RBSP v. 45 n. 3 (2021)

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i Secretaria da Saúde do Estado da Bahia ISSN 0100-0233 ISSN (online) 2318-2660 Revista Baiana de Saúde Pública v. 45 n. 3 jul./set. 2021

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Rev. baiana saúde pública Salvador v. 45 n. 3 p. 1-312 jul./set. 2021

ISSN: 0100-0233

ISSN (on-line): 2318-2660

Governo do Estado da Bahia Secretaria da Saúde do Estado da Bahia

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Revista Baiana de Saúde Pública / Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. - v. 45, n. 3, p. 1-312 jul./set. 2021Salvador: Se cretaria da Saúde do Estado da Bahia, 2021.

Trimestral.

Publicado também como revista eletrônica.

ISSN 0100-0233

E-ISSN 2318-2660

1. Saúde Pública - Bahia - Periódico. IT

CDU 614 (813.8) (05)

ASOCIADOS CON LA AUTOEVALUACIÓN NEGATIVA DE LA SALUD DE LOS PROFESORES DE EDUCACIÓN BÁSICA

Rose Elizabeth Cabral Barbosa, Giovanni Campos Fonseca, Marta Raquel Mendes Vieira, Tatiana Almeida de Magalhães, Rosângela Ramos Veloso Silva, Desirée Sant’Ana Haikal

À SAÚDE SOBRE ARBOVIROSES 50

KNOWLEDGE OF PRIMARY HEALTH CARE NURSES ABOUT ARBOVIRUSES CONOCIMIENTOS DE LAS ENFERMERAS DE ATENCIÓN PRIMARIA DE SALUD SOBRE LOS ARBOVIRUS

Wesley Alexsander Franco, Bruna dos Reis Santos Machado, Aline Pialarici Teixeira, Ana Paula de Vechi Corrêa, Silvia Carla da Silva André Uehara

CAPACITAÇÃO

TRAINING OF PRIMARY HEALTH CARE PROFESSIONALS: A PATH FOR PROMOTING PHYTOTHERAPY

FORMACIÓN DE PROFESIONALES EN ATENCIÓN PRIMARIA DE SALUD: UNA FORMA DE PROMOCIÓN DE LA FITOTERAPIA

Ana Lúcia Bertarello Zeni, Tereza Cristina Léo Galvão, Otto Rodolfo Sasse

CONSUMO ALIMENTAR DE ESTUDANTES DE NUTRIÇÃO DE UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA

FOOD CONSUMPTION AMONG NUTRITION UNDEGRADUATES FROM A PUBLIC UNIVERSITY

EL CONSUMO DE ALIMENTOS DE LOS ESTUDIANTES DE NUTRICIÓN DE UNA UNIVERSIDAD PÚBLICA

Danila Soares de Oliveira, Daiene Rosa Gomes, Mússio Pirajá Mattos, Gervana Rabêlo Alves, Hudson Manoel Nogueira Campos, Danielle Cristina Guimarães da Silva, Marcos Pereira-Santos

O PROCESSO DE REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE EM UM ESTADO DO NORDESTE BRASILEIRO

REGIONAL HEALTH PLANNING IN NORTHEASTERN BRAZIL

EL PROCESO DE REGIONALIZACIÓN DE LOS SERVICIOS DE SALUD EN UN ESTADO DE LA REGIÓN NORDESTE DE BRASIL

Vick Brito Oliveira, Adriana Falangola Benjamin Bezerra, Keila Silene de Brito e Silva, Islândia Maria Carvalho de Sousa

FRAMINGHAM RISK SCORE AMONG DIABETIC PATIENTS IN THE FAMILY HEALTH STRATEGY PUNTUACIÓN DE RIESGO DE FRAMINGHAM EN PACIENTES DIABÉTICOS DE LA ESTRATEGIA DE SALUD FAMILIAR

Álvaro Luís Müller Fonseca, Rosana Andrade Brito, Ana Isabel Cezário Conceição de Carvalho, Ana Luísa Macedo de Amorim, Beatriz Pinto Andrade Reis, Ariel Gustavo Letti

108

SUMÁRIO | CONTENTS | SUMARIO EDITORIAL | EDITORIAL | EDITORIAL 7 ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE FREE THEMED ORIGINAL ARTICLES ARTÍCULOS ORIGINALES DE TEMAS LIBRES SÍFILIS GESTACIONAL E CONGÊNITA: EVOLUÇÃO E RELAÇÃO COM ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA NO SUL E EXTREMO SUL BAIANO 10 GESTATIONAL AND CONGENITAL SYPHILIS: EVOLUTION AND RELATIONSHIP WITH THE FAMILY HEALTH STRATEGY. IN SOUTHERN BAHIA SÍFILIS GESTACIONAL Y CONGÉNITA: EVOLUCIÓN Y RELACIÓN CON LA ESTRATEGIA DE SALUD FAMILIAR. SUR/EXTREMO SUR DE BAHIA Márcia Maria Santos de Moraes, Mayra da Rocha Santos Freire, Vinicius Nascimento Rufino FATORES ASSOCIADOS À AUTOAVALIAÇÃO NEGATIVA DE SAÚDE ENTRE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA 32 FACTORS ASSOCIATED WITH NEGATIVE SELF-ASSESSED HEALTH AMONG SCHOOL TEACHERS FACTORES
CONHECIMENTO DOS ENFERMEIROS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA
DE PROFISSIONAIS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA
SAÚDE:
CAMINHO PARA A PROMOÇÃO DA FITOTERAPIA 70
EM
UM
92
ESCORE
129
DE RISCO DE FRAMINGHAM EM PACIENTES DIABÉTICOS DA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA

SOROPREVALÊNCIA DE MARCADORES DE TRIAGEM SOROLÓGICA PARA DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS POR TRANSFUSÃO EM DOADORES DE SANGUE EM SERGIPE, BRASIL 145

SEROPREVALENCE OF SEROLOGICAL SCREENING MARKERS FOR TRANSFUSION-TRANSMITTED DISEASES IN BLOOD DONORS IN SERGIPE, BRAZIL SEROPREVALENCIA DE MARCADORES DE CRIBADO SEROLÓGICO PARA ENFERMEDADES TRANSMISIBLES POR TRANSFUSIÓN EN DONANTES DE SANGRE EN SERGIPE, BRASIL

Marco Aurélio de Oliveira Góes, Rafael de Souza Aguiar, Ester Bencz, Vanessa Oliveira Amorim, Íkaro Daniel de Carvalho Barreto, Edivan Rodrigo de Paula Ramos

SAÚDE BUCAL NA GESTAÇÃO: PERCEPÇÕES E PRÁTICAS DA GESTANTE NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

ORAL HEALTH DURING PREGNANCY: PREGNANT WOMEN’S PERCEPTIONS AND PRACTICES IN THE FAMILY HEALTH STRATEGY

SALUD BUCAL EN EL EMBARAZO: PERCEPCIONES Y PRÁCTICAS DE LA EMBARAZADA EN LA ESTRATEGIA SALUD FAMILIAR

Gabriel Bastos Teixeira, Tercia Freire de Melo, Hevilla Pereira de Oliveira, Vanessa Ribeiro da Silva, Italo Emmanoel Silva e Silva, Vanessa Barreiros Gonçalves

ARTIGO DE REVISÃO

REVIEW ARTICLES ARTÍCULOS DE REVISIÓN

161

FACILIDADES, DIFICULDADES E OPORTUNIDADES DO CONTROLE SOCIAL EM SAÚDE PARA A GARANTIA DO ACESSO À SAÚDE 178

FACILITIES, DIFFICULTIES AND OPPORTUNITIES OF SOCIAL CONTROL IN HEALTH TO GUARANTEE ACCESS TO HEALTH

FACILIDADES, DIFICULTADES Y OPORTUNIDADES DEL CONTROL SOCIAL EN SALUD PARA GARANTIZAR EL ACCESO A LA SALUD

Lívia de Souza e Souza, Bianca de Oliveira Araujo, Iraildes Andrade Juliano, Mariana de Oliveira Araujo

TAXA DE MORTALIDADE POR CÂNCER DE COLO DE ÚTERO NA 16ª REGIÃO DE SAÚDE DA PARAÍBA, 2005-2015 197

MORTALITY RATE FROM CERVICAL CANCER IN THE 16TH HEALTH REGION OF PARAÍBA, 2005-2015

TASA DE MORTALIDAD POR CÁNCER DEL CUELLO UTERINO EN LA 16ª REGIÓN DE SALUD DE PARAÍBA, 2005-2015

Gabriela Pereira Batista, Catalina Kiss

PREVALÊNCIA E FATORES ASSOCIADOS À ANEMIA FERROPRIVA ENTRE CRIANÇAS NO BRASIL:

PREVALENCE AND FACTORS ASSOCIATED WITH IRON-DEFICIENCY ANEMIA AMONG CHILDREN IN BRAZIL: A SYSTEMATIC REVIEW AND META-ANALYSIS

PREVALENCIA Y FACTORES ASOCIADOS A LA ANEMIA POR DEFICIENCIA DE HIERRO EN NIÑOS DE BRASIL:

REVISIÓN SISTEMÁTICA Y METAANÁLISIS

Camila Kelen Ferreira Paixão, Daiene Rosa Gomes, Danila Soares de Oliveira, Mússio Pirajá Mattos

DIÁLOGOS SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE: UM OLHAR DA REVISÃO INTEGRATIVA

DIALOGUES ON PUBLIC HEALTH POLICIES: AN INTEGRATIVE REVIEW

DIÁLOGOS SOBRE POLÍTICAS DE SALUD PÚBLICA: UNA VISIÓN DESDE LA REVISIÓN INTEGRADORA

Vânia Maria Pessoa Rodrigues, Themis Cristina Mesquita Soares, Sara Taciana Firmino Bezerra

236

REVISÃO SISTEMÁTICA E METANÁLISE
212

NOTES ON TEMPERATURE MEASUREMENT IN PUBLIC ENVIRONMENTS FOR COVID-19 CONTROL

REFLEXIÓN SOBRE MEDICIÓN DE TEMPERATURA EN AMBIENTES PÚBLICOS PARA EL CONTROL DE COVID-19

Lucilene Assis da Silva Khalil, Gabriel Teixeira Vilela Santos, Daniel Medina Corrêa Santos, Luã Cardoso de Oliveira

RELATO DE EXPERIÊNCIA

EXPERIENCE REPORTS

RELATO DE EXPERIENCIA

MEANINGS AND POTENTIALITIES OF HEALTH EDUCATION FOR THE RATIONAL DRUG UTILIZATION TERRITORIO, SIGNIFICADOS Y POTENCIALIDADES DE LA EDUCACIÓN EN SALUD PARA EL USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS

Hudson Manoel Nogueira Campos, Mussio Pirajá Mattos

PORTFOLIO: REFLECTIONS OF NURSING CARE AND INTERCULTURALITY PORTAFOLIO ACADÉMICO: REFLEXIÓN SOBRE EL CUIDADO DE ENFERMERÍA EN LA INTERCULTURALIDAD

Eduardo Marques Machado, Claudia Maria Gabert Diaz, Liliane Alves Pereira

MENTAL HEALTH CARE MANAGEMENT BY THERAPEUTIC GROUPS AT UNA, BAHIA GESTIÓN DE LA ATENCIÓN EN SALUD MENTAL A TRAVÉS DE GRUPOS TERAPÉUTICOS EN UNA, BAHÍA

Anne Caroline Santos, Thiago Ferreira de Sousa

OPENINGS IN SPACE AND ARCHITECTURES IN TIME: MENTAL HEALTH IN THE TERRITORY ABERTURAS EN EL ESPACIO Y ARQUITECTURAS EN EL TIEMPO: SALUD MENTAL EN EL TERRITORIO

Vatsi Meneghel Danilevicz

DIRETRIZES PARA AUTORES I GUIDELINES FOR AUTHORS DIRECTRIZES PARA AUTORES

ENSAIO ESSAY ENSAYO BREVE REFLEXÃO SOBRE A AFERIÇÃO DE TEMPERATURA EM AMBIENTES PÚBLICOS PARA CONTROLE DA COVID-19 253
BREVE
TERRITÓRIO,
RACIONAL DE MEDICAMENTOS 264 TERRITORY,
SIGNIFICADOS E AS POTENCIALIDADES DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE PARA O USO
PORTFÓLIO ACADÊMICO: REFLEXÃO DO CUIDADO DE ENFERMAGEM EM INTERCULTURALIDADE 276 ACADEMIC
A GESTÃO DO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL POR MEIO DE GRUPOS TERAPÊUTICOS EM UNA (BA) 287
ABERTURAS NO ESPAÇO E ARQUITETURAS NO TEMPO: SAÚDE MENTAL NO TERRITÓRIO 299

Esta edição apresenta contribuições para reflexão de profissionais de saúde, discentes, docentes e gestores, bem como da sociedade em geral, acerca de diversas temáticas relevantes ao nosso Sistema Único de Saúde (SUS) e à saúde da população brasileira.

Neste número, a seção Artigos Originais de Temas Livres traz nove textos com as seguintes temáticas: Sífilis gestacional e congênita: evolução e relação com estratégia saúde da família no sul e extremo sul baiano , que descreve a situação epidemiológica dos casos de sífilis em gestantes e sífilis congênita na região sul/extremo sul baiana e compara a evolução das taxas de detecção dessas doenças com a ampliação da cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF); Fatores associados à autoavaliação negativa de saúde entre professores da educação básica , cujo objetivo é investigar a prevalência e os fatores associados à autoavaliação negativa de saúde entre professores da educação básica; Conhecimento dos enfermeiros da atenção primária à saúde sobre arboviroses , que analisa o conhecimento autorreferido pelos enfermeiros e a atuação nas ações de controle das arboviroses na Atenção Primária à Saúde.

O texto seguinte, Capacitação de profissionais na atenção primária em saúde: um caminho para a promoção da fitoterapia, visa implantar as práticas integrativas e complementares envolvendo plantas medicinais e fitoterápicos na Atenção Básica (AB); o artigo Consumo alimentar de estudantes de nutrição de uma universidade pública objetivou caracterizar o consumo alimentar de estudantes universitários do curso de nutrição de uma universidade pública do Nordeste do Brasil; O processo de regionalização da saúde em um estado do nordeste brasileiro apresenta discussões sobre o processo de regionalização da saúde na Bahia, após a reforma administrativa, com a extinção das diretorias regionais e a criação dos núcleos regionais.

Ainda na seção Artigos Originais de Tema Livre, o estudo Escore de risco de Framingham em pacientes diabéticos da estratégia de saúde da família analisa a prevalência de diabetes mellitus para determinar o risco cardiovascular pelo ERF na Estratégia de Saúde da Família, visando um cuidado integral para a prevenção de DCV; Soroprevalência de marcadores de triagem sorológica para doenças transmissíveis por transfusão em doadores de sangue em Sergipe, Brasil avalia a prevalência e a tendência de descarte das bolsas de sangue por positividade sorológica para doenças transmissíveis por transfusão do hemocentro de Sergipe e Saúde bucal na gestação: percepções e práticas

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Revista Baiana de Saúde Pública

da gestante na estratégia saúde da família, que tem como objetivo analisar percepções e práticas das gestantes que utilizam os serviços de pré-natal de uma Unidade de Saúde da Família (USF) de Itabuna (BA) acerca da saúde bucal durante a gestação, bem como sobre o atendimento odontológico no decorrer do período gestacional.

Esta edição apresenta quatro artigos de revisão: Facilidades, dificuldades e oportunidades do controle social em saúde para a garantia do acesso à saúde, que descreve as facilidades, dificuldades e oportunidades na atuação do controle social para a garantia do acesso à saúde enquanto direito; Taxa de mortalidade por câncer de colo de útero na 16ª região de saúde da Paraíba, 2005-2015, que analisa e discute o comportamento da taxa de mortalidade por CCU na 16ª Região de Saúde entre 2010 e 2015; Prevalência e fatores associados à anemia ferropriva entre crianças no Brasil: revisão sistemática e metanálise, um estudo de revisão sistemática e metanálise baseado nas normas do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) e Diálogos sobre políticas públicas de saúde: um olhar da revisão integrativa, que buscou verificar as evidências científicas no diálogo entre as políticas de saúde do SUS com a política de atenção integral à saúde da mulher e educação em saúde.

Faz parte desta edição o ensaio Breve reflexão sobre a aferição de temperatura em ambientes públicos para controle da covid-19, que tem por objetivo refletir sobre a eficácia da aferição da temperatura em ambientes públicos utilizando termômetro digital com sensor de infravermelho.

Além disso, também compõem esta edição quatro relatos de experiência com as temáticas Território, significados e as potencialidades da educação em saúde para o uso racional de medicamentos , com o objetivo de relatar as potencialidades de uma atividade de educação em saúde para o uso racional de medicamentos; Portfólio acadêmico: reflexão do cuidado de enfermagem em interculturalidade , que reflete sobre a formação intercultural no cuidado em enfermagem a partir da elaboração de um portfólio acadêmico; A gestão do cuidado em saúde mental por meio de grupos terapêuticos em Una (BA) , com o objetivo de analisar o processo do matriciamento na gestão do cuidado em saúde mental no Núcleo Ampliado da Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB) por meio de grupos terapêuticos, como forma de minimizar os problemas psicológicos dos usuários nos serviços públicos de saúde no município de Una (BA) e Aberturas no espaço e arquiteturas no tempo: saúde mental no território , que discute o tema da territorialização do ponto de vista conceitual e aplicado, tendo em vista seu uso no campo da saúde mental, principalmente na atenção primária.

8

Esperamos que este novo número da Revista Baiana de Saúde Pública favoreça o debate sobre a importância do nosso SUS e estimule a produção de novos conhecimentos para gestão e atendimento às necessidades de saúde da população.

Boa leitura!

Lucitania Rocha de Aleluia

https://orcid.org/0000-0001-9901-4768

Editora Executiva da Revista Baiana de Saúde Pública (RBSP)

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ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

SÍFILIS GESTACIONAL E CONGÊNITA: EVOLUÇÃO E RELAÇÃO COM ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA NO SUL E EXTREMO SUL BAIANO

Márcia Maria Santos de Moraesa

https://orcid.org/0000-0001-5344-2337

Mayra da Rocha Santos Freireb

https://orcid.org/0000-0002-7291-7542

Vinicius Nascimento Rufinoc

https://orcid.org/0000-0003-1896-8098

Resumo

Sífilis em gestantes e sífilis congênita representam importantes problemas de saúde pública no Brasil. Este estudo descreve a situação epidemiológica dos casos de sífilis em gestantes e sífilis congênita na região sul/extremo sul baiana e compara a evolução das taxas de detecção dessas doenças com a ampliação da cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF). Este é um estudo observacional e descritivo do período de 2009-2019. Foram analisados municípios agrupados em diferentes portes populacionais e casos analisados, segundo características maternas e assistenciais. Foram correlacionadas taxas de detecção e incidência com a cobertura da Estratégia Saúde da Família utilizando o coeficiente de correlação de postos de Spearman. Os dados foram coletados do Painel de Indicadores Epidemiológicos do Ministério da Saúde. O grupo com população inferior a 20 mil habitantes foi excluído pela precariedade de registros. Foram notificados um total de 3.028 casos de sífilis em gestantes e 1.454 de sífilis congênita, nos 22 municípios selecionados, que formaram três grupos. Todos os grupos apresentaram aumento nas taxas de detecção e incidência e, quando correlacionadas com a cobertura da Estratégia de Saúde da Família, mostraram resultados positivos, a Médica. Doutora em Medicina (Pediatria). Docente Adjunta da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), campus Paulo Freire, Centro de Formação em Ciências da Saúde, Teixeira de Freitas, Bahia, Brasil. E-mail: dra.marciamaria@uol.com.br

b Bacharel em Saúde, Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Teixeira de Freitas, Bahia, Brasil. E-mail: mayrarochas@hotmail.com

c Licenciado em Matemática. Mestre em Modelagem Computacional. Docente Assistente da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), campus Paulo Freire, Instituto de Humanidades, Artes e Ciências, Teixeira de Freitas, Bahia, Brasil.

E-mail: vinicius.rufino@cpf.ufsb.edu.br

Endereço para correspondência: Universidade Federal do Sul da Bahia. Avenida Getúlio Vargas, nº 1732 A, Monte Castelo. Teixeira de Freitas, Bahia, Brasil. CEP: 45996-108. E-mail: dra.marciamaria@uol.com.br

10 10
DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n3.a3466

sendo os mais fortes para o de menor população. Em todos os grupos prevaleceram casos de mulheres jovens, com baixa escolaridade, em sua maioria negras e que realizaram pré-natal, mas com diagnóstico de sífilis primária no terceiro trimestre gestacional. O tratamento da gestante e do parceiro foi inadequado ou não realizado na maioria dos grupos. O desafio atual está em qualificar o pré-natal, controlar desigualdades e barrar a transmissão vertical. Palavras-chave: Sífilis congênita. Assistência pré-natal. Estratégia saúde da família. Perfil epidemiológico. Sistema de informações de agravos de notificação.

GESTATIONAL AND CONGENITAL SYPHILIS: EVOLUTION AND RELATIONSHIP WITH THE FAMILY HEALTH STRATEGY. IN SOUTHERN BAHIA

Abstract

Gestational and congenital syphilis is a serious public health issue in Brazil. This study describes the epidemiological situation of gestational and congenital syphilis cases in southern Bahia, comparing the evolution of the detection rates of these diseases with the expanded coverage of the Family Health Strategy (FHS). An observational and descriptive research was conducted for the period of 2009-2019, in municipalities grouped by population sizes, analyzing cases according to maternal and care characteristics. Detection and incidence rates were correlated with the Family Health Strategy coverage using Spearman’s rank correlation coefficient. Data were collected from the Epidemiological Indicators Panel of the Ministry of Health. The group with a population of less than 20,000 inhabitants was excluded due to poor records. A total of 3028 cases of gestational syphilis and 1454 cases of congenital syphilis were reported in the 22 selected municipalities divided into three groups. All groups presented increased detection and incidence rates and showed positive correlations with the coverage of the Family Health Strategy, stronger for the smallest population. Results show a prevalence of cases involving mostly young black women, with low schooling level, who received prenatal care, with a diagnosis of primary syphilis in the third gestational trimester. Treatment of the pregnant woman and her partner was inadequate or not performed in most groups. The current challenge is to qualify prenatal care, control inequalities, and stop vertical transmission.

Keywords: Congenital syphilis. Prenatal care. Family health strategy. Health profile. Health information systems.

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SÍFILIS GESTACIONAL Y CONGÉNITA: EVOLUCIÓN Y RELACIÓN CON

ESTRATEGIA DE SALUD FAMILIAR. SUR/EXTREMO SUR DE BAHIA

Resumen

LA

Sífilis en gestante y sífilis congénita representan importantes problemas de salud pública en Brasil. Este estudio describe la situación epidemiológica de los casos de sífilis en gestante y sífilis congénita en la región sur/extremo sur de bahía y compara la evolución de las tasas de detección de sífilis en gestante e incidencia de sífilis congénita con la ampliación de la cobertura de la Estrategia Salud de la Familia. Este es un estudio observacional y descriptivo para el periodo de 2009-2019. Municipios agrupados en diferentes portes de poblaciones y casos analizados según características maternas y asistencia. Fueran correlacionadas tasas de detección/incidencia con la cobertura de la Estrategia Salud de la Familia utilizando el coeficiente de correlación de puestos de Spearman. Los datos fueran colectados del Panel de Indicadores Epidemiológicos del Ministerio de la Salud. El grupo con población inferior a 20 mil habitantes fue excluido por la precariedad de registros. Fueran notificados un total de 3028 casos de sífilis en gestante y 1454 de sífilis congénita en los 22 municipios seleccionados que formaran tres grupos.

Todos los grupos presentaran augmento en las tasas de detección/incidencia y, cuando correlacionadas con la cobertura de la salud, mostraran correlaciones positivas, con las más fuertes para el grupo de menor porte poblacional. En todos los grupos prevalecieran casos de mujeres jóvenes, con baja escolaridad, en su mayoría negras, que realizaran prenatal, pero con diagnóstico de sífilis primaria en el tercero trimestre gestacional. El tratamiento de la gestante/ pareja fue inadecuado o no realizado en la mayoría de los grupos. El desafío actual está en cualificar el prenatal, controlar a las desigualdades y interrumpir a la trasmisión vertical.

Palabras clave: Sífilis congénita. Atención prenatal. Estrategia de salud familiar. Perfil epidemiológico. Sistemas de información en salud.

INTRODUÇÃO

A sífilis em gestante (SG) e a sífilis congênita (SC) representam importantes problemas de saúde pública no Brasil. A partir disso, considerando que a SG pode ser devidamente diagnosticada e tratada em tempo oportuno – durante o acompanhamento pré-natal, a partir da realização de testes laboratoriais acessíveis, como os treponêmicos e não-treponêmicos, e medicamento de baixo custo –, evita-se a transmissão vertical. Contudo, o grande desafio é o diagnóstico oportuno da sífilis na gravidez, para o controle da sífilis congênita1.

12

A Rede Cegonha, criada em 2011, constitui uma política potente para institucionalizar e organizar a Rede de Atenção à Saúde Materna e Infantil (Rami), objetivando garantir acesso, acolhimento e resolutividade, reduzindo as taxas de mortalidade infantil, com ênfase no período neonatal e reforçando as ações para combate à sífilis congênita pela inclusão da testagem rápida para sífilis no pré-natal2

A maior oferta de testes diagnósticos para gestantes e seus parceiros vem melhorando a testagem para sífilis, mas ainda não conseguiu cumprir o que preconizam os protocolos do Ministério da Saúde (MS)3. A cobertura de testagem para sífilis (dois testes) passou de 16,9% em 2006 para 41,4% em 2010. Entre 2008 e junho de 2014, observou-se um aumento de 72% no número de testes de sífilis, passando de 0,58 para 1,00 teste por gestante, demonstrando que ainda há déficit quanto à norma preconizada: 2 testes por gestante4

Um estudo de coorte nacional, de base hospitalar, realizado nos anos de 2011 a 2012, mostrou que houve cobertura pré-natal de 98,7% das mulheres; cobertura de testagem para sífilis de 89,1% em um exame e 41,2% em dois exames, com os menores números de teste nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em mulheres não brancas, jovens, de baixa escolaridade e atendidas em serviços públicos5. A maior frequência nessa população traz evidências de que outros fatores estão envolvidos na qualidade da assistência pré-natal no Brasil.

As desigualdades no acesso a testes para HIV e sífilis durante a assistência pré-natal no Brasil foram relatadas em estudo recente, mostrando que, apesar do aumento da cobertura pré-natal, os resultados revelaram desigualdades no acesso às consultas de pré-natal e exames de HIV e sífilis, estando associadas à posição socioeconômica individual. Isso se deu, principalmente, pela educação; por um efeito contextual, representado pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) municipal; e pelo índice de Gini, para a ausência de testes na atenção pré-natal6.

O processo de investigação da sífilis em gestantes se dá na atenção primária, uma vez que esse é o cenário em que o diagnóstico da doença e a assistência pré-natal se desenvolvem. Portanto, a atenção primária é o momento de ocorrência da notificação e investigação do caso7. Nesse sentido, valores elevados para a taxa de incidência da sífilis congênita expressam a má qualidade do pré-natal, visto que a sífilis congênita é um indicador sentinela da qualidade dessa assistência1,3.

Atualmente, a porta de entrada principal para os serviços de saúde, na maioria dos municípios brasileiros, é a Estratégia de Saúde da Família. Dados disponibilizados pelo MS mostram que ocorreu um aumento importante na cobertura da ESF no Brasil. Em 2009, o percentual nacional era de 51,4%, alcançando 64,5% em 2019; enquanto no Nordeste e na Bahia, para os mesmos anos, essas coberturas avançaram de 71,9% e 57% para 81,7% e 75,8%, respectivamente8.

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Não obstante à ampliação de cobertura, estudos que avaliaram uma possível correlação entre incidência da sífilis congênita e em gestante com o percentual de cobertura da ESF nos municípios, não encontraram um melhor controle da transmissão vertical da doença onde a cobertura foi maior, chamando a atenção para outros fatores envolvidos na sua perpetuação e progressão, como a qualidade do pré-natal7,9,10

O cuidado dispensado à gestante pela Estratégia Saúde da Família, que atualmente é a base da atenção primária à saúde no Brasil, precisa aliar a tecnologia existente à assistência de qualidade para a redução da sífilis congênita7.

A Opas, desde 2014, certifica os países que alcançam taxa de incidência de sífilis congênita de 0,5 casos por 1.000 nascidos vivos (NV); cobertura de pré-natal (pelo menos 1 consulta) ≥ 95%; cobertura de testagem para HIV e sífilis em gestantes ≥ 95%; e cobertura de tratamento com penicilina em gestantes com sífilis ≥ 95%4 .

Apesar dos esforços, o Brasil ainda se encontra distante dessa certificação, considerando o progressivo aumento das taxas de sífilis na última década. No período de 2010 a 2018, a taxa de incidência de sífilis congênita aumentou 3,8 vezes, passando de 2,4 para 9,0 casos por mil NV, e a taxa de detecção de sífilis em gestantes aumentou 6,1 vezes, de 3,5 para 21,4 casos por mil NV11.

O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) é o sistema oficial para notificação e investigação de casos de doenças e agravos que constam na lista nacional de doenças de notificação compulsória12. No caso da sífilis, o Sinan apresenta dados fundamentais para a construção de informações que podem subsidiar a gestão dos serviços (principalmente a atenção primária), o acompanhamento e avaliação das ações de controle desse agravo na gestação e a prevenção da transmissão vertical.

A notificação da sífilis em gestantes tornou-se obrigatória em 2005 e é disponibilizada no Sinan desde 2007. No Brasil, no período de 2005 a junho de 2019, foram notificados no Sinan 324.321 casos de sífilis em gestantes, dos quais 21,0% eram residentes na Região Nordeste. A partir de 2017, o período de detecção e classificação da sífilis em gestante foi ampliado, considerando como sífilis em gestantes todos os casos de mulheres diagnosticadas com sífilis durante o pré-natal, parto e/ou puerpério, a fim de diminuir a subnotificação11.

Apesar da obrigatoriedade de notificação, a subnotificação dos casos de sífilis ainda se apresenta como um dos desafios no combate à doença. Um estudo, avaliando os casos de sífilis congênita e materna notificados e não notificados, observou que apenas 6,5% dos casos de sífilis em gestantes e 24,1% dos casos na forma congênita foram notificados13. Em Goiás, uma pesquisa mostrou que, de um total de 3.382 casos de SG diagnosticados, no período de 2009

14

a 2012, apenas 1.622 foram notificados no Sinan, representando um percentual de 52,04% de casos não notificados14.

Em 2014, o Ministério da Saúde lançou o protocolo de investigação de transmissão vertical, com a criação de comitês estaduais e municipais, de natureza intra-institucional, interinstitucional e multiprofissional, visando analisar eventos relacionados a agravos evitáveis e apontar medidas de intervenção para a sua redução na região de abrangência. Espera-se que a investigação aponte possíveis falhas que ocasionaram a transmissão vertical e contribua no aprimoramento das ações assistenciais, de vigilância epidemiológica e de qualificação de políticas públicas voltadas para a redução da transmissão vertical, visando sua eliminação15

A partir desse cenário, o objetivo desse estudo foi descrever a situação epidemiológica da sífilis em gestantes e da sífilis congênita, na região sul e extremo sul da Bahia, por porte populacional, comparando a evolução das taxas de detecção de SG e de incidência para a SC com a ampliação da cobertura da ESF, no período de 2009 a 2019.

MATERIAL E MÉTODOS

Este trabalho se trata de um estudo epidemiológico observacional e descritivo. Os dados foram obtidos do Painel de Indicadores Epidemiológicos do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI). Esse painel apresenta a distribuição municipal de 18 indicadores epidemiológicos e operacionais de sífilis11. Os percentuais de cobertura da ESF foram obtidos da Secretaria de Atenção Primária à Saúde (Saps) – Informação e Gestão da Atenção Básica (e-Gestor AB)8

Foram analisados os casos de SG e SC nos municípios que compõem os Núcleos Regionais de Saúde da região sul e extremo sul da Bahia, no período de 2009 a 2019. Todos os 89 municípios dessas duas regiões foram incluídos no estudo, e se utilizou, como critério de exclusão, a ausência de dados registrados no sistema – a partir de cinco anos ou mais, consecutivos ou intercalados, dentro da série histórica analisada – e localidades sem casos ou silenciosas quanto à presença desses agravos.

Os municípios foram divididos em quatro grupos, conforme número de habitantes, formando quatro categorias populacionais: Grupo Populacional A (GP-A), composto por seis municípios, com população entre 100 mil a 200 mil habitantes; Grupo Populacional B (GP-B), composto por três municípios, com população >50 mil e <100 mil habitantes; Grupo Populacional C (GP-C), para 28 municípios, com população entre 20 mil a 50 mil habitantes e o Grupo Populacional D (GP-D) formado por 52 municípios, com menos de 20 mil habitantes.

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Revista Baiana de Saúde Pública

As variáveis foram selecionadas a partir dos dados disponibilizados no sistema e conforme a relevância para análise do comportamento da sífilis. Para SG avaliou-se: taxa de detecção, faixa etária, escolaridade, raça e cor da pele, idade gestacional e classificação clínica. Para SC: taxa de incidência, faixa etária materna, escolaridade, raça e cor da pele materna, realização de pré-natal, diagnóstico final e esquema de tratamento materno e do parceiro. No período da coleta de dados, o sistema apresentava dados atualizados até 30/6/2020, e foram preliminares para os últimos cinco anos. Para análise da correlação entre a taxa de detecção de SG e taxa de incidência de SC, com o percentual médio de cobertura pela ESF dos grupos populacionais, foi utilizado o coeficiente de correlação de postos de Spearman (ρ de Spearman). Esse coeficiente, cujo valor varia de -1 a 1, é utilizado para avaliar relações monótonas, sejam elas lineares ou não; quanto maior a sua magnitude, mais próximas estão as variáveis de serem funções monótonas perfeitas uma da outra. A análise dos dados foi feita utilizando os softwares Microsoft Office Excel 2016 e IBM SPSS Statistics.

Considerando o acesso público do sistema, essa pesquisa não foi apreciada por um Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos, não deixando de observar os preceitos éticos de qualquer pesquisa.

RESULTADOS

Dos 89 municípios que fazem parte das duas regiões de saúde estudadas, 67 foram excluídos por falta de registros por mais de cinco anos, no Sinan, o que ocasionou a exclusão de todo o Grupo GP-D, 14 municípios do grupo GP-C e um município do GP-B. A partir disso, foram analisados os números relacionados aos casos de SG e SC de 14 municípios do grupo GP-C, dois do grupo GP-B e seis do grupo GP-A, perfazendo um total de 22 municípios estudados. Entre 2009 e 2019, foram notificados 3.028 casos de SG e 1.454 casos de SC nesses 22 municípios. O GP-A notificou 1.895 casos de SG e 992 de SC, o GP-B 198 para SG e 78 casos de SC e o GP-C 935 casos de SG e 384 para SC.

Todos os três grupos populacionais apresentaram aumento substancial nas taxas de detecção de SG e incidência de SC no período estudado (Tabela 1). No GP-A, a taxa de detecção de SG, que era de 5,6 casos por 1000 NV em 2009, chegou a 21,1 casos por 1000 NV em 2018. O GP-C apresentou os maiores aumentos na taxa de detecção de SG, a partir de 2013, quando comparado aos outros grupos, variando de 12,9 por 1000 NV para 34,2 casos por 1000 NV em 2018. O GP-B apresentou os menores índices dentre os três grupos em todo o período estudado, porém a taxa de detecção de SG, que era de 0,7 casos por 1000 NV em 2009, teve o seu pico em 2017, alcançando 17,1 casos por 1000 NV.

