la gestión); y acuerdo sobre las frecuencias en que se llevarían a cabo las reuniones, tomando como referencia las reuniones secuenciales y la selección de los casos que se discutirían. Se concluyó que la realización efectiva de las reuniones de apoyo matricial deberán comprender objetivos claros frente a los profesionales que participarán en ellas, ya que muchos procesos de trabajo no tienen la perspectiva del apoyo matricial. Sin embargo, debe entenderse que surgirán dificultades para mantener tales reuniones y que el éxito o el fracaso de las reuniones será responsabilidad de todos los participantes.

Palabras clave: Salud de la familia. Atención primaria. Apoyo matricial.

INTRODUÇÃO

O Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB), como antes eram chamadas as equipes multiprofissionais de saúde, é um dos componentes da rede de apoio primário em saúde do Sistema Único de Saúde (SUS)1. Assim, como equipe especializada, é responsável pelo suporte à Estratégia Saúde da Família (ESF) e à Atenção Básica e pelo manejo de casos individuais e coletivos emergentes da comunidade. Para tanto, a estratégia matricial é de fundamental importância não somente na ampliação do cuidado ofertado, mas também no estreitamento de vínculos com a rede municipal de saúde. O apoio matricial, nesse sentido,

243 v. 45, n. 4, p. 241-251 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

objetiva oferecer uma retaguarda assistencial e um suporte técnico-pedagógico às equipes de referência2. Portanto, essas ações não devem ser vistas somente como de caráter pontual e nem como única atribuição das equipes multiprofissionais de saúde, mas como integrantes do seu processo de trabalho e parte da rotina da Atenção Primária à Saúde (APS)3

Existem questões, entretanto, que dificultam a execução do apoio matricial por parte da equipe multiprofissional. Entre elas, segundo Tesser3, estão o excesso de encaminhamentos para o cuidado especializado da APS, o não aproveitamento do profissional em intervenções mais específicas do núcleo profissional dele e a dificuldade de identificação de casos necessários de apoio matricial4,5. Por isso, sugere-se manter o equilíbrio entre as ações assistenciais e matriciais, uma vez que, perdida essa estabilidade, a tendência é que as próprias equipes se sintam sobrecarregadas e não apoiem as reuniões de matriciamento realizadas3.

A lógica do apoio matricial, contudo, é definida como uma maneira de reorganização do serviço e compartilhamento de responsabilidades e trabalha sobre a ótica do conceito de núcleo (específico) e de campo (geral)6. Com esses conceitos em mente, seria possível estimular mudanças na atenção à saúde visando uma responsabilização maior por parte das equipes. Assim, trabalho interdisciplinar poderia ser estimulado evitando uma fragmentação da atenção e iatrogenias, promovendo, com isso, maior equidade e acesso às demandas mais graves, garantindo aplicação mais eficaz dos recursos financeiros, ampliando as intervenções em saúde sobre o paciente e melhorando as formações de vínculo entre o profissional, os usuários e a rede ampliada de saúde7

Portanto, o objetivo deste relato de experiência é expor como ocorreu o processo de implantação e desenvolvimento das reuniões de matriciamento em um município do interior do Ceará como parte da rotina de atividades da equipe multiprofissional de saúde.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um relato de experiência qualitativo e transversal, com base na vivência no processo de implantação da reunião de matriciamento ocorrido durante a gestão 2017-2020 do município de Uruburetama (CE), da região do Vale do Curu, pertencente à 6ª Área Descentralizada de Saúde (ADS) do estado do Ceará. O município possui 20.991 habitantes, dez Programas de Saúde da Família (PSF), sendo cinco na sede e cinco na área rural, uma equipe multiprofissional em saúde com oito profissionais de saúde e um Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Para as reuniões de matriciamento eram convidadas todas as equipes de referência do município (enfermeiros, dentistas e médicos). Porém, os participantes variavam conforme a disponibilidade de agenda e interesse nos casos apresentados. Cada reunião era registrada por meio de uma lista de presença e um registro fotográfico dos participantes, além do preenchimento da ata.

244

DESCRIÇÃO DA ANÁLISE

Para compor a descrição e a análise do processo de matriciamento ocorrido no período supracitado, foram utilizadas as atas de reunião dos encontros sob a responsabilidade de um dos autores, bem como a descrição memorável dos envolvidos, conforme ordem cronológica. Assim, foi escolhido o modelo narrativo com foco descritivo conforme o referencial teórico de Wittizorecki et al.8, que descrevem nessa metodologia a possibilidade de serem feitos recortes memoráveis relevantes, evidenciando a experiência relatada de maneira viva e expondo os sentimentos gerados no momento em que foram vividos. Segundo Daltro et al.9, o relato de experiência é um produto científico que permite o pesquisador articular conhecimentos advindos da sua vivência no coletivo. Os autores também descrevem que o relato de experiência ativa no pesquisador a competência da tradução, percepção e interpretação dos fatos vividos. Dessa forma, durante a construção deste relato de experiência, foram revividas as etapas até a primeira reunião oficial de matriciamento. Para cada momento foi traçado um marco, no qual foram identificados os fatos relevantes que o envolveram e que contribuíram para a criação da reunião de matriciamento, sendo analisadas as informações escritas em cada ata. Por fim, pôde-se traçar uma ordem lógica e estruturar as etapas seguidas de implantação e manutenção das mesmas. Segundo Bondia10, esses relatos permitem reviver cada momento e possibilitam o compartilhamento de aprendizados para que os próximos que vivenciarem experiências similares possam ter um modelo a seguir. Foram respeitados os preceitos éticos e não foram reveladas falas ou trechos que identificassem participantes e/ou profissões, sendo optado apenas relatar, quando necessário, conceitos-chave de ideias do coletivo11.

RESULTADOS

ETAPA UM

O processo iniciou-se com uma territorialização das regiões de saúde a partir da readequação da equipe do Nasf Uruburetama, agora intitulada equipe multiprofissional. Nessa etapa, os profissionais conheceram o sistema de saúde do município, os atores-chave dos equipamentos de saúde, assistência e educação, e a partir de então foi planejada uma agenda de intervenção de acordo com as demandas de serviço e as possibilidades existentes no município.

Então, notou-se que havia uma fragilidade no sistema de referência e contrarreferência e que muitos casos eram direcionados sem o apoio da rede, o que, de maneira geral, resultava no fracasso ou na demora da resolução efetiva ou no encaminhamento dos casos realizados de maneira equivocada. Assim, com o entendimento do caso foi sugerida a iniciação das reuniões de matriciamento.

245 v. 45, n. 4, p. 241-251 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

ETAPA DOIS

Com a percepção da necessidade de se incluir o profissional municipal, já por muito tempo atuante e sem a incorporação de outras metodologias ao lidar com casos complexos, a equipe multiprofissional de Uruburetama organizou uma primeira reunião com a presença dos coordenadores e dos profissionais das principais instituições da rede para cumprir três objetivos:

(1) identificar as equipes de profissionais da rede; (2) apresentar as funções de cada equipamento/ profissional; e (3) esclarecer a lógica do matriciamento e a sua importância no município.

Assim, estiveram presentes profissionais que atuavam em ESF, Caps, Centro de Referência em Assistência Social (Cras), Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas), Conselho Tutelar, Escolas Municipais, entre outros.

Reportando a esse momento, foi compreendido, por parte dos participantes, o quão rica se constituía aquela metodologia diante das muitas fragilidades existentes na rede e que a não existência de recursos ou de espaço físico, sozinhos, não deveriam impedir a realização de um bom trabalho. Além disso, foi explicitado que reuniões como aquela evidenciavam um esforço sincero dos profissionais locais para dar uma melhor resolução à situação de saúde da população assistida pelos mais diversos setores locais.

Nesse momento foi realizada uma apresentação em Power Point esclarecendo o que constitui um matriciamento, qual a sua importância para o paciente e para a equipe, bem como o seu poder de facilitação do trabalho e a aproximação dos serviços da rede. Posteriormente, foram acordadas as resoluções para que as reuniões de matriciamento ocorressem de maneira periódica e efetiva. Acordou-se a periodicidade dos encontros (dia da semana e frequência) e o local das reuniões no espaço público (foi eleito o Cras do município). Discutiu-se sobre as abordagens e os instrumentais que seriam utilizados, como a ata de sumarização das discussões e dos casos apresentados, bem como a decisão de que cada participante poderia apresentar um caso e acionar os equipamentos presentes, que compartilhariam as responsabilidades pelo caminhar da resolução do problema apresentado.

ETAPA TRÊS

Com a explanação dos objetivos e das definições do funcionamento das reuniões de matriciamento, iniciaram-se os encontros de fato. O organograma das reuniões não seguiu uma mesma sequência rígida por conta da flutuabilidade na participação dos equipamentos.

Cada reunião iniciava-se com a apresentação dos profissionais e dos equipamentos que eles representavam. Depois, cada um tinha a oportunidade de relatar casos que consideravam complexos ou que necessitavam da intervenção de outros profissionais da rede ampliada. Para tal

246

fim, cada equipamento estava livre para levar materiais necessários para descrever o caso, como, por exemplo, prontuários, anotações e apresentações de slides, embora esse último recurso não tenha sido usado por inviabilidade prática de mobilização do material necessário. Após esse momento, os profissionais solicitados ou que julgavam poder intervir no caso se manifestavam propondo alguma solução ou descrevendo necessidade de mais informações para solucionar o caso. Ao fim eram definidos os passos que seriam tomados posteriormente, o(s) profissional(is) responsável(is) e, em alguns momentos, o prazo para a solução dos casos.

Assim, após expor os casos, os profissionais discutiam entre si a melhor forma de conduzir as intervenções e quais outros equipamentos da rede em saúde ou da rede de assistência social poderiam ainda ser mobilizados para a resolução do caso. Cada decisão, argumento e ponderação eram redigidos em ata que servia de base para as próximas reuniões, bem como de parâmetro para averiguar quais casos conseguiram ou não obter alguma resolução.

DIFICULDADES ENCONTRADAS

Durante o período de gestão de 2017-2020 foram realizados encontros mensais de matriciamento. Porém, nesse período foi necessária uma reestruturação do Nasf local, uma vez que foram feitos ajustes na organização do serviço por conta da fiscalização do Programa de Melhoria e Qualificação da Atenção Básica (Pmaq), as quais interromperam as reuniões por dois meses seguidos, e houve a restrição das atividades por conta da pandemia de covid-19. Além disso, ressaltam-se outras dificuldades na realização das reuniões de matriciamento, como a ausência dos profissionais da APS nos momentos de apresentação e discussão dos casos. Essas ausências dificultavam as discussões, pois outras instituições, de assistência social, por exemplo, apresentavam casos que vinham sendo conduzidos por eles e que não tinham resposta por parte das ESF. Nessas situações, os casos continuavam sem uma resolução plena e eram conduzidos sem o olhar multiprofissional e global que esses pacientes mereciam.

Além disso, notou-se que nem todos os profissionais, mesmo os vinculados à linha do cuidado em saúde, se comprometeram verdadeiramente com a ideia do matriciamento. Alguns preferiam, ainda, atrelar seu modo de trabalho ao encaminhamento tradicional via ficha específica, sem contato prévio com o outro profissional e sem acionar a rede ampliada. De fato, Barros et al.12 identificaram em sua pesquisa que uma das razões da omissão no compromisso com o matriciamento deriva do desconhecimento por parte do profissional de saúde sobre o que se trata verdadeiramente esse tipo de processo de trabalho, que interfere na resolubilidade dos casos tratados. Além disso, Bispo e Moreira13 concluem que, por existirem enganos na compreensão dos papéis tanto do Nasf-AB quanto das ESF na realização e no desenvolvimento

247 v. 45, n. 4, p. 241-251 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

do apoio matricial, tem havido conflitos relativos ao trabalho, o que dificulta a colaboração e um melhor aproveitamento da força de trabalho dessas duas equipes.

Outra problemática que, ao contrário do que foi descrito por Gonçalves et al.14 e Araújo e Galimbertti15, não ocorreu, foi a dificuldade de encontrar um lugar apropriado para as reuniões de matriciamento, assim como conseguir transporte para as equipes se locomoverem até o lugar adequado para a reunião. Nesse sentido, no município desse relato o Cras da região foi um forte apoiador e cedeu espaço adequado em suas instalações. Quanto ao transporte, teve-se a vantagem do município ser de extensão territorial pequena e os departamentos públicos ficarem próximos. Apesar disso, em outras realidades, transporte e local de reunião comumente atrapalham o andamento das atividades propostas14,15.

Apesar de tais dificuldades não serem as principais encontradas nesse município, é importante esclarecer que os profissionais que participam do matriciamento fazem um esforço pessoal para que o local de reunião ou transporte não sejam impedimentos. Por isso, os profissionais compartilhavam transporte, aceitavam ficar em salas sem ventilação e luz adequada, entre outras concessões, para viabilizar a reunião.

Embora houvesse interesse por parte da gestão para a realização das reuniões, sentiu-se falta de um estímulo maior por parte da coordenação da atenção básica, bem como da secretaria municipal, como uma capacitação local, lembretes em reuniões ou quaisquer outros meios para reforçar a importância da participação de todos, ressaltando o ganho, não em números absolutos de atendimentos, mas na resolução, elucidação, melhor manejo e aporte dos casos mais complexos dentro dos limites da APS. De fato, Garcia e Nascimento16 relatam que a gestão, quando não ciente do seu papel de suporte às atividades de matriciamento, torna-se uma barreira para o adequado prosseguimento do apoio matricial desempenhado pela equipe multiprofissional. Os autores chegam a descrever que em determinadas situações a gestão age como impositiva e coerciva ao invés de facilitadora, postura não observada no caso aqui apresentado.

CONQUISTAS ALCANÇADAS

Com a realização dos encontros, foi possível fixar dia específico para a reunião de matriciamento e ativar melhor a rede, visto que tanto a rede de assistência quanto a de saúde mental se mostraram presentes nas reuniões, colaborando com a apresentação e discussão dos casos. Nesse ínterim, a equipe do Caps local decidiu criar um momento extra de matriciamento em saúde mental com cada um dos PSF do município.

Além disso, a gestão local repactuou com a 6ª ADS o compromisso de realizar dez matriciamentos no ano seguinte. No momento do anúncio desse acordo, a gestão, em reunião

248

com todos os profissionais de saúde da ESF e representantes do hospital, relatou estar segura para fazer essa pactuação com a ADS, acreditando que a equipe multiprofissional local, junto ao Caps, conseguiria superar a meta estabelecida.

Isso foi compreendido como um reconhecimento, por parte da gestão, da capacidade da equipe em mobilizar os equipamentos e manter a estrutura das reuniões. Esse pacto com a Cres sem dúvida exultará o município e, a modelo de outras regiões do país, poderá gerar impactos positivos sobre a saúde regional17,18.

Como ganho, também se ressaltam os encaminhamentos e a resolução dos casos apresentados. Assim, no ano de 2017, por exemplo, foram feitos relatórios encaminhados ao Creas, conselho tutelar e secretaria de educação. Além do que ficou acordado, foram formados dois grupos de tabagismo para os usuários do município interessados em cessar o uso de tabaco e outro de diabéticos para os locais com maiores índices de pessoas com essa doença crônica. Em 2018, foram direcionados, no total, 18 casos e mobilizados 13 equipamentos da rede ampliada. Ainda, foi discutida a formulação de um grupo de intervenção coletiva e a idealização de uma capacitação para cuidadores de pacientes do município. Em 2019, as reuniões continuaram mesmo com a instabilidade política apresentada no município, inclusive de repercussão nacional. Contudo, por conta da pandemia, as restrições de aglomeração e o foco centrado no atendimento dos casos leves e moderados de covid-19 no PSF, em 2020, o matriciamento ficou prejudicado, não sendo realizado nenhum encontro presencial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pôde-se notar que é possível alcançar bons resultados com a implementação das reuniões de matriciamento, mas que ainda é necessário conscientizar os profissionais e torná-los ativos no processo, a fim de manter a regularidade e ampliar a participação de mais profissionais e equipamentos. A equipe multiprofissional em saúde, por ser da vertente matricial, constituiu-se um mobilizador eficaz da rede, e isso contribuiu para o sucesso das reuniões. Porém, embora o município aqui descrito tenha conseguido se manter realizando o matriciamento ao longo do período de 2017 até meados de 2020, ainda há muito que se alcançar, principalmente no tocante à maior e melhor adesão das equipes de saúde, realizações de Projetos Terapêuticos Singulares (PTS), apresentação de casos clínicos e encontros virtuais em situações de pandemias.

Este artigo se deteve a expor o processo de implementação dessas reuniões, não lhe cabendo qualificá-las, avaliar seu poder de impacto na resolução dos casos apresentados ou de avaliá-las como metodologia. No entanto, esses vieses são, por si só, objetos de estudos futuros para que as reuniões de matriciamento possam não somente ocorrer, mas ter seu

249 v. 45, n. 4, p. 241-251 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

papel efetivamente executado com as devidas considerações. Assim, espera-se que estudos futuros possam dar atenção a esses fatores e venham a enriquecer a literatura científica com um embasamento mais sólido quanto ao matriciamento, de forma a reafirmar a importância de manter as equipes multiprofissionais de saúde na APS em todo o território nacional.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Paulo Henrique Caetano de Sousa, Marianna Braga Noronha Monteiro, Pamela Bezerra da Silva e Uly Castro de Azevedo.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Paulo Henrique Caetano de Sousa, Pamela Bezerra da Silva e Uly Castro de Azevedo.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Paulo Henrique Caetano de Sousa e Pamela Bezerra da Silva.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Paulo Henrique Caetano de Sousa.

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 154, de 24 de janeiro de 2008. Cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família – NASF. Brasília (DF); 2008.

2. Cunha GT, Campos GWS. Apoio matricial e Atenção Primária em Saúde. Saúde Soc. 2011;20(4):961-70.

3. Tesser CD. Núcleos de Apoio à Saúde da Família, seus potenciais e entraves: uma interpretação a partir da atenção primária à saúde. Interface Comun Saúde Educ. 2017;21(62):565-78.

4. Campos GWS, Domitti AC. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad Saúde Pública. 2007;23(2):399-408

5. Sousa PHC, Pinheiro DGM, Arruda GMMS, Coutinho BD. Dos desafios às estratégias de superação do fisioterapeuta do NASF: um olhar do residente. Rev Baiana Saúde Pública. 2020;42(4):712-26.

6. Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira N Jr, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface Comun Saúde Educ. 2014;18(Suppl1):983-95.

7. Figueiredo MD, Campos RO. Saúde Mental na Atenção Básica à saúde de Campinas (SP): uma rede ou um emaranhado? Ciênc Saúde Colet. 2009;14(1):129-38.

250

8. Wittizorecki ES, Bossle F, Silva LO, Oliveira LR, Günther MCC, Santos MV, et al. Pesquisar exige interrogar-se: a narrativa como estratégia de pesquisa e de formação do(a) pesquisador(a). Movimento. 2006;12(2): 9-33.

9. Daltro MR, Faria AA. Relato de experiência: uma narrativa científica na pós-modernidade. Estud Pesqui Psicol. 2019;19(1):223-37.

10. Bondía JL. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Rev Bras Educ. 2002;(19):20-8.

11. Lakatos EM, Marconi M. Metodologia do trabalho científico. 3a ed. São Paulo (SP): Atlas; 2003.

12. Barros JO, Gonçalves RMA, Kaltner RP, Lancman S. Estratégia do apoio matricial: a experiência de duas equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) da cidade de São Paulo, Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2015;20(9):2847-56.

13. Bispo JP Jr, Moreira DC. Núcleos de apoio à saúde da família: concepções, implicações e desafios para o apoio matricial. Trab Educ Saúde. 2018; 16(2):683-702.

14. Gonçalves RMA, Lancman S, Sznelwar LI, Cordone NG, Barros JO. Estudo do trabalho em Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), São Paulo, Brasil. Rev Bras Saúde Ocup. 2015;40(131):59-74.

15. Araújo EMD, Galimbertti PA. A colaboração interprofissional na estratégia saúde da família. Psicol Soc. 2013;25(2):461-8.

16. Garcia CAS Jr, Nascimento PTA. O dispositivo apoio matricial na atenção primária em saúde: um relato de experiência no município de João Pessoa/PB. Rev Saúde Pública St Catarina. 2012;5(2):93-104.

17. Garcia GDV, Silva IF, Cavalcante M, Cervo MR, Zambenedetti G, Zanoti-Jeronymo DV. Apoio matricial na atenção à saúde mental em uma regional de saúde, Paraná, Brasil. Saúde Pesqui. 2017;10(3):423-32.

18. Santos LC, Domingos TS, Braga EM, Spiri WC. Saúde mental na atenção básica: experiência de matriciamento na área rural. Rev Bras Enferm. 2020;73(1):e20180236.

Recebido: 22.4.2021. Aprovado: 19.8.2022.

251 v. 45, n. 4, p. 241-251 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

RELATO DE EXPERIÊNCIA

REFLEXÕES SOBRE UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE EM SALVADOR (BA)a

Ana Paula Cândido de Oliveirab

https://orcid.org/0000-0002-0428-5600

Fernanda Reisc

https://orcid.org/0000-0003-1161-5767

Resumo

A educação em saúde encontra na Atenção Primária à Saúde (APS) um ambiente favorável ao seu desenvolvimento. Apesar disso, a literatura científica e a prática profissional apontam um conjunto de desafios para a execução de ações permanentes. O objetivo deste trabalho é refletir, por meio de um relato de experiência, sobre o desenvolvimento de uma prática de educação em saúde no contexto da APS de Salvador (BA). O fio condutor metodológico para a construção das reflexões pretendidas será o estudo de caso da experiência do desenvolvimento de um grupo promovido pela Unidade de Saúde da Família (USF) do Alto das Pombas, no município de Salvador (BA), Brasil. Foram descritas e analisadas circunstâncias e contingências encontradas na construção do grupo. Verificou-se a importância da prática horizontalizada, participativa e atenta às necessidades dos usuários.

Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde. Promoção da saúde. Sistema Único de Saúde.

REFLECTIONS ON AN EXPERIENCE OF HEALTH EDUCATION IN SALVADOR (BA)

Abstract

Health education has in Primary Health Care (PHC) a favorable environment for its development. However, the scientific literature and professional practice point out a set of

a Adaptado do trabalho de conclusão de curso “Ações educativas na Atenção Primária à Saúde e a integralidade: uma revisão de literatura” apresentado à Escola Estadual de Saúde Pública Professor Francisco Peixoto de Magalhães Neto. Defendido e aprovado no dia 25 de agosto de 2017. Orientadora Professora Doutora Fernanda Reis.

b Enfermeira. Mestranda em Saúde, Ambiente e Trabalho pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Servidora na Secretaria de Municipal de Saúde de Salvador. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: anapaula_crato@yahoo.com.br

c Doutora em Saúde Pública. Professora no curso Terapia Ocupacional da UFBA. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: fernandareis_to@yahoo.com.br

Endereço para correspondência: Unidade Saúde da Família Alto das Pombas. Rua Nossa Senhora de Fátima, s/n, Alto das Pombas. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40226-575. E-mail: anapaula_crato@yahoo.com.br

252 252
10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3362
DOI:

challenges for the execution of permanent actions. This work aims to reflect, by using an experience report, on the development of a health education practice in the context of PHC in Salvador (state of Bahia – BA). The methodological guideline for the construction of the intended reflections will be the study case of the experience of the development of a group promoted by the Family Health Unit of Alto das Pombas, in the city of Salvador (BA), Brazil. Circumstances and contingencies encountered in the construction of the group were described and analyzed. The importance of a practice that is horizontal, participatory and attentive to the needs of users was verified.

Keywords: Primary Health Care. Health promotion. Unified Health System.

REFLEXIONES SOBRE UNA EXPERIENCIA DE EDUCACIÓN EN SALUD EN SALVADOR (BA)

Resumen

La educación en salud tiene en la Atención Primaria de Salud (APS) un ambiente propicio para su desarrollo. Sin embargo, la literatura científica y la práctica profesional señalan un conjunto de desafíos para la ejecución de acciones permanentes. El objetivo de este trabajo es reflexionar, mediante un relato de experiencia, sobre el desarrollo de una práctica de educación en salud en el contexto de la APS en Salvador-BA. La pauta metodológica para la construcción de las reflexiones pretendidas será el estudio de caso de la experiencia del desarrollo de un grupo promovido por la Unidad de Salud de la Familia (USF) de Alto das Pombas, en la ciudad de Salvador (BA) Brasil. Se describieron y analizaron las circunstancias y contingencias encontradas en la construcción del grupo. Se constató la importancia de la práctica horizontal, participativa y atenta a las necesidades de los usuarios.

Palabras clave: Atención Primaria de Salud. Promoción de la salud. Sistema Único de Salud.

INTRODUÇÃO

No ano de 1986, a Carta de Otawa trouxe um conjunto de intenções para a prática da promoção da saúde, que abrangem desde o envolvimento das comunidades para melhorar a qualidade de vida e de saúde a partir daquilo que fazem no dia a dia, pelo cuidado de cada um consigo mesmo e com os outros, até por meio da luta por condições que permitam a obtenção da saúde para todos os seus membros1

Em consonância com essa compreensão, a educação em saúde é compreendida como a construção de saberes e o aumento da autonomia individual em relação ao cuidado

253 v. 45, n. 4, p. 252-261 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

por meio do diálogo entre profissionais e usuários. Assim, é uma prática que contribui para as escolhas conscientes considerando os saberes populares, a fim de favorecer um cuidado direcionado para suas reais necessidades2

As ações de educação em saúde encontram na Atenção Primária à Saúde (APS) um ambiente favorável ao seu desenvolvimento. No Brasil, o modelo da Estratégia de Saúde da Família (ESF) é orientador das práticas APS e tem a família, inserida em um território dinâmico, como o objeto essencial do cuidado integral, com ações de promoção e proteção da saúde, envolvendo o vínculo entre a equipe de saúde e a população3

Contudo, a despeito do lócus privilegiado, a literatura científica documenta muitos desafios para a garantia do cuidado integral e resolutivo na ESF, dentre os quais destacam-se o excesso de demanda dos profissionais, a fragilidade da rede de média e alta complexidade, a carência de recursos e de estrutura de trabalho, bem como o contexto da desigualdade, da violência e da guerra contra as drogas. Dessa forma, desde a sua criação em 1994, tensões são encontradas na operacionalização de um modelo alternativo de atenção às necessidades de um determinado território3

À luz desse cenário de múltiplas faces, o objetivo deste artigo é refletir sobre a experiência de implantação de um grupo de educação em saúde em Salvador (BA), a fim de pôr em relevo forças, tendências e contrastes presentes nos esforços para a efetivação dessa prática.

MATERIAL E MÉTODOS

O fio condutor metodológico para a construção das reflexões pretendidas será o estudo de caso da experiência do desenvolvimento de um grupo promovido pela Unidade de Saúde da Família (USF) do Alto das Pombas, no município de Salvador (BA), onde a primeira autora atua como enfermeira.

A USF conta com duas equipes de saúde da família (eSF), com 12 Agentes Comunitários de Saúde (ACS), uma equipe de saúde bucal e é apoiado por uma equipe do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB). Do total de usuários cadastrados na unidade, 1255 pessoas são idosas, o que corresponde a 15% dos moradores do bairro, sendo a maior parte do sexo feminino (65%). São prevalentes na população da terceira idade doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus (DM), seguindo a mesma tendência nacional de problemas em saúde pública4. Essas patologias podem representar limitações no cotidiano dos idosos, especialmente pelos riscos de complicações como insuficiência cardíaca e diminuição da capacidade visual5

Diferentes atividades coletivas são oferecidas na USF, contudo, uma experiência singular foi eleita para o aprofundamento das reflexões: o processo de construção do grupo

254

“Nova Infância”, realizado às quintas-feiras no período pré-pandemia, com quantitativo médio vinte participantes, predominantemente mulheres, com hipertensão e DM e que fazem uso de pelo menos uma medicação diariamente, padrão observado em outros estudos4

Essa experiência foi eleita para análise por um conjunto de fatores: (1) trata-se de uma prática comumente encontrada nas APS no país; (2) tem um histórico de tentativas de implementação, que integram um rico material para o estudo das práticas de educação em saúde; e (3) apresenta uma multiplicidade de saberes acionados ao longo do seu processo de desenvolvimento. Esses aspectos são necessários para a exploração dos elementos cotidianos envolvidos na implementação de ações de educação em saúde.

RESULTADOS

A ESF de Salvador é orientada por uma agenda típica, que busca conciliar as ações clínicas individuais, atenção domiciliar, reuniões e atividades coletivas6. Nessas últimas estão incluídas as atividades de educação em saúde.

No período anterior à construção do grupo, as atividades coletivas dessa eSF não aconteciam de forma fixa e contínua. No turno destinado a essas práticas eram realizadas salas de espera, campanhas pontuais e atividades de saúde na escola. Jesus et al.3 afirmam que as atuações coletivas pontuais são comuns na APS, dado que a execução de ações permanentes esbarra na insuficiência de recursos humanos e materiais, na elevada quantidade de atividades burocráticas e na grande demanda de serviço.

A equipe compreendia, entretanto, o potencial terapêutico dos grupos e percebia a demanda crescente por cuidado contínuo oriunda da população idosa, público com satisfatória adesão às práticas coletivas dessa comunidade. Por consequência, optou-se por iniciar um grupo de terceira idade, com foco na manutenção da autonomia e na funcionalidade das pessoas idosas. Entendida como um dispositivo de mudanças e para ganho de qualidade de vida, a abordagem em grupo tem atuação terapêutica e possibilita o resgate da socialização do idoso, ao passo que amplia as redes sociais, constitui novos vínculos, melhora da comunicação7 e pode trazer um impacto à cultura local, na medida em que trocas internas e externas contribuem para um viver mais saudável8. Grupos também demonstram que as pessoas não estão sozinhas ao enfrentar certos problemas, pois ganham apoio na experiência dos outros componentes. Em um estudo que avaliou a qualidade de vida em idosos, foram apontados como fundamentais a socialização, a ajuda e o apoio voluntário a outras pessoas, a constituição da família, o relacionamento com familiares e o compartilhamento de interesses com amigos próximos9, tendo sido muitos desses fatores possibilitados pela participação em atividades coletivas.

255 v. 45, n. 4, p. 252-261 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

O início da tentativa de implementação do grupo aconteceu em 2014, ainda sem denominação, com apoio de médico, enfermeira, técnicos de enfermagem e ACS, a chamada equipe mínima. Os encontros se davam quinzenalmente no espaço de uma igreja, no turno vespertino, com abordagem de temas voltados para a saúde, em formato de roda de conversa ou apresentação expositiva, com espaço para esclarecimento de dúvidas. O grupo, contudo, foi perdendo força com o passar do tempo, e a análise diacrônica desse processo revela múltiplos fatores explicativos, tais como: diminuição da assiduidade, talvez devido ao esquecimento por conta da periodicidade e desinteresse pelos temas discutidos; pouco espaço de interação dos participantes; horário de realização; dificuldade no deslocamento ao local por parte da equipe; e a necessidade de estruturação prévia de conteúdo para a abordagem expositiva pelos profissionais.

Barbosa et al.4 sinalizam que alguns dos empecilhos para adesão em atividades educativas são o desinteresse dos usuários acostumados com o assistencialismo, a valorização de uma atenção curativa e a impossibilidade de frequentar pela falta de tempo, distância do local e dificuldade de acesso. A adesão dos usuários, especialmente dos idosos, pode estar relacionada também à busca por um espaço que favoreça a escuta, uma vez que nos ambientes familiares nem sempre é permitida a participação desses sujeitos nas decisões8. Além disso, a relação e o vínculo influenciam a adesão ao autocuidado, o que possibilita a ampliação de poder e autonomia, assim como a construção de propostas terapêuticas promotoras de saúde10.

Conforme o cenário relatado, na construção inicial do grupo tais elementos eram incipientes, não por uma questão intencional, mas por uma fragilidade técnica em apreender tais aspectos como necessários para que a proposta em questão alcançasse o êxito esperado.

Com a chegada e o fortalecimento do Nasf-AB em 2015, houve uma nova tentativa de retomada do grupo, agora com uma diversidade de temas e de abordagens, mas ainda no formato verticalizado, quinzenal e com um profissional com formação universitária para a mediação. Após alguns encontros, houve saída de profissionais, a igreja mudou de coordenação –o que dificultou o acesso ao local –, a abordagem tornou a desinteressar o grupo e, novamente, os encontros foram suspensos.

Os entraves operacionais eram subterfúgios utilizados pelos profissionais para justificar a não oferta de ações permanentes de educação em saúde. A fragilidade na formação e o desinteresse pelo desenvolvimento de competências para essas atividades reforçavam uma prática limitada à clínica individual e prescritiva e ao tratamento da população de forma passiva11

Gazzinelli et al.12 apresentam uma convergência conceitual entre médicos e enfermeiros, em uma formação influenciada pelo modelo biomédico e com valorização do saber científico, em que a representação social da educação em saúde se organiza com enfoque

256

pedagógico diretivo, voltado para a prevenção de doenças. É importante destacar que o saber clínico e a formação acadêmica não são suficientes para a implementação de ações educativas; é preciso levar em conta o saber popular e as condições de vida dessas populações11. Somente por meio das interações entre mediadores e usuários, com compartilhamento de experiências e práticas, é possível intervir nas relações sociais e assim influenciar a qualidade das práticas educativas12

Após aproximadamente um ano sem atividades educativas contínuas para a população idosa, em uma reunião de equipe houve a proposta de retomada do grupo, mas centrado na convivência, não exatamente para abordar temas relacionados à prevenção de morbidades. O grupo passou a ser liderado pelos ACS, com encontros semanais e matinais na sala de reunião da própria USF, contando com a presença do educador físico e com convidados que abordavam temas variados ou pertinentes para o momento.

Essa foi a etapa em que o grupo passou a ter centralização no idoso, com adoção de uma metodologia participativa, foco no bem-estar e utilização de dinâmicas e jogos. O ano era 2017 e um passo importante foi dado, demonstrando a consolidação de uma identidade: a escolha do nome. As participantes intitularam o espaço de “Nova Infância”, por se considerarem jovens, valorizarem a fantasia, o lúdico e se manterem em contínua aprendizagem. É interessante notar que, caso essa escolha viesse por parte da eSF, essa opção seria descartada, uma vez que os profissionais buscam afastar a perspectiva de infantilização da pessoa idosa. Todavia, uma vez aberto o espaço de fala, com a valorização de experiências, sentimentos e conhecimentos, coube à equipe acolher e respeitar a identidade que as participantes traziam para aquele espaço de pertencimento.

Para além da programação típica do grupo, passaram a ser oportunizados passeios ocasionais, cafés da manhã coletivos, arteterapia e encontros comemorativos (carnaval, festa junina, Natal, aniversários, entre outros). Desde então, as atividades festivas são financiadas com doações dos próprios participantes, comunidade e profissionais, como também pela realização de rifas ou bazares. Existe ainda a tradicional festa de Natal, que é custeada por doações voluntárias dos participantes. A arrecadação é feita por meio da “porquinha” de barro, que está presente em todas as reuniões e vai “engordando” ao longo do ano. Nas proximidades da festa, é feito o encontro para o “abate” da porca, termo escolhido pelas idosas, população majoritária, com levantamento financeiro para programação do último encontro anual.

A socialização é um importante benefício apontado pelos estudos e é visto como um espaço para fortalecer laços sociais, troca de apoio e experiências4. Após a reorientação das práticas do grupo, foi possível concluir que a educação em saúde precisa ser dinâmica e capaz de estimular o diálogo, a indagação e a reflexão. Além disso, é necessário um espaço adequado que propicie momentos para valorizar as narrativas dos integrantes13.

257 v. 45, n. 4, p. 252-261 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

Nesse período, a primeira autora cursou Especialização em Saúde Pública, o que possibilitou um novo olhar para esse processo de educação em saúde, com a incorporação da abordagem na Educação Popular em Saúde (EPS), que foi um marco estratégico para o sucesso do grupo em questão.

A EPS começou a se estruturar como corpo teórico e prática social no final da década de 1950, inspirada pelo referencial de Paulo Freire, e considera, além da causalidade biológica do processo saúde-doença, as condições de vida da população12. Para tal, é importante que haja aproximação dos profissionais de saúde com a realidade dos usuários, a fim de que as relações dialógicas, participativas e afetivas alcancem resultados positivos13. A educação popular não deve ser mais uma atividade a ser desenvolvida nos serviços de saúde; é uma atividade que deve fortalecer a participação popular na discussão das suas várias iniciat ivas técnicas e, desse modo, possibilitar uma reorganização institucional do setor saúde. Assim, a educação em saúde, com foco na educação popular, é uma estratégia fundamental para garantir a promoção da saúde e a qualidade de vida11.

Foram dois anos de estruturação da dinâmica do grupo de convivência, com destaque para o abandono da prática verticalizada e focalizada no processo de adoecimento e o direcionamento para uma abordagem que possibilitou vínculo com a comunidade.

Essa reorientação no modelo de atenção à saúde da comunidade possibilitou a construção de uma relação integral, resolutiva, contínua e de boa qualidade, com o desenvolvimento de estratégias de intervenção sobre os fatores de riscos e de humanização das práticas, estímulo à criação de vínculos de compromisso e responsabilidade entre os profissionais de saúde e a comunidade, além do incentivo ao reconhecimento da saúde como um direito de cidadania14

Até a interrupção com a pandemia de covid-19, o grupo foi coordenado pelos ACS e contava com a participação fixa do educador físico do Nasf-AB, que promovia atividades físicas de baixo impacto em todos os encontros, com dedicação média de meia hora para essa prática, além de convidados ao longo do ano. O exercício físico foi um dos fatores que contribuíram para a boa assiduidade dos integrantes. É sabido que a prática de atividade física regular ajuda a manter a autonomia do idoso, na medida em que pode atenuar ou prevenir o risco de quedas e comprometimentos físicos, psicológicos, funcionais e cognitivos15. A realização da atividade física em grupo funciona também como estratégia de apoio social e vem sendo estudada pela sua influência na adoção de comportamentos mais saudáveis. Souza et al.15 relatam, em sua revisão sistemática, que para os idosos o “praticar junto” foi o comportamento mais efetivo quando comparado a incentivos emocionais ou informacionais.

O benefício dos grupos de convivência e a eventual formação de novas redes a partir do enfrentamento de problemas de saúde desses grupos já foram citados por Costa

258

e Ciosak14. A manutenção e criação de novas relações sociais estimula hábitos saudáveis e influencia positivamente o bem-estar psicológico14, além de ser fator de proteção no envelhecimento ativo e saudável.

Além do impacto na sua condição de saúde física, os benefícios relacionados à saúde mental também foram notórios nos participantes. Foi possível perceber a ampliação de redes de apoio social, com a formação de subgrupos tanto para o deslocamento para os encontros semanais do grupo, quanto para caminhadas e passeios externos aos programados com a equipe.

Para Taddeo et al.10, o processo educativo dos indivíduos e comunidades para assumirem maior controle sobre fatores pessoais, socioeconômicos e ambientais que afetam a saúde é o chamado empoderamento, que aparece como peça-chave na promoção da saúde desde a Carta de Ottawa.