16

A taxa de detecção de SG foi superior à taxa de incidência de SC em todos os grupos, ao longo dos anos analisados, destacando o grupo GP-B que, nos anos de 2017 e 2018, apresentou taxas de incidência de SC quatro vezes menores que a de detecção da SG. O ano de 2019, ainda que com dados parciais, mostram tendência de quedas nessas taxas em todos os grupos (Tabela 1).

Tabela 1 – Taxa de detecção de Sífilis em gestante (SG) e taxa de incidência de Sífilis Congênita (SC) por 1000 nascidos vivos, segundo grupo populacional, no sul e extremo sul da Bahia, de 2009 a 2019. Teixeira de Freitas, Bahia, Brasil – 2021.

Fonte:

Nota:

Em relação às características maternas, nos casos de SG e SC, por grupo populacional, foi verificado comportamento semelhante nos três grupos para as variáveis selecionadas (Tabela 2). A faixa etária predominante foi entre 20 e 29 anos em todos os grupos, com a faixa de adolescentes (10 a 19 anos) na segunda posição, nos grupos de menor porte. A escolaridade predominante foi para o ensino fundamental I e II. As raças e cores da pele mais recorrentes foram: parda e preta; somadas, representaram mais de 70% em todos os grupos. Vale ressaltar que a variável escolaridade foi a mais notificada como ignorada nos três grupos populacionais.

Na gestante, os casos de sífilis foram mais frequentes no terceiro trimestre de gestação para os grupos GP-C e GP-A e no primeiro para o grupo GP-B; a classificação clínica como sífilis primária predominou em todos os grupos, com destaque para um alto percentual de dados ignorados, principalmente no GP-A e GP-C (Tabela 2).

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Revista Baiana de Saúde Pública
Ano Grupos Populacionais / Apresentação da Sífilis GP-A GP-B GP-C SG SC SG SC SG SC 2009 5,6 4,3 0,7 1,5 5,1 3,8 2010 4,9 3,2 2,0 - 3,7 3,5 2011 5,2 3,8 1,2 0,8 6,3 3,0 2012 6,4 5,1 3,7 - 8,6 3,6 2013 8,1 3,9 7,2 0,8 12,9 7,3 2014 11,9 6,2 7,7 3,6 14,7 8,9 2015 15,7 9,1 13,1 9,3 17,6 9,2 2016 18,3 9,8 16,8 10,4 21,7 11,4 2017 15,5 8,4 17,1 3,8 25,2 11,1 2018 2019 21,1 20,6 8,4 6,5 13,4 10,7 3,4 3,7 33,1 25,4 11,8 7,5
Elaboração própria.
(-) Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento

Tabela 2 – Distribuição percentual das características maternas nos casos de Sífilis em gestante (SG) e Sífilis Congênita (SC), por grupo populacional, no sul e extremo sul da Bahia, 2009-2019. Teixeira de Freitas, Bahia, Brasil – 2021.

Em relação à distribuição percentual dos casos de SC no período estudado, segundo as características recebidas da assistência, verificou-se que os três grupos populacionais apresentaram comportamento semelhante em relação às variáveis tratadas. Destaca-se um índice ainda significativo no percentual de casos em que não houve a realização do pré-natal, superando os 10% nos três grupos populacionais (Gráfico 1), e o percentual de casos onde não houve o tratamento do parceiro, que supera 60% dos casos nos três grupos (Gráfico 2).

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Características Grupos populacionais GP-A GP-B GP-C SG SC SG SC SG SC Total de casos 1.895 992 198 78 935 384 Faixa Etária (em anos) 10 a 19 20,0 24,5 32,3 30,7 26,9 27,3 20 a 29 43,1 48,5 47,9 50 50,0 45,3 30 a 39 29,3 19,8 17,6 17,9 20,3 21,3 40 ou + 6,2 1,6 2,0 1,2 2,6 1,5 Ignorada 0,4 5,4 - - 0 4,4 Escolaridade Sem estudo 0,7 0,8 1,5 3,8 2,6 1,5 Ensino Fundamental I/II 43,5 44,2 69,1 65,3 52,9 55,2 EM Completo/Incompleto 14,9 14,1 19,2 6,4 18,3 13,2 ES Completo/Incompleto 0,9 0,3 1,0 1,2 0,9 1,0 Ignorada 39,9 40,5 9,1 23,0 25,1 28,9 Raça/Cor da pele Branca 6,8 5,8 5,5 5,1 6,7 4,9 Preta 12,1 8,7 15,1 14,1 18,8 11,9 Amarela 1,3 0,2 0 1,2 1,2 0,2 Parda 62,5 69,3 77,2 75,6 62,9 71,0 Indígena 0,3 0,4 0 -_ 2,6 1,3 Ignorada 16,7 15,4 2,0 3,8 7,4 10,4 Idade Gestacional (SG) GP-A GP-B GP-C 1°trimestre 17,6 31,8 24,4 2°trimestre 27,4 28,2 34,5 3°trimestre 44,2 30,8 35,3 Ignorada 10,6 9,0 5,6 Classificação Clínica (SG) Primária 34,4 59,6 35,6 Secundária 5,1 6,5 8,6 Terciária 8,6 5,0 14,6 Latente 12,5 18,1 14,2 Ignorada 39,2 10,6 26,8 Fonte: Elaboração própria.

Verificou-se também que os percentuais somados dos casos onde o tratamento da gestante foi inadequado ou não realizado superam o total de 75% dos casos em todos os grupos (Gráfico 3). O diagnóstico final predominante para os casos foi: sifilis recente em todos os grupos e desfecho da gestação em aborto ou natimorto como mais frequente no grupo de menor porte (Gráfico 4).

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0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Sim Não Ignora
Gráfico
0 20 40 60 80 100 Sim Não Ignora do
Gráfico 1 – Realização do Pré-Natal. Teixeira de Freitas, Bahia, Brasil – 2021.
do
Grupo A Grupo B Grupo C Fonte: Elaboração
própria.
2 – Tratamento do Parceiro. Teixeira de Freitas, Bahia, Brasil – 2021. Grupo A Grupo B Grupo C Fonte: Elaboração própria.

s recente Sífili s tardia Aborto Nat imorto Grupo A Grupo B Grupo C

A partir da média percentual de cobertura da ESF nos grupos populacionais, verificou-se pouca variação nos índices de cada grupo dentro do período estudado. O GP-A variou de 65,4% em 2009 para 78% em 2019. O GP-B foi de 73,4% de alcance da cobertura da ESF em 2009 para 80,6% em 2019. O GP-C, formado pelos municípios de menor número populacional da pesquisa, apresentou os maiores índices em todos os anos estudados, indo

20
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Adequado Inadequado
Gráfico 3 – Tratamento da Gestante. Teixeira de Freitas, Bahia, Brasil – 2021.
Não real izado Ignora da Grupo A Grupo B Grupo C
Fonte: Elaboração própria.
0 20 40 60 80 100
Gráfico 4 – Diagnóstico Final. Teixeira de Freitas, Bahia, Brasil – 2021. Sífili Fonte: Elaboração própria.

de 91,7% em 2009 a 99,2% de percentual médio de cobertura da ESF em 2019 (Gráfico 5). Todos os grupos apresentaram uma queda na cobertura para os anos 2012 e/ou 2013.

Gráfico 5 – Média percentual de cobertura pela Estratégia Saúde da Família (ESF) por grupo populacional no sul e extremo sul da Bahia, de 2009 a 2019. Teixeira de Freitas, Bahia, Brasil – 2021.

Como já citado, foi calculado o coeficiente de correlação de postos de Spearman para análise da relação entre o percentual médio de cobertura da ESF, por grupo populacional, e as taxas de incidência de SC e detecção de SG (Tabela 3). Para o GP-A, verificou-se correlação positiva acima de 0,5, tanto para a incidência de SC (ρ= 0,564) quanto para taxa de detecção de SG (ρ= 0,645). No GP-B, em relação a incidência de SC, a correlação foi de ρ=0,146; já em relação a taxa de detecção de SG, foi encontrada correlação de ρ=0,191. Nesse grupo, o menor número de municípios (apenas dois) levou a uma maior instabilidade nos dados das três variáveis tratadas e as consequentes correlações baixas. O GP-C apresentou as correlações mais fortes dentre os três grupos: ρ=0,682 em relação a incidência de SC e ρ=0,818 em relação a taxa de detecção de SG.

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50 60 70 80 90 100 200 9 201 0 201 1 201 2 201 3 201 4 201 5 201 6 201 7 201 8 201 9 Grupo A Grupo B Grupo C Fonte: Elaboração própria.

Tabela 3 – Coeficiente de Correlação de Spearman entre a taxa de detecção de SG e taxa de incidência de SC, com o percentual médio de cobertura pela ESF por grupo populacional no sul e extremo sul da Bahia, de 2009 a 2019. Teixeira de Freitas, Bahia, Brasil – 2021.

DISCUSSÃO

Este estudo faz um recorde epidemiológico de uma década para a análise da SG e SC na região sul e extremo sul da Bahia. Nessa pesquisa, todos os municípios com população inferior a 20 mil habitantes foram excluídos pela precariedade de registros no Sinan. Nos 22 municípios selecionados, observou-se ausência de registros em alguns anos, a maioria referente à sífilis congênita.

A ausência de registros em muitos municípios deste estudo acende um alerta para a precariedade das ações de vigilância no monitoramento da alimentação do Sinan e para o repasse de informações nessas regiões – considerando esse um sistema de notificação compulsória que apresenta uma privilegiada fonte de dados para avaliação e monitoramento da sífilis congênita e em gestantes12

O número de casos notificados dependerá da capacidade de intervenção dos serviços para reduzir a transmissão vertical, diagnosticando e tratando adequadamente as gestantes e seus parceiros; juntamente depende da capacidade de identificação e notificação dos casos de sífilis congênita. Sendo assim, um número baixo de casos de sífilis congênita não indica necessariamente um bom programa de controle da transmissão vertical, uma vez que casos de sífilis congênita podem estar ocorrendo, mas não notificados. Já um número elevado indica falhas no processo assistencial, com oportunidades perdidas de intervenção 16

Ainda que com possíveis subnotificações, os resultados dessa pesquisa apontam que os casos de sífilis em gestantes e congênita estão em crescimento nos municípios analisados, principalmente a partir dos anos de 2013 e 2014, com destaque para os municípios de menor porte populacional. Estudos em contexto de capitais17,18, municípios13,19e estados3,20,21 retratam comportamento semelhante para o aumento no número de casos de sífilis e revelam que o Brasil ainda está distante de alcançar as metas estabelecidas pela Opas4.

22
Apresentação da sífilis Grupos Populacionais / Correlação com a cobertura da ESF GP-A GP-B GP-C Sífilis Congênita 0,564 0,146 0,682 Sífilis em gestante 0,645 0,191 0,818 Fonte: Elaboração própria.

Nesse estudo, em 2009, todos os grupos já apresentavam cobertura da ESF acima de 60% e mostraram expansão ao longo dos anos – com pequenas quedas em 2012 e 2013 –, destacando o grupo de municípios de menor porte que, em 2019, alcançou quase 100% de cobertura, superando os percentuais nacionais (64,5%) para a região nordeste (81,7%) e Bahia (75,8) 8

No que se refere à correlação entre as taxas de detecção de SG e de incidência para a SC com a cobertura da ESF, por grupo populacional, encontrou-se uma correlação positiva em todos os grupos, destacando o GP-C com as mais fortes dentre os três.

Outros estudos apoiam os resultados encontrados nesta pesquisa para as correlações positivas entre a cobertura da ESF e a detecção de SG e SC7,9,10. Ainda que utilizando metodologias diferentes, essas pesquisas apontam que apenas a ampliação da cobertura da ESF não é suficiente para que ações efetivas para o combate à sífilis congênita sejam efetivas.

Para Araújo e colaboradores, a associação negativa entre cobertura da ESF e incidência de SC, inicialmente encontrada em alguns subgrupos de municípios do seu estudo, não poderia ser atribuída a esse modelo de atenção em si mas às ações de pré-natal, ao perfil populacional dos municípios e à maior vulnerabilidade da população residente nas áreas em que a ESF alcançou maiores coberturas10.

É esperado que, com a ampliação da cobertura da ESF, ocorra uma melhoria no acesso às ações básicas e de vigilância à saúde na atenção primária. No caso da sífilis em gestantes e congênita, a atenção primária é o cenário ideal para a identificação de novos casos (diminuindo a subnotificação), início precoce de pré-natal, realização de teste rápido, tratamento adequado e em tempo oportuno para a gestante e parcerias, seguimento da gestante e, consequentemente, diminuição da transmissão vertical7.

Nessa pesquisa, nenhum grupo apresentou taxas de incidência de SC maiores que as taxas de detecção de SG, ao longo dos anos analisados; o que pode refletir como melhoria no acesso à assistência pré-natal e às ações de vigilância, com aumento da notificação dos casos de sífilis em gestante e diminuição da transmissão vertical.

Entretanto, quando se compara a evolução das taxas de incidência de SC entre os grupos, observa-se que o de menor porte, cuja cobertura da ESF já se mostrava acima de 90% em 2009, mostrou aumento nessas taxas. Esses achados contrapõem os resultados do estudo realizado em Goiás, onde as autoras analisaram a incidência de SC por estratos de cobertura da ESF e encontraram aumento significativo de casos de SC nos municípios com coberturas inferiores a 75%, apesar de não ter ocorrido diminuição significativa de SC nos municípios com cobertura superiores9.

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Certamente, outros fatores intervenientes no enfrentamento dessa infecção congênita, como as condições sociodemográficas e de assistência à saúde nesses municípios, deveriam ser avaliados9. A existência de casos de SC em municípios com altas coberturas de ESF sugere problemas no funcionamento de suas equipes e/ou na organização do sistema de saúde, como a garantia de acesso a exames laboratoriais10

Os resultados dessa pesquisa permitem inferir que a ampliação do acesso aos serviços de saúde precisa caminhar junto com a qualificação da assistência pré-natal, principalmente em municípios de pequeno porte populacional, cenários de poucos estudos.

A sífilis congênita se apresenta como um agravo evitável mediante diagnóstico e tratamento efetivos durante a gestação. Assim, seu controle está diretamente relacionado à qualidade da assistência pré-natal, justificando a necessidade de monitoramento, avaliação e aperfeiçoamento desta ação nos diferentes serviços e níveis de complexidade22.

A ausência de detecção da sífilis durante o pré-natal e/ou deficiência da assistência prestada representam uma oportunidade perdida de intervenção na prevenção de complicações na gestação (aborto e malformação congênita), limitando as possibilidades de redução da incidência da SC14

Estudos sobre SC e avaliação da qualidade da assistência pré-natal apontam diversos aspectos envolvidos favorecedores desse desfecho negativo para o concepto, como: início tardio do pré-natal; dificuldades no diagnóstico da sífilis na gestação, incluindo ausência de exames laboratoriais em tempo hábil ou não realização do segundo exame no terceiro trimestre de gestação; falhas no tratamento da gestante e parcerias; não realização de busca ativa de gestantes faltosas; e a falta de orientações sobre a doença, uso de preservativos e a subnotificação5,7,13,17,23,24.

Além das questões relacionadas diretamente à assistência pré-natal, outros fatores têm sido atribuídos à sustentação das taxas de detecção e alta da incidência da sífilis em todo o país, nos últimos anos. Destaca-se: a descentralização da testagem rápida, com consequente aumento da capacidade de identificação de pessoas portadoras assintomáticas de sífilis e aumento da notificação25; mudança no critério de definição de casos de sífilis em gestante11; a expansão das infecções sexualmente transmissíveis26; e as dificuldades dos profissionais no manejo da sífilis1,27.

Para além desses aspectos, elementos como disparidades raciais, vulnerabilidade social e reprodutiva e dificuldades de acesso aos serviços, evidenciados na população mais acometida pela doença, também podem estar sustentando a manutenção de altas taxas de sífilis no país6,10,16,17,20,28,29.

24

No sul e extremo sul da Bahia, para os casos de sífilis em gestantes e congênita, prevalecem mulheres jovens (20-29 anos), com baixa escolaridade e, em sua maioria, negras (pardas e pretas), corroborando com o perfil encontrado em estudos semelhantes7,18,23

As desigualdades segundo raça e cor podem ser observadas em pesquisa recente: avaliando as iniquidades na atenção pré-natal e parto, é demonstrado que, em comparação às mulheres brancas, as mulheres pardas e pretas se concentram mais nas regiões Norte e Nordeste, com pagamento público do parto, sendo de prevalência adolescente, com baixa escolaridade e pertencentes às classes econômicas D e E30.

Uma pesquisa multicêntrica nacional sobre soroprevalência da sífilis em puérperas, com uma amostra de 3.047 mulheres, observou que o maior risco para VDRL positivo estava associado, dentre outros fatores, à renda familiar, idade materna e baixa escolaridade20

Estudo realizado a partir de dados da pesquisa da Ouvidoria Ativa da Rede Cegonha em 2012 analisou diferenças na atenção ao pré-natal e ao parto no SUS, segundo raça e cor. Os autores constataram evidentes desigualdades entre as populações estudadas, com mulheres de raça e cor preta e parda aparecendo em piores condições nas características socioeconômicas, na assistência ao pré-natal e ao parto, evidenciando a maior vulnerabilidade dessas mulheres no país29.

Essa pesquisa também avaliou as características da assistência recebida nos casos de SC e observou que, em todos os grupos, houve um alto percentual de gestantes que realizaram pré-natal, apesar de, em média, 13,5% das gestantes não terem acesso. Um alto alcance à assistência pré-natal remete à necessidade de avaliação da sua qualidade. A persistência de alta incidência da doença e de altas taxas de transmissão vertical, mesmo após o aumento considerável da cobertura de assistência pré-natal e do número médio de consultas com a instalação do SUS, indica que a qualidade da assistência é insatisfatória1.

Em relação à idade gestacional de notificação da SG, nesse estudo, a frequência foi maior no terceiro trimestre em dois dos três grupos, evidenciando uma detecção tardia e perda de oportunidade de tratamento precoce. Esses resultados assemelham-se a outros estudos e mostram as dificuldades encontradas na assistência pré-natal para o controle da transmissão vertical, independentemente do porte populacional do município18,19,23.

No Brasil, no ano de 2018, o diagnóstico de sífilis em gestantes, segundo idade gestacional por regiões, mostrou que o diagnóstico no primeiro trimestre ocorre com maior proporção nas regiões Sul (50,2%) e Sudeste (44,7%), e com menor proporção nas regiões Nordeste (25,9%) e Norte (28,3%). Todas as regiões nos últimos cinco anos vêm apresentando aumento do diagnóstico da sífilis no primeiro trimestre da gestação11. Na Bahia, entretanto,

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no período de 2012 a 2018, a maior parte dos casos de sífilis em gestantes foi detectada no terceiro trimestre de gestação, perpetuando o diagnóstico tardio e comprometendo o tratamento adequado e em tempo oportuno31

Nesta pesquisa, em todos os grupos, a maioria dos casos de SG foi classificada clinicamente como sífilis primária. Sabe-se que a probabilidade da ocorrência de sífilis congênita é influenciada pelo estágio da sífilis na mãe e pela duração da exposição fetal; dessa forma, a transmissão é maior (em torno de 70 a 100%) quando a gestante apresenta sífilis primária ou secundária. Contudo, há dificuldade no diagnóstico clínico de sífilis primária pela pouca sintomatologia e regressão espontânea da úlcera, independentemente de tratamento. Nesse sentido, espera-se que a classificação clínica seja mais frequente como sífilis latente 4

Semelhante a esse estudo, a classificação clínica como sífilis primária também foi a mais frequente em outras pesquisas7,18,19,23,32, sinalizando dificuldades dos profissionais no manejo da sífilis em gestantes, resultando em tratamento inadequado e maior possibilidade de transmissão para o feto.

O desfecho da gestação (diagnóstico final) em sífilis recente predominou nos três grupos, mas aborto e natimorto foram mais frequentes no grupo de menor porte. A OMS estima que a ocorrência de sífilis complique um milhão de gestações por ano em todo o mundo, levando a mais de 300 mil mortes fetais e neonatais e colocando em risco de morte prematura mais de 200 mil crianças33

Na observação dos casos de SC e o tratamento da gestante e parceria, esse estudo encontrou, em todos os grupos, uma soma percentual acima de 75%, para tratamento da gestante, como inadequado ou não realizado. Na análise desses achados, vale ressaltar que, até 2017, considerava-se a informação do tratamento concomitante da parceria sexual das gestantes para notificar o caso como tratamento adequado da gestante. No combate à sífilis congênita, o tratamento da gestante com Benzilpenicilina benzatina, após um teste reagente, é fundamental. Cada semana que uma gestante com sífilis passa sem tratamento é mais tempo de exposição e risco de infecção para o concepto22

Em relação ao tratamento do parceiro, o percentual de casos não tratados superou 60% nos três grupos, mostrando ainda percentuais elevados de dados ignorados, principalmente no grupo de maior porte (28,2%). Estudos semelhantes revelam percentuais elevados para não tratamento do parceiro 7,17,23,32, com percentuais de até 85%, numa série histórica, em Palmas (TO) 18. No Brasil, em 2018, esse percentual foi de 53,2%, com 24,6% de dados ignorados.

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Considera-se que a notificação e tratamento das parcerias seja uma estratégia global de redução da incidência geral de sífilis, atuando na redução da incidência da sífilis gestacional e rompimento da cadeia de transmissão da doença25. Por outro lado, o diagnóstico e o tratamento da SC são mais complexos que os da sífilis materna e envolvem o prolongamento da hospitalização, bem como a realização de exames mais dispendiosos, o que pode acarretar danos individuais, familiares e custos adicionais ao sistema de saúde24.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados desse estudo revelam dificuldades relacionadas às ações de prevenção e controle da sífilis em gestante e congênita nos municípios das regiões sul e extremo sul da Bahia, que dispõem de excelentes coberturas da ESF. Os achados reforçam a necessidade de não realizar o acompanhamento da ESF com base apenas em indicadores de processo, considerando que altas coberturas médias de ações básicas, como pré-natal, podem mascarar desigualdades de acesso, além de não revelar a qualidade dessa atenção10.

Ao se correlacionar a evolução das taxas com a cobertura de ESF, chama-se a atenção para a necessidade de reavaliar os cuidados prestados no pré-natal para as populações mais vulneráveis e de menor acesso aos serviços de saúde de qualidade. A ESF se apresenta como o espaço privilegiado para o diagnóstico precoce da sífilis na gestante e a consequente eliminação da sífilis congênita7.

Nesse estudo, foram identificados números crescentes de casos de sífilis congênita nas regiões analisadas ao longo dos anos, que, aliados a diagnósticos tardios e/ ou tratamento inadequado ou não realizado na gestação, reforçam a fragilidade da atenção pré-natal oferecida.

É preciso aumentar a captação precoce de gestantes, garantir um pré-natal de qualidade, ofertar a rotina mínima de exames preconizada pelo Ministério da Saúde e encontrar estratégias que garantam o tratamento oportuno e adequado da gestante e de sua parceria, para erradicar a transmissão vertical. Ressalta-se também a necessidade de ações específicas voltadas às mulheres negras, de baixa escolaridade e em situação de vulnerabilidade social.

Uma potente estratégia para controle do reaparecimento da sífilis no país emerge da efetivação dos comitês de investigação, ampliando a integração das ações de vigilância epidemiológica com a atenção primária, principalmente em municípios de menor porte populacional, onde, apesar do número limitado de profissionais, existe uma boa cobertura da ESF, favorecedora dessa integração.

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Revista Baiana de Saúde Pública

O estudo apresenta limitações na interpretação dos resultados considerando o uso de dados secundários e a elevada exclusão de municípios que poderiam complementar informações sobre a situação epidemiológica da SG e SC nas regiões sul e extremo sul da Bahia.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Márcia Maria Santos de Moraes, Mayra da Rocha Santos Freire, Vinicius Nascimento Rufino.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Márcia Maria Santos de Moraes, Mayra da Rocha Santos Freire, Vinicius Nascimento Rufino.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Márcia Maria Santos de Moraes, Mayra da Rocha Santos Freire, Vinicius Nascimento Rufino.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Márcia Maria Santos de Moraes, Mayra da Rocha Santos Freire, Vinicius Nascimento Rufino.

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Recebido: 30.4.2021. Aprovado: 27.4.2022.

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FATORES ASSOCIADOS À AUTOAVALIAÇÃO NEGATIVA DE SAÚDE ENTRE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA

Rose Elizabeth Cabral Barbosaa

https://orcid.org/0000-0001-5383-0102

Giovanni Campos Fonsecab

https://orcid.org/0000-0003-2503-1199

Marta Raquel Mendes Vieirac

https://orcid.org/0000-0001-5185-5381

Tatiana Almeida de Magalhãesd

https://orcid.org/0000-0001-8371-863X

Rosângela Ramos Veloso Silvae

https://orcid.org/0000-0003-3329-8133

Desirée Sant’Ana Haikalf

https://orcid.org/0000-0002-0331-0747

Resumo

A autoavaliação da saúde tem sido utilizada como ferramenta de medida da saúde de indivíduos e grupos populacionais, especialmente por sua relativa facilidade de

a Fisioterapeuta. Doutoranda em Ciências da Saúde na Universidade Estadual de Montes Claros. Bolsista CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. E-mail: rosebarbosa.moc@gmail.com

b Publicitário. Doutor em Educação. Professor na Universidade Federal de Minas Gerais, Campus Montes Claros. Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. E-mail: giovannifonseca@gmail.com

c Enfermeira. Doutora em Ciências da Saúde. Servidora da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, Superintendência Regional de Saúde de Montes Claros. Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. E-mail: martaraquelmendes@hotmail.com

d Enfermeira. Doutora em Ciências da Saúde. Referência técnica da Sala de Situação em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Montes Claros. Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. E-mail: tatimagmoc@gmail.com

e Profissional de Educação Física. Doutora em Ciências da Saúde. Professora do Programa de Pós-graduação em Cuidado Primário em Saúde na Universidade Estadual de Montes Claros. Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. E-mail: rosaveloso9@gmail.com

f Cirurgiã dentista. Doutora em Odontologia em Saúde Coletiva. Professora do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde na Universidade Estadual de Montes Claros. Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. E-mail: desireehaikal@gmail.com

Endereço para correspondência: Rua Mauro Araújo Moreira, n. 902 / 201, bairro Augusta Mota. Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. CEP: 39403-449. E-mail: rosebarbosa.moc@gmail.com

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DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n3.a3296 ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

aplicação. Buscou-se investigar a prevalência e os fatores associados à autoavaliação negativa de saúde entre professores da educação básica. Elaborou-se um estudo transversal, conduzido em uma amostra probabilística de professores em atividade em escolas estaduais de um município de médio porte do Sudeste brasileiro. A variável dependente foi obtida por meio da questão: “como você classificaria seu estado de saúde atualmente?”. As opções de respostas foram agrupadas em autoavaliação positiva (excelente e bom) e negativa (regular, ruim e muito ruim). A análise dos dados foi realizada por meio da regressão de Poisson com variância robusta, em modelos bivariados e multivariados. A prevalência de autoavaliação negativa de saúde foi de 32,9% (IC 95%=28,8-37,4). No modelo final ajustado, permaneceram associadas à autoavaliação negativa da saúde: superlotação das turmas, insatisfação com o trabalho, sedentarismo, obesidade, relatos de doenças crônicas e de uma ou mais queixas vocais. Os resultados indicam a necessidade de intervenções tanto individuais, por meio de programas de promoção da saúde dos professores, quanto organizacionais, que visem a proteção da saúde dessa categoria profissional.

Palavras-chave: Autoavaliação diagnóstica. Saúde do trabalhador. Professores escolares. Prevalência. Estudos transversais.

FACTORS ASSOCIATED WITH NEGATIVE SELF-ASSESSED HEALTH AMONG SCHOOL TEACHERS

Abstract

Self-assessment of health has been used as a measuring tool by individuals and population groups, especially for its relative ease of application. This study sought to investigate the prevalence of negative self-assessed health and associated factors among schoolteachers. A cross-sectional research was conducted with a probabilistic sample of state schoolteachers from a medium-sized municipality in southeastern Brazil. Response variable was collected via the question “How would you rate your current health status?”, and the response options were grouped into positive (excellent, good) and negative (regular, bad, very bad) selfassessment. Data analysis was performed using Poisson’s regression with robust variance, in bivariate and multivariate models. Negative self-assessed health showed a prevalence of 32.9% (95% CI = 28.8-37.4). After adjustment, overcrowded classes, job dissatisfaction, physical inactivity, obesity, reports of chronic illnesses, and at least one vocal complaint remained factors associated with negative self-assessment. Results indicate the need for both individual

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interventions, such as teacher health promotion programs, and organizational improvements to protect the health of schoolteachers.

Keywords: Diagnostic self-evaluation. Occupational health. School Teachers. Prevalence. Cross-sectional studies.

FACTORES ASOCIADOS CON LA AUTOEVALUACIÓN NEGATIVA DE LA SALUD DE LOS PROFESORES DE EDUCACIÓN BÁSICA

Resumen

La autoevaluación de la salud se ha utilizado como una herramienta de medida de la salud de individuos y grupos de población, especialmente por su relativa facilidad de aplicación. Se pretendió investigar la prevalencia y los factores asociados a la autoevaluación negativa de la salud entre los profesores de educación básica. Este es un estudio transversal realizado sobre una muestra probabilística de profesores que laboran en escuelas públicas de un municipio de tamaño mediano del Sudeste de Brasil. Las respuestas se obtuvieron basadas en la pregunta: “¿Cómo calificaría su estado de salud hoy?”. Las opciones de respuesta se agruparon en autoevaluación positiva (excelente, buena) y negativa (regular, mala, muy mala). El análisis de los datos se realizó mediante regresión de Poisson con varianza robusta, en modelos bivariados y multivariados. La prevalencia de autoevaluación negativa de la salud fue del 32,9% (IC 95%=28,8-37,4). En el modelo final ajustado, los siguientes ítems permanecieron asociados con una autoevaluación negativa de la salud: hacinamiento de clases, insatisfacción laboral, inactividad física, obesidad, informes de enfermedades crónicas y una o más quejas vocales. Los resultados indican la necesidad de intervenciones tanto individuales, por medio de programas de promoción de la salud docente, como organizacionales, dirigidas a proteger la salud de esta categoría profesional.

Palabras clave: Autoevaluación diagnóstica. Salud laboral. Maestros. Prevalencia. Estudios transversales.

INTRODUÇÃO

A autoavaliação se apresenta como importante preditor da situação da saúde e tem sido utilizada como ferramenta de medida da saúde de indivíduos e grupos populacionais, em especial por sua relativa facilidade de aplicação. Essa ferramenta permite obter aspectos

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subjetivos centrados na percepção do próprio estado de saúde, sua qualidade de vida e seu bem-estar1. Fatores que influenciam a autoavaliação se estendem desde características biológicas, psicológicas e sociodemográficas1-3, até aspectos referentes ao ambiente e às condições de trabalho4

Assunção e Abreu investigaram a pressão laboral entre professores da educação básica brasileira, e os resultados evidenciaram que dois terços daqueles que haviam avaliado negativamente a própria saúde sentiram-se pressionados a comparecer ao trabalho em situações em que se encontravam doentes ou com dor4. Esse fenômeno, denominado presenteísmo – ir trabalhar ou faltar poucos dias, apesar de doente –, estratégia frequente entre professores, apresenta-se como intensificador da má qualidade da saúde durante a autoavaliação5. A investigação da relação entre saúde e trabalho docente revelou que os professores representam uma das categorias profissionais mais vulneráveis ao adoecimento6-8, incluindo altos índices de afastamentos do trabalho9,10.

O trabalho docente tem passado por diversas mudanças, tanto no que se refere ao processo de trabalho em si, com modificações, por exemplo, no alcance de metas de qualidade11, quanto em relação à intensificação do trabalho e à precarização econômica e das condições trabalhistas8,12-13, com consequências à saúde física (como alterações vocais e distúrbios musculoesqueléticos) e à saúde mental desse grupo de trabalhadores5,14. Um estudo de abrangência nacional evidenciou elevado absenteísmo entre professores da educação básica, e a principal causa esteve relacionada à própria saúde15 Espera-se que a identificação de fatores ocupacionais, que influenciam a maneira por meio da qual os professores percebem a própria saúde, possa indicar caminhos para intervenções de melhoria do ambiente e do processo de trabalho docente, com ênfase na proteção à saúde dos professores. Dessa forma, é possível preencher lacunas indicadas na literatura, como a persistência de práticas voltadas à assistência individual, com pouco foco no ambiente de trabalho adoecedor8. Portanto, este estudo teve por objetivo: investigar a prevalência e os fatores associados à autoavaliação negativa de saúde entre professores de um município de médio porte do Sudeste brasileiro.

MATERIAL E MÉTODOS

Este trabalho é um estudo transversal que analisou dados coletados em um inquérito que abordava condições crônicas de saúde e fatores associados em uma amostra probabilística de professores em atividade na educação básica de escolas estaduais do município de Montes Claros. Este município fica localizado na região norte de Minas Gerais,

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com 3.589 km2 de área, população de 413.487 habitantes, estimada para 2020, e Índice de Desenvolvimento Humano de 0,77016.

A estratégia utilizada para o cálculo amostral do referido inquérito considerou a população de estudo – composta por 1.851 professores, distribuídos em 49 escolas estaduais, localizadas na zona urbana do município –; a prevalência do evento de 50%, a fim de se atingir maior tamanho amostral; nível de confiança de 95%, erro previsto de 5%, perda de 10%; e adotou deff (efeito de desenho) = 2, devido ao planejamento amostral por conglomerados. Assim, o cálculo para a amostra final foi de 700 professores.

Para seleção dos professores, foram estabelecidos os seguintes critérios: as escolas eram as unidades primárias de amostragem; a amostra probabilística por conglomerados foi estimada proporcionalmente ao número de professores em cada uma delas; os professores em atividade nas 35 escolas sorteadas foram considerados elegíveis e convidados a participar.

Para a coleta de dados, ocorrida entre março e dezembro de 2016, foi utilizado um questionário autoaplicável, testado previamente em estudo piloto, e realizado exame físico. As questões estavam organizadas em blocos: perfil sociodemográfico e socioeconômico, perfil de formação acadêmica e qualificação, perfil ocupacional, satisfação com o trabalho, síndrome de burnout , autopercepção da saúde, literacia em saúde, perfil saúde e doença, inventário de depressão de Beck, inventário de sintomas de estresse para adultos, aspectos específicos relacionados à saúde da mulher e do homem, consumo de tabaco e de álcool, consumo alimentar, participação em atividades físicas e de lazer, hábitos e estilo de vida, qualidade de vida, capital social e a utilização da internet. A conferência das respostas e as avaliações físicas foram realizadas por uma equipe de pesquisadores treinados quanto ao entendimento das questões abordadas e aos procedimentos e normas de biossegurança.

A variável dependente – autoavaliação de saúde – foi obtida por meio das respostas à questão: ‘como você classificaria seu estado de saúde atualmente?’. As opções foram agrupadas em autoavaliação positiva (excelente, bom) e autoavaliação negativa (regular, ruim, muito ruim).

As variáveis explicativas foram organizadas em cinco blocos ( Figura 1 ), inspirados no modelo teórico desenvolvido por Meirelles et al. (2015) para investigar a autoavaliação de saúde entre adultos2. Segundo os autores, o entendimento “dos possíveis fatores subjacentes à autoavaliação da saúde vai além daqueles individuais, estendendo-se às dimensões do ambiente físico e social”2:2.

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Revista Baiana de Saúde Pública

Figura 1 – Modelo teórico dos fatores associados à autoavaliação da saúde entre professores. Montes Claros, Minas Gerais, Brasil – 2016.