Assim, usuários mais envolvidos, informados e responsabilizados têm possibilidades ampliadas e podem interagir de forma mais eficaz com ações que produzem resultados positivos à saúde. O usuário também é responsável pela sua própria saúde e bem-estar, por isso deve ser estimulado a gerenciar a sua vida com autonomia, ainda que conviva com a enfermidade10 Ao longo dos quase dois anos de grupo foi possível perceber um melhor cuidado em saúde, com controle de níveis pressóricos e glicêmicos, mais assiduidade na unidade e consequente melhoria do vínculo com os profissionais.

Um exemplo de desdobramento dessas ações promotoras de saúde foi a participação de duas idosas do “Nova Infância” no Grupo de Cessação ao Tabagismo (GCT). Inicialmente, uma idosa saiu com sucesso do GCT e ingressou no “Nova Infância”, e seu incentivo possibilitou discussões ricas sobre a temática, de modo a motivar outra antiga integrante a participar do grupo de tabagismo e parar de fumar. Hoje, as duas são ativistas do tema e participam como convidadas e motivadoras em momentos pontuais de novas turmas do GCT. Outro exemplo de desdobramento foi o interesse e participação na Oficina de Plantas Medicinais, dos Projetos de Extensão AbraSUS e ACCS: Educação em Saúde no bairro da Universidade Federal da Bahia. Nessa ação, foi oportunizado um espaço de compartilhamento de saberes e dúvidas sobre a tradicionalidade e uso medicinal e ritualístico das plantas mais comuns utilizadas na comunidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, a partir das reflexões aqui empreendidas, pode-se compreender que a transformação da prática visualizada no caso em questão foi possível por uma combinação de elementos importantes, dentre os quais podemos ressaltar, entre outros: (1) a existência de um espaço protegido na agenda de trabalho para explorar e testar diferentes iniciativas

259 v. 45, n. 4, p. 252-261 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

até que os objetivos fossem alcançados; (2) o conhecimento por parte dos ACS da população de referência, que possibilitou a identificação de necessidades do público de idosos da comunidade; (3) a existência de uma equipe ampliada e multiprofissional do Nasf-AB na abordagem de condições crônicas de saúde e de promoção da saúde; (4) a percepção dos profissionais sobre a importância da aproximação com o território e de iniciativas participativas como um dos elementos centrais do trabalho na APS; e (5) o investimento em formação e educação permanente para os trabalhadores no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Ana Paula Cândido de Oliveira e Fernanda Reis.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Ana Paula Cândido de Oliveira e Fernanda Reis.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Ana Paula Cândido de Oliveira e Fernanda Reis.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Ana Paula Cândido de Oliveira e Fernanda Reis.

AGRADECIMENTOS

As autoras agradecem aos profissionais envolvidos e aos usuários do grupo, à Daniela Alencar Vieira e a Ednaldo de Jesus Filho, profissionais que acompanharam a construção do grupo, por realizarem a revisão final do artigo.

REFERÊNCIAS

1. Organização Mundial da Saúde. Carta de Ottawa. Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde [Internet]. Ottawa; 1986 [citado em 2021 jan 24]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/ carta_ottawa.pdf.

2. Almeida ER, Moutinho CB, Leite MTS. A prática da educação em saúde na percepção dos usuários hipertensos e diabéticos. Saúde Debate. 2014;38(101):328-37.

3. Jesus M, Santos SR, Amaral A. O discurso do enfermeiro sobre a prática educativa no programa Saúde da Família em Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Rev APS. 2008;11(1):54-61.

260

4. Barbosa MAG, Souza NP, Arruda SGB, Melo SPSC. Participação de usuários da atenção primária em práticas de promoção da saúde. Rev Bras Promoç Saúde. 2017;30(4):1-11.

5. Missio MM, Vieira SV. Experiência em grupos de convivência de idosos: interfaces com a terapia ocupacional. Rev Bras Promoç Saúde. 2019;32:1-6.

6. Miranda AC, Santos AGG, Santos CBP, Souza DL, Lopes GVDO, Costa JB, et al. Manual Operacional da Atenção Primária à Saúde. Salvador (BA): Prefeitura Municipal de Salvador; 2018.

7. World Health Organization. Saving lives, spending less: a strategic response to noncommunicable diseases [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [citado em 2022 out 7]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/WHONMH-NVI-18.8

8. Dias FA, Tavares DMS. Fatores associados à participação de idosos em atividades educativas grupais. Rev Gaúcha Enferm. 2013;34(2):70-7.

9. Oliveira BC, Barbosa NM, Lima MSM, Guerra HS, Neves CM, Avelar JB. Avaliação da qualidade de vida em idosos da comunidade. Rev Bras Promoç Saúde. 2017;30(3):1-10.

10. Taddeo PS, Gomes KWL, Caprara A, Gomes AMA, Oliveira GC, Maria TMM. Acesso, prática educativa e empoderamento de pacientes com doenças crônicas. Ciênc Saúde Colet. 2012;17(11):2923-30.

11. Albuquerque PC, Stotz EN. A educação popular na atenção básica à saúde no município: em busca da integralidade. Interface Comun Saúde Educ. 2004;8(15):259-74.

12. Gazzinelli MFC, Marques RC, Oliveira DC, Amorim MMA, Araújo EG. Representações sociais da educação em saúde pelos profissionais da equipe de saúde da família. Trab Educ Saúde. 2013;11(3):553-71.

13. Cabral JR, Alencar DL, Vieira JCM, Cabral LR, Ramos VP, Vasconcelos EMR. Oficinas de educação em saúde com idosos: uma estratégia de promoção da qualidade de vida. Rev Enferm Digit Cuid Promoç Saúde. 2015;1(2):71-5.

14. Costa MFBNA, Ciosak SI. Atenção integral na saúde do idoso no programa Saúde da Família: visão dos profissionais de saúde. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(2):437-44.

15. Sousa BA, Lemes ÍR, Verardi CEL, Luza LP, Silva FC, Silva R. Apoio social e atividade física de idosos: revisão sistemática de estudos observacionais. Rev Bras Promoç Saúde. 2019;32:1-11.

Recebido: 28.3.2021. Aprovado: 20.9.2022.

261 v. 45, n. 4, p. 252-261 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v45.n4.a3389

RELATO DE EXPERIÊNCIA

POR QUE AINDA INSISTO NA TERAPIA COMUNITÁRIA?

RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA FORMATIVA E PRÁTICA

Rosangela Gomes dos Santosa

https://orcid.org/0000-0002-4738-2785

Maria Raquel da Silva Limab

http://orcid.org/0000-0002-8495-2345

Ítala Maria de Queiroz Maiac

https://orcid.org/0000-0002-6980-1522

Erika Guidettid

https://orcid.org/0000-0002-4221-7596

Resumo

A Terapia Comunitária Integrativa valoriza as histórias de vida dos participantes, o resgate da identidade, a restauração da autoestima e da confiança em si e a ampliação da percepção dos problemas e das possibilidades de resolução a partir das competências locais, ou seja, torna o indivíduo mais autônomo e independente. O objetivo deste estudo foi descrever a experiência formativa e a prática da Terapia Comunitária Integrativa. Trata-se de um relato desenvolvido em duas Unidades Primárias de Atenção à Saúde no município de Horizonte, estado do Ceará. Este trabalho teve início a partir da proposta formativa lançada pela Residência Integrada em Saúde da Escola de Saúde Pública do Ceará. A equipe de terapeutas residentes foi composta por três profissionais: uma assistente social, uma cirurgiã-dentista e uma educadora física. As rodas terapêuticas ocorreram em duas unidades de saúde. Um dos desafios que mais persistiu foi a mobilização da comunidade, pois foi observada, durante todo o processo, a variação do público participante, no que diz respeito ao gênero, à idade e ao papel desenvolvido na comunidade. A equipe valorizou o vínculo, tecendo redes de acesso, disponibilizando-se

a Profissional de Educação Física. Mestra em Saúde Coletiva. Docente no Centro Universitário Ateneu – Uniateneu. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: rosangela.rgs@gmail.com

b Nutricionista. Mestra em Saúde Coletiva. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: raquelsc@edu.unifor.br

c Assistente Social. Mestra em Educação Brasileira. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: italamaia@yahoo.com.br

d Cirurgiã-dentista. Mestra em Odontopediatria. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: erika_guidetti@hotmail.it

Endereço para correspondência: Rua Júlio Braga, 630 Ap 904 C, João XXIII. Fortaleza, Ceará, Brasil. CEP:60525-632. E-mail: rosangela.rgs@gmail.com

262 262

enquanto equipe de terapeutas e demonstrando a importância do cuidado que vai além da clínica. Foi proposta outra forma de cuidado, que valoriza a autonomia do sujeito e sua capacidade, lembrando sempre que há uma identidade na comunidade e que juntos somos mais fortes.

Palavras-chave: Cuidado de saúde primários. Estratégia de saúde da família. Promoção em saúde.

WHY DO I STILL INSIST ON COMMUNITY THERAPY?

REPORT OF A FORMATIVE AND PRACTICAL EXPERIENCE

Abstract

Integrative Community Therapy values the life histories of participants, the recovery of identity, the restoration of self-esteem and self-confidence, and the broadening of perceived problems and possibilities for resolution based on local competences, that is, it creates a more autonomous and independent individual. Thus, this study describes the formative and practical experience of Integrative Community Therapy. An experience report was developed in two Primary Health Care Units at Horizonte, municipality in the state of Ceará, Brazil. This research stemmed from the formative proposal launched by the Integrated Residency in Health, School of Public Health, Ceará. The team of resident therapists consisted of three professionals: a social worker, a dental surgeon, and a physical educator. Therapeutic rounds took place in two Health Units. A persistent challenge concerned mobilizing the community, as the participating public varied throughout the process regarding gender, age, and the role developed in the community. The team valued the bond, weaving access networks, making themselves available as a team of therapists, and showing the importance of care that goes beyond the clinic. They proposed another form of care, one that values the subject’s autonomy and ability, without forgetting the community identity and that together we are stronger.

Keywords: Primary health care. Family health strategy. Health promotion.

¿POR QUÉ AÚN INSISTO EN LA TERAPIA COMUNITARIA?

INFORME DE EXPERIENCIA FORMATIVA Y PRÁCTICA

Resumen

La Terapia Integrativa Comunitaria valora las historias de vida de los participantes, la recuperación de la identidad, la restauración de la autoestima y confianza en sí mismos,

263 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
262-272

la ampliación de la percepción de los problemas y las posibilidades de resolución con base en competencias locales, es decir, hace que el individuo sea más autónomo e independiente. El objetivo de este estudio fue describir la experiencia formativa y práctica de la Terapia Integrativa Comunitaria. Se trata de un informe elaborado en dos Unidades de Atención Primaria de Salud del municipio de Horizonte, en el estado de Ceará (Brasil). Se inició con la propuesta formativa lanzada por la Residencia Integrada de Salud de la Escuela de Salud Pública de Ceará. El equipo de terapeutas residentes estuvo integrado por tres profesionales: una trabajadora social, una dentista y una profesional de educación física. Las rondas terapéuticas se llevaron a cabo en dos Unidades de Salud. Uno de los desafíos que más persistió fue la movilización de la comunidad, ya que se observó a lo largo del proceso la variación del público participante en cuanto al género, la edad y el rol desarrollado en el comunidad. El equipo valoró el vínculo, estableció redes de acceso y se puso a disposición como equipo de terapeutas demostrando la importancia de una atención que va más allá de la clínica. Se propuso otra forma de cuidado, que valora la autonomía y capacidad del sujeto, recordándoles que siempre hay una identidad en la comunidad y que juntos somos más fuertes.

Palabras clave: Atención primaria de salud. Estrategia de salud familiar. Promoción de la salud.

INTRODUÇÃO

O que define saúde no século XXI? O que é ofertado para a população como promoção, prevenção e tratamento em saúde? Essas são perguntas norteadoras e fundamentais para compreender este estudo. Na década de 1980, iniciou-se o processo de legitimação de diferentes abordagens no campo da saúde. As abordagens inovadoras têm como foco oferecer um cuidado que vai além da clínica médica e assistência medicamentosa. Com essa nova forma de cuidado, é criada a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS), considerando o indivíduo como um todo, integrando-o com o ambiente e com as suas relações. As práticas integrativas são uma alternativa para promoção e tratamento na atenção básica. Entre as práticas, temos a Terapia Comunitária Sistêmica Integrativa (TCI)1.

A TCI foi desenvolvida pelo professor doutor Adalberto de Paula Barreto, docente do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), que vem trabalhando com essa temática desde 1987. O professor é reconhecido internacionalmente por ser criador e divulgador da técnica presente nos 27 estados brasileiros, com trinta polos formadores distribuídos no país2. A Terapia Comunitária se encontra, também, em países como

264

França, Suíça, Uruguai e, no Brasil, ocorre em todos os estados, administrada por um coletivo que já ultrapassa 13.000 terapeutas comunitários, formados por meio de parcerias com a Associação Brasileira de Terapia Comunitária3.

A Terapia Comunitária é centrada na reflexão do sofrimento causado pelas situações estressantes, digerindo uma ansiedade paralisante que traz riscos para a saúde da população. Ela procura promover a saúde em espaços coletivos e deixar que a patologia seja tratada individualmente pelos especialistas. A escuta das histórias de vida de cada pessoa concorre para que todos se tornem corresponsáveis pela superação dos desafios do dia a dia, despertando-os para a solidariedade e a partilha, valorizando a dinâmica interna de cada ser humano, bem como sua capacidade de transformação social e coletiva, promovendo uma cultura de paz, que pode ser pautada na experiência da espiritualização4

A experiência que ora relatamos neste artigo vem de uma proposta da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE), no ano de 2013, que ofertou a formação em Terapia Comunitária Sistêmica Integrativa para os profissionais aprovados na seleção para a Residência Integrada em Saúde (RIS).

Os profissionais da residência tiveram a oportunidade de levar para as comunidades e equipes de serviço um olhar integral sobre o indivíduo, sobre o processo de saúde-doença. Foi ofertada uma perspectiva além da situação aparente, proporcionando um cuidado ampliado de valorização do sujeito e de autonomia no cuidado. Contudo, descreveremos a prática da TCI como uma alternativa de promoção de saúde, de fortalecimento de vínculo, identidade, empoderamento e estratégias de situações em comum, bem como demonstrar força, beleza e leveza na união da comunidade.

Este artigo tem como objetivo descrever uma experiência formativa e prática da Terapia Comunitária Integrativa, relatando sua implantação pelas profissionais residentes no município de Horizonte, elencando os desafios, as conquistas e as descobertas que culminaram na construção de laços e vínculos comunitários.

MATERIAL E MÉTODOS

Este estudo é um relato de experiência desenvolvido em duas Unidades de Atenção Primária à Saúde (UAPS), no município de Horizonte, estado do Ceará, localizado a 49 km da capital cearense. Teve início a partir da proposta formativa da Terapia Comunitária Integrativa lançada pela Residência Integrada em Saúde, cuja formação foi promovida pela Escola de Saúde Pública do Ceará.

265 v. 45, n. 4, p. 262-272 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

A TCI propõe seguir algumas etapas que norteiam a roda terapêutica: acolhimento; escolha do tema; apresentação do tema; identificação do grupo com os temas apresentados; votação; agradecimento; contextualização; informações e mote (pergunta-chave que permite a reflexão do grupo); problematização; encerramento; e avaliação2

A equipe de terapeutas foi composta por três profissionais: uma assistente social, uma cirurgiã-dentista pertencente à ênfase Saúde da Família e Comunidade (SFC) e uma profissional de educação física da ênfase de Saúde Mental Coletiva (SMC). Com a equipe formada, teve início a identificação dos espaços para a aplicação das rodas, partindo, a princípio, das unidades em que as residentes já estavam lotadas: Planalto Horizonte I, II e III; UBS Mangueiral; e Centro de Atenção Psicossocial (Caps).

Após análise, a equipe identificou a inviabilidade de o grupo ser realizado no Caps Geral por ele ter uma demanda proveniente de todo o município e não dispor de transporte público para a população. Direcionamos, então, nossas atividades para as duas UBS citadas: Mangueiral e Planalto Horizonte II e III.

Como estratégia, após discussão entre os residentes, divulgou-se para as gerentes das UAPS a nova tecnologia que seria disponibilizada para a comunidade. Sensibilizamos, de forma mais intensa, os agentes comunitários de saúde (ACS), tanto por suas vivências nas rodas como pelo fornecimento de material informativo sobre a TCI: distribuição de convites impressos para a comunidade e confecção de cartazes afixados nos serviços de saúde.

A primeira roda de TCI foi realizada no dia 22 de outubro de 2013, na UAPS Planalto Horizonte II e III, com agentes comunitários de saúde e pacientes do território. No dia 12 de novembro de 2013, a roda teve início na UAPS Mangueiral, nas terças-feiras, no período vespertino. Esse momento foi bem aceito desde o primeiro encontro, seja pela curiosidade ou por proporcionar um espaço de escuta e acolhimento. Ao todo, foram realizadas quatro rodas em cada unidade de saúde.

Os desafios lançados nessa primeira fase foram, além de identificar os espaços de realização da TCI no município de Horizonte, unir a agenda de atividades de cada profissional, sensibilizar os profissionais do serviço, convocar a comunidade e iniciar o processo de formação enquanto terapeuta comunitário.

Além da própria metodologia da roda de TCI, conforme descrito acima, a equipe valorizou o vínculo com a comunidade, tecendo redes de acesso com ela, disponibilizando-se enquanto equipe de terapeutas em dia fixo na semana, no período vespertino.

266

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Terapia Comunitária realizada no município de Horizonte apresentou diversas características, entre elas: desafios, satisfações, realizações e aprendizado. Um dos desafios que mais persistiu foi a mobilização da comunidade, pois foi observada, durante todo o processo, a variação do público participante no que diz respeito ao gênero, à idade e ao papel desenvolvido na comunidade.

A participação grupal foi identificada como uma fragilidade do município quando foi iniciado o processo de residência. A cultura da comunidade tem como conceito de saúde a clínica médica, ou seja, as pessoas procuram as unidades de saúde apenas para o atendimento clínico, buscando resolver suas dificuldades de saúde de forma pontual. Apesar de o modelo biomédico tratar especificamente a doença em questão, tornando limitado o olhar clínico diante do paciente, sem levar em consideração questões sociais e ambientais que podem ter influência no estado de saúde, muitas pessoas ainda optam por ele, talvez por não conhecer as vantagens do acompanhamento em grupo5,6. Já se sabe que atividades grupais propõem o empoderamento dos pacientes, tornando-os mais aptos a cuidar de si mesmo, promovendo saúde e prevenindo agravos7

Assim, o trabalho de mobilização comunitária foi muito intenso. Verificamos uma dificuldade de entendimento dessa nova ferramenta de cuidado sendo ofertada de forma grupal por parte dos profissionais, bem como dos usuários. Além da dificuldade de formação de grupos terapêuticos, outro fator foi o município não dispor de transporte público próprio. A mobilidade é importante para a participação da comunidade, não só de grupos nas UAPS, mas também nos outros dispositivos que oferecem ações e serviços comunitários.

Inicialmente, pensou-se em cinco encontros terapêuticos por grupo, porém observamos uma descontinuidade dos participantes nas rodas de terapia comunitária. Os fatores citados acima também podem ter contribuído para isso: mobilidade e mobilização. Apesar da problemática, os encontros foram mantidos para fechar o ciclo de reuniões, possibilitando, assim, a participação de quem não conseguiu comparecer em todos. Assim, o projeto foi finalizado com quatro rodas de conversas, variando entre dez e cinco participantes em cada uma.