Contexto ocupacional

• Violência

• Indisciplina

• Superlotação das turmas

• Infraestrutura e recursos materiais

Características sociodemográficas

• Sexo

• Idade

• Cor da pele

• Situação conjugal

Comportamentos e estilo de vida

• Consumo de frutas e vegetais

• Atividades físicas

• Tabagismo

• Consumo de álcool

Fonte: Adaptado de Meirelles et al.

• Insegurança

• Apoio social

• Salários

• Apoio das famílias

Características do emprego

• Tempo de trabalho

• Jornada de trabalho

• Vínculo

• Satisfação com o trabalho

Situação de saúde e uso de serviços

• Índice de massa corporal

• Diagnóstico médico

• Queixas vocais

• Consulta médica

Autoavaliação da saúde

No caso dos professores deste estudo, o ambiente escolar é o entorno físico e social compartilhado por eles. Entende-se que as relações que os professores estabelecem, com aspectos do tempo e espaço escolar, podem fornecer visão privilegiada dos efeitos da vivência, experimentada no trabalho e em suas condições de vida e saúde17. Dessa forma, as variáveis referentes ao dia a dia na escola (contexto ocupacional) foram selecionadas para compor o primeiro bloco, sendo as respostas afirmativas ou negativas. São elas: relatos de violência por parte dos estudantes; indisciplina dos estudantes; superlotação das turmas; infraestrutura inadequada e escassez de recursos materiais; insegurança na escola; ausência de apoio social por parte dos colegas e da direção da escola; salários defasados; e ausência de apoio por parte das famílias dos estudantes.

No segundo bloco foram incluídas as características sociodemográficas: sexo (masculino, feminino); idade (até 40 anos, 41 anos ou mais); cor da pele autodeclarada (branca, não branca); e situação conjugal (com ou sem companheiro(a)).

O terceiro bloco foi composto pelas características do emprego: tempo de atuação como professor (menos de 12 anos, 12 anos ou mais); jornada de trabalho semanal (até 20 horas,

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entre 21 e 40 horas, acima de 40 horas); tipo de vínculo de emprego (concursado ou efetivo, contratado ou designado); e satisfação com o trabalho como professor (não, sim).

As variáveis comportamentais e estilo de vida compõem o quarto bloco: consumo de frutas, legumes e verduras (≥ 5 vezes por semana, < 5 vezes por semana); nível de atividade física (suficientemente ativo, insuficientemente ativo); tabagismo (nunca fumou, ex-fumante, fumante atual); e consumo de álcool nos últimos 30 dias (não consumiu, menos de 1 vez por semana, 1 ou 2 vezes por semana, 3 ou mais vezes por semana).

Para a variável ‘consumo de frutas, legumes e verduras’, foram utilizadas as respostas às perguntas: ‘em quantos dias da semana você costuma tomar suco de fruta natural ou comer a própria fruta?’ e ‘em quantos dias da semana você costuma comer pelo menos um tipo de verdura ou legume (alface, tomate, couve, cenoura, chuchu, berinjela, abobrinha, por exemplo – não constando batata, mandioca ou inhame)?’. As opções de resposta para ambas eram: ‘todos os dias, 5-6 dias, 3-4 dias, 1-2 dias, quase nunca e nunca’. Fez-se a junção e agrupamento das respostas em ‘consumo igual ou superior a 5 vezes por semana’ e ‘consumo inferior a 5 vezes por semana’18

O nível de atividade física foi avaliado através do ‘Questionário Internacional de Atividade Física’ (IPAQ), na versão curta19. Foram considerados suficientemente ativos aqueles professores que relataram, pelo menos, 150 minutos de atividades físicas por semana, considerando dez minutos contínuos ou frequência mínima de três vezes por semana.

O quinto e último bloco contém variáveis referentes à situação da saúde e ao uso dos serviços de saúde: índice de massa corporal (baixo peso (≤ 18,49), normal (18,50 - 24,99), sobrepeso (25,00 - 29,99), obeso (≥ 30,00)); diagnóstico médico de uma ou mais doenças crônicas não transmissíveis (não, sim); queixas vocais (nenhuma, uma queixa, duas ou mais queixas); e consulta médica no último ano (não, sim).

A classificação do índice de massa corporal (IMC) se baseou nas recomendações da Organização Mundial da Saúde para adultos20. A variável ‘diagnóstico médico de uma ou mais doenças crônicas não transmissíveis’ considerou relatos de diagnóstico médico de diabetes, hipertensão, problemas cardíacos e/ou circulatórios – doenças que compartilham fatores de risco comportamentais21.

A variável ‘queixas vocais’ foi obtida por meio das respostas à pergunta: ‘você tem ou percebe alguma dessas alterações na voz? (Marque quantas forem necessárias)’; seguida de uma lista de sinais ou sintomas de alterações vocais: rouquidão, falha na voz, pigarro, cansaço ao falar, esforço ao falar, dor ao falar, ardor na garganta, picada na garganta, bola/ bolo na garganta e garganta seca. As opções de respostas para cada um dos itens eram ‘sim’ e ‘não’.

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A análise dos dados foi realizada no Statistical Package for the Social Sciences, versão 24.0. O primeiro passo foi realizar a análise descritiva da população de estudo. Para isso, estimaram-se as frequências relativas de acordo com as categorias das variáveis explicativas, considerando o efeito do desenho amostral por conglomerados. Em seguida, calculou-se a prevalência da autoavaliação negativa de saúde no total da amostra e o respectivo intervalo de 95% de confiança. Além disso, foram calculadas as prevalências do desfecho segundo as categorias das variáveis explicativas. A medição da associação entre a autoavaliação negativa de saúde e as variáveis explicativas foi estimada pelas razões de prevalências brutas e ajustadas. Por meio da regressão de Poisson com variância robusta, as variáveis que apresentaram valor de p ≤ 0,20 na análise bivariada foram selecionadas para a análise multivariada, desenvolvida em cinco etapas: na primeira foram introduzidas as variáveis do contexto ocupacional; na segunda, as características sociodemográficas; na terceira foram acrescentadas as características do emprego; na quarta, as variáveis comportamentais e do estilo de vida; e na quinta etapa foram incluídas as variáveis referentes à situação de saúde e ao uso de serviços de saúde. No ajuste dos modelos multivariados, foi considerado o nível de significância de 5% (p ≤ 0,05) e intervalos de 95% de confiança para manutenção das variáveis no modelo hierarquizado.

Os participantes foram identificados somente através de códigos numéricos, garantindo o anonimato e a confidencialidade dos dados obtidos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (Número CAAE: 48084115.4.0000.5146, Parecer nº 1.293.458). A assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi requerida a todos os professores participantes da pesquisa.

RESULTADOS

Ao final da coleta de dados, 712 professores responderam ao questionário e participaram da avaliação física. As professoras eram a maioria da população do estudo (85,7%); a idade variou entre 21 e 67 anos, com média de 40,5 (desvio padrão de 9,7 anos); o tempo médio de trabalho como professor era de 12,5 (desvio padrão de 8,5 anos) e a jornada de trabalho semanal era, em média, de 26,2 (desvio padrão de 11,3 horas).

A prevalência de autoavaliação negativa de saúde foi de 32,9% (IC 95%=28,8-37,4). Em relação ao contexto ocupacional, maiores prevalências foram observadas entre os professores que relataram indisciplina dos estudantes (36,5%), superlotação das turmas (39,7%), infraestrutura inadequada e escassez de recursos materiais (39,4%), salários defasados (37,4%) e ausência de apoio por parte das famílias dos estudantes (36,9%) (Tabela 1).

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As variáveis violência por parte dos estudantes, indisciplina, superlotação das turmas, infraestrutura e recursos materiais inadequados, insegurança na escola, salários defasados e ausência de apoio por parte das famílias dos estudantes apresentaram nível de significância inferior a 20% na análise bivariada e foram selecionadas para a análise multivariada ( Tabela 1 ).

Tabela 1 – Distribuição, prevalências e razões de prevalências não-ajustadas da autoavaliação negativa da saúde de professores, segundo contexto ocupacional. Montes Claros, Minas Gerais, Brasil – 2016.

Fonte: Elaboração própria.

*Percentual corrigido pelo desenho amostral

P: Prevalência; RP: razão de prevalências; IC95%: intervalo de 95% de confiança

Entre as características sociodemográficas, maiores prevalências de autoavaliação negativa foram observadas entre os professores mais velhos (38,0%). Dentre as características do emprego, maiores prevalências de autoavaliação negativa de saúde foram observadas entre aqueles que atuavam há mais tempo na docência (40,1%), os que possuíam vínculo de emprego do tipo concursado ou efetivo (38,0%) e professores insatisfeitos com o trabalho (39,4%) (Tabela 2).

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VARIÁVEIS n (%*) P (%) RP bruta (IC 95%) p Violência por parte dos estudantes Não 277 (38,1) 30,0 1,00 Sim 435 (61,9) 36,5 1,22 (0,98-1,52) 0,075 Indisciplina dos estudantes Não 166 (23,4) 25,9 1,00 Sim 546 (76,6) 36,5 1,41 (1,06-1,86) 0,017 Superlotação das turmas Não 327 (47,9) 27,2 1,00 Sim 385 (52,1) 39,7 1,46 (1,18-1,81) 0,001 Infraestrutura e recursos materiais inadequados Não 443 (61,7) 30,7 1,00 Sim 269 (38,3) 39,4 1,28 (1,05-1,57) 0,016 Insegurança na escola Não 426 (61,4) 31,7 1,00 Sim 286 (38,6) 37,4 1,18 (0,96-1,45) 0,112 Ausência de apoio social Não 560 (78,5) 33,2 1,00 Sim 152 (21,5) 36,8 1,11 (0,87-1,41) 0,396 Salários defasados Não 284 (40,0) 28,9 1,00 Sim 428 (60,0) 37,4 1,29 (1,04-1,61) 0,021 Ausência de apoio por parte
famílias Não 159 (22,5) 23,9 1,00 Sim 553 (77,5) 36,9 1,54 (1,15-2,08) 0,004
das

As variáveis idade, tempo de atuação como professor, jornada de trabalho semanal, tipo de vínculo de emprego e satisfação com o trabalho apresentaram nível de significância inferior a 20% na análise bivariada e foram selecionadas para a análise multivariada ( Tabela 2 ).

Tabela 2 – Distribuição, prevalências e razões de prevalências não-ajustadas da autoavaliação negativa da saúde de professores segundo características sociodemográficas e características do emprego. Montes Claros, Minas Gerais, Brasil – 2016.

Fonte: Elaboração própria.

*Percentual corrigido pelo desenho amostral

P: Prevalência; RP: razão de prevalências; IC95%: intervalo de 95% de confiança

Quanto ao comportamento e estilo de vida, a prevalência de autoavaliação negativa foi maior entre os professores sedentários (40,9%) e entre os que se declararam ex-fumantes (44,6%). Em relação à situação de saúde e ao uso de serviços, maiores prevalências foram observadas entre os professores com sobrepeso (36,3%) e obesos (47,0%), entre os que relataram diagnóstico médico de doenças (44,9%) e aqueles com apenas uma, ou mais queixas vocais (respectivamente, 31,4% e 41,6%) (Tabela 3).

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VARIÁVEIS n (%*) P (%) RP bruta (IC 95%) p Sexo Masculino 118 (14,3) 29,7 1,00 Feminino 594 (85,7) 34,9 1,17 (0,87-1,58) 0,291 Idade Até 40 anos 357 (50,3) 30,0 1,00 41 anos ou mais 355 (49,7) 38,0 1,27 (1,03-1,56) 0,024 Cor da pele autodeclarada Branca 208 (28,6) 34,1 1,00 Não branca 503 (71,4) 33,8 0,99 (0,79-1,24) 0,931 Situação conjugal Com companheiro(a) 442 (61,5) 33,9 1,00 Sem companheiro(a) 270 (38,5) 34,1 1,00 (0,81-1,24) 0,970 Tempo de atuação como professor Menos de 12 anos 370 (53,2) 27,8 1,00 12 anos ou mais 342 (46,8) 40,1 1,46 (1,19-1,80) 0,000 Jornada de trabalho semanal Até 20 horas 270 (38,3) 30,4 1,00 Entre 21 e 40 horas 373 (52,2) 35,4 1,17 (0,93-1,46) 0,187 Acima de 40 horas 69 (9,5) 40,6 1,34 (0,95-1,87) 0,093 Tipo de vínculo de emprego Concursado ou efetivo 316 (41,2) 38,0 1,00 Contratado ou designado 395 (58,8) 30,9 0,81 (0,66-0,99) 0,047 Satisfação com o trabalho Sim 286 (42,0) 25,9 1,00 Não 426 (58,0) 39,4 1,52 (1,21-1,92) 0,000

As variáveis consumo de frutas e vegetais, nível de atividade física, tabagismo, consumo de álcool, IMC, diagnóstico médico de uma ou mais doenças e queixas vocais apresentaram nível de significância inferior a 20% na análise bivariada e foram selecionadas para a análise multivariada (Tabela 3).

Tabela 3 – Distribuição, prevalências e razões de prevalências não-ajustadas da autoavaliação negativa da saúde de professores, segundo variáveis comportamentais, estilo de vida, situação de saúde e uso de serviços. Montes Claros, Minas Gerais, Brasil – 2016.

Fonte: Elaboração própria.

*Percentual corrigido pelo desenho amostral

P: Prevalência; RP: razão de prevalências; IC95%: intervalo de 95% de confiança

A Tabela 4 apresenta os resultados a cada etapa da análise multivariada e hierarquizada. No modelo final – quinta etapa –, as variáveis que permaneceram associadas à maior prevalência de autoavaliação negativa da saúde foram: superlotação das turmas

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VARIÁVEIS n (%*) P (%) RP bruta (IC 95%) p Consumo de frutas e vegetais ≥ 5 vezes por semana 233 (32,7) 29,6 1,00 < 5 vezes por semana 479 (67,3) 36,1 1,22 (0,97-1,54) 0,092 Nível de atividade física Suficientemente ativo 342 (49,2) 26,6 1,00 Insuficientemente ativo 362 (50,8) 40,9 1,54 (1,24-1,91) 0,000 Tabagismo Nunca fumou 626 (88,1) 32,8 1,00 Ex-fumante 74 (10,0) 44,6 1,36 (1,03-1,80) 0,029 Fumante atual 12 (1,8) 33,3 1,02 (0,45-2,28) 0,966 Consumo de álcool nos últimos 30 dias Não consumiu 376 (52,6) 31,4 1,00 Menos de 1 vez por semana 201 (28,3) 37,3 1,19 (0,94-1,50) 0,146 1 ou 2 vezes por semana 115 (16,8) 37,4 1,19 (0,90-1,58) 0,220 3 vezes ou mais 20 (2,4) 30,0 0,96 (0,48-1,90) 0,898 Índice de massa corporal Normal (18,50 - 24,99) 321 (44,4) 28,4 1,00 Baixo peso (≤ 18,49) 19 (2,9) 15,8 0,56 (0,19-1,60) 0,276 Sobrepeso (25,00 - 29,99) 256 (36,4) 36,3 1,28 (1,01-1,63) 0,041 Obeso (≥ 30,00) 115 (16,3) 47,0 1,66 (1,28-2,15) 0,000 Diagnóstico médico de uma ou mais doenças Não 475 (66,7) 28,8 1,00 Sim 234 (33,3) 44,9 1,56 (1,27-1,90) 0,000 Queixas vocais Nenhuma 164 (23,1) 17,7 1,00 1 queixa 153 (20,6) 31,4 1,77 (1,18-2,66) 0,006 2 ou mais queixas 394 (56,4) 41,6 2,35 (1,66-3,34) 0,000 Consulta médica no último ano Sim 612 (86,9) 33,7 1,00 Não 99 (13,1) 36,4 1,08 (0,81-1,43) 0,593

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(RP = 1,39; IC95% = 1,12-1,72; p = 0,003), insatisfação com o trabalho (RP = 1,29; IC95%= 1,03-1,62; p = 0,029), sedentarismo (RP = 1,42; IC95%= 1,15-1,75; p = 0,001), obesidade (RP = 1,57; IC95%= 1,21-2,04; p = 0,001), relatos de doenças crônicas (RP = 1,42; IC95%= 1,16-2,51; p = 0,001) e de uma (RP = 1,70; IC95%= 1,15-2,51; p = 0,007) ou mais queixas vocais (RP = 2,11; IC95%= 1,51-2,97; p = 0,000).

Tabela 4 – Modelos de regressão multivariada de Poisson a partir da associação entre autoavaliação negativa de saúde de professores e variáveis explicativas. Montes Claros, Minas Gerais, Brasil – 2016.

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VARIÁVEIS Primeira etapa Segunda etapa Terceira etapa Quarta etapa Quinta etapa RP IC 95% p RP IC 95% p RP IC 95% p RP IC 95% p RP IC 95% p Superlotação das turmas Não 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 Sim 1,37 1,091,71 0,006 1,38 1,101,73 0,005 1,34 1,081,66 0,008 1,39 1,121,73 0,003 1,39 1,121,72 0,003 Ausência de apoio das famílias Não 1,00 1,00 Sim 1,40 1,031,91 0,031 1,41 1,031,91 0,029 Idade Até 40 anos 1,00 41 anos ou mais 1,30 1,061,59 0,013 Tempo de atuação como professor Menos de 12 anos 1,00 1,00 12 anos ou mais 1,43 1,161,75 0,001 1,40 1,141,73 0,001 Satisfação com o trabalho Sim 1,00 1,00 1,00 Não 1,44 1,151,81 0,002 1,39 1,111,75 0,004 1,29 1,041,62 0,029 Prática de atividades físicas Sim 1,00 1,00 Não 1,52 1,231,88 0,000 1,42 1,151,75 0,001 (continua)

Tabela 4 – Modelos de regressão multivariada de Poisson a partir da associação entre autoavaliação negativa de saúde de professores e variáveis explicativas. Montes Claros, Minas Gerais, Brasil – 2016. (conclusão)

DISCUSSÃO

O presente estudo revelou elevada frequência de autoavaliação negativa da saúde entre os professores investigados, que se manteve associada a questões próprias do trabalho docente e à insatisfação com o trabalho, mesmo após ajuste por variáveis que, sabidamente, influenciam a percepção da própria saúde.

A prevalência de autoavaliação negativa da saúde, observada neste estudo (32,9%), foi superior à prevalência observada entre os professores que compunham uma amostra representativa nacional (27,0%)4 e acentuadamente superior aos valores encontrados

44 VARIÁVEIS Primeira
RP IC 95% p RP IC 95% p RP IC 95% p RP IC 95% p RP IC 95% p Tabagismo Nunca fumou 1,00 Ex-fumante 1,39 1,051,84 0,020 Fumante atual 1,26 0,572,77 0,569 Índice de massa corporal Normal (18,5024,99) 1,00 Baixo peso (≤ 18,49) 0,55 0,191,58 0,271 Sobrepeso (25,0029,99) 1,19 0,941,49 0,145 Obeso (≥ 30,00) 1,57 1,212,04 0,001 Diagnóstico médico de doença(s) Não 1,00 Sim 1,42 1,162,51 0,001 Queixas vocais Nenhuma 1,00 1 queixa 1,70 1,152,51 0,007 2 ou mais queixas 2,11 1,512,97 0,000 Fonte: Elaboração propria.
etapa Segunda etapa Terceira etapa Quarta etapa Quinta etapa

em duas amostras de professores do Rio Grande do Sul: 18,9% entre professores pré-escolares das redes municipal e estadual de ensino da cidade de Pelotas22; e 14,3% entre professores da rede municipal de Bagé23. As divergências observadas podem ser explicadas pelas diferenças referentes ao ambiente físico e social em que vivem e trabalham os professores2.

A percepção da própria saúde foi negativa entre os professores que relataram superlotação das turmas; pode-se esperar que a competição sonora, gerada pelo barulho excessivo de turmas com muitos estudantes, exija do professor maior esforço e demanda vocal24. A exposição ao ruído, interrupções frequentes das atividades em sala de aula e a indisciplina dos estudantes são alguns estressores ocupacionais presentes no trabalho docente, que afetam a saúde dos professores12,13,24,25 e, consequentemente, podem afetar a forma como eles a percebem.

Os professores insatisfeitos com o trabalho referiram, com maior frequência, autoavaliação negativa da própria saúde. A investigação da relação entre satisfação e saúde indica que a satisfação no trabalho influencia o indivíduo, afetando ou manifestando-se sobre sua saúde física e mental, sua qualidade de vida e seus comportamentos, além de repercussões em sua vida pessoal e familiar26,27

O trabalho do professor compreende uma variedade de situações que envolvem intencionalidade e problematização nas interações pedagógicas com os estudantes27, próprias do processo ensino-aprendizagem. É esperado que a atuação em salas superlotadas dificulte, ou mesmo impossibilite, essa interação, ocasionando sentimento de frustração e insatisfação com o trabalho entre os professores.

O sedentarismo manteve-se associado à maior prevalência de autoavaliação negativa da saúde; resultado similar ao encontrado em estudos que investigaram a população em geral1,18 e professores23. São reconhecidos na literatura os benefícios da prática regular de atividades físicas, tanto em relação à saúde física e mental28 quanto à autoavaliação da saúde29

No tocante ao IMC, a maior prevalência de autoavaliação negativa foi observada entre os professores classificados como obesos, em relação àqueles com peso normal; resultado semelhante aos observados em outros estudos, em que a obesidade aumentou as chances de pior autoavaliação de saúde1,30. É notório que a obesidade é fator de risco para outras doenças crônicas, além de se relacionar com problemas de autoestima, psicológicos e de interação social30

Os professores com relatos de diagnósticos médicos de uma ou mais doenças apresentaram maior prevalência de autoavaliação negativa; resultados consonantes a outros

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estudos que encontraram a mesma associação1,3,21, evidenciando que o diagnóstico médico de uma ou de multimorbidades é fator determinante na autoavaliação do estado de saúde1.

Os sintomas de alterações vocais são queixas frequentes entre professores e aparecem entre as principais causas de afastamento do trabalho5. Entre os professores deste estudo, encontrou-se maior prevalência de autoavaliação negativa entre os sujeitos que relataram uma ou múltiplas queixas vocais em comparação aos sujeitos que não apresentavam queixas. O trabalho em sala de aula expõe os professores a agentes estressores – como salas com acústica inadequada, necessidade de alterar o tom de voz para controlar estudantes indisciplinados e presença de poeira e pó de giz –, que podem influenciar tanto sua saúde vocal quanto geral24,25

Em relação às limitações do estudo, destaca-se a impossibilidade de estabelecer relações de causa e efeito, uma vez que as informações sobre exposição e desfecho foram coletadas ao mesmo tempo; e o efeito do trabalhador sadio, por terem sido considerados elegíveis somente os professores em atividade no momento da coleta de dados. Por outro lado, pontos positivos conferiram qualidade ao trabalho; o questionário utilizado na coleta de dados foi elaborado por meio de ampla revisão de literatura, o que permitiu a investigação de grande número de variáveis independentes. Além disso, o treinamento dos pesquisadores e a digitação dos dados em duplicata conferiram maior validade aos dados analisados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados indicaram maior prevalência de autoavaliação negativa da saúde entre os professores insatisfeitos com o trabalho, que atuavam em salas superlotadas, com relatos de doenças, queixas vocais e hábitos não saudáveis. Investimentos governamentais em políticas públicas, que desenvolvam programas de promoção da saúde e que convidem os professores a adotarem uma alimentação equilibrada, ofereçam um cronograma e acompanhamento de prática regular de exercícios físicos – em horários compatíveis com as atividades docentes –, e forneçam orientações em relação aos cuidados com a voz, tais como exercícios vocais que podem ser feitos em casa ou nos intervalos das aulas e hidratação adequada são estratégias a serem desenvolvidas, com vista à melhoria da condição de saúde geral desse grupo de trabalhadores.

Porém, é preciso ir além das mudanças individuais de comportamento, no sentido de promover intervenções que gerem melhorias também nas condições de trabalho, com repercussões principalmente na redução do número de estudantes em sala de aula e no conforto vocal dos professores.

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COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Rose Elizabeth Cabral Barbosa, Giovanni Campos Fonseca, Marta Raquel Mendes Vieira, Tatiana Almeida de Magalhães, Rosângela Ramos Veloso Silva e Desirée Sant’Ana Haikal.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Rose Elizabeth Cabral Barbosa, Giovanni Campos Fonseca, Marta Raquel Mendes Vieira, Tatiana Almeida de Magalhães, Rosângela Ramos Veloso Silva e Desirée Sant’Ana Haikal.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Rose Elizabeth Cabral Barbosa, Giovanni Campos Fonseca, Marta Raquel Mendes Vieira, Tatiana Almeida de Magalhães, Rosângela Ramos Veloso Silva e Desirée Sant’Ana Haikal.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Rose Elizabeth Cabral Barbosa, Giovanni Campos Fonseca, Marta Raquel Mendes Vieira, Tatiana Almeida de Magalhães, Rosângela Ramos Veloso Silva e Desirée Sant’Ana Haikal.

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Recebido: 1.3.2021. Aprovado: 27.4.2022.

49 v. 45, n. 3, p. 32-49 jul./set. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

CONHECIMENTO DOS ENFERMEIROS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE SOBRE ARBOVIROSES

Wesley Alexsander Francoa

https://orcid.org/0000-0002-3791-9622

Bruna dos Reis Santos Machadob

https://orcid.org/0000-0001-8159-117X

Aline Pialarici Teixeirac

https://orcid.org/0000-0002-0325-1513

Ana Paula de Vechi Corrêad

https://orcid.org/0000-0002-9098-3594

Silvia Carla da Silva André Ueharae

https://orcid.org/0000-0002-0236-5025

Resumo

Dengue, zika e chikungunya têm gerado preocupação para os gestores, profissionais de saúde e população devido à elevada morbidade, além de apresentar maior incidência nos países em desenvolvimento. Pretende-se analisar neste artigo o conhecimento autorreferido pelos enfermeiros e a atuação nas ações de controle das arboviroses na Atenção Primária à Saúde. Logo, este artigo consiste em uma pesquisa transversal, descritiva e de abordagem quantitativa, realizada com 23 enfermeiros de 23 unidades de saúde de São Carlos. Os dados foram coletados por meio de um questionário autorrespondido, utilizando um instrumento construído com base em documentos do Ministério da Saúde sobre dengue, zika e chikungunya analisados por meio da estatística descritiva. Foi destacado que 100% (23) dos enfermeiros relataram conhecimento sobre os sinais e sintomas da dengue; 52,2% (12)

a Enfermeiro formado pela Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, São Paulo, Brasil. E-mail: wesley-waf@hotmail.com

b Enfermeira. Mestre em Ciências da Saúde. São Carlos, São Paulo, Brasil. E-mail: bruna.reis.28@hotmail.com

c Enfermeira. Mestre em Ciências da Saúde. São Carlos, São Paulo, Brasil. E-mail: pialaricialine@gmail.com

d Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, São Paulo, Brasil. Docente no Centro Universitário Padre Albino. Catanduva, São Paulo, Brasil. E-mail: paulavechi@yahoo.com.br

e Enfermeira. Doutora em Ciências da Saúde. Docente no Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, São Paulo, Brasil. E-mail: silviacarla@ufscar.br

Endereço para correspondência: Universidade Federal de São Carlos. Rodovia Washington Luiz, s/n, Monjolinho. São Carlos, São Paulo, Brasil. CEP: 13565-905. E-mail: paulavechi@yahoo.com.br

50 50
DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n3.a3300

referiram que o paciente com chikungunya apresenta riscos de hemorragia na fase aguda; 17,4% relataram que a zika não oferece risco de alterações hemodinâmicas. Sendo assim, percebe-se que os enfermeiros possuem um conhecimento clínico adequado sobre dengue; porém, básico e superficial em relação à zika e à chikungunya, especialmente quando as doenças são pareadas.

Palavras-chave: Atenção primária à saúde. Enfermeiro. Dengue. Zika vírus. Febre chikungunya.

KNOWLEDGE OF PRIMARY HEALTH CARE NURSES ABOUT ARBOVIRUSES

Abstract

Given their high morbidity and high incidence in developing countries, dengue, zika and chikungunya are cause concern for managers, health professionals, and the population. This study analyzes the self-reported knowledge by nurses and the actions undertaken to control arboviruses in Primary Health Care. A Cross-sectional, descriptive, and quantitative research was conducted with 23 nurses from 23 health units in São Carlos. Data were collected by means of a self-applied questionnaire, built based on Ministry of Health protocols on dengue, zika and chikungunya, analyzed using descriptive statistics. All nurses reported having knowledge about the signs and symptoms of dengue, 52.2% (12) reported that patients with chikungunya are at risk of hemorrhage in the acute phase, whereas 17.4% answered that Zika is not at risk of hemodynamic changes. The results revealed an adequate clinical knowledge on dengue, but rather basic and superficial regarding zika and chikungunya, especially when diseases are paired.

Keywords: Primary health care. Nurse. Dengue. Zika virus. Chikungunya fever.

CONOCIMIENTOS DE LAS ENFERMERAS DE ATENCIÓN PRIMARIA DE SALUD SOBRE LOS ARBOVIRUS

Resumen

El dengue, el zika y el chikungunya han generado preocupación en los gestores, los profesionales de la salud y la población por su alta morbilidad, además de tener una mayor incidencia en los países en desarrollo. Se pretende analizar los conocimientos autoinformados por enfermeros y el desempeño de acciones de control de arbovirus en la Atención Primaria de

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Revista Baiana de Saúde Pública

Salud. Se trata de un estudio de enfoque transversal, descriptivo y cuantitativo, realizado con 23 enfermeros de 23 unidades de salud de São Carlos (Brasil). Los datos fueron recolectados de un cuestionario autocontestado, utilizando un instrumento construido con base en los Protocolos del Ministerio de Salud sobre dengue, zika y chikungunya, y analizados mediante estadística descriptiva. Se destaca que el 100% (23) de las enfermeras refirió tener conocimiento sobre los signos y síntomas del dengue; el 52,2% (12) dijo que el paciente con chikungunya tiene riesgo de hemorragia en la fase aguda; y el 17,4% informó que el zika no tiene riesgo de sufrir cambios hemodinámicos. Las enfermeras tienen un conocimiento clínico adecuado sobre el dengue; sin embargo, básico y superficial en relación con el zika y el chikungunya, especialmente cuando las enfermedades están emparejadas.

Palabras clave: Atención primaria de salud. Enfermero. Dengue. Virus del Zika. Fiebre chikungunya.

INTRODUÇÃO

As doenças emergentes e reemergentes transmitidas pelo Aedes aegypti (A. aegypti) têm gerado preocupação para os gestores, profissionais de saúde e população devido à elevada morbidade, além de apresentar maior incidência nos países em desenvolvimento. No Brasil, em 2021, foram notificados 534.743 casos prováveis de dengue, 6.143 casos prováveis de zika e 95.852 casos prováveis de Chikungunya1

Dengue, zika e chikungunya são três vírus que circulam no Brasil, colocando a saúde pública em alerta. Embora apresentem sinais clinicamente semelhantes como febre, dor de cabeça, dor nas articulações e exantema, essas doenças apresentam sintomas que as diferem como a presença de febre alta na dengue, dores intensas nas articulações na infecção pelo chikungunya, e, ausência de febre no caso de infecção pela zika2

Nas últimas décadas, o crescimento desordenado da população, o processo de industrialização crescente relacionado à falta de tratamento e coleta de esgotos, acesso inadequado à água e a falta de coleta de resíduos têm contribuído para o aumento de danos à saúde e ao meio ambiente. Ressalta-se que, em âmbito nacional, as arboviroses estão relacionadas, especialmente, aos fatores climáticos, socioambientais e de mobilidade3.

Diante disso, a relação entre determinantes ambientais e fatores climáticos sob a dinâmica da ocorrência das endemias e epidemias, aumentam a possibilidade de disseminação de doenças infecciosas no Brasil devido à alta densidade do vetor, à presença de indivíduos susceptíveis e à intensa circulação de pessoas em áreas endêmicas2.

52

Nesse cenário, ressalta-se a importância dos serviços inseridos na Atenção Primária à Saúde (APS) na implementação de medidas preventivas e educativas de combate ao A. aegypti, além disso, a APS desempenha um papel de organizadora e estruturadora da Rede de Atenção à Saúde (RAS), sendo o primeiro contato dos usuários com os serviços de saúde, destacando-se por atuar na realização de diagnóstico e tratamento de arboviroses. O diagnóstico precoce das arboviroses implica no processo de tomada de decisões e na implementação de ações curativas, a fim de evitar complicações4.

Os profissionais de saúde inseridos na APS, em especial, os enfermeiros tornaramse importantes aliados da população no combate às arboviroses. Esses profissionais possuem um papel primordial no combate ao A. aegypti, atuando na vigilância em saúde, acolhimento com classificação de risco, assistência às pessoas com diagnóstico de alguma arbovirose, e, ainda atuam como orientadores e educadores da população sobre as medidas de prevenção2.

Alguns estudos sobre arboviroses mostram que enfermeiros de Estratégias de Saúde da Família (ESF) têm apresentado dificuldades sobre quais condutas adotar no atendimento às gestantes com diagnóstico de zika, bem como dúvidas sobre quais meios de prevenção da doença, especialmente durante a gestação5. Além disso, foi identificado que profissionais de uma ESF apresentam conhecimento superficial sobre a dengue no que se refere à ecologia do vetor, aspectos clínicos, transmissão e tratamento6.

Santos (2018)7 reforça a essencialidade do conhecimento adequado sobre a dengue por parte do enfermeiro, pois ele é o profissional responsável pelo acolhimento e classificação de risco do paciente suspeito na APS, a fim de garantir uma assistência eficaz e viabilizar a recuperação do paciente, evitando complicações que contribuam negativamente com a evolução do paciente.

A literatura apresenta estudos sobre dengue, zika e chikungunya5-7, porém, são limitados à análise de uma ou duas doenças, sobretudo, quando se refere à avaliação do conhecimento dos enfermeiros de APS sobre as arboviroses, ainda a maioria dos estudos publicados abordam apenas alguns aspectos específicos das arboviroses.

Assim, este estudo pretende minimizar essa lacuna do conhecimento, ou seja, analisar o conhecimento autorreferido pelos enfermeiros e a atuação nas ações de controle das arboviroses na APS.

MATERIAL E MÉTODOS

Este artigo se trata de uma pesquisa transversal, descritiva, exploratória e de abordagem quantitativa, realizada no município de São Carlos (SP). O estudo foi realizado em

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dez Unidades Básicas de Saúde (UBS) e em 13 Estratégia de Saúde da Família (ESF), participando do estudo 23 enfermeiros que atenderam aos critérios de inclusão, ou seja, exerciam a função há mais de três meses e não estavam de férias ou licença.

Os dados foram coletados por meio de um questionário autorrespondido, o instrumento foi construído com base em documentos do Ministério da Saúde sobre Dengue, Zika e Chikungunya; Manual Dengue: diagnóstico e manejo clínico2; Manual Febre Chikungunya: manejo clínico8; Guia de Vigilância em Saúde9; e, Boletim Epidemiológico, volume 46 nº 2610

O instrumento possui 135 questões e está organizado em cinco grupos: epidemiologia (43 questões); fisiopatologia (23 questões); exame clínico (44 questões); evolução e complicações (18 questões); e meios de prevenção (sete questões); avaliando as três doenças em cada grupo; sendo 109 questões afirmativas com respostas sim, não e não sei; e 26 questões com alternativas.

Ressalta-se que os blocos referentes ao exame clínico, evolução e complicação continham questões sobre os sinais e sintomas das doenças; os blocos sobre exame clínico e laboratoriais abordavam questões referentes aos diagnósticos das doenças; ainda, os blocos que incluíam exame clínico e evolução e complicação também versavam sobre questões relativas ao tratamento das arboviroses em estudo.

O instrumento foi construído por não ter um recurso semelhante a esse disponível na literatura. Sendo assim, foi elaborado por um docente e um estudante e avaliado por três especialistas da área para verificar a sua pertinência e adequação. Para um melhor refinamento dos métodos utilizados neste estudo, realizou-se um pré-teste do instrumento, a fim de uma percepção mais acurada das intercorrências que pudessem surgir durante o desenvolvimento da pesquisa, possibilitando alterações, se necessário, antes do início da coleta propriamente dita. O pré-teste foi realizado com 10% dos participantes e os dados foram incluídos no estudo.

Os dados foram coletados no período de fevereiro a maio de 2018, o pesquisador agendava previamente uma reunião com o participante e explicava os objetivos da pesquisa, os aspectos éticos, entregando, por fim, o questionário para o participante da pesquisa, combinando uma data para recolher o instrumento preenchido. Os participantes respondiam em tempo oportuno, uma vez que não foi delimitado o tempo, bem como não foi proibido à consulta à bibliografia impressa ou digital.

Os dados foram duplamente digitados em um banco de dados no programa Excel, visando à minimização de erros de digitação, e foram analisados por meio da estatística descritiva. Para a apresentação dos resultados deste estudo foram consideradas as variáveis de maior relevância sanitária, epidemiológica e clínica das doenças de cada grupo.

54

Quanto aos aspectos éticos, este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), CAAE: 62119516.9.0000.5504. Número do parecer: 1.939.981. Todos os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

Os resultados foram analisados de acordo com os grupos de variáveis: aspectos epidemiológicos, aspectos fisiopatológicos, exame clínico, evolução e complicações e meios de prevenção.

Em relação aos aspectos epidemiológicos, 23 (100%) enfermeiros referiram ter conhecimento sobre o vetor da dengue, zika e chikungunya; e, 23 (100%) participantes informaram que essas doenças são de notificação compulsória. Para nove (39,1%) enfermeiros, a equipe de enfermagem é responsável pelo preenchimento da ficha individual de notificação dessas arboviroses; em que 21 (91,4%) referiram realizar o preenchimento integral da ficha de notificação de dengue; e 22 (95,7%) afirmaram preencher integralmente as fichas de notificação de zika e chikungunya (Tabela 1).

Tabela 1 – Conhecimento dos 23 enfermeiros de serviços da APS de São Carlos sobre aspectos epidemiológicos de dengue, zika e chikungunya. São Carlos, São Paulo, Brasil – 2018

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Variáveis Dengue Zika Chikungunya N % N % N % Conhecimento do vetor Sim 23 100 23 100 23 100 Não 0 0,0 0 0,0 0 0,0 Doença de notificação compulsória Sim 23 100 23 100 23 100 Não 0 0,0 0 0,0 0 0,0 Responsável pelo preenchimento da ficha de notificação Equipe de enfermagem 9 39,1 9 39,1 9 39,1 Enfermeiros 8 34,8 8 34,8 8 34,8 Profissionais da saúde 6 26,1 6 26,1 6 26,1 Preenchimento integral da ficha individual de notificação Sim 21 91,4 22 95,7 22 95,7 Não 1 4,3 1 4,3 1 4,3 Branco 1 4,3 0 0,0 0 0,0
Fonte:
Elaboração própria.

Em relação aos aspectos fisiopatológicos da dengue, 23 (100%) participantes relataram reconhecer os sinais de alarme; 22 (95,7%) afirmaram que o paciente com dengue pode apresentar risco de choque; e 23 (100%) disseram conhecer os motivos da contraindicação de ácido acetilsalicílico, anti-inflamatórios não esteroides e anticoagulantes. Além disso, 23 (100%) dos enfermeiros afirmaram a possibilidade da ocorrência de alterações hemodinâmicas (Tabela 2).

Tabela 2 – Conhecimento dos 23 enfermeiros de serviços da APS de São Carlos sobre aspectos fisiopatológicos da dengue, zika e chikungunya. São Carlos, São Paulo, Brasil – 2018

56
Variáveis N % DENGUE Sinais de alarme Sim 23 100,0 Não 0 0,0 Risco de choque Sim 22 95,7 Não 1 4,3 Contraindicação de ácido acetilsalicílico, anti-inflamatórios não esteroides e anticoagulantes Sim 23 100,0 Não 0 0,0 Ocorrência de alterações hemodinâmicas Sim Não Branco 18 0 0 78,3,0 0,0 0,0 ZIKA Transmissão pela via sexual Sim 18 78,3 Não 5 21,7 Causa microcefalia em crianças Sim 22 95,7 Não 0 0,0 Branco 1 4,3 Ocorrência de alterações hemodinâmicas Sim 18 78,3 Não 4 17,4 Branco 1 4,3 CHIKUNGUNYA Evolução para forma crônica Sim 20 87,0 Não 3 13,0 Ocorrência de alterações hemodinâmicas Sim 18 78,3 Não 4 17,4 Branco 1 4,3
Elaboração própria.
Fonte:

Quanto à fisiopatologia da zika, 18 (78,3%) participantes informaram que o vírus pode ser transmitido por via sexual; e 22 (95,7%) afirmaram que uma das complicações seria a transmissão do vírus da gestante para o feto e a possibilidade de causar a microcefalia.

Ademais, 18 (78,3%) dos enfermeiros relataram que o paciente pode apresentar alterações hemodinâmicas (Tabela 2).

Quanto aos aspectos fisiopatológicos da chikungunya, vinte (87%) dos enfermeiros afirmaram que a doença pode evoluir para a cronicidade e 18 (78,3%) afirmaram que os pacientes contaminados com o vírus da chikungunya podem apresentar alterações hemodinâmicas (Tabela 2).

Em relação ao exame clínico para diagnóstico da dengue, 23 (100%) dos enfermeiros referiram ter conhecimento dos sinais e sintomas e relataram realizar o exame físico; 17 (74%) referiram que os sinais e sintomas da dengue consistem em febre alta, dor retroorbitária, cefaleia e petéquias.

Em casos suspeitos de zika, vinte (87%) enfermeiros relataram saber identificar os sinais e sintomas e afirmaram realizar o exame físico. Em relação ao exame clínico da pessoa com suspeita de zika, 19 (82,8%) enfermeiros relataram que esse paciente pode apresentar febre baixa e hiperemia conjuntival (Tabela 3).

Tabela 3 – Conhecimento dos 23 enfermeiros de serviços da APS de São Carlos sobre o exame clínico da dengue, zika e chikungunya. São Carlos, São Paulo, Brasil – 2018

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Variáveis N % DENGUE Conhecimento dos sinais e sintomas Sim 23 100,0 Não 0 0,0 Realização do exame físico Sim 23 100,0 Não 0 0,0 Descrição dos sinais e sintomas Febre alta, dor retro-orbitária, cefaleia, petéquias 17 74,0 Febre alta, dor retro-orbitária, cefaleia, dificuldade respiratória, petéquias 4 17,4 Febre alta, dor retro-orbitária, cefaleia 2 8,6 ZIKA Conhecimento dos sinais e sintomas Sim 20 87,0 Não 0 0,0 Branco 3 13,0 Realização do exame físico Sim 20 87,1 Não 2 8,6 Branco 1 4,3 (continua)

e hiperemia conjuntival são considerados um achado clínico diferencial

Para os casos suspeitos de chikungunya, 22 (95,7%) profissionais afirmaram reconhecer os sinais e sintomas da doença e vinte (87%) disseram realizar o exame físico. Sobre o exame clínico, 23 (100%) enfermeiros afirmaram que a poliartralgia deve ser considerado um achado clínico diferencial para o diagnóstico da doença ( Tabela 3 ).

Sobre a evolução clínica e complicações da dengue, 22 (95,7%) enfermeiros afirmaram que pacientes que apresentam sangramento em grande quantidade devem ser classificados como dengue grave e 23 (100%) afirmaram ter conhecimento sobre a dengue hemorrágica. Quanto à evolução e complicações da zika, vinte (87%) afirmaram que a zika pode ser associada como um fator de risco para a Síndrome de Guillain-Barré (SGB) e 21 (91,4%) relataram que a síndrome congênita é uma possível complicação (Tabela 4).

(continua)

Variáveis N %

DENGUE

Sangramento em grande quantidade um critério de dengue grave

Sim

Não

Branco

22 95,7

0 0,0

1 4,3

58 Variáveis N %
Sim 19 82,8 Não 2 8,6 Branco 2 8,6 CHIKUNGUNYA Conhecimento dos sinais e sintomas Sim 22 95,7 Não 0 0,0 Branco 1 4,3 Realização do exame físico Sim 20 87,0 Não 3 13,0 Poliartralgia um achado clínico diferencial Sim 23 100,0 Não 0 0,0
Febre baixa
Fonte: Elaboração própria. Tabela 4 – Conhecimento dos 23 enfermeiros de serviços da APS de São Carlos sobre evolução e complicações da dengue, zika e chikungunya. São Carlos, São Paulo, Brasil – 2018 Tabela 3 – Conhecimento dos 23 enfermeiros de serviços da APS de São Carlos sobre o exame clínico da dengue, zika e chikungunya. São Carlos, São Paulo, Brasil – 201 8 (conclusão)

Tabela 4 – Conhecimento dos 23 enfermeiros de serviços da APS de São Carlos sobre evolução e complicações da dengue, zika e chikungunya. São Carlos, S ão Paulo, Brasil – 2018 (conclusão)

podem ser usados na fase aguda

da temperatura pode ser associada a uma bradicardia

forma mais grave em recém-nascido

Ainda, em relação à evolução e complicações da chikungunya, 12 (52,2%) relataram que o paciente apresenta risco de desenvolver hemorragia na fase aguda da doença, 16 (69,6%) referiram que não pode ser prescrito anti-inflamatórios não hormonais na fase aguda, 15 (65,2%) afirmaram que a queda da temperatura pode ser associada a uma bradicardia. Também, 14 (60,9%) relataram que a fase aguda deve ser considerada como a forma mais grave em recém-nascido (Tabela 4).

Em relação ao conhecimento dos enfermeiros sobre os meios de prevenção para dengue, zika e chikungunya, 18 (78,3%) afirmaram realizar a distribuição de panfletos

59 v. 45, n. 3, p. 50-69 jul./set. 2021 Variáveis N % Conhecimento de dengue hemorrágica Sim 23 100,0 Não 0 0,0 ZIKA Fator de risco para síndrome de
Sim 20 87,0 Não 0 0,0 Branco 3 13,0 Síndrome congênita (microcefalia) Sim 21 91,4 Não 1 4,3 Branco 1 4,3 CHIKUNGUNYA Risco de hemorragia na fase aguda Sim 12 52,4 Não 10 43,3 Branco 1 4,3 Anti-inflamatórios
hormonais
Sim 5 21,8 Não 16 69,6 Branco 2 8,7 A
Sim 15 65,2 Não 2 8,6 Branco 6 26,2 Fase aguda é
Sim 14 60,9 Não 4 17,4 Branco 5 21,7
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Guillain-Barré
não
queda
a
Fonte: Elaboração própria.

educativos sobre o vetor Aedes aegypti; 17 (73,9%) referiram que também realizam orientações presenciais; e, 14 (60,9%) afirmaram não existir parceria entre a unidade de saúde e comunidade para combate do vetor (Tabela 5).

Tabela 5 – Conhecimento dos 23 enfermeiros de serviços da APS de São Carlos sobre os meios de prevenção de dengue, zika e chikungunya. São Carlos, São Paulo, Brasil – 2018

Variáveis

% Distribuição de panfletos educativos sobre o Aedes aegypti

de orientações educativas

participativa entre unidade e comunidade

ativo para educação preventiva

Planejamento para a disseminação de informações educativas-preventivas em escolas

Satisfação com a forma que a unidade age quanto aos meios preventivos

Fonte: Elaboração própria.

Para 14 (60,9%) enfermeiros, a unidade de saúde não desenvolve programas e ações ativas para educação preventiva; 15 (65,2%) relataram não ter planejamento para a disseminação de informações educativas e preventivas em escolas e, 13 (56,5%) relataram insatisfação com a sua unidade de saúde em relação ao planejamento das ações preventivas (Tabela 5).

DISCUSSÃO

O conhecimento sobre os aspectos epidemiológicos deve ser considerado essencial para o controle dessas arboviroses, especialmente quanto ao preenchimento integral das fichas de notificação individual. Esse preenchimento fornece dados fundamentais para os serviços de saúde e gestão, consistindo em importantes ferramentas para o planejamento das ações de controle das arboviroses.

60
Sim 18 78,3 Não 4 17,4 Branco 1 4,3 Realização
Sim 17 73,9 Não 6 26,1 Ação
Sim 9 39,1 Não 14 60,9 Programa
Sim 8 34,8 Não 14 60,9 Branco 1 4,3
N
Sim 8 34,8 Não 15 65,2
Sim 10 43,5 Não 13 56,5

Com base nos resultados deste estudo, é compreendido que os enfermeiros reconhecem as atividades referentes à notificação dos casos suspeitos das arboviroses, porém, é ressaltado que os profissionais de enfermagem não são os únicos responsáveis por realizar a notificação dos casos. Entretanto, infere-se que esse resultado pode estar relacionado ao fato de a enfermagem realizar o acolhimento dos usuários e, em seguida, notificar os casos suspeitos.

A notificação compulsória constitui importante ferramenta dos serviços de vigilância em saúde pública, sendo utilizada como elemento essencial para o desencadeamento de ações de vigilância em saúde para sua prevenção e controle11. Nesse contexto, ressaltase que a subnotificação e o preenchimento inadequado das fichas de notificação favorecem a geração de dados deficientes e não confiáveis, contribuindo para o desconhecimento do processo saúde-doença, além de implicar nas ações de planejamento em saúde12

Estudo realizado em Fundão, Espírito Santo mostrou que a proporção de informação ignorada e em branco foi elevada para a maioria das variáveis atribuídas à ficha de notificação de dengue, em que campos como raça/cor e escolaridade não foram preenchidas em 49% das fichas analisadas12 As lacunas no preenchimento das informações influenciam a análise e o processamento dos dados, além de resultar em uma estimativa equivocada da magnitude do surto ou epidemia tanto de arboviroses como de outras doenças de notificação compulsória, contribuindo para o desconhecimento do real perfil epidemiológico12.

Assim, torna-se essencial o investimento em estratégias de capacitação das equipes de saúde, pretendendo corrigir e fortalecer os conceitos e diretrizes do processo de notificação e utilização adequada dos sistemas de informações, além da sensibilização sobre a importância da qualidade do registro das notificações compulsórias, a fim de fundamentar os sistemas de informação em saúde e viabilizar uma efetiva vigilância epidemiológica11-12.

Os resultados deste estudo demonstram que os enfermeiros conhecem os aspectos fisiopatológicos da dengue, situação que pode estar relacionada com o fato da doença ser considerada reemergente e por apresentar surtos e epidemias com maior frequência, em detrimento da zika e chikungunya que são arboviroses emergentes e os surtos não foram da mesma intensidade no país.

O conhecimento dos enfermeiros quanto à assistência às pessoas com suspeita de alguma arbovirose pode interferir na identificação de sinais de alarme da dengue como sangramentos, dor abdominal, hipotensão e desconforto respiratório. O reconhecimento dos sinais de gravidade é fundamental para a classificação do paciente, possibilitando um atendimento adequado, além de minimizar os riscos de complicações, principalmente às relacionadas ao risco de evolução para a dengue hemorrágica13.

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Em relação à zika, é deduzido que pelo fato de ser uma doença emergente pode ter influenciado as respostas dos participantes, uma vez que não é comum nos serviços de saúde como a dengue e apresenta semelhanças entre elas. Entretanto, nesse contexto, destaca-se a importância de atividades de educação permanente em saúde, uma vez que os enfermeiros devem estar preparados para acolher, identificar e orientar os usuários com suspeita de qualquer arbovirose.

Durante a epidemia de zika, em 2016 no Brasil, foi verificado um aumento do número de notificações de crianças com microcefalia secundária à infecção pela doença, sinalizando a necessidade de implementação de um planejamento reprodutivo que discuta com os futuros pais o risco da infecção durante a gestação. Os enfermeiros devem esclarecer os riscos de transmissão do zika vírus durante a relação sexual, os riscos de contaminação do feto e orientar medidas de proteção individual e coletiva para evitar o contato com o vetor e estimular a realização do pré-natal14.

Nos Estados Unidos foi publicado um relatório que revelou a ocorrência de seis casos confirmados de transmissão sexual do zika vírus, de pessoas do sexo masculino que viajaram para áreas de transmissão contínua do vírus14. Diante dessa situação, ressalta-se o papel de orientador e educador em saúde desempenhado pelos enfermeiros, que devem desenvolver juntamente com a equipe atividades para orientar a população, em especial as pessoas que residem ou viajam para áreas de transmissão do zika vírus e áreas em períodos epidêmicos a usarem preservativos durante a relação sexual15.

No ano de 2018, no município de São Carlos (SP) ocorreram 58 notificações de casos suspeitos de casos de chikungunya e apenas dois casos foram confirmados16 Essa ocorrência de chikungunya, pode ter influenciado as respostas dos enfermeiros, uma vez que o conhecimento teórico e educação permanente em saúde articulam com o contexto da prática, ou seja, se o profissional não assiste com frequência casos de determinadas doenças, possivelmente apresentará dificuldade em responder sobre ela.

A chikungunya pode desencadear um quadro clínico caracterizado por uma fase aguda com febre de início súbito e intensa poliartralgia, rush cutâneo, cefaleia e fadiga, podendo persistir por até 14 dias. Os sinais e sintomas da doença pode persistir na fase subaguda, em que ocorre agravamento da artralgia com duração de até três meses; e, por fim se os sinais e sintomas continuarem, a doença pode cronificar por até três anos, conhecida como a fase crônica17.

Estudo realizado por Cavichiolli (2018)18 mostrou que 30,18% dos pacientes acometidos pela chikungunya evoluíram para a fase crônica, além disso, os pacientes apresentavam dificuldades para desenvolver atividades cotidianas e domésticas, resultando em absenteísmo ao trabalho e, consequentemente, levando às perdas de qualidade de vida e econômicas.

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Ressalta-se a importância dos enfermeiros estarem aptos a identificar os achados clínicos diferenciais de outras arboviroses. A febre baixa e hiperemia conjuntival são considerados um achado clínico diferencial no caso da zika, os casos de dengue apresentam febre alta, e, a maioria dos casos de chikungunya também apresenta febre alta. A artralgia também é um sintoma diferencial, nos casos de dengue e zika as dores são consideradas leves a moderadas, e nos casos de chikungunya as dores são intensas e podem cronificar1,3.

Destaca-se a importância do diagnóstico diferencial entre dengue e chikungunya, uma vez que ambas podem ser confundidas com outras doenças causadoras de febre e com sintomas semelhantes, difíceis de diferenciar clinicamente. Tais semelhanças podem influenciar na definição de um diagnóstico e tratamento inadequados, além de aumentar a probabilidade de complicações dessas doenças19

O acolhimento de usuários com suspeita de alguma arbovirose, pode ser considerado uma estratégia essencial e efetiva para classificá-los com base nos sinais e sintomas que apresentam, garantindo uma assistência segura. Ressalta-se que o acolhimento pode ser comprometido em períodos de surtos e epidemias; porém, nessas situações os serviços de saúde devem buscar oferecer uma entrada diferenciada para esses usuários, como forma de garantir uma classificação de risco, especialmente para pessoas com suspeita de dengue, devido ao risco de agravamento.

O acolhimento com classificação de risco, possibilita a identificação precoce de sinais e sintomas que indiquem a gravidade da doença, e o início de um tratamento imediato. As pessoas com sinais e sintomas da dengue podem ser classificadas nos grupos A, B, C e D, sendo os grupos C e D de maior gravidade20

Nesse contexto, os usuários ao procurarem os serviços de saúde, geralmente, são acolhidos por enfermeiros com quem estabelecem o primeiro contato. O acolhimento com classificação de risco realizado pelo enfermeiro exige um olhar diferenciado na avaliação de pessoas com suspeita de dengue. A identificação precoce de sinais e sintomas de alarme possibilita o início de um tratamento imediato, podendo reduzir as taxas de mortalidade da doença1,3

Este estudo evidencia que os enfermeiros reconhecem a possibilidade de agravamento dos casos de dengue; inferindo a necessidade de um acolhimento com classificação de risco, orientação e acompanhamento dos casos a fim de identificar os sinais de alarme e intervir precocemente. No cotidiano da prática clínica, em especial, em relação ao acompanhamento de casos de dengue, um estudo verificou uma supervalorização da plaquetopenia e da hemorragia em relação aos demais sinais de alarme, como por exemplo, a dor abdominal que estava presente em 57,6% dos pacientes com dengue. A equipe de saúde

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deve estar atenta durante a triagem desses pacientes, buscando a correlação entre sinais e sintomas clínicos e laboratoriais que possam indicar a gravidade da doença21.

A partir dos resultados obtidos neste estudo em relação às complicações e evolução da zika e chikungunya, entende-se que o conhecimento dos enfermeiros em relação às possíveis complicações da zika está relacionado com as evidências científicas da relação da doença com os casos de microcefalia, situação intensamente divulgada na mídia e trabalhada pelo Ministério da Saúde; entretanto, a relação entre a zika e SGB não foi abordada como a microcefalia, o que pode ter influenciado nos resultados. Por outro lado, a chikungunya não foi divulgada amplamente na mídia, a cronicidade da doença se restringia a um pequeno grupo da população, são fatores que podem ter influenciado o resultado, agregado a isso, pode-se acrescentar que no município do estudo também não foi notificado um número expressivo de casos.

Em relação à zika, essa pode ser considerada uma arbovirose sem complicações severas; entretanto, durante uma epidemia na Polinésia Francesa, entre novembro de 2013 e fevereiro de 2014, foram relatados casos de pacientes infectados pelo zika vírus que apresentaram a SGB, ainda, alguns pacientes desenvolveram outras complicações neurológicas (encefalite, meningoencefalite, paralisia facial e mielite)22.

Estudo realizado durante o surto da zika em Cúcuta, Colômbia, mostrou que a incidência de desenvolvimento de SGB em Cúcuta aumentou 4,41 vezes. Os pacientes que evoluem para SGB necessitam de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), pois podem apresentam comprometimento respiratório grave e evoluir para óbito se não receber assistência no tempo adequado 23

No período de 2000 a 2014, foram registrados 2.464 nascidos vivos com microcefalia relacionada ao zika vírus no Brasil, com média anual de 164 casos. No ano de 2015, o número de casos aumentou nove vezes em relação a essa média, totalizando 1.608 casos, esse aumento tem sido atribuído à exposição intrauterina ao zika vírus24. Ainda, em 2016, foram registrados no Brasil a ocorrência de 216.207 casos de zika25

As ações de educação em saúde devem ser consideradas o alicerce para o controle das arboviroses. Nesse contexto, este estudo evidencia que tais ações referidas pelos participantes do estudo são transmitidas aos usuários, sem uma participação ativa e reflexiva. Ressalta-se que os usuários devem ser estimulados a refletir sobre suas ações e os impactos decorrentes delas para toda a comunidade. A falta de planejamento das ações e articulação com a comunidade pode contribuir para a falta de adesão dos usuários às orientações, bem como gerar uma insatisfação entre a equipe que não obtém os resultados desejados. As ações

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de educação em saúde devem ser planejadas e executadas juntamente com os usuários, uma vez que esses devem se sentir parte do processo, ou seja, as equipes de saúde devem fazer com e não para os usuários.

Nesse contexto, em uma pesquisa realizada com Agentes Comunitários de Saúde (ACS), foi evidenciado que o comprometimento e envolvimento da comunidade são considerados um desafio para o controle das arboviroses. A falta de conscientização e de educação da população em relação ao combate do mosquito são os problemas mais citados pelos ACS26.

Diante disso, ressalta a necessidade de desenvolver diferentes estratégias para sensibilização da população. O controle das arboviroses envolve ações complexas de políticas públicas, planejamento, infraestrutura, acesso aos serviços de saúde, capacitação dos profissionais da saúde, educação ambiental, além do envolvimento e comprometimento da população. Enfatiza-se que a participação da comunidade e a gestão do poder público são componentes decisivos para o sucesso no controle do mosquito, por meio da efetivação das medidas de controle e prevenção27

Destaca-se que o principal desafio em relação à prevenção das arboviroses, de acordo com enfermeiros da APS, refere-se à adesão da população às medidas preventivas. Esses profissionais desenvolvem um importante trabalho educativo para prevenção de arboviroses, buscando sensibilizar a população sobre medidas preventivas, identificação de sinais e sintomas, além de informar sobre os riscos da doença28.

Um estudo realizado com enfermeiros de ESF mostrou que esses profissionais realizam atividades de educação em saúde na unidade, nas escolas e em residências durante as visitas domiciliares, com o objetivo de orientar a população em relação à prevenção de arboviroses. Dentre as ações educativas, os enfermeiros realizavam palestras para a população sobre as arboviroses, visando favorecer a prática de atividades de prevenção das doenças; porém, tais atividades eram realizadas somente diante do aumento de casos dessas doenças 12

Ainda, é importante ressaltar que as unidades de ESF possuem somente um enfermeiro, que muitas vezes se encontra sobrecarregado, não conseguindo dar a atenção necessária para o atendimento e realização de atividades de educação em saúde direcionadas para a prevenção das arboviroses. Os enfermeiros de ESF realizam atividades de gestão, assistencial e promotoras de saúde, sendo que diante de surtos e epidemia, a rotina desses profissionais tornou ainda mais sobrecarregada28

Por fim, a partir do exposto, fica evidente a necessidade de implementar estratégias que diminuam a sobrecarga do enfermeiro e minimizem os desafios no trabalho da

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enfermagem, priorizando as ações de impacto na saúde pública. Destaca-se que a endemicidade das arboviroses no Brasil exige a implementação de políticas de educação permanente tanto para os enfermeiros como para as equipes da APS, em relação às ações de controle e assistência às pessoas acometidas por alguma arbovirose.

As limitações encontradas neste estudo referem-se à sobrecarga de trabalho dos participantes, que impossibilitaram a participação de toda a população definida no estudo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista os resultados, foi possível analisar o conhecimento autorreferido pelos enfermeiros da APS do município de São Carlos sobre dengue, zika e chikungunya e verificar que existe uma generalidade de conhecimento quando às doenças que são pareadas.

O questionário permitiu realizar a comparação entre as diferentes condutas e conhecimentos dos enfermeiros sobre as arboviroses. É notório que os enfermeiros possuem um conhecimento clínico sobre a dengue, seja pelos exames clínicos, exames e evolução e complicações; no entanto, existe uma lacuna no conhecimento quando se aborda a zika e chikungunya. Ressalta-se que mesmo as arboviroses que apresentam particularidades quanto aos sinais e sintomas, os profissionais ainda possuem dificuldade em diferenciá-las.

Por fim, enfatiza-se a necessidade de intervenções que possibilitem uma educação permanente, não somente dos enfermeiros mas de toda a equipe de saúde, a fim de qualificar a abordagem para com usuários com suspeitas de alguma arbovirose, bem como no desenvolvimento de ações preventivas e de controle dessas doenças.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Wesley Alexsander Franco e Silvia Carla da Silva André Uehara.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Wesley Alexsander Franco, Bruna dos Reis Santos Machado, Aline Pialarici Teixeira, Ana Paula de Vechi Corrêa e Silvia Carla da Silva André Uehara

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Wesley Alexsander

Franco, Bruna dos Reis Santos Machado, Aline Pialarici Teixeira, Ana Paula de Vechi Corrêa e Silvia Carla da Silva André Uehara

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Wesley Alexsander Franco, Bruna dos Reis Santos Machado, Aline Pialarici Teixeira, Ana Paula de Vechi Corrêa e Silvia Carla da Silva André Uehara.

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Recebido: 1.3.2021. Aprovado: 21.5.2022.

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Revista Baiana de Saúde Pública

DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n3.a3424

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

CAPACITAÇÃO DE PROFISSIONAIS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA EM SAÚDE: UM CAMINHO PARA A PROMOÇÃO DA FITOTERAPIA

Ana Lúcia Bertarello Zenia

https://orcid.org/0000-0002-9904-9861

Tereza Cristina Léo Galvãob

https://orcid.org/0000-0002-41419904-7107

Otto Rodolfo Sassec

https://orcid.org/0000-0003-2723-7377

Resumo

O uso de plantas medicinais e fitoterápicos é uma prática contemplada na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), lançada pelo Ministério da Saúde (MS). Este estudo visou implantar as práticas integrativas e complementares envolvendo plantas medicinais e fitoterápicos na Atenção Básica (AB), em Blumenau (SC). A pesquisa-ação de abordagem qualiquantitativa com ações educativas abrangeu 27 profissionais de diversas categorias. Foi realizada uma capacitação sobre a temática com conteúdo teórico/prático, matriciamento e oficina de projetos. Além disso, foram aplicados três questionários e realizados registros fotográficos e uma entrevista. Os profissionais responderam que fazem uso próprio das plantas medicinais (69%), prescrevem ou sugerem seu uso na AB (72,4%), tinham conhecimento anterior à capacitação sobre a PNPIC (65,9%), 76% conheciam a Política Nacional das Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF) e 90% relataram que os pacientes têm interesse nessa prática. Entretanto, dos 29 medicamentos de referência citados para as enfermidades de difícil tratamento, somente dois eram fitoterápicos, garra-do-diabo e valeriana. Percebeu-se que a atividade de desenvolver um projeto oportunizou construir a prática no cotidiano da AB. Essa vivência evidenciou dificuldades como alta demanda de serviço, complexidade dessa prática, necessidade de auxílio financeiro e revisão da Relação Municipal de Medicamentos

a Professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Regional de Blumenau. Blumenau, Santa Catarina, Brasil. E-mail: zeni.ana@gmail.com

b Enfermeira. Mestre em Saúde Coletiva. Blumenau, Santa Catarina, Brasil. E-mail: tleogalvao@yahoo.com.br

c Biólogo. Licenciado em Ciências Biológicas. Blumenau, Santa Catarina, Brasil. E-mail: otto_902@hotmail.com Endereço para correspondência: Universidade Regional de Blumenau. Rua São Paulo, n. 2.171, Itoupava Seca. Blumenau, Santa Catarina, Brasil. CEP: 89030-001. E-mail: anazeni@furb.br

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Essenciais (REMUME). Por outro lado, foram identificados facilitadores como apoio da gestão, hortas medicinais e participação da comunidade. Recomenda-se a continuação das formações, intersetoriais, com envolvimento de gestores e comunidade por meio de projetos. Sugere-se como tema norteador plantas medicinais e fitoterápicos utilizados para o manejo de doenças consideradas de difícil tratamento: depressão, ansiedade, diabetes e hipertensão. Palavras-chave: Fitoterapia. Plantas medicinais. Terapias complementares. Atenção primária à saúde.

TRAINING OF PRIMARY HEALTH CARE PROFESSIONALS:

A PATH FOR PROMOTING PHYTOTHERAPY

Abstract

Use of medicinal plants and herbal medicines is a practice contemplated in the National Policy of Integrative and Complementary Practices (PNPIC), launched by the Ministry of Health (MS). Hence, this study sought to implement integrative and complementary practices involving medicinal plants and herbal medicines at a Primary Care (PC) unit in Blumenau, Santa Catarina, Brazil. A quantitative and qualitative action research involving educational actions was conducted with 27 professionals from different categories. A training was held on the topic with theoretical/practical content, matrix support, and project workshop. Additionally, participants answered three questionnaires and participated in an interview. Photographic records were taken. Professionals reported making use of medicinal plants (69%), prescribing or suggesting their use in PC (72.4%), and knowing the PNPIC prior to training (65.9%). A total of 76% knew about the National Policy of Medicinal Plants and Herbal Medicines (PNPMF) and 90% reported that patients are interested in this practice. However, of 29 reference drugs mentioned for difficult-to-treat illnesses, only two were herbal medicines, devil’s claw and valerian. The project workshop allowed to implement this practice in PC daily routine. This experience highlighted difficulties such as high service demand, complexity of this practice, need for financial support, and revision of the Municipal List of Essential Medicines (REMUME). In turn, management support, medicinal gardens, and community participation were identified as facilitators. Intersectoral training should continue and involve managers and the community through projects. Medicinal plants and herbal medicines used to manage difficult-to-treat illnesses, depression, anxiety, diabetes and hypertension should be the guiding theme.

Keywords: Phytotherapy. Medicinal plants. Complementary therapies. Primary health care.

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Revista Baiana de Saúde Pública

FORMACIÓN DE PROFESIONALES EN ATENCIÓN PRIMARIA DE SALUD:

UNA FORMA DE PROMOCIÓN DE LA FITOTERAPIA

Resumen

El uso de plantas medicinales y fitoterápicos es una práctica que se encuentra presente en la Política Nacional de Prácticas Integradas y Complementarias (PNPIC) impulsada por el Ministerio de Salud (MS). Este estudio tuvo como objetivo promover la implementación de la práctica integrada de plantas medicinales y fitoterapéuticos en la Atención Primaria (AP), en Blumenau, Santa Catarina (Brasil). La investigación-acción, con enfoque cualicuantitativo, incluía actividades educativas destinadas a 27 profesionales de diferentes sectores. Se realizaron capacitaciones en el tema involucrando contenidos teórico-prácticos, soporte matricial y taller de proyectos. Además, se aplicaron tres cuestionarios, una entrevista y registros fotográficos. Los profesionales respondieron que hacen uso propio de las plantas medicinales (69%), prescriben o sugieren en AP (72,4%), tenían conocimientos previos sobre la formación de la PNPIC (65,9%), el 76% de ellos conocía la Política Nacional de Plantas Medicinales y Herbolarios (PNPMF) y el 90% mostró que los pacientes están interesados en esta práctica. Sin embargo, de los 29 medicamentos de referencia citados para enfermedades de difícil tratamiento, solo dos eran medicamentos a base de plantas, harpagofito y valeriana. Se percibió que la actividad de elaboración de un proyecto posibilitó la construcción de la práctica en el cotidiano de AP. Esta experiencia mostró dificultades como alta demanda de servicio, complejidad de esta práctica, necesidad de asistencia financiera y revisión de la Lista Municipal de Medicamentos Esenciales (REMUME). Por otro lado, se identificaron facilitadores como apoyo a la gestión, jardines medicinales y participación comunitaria. Se recomienda continuar la formación intersectorial con el involucramiento de los gestores y la comunidad a través de proyectos. Se sugiere como tema rector plantas medicinales y fitoterápicos utilizados para el manejo de enfermedades consideradas de difícil tratamiento, como depresión, ansiedad, diabetes e hipertensión.

Palabras clave: Fitoterapia. Plantas medicinales. Terapias complementarias. Atención primaria de salud.