Por meio delas, identificamos o poder que a terapia comunitária teve na vida dos participantes, mesmo que em apenas um encontro. Os usuários que já haviam participado das rodas relatavam o potencial que o momento proporcionou em suas vidas. Após as atividades grupais, os pacientes passam a ter autonomia diante de seus cuidados, reduzindo a sua dependência pelo sistema e tornando a promoção da saúde uma ferramenta

267 v. 45, n. 4, p. 262-272 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

que visa também os aspectos sociais, e não somente biológicos. Além disso, com o apoio de outros participantes de um grupo, ocorre identificação pessoal, troca de estratégias e compartilhamento de vivências8,9

A parceria com a Equipe de Saúde da Família foi fundamental na implantação e divulgação da TCI na comunidade. Com a reforma psiquiátrica, os serviços de saúde mental não hospitalar se tornaram uma necessidade à promoção da ruptura com o modelo hospitalocêntrico, assegurando uma política de reabilitação e inclusão social10. A promoção da saúde e a prevenção do adoecimento não são ações estratégicas específicas dos serviços de saúde mental não hospitalar. Assim, as UAPS devem contribuir desenvolvendo ações preventivas para o sofrimento emocional.

A Portaria nº 224, de 1992, foi a primeira normativa referente à saúde mental que propôs, preferencialmente, atendimento e acompanhamento nas Unidades de Atenção Primária à Saúde e os Centros de Atenção Psicossocial como serviços de cuidado não hospitalares de saúde mental11. A integração da Atenção Primária à Saúde (APS) com a saúde mental ocorre devido à grande incidência de transtornos mentais e a relação entre agravos físicos e psicológicos. Dessa forma, a atenção primária facilita o acesso aos cuidados em saúde mental, garantindo o direito dos usuários do SUS com tratamentos eficazes12.

A TCI atua na saúde em uma perspectiva integrativa, na qual a compreensão da cultura, da história de vida, dos contextos sociais, políticos, familiares e comunitários são fundamentais. Por meio dela, percebemos o ser humano e seu sofrimento em rede relacional1 Os fatores estressantes vivenciados são discutidos pelo grupo e podem ser enfrentados antes que resultem em patologias. Assim, a TCI previne doenças e promove a saúde em espaços coletivos para além do adoecimento, focando no potencial do sujeito.

Durante os encontros, verificamos que as pessoas tinham a necessidade de comunicação em um espaço onde tivessem com quem falar dos seus sofrimentos sem o risco de serem julgadas. A TCI é, portanto, uma rede viva de comunicações gestuais, em que cada pessoa pode expressar sentimentos, sejam de alegria, tristeza, medo, angústia, decepção, frustração. Nessa rede, a dor pode ser acolhida, partilhada e transmutada13

A partilha de experiências mostra as possíveis estratégias de superação de sofrimentos do cotidiano e permite, à comunidade, encontrar soluções para seus problemas, as quais não foram encontradas pela própria pessoa, por sua família e pelos serviços públicos14

Percebemos a contribuição das rodas para o processo de autonomia do sujeito. De acordo com Guimarães e Filha10, o processo de resiliência e empoderamento ajuda os participantes a ganharem habilidades e confiança para atuarem socialmente. A terapia

268

proporciona mudanças pessoais na relação do indivíduo com ele mesmo e com outras pessoas significativas em sua vida. Quando uma pessoa reconhece no outro um recurso com o qual pode contar, torna-se menos dependente das instituições, menos oprimido pelos próprios problemas e, portanto, mais autônomo.

O sentimento de pertença foi observado nas rodas, especialmente quando os participantes conseguiram expressar seus sentimentos no grupo, revelando que a terapia comunitária ajuda na criação e no fortalecimento de vínculos afetivos. Barreto13 acrescenta que, quando o indivíduo percebe a existência do outro, há a possibilidade de aplicar suas habilidades, suas competências e descobrir a alteridade. A sensação de pertencimento favorece a formação e manutenção de grupos. A criação de vínculos permite a construção de redes de apoio social que fortalecem a convivência na comunidade10

Durante as terapias, visualizamos o fortalecimento do vínculo espiritual, com momentos de oração e imposição das mãos. A maioria relatou como problemáticas: doenças físicas e psicológicas, questões familiares e, no caso dos ACS, até mesmo a vivência profissional com a escuta realizada por eles durante visitas domiciliares das famílias no território, pois acabam se sensibilizando diante dos problemas explanados. Seguiram-se os passos da TCI já referidos neste estudo, sendo incrementados com músicas relaxantes e mensagens motivacionais, além de dinâmicas de grupo.

No enfrentamento dos problemas diários, a fé é apontada como estratégia mais presente e, em alguns casos, como única ferramenta de resolução de dificuldades. A espiritualidade ajuda os indivíduos em sua compreensão, indo a sua esfera mais profunda, transcendendo a sua realidade. Boff15 conceitua espiritualidade como tudo aquilo que provoca mudança dentro do ser humano. Reikdal e Maftum16 afirmam que atividades relacionadas à fé, como grupos religiosos, dinâmicas de ajuda e conhecimento aprofundado do alvo da fé, contribuem para a manutenção da saúde mental.

Um dos desafios que, com o decorrer dos encontros, tornou-se uma fortaleza foi a integração da equipe para que desenvolvesse uma atividade homogênea, na qual cada participante atuasse com função de protagonista e de apoio.

No âmbito profissional, identificamos grande crescimento, pois, durante os relatos, vivenciamos a partilha de cada participante gerando efeitos sobre sua realidade. Outro ganho foi a visão ampliada, ou seja, o olhar integral que foge da restrição à categoria profissional. Destacaram-se atributos que emergiram ao longo da construção dos encontros. Exemplos de tais características são: a visão multiprofissional, a adaptação a situações que não condizem com a rotina vivenciada e o fortalecimento de vínculo com a comunidade.

269 v. 45, n. 4, p. 262-272 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

A integralidade é uma das bases que sustenta a APS, articulando, promovendo, protegendo e recuperando a saúde. Ela considera todos os aspectos que circundam um paciente, como as questões socioeconômicas, políticas e ambientais, solicitando a participação de cuidados multiprofissionais de acordo com a necessidade do usuário do SUS, assistindo integralmente 17,18,19

Como equipe, cada terapeuta em formação contribuiu de acordo com sua área de conhecimento, porém, em cada roda, havia uma integração de profissões em que a especificidade de cada um se tornava um dilema para a comunidade. Juntas, desenvolveram-se características como flexibilidade com temas que nunca haviam surgido anteriormente e compreensão, que representou uma qualidade para que a equipe pudesse acolher todas as demandas sugeridas pela comunidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A formação em Terapia Comunitária Sistêmica Integrativa ofertada paralelamente à formação em Residência Multiprofissional proporcionou uma experiência singular para os terapeutas, para os serviços de saúde, para as equipes de saúde e para a comunidade envolvida. Nesse grande percurso, deparamo-nos com grandes desafios, aprendizados e dificuldades, que fizeram desse momento um denso palco de vivências e de aproximação como a comunidade.

Entre as dificuldades enfrentadas pela equipe de terapeutas comunitários, podemos citar: o desconhecimento dos profissionais das UAPS, e da própria comunidade, sobre a prática da TCI; a descontinuidade dos participantes nas rodas; e as dificuldades técnicas da equipe de terapeutas na aplicação das rodas.

Contudo, foi um laboratório vivo, que potencializou o poder da comunidade. A equipe valorizou o vínculo, tecendo redes de acesso, disponibilizando-se enquanto equipe de terapeutas e demonstrando a importância do cuidado que vai além da clínica e do consultório\ambulatório. Oportunizamos outra forma de cuidado potente, apesar do desconhecimento da maioria dos envolvidos, que valoriza a autonomia do sujeito e sua capacidade, lembrando sempre que há uma identidade na comunidade e que juntos somos mais fortes.

Foi um trabalho árduo, porém evidencia que, construindo pilares sólidos, forma-se um caminho que se inicia na complexidade e culmina na resolução simplificada baseada na autoestima e confiança no próximo.

270

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Rosangela Gomes dos Santos, Maria Raquel da Silva Lima, Ítala Maria de Queiroz Maia e Erika Guidetti.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Rosangela Gomes dos Santos, Maria Raquel da Silva Lima, Ítala Maria de Queiroz Maia e Erika Guidetti.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Rosangela Gomes dos Santos, Maria Raquel da Silva Lima, Ítala Maria de Queiroz Maia e Erika Guidetti.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Rosangela Gomes dos Santos, Maria Raquel da Silva Lima, Ítala Maria de Queiroz Maia e Erika Guidetti.

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006.

2. Morais FLSL. Rodas de terapia comunitária: espaços de mudanças para profissionais da estratégia saúde da família [Dissertação]. João Pessoa (PB): Universidade Federal da Paraíba; 2010.

3. Associação Brasileira de Terapia Comunitária Alternativa. Bem-vindo à Associação Brasileira de Terapia Comunitária Integrativa [Internet]. São Paulo (SP): Abratecom; 2014. [citado em 2014 jul 28]. Disponível em: https://abratecom.org.br/.

4. Andrade FBD, Ferreira Filha MDO, Dias MD, Silva AO, Costa IDCC, Lima EARD, et al. Promoção da saúde mental do idoso na atenção básica: as contribuições da terapia comunitária. Texto Contexto Enferm. 2010;19(1):129-36.

5. Barata, RCB. Historicidade do conceito de causa. In: Carvalheiro JR, organizador. Textos de apoio: epidemiologia. Rio de Janeiro (RJ): Abrasco; 1985. p. 13-27.

6. Cutolo LRA. Modelo Biomédico, reforma sanitária e a educação pediátrica. ACM Arq Catarin Med. 2006;35(4):16-24.

7. Falkenberg MB, Mendes TDPL, Moraes EPD, Souza EMD. Educação em saúde e educação na saúde: conceitos e implicações para a saúde coletiva. Ciênc Saúde Colet. 2014;19(3):847-52.

8. Santos SKZD, Da Ros MA. Ressignificando promoção de saúde em grupos para profissionais da saúde. Rev Bras Educ Méd. 2016;40(2):189-96.

271 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
262-272

9. Nogueira ALG, Munari DB, Santos LF, Oliveira LMDAC, Fortuna CM. Fatores terapêuticos identificados em um grupo de promoção da saúde de idosos. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(6):1352-8.

10. Guimarães FJ, Ferreira Filha MDO. Repercussões da terapia comunitária no cotidiano de seus participantes. Rev Eletrônica Enferm. 2006;8(3):404-14.

11. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria Executiva, Secretaria de Atenção à Saúde. Legislação em saúde mental: 1990-2004. 5a ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2004.

12. World Health Organization. World Organization of Family Doctors. Integrating mental health in primary care: a global perspective. Geneva: WHO; 2008.

13. Barreto ADP. Terapia comunitária: passo a passo. 4a ed. Fortaleza (CE): Gráfica LCR; 2008.

14. Andrade LOMD, Barrêto ICDHC, Barreto ADP, Oliveira MVAD. O SUS e a terapia comunitária. Fortaleza (CE): UFCE; 2009.

15. Boff L. Espiritualidade: um caminho de transformação. Rio de janeiro (RJ): Sextante; 2006.

16. Reikdal AR, Maftum MA. O cuidado com a saúde mental da equipe de enfermagem do PSF de uma unidade de saúde. Nursing (São Paulo). 2006; 98(8):925-30.

17. Hartz ZMDA, Contandriopoulos AP. Integralidade da atenção e integração de serviços de saúde: desafios para avaliar a implantação de um “sistema sem muros”. Cad Saúde Pública. 2004;20(Sup.2):S331-S6.

18. Albuquerque MADL, Carvalho VCPD. O papel do fisioterapeuta no programa saúde da família. Revista Inspirar. 2009;1(2):15-9.

19. Campos CEA. O desafio da integralidade segundo as perspectivas da vigilância da saúde e da saúde da família. Ciênc Saúde Colet. 2003;8(2):569-84.

Recebido: 7.4.2021. Aprovado: 20.9.2022.

272

RELATO DE EXPERIÊNCIA

ADAPTAÇÃO DO PET-SAÚDE NO CONTEXTO DA PANDEMIA E DE ATIVIDADES ONLINE: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Gabriela Éleres Casseba

https://orcid.org/0000-0002-4860-7093

Lucivaldo Almeida Alvesb

https://orcid.org/0000-0001-6127-3828

Danilo Souza Delgadoc

https://orcid.org/0000-0002-3890-2419

Juliana de Silva Limad

https://orcid.org/0000-0001-7267-6374

Monaliza dos Santos Pessoae

https://orcid.org/0000-0002-4163-8081

Nilo Cesar Raiol de Limaf

https://orcid.org/0000-0001-9702-3011

Resumo

A interdisciplinaridade acadêmica é um dos fatores que proporcionam o desenvolvimento de práticas interprofissionais, que são essenciais para efetividade do atendimento integral ao usuário do Sistema Único de Saúde (SUS). O Programa de Educação Pelo Trabalho Para a Saúde (PET-Saúde), instituído pelo Ministério da Saúde, visa fomentar a formação de profissionais da área por meio da integração do eixo ensino-serviço-comunidade, norteados pelo interprofissionalismo nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). No programa, os profissionais devem trabalhar em equipe, sob ótica interprofissional e com foco em situações-problema reais. Neste artigo, buscou-se relatar

a Enfermeira formada pela Escola de Enfermagem Magalhães Barata da Universidade do Estado do Pará. Belém, Pará, Brasil. E-mail: gabriela_eleres@hotmail.com

b Enfermeiro formado pela Escola de Enfermagem Magalhães Barata da Universidade do Estado do Pará. Belém, Pará, Brasil. E-mail: lucivaldoalvesdm@gmail.com

c Médico formado pela Universidade do Estado do Pará. Belém, Pará, Brasil. E-mail: danilosdh@gmail.com.

d Graduanda em Terapia Ocupacional pela Universidade do Estado do Pará. Belém, Pará, Brasil. E-mail: julianaslima.to@gmail.com

e Médica. Especialista em Medicina da Família e Comunidade. Belém, Pará, Brasil E-mail: monapessoa@gmail.com

f Graduando em Medicina pela Universidade do Estado do Pará. Belém, Pará, Brasil E-mail: nilocesar.raiol@gmail.com

Endereço para correspondência: Escola de Enfermagem Magalhães Barata da Universidade do Estado do Pará –Campus IV. Av. José Bonifácio, n. 1289, Guamá. Belém, Pará, Brasil. CEP: 66065-362. E-mail: gabriela_eleres@hotmail.com

273 v. 45, n. 4, p. 273-283 out./dez. 2021 273
Revista Baiana de Saúde Pública DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3320

o desenvolvimento de novas estratégias para a manutenção das atividades de ensino e saúde do programa, devido à pandemia do novo coronavírus. Para isso, ocorreu a substituição das atividades presenciais pelo uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) em plataformas online. Foram realizados cursos de qualificação, fóruns regionais e nacionais para discussão das lacunas e instabilidades do SUS e do programa, além da produção de folders, cartilhas e vídeos voltados para educação em saúde da população de acordo com cada realidade. A experiência do PET-Saúde durante o contexto pandêmico teve resultados positivos no que se refere à aproximação interprofissional, geração de arcabouço teórico e criação de atividades de educação em saúde para a comunidade. Todavia, há dúvidas quanto à capacidade do material de abranger toda a população-alvo, visto que foi necessária a interseção dos profissionais das UBS para concretizar ações online, gerando incertezas quanto ao alcance de indivíduos sem acesso ao meio virtual.

Palavras-chave: Covid-19. Saúde pública. Educação em saúde. Educação interprofissional.

ADAPTATION OF PET-HEALTH DURING THE PANDEMIC AND ONLINE ACTIVITIES: AN EXPERIENCE REPORT

Abstract

Academic interdisciplinarity is an important factor for developing interprofessional practices, an essential feature for providing effective comprehensive care to Unified Health System (SUS) users. The Education through Work for Health Program (PET-Saúde), created by the Ministry of Health, seeks to promote health professional training by integration of the teaching-servicecommunity axis, guided by interprofessional interaction in Basic Health Units. Health (UBS). In the program, professionals must work in a interprofessional team, focusing on real problem situations. This paper reports the development of new strategies for maintaining the program’s teaching and health activities during the COVID-19 pandemic. To do so, in-person activities were replaced by virtual ones, using Information and Communication Technologies (ICTs) on online platforms. Qualification courses, regional and national forums were held to discuss the gaps and instabilities in the SUS and the program, as well as to produce folders, booklets and videos aimed at population health education. PET-Saúde showed positive results during the pandemic regarding the interprofessional approach, generation of theoretical framework, and creation of communitybased health education activities. However, doubts remain as to the material’s ability to reach all its target population, since intervention from UBS professionals was needed to carry out online actions, generating uncertainty for individuals without Internet access.

Keywords: COVID-19. Public Health. Health Education. Interprofessional Education.

274

ADAPTACIÓN DE PET-SAÚDE EN EL CONTEXTO DE LA PANDEMIA Y DE ACTIVIDADES EN LÍNEA: UN REPORTE DE EXPERIENCIA

Resumen

La interdisciplinariedad académica es uno de los medios que brindan el desarrollo de prácticas interprofesionales, las cuales son fundamentales para la efectividad de la atención integral al usuario del Sistema Único de Salud (SUS). El Programa Educación por el Trabajo para la Salud (PET-Saúde), creado por el Ministerio de Salud, tiene como objetivo fomentar la formación de los profesionales de la salud a través de la integración del eje enseñanza-serviciocomunidad, guiado por la implementación de la interprofesionalidad en Unidades Básicas de Salud (UBS). En el programa, los profesionales deben trabajar en equipo, desde una perspectiva interprofesional y con foco en situaciones problemáticas reales. En este artículo se pretende reportar el desarrollo de nuevas estrategias para el mantenimiento de las actividades docentes y de salud del programa, debido a la pandemia del nuevo coronavirus. Por tal motivo, hubo la sustitución de las actividades presenciales por el uso de las Tecnologías de la Información y la Comunicación (TIC) en plataformas en línea. Se realizó cursos de capacitación, foros regionales y nacionales para discutir las brechas e inestabilidades del SUS y el programa, además de la producción de carpetas, folletos y vídeos orientados a la educación en salud de la población de acuerdo a cada realidad. La experiencia del PET-Saúde durante el contexto pandémico fue favorable en cuanto al enfoque interprofesional, la generación de marco teórico y la creación de actividades de educación en salud para la comunidad. Sin embargo, existe una incertidumbre en cuanto al alcance del material en la población objetivo, ya que fue necesario cruzar los datos de los profesionales de UBS para realizar acciones en línea, lo que no generó certeza del alcance en individuos de la comunidad sin acceso al entorno virtual.

Palabras clave: Covid-19. Salud pública. Educación em salud. Educación interprofesional.

INTRODUÇÃO

A integralidade é um dos princípios doutrinários do Sistema Único de Saúde (SUS), e aborda o cuidado integral ao indivíduo a partir de um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade¹. No entanto, a efetivação desse princípio encontra obstáculos no modelo de saúde vigente, o qual é fragmentado em atribuições profissionais exclusivas, com uma formação educacional fracionada e fundamentada no modelo biomédico².

275 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
273-283

Nesse contexto, destaca-se a interdisciplinaridade acadêmica como meio para facilitar práticas interprofissionais na área da saúde, visando atender a integralidade do usuário. Desse modo, com o objetivo de fomentar a formação profissional, o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação institucionalizaram o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), um projeto de extensão que, por ser articulado com os profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS), facilita o processo de integração do eixo ensino-serviço-comunidade por meio da inserção de estudantes em Unidade Básica de Saúde (UBS), norteados pela conceituação do interprofissionalismo³.

Na atual conjuntura, a pandemia de covid-19 constatou ainda mais a necessidade do desenvolvimento de competências colaborativas para a atuação em equipe multiprofissional no combate ao novo patógeno. O primeiro caso da doença surgiu em dezembro de 2019, na China, quando pacientes apresentaram quadros de pneumonia que evoluíam para uma infecção respiratória aguda grave4.