INTRODUÇÃO

No Brasil, em 2006 o Ministério da Saúde (MS) instituiu a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), que inclui homeopatia, plantas medicinais e fitoterapia, acupuntura, medicina chinesa e termalismo social/crenoterapia no Sistema Único de Saúde (SUS), prioritariamente na Atenção Primária à Saúde (APS). A política surgiu com

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o objetivo de incrementar as abordagens em saúde, ampliar as opções de tratamento e promover a saúde1. No mesmo ano, foi aprovada por decreto a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), um eixo da PNPIC, que prevê um resgate do conhecimento popular associado ao conhecimento científico comprovado sobre os benefícios do uso de plantas medicinais e fitoterápicos em diversos tratamentos2

As plantas medicinais são capazes de aliviar ou curar enfermidades e têm tradição de uso como medicamentos em uma população ou comunidade. Para usá-las, é preciso conhecer a planta e saber onde colhê-la e como prepará-la. Normalmente, são utilizadas na forma de chás e infusões. Quando a planta medicinal é industrializada para se obter um medicamento, tem-se como resultado o fitoterápico. A PNPMF busca garantir e ampliar o acesso às plantas medicinais e aos fitoterápicos, além de possibilitar seu uso racional pela população brasileira, promovendo a utilização sustentável da biodiversidade e o desenvolvimento da cadeia produtiva nacional. Essa política contém diretrizes para cultivo e produção, o que contribui para a pesquisa e para o desenvolvimento de tecnologias e inovações na área de plantas medicinais e fitoterápicos. No SUS, o programa Farmácia Viva propõe o modelo de assistência social farmacêutica que compreende o cultivo, a coleta, o processamento e o armazenamento de plantas medicinais nativas ou aclimatadas, bem como a manipulação e a dispensação de preparações magistrais e oficinais de plantas medicinais e fitoterápicos3.

Em Blumenau (SC), foi realizada uma pesquisa na Atenção Básica (AB) evidenciando que os profissionais queriam ser capacitados, pois eles acreditavam no efeito das plantas medicinais e dos fitoterápicos, mas não se sentiam seguros para prescrevê-los ou indicá-los4 De forma geral, nos cursos de graduação não são incluídos conteúdos das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) nas grades curriculares. Salles et al.5 analisaram essa situação em faculdades de enfermagem, medicina e fisioterapia no Brasil. Das 209 instituições públicas de ensino superior analisadas, somente 43 (32,3%) ofereciam disciplinas relacionadas ao tema. O estudo revelou ainda que as escolas de enfermagem ofereciam mais disciplinas, seguidas pelos cursos de medicina e fisioterapia (26,4%, 17,5% e 14,6%, respectivamente). No entanto, a maioria delas é oferecida de forma optativa, ficando boa parte dos profissionais de saúde sem a formação acadêmica sobre essa temática.

O Ministério da Saúde, em 2004, instituiu a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) como procedimento no SUS para a qualificação dos profissionais e trabalhadores, buscando integrar ensino, serviço e comunidade. Além disso, a política considera a regionalização da gestão do SUS como base para o desenvolvimento de iniciativas qualificadas para o enfrentamento de necessidades e dificuldades no sistema.

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Revista Baiana de Saúde Pública

A Educação Permanente em Saúde (EPS) se baseia na aprendizagem significativa e na possibilidade de transformar as práticas profissionais por meio da aprendizagem e do ensino no cotidiano das organizações 6. A EPS, dessa forma, se torna um caminho educacional com potencial de gerar reflexão sobre o processo de trabalho, autogestão, mudança institucional e transformação das práticas em serviço. Consequentemente, a organização de ações e serviços em uma perspectiva intersetorial 7 tem potencial de se tornar um instrumento de mudanças e transformações no serviço de saúde 8 .

Nesse sentido, este estudo teve como objetivo realizar a capacitação de profissionais da saúde em práticas integrativas e complementares envolvendo plantas medicinais e fitoterápicos e assessorar a sua implantação na AB em Blumenau (SC). A EPS e o matriciamento foram utilizados para ampliar espaços e diversificar oportunidades para entendimento e atendimento às demandas identificadas pelos próprios trabalhadores.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa-ação de natureza qualiquantitativa, desenvolvida entre junho de 2018 e maio de 2019. O estudo foi pautado em uma ação educativa que se situa em um campo restrito, mas engloba um projeto mais geral para alcançar os efeitos do conhecimento no mundo real9. Aliados à abordagem quantitativa, os aspectos qualitativos possibilitam analisar as particularidades, que podem representar vários significados e estar relacionados às aspirações, às crenças, aos valores e às atitudes10. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética na Pesquisa em Seres Humanos da Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB)/Plataforma Brasil sob o número do parecer: 2.367.868. Os critérios de inclusão foram: ser profissional de uma unidade básica de saúde em Blumenau ou estar auxiliando em projetos relacionados à área da saúde nessas unidades e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os participantes foram informados da pesquisa e de seus objetivos, ficando livres para decidir pela participação. Após o aceite, assinaram o TCLE.

O município de Blumenau conta com 309.011 habitantes, 66 unidades de Estratégia de Saúde da Família (ESF) e sete Ambulatórios Gerais (AG), todos com uma equipe de saúde multiprofissional. Um atendimento na AB com o uso de plantas medicinais e fitoterápicos ou a disponibilidade desses produtos na Relação de Medicamentos Essenciais (REMUME) do município ainda não é uma realidade. Com o objetivo de mudar essa situação, foi delineada uma proposta de formação com o apoio da coordenação das práticas integrativas e complementares. Foram realizadas inscrições para dois profissionais de saúde de cada ESF ou AG, com limite de trinta participantes, sem direcionamento de profissão ou escolaridade.

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Nessa perspectiva, foram capacitados 27 profissionais de 29 inscritos, pertencentes a 13 ESF, três AG e um técnico agrônomo da Secretaria da Agricultura. Para a etapa de desenvolvimento dos projetos permaneceram 13 participantes, de seis ESF e dois AG, perfazendo uma desistência de 55,2%.

A Tabela 1 apresenta o perfil dos participantes, revelando que a maioria é do sexo feminino (96,5%), e mostra a participação de pelo menos um profissional de cada categoria, totalizando dez, sendo a maioria enfermeiras e técnicas de enfermagem. As faixas etárias se distribuíram em sua maioria entre 30 e 60 anos. Quanto ao tempo de atividade na AB, verificou-se que a maioria está trabalhando no local há mais de dez anos, mostrando que são experientes em suas áreas de atuação. Quanto à escolaridade, a maioria (62%) cursou o ensino superior e, desses profissionais, 44,8% concluíram alguma especialização. Com relação ao tempo de profissão, 58,7% dos participantes têm mais de dez anos no seu ramo de trabalho.

Tabela 1 – Distribuição dos participantes conforme sexo, profissão, faixa etária e tempo de atividade profissional na Atenção Básica de Blumenau (SC). Blumenau, Santa Catarina, Brasil – 2021

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Variáveis N % % acumulativa Sexo Masculino 1 3,4 3,4 Feminino 28 96,6 100,0 Profissão Médica 02 7,0 7,0 Enfermeiro 08 27,6 34,6 Téc. enfermagem 06 20,7 55,3 Aux. enfermagem 02 7,0 62,3 Assist. social 01 3,4 65,7 Farmacêutica 01 3,4 69,1 Psicóloga 01 3,4 72,5 Agente comunitário 05 17,2 89,7 Aux. cons. dentário 01 3,4 93,1 Eng. agrônomo 01 3,4 96,5 NR 01 3,4 100,0 Faixas etárias 30 a 40 09 31,0 31,3 41 a 50 09 31,0 62,0 51 a 60 09 31,0 93,0 61 a 70 02 7,0 7,0 Tempo de atividade profissional na atenção básica (anos) 1 a 5 02 7,0 7,0 6 a 10 08 27,6 34,6 11 a 15 04 13,8 48,4 16 a 20 02 7,0 55,4 21 a 25 05 17,2 72,6 26 a 30 04 13,8 86,4 31 a 35 02 7,0 93,4 NR 02 7,0 100,0 Total 29 100 100,0 Fonte: Elaboração própria. NR = Não respondeu.

A capacitação foi ministrada em três etapas por uma equipe multidisciplinar com farmacêutica, naturóloga, botânico, bióloga e enfermeiras. A primeira, com explanação sobre pesquisa-ação e uma apresentação sobre a PNPIC e a PNPMF. A segunda versou sobre o reconhecimento e os cuidados para não confundir as plantas, apresentação do herbário da FURB e como realizar a coleta e o preparo das plantas para classificação correta. Foram abordadas, ainda, indicações terapêuticas e formas de preparo, bem como toxicidade e interações medicamentosas por meio do Memento Fitoterápico da Farmacopeia Brasileira (MFFB)11 e disponibilidade na RENAME12. Na terceira, as equipes receberam apoio matricial durante três meses, que consistiu em assessoramento via e-mail e grupo de WhatsApp. Além disso, para que os projetos atendessem às realidades locais, foi solicitada uma pesquisa dos diagnósticos mais prevalentes nos últimos seis meses para cada unidade. Um encontro presencial adicional juntamente com a coordenadora de PICS foi realizado para auxiliar na construção dos projetos, com discussões em grupo sobre propostas de atividades a serem desenvolvidas.

Os projetos foram enviados por e-mail para a equipe de capacitação e para a coordenadora de PICS. Três meses depois, foram realizadas entrevistas nas unidades de ESF e AG sobre percepções positivas e negativas no desenvolvimento dos projetos. Na mesma ocasião, também foram realizados registros fotográficos das ações visíveis nas respectivas unidades de saúde. Os dados quantitativos foram obtidos em três questionários8 aplicados durante a capacitação. O primeiro abordava dados básicos de identificação, escolaridade, perfil profissional, conhecimento prévio sobre plantas medicinais e fitoterápicos, bem como sobre seu uso próprio ou como prescrição/sugestão aos pacientes. O segundo versou sobre conhecimentos construídos sobre Pics, coleta, preparo e indicação de plantas medicinais e fitoterápicos. Além disso, o questionário continha questões de avaliação da capacitação, principalmente em relação aos ministrantes, ao conteúdo e à metodologia. O terceiro consistia em questionamentos sobre os diagnósticos com maior quantidade de atendimento nos últimos seis meses e/ou considerados pelas equipes de difícil tratamento para uma melhor visualização de demandas locais. Para essa etapa, os profissionais acessaram o sistema PRONTO – Saúde integrada do município de Blumenau – Versão 3.43, além de terem contato com questões que promoveram reflexão sobre a importância do tema e com uma simulação da prescrição/sugestão de plantas medicinais e fitoterápicos estudados durante a capacitação.

Os resultados foram tabulados, organizados em planilhas no programa Microsoft Office Excel 2010® e tratados por meio de estatística descritiva, com uso de distribuição de frequências. Os projetos foram analisados quanto a sua produção e execução. Os dados qualitativos resultaram de entrevistas analisadas por meio da Análise de Conteúdo Temático,

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conforme proposto por Bardin13, com leitura geral e posterior organização em categorias. As questões norteadoras foram: facilidades e dificuldades percebidas nas ações para a implantação da prática. As categorias que emergiram foram: a horta como promotora da prática, a inserção da prática no cotidiano da AB e a necessidade de mais conhecimento dessa prática. Além disso, foram utilizados registros fotográficos, realizados interna ou externamente às unidades. Posteriormente, os registros foram analisados no contexto de conteúdo visual, com o objetivo de encontrar vestígios de atividades relacionadas ao tema da capacitação14

RESULTADOS

Evidenciou-se que a maioria dos participantes fez ou faz uso próprio da prática, bem como prescreve ou sugere o seu uso aos pacientes. Foi identificado que todos os participantes acreditam no efeito terapêutico das plantas medicinais e dos fitoterápicos. Quando questionados sobre a prescrição ou sugestão de uso, foram citadas 22 plantas medicinais, se destacando como as mais citadas hortelã e malva, seguidas por camomila e erva-cidreira (Tabela 2).

Tabela 2 – Plantas medicinais mais prescritas ou sugeridas pelos profissionais de saúde da Atenção Básica de Blumenau (SC). Blumenau, Santa Catarina, Brasil – 2021

amoreira, gengibre, goiaba, mil-folhas, boldo, quebra-pedra, melissa, cavalinha, valeriana, marcela

Os profissionais da AB que tinham conhecimento anterior à capacitação sobre a PNPIC totalizaram 65,9%, enquanto 34,4% relataram não conhecer. Com relação ao conhecimento ou não da PNPMF, 76% dos profissionais conheciam. Além disso, evidenciou-se que 28,6% dos profissionais souberam do lançamento da PNPIC por meio de cursos/eventos, 14,3% redes sociais, 21,5% ESF, 14,3% cadernos de AB e 7,1% outras formas. Sobre o conhecimento dos profissionais relacionado à listagem de 12 plantas medicinais e fitoterápicos presentes na RENAME, 59% relataram não conhecer, 33,2% souberam da RENAME por meio da ESF e 16,7% se distribuíram entre pastoral da saúde, pró-saúde, cursos de pós-graduação e

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Plantas medicinais e fitoterápicos N % Hortelã 7 12,5 Malva 7 12,5 Camomila 5 9,0 Erva-cidreira 5 9,0 Guaco 4 7,1 Babosa 4 7,1 Maracujá 3 5,3 Alecrim 3 5,3 Erva-doce 2 3,5 Mulungu, arnica, garra-do-diabo,
1 cada 1,8 cada Não atende paciente 3 5,3 Total 56 100,0
Fonte: Elaboração própria.

Secretaria de Saúde. As plantas mencionadas na RENAME mais lembradas pelos profissionais foram: guaco (28,5%), espinheira-santa, garra-do-diabo e hortelã, melissa e erva-cidreira (14,3%, cada), sendo que as duas últimas não estão presentes nessa relação.

A maioria dos participantes (90%) respondeu que os pacientes têm interesse em usar as plantas medicinais e os fitoterápicos nos tratamentos, 7% não identificaram essa necessidade e 3% não trabalham diretamente com os usuários. Quando questionados sobre as motivações para o uso de plantas, os profissionais responderam que elas são utilizadas como chás para tratamentos e alívio de sintomas gerais (69%), os pacientes que usam fitoterápicos são idosos (10,0%) e “tem horta medicinal na ESF”, “para dormir, pois não aceitam tratamento alopático”, “para dor no estômago”, “trazem as plantas medicinais e explicam como as utilizam”, “concomitantemente ao tratamento medicamentoso” ou ainda “como fitoterápicos” (21%). Entre as plantas medicinais mais utilizadas pelos pacientes, foram indicadas, hortelã (18,7%), gengibre (18,7%), canela-de-velho (18,7%), malva (12,5%), estevia (12,5%), erva-cidreira (12,5%) e camomila (6,4%).

Na sequência, em levantamento realizado pelos próprios profissionais em suas unidades de saúde, foi observado que distúrbios metabólicos e hipertensão arterial foram os diagnósticos mais frequentes (18% cada), seguidos de dores osteomusculares (12%), infecção respiratória (10%), infecção urinária (6%), doenças gastrointestinais (6%), doenças psicológicas (4%), conjuntivite (2%) e afecções de pele (2%). A Tabela 3 revela que os diagnósticos considerados de difícil tratamento foram depressão e ansiedade (33,3%), seguidos por diabetes e hipertensão. Procurou-se saber quais os motivos para essa seleção e foram citados: quantidade de atendimentos (43,8%); ineficiência na ação do medicamento (31,2%); baixa adesão ao tratamento (18,8%), pois os medicamentos não são disponibilizados pelo SUS e têm alto custo; e uso incorreto dos medicamentos devido aos efeitos colaterais (6,25%).

Tabela 3 – Diagnósticos mais prevalentes considerados de difícil tratamento e motivos relatados pelos profissionais da Atenção Básica de Blumenau (SC). Blumenau, Santa Catarina, Brasil – 2021

Diagnósticos e motivos

Diabetes, pelo uso incorreto da medicação e não adesão ao tratamento

Depressão, pelo uso incorreto, troca e ineficácia dos medicamentos disponibilizados pelo SUS e interrupção do tratamento sem comunicar o médico

Hipertensão arterial, pela falha na adesão ao tratamento

Dores musculoesqueléticas, pela necessidade de associar terapias não disponíveis no município e uso de medicamentos paliativos

Ansiedade, pela dependência dos medicamentos, dificuldades na periodicidade de consultas, estilo e condição de vida

Gastrite, pelos efeitos colaterais do uso do omeprazol

Infecção urinária pelas interrupções do tratamento

Total

Fonte: Elaboração própria.

N %

6 22,2

5 18,5

5 18,5

4 14,8

4 14,8

2 7,4

1 3,7

27 100,0

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Foi solicitado, ainda, que os profissionais elencassem os medicamentos de referência prescritos na AB, resultando em quatro para diabetes, seis para depressão, hipertensão ou dores musculoesqueléticas, três para ansiedade ou infecção urinária e um para gastrite, totalizando 29.

Posteriormente, os profissionais apontaram três plantas medicinais e/ou fitoterápicos que deveriam constar no MFFB. Entre as 18, as mais citadas foram passiflora, camomila, valeriana, alho, erva-de-são-joão, garra-do-diabo, espinheira-santa e alcachofra (Tabela 4).

Tabela 4 – Plantas medicinais ou fitoterápicos mais citados, com base no Memento Fitoterápico, para patologias consideradas de difícil tratamento pelos profissionais da Atenção Básica de Blumenau (SC). Blumenau, Santa Catarina, Brasil – 2021

erva-de-são-cristóvão*, bardana, erva-cidreira, alecrim*, fel- da-terra, sete-sangrias, unha de gato**, boldo-do-chile* e gengibre*

Fonte: Elaboração própria.

* Plantas medicinais presentes no Memento Fitoterápico.

** Plantas medicinais presentes na RENAME.

Quanto ao questionamento sobre uma forma confiável de obtenção de plantas ou fitoterápicos, os participantes citaram farmácia de manipulação (43,8%), loja de produtos naturais (37,5%), ervanárias (12,5%) e horta comunitária (6,2%). Sobre as sugestões de formas de administração a serem utilizadas de acordo com o tipo de planta, os profissionais responderam: cápsula (31,0%), extrato seco e infusão (19% para cada), tintura (14,2%), extrato fluido (12%), extrato vegetal e óleo (2,4% para cada).

A partir da análise da entrevista, surgiram três categorias: a horta como promotora da prática, inserção da prática no cotidiano da AB e a necessidade de mais conhecimento sobre essa prática.

A maioria das unidades (sete) completou a capacitação, mas uma delas não escreveu o projeto. Como motivos, relatou falta de apoio e tempo disponível para se dedicar ao projeto. Observou-se que, de sete regiões atendidas pelas unidades básicas de saúde, quatro escreveram seis projetos. Desses projetos, quatro foram desenvolvidos. Nas regiões 1 e 2, os projetos não foram executados devido à insegurança por falta de conhecimento, pouco conteúdo teórico na capacitação, falta de tempo para planejamento, rotatividade de profissionais, sobrecarga de

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Plantas medicinais e fitoterápicos N % Maracujá*/Camomila* 6 16,2 Valeriana* 5 13,6 Alho* 4 10,8 Erva-de-são-joão* 4 10,8 Garra-do-diabo** 3 8,1 Espinheira-santa** 3 8,1 Alcachofra** 2 5,4 Cavalinha*,
1 cada 2,7 cada Total 37 100,0

trabalho e falta de apoio da coordenação. Como facilitador, foi mencionada a autonomia dos profissionais na elaboração do projeto.

“As agendas estão apertadas, estamos confeccionando protocolos de psicologia para Sisreg. Acabamos sendo consumidos pela demanda.” (Psicólogo 2).

Quanto aos projetos desenvolvidos, na região 1, o participante relatou que havia uma horta na unidade. Após a capacitação, os participantes confeccionaram cartazes com informações sobre as plantas medicinais (Figuras 1 e 2) e ofereceram chás, plantas colhidas na horta e orientações sobre seu uso correto.

Figura 1 – Fotografia de cartaz com orientações sobre o uso de plantas medicinais confeccionado pelos profissionais da Atenção Básica de Blumenau (SC). Blumenau, Santa Catarina, Brasil – 2021

Fonte: Elaboração própria.

Figura 2 – Fotografia da horta medicinal de uma unidade de Atenção Básica de Blumenau (SC). Blumenau, Santa Catarina, Brasil – 2021

Fonte: Elaboração própria.

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Os pontos positivos relatados foram: boa aceitação, trabalho conjunto entre equipe e comunidade, resgate do saber popular e troca de conhecimentos. As dificuldades apresentadas foram: pouco tempo disponível, muita demanda na ESF e complexidade do uso das plantas medicinais, necessitando de apoio de farmacêuticos e biólogos para maior segurança.

“O adubo a equipe compra com o dinheiro do bazar de roupa usada.” (Enfermeiro 1).

Na região 2, os participantes se uniram ao grupo Sementes do Amanhã, da equipe do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), a usuários do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (POP), a uma terapeuta ocupacional e a outros usuários interessados para manutenção da horta. São realizadas periodicamente oficinas sobre temas diversos como compostagem, fermentação, aromaterapia. Como pontos positivos foi identificada boa aceitação do uso prescrito do guaco, fornecido e orientado quanto ao seu uso, reduzindo gastos com medicamentos. Com relação às dificuldades, foram citados a baixa inserção do médico devido à demanda no atendimento e falta de conhecimento sobre plantas medicinais e fitoterápicos, pouco planejamento das ações e espaço aberto da horta, sujeita a furtos nos finais de semana.

“O grupo de diabéticos iniciou com horta em 2014, mas devido aos problemas de coluna e joelho dos participantes, apenas cinco tinham condições de ajudar na manutenção da horta.” (Farmacêutico 4).

“A crise econômica proporcionou muitos cancelamentos de planos médicos, aumentando gradativamente a procura dos serviços ofertados pelo SUS de semana e a não oferta de fitoterápicos pelo poder público. Muita demanda na farmácia, não dá para parar e ir na horta pegar plantas e orientar o uso.” (Farmacêutico 4).

“Os usuários não querem pagar os fitoterápicos, pois os medicamentos, como o ibuprofeno, tem na farmácia do SUS, daí ele recebe de graça e não paga.” (Farmacêutico 4).

“O ideal é ter os fitoterápicos padronizados na farmácia do SUS para oferecer ao usuário e ver a resposta do tratamento.” (Farmacêutico 4).

Na região 3, o entrevistado relatou que existe uma horta onde a comunidade se beneficia e recebe orientações sobre o uso das plantas. Na recepção, é realizada uma

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roda de conversa semanal e disponibilizado um cartaz com as orientações sobre uma planta medicinal (Figuras 3 e 4). Como pontos positivos foram citados a colaboração e o vínculo com a comunidade, que traz as plantas medicinais para plantio na horta. Sobre as dificuldades, foi relatado pouco envolvimento da equipe e da comunidade na manutenção da horta, furtos constantes e falta de recursos financeiros.

da Atenção Básica de Blumenau (SC). Blumenau, Santa Catarina, Brasil – 2021

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Figura 3 – Fotografia de cartaz com orientações sobre o uso de plantas medicinais confeccionado pelos profissionais Fonte: Elaboração própria. Figura 4 – Fotografia da horta medicinal de uma unidade de Atenção Básica de Blumenau (SC). Blumenau, Santa Catarina, Brasil – 2021 Fonte: Elaboração própria.

“Trabalhava na Pastoral da Saúde por dez anos, participei de cursos, palestras, desde criança gostava de plantas, aprendi dentro do seio familiar a usar as plantas no meu dia a dia.” (Agente comunitário 4).

“As mudas foram conseguidas com a comunidade, com a coordenadora das Pics e os profissionais trouxeram de casa. A equipe não gosta de mexer com a terra, sujar as mãos. Os baldes de compostagem são furtados, faltam verbas para comprar ferramentas para a horta comunitária.” (Agente comunitário 4).

Na região 4, os usuários são convidados a participar de outras práticas integrativas e complementares, como acupuntura, aromaterapia e reiki, além de aprender a reconhecer o estresse, praticar exercícios de respiração e yoga. A médica prescreve medicamentos fitoterápicos como valeriana e maracujá. Com relação aos pontos positivos, os profissionais percebem os benefícios da diminuição do estresse pelas atitudes positivas dos pacientes. Como dificuldades, identificaram baixa adesão dos pacientes ao grupo e falta de conhecimento sobre a interação entre plantas e medicação alopática.

“Tinha-se um grupo de horta comunitária no ESF, porém foi desativado devido a complexidade e contraindicações do uso das plantas medicinais.” (Enfermeiro 6).

DISCUSSÃO

Nessa capacitação, evidenciou-se a participação multiprofissional das equipes de saúde, com predomínio do grupo de enfermagem, sugerindo um interesse maior desses profissionais em trabalhar com plantas medicinais e fitoterápicos. No entanto, deve-se considerar que nas unidades de saúde há mais enfermeiros do que outros profissionais. De acordo com o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), só no SUS, o grupo de enfermagem é responsável por 60% a 80% das ações na AB15.

Assim como neste estudo, a hortelã também apareceu entre as plantas mais citadas para Mattos et al.4 e Menezes16 e a camomila e a erva-cidreira entre as mais prescritas por profissionais da saúde nos estudos de Nascimento Júnior17 e Menezes16. No MFFB, foram encontradas algumas plantas medicinais citadas na Tabela 3, como o alecrim, que é utilizado como anti-inflamatório e antisséptico da cavidade oral, afecções da pele e couro cabeludo, antisséptico tópico, antimicótico e escabicida; a camomila, usada como antiespasmódico, ansiolítico, sedativo leve e anti-inflamatório em afecções da cavidade oral; o maracujá,

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usado como ansiolítico e sedativo leve; o boldo, indicado como colagogo, colerético e nas dispepsias funcionais. As demais plantas não estão descritas no MFFB, necessitando de mais estudos para uso seguro.

A quantidade de profissionais da AB com conhecimento prévio à capacitação sobre a PNPIC foi semelhante ao estudo de Mattos et al.4, quando 65,6% dos entrevistados responderam positivamente. Com relação ao conhecimento sobre a PNPMF, a maioria dos profissionais afirmou conhecer essa informação. Por outro lado, sobre o conhecimento dos profissionais da AB sobre a lista de 12 plantas medicinais e fitoterápicos da RENAME, a maioria não sabia. Anteriormente, em Blumenau, um estudo mostrou que 85,4% dos profissionais não sabiam, mas responderam que tinham interesse em receber informações sobre a utilização de plantas medicinais na AB, principalmente por meio de cursos ou capacitações4. Constatou-se que no período entre a pesquisa citada4 e o presente estudo foi realizada pelo menos uma formação promovida pela FURB e pela Escola Técnica de Saúde (ETSUS), perfazendo um total de 128 horas em práticas integrativas e complementares, abrangendo 28 horas em fitoterapia. Possivelmente, essa formação aumentou o nível de conhecimento na área, mostrando a importância das formações no cotidiano do profissional7,8. No estudo de Alonso-Castro et al.18, realizado no México, 73% dos profissionais consideraram a necessidade de informação, via capacitações, materiais didáticos ou outras formas.

Verificou-se que os profissionais que souberam da RENAME obtiveram a informação por meio da AB, mas também dos Cadernos de Atenção Básica no portal do MS19, bem como da pastoral da saúde e de cursos de pós-graduação. Em um estudo de Bastos e Lopes20, dos 14 enfermeiros entrevistados, apenas um deles (6,66%) adquiriu conhecimento de fitoterápicos por meio de disciplinas na graduação e 60% afirmaram não ter conhecimento formalizado sobre a prática. Além disso, foi observado em cursos da área da saúde na Bahia que apenas 23,2% dos entrevistados afirmaram conhecer a PNPIC e 30,4% sabiam que as terapias complementares integrativas poderiam ser oferecidas pelo SUS21. Se por um lado falta o oferecimento do conhecimento formal, existem outras formas que o poder público e o privado poderiam utilizar para divulgar materiais didáticos e difundir a prática aos profissionais e usuários do SUS.

Sobre as plantas medicinais mais lembradas pelos profissionais, disponibilizadas na RENAME, as citações mostram sintonia com o material disponibilizado, possibilitando a acessibilidade aos fitoterápicos. No entanto, essas plantas diferem em 50% das mais prescritas ou sugeridas, mostrando a necessidade de alinhar o cotidiano com os fitoterápicos que podem ser disponibilizados ou, havendo consenso, solicitar a inclusão de fitoterápicos que não constam na RENAME. Esse cuidado é necessário, pois a utilização de fitoterápicos que não foram

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estudados cientificamente, para garantir seu uso seguro, pode levar a interações medicamentosas indesejadas ou a efeitos adversos22. Destaca-se que o conhecimento popular e o uso doméstico das plantas medicinais através das gerações são costumes comuns na região23-25. Para Soria et al.26, no Paraguai, a inserção dessa prática na APS precisa ser baseada na segurança e na eficácia proporcionada pela identificação, origem, preparo e dose adequada da espécie para cada indicação, enfatizando que as PICS não substituem o tratamento tradicional, mas são um complemento, indicadas por profissionais conforme as necessidades de cada caso1.

Entre as plantas medicinais e os chás mais utilizados pelos pacientes atendidos na AB, três estão presentes na RENAME, mas os demais não, dificultando o acesso. No estudo de Zeni et al.24, também no município de Blumenau, entre as plantas medicinais mais utilizadas, apenas uma constava na relação, o que demonstrou pouca sintonia com os usuários. O conhecimento de plantas medicinais possui um viés popular, que pode ser ampliado em conjunto com a população27, por isso a necessidade de divulgação e discussão desse assunto com os pacientes.

Na análise de diagnósticos mais prevalentes nas unidades de saúde, os resultados foram semelhantes a outro estudo realizado no mesmo município25. Diferentemente, em um estudo realizado em Florianópolis (SC), as patologias mais comuns na AB foram respiratórias, geniturinárias e dermatológicas28. Neste estudo, os diagnósticos de difícil tratamento com indicação para utilizar plantas foram depressão, ansiedade, diabetes e hipertensão, principalmente pelo uso incorreto da medicação e pela falta de adesão ao tratamento, baixa quantidade de atendimentos disponíveis e ineficiência na ação do medicamento. Em pesquisa realizada no município de Teresina (PI), os profissionais apontaram diminuição do custo financeiro para o SUS, menos efeitos colaterais, alternativas ao uso abusivo de ansiolíticos e da medicalização excessiva29.

Entre os medicamentos de referência citados para as enfermidades destacadas acima, somente dois eram fitoterápicos: garra-do-diabo e valeriana. O primeiro está presente na RENAME e ambos no MFFB, porém não são disponibilizados pelo SUS e nenhuma planta medicinal foi citada como prescrita. Essa situação revela um contraponto, visto que a maioria dos participantes afirmou que fez ou faz uso próprio e que acredita no efeito terapêutico. De forma semelhante, um estudo no México, realizado por Alonso-Castro et al.18, mostrou que 46% dos profissionais de saúde eram contra o uso da prática pela ineficácia e falta de validação científica e de segurança. Por outro lado, 54% deles já fizeram uso próprio, argumentando uso familiar e benefícios à saúde, como a diminuição de uso de outros medicamentos. Isto é, os profissionais usam, mas têm receio de prescrever, demonstrando insegurança. Nesse sentido, uma pesquisa realizada em Juiz de Fora (MG) por Barreto e Vieira30 concluiu que os profissionais percebem

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a importância da inserção da fitoterapia no SUS, principalmente na AB, mas acreditam que seus conhecimentos não são suficientes para a correta prescrição e/ou orientação aos usuários.

Por fim, das plantas ou fitoterápicos mais citados que deveriam constar do MFFB para o tratamento das patologias consideradas de difícil tratamento, cinco constavam no documento e três na RENAME. Das plantas restantes, apenas uma minoria delas não constava nos documentos oficiais, mostrando preocupação por uma indicação segura. Quando solicitado para sugerir pelo menos uma forma confiável de obtenção da planta ou fitoterápico, a maioria respondeu locais para compra e apenas um indicou horta comunitária. Entretanto, no decorrer do curso, houve demonstração de interesse em criar mais hortas, mas também houve discussão sobre o espaço restrito na área urbana, responsabilidade em cuidar e acesso aos recursos materiais. Uma das diretrizes da PNPIC visa estabelecer uma política intersetorial para o desenvolvimento da prática envolvendo outros setores, além da saúde1. Para isso, é necessário que os gestores organizem a implantação dessa política de forma ampla, envolvendo as demais áreas, inclusive nas capacitações, pois muitas dificuldades apontadas podem ser minimizadas por meio do esforço conjunto.

Sobre o desenvolvimento dos projetos, percebeu-se que três unidades já estavam com projetos relacionados à implantação de horta. Entretanto, ao mesmo tempo que a capacitação estava acontecendo, também foi desenvolvido um projeto de hortas nas unidades por meio da coordenação de PICS do município e de um profissional da Secretaria da Agricultura, que também participou da capacitação em plantas medicinais e fitoterápicos. A capacitação ampliou conhecimentos teóricos/práticos, além da troca de experiências entre os profissionais e reflexão sobre os benefícios dessa prática na AB. Uma questão apontada pelos participantes foi o resgate do saber popular, que proporcionou maior envolvimento e responsabilidade da comunidade com sua saúde.

Neste estudo, com relação aos profissionais envolvidos nos projetos, percebeu-se que não houve predomínio de uma categoria específica, diferentemente do que ocorreu em Gaspar (SC), onde houve a participação de mais enfermeiras8. Outro diferencial em Blumenau foi o incentivo à participação da comunidade, explicitado em pelo menos dois projetos. Uma pesquisa realizada na AB de Florianópolis (SC) demonstrou que o uso das plantas medicinais é amplo mesmo antes do atendimento, em virtude do baixo custo, da redução do efeito colateral e da eficácia já comprovada cientificamente28

Na Alemanha, Parisius et al.31 observaram 80% de utilização de remédios caseiros, incluindo plantas medicinais, pelos pacientes antes de opções alopáticas. Foi constatada maior indicação de remédios caseiros pelos familiares do que pelos profissionais. Anteriormente,

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o estudo de Joos et al.32 revelou que os pacientes consideraram que os profissionais careciam de conhecimentos na área de plantas medicinais e fitoterápicos. Nos últimos 25 anos a produção científica sobre ações/programas de fitoterapia desenvolvidos na APS não aumentou expressivamente33. No entanto, esse cenário pode mudar. Em publicação de Reis34, os participantes relataram motivação para ampliar seus conhecimentos, aplicá-los no trabalho cotidiano e prestar mais atenção aos usuários que usam plantas medicinais nos seus tratamentos. Em outro estudo, 60% dos participantes de um curso responderam que no seu cotidiano são solicitadas informações sobre o uso de plantas e seu uso concomitante com medicações. Entretanto, quando questionados sobre interações entre plantas e medicamentos, 57% relataram não saber35. Além disso, Haraguchi et al.36 mostraram que após a atuação de profissionais da saúde em projetos relacionados às plantas medicinais, os resultados demonstraram a percepção da importância da inserção da fitoterapia no SUS, principalmente na AB. Adicionalmente, eles acreditam que seus conhecimentos não são suficientes para a correta prescrição e/ou orientação de fitoterápicos; percebem a fitoterapia como um tratamento alternativo ou coadjuvante e veem como principais dificuldades da sua inserção a questão política e a falta de capacitação, resultado semelhante a este e a outros estudos com profissionais da AB4,8,28

No estudo realizado por Reis34, houve integração entre a área da saúde e da educação, visando um conjunto de ações socioeducativas e informações científicas. Neste estudo, mesmo que não tenham sido desenvolvidas em conjunto, as atividades concomitantes de setores diferentes auxiliaram os profissionais na inserção da prática no cotidiano da AB. Recentemente, no estudo de Haraguchi et al.36, a capacitação da prática fitoterápica com profissionais da saúde no estado de São Paulo ocasionou melhoria em todos os aspectos do atendimento em fitoterapia, desde a orientação até o aumento expressivo do número de prescrições, mas também na busca de conhecimento acadêmico. No conjunto, os estudos realizados com os profissionais da AB demonstram como as capacitações, as parcerias e a intersetorialidade podem contribuir para o desenvolvimento das práticas integrativas e complementares envolvendo plantas medicinais e fitoterápicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando que a fitoterapia não está contemplada na formação acadêmica em geral, a educação permanente surge como uma oportunidade de os profissionais se atualizarem. Neste estudo, a capacitação proporcionou, além do conhecimento, um ambiente propício para elaborar projetos, colocando em prática ações efetivas para a implantação das práticas integrativas

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e complementares envolvendo plantas medicinais e fitoterápicos. A atividade de escrever o projeto, sistematizando as ações, acarretou maior transparência nas ações propostas, confiança para sua aplicabilidade, oportunidade de repensar a prática diária, redirecionamentos, além da interação entre as equipes de saúde com trocas de experiências. Entretanto, alguns entraves foram percebidos, como a alta demanda de serviço, a complexidade sobre o uso das plantas medicinais, a necessidade de parcerias com outras categorias profissionais e de auxílio financeiro. Além disso, surgiu a necessidade de revisão da RENAME e da REMUME, que, com a inserção de fitoterápicos, os profissionais poderiam prescrever e distribuir como os medicamentos alopáticos, facilitando o acesso aos usuários e ampliando opções de tratamento no município de Blumenau.

Observou-se que das sete regiões atendidas pela AB, quatro delas desenvolveram projetos, sendo três relacionados a hortas. As hortas foram implantadas nas unidades como uma alternativa para o fornecimento das plantas de forma segura, unindo a presente pesquisa-ação de capacitação e ações das secretarias da agricultura e da saúde, respectivamente. Ficou evidente a necessidade do exercício da intersetorialidade como forma de unir esforços para inserção da prática de fitoterapia na AB.

O apoio da gestão, por meio da coordenação das PICS, auxiliou a organização, além da participação de encontros juntamente com os profissionais. Em 2019, após essa capacitação e o projeto de hortas, foi realizado o I Fórum de Práticas Integrativas “Espalhando sementes, colhendo frutos”, um evento da Secretaria da Saúde em parceria com a FURB para divulgação dos projetos desenvolvidos no município. Portanto, recomenda-se a continuação das formações, intersetoriais, com envolvimento de gestores e comunidade. Sugere-se o desenvolvimento de projetos com o tema norteador, plantas medicinais e fitoterápicos utilizados para o manejo de doenças consideradas de difícil tratamento, apontado neste estudo.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Ana Lúcia

Bertarello Zeni, Tereza Cristina Léo Galvão e Otto Rodolfo Sasse.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Ana Lúcia

Bertarello Zeni, Tereza Cristina Léo Galvão e Otto Rodolfo Sasse.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Ana Lúcia

Bertarello Zeni, Tereza Cristina Léo Galvão e Otto Rodolfo Sasse.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Ana Lúcia Bertarello Zeni, Tereza Cristina Léo Galvão e Otto Rodolfo Sasse.

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REFERÊNCIAS

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Recebido: 22.4.2021. Aprovado: 11.7.2022.

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Revista Baiana de Saúde Pública

DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n3.a3441

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

CONSUMO ALIMENTAR DE ESTUDANTES DE NUTRIÇÃO DE UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA

Danila Soares de Oliveiraa

https://orcid.org/0000-0003-1531-7425

Daiene Rosa Gomesb

https://orcid.org/0000-0002-1831-1259

Mússio Pirajá Mattosc

https://orcid.org/0000-0002-8792-5860

Gervana Rabêlo Alvesd

https://orcid.org/0000-0003-1044-0010

Hudson Manoel Nogueira Campose

https://orcid.org/0000-0001-5413-9110

Danielle Cristina Guimarães da Silvaf

https://orcid.org/0000-0001-5456-0853

Marcos Pereira-Santosg

https://orcid.org/0000-0003-3766-2502

a Nutricionista na Secretaria Municipal de Saúde e Saneamento de Dianópolis. Dianópolis, Tocantins, Brasil. E-mail: danila.soares1917@gmail.com

b Nutricionista. Doutoranda em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Espírito Santo. Docente na Universidade Federal do Oeste da Bahia. Barreiras, Bahia, Brasil. E-mail: daiene.gomes@ufob.edu.br

c Farmacêutico. Doutorando em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Espírito Santo. Docente na Universidade Federal do Oeste da Bahia. Barreiras, Bahia, Brasil. E-mail: mussio.mattos@ufob.edu.br

d Nutricionista na Secretaria Municipal de Educação Escolar de Luís Eduardo Magalhães. Luís Eduardo Magalhães, Bahia, Brasil. E-mail: gervanaalves2010@gmail.com

e Graduando em Farmácia pela Universidade Federal do Oeste da Bahia. Barreiras, Bahia, Brasil. E-mail: hudmanoel@gmail.com

f Nutricionista. Doutora em Ciência da Nutrição. Docente na Universidade Federal do Oeste da Bahia. Barreiras, Bahia, Brasil. E-mail: danielle.silva@ufob.edu.br

g Nutricionista. Doutor em Saúde Pública. Docente na Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: pereira-santosm@bol.com.br

Endereço para correspondência: Universidade Federal do Oeste da Bahia. Rua Professor José Seabra de Lemos, n. 316, Recanto dos Pássaros. Barreiras, Bahia, Brasil. CEP: 47808-021. E-mail: daiene.gomes@ufob.edu.br

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Resumo

O contexto de vida de universitários é marcado por vivências individuais e coletivas que se associam ao distanciamento da família, ampliação das responsabilidades e adoção de novos comportamentos, como os diferentes padrões alimentares. Diante disso, uma questão que se apresenta é se os estudantes da área da nutrição, familiarizados com os prejuízos de uma alimentação não saudável, orientam seus consumos alimentares com base nos pilares teóricos de uma alimentação saudável. Objetivou-se, com isso, caracterizar o consumo alimentar de estudantes universitários do curso de nutrição de uma universidade pública do Nordeste do Brasil. Trata-se de um estudo transversal realizado com 166 acadêmicos. A ingestão dietética foi estimada por meio da aplicação de dois recordatórios de 24 horas. Para análise de dados, foi utilizada a comparação de médias por meio do teste t independente. O consumo médio diário de energia dos estudantes universitários foi de 2010,97 ± 575,65 kcal, sendo 52,8% desse total proveniente dos carboidratos; 17,3% de proteínas e 30,8% de lipídeos. A média de refeições diárias feitas pelos participantes foi 5 ± 0,93, sendo, principalmente, suas casas o principal local de realização. Por outro lado, o consumo hídrico correspondeu a 1,73 ± 0,74 litros por dia. Maiores alterações desfavoráveis na ingestão alimentar foram verificadas em estudantes do sexo masculino, com sobrepeso e que estão em semestres intermediários da graduação. Dessa forma, aspectos significativos da vida como o gênero, estado nutricional e tempo de estudo podem afetar o consumo alimentar dos estudantes.

Palavras-chave: Consumo alimentar. Estudantes. Universidade. Inquérito epidemiológico.

FOOD CONSUMPTION AMONG NUTRITION UNDEGRADUATES

FROM A PUBLIC UNIVERSITY

Abstract

Undergrad life is marked by individual and collective experiences associated with family detachment, expansion of responsibilities, and the adoption of new behaviors, such as different eating habits. In this scenario, a question that arises is whether Nutrition students, familiar with the harms of an unhealthy diet, guide their food consumption based on the theoretical pillars of healthy eating. This cross-sectional study, conducted with 166 undergraduates, sought to characterize the food consumption of nutrition students from a public university in northeastern Brazil. Dietary intake was estimated by applying two 24-hour recall schedules. Data was analysed using comparison of means by independent t-test. University

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students average daily energy consumption was 2010.97 ± 575.65 kcal, of which 52.8% came from carbohydrates; 17.3% from proteins, and 30.8% from lipids. The participants reported an average of 5 ± 0.93 daily meals, mainly eaten at home. Conversely, water consumption corresponded to 1.73 ± 0.74 liters per day. Greater unfavorable changes in dietary intake were seen in male students who were overweight and in intermediate semesters of undergraduate study. Thus, significant aspects of life such as gender, nutritional status, and years of study can affect students’ food consumption.

Keywords: Eating. Students. University. Health Survey.

EL

CONSUMO DE ALIMENTOS DE LOS ESTUDIANTES DE NUTRICIÓN DE UNA UNIVERSIDAD PÚBLICA

Resumen

El contexto de vida de los estudiantes universitarios está marcado por experiencias individuales y colectivas que se asocian al alejamiento de la familia, a la ampliación de las responsabilidades y a la adopción de nuevos comportamientos, como de diferentes patrones alimentarios. Ante esto, surge el planteamiento si los estudiantes de Nutrición, conocedores de los perjuicios de una dieta poco saludable, orientan su consumo de alimentos con base en los pilares teóricos de la alimentación saludable. El objetivo es caracterizar el consumo de alimentos de los estudiantes universitarios del curso de nutrición de una universidad pública del Nordeste de Brasil. Se trata de un estudio transversal, realizado con 166 estudiantes. La ingesta dietética se estimó mediante la aplicación de dos recordatorios de 24 horas. Para el análisis de datos se utilizó la comparación de las medias mediante el test t independiente. La ingesta media diaria de energía de los estudiantes universitarios fue de 2010,97 ± 575,65 kcal, de las cuales el 52,8% procedía de los hidratos de carbono, el 17,3% de las proteínas y el 30,8% de los lípidos. El número medio de comidas diarias realizadas por los participantes fue de 5 ± 0,93 siendo, principalmente, sus hogares el principal lugar de realización. Por otro lado, el consumo hídrico correspondió a 1,73 ± 0,74 litros por día. Se verificaron mayores cambios desfavorables en la ingesta de alimentos en los estudiantes varones, con sobrepeso y que se encuentran en semestres intermedios de graduación. Así, aspectos importantes de la vida como el género, el estado nutricional y la duración de los estudios pueden afectar a la ingesta de alimentos de los estudiantes.

Palabras clave: Consumo de alimentos. Estudiantes. Universidad. Encuesta epidemiológica.

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INTRODUÇÃO

O contexto de vida de universitários é marcado por vivências individuais e coletivas, que se associam ao distanciamento do núcleo familiar e à ampliação das responsabilidades com despesas relacionadas à alimentação e moradia1,2. Dessa forma, a necessidade de tomadas de decisões torna-se constante.

No contexto de vida contemporâneo, tem-se registrado mudanças no padrão alimentar. Observa-se a substituição de alimentos in natura, a exemplo de alimentos de origem vegetal, por produtos industrializados prontos para o consumo3. Apesar de se esperar que pessoas mais bem instruídas façam escolhas melhores, registra-se que esse aumento do consumo de alimentos processados e ultraprocessados também ocorre entre estudantes universitários4.

Deve-se considerar ainda as incessantes preocupações no que se refere à obtenção de um bom desempenho acadêmico e à participação e manutenção das relações culturais e sociais5. Por conseguinte, pode ocorrer adoção de alimentação caracterizada pelo elevado consumo de alimentos processados e ultraprocessados, que são fatores de risco para doenças crônicas6. Nesse sentido, o conhecimento acerca da alimentação saudável pode contribuir para a adoção de um padrão alimentar de proteção à saúde7

Diante disso, uma questão que se apresenta é se os estudantes de nutrição, familiarizados com os prejuízos de uma alimentação não saudável, orientam seus consumos alimentares com base nos pilares teóricos de uma alimentação saudável. Nessa perspectiva, este estudo objetiva caracterizar o consumo alimentar de estudantes universitários de nutrição de uma universidade pública da Bahia.

MATERIAIS E MÉTODOS

POPULAÇÃO E DESENHO DE ESTUDO

Trata-se de um estudo do tipo transversal realizado com estudantes de nutrição de uma universidade pública do interior da Bahia, Brasil. Os participantes desse estudo foram provenientes de uma investigação de base populacional denominada “Estudo de Saúde de Universitários (ESU): repercussões de fatores contextuais em parâmetros biopsicossociais e nutricionais ao longo da graduação”.

Para o cálculo amostral, foi considerada a população total de estudantes do curso de nutrição disponibilizada pelo colegiado do curso em maio de 2019. Assim, após ser informado que a população total era de 204 universitários e adotando uma prevalência de 30% de excesso de peso (obesidade + sobrepeso)8 e precisão desejada de 5%, com nível

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de confiança de 95%, obteve-se que o tamanho mínimo da amostra era de 126 estudantes. Todos os cálculos do tamanho da amostra foram realizados utilizando o Microsoft Excel 2007. Foram incluídos estudantes de nutrição regularmente matriculados e com 18 anos ou mais. Prevendo-se perdas, todos os estudantes presentes em sala de aula no dia da coleta de dados foram convidados a participar.

COLETA DE DADOS

Para caracterização da amostra, foram coletadas as informações: sexo (masculino e feminino), idade (≤ 20 anos; 21 a 23 anos; 24 anos ou mais), estado conjugal (com e sem companheiro), renda familiar (até um salário mínimo, dois a três salários mínimos ou acima de quatro salários mínimos), tempo de estudo (iniciantes = primeiro ao terceiro semestre, intermediário = quarto ao sétimo semestre e concluinte = oitavo ao nono semestre) e estado nutricional (abaixo do peso, eutrofia, sobrepeso e obesidade). Esses dados foram obtidos no primeiro contato com os estudantes, com exceção das variáveis renda familiar e estado conjugal, que foram coletadas por meio de um questionário on-line autoaplicável. Ainda nessa etapa foi realizada a avaliação antropométrica. Foram aferidos peso e altura. O peso foi verificado por meio de uma balança digital com capacidade de até 180 kg e precisão de 100 g. A altura foi aferida por meio de um estadiômetro portátil desmontável, com resolução de 1 mm e campo de uso de até 213 cm, adotando procedimentos padronizados9. O cálculo do índice de massa corporal (IMC) e a categorização desse índice foram realizados segundo os critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS) para peso normal (18,5 kg/m2 – 24,9 kg/m2) e excesso de peso (sobrepeso e obesidade) (> 25 kg/m2)10.

CONSUMO ALIMENTAR

O consumo alimentar foi avaliado por meio de dois recordatórios 24 horas (R24h), aplicados em dias distintos e não consecutivos, respeitando o intervalo de pelo menos um mês, no período de maio a novembro de 2019. O R24h é um instrumento que investiga os alimentos consumidos no dia anterior à entrevista, bem como suas respectivas quantidades e locais de consumo. Foram utilizados dois álbuns fotográficos para inquéritos alimentares, a fim de aproximar as informações coletadas com o consumo mais próximo da realidade. Ainda, com o intuito de coletar dados mais fidedignos, foi realizado o treinamento prévio da equipe e executada a técnica USDA Multiple Pass Method, descrita por Conway11

Os dados do consumo alimentar foram tabulados no software Brasil-Nutri ® , desenvolvido para a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009, com o cálculo

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consumo de energia, proteína, carboidrato, lipídeo, açúcar total, açúcar de adição, ácidos graxos saturados, ácidos graxos monoinsaturados, ácidos graxos poliinsaturados, colesterol, fibra, cálcio, ferro, sódio e sódio de adição.

ANÁLISE DE DADOS

Para a caracterização da população, foi empregada a análise descritiva expressa por meio das frequências absolutas e relativas. A média e o desvio-padrão foram utilizados para a descrição do consumo de nutrientes. Por meio do teste “t” Student para amostras independentes foram verificadas as diferenças entre as médias do consumo de energia e nutrientes, segundo sexo, estado nutricional e tempo de estudo, após a confirmação de normalidade dos dados mediante o teste Shapiro-Wilk. Todas as análises foram realizadas com auxílio do software Stata 13.1.

PROCEDIMENTOS ÉTICOS

Em respeito às questões éticas, este estudo foi desenvolvido de acordo com as orientações definidas na Declaração de Helsinki e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Oeste da Bahia (CAAE 93508218.6.0000.8060).

Os estudantes elegíveis foram informados dos objetivos do estudo e aqueles que concordaram com os seus termos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

Os dados apresentados na Tabela 1 integram informações em relação à amostra estudada, em que são observadas características sociodemográficas, acadêmicas e do estado nutricional dos estudantes. Superando o tamanho mínimo da amostra calculada e levando em conta a premissa de que quanto maior é a amostra de um estudo mais representativa ela é, desde que a coleta de dados seja rigorosamente controlada, assim como foi nesta pesquisa, ao todo foram entrevistados 166 estudantes universitários. Desse total, 86,1% eram do sexo feminino e 13,9% do sexo masculino. A média de idade foi de 22,5 ± 5,0 anos. A maioria dos estudantes referiu não ter companheiro (85,1%; n = 103), ter renda familiar entre dois e três salários mínimos (63,6%; n = 75) e estar nos períodos intermediários do curso (40,4%; n = 67). No que diz respeito ao estado nutricional desses estudantes, observou-se que o maior percentual da amostra apresentava um estado de eutrofia (66,1%; n = 107). Os dados faltantes foram limitados aos indivíduos que não responderam ao questionário on-line e/ou não fizeram a aferição das medidas antropométricas.

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Revista Baiana de Saúde Pública

Tabela 1 – Características sociodemográficas, acadêmicas e estado nutricional de estudantes de nutrição. Barreiras, Bahia, Brasil – 2019

O consumo médio diário de energia per capita dos estudantes universitários foi de 2010,97 ± 575,65 kcal (Tabela 2). No que se diz respeito à distribuição energética entre os macronutrientes, constatou-se que a contribuição média de energia provinda de carboidratos foi de 52,8%, das proteínas 17,3% e dos lipídeos 30,8%. Com relação ao sexo, evidenciaram-se diferenças entre os grupos, uma vez que o consumo de energia, carboidratos, proteínas, lipídeos, ácidos graxos monoinsaturados e poliinsaturados, colesterol, fibras alimentares, cálcio, ferro, sódio de adição foi maior para os homens quando comparado com as mulheres (p < 0,05) (Tabela 2).

Tabela 2 – Diferenças entre as médias do consumo de energia e nutrientes, segundo o sexo. Barreiras, Bahia, Brasil – 2019

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Variável n % Sexo Masculino Feminino 23 143 13,9 86,1 Idade ≤ 20 anos 21 a 23 anos 24 ou mais 66 60 40 39,8 36,1 24,1 Estado conjugal* Sem companheiro Com companheiro 101 17 85,6 14,4 Renda familiar* Até um salário mínimo Dois a três salários mínimos Acima de quatro salários mínimos 26 75 17 22,0 63,6 14,4 Tempo de estudo Iniciante Intermediário Concluinte 35 67 64 21,1 40,4 38,5 Estado nutricional* Abaixo do peso Eutrofia Sobrepeso Obesidade 19 107 28 8 11,7 66,1 17,3 4,9
Fonte: Elaboração própria. *Dados faltantes
dietéticas Total de ingestão Sexo masculino Sexo feminino p-valor* Média (Desvio-padrão) Média (Desvio-padrão) Adequação (%) Média (Desvio-padrão) Adequação (%) Energia (Kcal) 2010,97 (575,65) 2365,94 (687,68) - 1953,87(536,74) - 0,0006 Carboidrato (g) 265,67 (80,43) 307,30 (103,38) - 258,98 (74,40) - 0,0036 Açúcar total (g) 101,96 (48,00) 69,01 (50,44) - 65,32 (39,18) - 0,3440 Açúcar de adição (g) 65,83 (40,77) 108,81 (56,00) - 100,86 (93,14) - 0,2314 Proteína (g) 87,21 (36,55) 109,99 (45,51) - 83,54 (33,68) - 0,0006 Lipídeo (g) 68,83 (25,57) 79,08 (24,03) - 67,18 (25,50) - 0,0190 (continua)
Variáveis

Tabela 2 – Diferenças entre as médias do consumo de energia e nutrientes, segundo o sexo. Barreiras, Bahia, Brasil – 2019 (conclusão)

Comparando o consumo de energia, macronutrientes e micronutrientes entre os diferentes estados nutricionais, observou-se que estudantes com sobrepeso apresentavam maior ingestão de energia, lipídeos, ácidos graxos saturados, colesterol e fibras alimentares (p < 0,05) (Tabela 3).

Tabela 3 – Diferenças entre as médias do consumo de energia e nutrientes, segundo o estado nutricional. Barreiras, Bahia, Brasil – 2019

99 v. 45, n. 3, p. 92-107 jul./set. 2021 Variáveis dietéticas Total de ingestão Sexo masculino Sexo feminino p-valor* Média (Desvio-padrão) Média (Desvio-padrão) Adequação (%) Média (Desvio-padrão) Adequação (%) Ácidos graxos saturados (g) 25,42 (12,82) 27,20 (11,84) - 25,13 (12,99) - 0,2368 Ácidos graxos monoinsaturados (g) 23,11 (9,28) 27,31 (9,05) - 22,44 (9,17) - 0,0095 Ácidos graxos poliinsaturados (g) 11,04 (5,33) 14,03 (6,44) - 10,56 (5,00) - 0,0017 Colesterol (mg) 397,80 (253,52) 549,94 (331,14) - 373,33 (230,96) - 0,0009 Fibra (g) 18,75 (8,54) 21,86 (10,37) 75,93 18,25 (8,14) 76,32 0,0297 Cálcio (mg) 570,67 (312,95) 690,70 (481,77) 57,84 551,37 (274,11) 56,98 0,0236 Ferro (mg) 10,97 (4,00) 12,47 (4,00) 187,51 10,73 (3,96) 139,28 0,0261 Sódio (mg) 1598,53 (745,88) 1644,50 (758,25) 110,16 1591,14 (746,30) 109,27 0,3756 Sódio de adição (mg) 1163,35 (668,66) 1467,17 (908,91) - 1114,48 (611,7) - 0,0092 Fonte: Elaboração própria. *Teste t Student
Revista Baiana de Saúde Pública
Variáveis dietéticas Abaixo do peso Eutrofia Sobrepeso Obesidade p-valor* Média (Desvio-padrão) Média (Desvio-padrão) Média (Desvio-padrão) Média (Desvio-padrão) Energia (Kcal) 2007,61 (394,81) 1995,70 (582,95) 2206,25 (543,19) 1462,74 (448,15) 0,0112 Carboidrato (g) 279,70 (68,92) 264,83 (81,85) 284,27 (74,05) 205,53 (95,75) 0,0899 Açúcar total (g) 101,73 (49,14) 103,51 (50,33) 107,27 (40,32) 75,36 (40,08) 0,4161 Açúcar de adição (g) 63,63 (41,19) 67,77 (40,83) 70,15 (42,94) 41,04 (28,43) 0,3191 Proteína (g) 80,30 (27,04) 87,25 (35,39) 91,89 (34,45) 60,08 (16,93) 0,1043 Lipídeo (g) 66,68 (22,50) 67,56 (24,02) 79,72 (28,03) 45,97 (9,15) 0,0051 Ácidos graxos saturados (g) 24,36 (8,38) 24,35 (10,23) 32,03 (20,66) 16,49 (4,81) 0,0054 Ácidos graxos monoinsaturados (g) 22,26 (8,84) 22,91 (9,09) 24,88 (8,22) 16,97 (2,79) 0,1601 Ácidos graxos poliinsaturados (g) 11,11 (5,36) 11,06 (4,96) 12,25 (6,79) 6,71 (1,63) 0,0799 Colesterol (mg) 277,19 (119,35) 424,12 (256,16) 409,60 (305,35) 228,76 (145,30) 0,0284 Fibra (g) 19,44 (4,82) 17,84 (8,39) 22,61 (10,78) 15,37 (6,62) 0,0410 Cálcio (mg) 594,07 (201,97) 563,51 (332,26) 646,04 (318,57) 441,15 (269,63) 0,3826 Ferro (mg) 11,37 (3,16) 10,76 (3,90) 11,97 (3,85) 8,00 (2,27) 0,0610 Sódio (mg) 1559,56 (582,43) 1552,77 (643,15) 1716,16 (825,51) 1306,69 (641,64) 0,4542 Sódio de adição (mg) 1173,34 (494,12) 1138,08 (596,79) 1295,44 (970,88) 852,31 (404,54) 0,3886 Fonte: Elaboração própria. *Teste t Student

Foram constatadas diferenças estatisticamente significantes no que se refere à ingestão de açúcar total e de adição, lipídeos e ácidos graxos saturados, sendo o consumo deles maior nos indivíduos que cursavam os períodos intermediários do curso (p < 0,05) (Tabela 4).

Tabela 4 – Diferenças entre as médias do consumo de energia e nutrientes, segundo o tempo de estudo. Barreiras, Bahia, Brasil – 2019 Variáveis

Entre as características do comportamento alimentar, identificou-se que os estudantes realizam em média 5 ± 0,93 refeições diárias e suas casas foram indicadas como principal local para a realização das refeições. A ingestão de água média dos participantes do estudo correspondeu a 1,73 ± 0,74 litros por dia.

DISCUSSÃO

Este estudo possibilitou identificar que embora os estudantes de nutrição sejam indivíduos familiarizados com os prejuízos de uma alimentação não saudável, muitas vezes eles não orientam seus consumos alimentares com base nos pilares teóricos de uma alimentação saudável. Nesse sentido, os resultados indicam que os alunos apresentaram um consumo alimentar caracterizado por inadequações nutricionais para açúcar de adição, ácidos graxos saturados e poliinsaturados, colesterol, fibras, cálcio e ferro.

Ao comparar a ingestão dietética de acordo com sexo, observou-se que homens apresentavam maior consumo de energia, carboidratos, proteínas, lipídeos, ácidos graxos

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dietéticas Iniciantes Intermediário Concluintes p-valor* Média (Desvio-padrão) Média (Desvio-padrão) Média (Desvio-padrão) Energia (Kcal) 1960,31 (543,58) 2095,39 (565,09) 1950,29 (600,96) 0,2995 Carboidrato (g) 263,88 (83,67) 270,37 (76,59) 261,73 (83,54) 0,8207 Açúcar total (g) 82,20 (38,07) 114,04 (48,65) 100,13 (48,95) 0,0053 Açúcar de adição (g) 46,84 (32,00) 79,78 (42,16) 61,61 (38,89) 0,0002 Proteína (g) 91,27 (43,52) 89,39 (36,39) 82,69 (32,49) 0,4410 Lipídeo (g) 61,95 (17,82) 74,35 (27,51) 66,82 (26,17) 0,0475 Ácidos graxos saturados (g) 21,17 (7,16) 28,46 (13,26) 24,55 (14,08) 0,0184 Ácidos graxos monoinsaturados (g) 21,52 (8,19) 24,85 (9,49) 22,17 (9,46) 0,1319 Ácidos graxos poliinsaturados (g) 10,37 (4,13) 11,83 (5,30) 10,58 (5,89) 0,2856 Colesterol (mg) 415,20 (285,97) 440,33 (299,11) 343,76 (159,41) 0,0832 Fibra (g) 18,34 (7,38) 17,79 (6,77) 19,97 (10,53) 0,3318 Cálcio (mg) 514,93 (273,53) 623,50 (356,24) 545,85 (279,04) 0,1812 Ferro (mg) 10,39 (3,36) 11,49 (4,23) 10,75 (4,07) 0,3581 Sódio (mg) 1527,36 (567,14) 1597,17 (708,35) 1638,88 (867,96) 0,7785 Sódio de adição (mg) 1257,75 (748,37) 1179,65 (685,41 1094,66 (605,44) 0,4962 Fonte: Elaboração própria. *Teste t Student

monoinsaturados e poliinsaturados, colesterol, fibras alimentares, cálcio e ferro. Resultados semelhantes foram encontrados em um estudo anterior12.

Entre os diferentes períodos da graduação também foi observada diferença significativa para ingestão de açúcares total e de adição, lipídeos e ácidos graxos saturados, posto que o consumo médio foi superior entre os estudantes que estavam nos semestres intermediários da graduação. Dessa forma, de maneira geral, os acadêmicos de semestres intermediários foram os que expressaram os maiores percentuais de hábitos negativos no tocante à composição nutricional da dieta. Esse resultado pode ser justificado pela sobrecarga de atividades acadêmicas, que inviabiliza o preparo de suas próprias refeições, deixando os estudantes dependentes de opções como alimentos semiprontos ou prontos e lanches rápidos, ricos em gorduras, açúcares e de alto valor calórico5

Por conseguinte, ao investigar os hábitos alimentares dos graduandos, evidenciouse que a maioria deles realizava suas refeições em casa e que o almoço era considerado a principal refeição, uma vez que nenhum participante da pesquisa deixou de almoçar (Figura 1).

A maior frequência de refeições realizadas em casa pode ser explicada pela comodidade de locomoção dos estudantes no trajeto da universidade para casa, quando se considera que tal instituição se localiza em uma cidade relativamente pequena.

No entanto, o ato de se alimentar em casa não está necessariamente associado ao maior consumo de alimentos in natura e menor ingestão de produtos processados e ultraprocessados, isso pode ser confirmado pelos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares

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98,8% 64,5% 100% 98,8% 98,8% 44,6% 0 20 40 60 80 100 120 Desjejum Colação Almoço Lanche da tarde Jantar Ceia
Figura 1 – Frequência relativa de realização de refeições diárias de estudantes do curso de nutrição. Barreiras, Bahia, Brasil – 2019 Fonte: Elaboração própria.

(POF) de 2017-2018, que tem evidenciado um gasto maior com aquisição desses tipos de alimentos pelas famílias13. Assim como afirma o Ministério da Saúde3, acredita-se que se alimentar em casa está muito associado ao hábito de comer em companhia. Consequentemente, compartilhar as refeições, seja com a família ou amigos, possivelmente influencia de forma positiva a escolha e o preparo de alimentos com menor grau de processamento.

O consumo energético diário necessário para que cada indivíduo mantenha um bom estado de saúde e nutrição varia conforme idade, sexo, peso, altura e nível de atividade física. Contudo, o Ministério da Saúde, por meio do Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado em 2006, aponta que, para a população geral e considerando como parâmetro um brasileiro saudável, a ingestão média diária deve ser de duas mil kcal14, o que condiz com o consumo de energia médio encontrado neste estudo (2010,97 ± 575,65 kcal). Resultado semelhante — e até mesmo um pouco superior a esta referência — foi registrado em uma pesquisa realizada com estudantes universitários de Portugal (2059,18 ± 813,77 kcal/dia)12.

Na análise da distribuição energética não houve diferença entre homens e mulheres, embora a ingestão de colesterol e ácidos graxos saturados esteja acima do recomendado para ambos os sexos. Segundo a OMS15, o consumo diário deve ser inferior a 300 mg e < 10% do valor energético total (VET), respectivamente. Os valores referentes ao consumo de ácidos graxos poliinsaturados (6 a 10% do VET) e fibras (25 g) apresentaram-se abaixo dos valores de referência para ambos os sexos. O percentual de açúcares de adição se mostrou superior a 13,1% VET da dieta. Esse resultado deve ser menor que 10% do VET e não deve ultrapassar 5% das calorias ingeridas diariamente15. Portanto, observa-se a existência de inadequações na dieta desse grupo.

No que diz respeito aos micronutrientes, o consumo de sódio foi compatível com o que se tem estabelecido para homens e mulheres (1.500 mg) ao se considerar a faixa de adequação de 90 a 110%16. O cálcio foi um nutriente consumido aquém do que se tem recomendado para ambos os sexos (1.000 mg)17. Por outro lado, quando se considera o preconizado para a ingestão de ferro para indivíduos do sexo masculino (6 mg) e feminino (8,1 mg), foi identificado que a ingestão desse mineral esteve acima dos parâmetros estipulados18

Apesar de ter sido observado um bom fracionamento da dieta por parte dos estudantes, pode-se constatar simultaneamente a inadequação do consumo alimentar de vários nutrientes. Isso demonstra que embora haja facilidade de acesso aos alimentos, quando se analisa sua qualidade nutricional, percebe-se que eles apresentam baixo valor nutricional. Essa constatação sugere, portanto, que a facilidade de acesso pode estar relacionada a alimentos processados e ultraprocessados, que são, em sua maioria, produtos com elevadas quantidades de calorias, açúcares, lipídeos, gorduras saturadas, colesterol e baixo teor de minerais em geral e fibras alimentares.

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O consumo de alimentos ultraprocessados contribui para um perfil nutricional desfavorável e, por isso, impacta de forma negativa a qualidade de vida de estudantes universitários e favorece o aparecimento de diversas doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)19. Em concordância com essa relação, os dados aqui apresentados no que diz respeito à comparação de médias do consumo de energia, macro e micronutrientes de acordo com o estado nutricional mostraram que indivíduos com sobrepeso apresentaram maior ingestão de calorias, lipídeos, ácidos graxos saturados e colesterol.

Esses resultados também foram identificados em estudo com a população brasileira, observando-se que a maior disponibilidade de alimentos ultraprocessados está associada ao excesso de peso20 Contudo, ao avaliar o consumo desses mesmos nutrientes pelos indivíduos obesos, notou-se que eles obtiveram a menor média de consumo entre as classificações do estado nutricional. Isso pode ser explicado pelo fato de que pessoas obesas tendem a subestimar sua ingestão dietética sistematicamente21.

No que se refere ao perfil antropométrico, a eutrofia foi o mais prevalente entre os participantes da pesquisa, corroborando estudo prévio22. De acordo com Gasparetto e Silva22, tais resultados podem estar associados a uma maior preocupação dos acadêmicos desse curso no que se refere à manutenção de uma boa aparência física e corporal. Com relação ao número de refeições realizadas por dia, foi observado um comportamento alimentar positivo, uma vez que a média de refeições diárias realizadas foi de cinco refeições. Esse é um resultado considerado benéfico, pois uma alimentação saudável está relacionada ao volume e ao fracionamento adequado das refeições14

A quantidade de água que se necessita ingerir diariamente é muito variável, assim como qualquer outro alimento, e depende de vários fatores como a idade, o peso, o nível de atividade física do indivíduo, o clima e a temperatura do ambiente onde ele vive3. Entretanto, o Guia Alimentar para a População Brasileira recomenda que as pessoas bebam no mínimo dois litros de água por dia14. Sendo assim, ao comparar os resultados deste estudo com essa recomendação, identifica-se que os estudantes obtiveram um consumo médio menor do que o preconizado, o que representa um comportamento alimentar negativo, pois a água exerce papel fundamental nas atividades metabólicas do organismo, bem como no transporte de compostos hidrossolúveis como os macronutrientes e micronutrientes23.

Neste estudo, observou-se uma predominância expressiva de estudantes do sexo feminino no curso de nutrição. Possivelmente, ainda existe hegemonia feminina na construção e consolidação da profissão24 Nessa perspectiva, foi identificado que a maioria (93,4%) dos concluintes de graduação do curso de nutrição era do sexo feminino em 201325. O predomínio

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de mulheres nessa área da saúde, desde o início em que se dataram os primeiros cursos, pode ser explicado pela construção social da mulher no cuidado e economia doméstica24,26. No que tange aos aspectos metodológicos do estudo, cabe comentar as limitações existentes pelo fato de esta pesquisa ser do tipo transversal e, por isso, as informações relacionadas aos desfechos e as exposições aqui apresentadas são referentes aos momentos da coleta de dados27. Outra limitação do estudo está relacionada à escolha do recordatório 24 horas como instrumento de avaliação dietética, pois esse método depende da memória do entrevistado, o que pode tanto viabilizar a ocorrência de subestimações quanto superestimações das quantidades de alimentos ingeridas. Para minimizar ao máximo a ocorrência desses erros, foram utilizadas estratégias como o uso de álbuns fotográficos que têm tamanhos de porções de alimentos e a técnica USDA Multiple Pass Method28. Por se tratar de estudantes de nutrição, é possível considerar ainda que em algum momento eles possam ter omitido hábitos que julgam inadequados, o que sugere que a prevalência de comportamentos alimentares considerados negativos possa ser superior à referida27

CONCLUSÃO

Nossos resultados registram que o gênero, o estado nutricional e o tempo de estudo podem afetar o consumo alimentar dos estudantes. Sendo assim, os segmentos mais vulneráveis a apresentar alterações desfavoráveis na ingestão dietética são indivíduos do sexo masculino, com sobrepeso e que estão em semestres intermediários da graduação. Evidencia-se, com isso, a importância de se desenvolver estratégias e intervenções voltadas para a promoção e proteção da saúde de estudantes universitários.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Danila Soares de Oliveira, Daiene Rosa Gomes, Mússio Pirajá Mattos, Gervana Rabêlo Alves, Hudson Manoel Nogueira Campos, Danielle Cristina Guimarães da Silva e Marcos Pereira-Santos.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Danila Soares de Oliveira, Daiene Rosa Gomes, Mússio Pirajá Mattos, Gervana Rabêlo Alves, Hudson Manoel Nogueira Campos, Danielle Cristina Guimarães da Silva e Marcos Pereira-Santos.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Danila Soares de Oliveira, Daiene Rosa Gomes, Mússio Pirajá Mattos, Gervana Rabêlo Alves, Hudson Manoel Nogueira Campos, Danielle Cristina Guimarães da Silva e Marcos Pereira-Santos.