Devido à globalização, além da China, países em todos os continentes também reportaram casos com as mesmas sintomatologias. No Brasil, a primeira notificação foi em 26 de fevereiro de 2020. Após mais de dois anos do primeiro caso no país, em setembro de 2022, o Brasil reportou 34,5 milhões de casos confirmados e 684 mil óbitos pela doença5. Mundialmente, nessa mesma data, foram notificados 604 milhões de casos e 6,49 milhões de mortes6.

Os coronavírus são causadores de infecções respiratórias, intestinais e sistêmicas.

Os pacientes infectados geralmente apresentam hipertermia, mal-estar e dispneia, com achados radiográficos de lesões infiltradas agudas. Ainda não há medicamentos redutores de morbimortalidade, apenas medicações e intervenções para diminuir os sinais e sintomas. Enquanto isso, a humanidade utiliza o isolamento social, o uso de máscara e a vacinação para achatar a curva de transmissão e evitar o colapso dos sistemas de saúde7.

O distanciamento social fez as universidades e as instituições de saúde interromperem suas atividades de ensino e os atendimentos médicos de baixa complexidade.

Assim, tornaram-se necessárias estratégias para a manutenção das atividades, destacando-se a substituição das ações presenciais de ensino e atendimento à saúde pelo uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). Trata-se de ferramentas com uso crescente na área da saúde, tal como a cibermedicina, que podem contribuir para a educação em saúde do paciente, a educação permanente de profissionais da saúde e a formação dos graduandos em cursos da área da saúde8

Embora o ensino a distância (EaD) não seja permitido em alguns cursos da saúde no Brasil, foi autorizada pela Portaria do Ministério da Educação (MEC) n° 345, de 19 de

276

março de 2020, no artigo 1º, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais, em andamento, por aulas que utilizam TIC9. Dessa forma, mostra-se que essa situação atípica exigiu um novo formato temporário de ensino.

Nesse contexto, tornam-se relevantes relatos de experiência voltados para a formação de profissionais da saúde comprometidos com a Educação Interprofissional (EIP) e a Prática Interprofissional Colaborativa (PIC) em um momento emergencial em saúde. A pandemia do coronavírus demonstrou a fragilidade dos sistemas de saúde para frear a transmissão de doenças infectocontagiosas. Nesse sentido, a atuação da equipe de saúde com base nos preceitos da EIP e da PIC possibilita uma maior efetividade e qualidade do cuidado em saúde, principalmente em situações de pandemia10

Assim, este artigo teve como objetivo apresentar as experiências de acadêmicos de medicina, enfermagem e terapia ocupacional vivenciadas no PET-Saúde/Interprofissionalidade, evidenciando a importância das TIC para o desenvolvimento de ações voltadas para a EIP e a PIC.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo de caráter descritivo do tipo relato de experiência, o qual apresenta atividades realizadas no período de março de 2020 a janeiro de 2021, contendo uma carga horária semanal de oito horas por meio de atividades e reuniões online via Google Meet.

O PET-Saúde em questão está localizado na Universidade do Estado do Pará (Uepa), abrangendo os cursos de medicina, enfermagem, fisioterapia, terapia ocupacional, educação física e biomedicina. Os participantes foram divididos em grupos, formados por um coordenador-tutor, tutores, preceptores e acadêmicos. Os últimos foram divididos em quatro grupos menores para atuar em conjunto com os preceptores responsáveis em seus locais de trabalho na Atenção Primária à Saúde (APS).

Este artigo destaca a experiência do grupo interprofissional a partir do advento da pandemia do novo coronavírus, que alterou temporariamente a forma de trabalho, dando espaço ao home office e evidenciando suas vantagens e desvantagens diante da dualidade do combate ao vírus e seguimento de atividades interdisciplinares na APS.

O home office do programa foi composto pela realização de cursos de atualização e capacitação online na plataforma AVASUS, rodas de conversas online por meio da plataforma Google Meet, realização de fóruns de âmbito regional e nacional, que foram planejados e organizados pelos participantes do programa, criação de materiais educativos acessíveis à população no formato de folders e cartilhas, os quais foram desenvolvidos por acadêmicos e preceptores, passando pela avaliação dos coordenadores-tutores e tutores. E, ao fim de um

277 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
273-283

ciclo de atividades, foram realizadas produções científicas relevantes para a área, abordando as atividades anteriormente mencionadas.

RESULTADOS

Em um primeiro momento, visando uma adaptação inicial dos participantes do programa ao ambiente virtual, foram realizados cursos online já disponíveis na plataforma AVASUS, que oferece palestras, videoaulas, materiais complementares e questões comentadas de cada assunto. Os cursos são interprofissionais e divididos em módulos, oferecem acesso integral a todos os conteúdos de forma gratuita, certificado de participação autenticado e, de forma geral, objetivam a qualificação do profissional de saúde para atuar diante das demandas do SUS. Cada aluno e preceptor ficou responsável pela realização de um curso de sua preferência na plataforma, com a condição de manter relação com a realidade da população com que atuava anteriormente à pandemia.

Os cursos mais escolhidos foram: acompanhamento de pacientes diabéticos com ênfase à realização de curativos e tratamento de feridas crônicas, acompanhamento de pacientes no programa HIPERDIA, nutrição e o papel do profissional de saúde diante da pandemia da covid-19. Ao término da data estabelecida para realização dos cursos, os alunos e preceptores foram instigados a discutir os assuntos escolhidos sob a ótica interprofissional, em reunião online com todos os integrantes do grupo e conduzida pelos tutores e coordenadortutor, abordando suas percepções e desenvolvendo possíveis hipóteses de solução para as situações-problema de cada assunto.

Outra forma encontrada para realizar a discussão de problemáticas e demandas da saúde pública foi o desenvolvimento de rodas de conversas com todos os participantes do projeto de extensão alojado na Uepa, bem como a realização de fóruns abertos a todos os participantes do programa que residiam no município de Belém (PA) e, posteriormente, participantes de todo o país. O fórum de âmbito nacional foi denominado “I Fórum PET-SAÚDE: os desafios traçados no Sistema Único de Saúde”. O evento ocorreu online e ao vivo na plataforma Youtube, sendo a comissão organizadora constituída por acadêmicos e preceptores do programa PET-Saúde da Uepa, os palestrantes compostos por dois participantes do programa de cada região do país e os ouvintes constituídos por participantes do PET-Saúde ao redor do Brasil.

Posteriormente, ainda com a necessidade de afastamento social e impossibilidade de retomar as atividades presenciais, as quatro preceptoras do grupo foram divididas para serem responsáveis pela formulação das atividades online dos acadêmicos durante o mês de sua responsabilidade. Incluída nessas atividades, tem-se a formulação de cinco materiais no formato

278

de folders e cartilhas disponíveis em PDF, voltados para a distribuição na comunidade, sobre temáticas essenciais para a qualidade de vida da população, tais como: combate ao câncer de mama e de próstata, nutrição de crianças com necessidades alimentares especiais, covid-19 e combate ao fumo. Todo o arcabouço produzido foi distribuído, via online, ao público-alvo, com o auxílio dos preceptores e demais funcionários de cada UBS. Também se difundiu o material por meio da criação de uma rede social exclusiva para a publicação de informes de saúde.

A partir de então, o grupo utilizou uma divisão previamente estabelecida para realizar a construção de artigos científicos, a fim de explanar a atuação no programa na época da pandemia, objetivando fomentar a produção científica do PET-Saúde em condições atípicas das que são estabelecidas pelo edital do programa.

DISCUSSÃO

O PET-Saúde é uma das ações intersetoriais direcionadas ao fortalecimento da atenção básica e da vigilância em saúde, orientado de acordo com os princípios e as necessidades do SUS e integrado às Instituições de Ensino Superior (IES)11,12. O programa caracteriza uma estratégia para implementar o trabalho interprofissional em equipe em cenários reais de práticas em saúde. O trabalho em equipe com atuação interprofissional significa operar em áreas cujas práticas devem constituir um saber comum entre duas ou mais profissões, dispostas a transitar em áreas específicas de modo colaborativo13

A priori, por se tratar de um projeto de extensão que demanda atividades práticas e presenciais voltadas para a comunidade e para o meio acadêmico, houve uma grande dificuldade em conseguir organizar as atividades em cargas horárias práticas e que atendessem ao objetivo principal do programa. Educadores necessitaram reformular suas propostas de ensino para que não houvesse perda tão significativa na qualidade das atividades passadas em relação ao trabalho presencial14

Entre as principais barreiras encontradas para a implementação de ações online durante a pandemia destacam-se a resistência da instituição e dos professores à mudança, a falta de visão compartilhada para a educação, o ritmo lento de implementação e a falta de treinamento para a utilização das ferramentas disponíveis15

Ademais, apesar da possibilidade de organizar as atividades em educação a distância, é necessário levar em consideração questões sociais, econômicas e culturais, que são diversas e podem dificultar o acesso de estudantes e profissionais aos recursos tecnológicos necessários16. Com relação à discussão se há ou não superioridade do ensino a distância em detrimento do presencial, ainda não há unanimidade. No entanto, a combinação de ambas as

279 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
273-283

modalidades pode ser significativamente produtiva, e o processo de ensino-aprendizagem deve acompanhar as evoluções tecnológicas17.

Não obstante à existência de barreiras e dificuldades relacionadas à pandemia e à desigualdade social, a suspensão das atividades presenciais é uma medida primordial para o controle da doença a partir da quebra no ciclo de contaminação, levando-se em consideração que as universidades e UBS são ambientes de natural contato humano, além da aglomeração estabelecida pela superlotação nos meios de transportes públicos utilizados por boa parte dos acadêmicos para realizar suas atividades18. Desse modo, o desenvolvimento de metodologias ativas de ensino e aprendizagem no ambiente virtual se massificou, tornando-se a principal alternativa para a busca do conhecimento em meio às situações adversas vivenciadas atualmente.

A realização dos cursos interprofissionais na plataforma online AVASUS mostrou-se de suma importância para fomentar discussões relacionadas à realidade local. Um trabalho norte-americano identificou que cerca de dois terços dos cursos online são ministrados por professores titulares, uma porcentagem geralmente superior à porcentagem mensurada em cursos regulares e presenciais19. Isso demonstra a validade e importância dos cursos de plataformas online no contexto do ensino a distância e para o cumprimento da carga horária.

Além disso, destaca-se que as rodas de conversas e fóruns permitiram o contínuo debate de assuntos pertinentes, exploração de novos temas atualizados e comparação com as diversas realidades brasileiras. Para a realização dessas atividades, utilizaram-se aplicativos de videoconferência, redes sociais e até mesmo uma adaptação para a modalidade EaD, por meio da criação de ambientes virtuais de aprendizagem20

Ainda, segundo a Fundação Oswaldo Cruz21, em informações divulgadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização das Nações Unidas (ONU), o surto de covid-19 veio acompanhado de uma onda de informações, algumas precisas e outras não, o que dificulta avaliar a veracidade das notícias, encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis. Nessas circunstâncias, observa-se a importância da produção, para divulgação em massa, de materiais de saúde com fontes seguras, tais como os produzidos pelo grupo do projeto de extensão, tendo como aliado à amplificação desse processo as plataformas de redes sociais e o apoio dos profissionais de saúde das unidades de saúde participantes.

Por fim, a formulação de produção científica traz a vantagem de não necessitar obrigatoriamente de reuniões presenciais para orientação, além de agregar reconhecimento para o meio científico e para os responsáveis por sua produção, principalmente se tratando de uma atividade que inclui o eixo ensino-pesquisa-extensão, sendo de suma importância destacar seu protagonismo como instrumento de construção de conhecimento para as necessidades humanas22.

280

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do advento da pandemia de covid-19, adaptações foram necessárias em diversos contextos, principalmente no meio educacional, a fim de proporcionar a manutenção do processo ensino-aprendizagem. Notou-se que os cursos online puderam contribuir para a formação profissional, possibilitando a geração de conhecimento durante a pandemia. As reuniões e ações virtuais possibilitaram maior comunicação entre os diferentes grupos compostos pelos acadêmicos da área da saúde, em âmbito regional e nacional, sobre as discussões geradas pelo programa e envoltas pelo SUS.

Foi necessário que os profissionais se aproximassem dos meios virtuais citados anteriormente, ainda que sob resistência e dificuldade de acesso ocasionada pela falta de treinamento e de proximidade com os recursos. Conclui-se que a experiência do PET-Saúde, durante o contexto pandêmico, teve resultados positivos no que se refere à aproximação interprofissional, geração de arcabouço teórico e criação de atividades de educação em saúde para a comunidade.

Todavia, as barreiras estabelecidas pela pandemia, somadas à urgência em adaptar-se à mudança, prejudicou a experiência dos estudantes dentro do projeto no que se refere à atuação na realidade. Ademais, há incerteza quanto ao acesso de toda a populaçãoalvo ao material, pois foi necessária a interseção dos profissionais das UBS para concretizar ações online, gerando dúvidas quanto à acessibilidade de indivíduos da comunidade adstrita à UBS sem acesso ao meio virtual, visto que o acesso às TIC ainda não é universal.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Gabriela Éleres Casseb, Lucivaldo Almeida Alves e Danilo Souza Delgado.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Gabriela Éleres Casseb, Lucivaldo Almeida Alves, Danilo Souza Delgado, Juliana de Silva Lima, Monaliza dos Santos Pessoa e Nilo Cesar Raiol de Lima.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Gabriela Éleres Casseb, Lucivaldo Almeida Alves, Danilo Souza Delgado, Juliana de Silva Lima, Monaliza dos Santos Pessoa e Nilo Cesar Raiol de Lima.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Gabriela Éleres Casseb, Lucivaldo Almeida Alves, Danilo Souza Delgado, Juliana de Silva Lima, Monaliza dos Santos Pessoa e Nilo Cesar Raiol de Lima.

281 v. 45, n. 4, p.
out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
273-283

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília (DF); 1990.

2. Madruga LMS, Ribeiro KSQS, Freitas CHSM, Perez IAB, Pessoa TRRF, Brito GEG. O PET-Saúde da Família e a formação de profissionais da saúde: a percepção de estudantes. Interface Comum Saúde Educ. 2015;19(1):805-16.

3. Universidade Federal de Alagoas. O que é o PET-Saúde [Internet]. Maceió: Ufal; 2021. [citado em 2021 fev 27]. Disponível em: https://ufal.br/estudante/ graduacao/programas/pet-saude/o-que-e-o-pet-saude.

4. Rio Grande do Sul. Secretaria da Saúde. O que é: o que é covid-19? [Internet]. Porto Alegre (RS): Secretaria da Saúde; 2021. [citado em 2021 fev 27]. Disponível em: https://coronavirus.rs.gov.br/o-que-e.

5. Brasil. Ministério da Saúde. Covid-19: Painel Coronavírus [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2022. [citado em 2022 set 4]. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/.

6. World Health Organization. WHO Coronavirus (COVID-19) Dashboard [Internet]. Geneva: WHO; 2022. [citado em 2022 set 4]. Disponível em: https://covid19.who.int/.

7. Ferrari A, Cunha AM. A pandemia do Covid-19 e o isolamento social: saúde versus economia [Internet]. Porto Alegre (RS): FCE UFRGS; 2020. [citado em 2021 fev 20]. Disponível em: https://www.ufrgs.br/fce/a-pandemia-do-covid19-e-o-isolamento-social-saude-versus-economia/#:~:text=Ganha%20 proemin%C3%AAncia%20no%20debate%20atual,em%20termos%20de%20sa%C3%BAde%20p%C3%BAblica.

8. Lopes JE, Heimann C. Uso das tecnologias da informação e comunicação nas ações médicas a distância: um caminho promissor a ser investido na saúde pública. J. Health Inform. 2016;8(1):26-30.

9. Brasil. Ministério da Educação. Portaria nº 345, de 19 de março de 2020. Altera a Portaria MEC nº 343, de 17 de março de 2020. Brasília (DF); 2020.

10. Belarmino AC, Rodrigues MENG, Anjos SJSB, Ferreira Júnior AR. Collaborative practices from health care teams to face the covid-19 pandemic. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl.2):1-5.

11. Ferreira VS, Barreto RLM, Oliveira EK, Ferreira PRF, Santos LPS, Marques VEA, et al. PET-Saúde: uma experiência prática de integração ensino-serviçocomunidade. Rev Bras Educ Méd. 2012;36(1):147-51.

282

12. Barros BL, Maia DKLF, Macedo FB, Santana FMS, Santos LM. PET Saúde: experiência de integração ensino-serviço. Braz J Dev. 2020;6(11):90568-71.

13. Vendruscolo C, Tombini LHT, Fonseca GS, Filho CS, Silva DTR, Larentes G, et al “PET-Saúde” Interprofissionalidade: reflexões sobre uma estratégia interinstitucional para reorientação da formação. Saúde Redes. 2020;6(2):275-87.

14. Oliveira HV, Souza FS. Do conteúdo programático ao sistema de avaliação: reflexões educacionais em tempos de pandemia (COVID-19). Boletim de Conjuntura (BOCA). 2020;2(5):15-24.

15. Wender AO, Chaves SN. Os desafios da gestão do ensino superior durante a pandemia da Covid-19: uma revisão bibliográfica. Recima21. 2020;7(2):40-58.

16. Pedrosa GFS. O uso de tecnologias na prática docente em um pré-vestibular durante a pandemia da COVID-19. Boletim de Conjuntura (BOCA). 2020;2(6):86-91.

17. Silva ESM, Monteiro BMM, Ono BHVS, Souza JC. Videoaulas como organizadores prévios no ensino em saúde durante a pandemia: relato de experiência. Res Soc Dev. 2020;9(10):1-13.

18. Daros T. Covid-19 impulsiona uso de metodologias ativas no ensino a distância [Internet]. Porto Alegre (RS): Desafios da Educação; 2020. [citado em 2021 fev 20]. Disponível em: https://desafiosdaeducacao.grupoa.com.br/ coronavirus-metodologias-ativas/.

19. Allen IE, Seaman J. Digital Compass Learning: Distance Education Enrollment Report. 1a ed. Boston: Babson Survey Research Group; 2017.

20. Henrique T. COVID-19 e a internet (ou estou em isolamento social físico). Interfaces Cient Hum Soc. 2020;8(3):173-76.

21. Fundação Oswaldo Cruz. Covid-19: ONU e OMS pedem medidas firmes contra fake news [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz; 2020. [citado em 2021 fev. 9]. Disponível em: https://www.bio.fiocruz.br/index.php/br/noticias/1996covid-19-onu-e-oms-pedem-medidas-firmes-contra-fake-news.

22. Brofman PR. A importância das publicações científicas. Cogitare Enferm. 2012;17(3):419-21.

Recebido: 12.3.2021. Aprovado: 20.9.2022.