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4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Danila Soares de Oliveira, Daiene Rosa Gomes, Mússio Pirajá Mattos, Gervana Rabêlo Alves, Hudson Manoel Nogueira Campos, Danielle Cristina Guimarães da Silva e Marcos Pereira-Santos.

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Recebido: 29.4.2021. Aprovado: 11.7.2022.

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Revista Baiana de Saúde Pública

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

O PROCESSO DE REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE EM UM ESTADO DO NORDESTE BRASILEIRO

Vick Brito Oliveiraa

https://orcid.org/0000-0001-7052-0325

Adriana Falangola Benjamin Bezerrab

https://orcid.org/0000-0002-5278-3727

Keila Silene de Brito e Silvac

https://orcid.org/0000-0002-0291-0708

Islândia Maria Carvalho de Sousad

https://orcid.org/0000-0001-9324-4896

Resumo

A regionalização da saúde se destaca no Sistema Único de Saúde como importante estratégia para lidar com as desigualdades regionais vividas no território brasileiro.

O estado da Bahia foi pioneiro na descentralização administrativa estadual no setor da saúde, além de ter sua secretaria estadual protagonista no planejamento de redes e fluxos assistenciais regionais. Este artigo apresenta discussões sobre o processo de regionalização da saúde na Bahia, após a reforma administrativa, com a extinção das diretorias regionais e a criação dos núcleos regionais. Foram realizadas entrevistas com gestores estaduais e o roteiro foi construído com base na Matriz de Avaliação da Regionalização da Saúde (Mars), organizada a partir dos seguintes níveis de análise: governo, gestão e assistência. Esta pesquisa foi alicerçada na abordagem qualitativa e as categorias temáticas foram estabelecidas

a Psicóloga. Mestre em Saúde Coletiva. Doutoranda em Saúde Pública IAM/Fiocruz Pernambuco. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: vick.brito@hotmail.com

b Graduação em Nutrição. Doutora em Nutrição em Saúde Pública. Professora do Departamento de Medicina Social na Universidade Federal de Pernambuco. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: afalangola@uol.com.br

c Graduação em Fonoaudiologia. Doutora em Saúde Pública. Professora no Bacharelado de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Pernambuco – Centro Acadêmico de Vitória (CAV). Vitória do Santo Antão, Pernambuco, Brasil. E-mail: keila.britosilva@ufpe.br

d Graduação em Enfermagem. Doutora em Saúde Pública. Pesquisadora Titular e Professora da Pós-Graduação em Saúde Pública do Instituto de Pesquisas Aggeu Magalhães – Fiocruz Pernambuco. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: islandia.sousa@fiocruz.br

Endereço para correspondência: Rua Tenente João Cícero, n. 769, Boa Viagem. Recife, Pernambuco, Brasil. CEP: 51020-190. E-mail: vick.brito@hotmail.com

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DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n3.a3376

e fundamentadas no método analítico da análise de conteúdo. Os resultados e as discussões apontam o cenário encontrado no período pesquisado, bem como a ambiguidade da regionalização no estado; as estratégias identificadas como potentes para as regiões de saúde; e os avanços necessários para operacionalizar a regionalização. Os indicativos para o avanço da estratégia no estado estão articulados com a participação dos conselhos de saúde; a atenção básica e a conformação das redes de atenção à saúde; os instrumentos e espaços de gestão; e os recursos envolvidos. As discussões suscitadas nesta pesquisa buscam contribuir para o processo de regionalização, auxiliando na análise crítica do cenário da saúde pública da Bahia.

Palavras-chave: Política de saúde. Planejamento em saúde. Regionalização.

REGIONAL HEALTH PLANNING IN NORTHEASTERN BRAZIL

Abstract

Within the Unified Health System, regional health planning constitutes an important strategy to address the regional inequalities experienced across the territory. The state of Bahia was a pioneer in decentralizing state health administration and in having its State Department play a major role in planning regional health networks and flows. This qualitative study analyzes the process of regional health planning in Bahia, after the administrative reform which dissolved the regional directorates and created regional centers. Interviews were conducted with state managers following a script based on the Regional Health Planning Evaluation Matrix (MARS), organized from the following levels of analysis: government, management and care. Thematic categories were established and investigated using Content Analysis. The results and discussion point to an ambiguity in the state’s regional planning, to important strategies for healthcare regions, and to the necessary advancements to operationalize regional planning. The latter requires the participation of health councils, primary health care, the formation of health networks, management tools and spaces and the related resources. The issues addressed here aim to contribute with the regional health planning process, collaborating with the critical analysis of the current public health scenario.

Keywords: Health policy. Health planning. Regional health planning.

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Revista Baiana de Saúde Pública

EL PROCESO DE REGIONALIZACIÓN DE LOS SERVICIOS DE SALUD EN UN ESTADO

DE LA REGIÓN NORDESTE DE BRASIL

Resumen

La regionalización de los servicios de salud es una importante estrategia en el Sistema Único de Salud (SUS) para hacer frente a las desigualdades regionales en salud en el territorio brasileño. El estado de Bahía fue pionero en la descentralización administrativa de los servicios de salud en el estado, además de mantener el protagonismo de la Secretaría de Estado cuanto a la planificación de redes y flujos de asistencia regional. Este artículo presenta discusiones sobre el proceso de regionalización de la salud en Bahía, después de la reforma administrativa, con extinción de las juntas regionales y con la creación regional de núcleos regionales. Se realizaron entrevistas con administradores del estado, y el guion de la entrevista se basó en la Matriz de Evaluación de Regionalización en Salud (MARS), que utiliza los siguientes niveles de análisis: gobierno, gestión y asistencia. Esta investigación tiene un enfoque cualitativo, y las categorías temáticas fueron construidas utilizando el método de análisis de contenido. Los resultados muestran el escenario encontrado en el período investigado; la ambigüedad de la regionalización en el estado; las poderosas estrategias para las regiones de salud; y los avances necesarios para poner en práctica la regionalización. Las indicaciones para el avance de la estrategia en el estado están vinculadas a la participación de los consejos de salud, la atención primaria y la formación de redes de servicios de salud, los instrumentos y espacios de gestión, y los recursos involucrados. Las discusiones resultantes de la investigación buscan contribuir al proceso de regionalización, ayudando en el análisis crítico del escenario de salud pública.

Palabras clave: Política de salud. Planificación en salud. Regionalización.

INTRODUÇÃO

A regionalização da saúde no Brasil, um país de dimensões continentais, é condição sine qua non para garantir o direito à saúde e, portanto, às ações e aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Todavia, a regionalização se faz a partir da participação dos atores loco-regionais e da compreensão lógica de organização dos entes federados para contribuir com o avanço de uma agenda realista que proporcione um planejamento ascendente e efetivo.

A estratégia é apontada para racionalizar a estrutura dos serviços e ações, impactar na equidade, superar a fragmentação do SUS, garantir o direito à saúde, a partir da

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conformação, nas regiões de saúde, de Redes de Atenção à Saúde (RAS) articuladas, resolutivas e cooperativas, com o menor custo social, econômico e sanitário1.

No Brasil, a descentralização das ações e serviços em saúde em direção aos municípios, desarticulado de um planejamento regional, foi propício para as disputas predatórias por financiamento entre estados e municípios2, o que tornou evidente as desigualdades entre as regiões, e as dificuldades institucionais nas gestões municipais e estaduais, bem como demonstrou a fragilidade na garantia da integralidade da assistência apenas nos sistemas municipais3.

A Bahia, pioneira na descentralização administrativa da gestão da saúde ainda na década de 1970, instituiu as Diretorias Regionais de Saúde (Dires), mas foi retardatária em articular a regionalização à municipalização vivenciada na década de 19904. Albuquerque5 aponta características importantes do estado no cenário da regionalização, como: o protagonismo da gestão estadual no planejamento das redes e fluxos assistenciais, a indefinição no padrão de governança do estado frente a regionalização, a participação de diversos atores no processo e a fragilidade nos espaços colegiados.

Em 2015, o estado operacionalizou uma mudança no cenário das regiões de saúde, com a substituição das Dires por Núcleos Regionais de Saúde (NRS), desativando algumas diretorias e ampliando a atuação dos núcleos em extensão territorial, reacendendo as discussões sobre a regionalização no estado. Processo importante de ser compreendido para que possam ser elencados os desafios e estratégias de superação na regionalização da saúde. Com o intuito de contribuir para o cenário da avaliação da regionalização do SUS, considerando a relevância do papel do estado para a regionalização na saúde, o artigo apresenta uma análise sobre o processo de regionalização no estado mais populoso (aproximadamente 15 milhões de pessoas), mais extenso (567.295 km²) e com maior número de municípios (417) da região nordeste do Brasil.

MATERIAL E MÉTODOS

Esta análise integra um conjunto de pesquisas, sobre a regionalização em regiões de saúde dos estados nordestinos, vinculadas ao projeto “Iniciativas inovadoras na organização das redes assistenciais e regiões de saúde e seu impacto na estruturação da oferta no SUS: um estudo avaliativo”, aprovado pelo edital de chamada “Rede Nacional de Pesquisa sobre Política de Saúde: conhecimento para efetivação do direito universal à saúde”, proposto pelo Ministério da Saúde – Chamada MCTI/CNPQ/CT-SAÚDE/MS/SCTIE/DECIT Nº 41/2013.

O cenário estudado apresenta uma vasta extensão territorial com 28 regiões de saúde, organizadas em nove macrorregiões (Norte, Centro-Norte, Nordeste, Centro-Leste,

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Revista Baiana de Saúde Pública

Leste, Sul, Extremo Sul, Sudoeste e Oeste). Para o percurso metodológico foi utilizada a Matriz de Avaliação da Regionalização na Saúde (Mars)6, baseada na matriz de Reis7, para fundamentar um instrumento utilizado para coleta dos dados: um roteiro de entrevista semiestruturado.

O roteiro abarca itens atrelados à gestão, ao governo e à assistência à saúde (Quadro 1), ancorados nas definições instituídas pelo Decreto n° 7.508/2011.

Quadro 1 – Níveis de análise que embasaram o estudo. Recife, Pernambuco, Brasil – 2016

Matriz de Avaliação da Regionalização da Saúde Níveis Definição

Governo Aspectos de caráter mais político articulado ao projeto estadual de regionalização e financiamento.

Gestão Funções gerenciais relativas à organização do acesso às RAS e continuidade da assistência à saúde, articulação e mecanismos de/para o controle social.

Assistência Aspectos técnicos e estruturais das RAS vinculada à qualidade da assistência e educação permanente em saúde.

Fonte: Reis et al.7

O roteiro guiou as entrevistas com dez gestoras estaduais, no ano de 2015, realizadas nas dependências da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) e na Conferência Estadual de Saúde. As participantes foram escolhidas intencionalmente a partir dos cargos de gestão ocupados nas unidades dos núcleos regionais e na gestão estadual, nível central. A coleta dos dados aconteceu conforme o contato realizado pelas pesquisadoras ao nível central da Secretaria Estadual de Saúde, que direcionou aos núcleos regionais.

As entrevistas foram gravadas e transcritas, durando em média sessenta minutos. Um diário de campo foi confeccionado, por meio da observação, como instrumento de registrar o percurso da pesquisa com as impressões das entrevistas realizadas, descrições dos episódios que envolveram os debates, na Conferência Estadual de Saúde, sobre as regiões de saúde e a organização das RAS nas regiões, com destaque para as narrativas do Conselho Estadual de Saúde (CES) e do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde da Bahia. A confecção do diário contribuiu para caracterização do cenário estudado, apresentado a seguir.

A análise dos dados respeitou os passos analíticos definidos pela Análise de Conteúdo8 e categorias temáticas foram construídas, considerando os conteúdos que emergiram dos dados coletados, como indicado na Figura 1 A investigação de abordagem qualitativa se comprometeu com a diferenciação e especificidade do objeto estudado9, neste caso, o cenário investigado.

As participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), a pesquisa respeitou os aspectos éticos exigidos, sendo submetida e aprovada ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), sob o número de CAAE: 30694814.1.0000.5208.

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Figura 1 – Categorias temáticas construídas a partir da análise dos dados. Salvador, Bahia, Brasil – 2016

Seção 1: O cenário encontrado e a ambiguidade da regionalização no estado

Categoria 1

Seção 2: A frágil definição dos núcleos regionais de saúde na articulação da regionalização

Subtemáticas (unidades identificadas):

a) O conflituoso cenário (a reforma administrativa, a descentralização das unidades administrativas)

b) A compreensão dos atores (a concepção da diretriz regionalização, a experiência no estado)

Subtemáticas (unidades identificadas):

c) Informações sobre os NRS (características e ações desenvolvidas)

Regionalização

Categoria 2

Seção 3: Indicativos do processo de regionalização

Categoria 3 Categoria 4

d) A questionada função dos NRS (atuação do NRS com os níveis de atenção)

Subtemáticas (unidades identificadas):

e) Estratégias instituídas nacionalmente (Samu, PMM, CIR)

f) Estratégias SUS-BA (coordenação CIR, observatório, EPS, PDR atrelado ao território identidade, dispositivos na atenção hospitalar e ambulatorial)

Subtemáticas (unidades temáticas):

g) Participação social (interferência político-partidária, participação conselhos municipais e estadual, formação e qualificação)

h) Qualificação da AB (vínculo profissional/ trabalhista, qualificação técnica, fortalecimento da gestão municipal)

i) Uso dos instrumentos de gestão (institucionalização dos instrumentos de gestão, espaços de gestão)

j) Recursos (humanos e financeiros)

O CENÁRIO ESTUDADO

Em 2015, com a Lei Estadual nº 13.204, 11 de dezembro de 2014, as antigas 31

Dires foram extintas e nove Núcleos Regionais de Saúde foram criados nas seguintes cidades: Salvador (BA), NRS Leste abrange 48 municípios, total de 4.763.189 habitantes; Feira de

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Revista Baiana de Saúde Pública Fonte: Elaboração própria.

Santana (BA), NRS Centro-Leste com 72 municípios e 2.263.626 habitantes; Alagoinhas (BA), NRS Nordeste com 33 municípios e total de 876.085 habitantes; Ilhéus (BA), NRS Sul com 67 municípios, total de 1.692.494 habitantes; Teixeira de Freitas (BA), NRS Extremo Sul com 21 municípios e 833.307 habitantes; Juazeiro (BA), NRS Norte com 28 municípios e 1.099.545 habitantes; Jacobina (BA), NRS Centro-Norte com 38 municípios e 826.099 habitantes; Vitória da Conquista (BA), NRS Sudoeste com 73 municípios e 1.812.416 habitantes; e, por fim, Barreiras (BA), NRS Oeste com 37 municípios e 959.610 habitantes.

Os NRS substituíram as 31 unidades de descentralização administrativa estadual nas regiões de saúde com finalidade de, junto aos municípios, acompanhar as atividades de regulação, a vigilância sanitária, a coordenação de monitoramento de prestação de serviços, central de aquisições/contratações e a corregedoria da saúde.

Respeitando a normativa vigente, as regiões continuaram com as Comissões Intergestores Regionais (CIR) e com as unidades de Bases Operacionais em Saúde (BOS), novo dispositivo estadual com um contingente menor de servidores estaduais e menor nível de autonomia, que auxiliam os NRS nas regiões que não possuem a unidade do núcleo regional. Com a extinção das Dires, a formulação e efetivação da proposta dos NRS e BOS se configurou como uma estratégia para a regionalização no estado. A discussão ultrapassou o tecnicismo vinculado ao nível central da Sesab e gerou resistência, principalmente, no âmbito do CES e dos servidores estaduais – como os sindicatos.

Documento distribuído na Conferência Estadual de Saúde da Bahia, intitulado “Proposta de Desconcentração Política Administrativa da Sesab, como parte integrante do Projeto de Regionalização – SUS–BA”, construído por um grupo de técnicos da Secretaria Estadual, a partir da discussão dos trabalhadores estaduais, do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde e relatórios do CES, apresentado à Comissão de Regionalização do Conselho, apontou a incapacidade resolutiva da reforma proposta pelo estado, ampliando os vazios assistenciais e o distanciamento de um sistema articulado com os princípios e diretrizes do SUS.

Esse documento, além disso, caracterizou a decisão como centralizadora na figura da Sesab, listou os movimentos de repúdio em relação à extinção das Dires, listou as ações do CES, a greve dos servidores do estado e destacou que a Bahia avança na contramão do processo de regionalização.

Embasado na análise dos dados da pesquisa, foi identificado que a gestão estadual centralizou a decisão das mudanças referentes ao processo de regionalização, consequentemente, centralizou as unidades regionais em macrorregiões, apesar de destacar que para qualificar o processo de regionalização, há necessidade de ter como referência a região de saúde e a descentralização regional, a fim de se aproximar do SUS constitucional.

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Vale investigar se esse padrão de centralização se repete em outros estados do país, reforçado na Resolução nº 37, de 22 de março de 2018, visto que esse é um aspecto nodal a ser discutido no modo de organização da regionalização compreendendo os aspectos políticos e sociais.

A reforma realizada no estado ampliou o escopo das ações dos NRS em um estado com um extenso território cultural, econômico, social e político, o que pode interferir na apropriação dos núcleos em relação aos territórios. Desconfia-se que a mudança pode comprometer a aproximação e o reconhecimento das necessidades e demandas de cada região, marca importante do processo de regionalização, fragilizando, assim, a atuação do estado nos planejamentos regionais, bem como, o seu protagonismo nas regiões de saúde.

Regionalizar é um debate federativo, pois compreende o acesso equitativo, tendo como referência o lugar em que acontece e funciona a vida das pessoas, extrapolando a concepção de eficiência administrativa.

Nesse sentido, é equivocado entender a descentralização como uma característica consolidada sobre a qual se deve moldar a regionalização10, uma vez que a regionalização deve ser entendida como um processo político e democrático com uma visão compartilhada de território entre os atores envolvidos, em suas diferentes escalas (regional, macrorregional, local)11. Tais características também comportam a disputa de poder regional que não deve ser esquecida nos processos de planejamento regional.

Para compreensão da discussão no estado, os resultados estão organizados em quatro sessões, com aspectos importantes para o processo de regionalização no estado, como apontado na síntese do Quadro 2.

Quadro 2 – Síntese das características, avanços e necessidades para o processo de regionalização na Bahia. Salvador, Bahia, Brasil – 2016

Indicativos Características Avanços Necessidades

Pouca participação dos conselhos para o processo de regionalização; Referentes às ações dos conselheiros nos sistemas locais:

Participação dos conselhos de saúde

a) há participação para fins e interesses partidários;

b) há participação dos conselhos, de modo mais efetivo, nas cidades com maior desenvolvimento econômico e social da região, no caso, em alguns municípiossede;

c) há participação efetiva quando os conselheiros possuem formação e qualificação política.

Participação do Conselho Estadual e da tentativa de envolver os conselhos municipais nas discussões regionais.

Ampliar, fortalecer e descentralizar a participação dos conselhos municipais nas discussões e debates regionais (CIR, consórcios, PDR e NRS).

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Revista Baiana de Saúde Pública
(continua)

Quadro 2 – Síntese das características, avanços e necessidades para o processo de regionalização na Bahia. Salvador, Bahia, Brasil – 2016 (conclusão)

Indicativos Características Avanços Necessidades

Atenção

Básica à Saúde e conformação das redes

Carência de profissionais para as equipes de atenção básica; Rotatividade profissional e de gestor; Baixa qualificação de gestores municipais;

Grupos de Trabalho; Programa Mais Médicos (PMM); Vagas de residência em saúde; Apoiadores institucionais; Parceria com a Escola Estadual de Saúde Pública (EESP)

Profissional-trabalhista: garantir a permanência dos profissionais nas regiões, fortalecendo os vínculos de trabalho; Técnico: qualificar os profissionais e gestores que atuam nos municípios; Gestão: identificar os reais interesses do gestor municipal para o avanço da AB.

Revisão do PDR em articulação com a proposta de território identidade; Observatório Baiano de Regionalização CIR como importante estratégia de gestão, pois:

Instrumentos e espaços de gestão

Fragilidade do uso dos instrumentos de planejamento e gestão definidos pelo decreto; Concentração e manipulação das decisões para os municípios-sede de região; CIR como palcos para interesses político-partidários.

a) permite refletir sobre a operacionalização das redes e, aparentemente, analisar o nível de responsabilidade de cada ator envolvido;

b) elenca as dificuldades que emperram a implantação dos planos de rede, principalmente, diante da dificuldade em relação aos recursos envolvidos; c) possibilita a utilização de dispositivos de educação permanente, como os grupos de trabalhos temáticos e os apoiadores institucionais, para o planejamento e organização das redes de atenção.

- Alternância na coordenação, cada CIR.

Revisitar instrumentos de gestão com participação de atores envolvidos na rede, além de aproximar dos espaços institucionalizados, como CIR, de outros atores como: municípios e estado com o controle social, prestadores privadosrepresentado na figura das Organizações Sociais, e o judiciáriorepresentado na figura do Ministério Público.

Articulação dos recursos

Fragilidade nos recursos físicos, humanos e financeiros como foco o processo de regionalização; PMM; Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu)

Consórcios, Hospitais regionais.

Região como referência para alocação de recursos físicos, humanos e, principalmente, financeiros.

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Fonte: Elaboração própria.

DISCUSSÃO

AVANÇOS E FRAGILIDADES NA PARTICIPAÇÃO DOS CONSELHOS DE SAÚDE

Refletir sobre regionalização implica refletir sobre o arranjo federativo brasileiro12

A institucionalização da regionalização no sistema de saúde foi diretamente limitada pela ênfase na diretriz da descentralização, do intenso movimento municipalista e da organização políticoadministrativa do país em termos constitucionais5. Possivelmente, tais aspectos contribuíram para a fragilidade na institucionalização de instâncias colegiadas de participação social ao nível regional, norteada pela diretriz da regionalização.

No estudo, identificou-se a escassez dos espaços de participação social que tem como referência a região de saúde e suas necessidades, bem como o fato de os Conselhos Municipais (CM) não discutirem as questões de modo regionalizado, mas se limitarem a perceber os problemas apenas em seus municípios. Tal perspectiva sugere que atores importantes e estratégicos para construção de agendas lócus regionais carecem de maior conhecimento e sensibilização.

A pouca participação dos CM na construção política de saúde, no contexto da regionalização, foi um aspecto destacado. As instâncias municipais, na sua maioria, não foram apontadas como protagonistas nas decisões da política de saúde dos seus territórios e características foram sinalizadas referentes às ações dos conselheiros e conselhos (Quadro 2). Cabe destacar que essas características não são excludentes e aparecem simultaneamente em algumas realidades.

Em relação à participação dos conselhos no acompanhamento dos instrumentos de gestão da regionalização, algumas realidades não têm acesso à informação e outras destacaram que os conselhos podem ter acesso, mas não se percebe a procura e participação. Identificou-se que no estado há uma tentativa de participação mais efetiva do CES, no tocante ao processo de regionalização, principalmente, nas decisões da gestão estadual frente às mudanças administrativas.

O CES iniciou um movimento, junto às regiões e aos CMS, no intuito de discutir a decisão da gestão estadual de instauração dos NRS, de fortalecer o debate nos territórios regionais, criou uma comissão de regionalização para acompanhar avaliar as decisões estaduais e mobilizou as discussões sobre regionalização junto aos técnicos da Sesab e sindicatos dos trabalhadores em saúde. Os dados indicam a necessidade de fortalecimento da participação na construção das propostas estaduais, como notado na institucionalização dos NRS, nos consórcios de saúde propostos pelo estado e nas discussões de revisão do Plano Diretor de Regionalização (PDR), ainda notada como pouco efetiva principalmente no âmbito municipal, apesar de entender-se que as discussões e deliberações dos conselhos precisam pautar as decisões dos gestores na CIR.

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Pesquisa realizada com os conselheiros em território nacional demonstra que dos 374 questionários aplicados, a maioria conhece a regionalização, no entanto 63,2% afirmam que não discutiram com seus conselhos sobre a criação de regiões de saúde, 80,1% apontaram que os conselheiros não foram ouvidos durante o processo de regionalização e 65,1% não acompanharam a reunião de CIR; destaque para 48,1% indicarem a existência fóruns regionais no seu território13

Os espaços de realização dos planejamentos ascendentes, como as conferências, que dificilmente incorporam as necessidades regionais14, talvez espelhem a alimentem também a fragilidade dos conselhos, bem como a abertura da gestão estadual para efetiva participação social.

AVANÇOS E FRAGILIDADES NA ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE E

CONFORMAÇÃO DAS REDES

Os sistemas de saúde com forte orientação na atenção básica são sistemas mais eficientes, equitativos, efetivos e de maior qualidade; no Brasil há avanços na atenção básica

(AB) e fragilidades, com destaque para a organização regional15. Assim, entende-se que para o estado prosperar no âmbito da regionalização e na conformação da RAS, é necessário qualificar a atenção básica nos municípios, para fins regionais.

Foi sinalizada a dificuldade com a fixação do profissional da saúde, por exemplo a intensa rotatividade das enfermeiras nos serviços e dos gestores das secretarias municipais, carência de cirurgião-dentista e, principalmente, de médicos nas localidades mais distantes nas cidades-sede.

A debilidade da qualificação técnica em alguns profissionais e, principalmente, dos gestores que desenvolvem funções na atenção básica, resulta em experiências que interferem diretamente na rede de atenção. Devido à baixa qualificação do profissional e/ou o não comprometimento do gestor municipal, o cidadão que poderia ser assistido nas unidades básicas de saúde do seu município, acaba buscando assistência em outras unidades dos municípios vizinhos, nos serviços de maior complexidade tecnológica, em muitos casos sem passar por regulação.

Para as gestoras, os municípios de uma mesma região apresentam disparidades na cobertura da atenção básica e, em muitos casos, a cobertura não repercute nos indicadores epidemiológicos municipais. Ademais, não há como avançar na regionalização com a realidade da rotatividade profissional, da desqualificação dos atores envolvidos e da incompreensão das trajetórias dos usuários.

Para Menicucci e Marques2, fatores políticos, gerenciais e estruturais afetam a regionalização. As autoras trabalham com um índice de regionalização que envolve indicadores referentes às atenções básica, média e alta complexidade. Esse índice expressa o grau cuja

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população tem acesso à atenção à saúde o mais perto de sua residência, a Bahia apresentou nível baixo na maioria das nove regiões estudadas. O estudo permite pensar sobre a necessidade do investimento regional para AB.

Identificaram-se estratégias institucionalizadas no estado para lidar com as dificuldades, tal como: os grupos de trabalhos temáticos para a discussão de assuntos pertinentes para cada região; apoiadores institucionais nas áreas técnicas das redes de atenção e na AB; cursos de qualificação junto aos servidores e técnicos municipais, pautados nas necessidades de cada região e/ou municípios, em parceria com a EESP; e a abertura de vagas de residências em saúde para qualificação da formação e serviço.

Outra estratégia, o Programa Mais Médicos (PMM), que integra o sistema de saúde estadual, vinculado ao Governo Federal, modificou a realidade das regiões de saúde com fixação do profissional médico na atenção básica. O cuidado e a atenção dos profissionais estrangeiros, bem como a manutenção da carga horária integral da categoria médica nas unidades básicas de saúde, segundo as entrevistas, promoveram mudanças na assistência, por exemplo a assistência ao pré-natal e a redução da sífilis congênita. Além disso, em algumas regiões, a mudança consistiu na organização das redes municipais, a partir da expansão de cursos médicos.

Os obstáculos e as estratégias desenvolvidas repercutem na potência da AB, afinal, “é necessária uma AB capaz de coordenar a navegação do usuário pelos diferentes pontos de cuidado”1:1795. As fragilidades destacadas neste estudo se aproximam das dificuldades da ordenação do cuidado nas redes de atenção no cenário nacional, que apesar dos avanços ainda prevalece a visão desarticulada da AB com a rede, dificultando o vínculo e a coordenação do cuidado1.

AVANÇOS E FRAGILIDADES NA UTILIZAÇÃO DE INSTRUMENTOS E ESPAÇOS DE GESTÃO

O Decreto n° 7.508/11 destaca os instrumentos de gestão e, nesse sentido, o estado propôs a revisão do PDR para a reavaliação das regiões de saúde e a articulação com a proposta de território identidade, que embasa a gestão estadual em outras políticas públicas e ações estaduais, vinculado à Secretaria de Planejamento. A Programação Pactuada Integrada e o Plano Diretor de Investimento foram citados como instrumentos pouco visitados e defasados para a realidade das regiões de saúde, indicando a necessidade urgente de revisão.

O estado não dispõe da institucionalização da Programação Geral das Ações e Serviços de Saúde como instrumento no cotidiano do planejamento e da gestão no processo de regionalização. Essa mesma condição aplica-se ao Comitê Organizativo da Ação Pública da Saúde (Coap), a Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (Renases) e ao Mapa de

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Revista Baiana de Saúde Pública

Saúde, como está compreendido no decreto. No entanto, algumas gestoras sinalizam discussões internas sobre os instrumentos.

Foram realizados espaços para a discussão da implantação desses instrumentos de gestão no estado, após conformação da CIR, no período de publicação do decreto. Cabe destacar que a Bahia se alinhou à decisão do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) em relação à não assinatura do Coap, apesar de o instrumento ter fomentado processos importantes para o estado16. Segundo Santos14:2047, o Coap é uma baliza importante para regionalização, “contudo não tem sido cumprido, como se fosse dado ao administrador escolher as normas que quer cumprir”. Dos instrumentos citados pelo decreto, apenas a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) foi indicada como presente no cotidiano das regiões de saúde.

Historicamente existiu uma fragilização do processo de institucionalização dos instrumentos de planejamento e gestão da regionalização5, destaque para cada publicação de um novo diploma normativo nesse âmbito (Pacto pela Saúde/2006, Decreto n° 7.508/11). Apesar da passada experiência estadual com os instrumentos de gestão do processo de regionalização contribuindo para a conformação de outros instrumentos estaduais, como o Plano Estadual de Saúde utilizado no planejamento da saúde na Bahia17, este estudo aponta que há indicativos da fragilização do uso dos instrumentos de planejamento e gestão definidos pelo decreto.

Menicucci e Marques2 pontuam a Bahia com nota três ao processo de regionalização, em uma pontuação que poderia variar de zero a sete. O estudo avalia a partir de indicadores que contemplam os instrumentos de gestão da regionalização, o incentivo à regionalização, centrais de regulação e participação nos colegiados.

Superar o desafio dos processos e instrumentos de gestão requer inovação18. Nesse sentido, pode ser identificado como inovação desenvolvida pelo estado, a partir da perspectiva de um planejamento regional integral, um instrumento on-line que comporte as informações sobre o processo de regionalização. O espaço virtual, intitulado de Observatório Baiano de Regionalização, foi descrito como um importante instrumento de fortalecimento da capacidade institucional.

O observatório acomoda informações sobre os NRS, as CIR (atas e calendários de reuniões), os instrumentos de gestão, o mapa das 28 regiões de saúde do estado, com número de habitantes, municípios que compõe as regiões, municípios-sede, a rede de serviços de cada município e região, entre outras informações.

As experiências nas CIR sinalizam o espaço como importante estratégia de gestão, lugar para debates sobre as redes e levantamentos das necessidades para suas conformações, discussão de instrumentos de gestão, negociações e relações entre os atores municipais e estaduais, além de estratégias regionais para lidar com as dificuldades percebidas nos territórios.

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Nas CIR do estado há alternância na coordenação, cada CIR possui um coordenador e um coordenador adjunto, escolhidos em comissão. O coordenador do ano de eleição estadual é o gestor municipal e o subcoordenador estadual, e em ano de eleição municipal, o coordenador é um gestor estadual e o subcoordenador municipal, assim, pretende-se garantir a continuidade nas pactuações definidas nos colegiados, atenuando as interferências vividas nos anos eleitorais. Em alguns territórios, há disputas entre os municípios maiores e os menores nas discussões das redes nas CIR. As entrevistas apontam para uma concentração e manipulação das decisões para os municípios-sede da região, dificultando a articulação na região de saúde, aproximando-se assim das CIR como palcos para interesses político-partidários e interesses locais, como sinalizado por Almeida et al.19

Estudo realizado em uma CIR na Bahia20 sinalizou fatores que convergem com os dados desse estudo, como: os atravessamentos político-partidários por apadrinhamento de gestores e municípios; a formação do gestor; o debate incipiente sobre os recursos e a alocação; e o tensionamento entre os interesses regionais e municipais.

Apesar dos conflitos nas regiões, os espaços foram lugares privilegiados para discussões acerca de acordos, como: acertos municipais para realização de concursos municipais, articulações entre estado e município na permuta de profissionais que faltavam no cenário regional e formulação de alternativas entre os municípios para lidar com dificuldades assistenciais e ofertas de serviços que não estavam contemplados nos instrumentos de gestão.

Louvison21:1-2 aponta que as CIR “perdem potência e possibilidades ao não trazer o conjunto de atores políticos e suas intencionalidades para a roda de pactuações”. As entrevistadas sinalizam que para a discussão dos interesses regionais, atores, que estão direta ou indiretamente participando do processo de regionalização e influenciam nas agendas sobre regionalização, precisam se aproximar dos espaços institucionalizados, são eles: municípios e estado com o controle social, os prestadores privados – representado na figura das Organizações Sociais, e o judiciário – representado na figura do Ministério Público. Talvez essa articulação possa se concretizar com as diretrizes instituídas pelo Ministério da Saúde na Resolução nº 23, de agosto de 2017, que aponta a criação dos Comitês Executivos de Governança das RAS e a articulação com CIR, Comissão Intergestores Bipartite (CIB) e Comissão Intergestores Tripartite (CIT).

Cabe ampliar a capacidade de governança, com clareza para os fluxos e relações entre os atores, levando em conta os espaços formais e informais de decisão e normatização, atentando-se, como sinalizam Viana e Iozzi22, às fragilidades das relações intergovernamentais, às contratualizações, ao binômio público-privado e ao fortalecimento de instâncias regionais e governanças compartilhadas entres os entes federativos.

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AVANÇOS E FRAGILIDADES NA ARTICULAÇÃO DOS RECURSOS

A necessidade de novas contratações para a assistência nas regiões, as equipes desfalcadas para o trabalho exigido nos NRS foram identificadas como componentes que interferem no avanço da regionalização no estado. Outro componente é a falta de recurso financeiro para o desenvolvimento das redes de atenção à saúde e, consequentemente, para o comprometimento dos entes federados no processo de regionalização. A queixa atravessa os espaços colegiados de gestores municipais e estaduais em relação às dificuldades das ações e serviços da AB, Atenção Especializada e Hospitalar. A ineficiência dos recursos é um impasse para a regionalização, sejam financeiros, humanos ou físicos22

A falta de recurso foi recorrente na realidade das regiões de saúde que detém os maiores número de municípios de pequeno porte e que não se mantêm com a própria arrecadação. Na Bahia, mais da metade dos municípios possui menos de vinte mil habitantes (IBGE), as entrevistas sinalizam que muitos são dependentes do repasse dos outros entes federados e o financiamento torna-se motivo para conflitos, principalmente, nas discussões de conformação de rede e implantação de serviços.