283 v. 45, n. 4, p. 273-283 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

RELATO DE EXPERIÊNCIA

ESPAÇO ESTAMIRA: EXPERIÊNCIA INOVADORA EM EDUCAÇÃO PERMANENTE COM RESIDENTES DE SAÚDE MENTAL

Millena Raianny Xavier da Silvaa

https://orcid.org/0000-0002-5163-1844

Anna de Cássia Pessoa de Limab

https://orcid.org/0000-0001-7427-0546

Ana Lúcia da Silva Lirac

https://orcid.org/0000-0003-0889-4881

Carolina Alves Barbosa de Souzad

https://orcid.org/0000-0003-3748-4590

Israel Braz Nunes dos Santose

https://orcid.org/0000-0002-8611-1929

Nataly Regina da Silvaf

https://orcid.org/0000-0002-2376-9096

Resumo

Os processos de trabalho em equipes multiprofissionais são permeados de desafios. A Educação Permanente em Saúde é uma estratégia que visa transformar práticas em saúde nos âmbitos de ensino-aprendizagem, gestão, cuidado e controle social. Este artigo é um relato de experiência sobre o Espaço Estamira, projeto criado com o objetivo de implementar, em um programa de residência multiprofissional em saúde mental,

a Psicóloga. Especialista em Saúde Mental na Rede de Atenção Psicossocial. Pós-graduada em Psicologia Aplicada à Educação. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: millenaraiannyxavier@gmail.com

b Psicóloga. Especialista em Saúde Mental na Rede de Atenção Psicossocial. Especialista em Gestalt-terapia. Residente Multiprofissional em Saúde da Família. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: annadecassia@gmail.com

c Assistente Social. Especialista em Saúde Mental na Rede de Atenção Psicossocial. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: analucia.lira9@outlook.com

d Assistente Social. Especialista em Saúde Mental na Rede de Atenção Psicossocial. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: carolina.absouza@hotmail.com

e Assistente Social. Especialista em Saúde Mental na Rede de Atenção Psicossocial. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: israelbraz@outlook.com

f Enfermeira. Especialista em Saúde Mental na Rede de Atenção Psicossocial. Especialista em Saúde Pública e da Família. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: nataly.regina@gmail.com

Endereço para correspondência: Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (Segtes). Rua Alfredo de Medeiros, n. 71, bairro Espinheiro. Recife, Pernambuco, Brasil. CEP 52021-030. E-mail: millenaraiannyxavier@gmail.com

284 284
DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n4.a3382

um espaço formativo institucional onde os residentes pudessem intensificar o processo de ensino e aprendizagem em serviço de forma colaborativa, horizontal e autogerida, além de fortalecer a criação de vínculos e a qualificação do processo de trabalho. O Espaço Estamira acontece um turno por semana, com encontros para discussões de caso e supervisão compartilhada, discussão de textos, cinedebate, autocuidado e autogestão. Ficou evidente que entre os principais resultados do Espaço Estamira está a mudança de olhares e posturas em serviço das/os residentes, aprimorando a prática profissional e as intervenções em saúde mental. Também houve o estímulo à propagação das reflexões produzidas pelas/os residentes entre as equipes dos serviços em que elas/es atuavam. Concluiu-se que o Espaço Estamira possibilitou às/aos residentes a elaboração de análises críticas acerca dos projetos pedagógicos dos programas de residência, além de se mostrar relevante na construção de práticas profissionais potencializadoras do cuidado, alicerçadas em dimensões teóricometodológicas, políticas e éticas comprometidas com as necessidades das/os usuárias/os do Sistema Único de Saúde (SUS).

Palavras-chave: Educação permanente. Saúde mental. Interdisciplinaridade. Residência em saúde.

ESPAÇO ESTAMIRA: AN INNOVATIVE EXPERIENCE IN CONTINUING EDUCATION WITH MENTAL HEALTH RESIDENTS

Abstract

Multiprofessional working processes are fraught with challenges. Continuing Health Education is a strategy that seeks to transform health practices within teachinglearning, management, care and social control. This article is an experience report on Espaço Estamira, a project created to implement, in a multiprofessional residency program in mental health, an institutional formative space where residents could their in-service training in a collaborative, horizontal, and self-managed manner, as well as strengthen the creation of bonds and qualify the working process. Espaço Estamira takes place one shift a week, with meetings for case discussions and shared supervision, texts discussions, cinema debate, self-care and self-management. Results shows that Espaço Estamira contributed greatly to changes in the residents’ in-service perspectives and attitudes, improving professional practice and mental health interventions. Moreover, residents were encouraged to disseminate their reflections among their teams. In conclusion, Espaço Estamira enabled residents to elaborate critical analysis regarding pedagogical projects from residency programs, and proved to be

285 v. 45, n. 4, p. 284-296 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

relevant for developing professional practices that potentialize care, grounded on theoreticalmethodological, political, and ethical dimensions committed to meet SUS users’ needs.

Keywords: Education. Mental health. Interdisciplinarity. Residency in health.

ESPACIO ESTAMIRA: INNOVADORA EXPERIENCIA EN EDUCACIÓN

PERMANENTE CON RESIDENTES DE SALUD MENTAL

Resumen

Los procesos de trabajo en equipos multiprofesionales están impregnados de desafíos. La Educación Permanente en Salud es una estrategia que tiene como objetivo transformar las prácticas de salud en el ámbito de enseñanza-aprendizaje, gestión, cuidado y control social. Este artículo es un reporte de experiencia sobre el Espacio Estamira, un proyecto creado con el objetivo de implementar, en un programa de residencia multiprofesional en salud mental, un espacio de formación institucional donde los residentes pudieran intensificar el proceso de enseñanza y aprendizaje en servicio que sea colaborativo, horizontal y autogestionado, además de fortalecer la creación de vínculos y capacitación del proceso de trabajo. Espaço Estamira ocurre un turno por semana con reuniones para discusión de casos y supervisión compartida, discusión de texto, debate cinematográfico, autocuidado y autogestión. Se evidenció que uno de los principales resultados de este espacio es el cambio de miradas y actitudes en el servicio de las/los residentes, mejorando la práctica profesional y las intervenciones de salud mental. También se incentivó las reflexiones producidas entre ellas/ellos con los equipos de los servicios de salud por los cuales han pasado. Se concluyó que el Espaço Estamira les permitió a las/ los residentes desarrollar análisis críticos sobre los proyectos pedagógicos de los programas de residencia, además de ser relevante en la construcción de prácticas profesionales que potencien el cuidado, basadas en dimensiones teórico-metodológicas, políticas y éticas comprometidas con las necesidades de las/los usuarias/os del Sistema Único de Salud (SUS).

Palabras clave: Educación permanente. Salud mental. Interdisciplinariedad. Residencia en salud.

INTRODUÇÃO

A saúde mental é um campo de atuação complexo e multifatorial que, com base no trabalho interprofissional, envolve a participação de diversos atores e deve ter em vista a garantia dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), da reforma psiquiátrica brasileira e da

286

Política Nacional de Saúde Mental, bem como fortalecer a perspectiva da redução de danos, buscando um cuidado em saúde cada vez mais integral e humanizado, principalmente diante das tantas ameaças sofridas por essa área na atual conjuntura.

Ao longo do processo de transição do modelo biomédico de cuidado em saúde mental para o modelo psicossocial, foi evidenciada a necessidade de fomentar discussões sobre a prática multiprofissional, a complexidade clínica e o processo de trabalho¹. Nesse cenário, o investimento na produção de saberes convergentes com esse contexto se fez pertinente não apenas para o processo de trabalho, como também para a oferta de cuidado2.

A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, instituída pela Portaria 198/2004 do Ministério da Saúde, é um reflexo desse movimento de reorganização do sistema de saúde brasileiro e das reflexões críticas construídas dentro do SUS, deixando explícita a necessidade de “articular e estimular a transformação das práticas de saúde e de educação na saúde”3:2. De acordo com Ceccim4, podemos entender a Educação Permanente em Saúde (EPS) como um “processo educativo que coloca o cotidiano do trabalho – ou da formação –em saúde em análise, que se permeabiliza pelas relações concretas que operam realidades e que possibilita construir espaços coletivos para a reflexão e avaliação de sentido dos atos produzidos no cotidiano”4:161.

O termo Educação Permanente em Saúde surgiu pela primeira vez na década de 1980, por meio do Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanos da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). A Opas diferenciou os termos educação permanente e educação continuada, pois acredita que o primeiro seja mais abrangente, embora na comunidade científica não haja um consenso a esse respeito5,6. A Educação Permanente em Saúde foi concebida em um contexto no qual era crescente o fortalecimento do neoliberalismo e o desmoronamento do modelo fordista/taylorista, o que repercutiu na educação dos trabalhadores. Portanto, baseando-se no modelo toyotista, a Opas construiu um novo conceito pedagógico em que o trabalhador passou a ter maior engajamento no seu processo de produção da saúde, superando o modelo fragmentado, repetitivo e desumanizado do sistema fordista/taylorista7

No Brasil, com a criação da Constituição Federal de 1988 – em seu artigo 200 –e o surgimento do SUS, foi estabelecido que era competência do poder público ordenar a formação de recursos humanos na área da saúde, tornando-se um fator essencial para o processo de consolidação da reforma sanitária8. Outro acontecimento importante foi a implantação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (Pnesp) em 2004, por meio da Portaria 198, na qual o Ministério da Saúde regulamenta a responsabilidade de ser o ordenador da formação de seus recursos humanos3.

287 v. 45, n. 4, p. 284-296 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

A Educação Permanente em Saúde se conjectura enquanto processo que visa transformar práticas em saúde e não prescinde de considerar os processos de trabalho como um todo integrado, que se articula nos âmbitos de ensino-aprendizagem, gestão, cuidado e controle social. Pensar em uma perspectiva de Educação Permanente em Saúde como uma estratégia/instrumento para equacionar as demandas concretas postas no cotidiano de trabalho é considerar que os sujeitos envolvidos no processo – usuários, profissionais de saúde e gestores dos serviços – detêm um conhecimento que engloba não só o domínio técnico-científico, mas as próprias vivências e experiências na sua relação com o mundo9

Assim, quando tomamos a Educação Permanente sob o prisma da superação de ações alienadas e imediatistas e focamos na concepção de uma prática que se propõe a construir coletivamente saberes e fazeres em saúde baseados na ação-reflexão-ação e mediados pela crítica, trazemos para a discussão dos processos de trabalho valores e princípios da educação libertária de Paulo Freire, que dialoga com uma perspectiva que confere importância à formação humana, ética, social e cultural10

Dimensionamos que os processos de trabalho em equipe multiprofissional são permeados de desafios que surgem na concretude do cotidiano enquanto empecilhos para um efetivo trabalho em equipe. Faz-se necessário, nesse prisma, fortalecer a potência de agir dos profissionais para, a partir da ação propositiva, articular a superação desses entraves, robustecendo a potencialidade de agir do fazer profissional coletivo, principalmente no âmbito da atenção à saúde. A esse respeito, Almeida e Merhy11 afirmam que é no encontro que os profissionais constroem e reconstroem suas potências de agir. Esses encontros podem ser bons, quando há a composição de ambas as potências de agir, ou maus, quando desse encontro se subtrai a potência do agir do outro. Eles inerentes aos processos de trabalho em equipe e afetam os corpos, gerando paixões tristes ou alegres11

É, pois, na produção de paixões alegres que os processos de trabalho podem se potencializar. A produção e a manutenção do vínculo para além das relações de trabalho facilitam, assim, que o trabalho em equipe seja impulsionador da potência de agir dos trabalhadores. É fundamental para a manutenção de bons encontros que os corpos sejam afetados por paixões alegres e potencializadoras.

As residências multiprofissionais em saúde enquanto estratégia potente da EPS, com foco na formação de profissionais qualificados para atuar na saúde pública, se inserem no bojo das propostas de integração ensino-serviço, desenvolvendo atividades teórico-práticas e práticas supervisionadas nos serviços12.

288

O Programa de Residência Multiprofissional em Rede de Atenção Psicossocial (PRMRAPS), vinculado à Secretaria de Saúde do Recife (Sesau-Recife), foi criado em 2015 e conta com os serviços da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) do município como cenários de prática. O projeto político-pedagógico do programa atualmente conta com uma linha pedagógica que inclui módulos transversais e estratégicos, bem como tutoria de núcleo para algumas categorias profissionais, além da preceptoria de campo. A construção do Espaço Estamira, experiência que será relatada ao longo deste artigo, originou-se da vivência exitosa do módulo Introdução à Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, espaço de encontro semanal para trocas entre os residentes sobre temas que perpassam o campo da saúde mental e inquietações oriundas das experiências em seus cenários de prática. Assim, considerou-se necessário dar prosseguimento a esses encontros.

Nessa perspectiva, este artigo é um relato de experiência sobre o Espaço Estamira, projeto criado com o objetivo de implementar no PRMRAPS um ambiente formativo institucional onde os residentes do primeiro e segundo ano (R1 e R2) pudessem, conjuntamente, consolidar o processo de ensino e aprendizagem em serviço, com discussões teórico-práticas de forma colaborativa, horizontal e autogerida, além de fortalecer a criação de vínculos e qualificação do processo de trabalho.

MATERIAL E MÉTODOS

O projeto Espaço Estamira foi pensado em agosto de 2019, em uma reunião de autogestão entre residentes do primeiro e segundo ano (R1 e R2) do Programa de Residência Multiprofissional em Rede de Atenção Psicossocial da Secretaria de Saúde do Recife, como um espaço de estudos e discussão teórico-prática, mas também de integração e fortalecimento de vínculos. O projeto construído coletivamente foi apresentado à coordenação do programa em setembro de 2019 e aprovado em seguida. Nasceu, dessa forma, o Espaço Estamira, como uma disciplina teórica eletiva autogerida, aberta à participação das/os residentes que tivessem interesse. O nome Estamira foi escolhido em homenagem a Estamira Gomes de Sousa, usuária dos serviços de saúde mental, que teve sua história eternizada em um documentário homônimo, dirigido por Marcos Prado. Sua primeira reunião aconteceu em outubro de 2019. O produto avaliativo da disciplina é o registro dos encontros e das discussões teórico-práticas, bem como a frequência registrada em ata, cuja regularidade em pelo menos 85% dos encontros é necessária para aprovação.

O Espaço Estamira acontece um turno por semana, em dias e locais predefinidos. O último encontro de cada mês é sempre destinado para a atividade de autogestão, na qual

289 v. 45, n. 4, p. 284-296 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

ocorre a construção do calendário do mês seguinte, definindo-se teor e local de cada encontro semanal, bem como temas e textos a serem usados nas discussões.

A construção do calendário acontece de acordo com as demandas internas das/ os residentes, especificando a atividade desenvolvida no espaço em cada semana, intercalando discussões de caso e supervisão compartilhada, discussão de textos, cinedebate, autocuidado e autogestão. Cada uma dessas atividades será detalhada a seguir.

A discussão de casos é um espaço para que as/os residentes compartilhem as experiências de campo e os casos que estão acompanhando em seus cenários de prática que lhes trouxeram dúvidas, reflexões e/ou inquietações. O espaço de supervisão compartilhada, por sua vez, é a realização de supervisão desses casos apresentados pelo grupo. Ele ocorre a partir de reflexões embasadas nas teorias e nas diretrizes das políticas públicas relacionadas ao campo, estimulando a reflexão conjunta acerca de questões relativas às atribuições das/os residentes nos serviços, bem como estratégias de manejo das situações discutidas.

A discussão de textos se caracteriza por encontros teóricos acerca de temas pertinentes à atuação na saúde pública, na atenção psicossocial, na defesa da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial ou como suporte para discussão de casos. O cinedebate tem a função de usar a arte e a cultura para estimular a discussão sobre uma temática considerada necessária para a formação em saúde mental. Por fim, mas não menos importante, há o autocuidado, espaço reservado para encontros e vivências planejados para o desempenho de atividades de lazer, que objetivem o cuidado individual, o bem-estar coletivo e a promoção de saúde mental – imprescindível num cenário em que há grandes índices de adoecimento mental entre residentes em saúde13.

RESULTADOS

Durante o primeiro ano de existência do Espaço Estamira, foram trabalhadas diversas temáticas, tendo como primeiro tema escolhido, em outubro de 2019, o racismo.

De acordo com o planejamento da autogestão, na primeira semana do mês aconteceu a discussão do livro de Frantz Fanon, intitulado Peles Negras, Máscaras Brancas.

Em seguida, houve um cinedebate com o filme Preciosa – uma história de esperança, de 2009, que aborda o racismo, entre outros tipos de violência sofrida pela protagonista. Na semana seguinte, foi realizada discussão e supervisão de casos reais envolvendo racismo, que estavam sendo acompanhados pelas/os residentes nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) em que realizavam seus rodízios. Por fim, no encerramento do mês houve a atividade de autocuidado.

290

Outros temas trabalhados no Espaço Estamira, seguindo a mesma formatação como exemplificado, foram: violência contra a mulher (novembro de 2019); organização e recepção dos residentes do primeiro ano (fevereiro de 2020), quando foi construída uma experiência sensorial que refletia a realidade do Hospital Colônia de Barbacena, tomando como base a leitura do livro Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex; psicopatologias (maio e junho e 2020); projeto terapêutico singular (julho de 2020); sistema de garantia de direitos (agosto de 2020); atenção à saúde e direitos da população em situação de rua (setembro de 2020); e processos de trabalho (outubro de 2020). Durante os meses de dezembro de 2019 e janeiro de 2020 se deu o período de férias anuais e nos meses de março e abril de 2020 não houve encontros devido à pandemia de covid-19. A partir de maio os encontros aconteceram de forma remota, por meio de videoconferências. Os momentos de autocuidado também se mostraram de grande relevância nessa experiência. Foram realizadas rodas de terapia comunitária, técnicas de automassagem, mandalas de sentimentos, jogos, piqueniques, passeios em parques, comemoração de aniversários, entre outras atividades lúdicas. Com o advento da pandemia e a impossibilidade de encontros presenciais, o autocuidado teve de ser pensado a partir de metodologias que se adaptassem ao momento de distanciamento social.

Foi notável o esforço das/os residentes em levar adiante esse importante espaço conquistado, mesmo nessa conjuntura adversa. Assim, foram utilizados dispositivos online para jogos em grupo e para promover trocas afetivas e promoção de saúde mental. O espaço se mostrou muito potente para o fortalecimento desses profissionais de saúde, que em suas trajetórias de formação na modalidade residência se depararam com o contexto da pandemia de covid-19, o que acarretou impactos sobre a prática profissional.

Os principais resultados do Espaço Estamira foram sentidos pelas/os residentes durante o próprio processo. Houve muitos relatos ao longo dos encontros sobre como as discussões teóricas em grupo estavam mudando os olhares e as posturas no serviço, dando mais robustez à prática profissional e às intervenções em saúde mental. O Estamira também estimulou a extensão das reflexões para as equipes dos serviços em que essas/es residentes atuavam, levando questionamentos, debates teóricos e olhar crítico para discussões em grupo. Dessa forma, o projeto proporcionou espaços de educação permanente não só dentro da residência, mas também dentro dos serviços de saúde, que na maioria das vezes têm uma grande demanda que impossibilita as/os trabalhadoras/es de refletirem sobre suas ações. Por isso, elas/es consideraram muito pertinentes e enriquecedoras as discussões levantadas pelas/os residentes no cotidiano de trabalho.

291 v. 45, n. 4, p. 284-296 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

DISCUSSÃO

Nesse contexto, cabe destacar que o Espaço Estamira conseguiu se alicerçar no fomento da Educação Permanente, fortalecendo a dimensão da cidadania. O projeto considerou o usuário como potência instrumentalizadora de todo o processo de construção de uma práxis que atribuiu importância à dimensão da promoção de saúde, atrelada a uma concepção mais abrangente, entendendo-a como fruto das determinações sociais de saúde que impactam nas condições de vida da população. O esforço das/os residentes nesse espaço de produção coletiva foi de reconstrução da realidade por meio de ações contextualizadas, críticas e engajadoras no cenário dos processos de transformação de práticas e contextos de saúde.

Nesse sentido, o Espaço Estamira enquanto um processo de Educação

Permanente em Saúde possibilitou a qualificação da prática profissional, uma vez que a cada discussão de texto, estudo de caso e atividades culturais, houve o aprimoramento de conhecimentos e estímulo a reflexões críticas sobre a realidade vivenciada, o que reverberou diretamente na atuação dentro dos serviços de saúde, como vislumbrado pela política3, ocasionando a transformação das práticas em saúde. Outro ponto importante de destaque desta experiência foi enxergar a potência do trabalho multiprofissional e interdisciplinar, que foi evidenciado nas discussões de texto e de caso, quando cada profissional residente conseguia identificar as peculiaridades de sua área e, assim, contribuir com a visão integral da saúde. Como afirmaram Dallegrave e Ceccim, “ninguém pode ou consegue seguir igual no encontro-afecção-aprendizagem”14:879

Portanto, é possível considerar que o Espaço Estamira está alinhado à proposta de Projetos Pedagógicos Singulares (PPS) para as residências em saúde, como propõem Dallegrave e Ceccim14, inspirados pelo Programa Nacional de Humanização no SUS, que apresentou o instrumento Projeto Terapêutico Singular (PTS), amplamente utilizado na saúde mental. Eles pontuam que os projetos pedagógicos dos programas de residência em saúde deveriam considerar não apenas o perfil de egresso que desejam formar, mas também as trajetórias individuais de cada residente, as necessidades percebidas em suas formações, os itinerários que eles percorrem pelas práticas e pela rede, as exposições aos usuários e instâncias de controle social em saúde, além de muitas outras possibilidades de cenários de aprendizagem dentro das políticas de saúde. Sendo assim, o projeto pedagógico não pode apresentar rigidez, ele necessita ser fluido e se adaptar às necessidades e singularidades de cada turma, que serão diferentes de acordo com a história dos indivíduos que a compõem e com a conjuntura do espaço-tempo em que estão inseridos. Os autores ressaltam ainda que é de responsabilidade de cada programa o acompanhamento desses itinerários pedagógicos.

292

Dessa forma, a experiência de inovação pedagógica do Espaço Estamira pôde proporcionar importantes subsídios para a defesa de projetos pedagógicos menos rígidos e que se adaptem à realidade de cada turma, evidenciando os bons resultados no quesito de aprendizagem e transformação das práticas, contribuindo para maior qualidade da formação dessas/es profissionais. A construção coletiva e horizontal do conhecimento se mostra mais eficaz que o modelo de educação bancária15, no qual espera-se que haja uma mera transmissão de conhecimentos a partir da figura detentora do saber-poder (professor/a).

Ao contrário, espaços como esse promovem verdadeiros cenários de desaprendizagem 14 , em que os saberes já instituídos são questionados e reorganizados a partir de novas formas de olhar para situações cotidianas.

Apesar de o Estamira ser um espaço com base horizontal, multiprofissional, autogerido, de construção conjunta e acolhimento, não houve adesão maciça dos residentes do primeiro e do segundo ano, participando cerca de 40% do total das duas turmas. Esse cenário pode ser explicado a partir de diversos fatores. O primeiro, evidentemente, é o cenário de pandemia que impossibilitou os encontros presenciais entre residentes, o que pode ter implicado um não fortalecimento do vínculo entre as turmas. A pandemia também causou uma demora na inserção das/os R1 nos cenários de prática, o que pode ter levado à ausência de demandas iniciais para guiá-las/os nas discussões teóricas do espaço e, consequentemente, gerado falta de interesse em participar. Dessa maneira, é preciso lembrar que a maioria das/os residentes são profissionais recém-formadas/os, sem experiências profissionais e sem formação substancial em disciplinas voltadas para a reforma psiquiátrica e para o SUS. Isso pode resultar em uma compreensão limitada do processo de formação do residente no SUS, em que não são compreendidos os processos de trabalhos amplos e fundamentados para uma formação de qualidade em saúde mental e saúde pública, que esteja atrelada aos princípios da reforma psiquiátrica e da reforma sanitária.

Com relação aos R2, alguns fatores podem ser levantados enquanto justificativas para a não participação no Espaço Estamira. A sobrecarga de trabalho e as horas de estudos exigidas na residência, totalizando carga horária semanal de 60 horas, associadas ao tempo e à energia despendidos para construção do Trabalho de Conclusão de Residência (TCR), podem ser dificultadores da participação desse grupo. É possível ainda cogitar que a não adesão ao espaço pode ter sido reflexo de formações profissionais em saúde pautadas principalmente em uma perspectiva biomédica e uniprofissional que afasta os profissionais de saúde no seu exercício profissional de uma atuação multi e interprofissional centrada nos determinantes e nas determinações sociais de saúde.

293 v. 45, n. 4, p. 284-296 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

Ademais, em decorrência da não adesão maciça dos residentes ao Espaço Estamira, percebe-se a fragilidade de manutenção desse espaço para as futuras turmas do programa. Talvez a fragilidade de seguimento dessa experiência esteja intrinsecamente relacionada a um de seus maiores pontos de potência: a formulação do espaço de aprendizagem autogerido, horizontal e de construção coletiva. Isso coloca a existência do Estamira diretamente nas mãos de seus membros e dependente de seu desejo de continuidade ou não.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sobre a construção do Espaço Estamira, é possível ressaltar sua grande contribuição em trazer para o enfoque da saúde mental as interseccionalidades que atravessam a prática profissional em saúde. A experiência demonstrou como a aproximação com tais temáticas transversais ao campo possibilita uma prática profissional potencializadora do cuidado, alicerçada nas dimensões teórico-metodológicas, políticas e éticas do fazer profissional, comprometidas com as necessidades dos usuários do SUS.

Construído a partir da necessidade de fortalecer aspectos que não eram contemplados no programa de residência ao qual se vinculava, o Espaço Estamira possibilitou às/aos residentes reflexões acerca dos projetos pedagógicos dos programas, que devem estar mais próximos dos principais atores desse processo, reconhecendo os perfis dos profissionais que estão formando, bem como as trajetórias individuais de cada residente e os itinerários que seguem na produção teórico-prática, porque essas elucidações dizem respeito a uma formação integral em saúde, entre tantas possibilidades de cenários de aprendizagem significativa. A experiência evidenciou também a existência de singularidades em cada sujeito, que são diferentes de acordo com a trajetória de vida de cada um, mas que não estão dissociadas da conjuntura espaço-temporal em que eles estão inseridos.

A publicização da exitosa experiência de construção e implementação do Espaço Estamira por meio deste artigo tem o intuito de estimular que outros programas de residência em saúde trilhem seus próprios caminhos e itinerários em busca da qualificação da educação permanente a partir de Projetos Pedagógicos Singulares e práticas pedagógicas libertárias. O objetivo é apresentar resistência às tentativas de precarização desse processo formativo que têm surgido nos últimos anos juntamente à conjuntura nacional de desvalorização dos programas de residência em saúde, com a inatividade desde 2019 da Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS) dentro do Ministério da Educação.

294

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Millena Raianny Xavier da Silva, Anna de Cássia Pessoa de Lima, Ana Lúcia da Silva Lira, Carolina Alves Barbosa de Souza, Israel Braz Nunes dos Santos e Nataly Regina da Silva.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Millena Raianny Xavier da Silva, Anna de Cássia Pessoa de Lima, Ana Lúcia da Silva Lira, Carolina Alves Barbosa de Souza, Israel Braz Nunes dos Santos e Nataly Regina da Silva.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Millena Raianny Xavier da Silva.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Millena Raianny Xavier da Silva, Anna de Cássia Pessoa de Lima, Ana Lúcia da Silva Lira, Carolina Alves Barbosa de Souza, Israel Braz Nunes dos Santos e Nataly Regina da Silva.

REFERÊNCIAS

1. Amarante P. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. 2a ed. Rio de Janeiro (RJ): Editora Fiocruz; 2016.

2. Onocko-Campos R, Emerich BF, Ricci EC. Residência multiprofissional em saúde mental: suporte teórico para o percurso formativo. Interface. 2019;23:e170813.

3. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 198/GM, de 13 de fevereiro de 2004. Institui a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde como estratégia do Sistema Único de Saúde para a formação e o desenvolvimento de trabalhadores para o setor e dá outras providências. Brasília (DF); 2004.

4. Ceccim RB. Educação permanente em saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface. 2004;9(16):161-8.

5. Organización Panamericana de la Salud. Educación permanente de personal de salud en la región de las américas. Fascículo I: propuesta de reorientación. Fundamentos. Washington (DC): Ops; 1988. (Serie Desarrollo de recursos humanos; 78).

6. Rovere M. Gestion estratégica de la educacion permanente en salud. In: Haddad J, Roschke MAC, Davini MC, organizadores. Educación permanente de personal de salud. Washington (DC): Organización Panamericana de la Salud; 1994. p. 63-106. (Serie Desarrollo de Recursos Humanos; 100).

7. Schultz TW. O valor econômico da educação. Rio de Janeiro (RJ): Zahar; 1985.

295 v. 45, n. 4, p. 284-296 out./dez. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

8. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília (DF): Presidência da República, 1988.

9. Gadotti M. Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito. 8a ed. São Paulo (SP): Cortez; 1988.

10. Baldissera VDA, Bueno SMV. A educação permanente em saúde e a educação libertária de Paulo Freire. Ciênc Cuid Saúde. 2015;13(2):191-2.

11. Almeida SA, Merhy EE. Micropolítica do trabalho vivo em saúde mental: composição por uma ética antimanicomial em ato. Rev Psicol Polít. 2020;20(47):65-75.

12. Brasil. Ministério da Saúde. Residência multiprofissional em saúde: experiências, avanços e desafios. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006.

13. Carvalho CN, Melo-Filho DA, Carvalho JAG, Amorim, ACG. Prevalência e fatores associados aos transtornos mentais comuns em residentes médicos e da área multiprofissional. J Bras Psiquiatr. 2013;62(1):38-45.

14. Dallegrave D, Ceccim RB. Encontros de aprendizagem e projetos pedagógicos singulares nas residências em saúde. Interface. 2018;22(66): 877-87.

15. Brighente MF, Mesquida P. Paulo Freire: da denúncia da educação bancária ao anúncio de uma pedagogia libertadora. Pro-Posições. 2016;27(1):155-77.

Recebido: 5.4.2021. Aprovado: 20.11.2022.

296

DIRETRIZES PARA AUTORES

A Revista Baiana de Saúde Pública (RBSP), publicação oficial da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), de periodicidade trimestral, publica contribuições sobre aspectos relacionados aos problemas de saúde da população e à organização dos serviços e sistemas de saúde e áreas correlatas. São aceitas para publicação as contribuições escritas preferencialmente em português, de acordo com as normas da RBSP, obedecendo a ordem de aprovação pelos editores. Os trabalhos são avaliados por pares, especialistas nas áreas relacionadas aos temas referidos.

Os manuscritos devem destinar-se exclusivamente à RBSP, não sendo permitida sua apresentação simultânea a outro periódico, tanto no que se refere ao texto como às ilustrações e tabelas, quer na íntegra ou parcialmente. Os artigos publicados serão de propriedade da revista, ficando proibida a reprodução total ou parcial em qualquer meio de divulgação, impresso ou eletrônico, sem a prévia autorização da RBSP. Devem ainda referenciar artigos sobre a temática publicados nesta Revista.

CATEGORIAS ACEITAS:

1 Artigos Temáticos: revisão crítica ou resultado de pesquisa de natureza empírica, experimental ou conceitual sobre um assunto em pauta, definido pelo Conselho Editorial (10 a 20 páginas).

2 Artigos Originais de Tema Livre:

2.1 pesquisa: artigos apresentando resultados finais de pesquisas científicas (10 a 20 páginas);

2.2 ensaios: artigos com análise crítica sobre um tema específico (5 a 8 páginas);

2.3 revisão: artigos com revisão crítica de literatura sobre tema específico, solicitados pelos editores (8 a 15 páginas).

3 Comunicações: informes de pesquisas em andamento, programas e relatórios técnicos (5 a 8 páginas).

4 Teses e dissertações: resumos de dissertações de mestrado e teses de doutorado/ livre docência defendidas e aprovadas em universidades brasileiras (máximo 2 páginas). Os resumos devem ser encaminhados com o título oficial da tese/ dissertação, dia e local da defesa, nome do orientador e local disponível para consulta.

5 Resenha de livros: livros publicados sobre temas de interesse, solicitados pelos editores (1 a 4 páginas).

6 Relato de experiência: apresentando experiências inovadoras (8 a 10 páginas).

7 Carta ao editor: comentários sobre material publicado (2 páginas).

8 Documentos: de órgãos oficiais sobre temas relevantes (8 a 10 páginas).

I I
Revista Baiana de Saúde Pública

EDITORIAL

De responsabilidade dos editores, pode também ser redigido por um convidado, mediante solicitação do editor geral (1 a 3 páginas).

ORIENTAÇÕES AOS AUTORES

ITENS DE VERIFICAÇÃO PARA SUBMISSÃO

Como parte do processo de submissão, os autores são obrigados a verificar a conformidade da submissão em relação a todos os itens listados a seguir. As submissões que não estiverem de acordo com as normas serão devolvidas aos autores.

INSTRUÇÕES GERAIS PARA ENVIO

Os trabalhos a serem apreciados pelos editores e revisores seguirão a ordem de recebimento e deverão obedecer aos seguintes critérios de apresentação:

a) todas as submissões devem ser enviadas por meio do Sistema Eletrônico de Editoração de Revista (SEER). Preenchimento obrigatório dos metadados, sem os quais o artigo não seguirá para avaliação;

b) as páginas do texto devem ser formatadas em espaço 1,5, com margens de 2 cm, fonte Times New Roman, tamanho 12, página padrão A4, numeradas no canto superior direito;

c) os desenhos ou fotografias digitalizadas devem ser encaminhados em arquivos separados;

d) o número máximo de autores por manuscrito científico é de seis (6).

ARTIGOS

Folha de rosto/Metadados: informar o título (com versão em inglês e espanhol), nome(s) do(s) autor(es), principal vinculação institucional de cada autor, órgão(s) financiador(es) e endereço postal e eletrônico de um dos autores para correspondência.

Segunda folha/Metadados: iniciar com o título do trabalho, sem referência a autoria, e acrescentar um resumo de no máximo 200 palavras, com versão em inglês (Abstract) e espanhol (Resumen). Trabalhos em espanhol ou inglês devem também apresentar resumo em português.

Palavras-chave (3 a 5) extraídas do vocabulário DeCS (Descritores em Ciências da Saúde/ www. decs.bvs.br) para os resumos em português e do MESH (Medical Subject Headings/ www.nlm. nih.gov/mesh) para os resumos em inglês.

Terceira folha: título do trabalho sem referência à autoria e início do texto com parágrafos alinhados nas margens direita e esquerda (justificados), observando a sequência: introdução – conter justificativa e citar os objetivos no último parágrafo; material e métodos; resultados, discussão, conclusão ou

II

considerações finais (opcional) e referências. Digitar em página independente os agradecimentos, quando necessários, e as contribuições individuais de cada autor na elaboração do artigo.

RESUMOS

Os resumos devem ser apresentados nas versões português, inglês e espanhol. Devem expor sinteticamente o tema, os objetivos, a metodologia, os principais resultados e as conclusões. Não incluir referências ou informação pessoal.

ILUSTRAÇÕES E TABELAS

Obrigatoriamente, os arquivos das ilustrações (quadros, gráficos, fluxogramas, fotografias, organogramas etc.) e tabelas devem ser encaminhados em arquivo independente; suas páginas não devem ser numeradas. Estes arquivos devem ser compatíveis com o processador de texto “Microsoft Word” (formatos: PICT, TIFF, GIF, BMP).

O número de ilustrações e tabelas deve ser o menor possível. As ilustrações coloridas somente serão publicadas se a fonte de financiamento for especificada pelo autor.

Na seção resultados, as ilustrações e tabelas devem ser numeradas com algarismos arábicos, por ordem de aparecimento no texto, e seu tipo e número destacados em negrito (e.g. “[...] na Tabela 2 as medidas [...]).

No corpo das tabelas, não utilizar linhas verticais nem horizontais; os quadros devem ser fechados.

Os títulos das ilustrações e tabelas devem ser objetivos, situar o leitor sobre o conteúdo e informar a abrangência geográfica e temporal dos dados, segundo Normas de Apresentação Tabular do IBGE (e.g.: Gráfico 2 – Número de casos de aids por região geográfica. Brasil – 1986-1997).

Ilustrações e tabelas reproduzidas de outras fontes já publicadas devem indicar esta condição após o título.

ÉTICA EM PESQUISA

Trabalho que resulte de pesquisa envolvendo seres humanos ou outros animais deve vir acompanhado de cópia escaneada de documento que ateste sua aprovação prévia por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), além da referência na seção Material e Métodos.

REFERÊNCIAS

Preferencialmente, qualquer tipo de trabalho encaminhado (exceto artigo de revisão) deverá listar até 30 fontes.

III

As referências no corpo do texto deverão ser numeradas em sobrescrito, consecutivamente, na ordem em que sejam mencionadas a primeira vez no texto.

As notas explicativas são permitidas, desde que em pequeno número, e devem ser ordenadas por letras minúsculas em sobrescrito. As referências devem aparecer no final do trabalho, listadas pela ordem de citação, alinhadas apenas à esquerda da página, seguindo as regras propostas pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (Requisitos Uniformes para Manuscritos apresentados a periódicos biomédicos/Vancouver), disponíveis em http://www.icmje.org ou http://www.abeceditores.com.br.

Quando os autores forem mais de seis, indicar apenas os seis primeiros, acrescentando a expressão et al.

Exemplos:

a) LIVRO

Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales.

2ª ed. Washington (DC): Organizacion Panamericana de la Salud; 1989.

b) CAPÍTULO DE LIVRO

Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68.

c) ARTIGO

Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Hum Biol. 1982;54:329-41.

d) TESE E DISSERTAÇÃO

Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 1997.

e) RESUMO PUBLICADO EM ANAIS DE CONGRESSO

Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1α (IL-1α). In: Anais do 30º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p. 272.

f) DOCUMENTOS EXTRAÍDOS DE ENDEREÇO DA INTERNET

Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Regimento Interno da Coreme. Extraído de [http://www.hupes. ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001].

IV

Não incluir nas Referências material não publicado ou informação pessoal. Nestes casos, assinalar no texto: (i) Antunes Filho FF, Costa SD: dados não publicados; ou (ii) Silva JA: comunicação pessoal, 1997. Todavia, se o trabalho citado foi aceito para publicação, incluí-lo entre as referências, citando os registros de identificação necessários (autores, título do trabalho ou livro e periódico ou editora), seguido da expressão latina In press e o ano.

Quando o trabalho encaminhado para publicação tiver a forma de relato de investigação epidemiológica, relato de fato histórico, comunicação, resumo de trabalho final de curso de pós-graduação, relatórios técnicos, resenha bibliográfica e carta ao editor, o(s) autor(es) deve(m) utilizar linguagem objetiva e concisa, com informações introdutórias curtas e precisas, delimitando o problema ou a questão objeto da investigação. Seguir as orientações para referências, ilustrações e tabelas.

As contribuições encaminhadas só serão aceitas para apreciação pelos editores e revisores se atenderem às normas da revista.

Endereço para contato:

Revista Baiana de Saúde Pública Centro de Atenção à Saúde (CAS)

Av. Antônio Carlos Magalhães

Parque Bela Vista, Salvador – Bahia – Brasil

CEP 40.280-000

E-mail: rbsp.saude@saude.ba.gov.br

http://rbsp.sesab.ba.gov.br

Endereço para submissão de artigos:

http://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp

V
Revista Baiana de Saúde Pública

GUIDELINES TO THE AUTHORS

The Public Health Journal of Bahia (RBSP), a quarterly official publication of the Health Secretariat of the State of Bahia (Sesab), publishes contributions on aspects related to population’s health problems, health system services and related areas. It accepts for publication written contributions, preferably in Portuguese, according to the RBSP standards, following the order of approval by the editors. Peer experts in the areas related to the topics in question evaluate the papers.

The manuscripts must be exclusively destined to RBSP, not being allowed its simultaneous submission to another periodical, neither of texts nor illustrations and charts, in part or as a whole. The published articles belong to the journal. Thus, the copyright of the article is transferred to the Publisher. Therefore, it is strictly forbidden partial or total copy of the article in the mainstream and electronic media without previous authorization from the RBSP. They must also mention articles about the topics published in this Journal.

ACCEPTED CATEGORIES:

1 Theme articles: critical review or result from empirical, experimental or conceptual research about a current subject defined by the editorial council (10 to 20 pages).

2 Free theme original articles:

2.1 research: articles presenting final results of scientific researches (10 to 20 pages);

2.2 essays: articles with a critical analysis on a specific topic (5 to 8 pages);

2.3 review: articles with a critical review on literature about a specific topic, requested by the editors (8 to 15 pages).

3 Communications: reports on ongoing research, programs and technical reports (5 to 8 pages).

4 Theses and dissertations: abstracts of master degree’ dissertations and doctorate thesis/ licensure papers defended and approved by Brazilian universities (2 pages maximum). The abstracts must be sent with the official title, day and location of the thesis’ defense, name of the counselor and an available place for reference.

5 Book reviews: Books published about topics of current interest, as requested by the editors (1 to 4 pages).

6 Experiments’ report: presenting innovative experiments (8 to 10 pages).

7 Letter to the editor: comments about published material (2 pages).

8 Documents: of official organization about relevant topics (8 to 10 pages).

VI

EDITORIAL

The editors are responsible for the editorial, however a guest might also write it if the general editor asks him/her to do it (1 to 3 pages).

GUIDELINES TO THE AUTHORS

CHECK ITEMS FOR SUBMISSION

As part of the submission process all the authors are supposed to verify the submission guidelines in relation to the items that follow. The submissions that are not in accordance with the rules will be sent back to the authors.

GENERAL INSTRUCTIONS FOR SENDING MATERIAL

The editors must evaluate the papers and the revisers will follow the order of receipt and shall abide by the following criteria of submission:

a) all the submissions must be made by the publisher online submission system (SEER). The metadata must be filled in. Failure to do so will result in the nonevaluation of the article;

b) the text pages must be formatted in 1.5 spacing, with 2 cm margins, Times New Roman typeface, font size 12, A4 standard page, numbered at top right;

c) drawings and digital pictures will be forwarded in separate files;

d) the maximum number of authors per manuscript is six (6).

ARTICLES

Cover sheet/Metadata: inform the title (with an English and Spanish version), name(s) of the author(s), main institutional connection of each author, funding organization(s) and postal and electronic address of one of authors for correspondence.

Second page/Metadata: Start with the paper’s title, without reference to authorship and add an abstract of up to 200 words, followed with English (Abstracts) and Spanish (Resumen) versions. Spanish and English papers must also present an abstract in Portuguese. Keywords (3 to 5) extracted from DeCS (Health Science Descriptors at www.decs.bvs.br) for the abstracts in Portuguese and from MESH (Medical Subject Headings at www.nlm.nih.gov/mesh) for the abstracts in English.

Third page: paper’s title without reference to authorship and beginning of the text with paragraphs aligned to both right and left margins (justified), observing the following sequence: introduction –containing justification and mentioning the objectives in the last paragraph; material and methods; results, discussion, conclusion or final considerations (optional) and references. Type in the acknowledgement on an independent page whenever necessary, and the individual contribution of each author when elaborating the article.

VII
Revista Baiana de Saúde Pública

ABSTRACTS

The abstracts must be presented in the Portuguese, English and Spanish versions. They must synthetically expose the topic, objectives, methodology, main results and conclusions. It must not include personal references or information.

ILLUSTRATIONS AND TABLES

The files of the illustrations (charts, graphs, flowcharts, photographs, organization charts etc.) and tables must forcibly be independent; their pages must not be numbered. These files must be compatible with “Microsoft Word” word processor (formats: PICT, TIFF, GIF, BMP).

Colored illustration will only be published if the author specifies the funding source.

On the results section illustrations and tables must be numbered with Arabic numerals, ordered by appearance in the text, and its type and number must be highlighted in bold (e.g. “[...] on Table 2 the measures […]).

On the body of tables use neither vertical nor horizontal lines; the charts must be framed.

The titles of the illustrations and tables must be objective, contextualize the reader about the content and inform the geographical and time scope of the data, according to the Tabular Presentation Norms of IBGE (e.g.: Graph 2 – Number of Aids cases by geographical region. Brazil – 1986-1997).

Illustrations and tables reproduced from already published sources must have this condition informed after the title.

RESEARCH ETHICS

Paper that results from research involving human beings or other animals must be followed by a scanned document, which attests its previous approval by a Research Ethic Committee (REC), in addition to the reference at the Material and Methods Section.

REFERENCES

Preferably, any kind of paper sent (except review article) must list up to 30 sources.

The references in the body of the text must be consecutively numbered in superscript, in the order that they are mentioned for the first time.

Explanatory notes are allowed, provided that in small number and low case letters in superscript must order them.

VIII

References must appear at the end of the work, listed by order of appearance, aligned only to the left of the page, following the rules proposed by the International Committee of Medical Journal Editors (Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals/ Vancouver), available at http://www.icmje.org or http://www.abec-editores.com.br.

When there are more than six authors, indicate only the first six, adding the expression et al.

Examples:

a) BOOK

Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2ª ed. Washington (DC): Organizacion Panamericana de la Salud; 1989.

b) BOOK CHAPTER

Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68.

c) ARTICLE

Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Hum Biol. 1982;54:329-41.

d) THESIS AND DISSERTATION

Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 1997.

e) ABSTRACT PUBLISHED IN CONFERENCE ANNALS

Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1α (IL-α). In: Anais do 30º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p. 272.

f) DOCUMENTS OBTAINED FROM INTERNET ADDRESS

Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Regimento Interno da Coreme. Extraído de [http://www. hupes. ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001].

Do not include unpublished material or personal information in the References. In such cases, indicate it in the text: (i) Antunes Filho FF, Costa SD: unpublished data; or Silva JA: personal communication, 1997. However, if the mentioned material was accepted for publication, include it in the references, mentioning the required identification entries (authors, title of the

IX
Revista Baiana de Saúde Pública

paper or book and periodical or editor), followed by the Latin expression In press, and the year.

When the paper directed to publication have the format of an epidemiological research report, historical fact report, communication, abstract of post-graduate studies’ final paper, technical report, bibliographic report and letter to the editor, the author(s) must use a direct and concise language, with short and precise introductory information, limiting the problem or issue object of the research. Follow the guidelines for the references, illustrations and tables.

The editors and reviewers will only accept the contribution sent for evaluation if they comply with the standards of the journal.

Contact us

Address:

Centro de Atenção à Saúde (CAS)

Av. Antônio Carlos Magalhães

Parque Bela Vista, Salvador – Bahia – Brasil

CEP 40.280-000

E-mail: rbsp.saude@saude.ba.gov.br http://rbsp.sesab.ba.gov.br

To submit an article access: http://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp

X

DIRECTRIZES PARA LOS AUTORES

La Revista Baiana de Salud Pública (RBSP), publicación oficial de la Secretaria de la Salud del Estado de la Bahia (Sesab), de periodicidad trimestral, publica contribuciones sobre aspectos relacionados a los problemas de salud de la población y a la organización de los servicios y sistemas de salud y áreas correlatas. Son aceptas para publicación las contribuciones escritas preferencialmente en portugués, de acuerdo con las normas de la RBSP, obedeciendo la orden de aprobación por los editores. Los trabajos son evaluados por pares, especialistas en las áreas relacionadas a los temas referidos.

Los manuscritos deben destinarse exclusivamente a la RBSP, no siendo permitida su presentación simultánea a otro periódico, tanto en lo que se refiere al texto como a las ilustraciones y tablas, sea en la íntegra o parcialmente. Los artículos publicados serán de propiedad de la revista, quedando prohibida la reproducción total o parcial en cualquier soporte (impreso o electrónico), sin la previa autorización de la RBSP. Deben, también, hacer referencia a artículos sobre la temática publicados en esta Revista.

CATEGORÍAS ACEPTAS:

1 Artículos Temáticos: revisión crítica o resultado de investigación de naturaleza empírica, experimental o conceptual sobre un asunto en pauta, definido por el Consejo Editorial (10 a 20 hojas).

2 Artículos originales de tema libre:

2.1 investigación: artículos presentando resultados finales de investigaciones científicas (10 a 20 hojas);

2.2 ensayos: artículos con análisis crítica sobre un tema específico (5 a 8 hojas);

2.3 revisión: artículos con revisión crítica de literatura sobre tema específico, solicitados por los editores (8 a 15 hojas).

3 Comunicaciones: informes de investigaciones en andamiento, programas e informes técnicos (5 a 8 hojas).

4 Tesis y disertaciones: resúmenes de tesis de maestría y tesis de doctorado/ libre docencia defendidas y aprobadas en universidades brasileñas (máximo 2 hojas). Los resúmenes deben ser encaminados con el título oficial de la tesis, día y local de la defensa, nombre del orientador y local disponible para consulta.

5 Reseña de libros: libros publicados sobre temas de interés, solicitados por los editores (1 a 4 hojas).

6 Relato de experiencias: presentando experiencias innovadoras (8 a 10 hojas).

7 Carta al editor: comentarios sobre material publicado (2 hojas).

8 Documentos: de organismos oficiales sobre temas relevantes (8 a 10 hojas).

XI
Revista Baiana de Saúde Pública

EDITORIAL

De responsabilidad de los editores, también puede ser redactado por un invitado, mediante solicitación del editor general (1 a 3 páginas).

ORIENTACIONES A LOS AUTORES

ITEM DE VERIFICACIÓN PARA SUMISIÓN

Como parte del proceso de sumisión, los autores son obligados a verificar la conformidad de la sumisión en relación a todos los item descritos a seguir. Las sumisiones que no estén de acuerdo con las normas serán devueltas a los autores.

INSTRUCCIONES GENERALES PARA ENVIO

Los trabajos apreciados por los editores y revisores seguirán la orden de recibimiento y deberán obedecer a los siguientes criterios de presentación:

a) todos los trabajos deben ser enviados a través del Sistema de Publicación Electrónica de Revista (SEER). Completar obligatoriamente los metadatos, sin los cuales el artículo no será encaminado para evaluación;

b) las páginas deben ser formateadas en espacio 1,5, con márgenes de 2 cm, fuente Times New Roman, tamaño 12, página patrón A4, numeradas en el lado superior derecho;

c) los diseños o fotografías digitalizadas serán encaminadas en archivos separados;

d) el número máximo de autores por manuscrito científico es de seis (6).

ARTÍCULOS

Página de capa/Metadatos: informar el título (con versión en inglés y español), nombre(s) del(los) autor(es), principal vinculación institucional de cada autor, órgano(s) financiador(es) y dirección postal y electrónica de uno de los autores para correspondencia.

Segunda página/Metadatos: iniciada con el título del trabajo, sin referencia a la autoría, y agregar un resumen de 200 palabras como máximo, con versión en inglés (Abstract) y español (Resumen). Trabajos en español o inglés deben también presentar resumen en portugués. Palabras clave (3 a 5) extraídas del vocabulario DeCS (Descritores en Ciências da Saúde/ www. decs.bvs.br) para los resúmenes en portugués y del MESH (Medical Subject Headings/ www. nlm.nih.gov/mesh) para los resúmenes en inglés.

Tercera página: título del trabajo sin referencia a la autoría e inicio del texto con parágrafos alineados en las márgenes derecha e izquierda (justificados), observando la secuencia: introducción – contener justificativa y citar los objetivos en el último parágrafo; material y métodos; resultados, discusión, conclusión o consideraciones finales (opcional) y referencias. Digitar en página independiente los agradecimientos, cuando sean necesarios, y las contribuciones individuales de cada autor en la elaboración del artículo.

XII

RESÚMENES

Los resúmenes deben ser presentados en las versiones portugués, inglés y español. Deben exponer sintéticamente el tema, los objetivos, la metodología, los principales resultados y las conclusiones. No incluir referencias o información personal.

ILUSTRACIONES Y TABLAS

Obligatoriamente, los archivos de las ilustraciones (cuadros, gráficos, diagrama de flujo, fotografías, organigramas etc.) y tablas deben ser independientes; sus páginas no deben ser numeradas. Estos archivos deben ser compatibles con el procesador de texto “Microsoft Word” (formatos: PICT, TIFF, GIF, BMP).

El número de ilustraciones y tablas debe ser el menor posible. Las ilustraciones coloridas solamente serán publicadas si la fuente de financiamiento sea especificada por el autor.

En la sección de resultados, las ilustraciones y tablas deben ser enumeradas con numeración arábiga, por orden de aparecimiento en el texto, y su tipo y número destacados en negrita (e.g. “[...] en la Tabla 2 las medidas [...]).

En el cuerpo de las tablas, no utilizar líneas verticales ni horizontales; los cuadros deben estar cerrados.

Los títulos de las ilustraciones y tablas deben ser objetivos, situar al lector sobre el contenido e informar el alcance geográfico y temporal de los datos, según Normas de Presentación de Tablas del IBGE (e.g.: Gráfico 2 – Número de casos de SIDA por región geográfica. Brasil – 1986-1997).

Ilustraciones y tablas reproducidas de otras fuentes ya publicadas deben indicar esta condición después del título.

ÉTICA EN INVESTIGACIÓN

Trabajo resultado de investigación envolviendo seres humanos u otros animales debe venir acompañado con copia escaneada de documento que certifique su aprobación previa por un Comité de Ética en Investigación (CEP), además de la referencia en la sección Material y Métodos.

REFERENCIAS

Preferencialmente, cualquier tipo de trabajo encaminado (excepto artículo de revisión) deberá listar un máximo de 30 fuentes.

XIII

Las referencias en el cuerpo del texto deberán ser enumeradas en sobrescrito, consecutivamente, en el orden en que sean mencionadas la primera vez en el texto.

Las notas explicativas son permitidas, desde que en pequeño número, y deben ser ordenadas por letras minúsculas en sobrescrito.

Las referencias deben aparecer al final del trabajo, listadas en orden de citación, alineadas apenas a la izquierda de la página, siguiendo las reglas propuestas por el Comité Internacional de Editores de Revistas Médicas (Requisitos uniformes para manuscritos presentados a periódicos biomédicos/ Vancouver), disponibles en http://www.icmje.org o http://www.abeceditores. com.br.

Cuando los autores sean más de seis, indicar apenas los seis primeros, añadiendo la expresión et al.

Ejemplos:

a) LIBRO

Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales.

2ª ed. Washington (DC): Organización Panamericana de la Salud; 1989.

b) CAPÍTULO DE LIBRO

Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68.

c) ARTÍCULO

Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Hum Biol. 1982;54:329-41.

d) TESIS Y DISERTACIÓN

Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 1997.

e) RESUMEN PUBLICADO EN ANALES DE CONGRESO

Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1α (IL-1α). In: Anais do 30º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p. 272.

f) DOCUMENTOS EXTRAIDOS DE SITIOS DE LA INTERNET

Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Regimento Interno da Coreme. Extraído de [http://www.hupes. ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001].

XIV

No incluir en las Referencias material no publicado o información personal. En estos casos, indicar en el texto: (i) Antunes Filho FF, Costa SD: datos no publicados; o (ii) Silva JA: comunicación personal, 1997. Sin embargo, si el trabajo citado es acepto para publicación, incluirlo entre las referencias, citando los registros de identificación necesarios (autores, título del trabajo o libro y periódico o editora), seguido de la expresión latina In press y el año.

Cuando el trabajo encaminado para publicación tenga la forma de relato de investigación epidemiológica, relato de hecho histórico, comunicación, resumen de trabajo final de curso de postgraduación, informes técnicos, reseña bibliográfica y carta al editor, el(los) autor(es) debe(n) utilizar lenguaje objetiva y concisa, con informaciones introductorias cortas y precisas, delimitando el problema o la cuestión objeto de la investigación. Seguir las orientaciones para referencias, ilustraciones y tablas.

Las contribuciones encaminadas a los editores y revisores, solo serán aceptadas para apreciación si atienden las normas de la revista.

Dirección para contacto:

Revista Baiana de Saúde Pública Centro de Atenção à Saúde (CAS)

Av. Antônio Carlos Magalhães

Parque Bela Vista, Salvador – Bahia – Brasil

CEP 40.280-000

E-mail: rbsp.saude@saude.ba.gov.br

http://rbsp.sesab.ba.gov.br

Dirección para envío de artículos: http://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp

XV
Revista Baiana de Saúde Pública

SECRETARIA DA SAÚDE DO ESTADO DA BAHIA – SESAB

REVISTA BAIANA DE SAÚDE PÚBLICA – RBSP

Centro de Atenção à Saúde (CAS) – Av. Antônio Carlos Magalhães

Parque Bela Vista, Salvador – Bahia – Brasil

CEP 40.280-000

E-mail: rbsp.saude@saude.ba.gov.br

http://rbsp.sesab.ba.gov.br

Recebemos e agradecemos | Nous avons reçu | We have received

Desejamos receber | Il nous manque | We are in want of

Enviamos em troca | Nou envoyons en enchange | We send you in exchange

Favor devolver este formulário para assegurar a remessa das próximas publicações. Please fill blank and retourn it to us in order to assure the receiving of the next issues. On prie da dévolution de ce formulaire pour étre assuré l’envoi des prochaines publications.

XVI
i

Revista Baiana de Saúde Pública

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE PERFIL, EVOLUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS ÓBITOS POR SUICÍDIO EM IDOSOS NA REGIÃO NORDESTE, BRASIL

FUNCIONALIDADE, SINTOMAS DIVERSOS E QUALIDADE DE VIDA DE PACIENTES SUBMETIDOS À QUIMIOTERAPIA PALIATIVA ACURÁCIA DO VES-13 EM UM AMBULATÓRIO GERIÁTRICO DE REFERÊNCIA

MORTALIDADE MATERNA NA BAHIA: UMA ANÁLISE SOCIODEMOGRÁFICA

COMPORTAMENTO SUICIDA E ANSIEDADE ENTRE USUÁRIOS DE UM CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL NO NORDESTE BRASILEIRO SILENCIOSO E NEGLIGENCIADO: O QUE SE SABE APÓS QUATRO DÉCADAS DO DESCOBRIMENTO DO HTLV-1

EDUCAÇÃO E PROMOÇÃO DA SAÚDE: UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA POTENCIALIZADORA

DO PROTAGONISMO INFANTOJUVENIL NO ENFRENTAMENTO AO AEDES AEGYPTI NÍVEL DE ENTENDIMENTO DOS BRASILEIROS SOBRE AS MEDIDAS DE BIOSSEGURANÇA NO COMBATE À COVID-19

ADOLESCENTES RURAIS: COMPORTAMENTO DE RISCO PARA EXCESSO DE PESO E AUMENTO DA CIRCUNFERÊNCIA DA CINTURA PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO, DE SAÚDE E HÁBITOS DE VIDA DE IDOSOS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE ARTIGO DE REVISÃO

O USO DE FITOTERÁPICOS NO TRATAMENTO DO DIABETES MELLITUS: UMA REVISÃO DA LITERATURA SAÚDE MENTAL DA POPULAÇÃO BRASILEIRA NO CONTEXTO DA COVID-19 (SARS-COV-2): REVISÃO DE LITERATURA

A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER COM DEFICIÊNCIA E SUA INVISIBILIDADE NO ÂMBITO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE INFECÇÃO PELO HPV NA REGIÃO SUL DO BRASIL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA

PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE AS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS DIRECIONADAS À SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA RELATO DE EXPERIÊNCIA RELATO DA IMPLANTAÇÃO DO MATRICIAMENTO EM UM MUNICÍPIO CEARENSE: DOS DESAFIOS ÀS CONQUISTAS REFLEXÕES SOBRE UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE EM SALVADOR (BA)

POR QUE AINDA INSISTO NA TERAPIA COMUNITÁRIA? RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA FORMATIVA E PRÁTICA ADAPTAÇÃO DO PET-SAÚDE NO CONTEXTO DA PANDEMIA E DE ATIVIDADES ONLINE: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

ESPAÇO ESTAMIRA: EXPERIÊNCIA INOVADORA EM EDUCAÇÃO PERMANENTE COM RESIDENTES DE SAÚDE MENTAL

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.