O conflito por financiamento pode ser uma característica herdada do processo de descentralização, pois o município operacionalizou suas ações a partir das induções financeiras federais, caracterizando a descentralização apenas enquanto um processo efetivo de alocação de recursos23. Nesse cenário, os municípios vivem o descompasso da autonomia constitucional e o custeio próprio para a saúde, visto que 73% dos municípios brasileiros possuem vinte mil habitantes e sofrem com a pouca arrecadação de encargos e recursos14

O modelo brasileiro de descentralização centralizador indica que, historicamente, as transferências financeiras não foram orientadas para a redução da desigualdade, uma vez que grande parte do financiamento ainda permaneceu concentrada na esfera federal, causando certa dependência dos governos locais para o desenvolvimento das políticas públicas24,25; desafio constatado em nosso estudo.

Para lidar com as iniquidades regionais, sabe-se que é exigida base financeira para a implantação das estratégias para o avanço da regionalização, no entanto, as experiências de alocações financeiras nas RAS, como indutoras para o processo de regionalização, apontam para as limitações da autonomia dos entes subnacionais26.

A Lei Complementar 141/12, que regulamenta a EC/29, dispõe sobre os percentuais mínimos de investimento na saúde, 12% para os estados, 15% para os municípios e, nesse sentido, compreende-se que os espaços para as pactuações entre os entes, principalmente as relações entre os estados e municípios, concretizam-se como o

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modo viável de oportunidade de avanço para o cenário das regiões, visto que a região não dispõe de recurso garantido em lei.

No entanto, de modo geral, há insuficiência dos recursos que estão sendo alocados na saúde, há preocupações geradas a partir dos impactos da Emenda Constitucional (EC) 29, da criação das emendas impositivas27, da aprovação da EC 95/201628, das dificuldades e defasados recursos destinados ao financiamento da atenção secundária e terciária, que ganhou contornos críticos na Portaria 3.992 de 2017, extinguindo os blocos de financiamento e definindo em dois blocos – custeio e investimento – de repasse para os municípios e, por fim, da recente mudança do financiamento da AB15

Para lidar com os impasses como principais estratégias regionais de alocação de recursos, neste estudo, destacam-se: os recursos destinados aos NRS para manutenção (para as atividades administrativas e de educação permanente em saúde) e aos investimentos aos serviços especializados, hospitalares e de transportes sanitários. Foram sinalizados como investimentos regionais o PMM para fixação dos médicos na AB e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) como principal transporte sanitário regional.

Apesar de apontar a necessidade da expansão da cobertura do Samu, principalmente para os territórios distantes do município-sede, o serviço contribui nos lugares com intenso trânsito de ambulâncias vinculadas aos municípios e que saem em busca de assistência nos municípios vizinhos e/ou nos grandes centros, desarticuladas do complexo de regulação.

Atentar-se para o Samu significa tê-lo como um dispositivo de referência no processo de regionalização e como via de identificação dos obstáculos na atenção às urgências regionais, nos entraves vivenciados na regulação da assistência hospitalar e servir como parâmetro para os transportes sanitários municipais.

Almeida et al. 19, em estudo realizado em uma região de saúde da Bahia, destacam que a Rede de Atenção à Urgência e Emergência e a implantação do Samu e complexos de regulação tencionaram pactuações e estratégias de planejamento de modo regionalizado, configurando-se como “uma janela de oportunidade” para diagnóstico da realidade.

No cenário da atenção especializada e hospitalar, foram citadas a construção e a reforma dos hospitais regionais em algumas regiões de saúde do estado, descentralizando procedimentos de maior complexidade tecnológica para as cidades-polo das regiões; e os consórcios de saúde, o investimento do estado no contexto assistencial, com desdobramentos diretos na organização e na oferta de serviços nas redes de atenção à saúde nas regiões.

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A proposta de consórcios, por regiões, entre municípios e o estado, esteve presente nas entrevistas e na Conferência de Saúde, principalmente pela possibilidade de gestão por Organizações Sociais da Saúde (OSS), alvo de críticas na conferência. O estado optou por consórcios para construção de policlínicas com serviços ambulatoriais médicos especializados e exames diagnósticos, alegando: a dificuldade e escassez dos procedimentos e profissionais especializados, a fragilidade do financiamento, a promoção do cooperativismo entre os entes e o avanço da regionalização aproximando os serviços das regiões de saúde.

Experiências de consórcios municipais, com a participação do estado como indutor e ator provedor, são encontradas modificando cenários regionais, configurando-se com estratégia de contratação profissional, em especial para média e alta complexidade, e na assistência com ampliação de ações e serviços, apesar do financiamento apresentar-se como obstáculo, assim como a possibilidade de reproduzir as desigualdades29,30. Destaca-se que o consórcio ainda é elemento de divergências no âmbito da governança regional29,31

Nesse âmbito regional, as policlínicas construídas nas 28 regiões de saúde, com o financiamento do estado (40%) e dos municípios que compõem a região (60%), segundo os dados da pesquisa, são destaques para que atenuem as dificuldades de financiamento, do fluxo do usuário no que consiste ao acesso ao serviço médico especializado, da fixação nas regiões de profissionais médicos especializados, principalmente as distantes dos grandes centros urbanos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa propôs analisar o processo de regionalização na Bahia e compreende que o estado avança no processo de regionalização na saúde, mas lentamente, fragmentado e com intensidades diferentes nas regiões. Avança, pois há um investimento da gestão estadual em estratégias de regionalização, o qual necessita superar o cenário conflituoso entre gestão e participação do controle social, potencializar a atuação dos NRS e reavaliar os aspectos indicados como limitadores para os avanços.

As considerações tecidas nas discussões e os aspectos sinalizados compõem o que se entende como importante no âmbito da regionalização e na garantia das ações e serviços sintonizados com os princípios do SUS, com o compromisso solidário e constitucional do direito à saúde. Destaca-se a importância da diretriz para o sistema de saúde e para a efetivação de um SUS que extrapole o setor da saúde.

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Reafirma-se a importância da participação social para garantia de um sistema de gestão democrático, priorizando: espaços de construção e dispositivos coletivos e descentralizados; a garantia do uso dos instrumentos de gestão de modo significativo e transparente para os atores envolvidos; o cuidado e comprometimento da gestão municipal e estadual com a AB e as RAS, visto a sua importância fundamental para os sistemas universais e de qualidade; a atenção e ampliação dos recursos destinados ao processo de regionalização, posto que, principalmente, a limitação do recurso financeiro configura-se como uma fragilidade do sistema de saúde.

Aponta-se como limitação do estudo a centralidade na análise a partir da perspectiva da gestão estadual. O objeto de investigação envolve diversos atores e dimensões complexas e multifacetadas, desse modo, merece ser compreendido por outras abordagens metodológicas mistas, com diversas fontes de dados (triangulação de dados) para aprofundamento e ampliação da análise da regionalização.

Por fim, os limites e desafios encontrados na pesquisa parecem não se localizar apenas na Bahia, as experiências aqui sinalizadas demonstram a necessidade de pensar novos modelos de partilha e solidariedade entre os estados e municípios, retomando a responsabilidade de se construir um SUS único.

Cabe indicar que a experiência no cenário SUS-BA precisa ser debatida com aprofundamentos: na integração dos serviços especializados e hospitalares no planejamento dos planos das redes de atenção e na discussão sanitária das regiões; na relação entre Sesab (nível central e seus departamentos) e as regiões de saúde, considerando os NRS e a CIR; na participação do controle social e de organizações não governamentais na regionalização.

Destacamos aqui a necessidade de aprofundar a investigação nos processos de governança das regiões de saúde.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Vick Brito Oliveira, Adriana Falangola Benjamin Bezerra, Keila Silene de Brito e Silva e Islândia Maria Carvalho de Souza.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Vick Brito Oliveira, Adriana Falangola Benjamin Bezerra, Keila Silene de Brito e Silva e Islândia Maria Carvalho de Souza.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Vick Brito Oliveira, Adriana Falangola Benjamin Bezerra, Keila Silene de Brito e Silva e Islândia Maria Carvalho de Souza.

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4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Vick Brito Oliveira, Adriana Falangola Benjamin Bezerra, Keila Silene de Brito e Silva e Islândia Maria Carvalho de Souza.

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Recebido: 27.4.2021. Aprovado: 21.7.2022.

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ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

ESCORE DE RISCO DE FRAMINGHAM EM PACIENTES DIABÉTICOS DA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA

Álvaro Luís Müller Fonsecaa

https://orcid.org/0000-0002-9920-9706

Rosana Andrade Britob

https://orcid.org/0000-0002-3751-5062

Ana Isabel Cezário Conceição de Carvalhoc

https://orcid.org/0000-0003-2575-1065

Ana Luísa Macedo de Amorimd

https://orcid.org/0000-0001-8463-2109

Beatriz Pinto Andrade Reise

https://orcid.org/0000-0003-3224-0407

Ariel Gustavo Letti f

https://orcid.org/0000-0003-4848-4019

Resumo

A maioria dos indivíduos com diabetes mellitus também apresenta obesidade, hipertensão arterial sistêmica (HAS) e dislipidemia. Por esse motivo, preconiza-se a Estratificação de Risco de Framingham (ERF), de modo a identificar o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares (DCV) em dez anos. Este estudo analisa a prevalência de diabetes mellitus para determinar o

a Professor Titular do Departamento de Educação (DEDC7) da Universidade do Estado da Bahia, Senhor do Bonfim, nos Cursos de Enfermagem e Biologia. Doutor em Biotecnologia e Medicina Investigativa. Mestre em Biociências. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: alfonseka@gmail.com

b Bióloga. Professora Municipal. São Gabriel, Bahia, Brasil. E-mail: rosanaabrito83@gmail.com

c Enfermeira. Especialista em Enfermagem em Nefrologia e Enfermagem em Urgência e Emergência. Enfermeira Assistente na Policlínica Regional. Senhor do Bonfim, Bahia, Brasil. E-mail: anaisabel.c@hotmail.com

d Graduanda em Enfermagem na Universidade do Estado da Bahia. Bolsista de Iniciação Científica. Senhor do Bonfim, Bahia, Brasil. E-mail: a.luisa.amorim8@gmail.com

e Graduanda em Enfermagem na Universidade do Estado da Bahia. Bolsista de Iniciação Científica. Senhor do Bonfim, Bahia, Brasil. E-mail: beatriznursing@gmail.com

f Professor Assistente do Departamento de Educação (DEDC7) da Universidade do Estado da Bahia, Senhor do Bonfim, nos Cursos de Biologia e Enfermagem. Doutor em Desenvolvimento Econômico. Mestre em Desenvolvimento Regional e Agronegócio. Jacobina, Bahia, Brasil. E-mail: ariel_letti@yahoo.com.br

Endereço para correspondência: Laboratório de Imunologia e Biotecnologia (Laim), Departamento de Educação do Campus VII, Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Rodovia Lomanto Júnior (BR407), km 127, s/n. Senhor do Bonfim, Bahia, Brasil. CEP: 48970-000. E-mail: alfonseca@uneb.br

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DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n3.a3455

risco cardiovascular pelo ERF na Estratégia de Saúde da Família (ESF), visando um cuidado integral para a prevenção de DCV. Trata-se de uma pesquisa de corte transversal com população (n = 746) dividida em 150 indivíduos diabéticos (apenas quatro do tipo 1) e 596 não diabéticos a partir de 3.325 prontuários. Foi identificado 57,9% (n = 432) de indivíduos com baixo risco (ERF < 10%); 24,7% (n = 185) em médio risco (ERF 10-20%), e 17,2% (n = 129) em alto risco (ERF > 20%). Os diabéticos de baixo risco representam 23,3% (n = 35/150); 36,6% (n = 55/150) com médio risco e 40% (n = 60/150) com alto risco. Os grupos são significativamente distintos entre si quanto ao ERF (P < 0, 0001) ao comparar os subgrupos de risco (baixo, médio, alto), assim como as taxas de glicemia (P < 0,0001). A prevalência de médio e alto risco aumenta a partir dos 48 anos de idade; o sexo feminino prevalece em todos os níveis de risco e faixas etárias. O risco cardiovascular para diabéticos é 2,5 vezes maior; há impacto aumentado se concomitante com hipertensão, tabagismo, obesidade, sedentarismo e etilismo. O panorama do risco cardiovascular, determinado pelo ERF, é relevante para o uso clínico pela equipe de saúde básica ao lidar com pacientes diabéticos.

Palavras-chave: Diabetes mellitus. Atenção primária. Doenças cardiovasculares. Escore de Risco de Framingham.

FRAMINGHAM RISK SCORE AMONG DIABETIC PATIENTS IN THE FAMILY HEALTH STRATEGY

Abstract

Most individuals with diabetes mellitus also present obesity, hypertension and dyslipidemia. Hence, the Framingham Risk Stratification (ERF) is recommended to identify the risk of developing cardiovascular diseases (CVD) in 10 years. This study analyzes the prevalence of diabetes mellitus to determine cardiovascular risk using the ERF in the Family Health Strategy, aiming at comprehensive care for CVD prevention. Cross-sectional research was conducted with 746 patients divided into 150 diabetic individuals (only four with type 1) and 596 non-diabetic individuals, identified from 3,325 medical records. Of the total, 57.9% (n = 432) were low-risk individuals (ERF < 10%), 24.7% (n = 185) medium risk (ERF 10-20%), and 17.2% (n = 129) high risk (ERF > 20%). Among diabetics, 23.3% (n = 35/150) were at low risk, 36.6% (n = 55/150) at medium risk, and 40% (n = 60/150) at high risk. The groups are significantly different regarding ERF (P < 0.0001), and when comparing risk subgroups (low, medium, high) and blood glucose rates (P < 0.0001). The prevalence of medium and high risk increases from 48 years of age. Women prevails at all risk levels and age groups. Diabetics have a 2.5 times higher cardiovascular

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risk, presenting an increased impact if concomitant with hypertension, smoking, obesity, sedentary lifestyle, and alcoholism. The panorama of cardiovascular risk determined by the ERF is relevant for clinical use by primary care staff when treating diabetic patients.

Keywords: Diabetes Mellitus. Primary Health Care. Cardiovascular Diseases. Framingham Risk Score.

PUNTUACIÓN DE RIESGO DE FRAMINGHAM EN PACIENTES DIABÉTICOS DE LA ESTRATEGIA DE SALUD FAMILIAR

Resumen

La mayoría de las personas que padecen diabetes mellitus también tiene obesidad, hipertensión arterial sistémica (HAS) y dislipidemia. Por este motivo, se recomienda la Estratificación de Riesgo de Framingham (ERF) para identificar el riesgo de desarrollar enfermedades cardiovasculares (ECV) en 10 años. Este estudio busca analizar la prevalencia de la diabetes mellitus para determinar el riesgo cardiovascular utilizando la ERF en la Estrategia de Salud Familiar, con el objetivo de proporcionar una atención integral para la prevención de las ECV. Este es un estudio de corte transversal con una población (n = 746) dividida en 150 individuos diabéticos (solo 4 de tipo 1) y 596 individuos no diabéticos desde 3.325 historias clínicas. Se identificaron un 57,9% (n = 432) de individuos de bajo riesgo (ERF <10%); el 24,7% (n = 185) de riesgo medio (ERF 10-20%) y el 17,2% (n = 129) de alto riesgo (ERF > 20%). Los diabéticos de bajo riesgo constituyen el 23,3% (n = 35/150); con riesgo medio el 36,6% (n = 55/150) y con riesgo alto el 40% (n = 60/150). Los grupos son significativamente diferentes entre sí con respecto a la ERF (P < 0,0001) al comparar subgrupos de riesgo (bajo, medio, alto) y las tasas de glucosa en sangre (P < 0,0001). La prevalencia de riesgo medio y alto aumenta a partir de los 48 años; el género femenino predomina en todos los niveles de riesgo y grupos de edad. El riesgo cardiovascular para los diabéticos es 2,5 veces mayor; hay un mayor impacto si es concomitante con hipertensión, tabaquismo, obesidad, inactividad física y alcoholismo. El panorama de riesgo cardiovascular, determinado por la ERF, es relevante para el uso clínico por parte del equipo básico de salud cuando se trata de pacientes diabéticos.

Palabras clave: Diabetes mellitus. Atención Primaria de Salud. Enfermedades Cardiovasculares. Puntuación de Riesgo de Framingham.

131 v. 45, n. 3, p.
jul./set. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
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INTRODUÇÃO

As doenças cardiovasculares (DCV) constituem importante causa de mortes nos países desenvolvidos e naqueles em desenvolvimento, nos quais o crescimento significativo converte-se em profundo impacto nas classes menos favorecidas e na necessidade de intervenções eficazes de baixo custo e de caráter preventivo1

A etiologia das DCV é determinada pela interação entre diversos fatores de risco (modificáveis), como hábitos alimentares inadequados, sedentarismo e tabagismo. Enquanto os fatores de risco não modificáveis, ou marcadores, são condições que não podem ser alteradas, embora tornem o indivíduo mais vulnerável, como a idade, sexo e bagagem genética2

Os fatores de risco interferem diretamente no desfecho fisiopatológico dessas doenças e o tempo de ocorrência para o primeiro desfecho, como um infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular encefálico, ocorre de forma interpessoal. Assim, conhecer precocemente a presença desses fatores, bem como iniciar um tratamento baseado na mudança do estilo de vida, aliado ao tratamento farmacológico, é fundamental para a redução significativa das taxas de morte 3. O diabetes mellitus (DM) é um dos fatores de risco mais importantes relacionado às DCV. Tais fatores geralmente estão associados e ligados ao desenvolvimento e/ou agravamento da aterosclerose. Estima-se que a população com DM, em nível mundial, seja de aproximadamente 387 milhões, sendo provável que alcance 471 milhões até 2035 4 .

De acordo com as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes4, juntamente com o DM, a maioria dos indivíduos apresenta obesidade, hipertensão arterial sistêmica (HAS) e dislipidemia. As intervenções devem ser feitas englobando esses fatores e anormalidades metabólicas, assim, além de prevenir o surgimento de diabetes, se evitaria DCV e reduziria a mortalidade4. Dessa forma, o Ministério da Saúde preconiza a estratificação de risco para doenças cardiovasculares em pacientes com doenças crônicas, segundo o Escore de Risco de Framingham (ERF). Esse método permite identificar pacientes que apresentam riscos elevados para desenvolver DCV em dez anos, visando um cuidado integral por meio de recursos e tecnologias em saúde para a prevenção dessas doenças5

Assim, fundamentando-se na incidência de doenças crônicas não transmissíveis no Brasil, o estudo teve como objetivo estratificar o risco cardiovascular em pacientes diabéticos atendidos em Unidades de Saúde da Estratégia de Saúde da Família (ESF), bem como estabelecer associações entre as características e hábitos da população a partir da análise estratificada do diagnóstico de diabetes, conforme dados obtidos em comparação a pacientes não diabéticos, a partir de dados coletados dos prontuários desses pacientes.

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MATERIAIS E MÉTODOS

Desenvolveu-se um estudo de corte transversal, quantitativo, por coleta de dados de prontuários para avaliação do ERF e análise dos marcadores e fatores de risco, em pacientes da ESF na Atenção Básica, atendidos nas Unidades de Saúde da Família (USF), compondo parte do Sistema Único de Saúde (SUS), no município de Senhor do Bonfim, situado na região CentroNorte do estado da Bahia, Brasil, entre junho de 2014 e junho de 2017. Das 2.216 famílias cadastradas na ESF, foram analisados 3.325 prontuários de 760 famílias, dos quais 917 foram registrados nas planilhas de dados e, destes, 746 foram selecionados para a análise por apresentarem a maioria dos dados necessários. O tamanho mínimo da amostra foi determinado em 249 indivíduos, com erro amostral de 5% (IC0,95).

Os participantes foram devidamente advertidos pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A pesquisa está cadastrada na Plataforma Brasil–SUS (CAAE 64201517.1.0000.0057), com parecer de aprovação (n. 2096650) pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).

Os dados registrados para a avaliação da estratificação (ERF) e para análises estatísticas5,6 foram: identificação da família, nome, data de nascimento (idade), sexo, aferição da pressão arterial, portador ou não de hipertensão (HAS) e/ou diabetes mellitus (DM), glicemia, colesterol total (CT), LDL, HDL, VLDL, triglicerídeos (TG), índice de massa corpórea7, tabagismo (consumo de tabaco em qualquer quantidade ou frequência), etilismo (consumo de álcool em qualquer quantidade ou frequência), sedentarismo (ausência de prática de exercício físico de qualquer tipo ou frequência) e medicação usada para diabetes.

Os critérios de inclusão dos indivíduos na amostra foram: idade igual ou superior a 18 anos e estar cadastrado na ESF. Foram excluídos pacientes com insuficiência renal crônica e hipotireoidismo devido a possíveis alterações nos dados, as quais podem causar viés ou confundimento.

Os dados coletados foram registrados em planilha impressa padronizada, para posterior computação em planilha Excel. Os indivíduos foram divididos em portadores de diabetes mellitus (CDM), tanto do tipo 1 ou 2, e não portadores (NDM). Determinou-se o valor percentual do risco de desenvolver doença cardiovascular nos próximos dez anos por meio do ERF (5, 6), resultando em subgrupos conforme as categorias de baixo (< 10%), médio (10 a 20%) e alto risco (> 20%). Também foram estabelecidas as diferenças entre os grupos e subgrupos por análises de variância e comparações.

A determinação estatística da distribuição foi feita pelo método de d’Agostino e Pearson, porém em grupos com poucos dados foi determinada pelo método

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de Kolmogorov-Smirnov. Ao comparar os grupos adotou-se Pearson (paramétricos) e Spearman (não paramétricos).

As análises de comparação da dispersão e da variabilidade envolvendo três ou mais grupos foi feita pelo teste One-way ANOVA. Conforme a distribuição determinada, para as análises de comparação entre dois grupos foram usados os testes T, Mann-Whitney (não paramétricos) e Não pareado (Unpairedtest) (paramétricos). Utilizou-se o programa GraphPad Prism 5.0.1 (GraphPad Software Inc., 2007, La Jolla, EUA).

RESULTADOS

Dentre os 746 indivíduos registrados e avaliados, 57,9% (n = 432/746) apresentaram baixo risco, 24,7% (n = 185/746) médio risco, e 17,4% (n = 129/746) apresentavam alto risco para desenvolver DCV em dez anos, conforme o ERF. Basicamente, os CDM apresentaram risco 2,51 vezes maior para DCV do que os NDM, podendo atingir 2,85 vezes maior se classificados como de nível de risco alto por ERF. A comparação entre os grupos CDM e NDM mostrou variância significativa entre si (P<0, 0001, ANOVA) para todos os subgrupos do ERF (baixo, médio e alto risco) em relação aos diferentes fatores avaliados, assim como a comparação quanto ao ERF entre ambos os grupos (P < 0,0001, Figura 1), a mesma tendência de variação e aumento de risco se apresentou para as faixas etárias determinadas (Tabelas 1, 2 e 3). A comparação das taxas de glicemia entre CDM e NDM também apresentou diferença significativa (P < 0,0001).

Figura 1 – Comparação entre os Escores de Risco de Framingham (ERF) para CDM e NDM. Senhor do Bonfim, Bahia, Brasil – 2018

Fonte: Elaboração própria.

Grupos diagnosticados com e sem DM

P < 0,0001 *** Teste T

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Escore de Risco de Framingham CDMNDM 30 20 10 0 -10 -20

Quanto às características da população amostrada, 71,0% (n = 530/746) constituía-se do sexo feminino, dos quais 41,4% (n = 309/746) apresentavam baixo risco, 19,3% (n = 147) médio risco e 9,9% (n = 74) alto risco pelo ERF. Enquanto 28,9% (n = 216/746) da amostra foram caracterizadas por indivíduos do sexo masculino, dentre os quais 16,4% (n = 123) apresentando baixo risco, 5,0% (n = 38) médio risco e 7,3% (n = 55) alto risco para DCV (Tabela 1). A análise de distribuição mostrou variância muito significativa (P < 0,0001, ANOVA) ao comparar os agrupamentos por sexo em relação aos estratos dos níveis de risco por ERF (baixo, médio e alto) entre CDM e NDM. Ao mesmo tempo, a comparação por teste T pareado entre esses mesmos estratos por níveis de risco e sexo, entre CDM e NDM, mostrou diferenças significativas entre todos os subgrupos comparados.

O grupo CDM constituiu-se de 20,1% (n = 150/746) indivíduos, dos quais 23,3% (n = 35/150) foram classificados em baixo risco, 36,6% (n = 55/150) em médio risco e 40% (n = 60/150) em alto risco pelo ERF. Nesse grupo, havia 70,6% (n = 106/150) indivíduos do sexo feminino, com 16% (n = 24/150) classificados em baixo risco, 29,3% (n = 44/150) em médio risco e 25,3% (n = 38/150) em ERF de alto risco, sendo as mulheres predominantes em todas as categorias da comparação. Por sua vez, havia 29,3% (n = 44/150) indivíduos do sexo masculino, sendo 7,3% (n = 11/150), 7,3% (n = 11/150) e 14,6% (n = 22/150) distribuídos nos respectivos níveis de risco baixo, médio e alto, determinados pelo ERF (Tabela 2). Ainda, entre os CDM, 94 pacientes possuíam determinação do tipo de DM, sendo noventa do tipo 2 e apenas quatro do tipo 1, os demais 56 indivíduos não tinham diagnóstico específico quanto ao tipo de diabetes.

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Nível de risco do total de indivíduos (%) Faixa etária Baixo risco < 10% Médio risco 10-20% Alto risco > 20% Total M F M F M F 18-32 23 (3,0) 78 (10,4) 1 (0,1) 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0) 102 (13,6) 33-47 55 (7,3) 127 (17,0) 3 (0,4) 6 (0,8) 1 (0,1) 0 (0,0) 192 (25,7) 48-62 33 (4,3) 63 (8,4) 19 (2,5) 59 (7,9) 15 (2,0) 20 (2,6) 209 (28,0) 63-77 11 (1,4) 29 (3,8) 7 (,0,9) 53 (7,1) 28 (3,7) 40 (5,3) 168 (22,5) 78-92 1 (0,1) 12 (1,6) 8 (1,0) 29 (3,8) 11 (1,4) 14 (1,8) 75 (10,0) Total 123 (16.4) 309 (41,4) 38 (5,0) 147 (19,3) 55 (7,3) 74 (9,9) 746 (100,0) Fonte: Elaboração própria. DCV – Doença Cardiovascular, ERF – Escore de Risco de Framingham, F – Feminino, M – Masculino
Tabela 1 – Níveis de risco por ERF para DCV por faixa etária e sexo (n = 746). Senhor do Bonfim, Bahia, Brasil – 2018

Tabela 2 – Níveis de risco por ERF para DCV em CDM por faixa etária e sexo (n = 150). Senhor do Bonfim, Bahia, Brasil – 2018

O grupo NDM correspondeu a 79,9% (n = 596/746) indivíduos da população amostrada, sendo que 66,4% (n = 396/596) apresentaram baixo risco, 22,0% (n = 130/596) médio risco e 11,6% (n = 69/596) alto risco. O mesmo grupo tinha também 71,1% (n = 106/596) de indivíduos do sexo feminino, distribuídos em 47,6% (n = 284/596) de baixo risco, 17,4% (n = 104/596) de médio risco e 6,0% (n = 36/596) de alto risco segundo ERF, sendo as mulheres novamente predominantes em todas as categorias em comparação com os homens, os quais somaram 78,9% (n = 172/596) pacientes, distribuídos nos respectivos níveis de risco baixo, alto e médio com 18,7% (n = 112/596), 4,5% (n = 27/596) e 5,5% (n = 33/596) pelo ERF (Tabela 3).

Tabela 3 – Níveis de risco por ERF para DCV em NDM por faixa etária e sexo (n = 596). Senhor do Bonfim, Bahia, Brasil – 2018

Nível de risco NDM (%)

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Nível de risco CDM (%) Faixa etária Baixo risco < 10% Médio risco 10-20% Alto risco > 20% Total M F M F M F 18-32 0 (0,0) 1 (0,6) 1 (0,6) 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0) 2 (1,3) 33-47 3 (2,0) 15 (10,0) 0 (0,0) 1 (0,6) 1 (0,6) 0 (0,0) 20 (13,3) 48-62 5 (3,3) 3 (2,0) 4 (2,6) 16 (10,6) 8 (5,3) 8 (5,3) 44 (29,3) 63-77 3 (2,0) 4 (2,6) 2 (1,3) 18 (12,0) 10 (6,6) 23 (15,3) 60 (40,0) 78-92 0 (0,0) 1 (0,6) 4 (0,6) 9 (6,0) 3 (2,0) 7 (4,6) 24 (16,0) Total 11 (7,3) 24 (16,0) 11 (7,3) 44 (29,3) 22 (14,6) 38 (25,3) 150 (100,0)
Fonte: Elaboração própria. CDM - Grupo Diabéticos, DCV – Doença Cardiovascular, ERF – Escore de Risco de Framingham, F – Feminino, M – Masculino
Faixa etária Baixo risco < 10% Médio risco 10-20% Alto risco > 20% Total M F M F M F 18-32 23 (3,8) 77 (12,9) 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0) 0 (0,0) 100 (16,7) 33-47 52 (8,7) 112 (18,7) 3 (0,5) 5 (0,8) 0 (0,0) 0 (0,0) 172 (28,8) 48-62 28 (4,6) 60 (10,0) 15 (2,5) 43 (7,2) 7 (1,1) 12 (2,0) 165 (27,6) 63-77 8 (1,3) 25 (4,1) 5 (0,8) 36 (6,0) 18 (3,0) 17 (2,8) 109 (18,2) 78-92 1 (0,1) 10 (1,6) 4 (0,6) 20 (3,3) 8 (1,3) 7 (1,1) 50 (8,3) Total 112 (18,7) 284 (47,6) 27 (4,5) 104 (17,4) 33 (5,5) 36 (6,0) 596 (100,0) Fonte: Elaboração própria. NDM - Grupo não Diabéticos, DCV – Doença Cardiovascular, ERF – Escore de Risco de Framingham, F – Feminino, M – Masculino

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Ao analisar o perfil clínico da amostra total, apenas 4,7% (n = 35/746) dos indivíduos CDM foram classificados em baixo risco, 7,3% (n = 55/746) em médio e a maior parcela, 80% (n = 60/746), em alto risco pelo ERF. Dessa forma, houve evidente aumento em alto risco para DCV entre os diabéticos. O perfil também revelou que houve aumento de risco para os tabagistas (1,6% n = 12/746), para sedentários (2,6% n = 20/746); etílicos (2,5% n = 19/746). O número de pacientes que já sofreram algum tipo de evento cardiovascular (ECV), obesos, hipertensos e indivíduos medicados para diabetes, praticamente se manteve estável entre o risco médio e alto. As características do perfil clínico dos pacientes CDM e NDM são apresentadas na Tabela 4

Fonte: Elaboração própria. CDM - Grupo Diabético, NDM - Grupo não Diabéticos, ECV - Evento Cardiovascular; HAS - Hipertensão Arterial Sistêmica; a –Pacientes com medicação prescrita para diabetes.

As comparações dos níveis de lipoproteínas para os grupos e respectivos subgrupos levaram em conta os valores de referência, conforme a V Diretriz8, para a respectiva lipoproteína analisada. Dessa forma, constatou-se que foram significativamente diferentes as comparações para alto valor de CT, N-HDL ótimo e alto (P = 0,0307 e P = 0,0450) ao comparar CDM e NDM. Por sua vez, as comparações entre as razões dos índices de lipoproteínas mostraram significância para CT/HDL-C em ERF de alto risco (P = 0,0299); TG/HDL-C em ERF de baixo risco (P = 0,0075) e LDL/HDL-C para ERF de médio risco (P < 0,0001), também ao comparar CDM com NDM.

DISCUSSÃO

A análise do ERF mostrou que o nível de risco aumenta gradativamente de acordo com a faixa etária, até se tornar mais significativo nas faixas de 48 a 62 e 63 a 77 anos, sendo que esta última apresenta a maior prevalência de alto risco. Observou-se que, tanto para CDM como NDM, o número de pessoas com idade superior a 48 anos corresponde a mais

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Categorias CDM n (%) NDM n (%) Total n (%) Sexo Feminino 106(14,2) 424(57,0) 530(71,0) Masculino 44(5,8) 172(23,0) 216(29,0) Nº de indivíduos 150 (21,0) 596(79,9) 746(100,0) HAS 109(14,6) 291(39,0) 400(53,6) Tabagistas 20(2,6) 45(6,0) 65(8,6) Obesos 42(5,6) 103(13,8) 145(19,4) Sedentários 43(5,7) 82(11,0) 125(16,7) Etílicos 21(2,8) 19(2,5) 40(5,3) Medicadosa 117(15,6) 160(21,4) 277(37,0) ECV 26(3,4) 56(7,5) 82(10,9)
Tabela 4 – Perfil clínico de CDM e NDM (n = 746). Senhor do Bonfim, Bahia, Brasil – 2018

de 60% da população amostrada, sendo que aproximadamente 40% são classificadas como de risco médio e alto pelo ERF. O impacto desse marcador aliado aos demais fatores de risco, segundo outros estudos6, revela que o envelhecimento está relacionado ao enrijecimento da parede das artérias, o que pode resultar na elevação da pressão arterial, em especial entre os diabéticos. Esse fato também pode estar associado à maior concentração de idosos apresentando risco alto para as DCV9.

A despeito de não ter sido determinado o tipo de DM para parte dos indivíduos amostrados, infere-se que a grande maioria seja realmente do tipo 2. Ainda que ambos os tipos de DM 1 e 2 apresentem agravo das condições vasculares ao longo do decurso da doença, estudos apontam que portadores do tipo 2 têm risco aumentado de desenvolver doença cardiovascular, visto que as alterações macrovasculares contribuem de forma significativa para a ocorrência de complicações no sistema circulatório, pois essa categoria está diretamente relacionada aos fatores de risco como obesidade, dislipidemia e HAS9,10.

Por sua vez, as variáveis presentes no ERF, como presença de diabetes, colesterol total, HDL, tabagismo e pressão arterial, têm relação direta com DCV, tendo em vista que lesiona o sistema circulatório (como supracitado). Em relação ao sexo, constatou-se que mulheres apresentam maior risco. Já no que se refere à idade, estudos apontam que quanto maior a idade, são maiores as chances de desenvolver DM do tipo 2 (principalmente a partir dos 65 anos). Assim, uma vez portador de DM, a pessoa pode ter sua saúde cardiovascular comprometida e passar a ter um risco maior de DCV. Por essa razão, a glicemia é uma variável de grande relevância e deve ser destacada10,11, em especial nas faixas etárias mais avançadas.

Quanto à estratificação por sexo, o feminino apresentou maior percentual em ambos os grupos (CDM e NDM) e em todas as categorias de risco. Após analisar se há diferença entre os sexos sobre o risco de morte por DCV em pessoas com DM tipo 2, um estudo 12 indicou haver risco 2,2 vezes maior em homens e 2,9 em mulheres, mas sem diferenças significativas, tendo encontrado diferenças apenas para mulheres com idade entre 55 e 64 anos, as quais tiveram risco significativamente maior para acidente vascular encefálico, o que sugere necessidade de atenção especial às mulheres com DM na primeira década pós-menopausa.

As análises do perfil clínico dos grupos mostraram que a maioria dos fatores de risco associados ao DM encontrava-se elevada em indivíduos de médio e alto risco pelo ERF, destacando-se o número de ocorrências de evento cardiovascular (ECV), de hipertensão, tabagismo e de etilismo. Tanto em CDM como em NDM, os maiores níveis de HAS ocorreram em indivíduos de médio risco e alto risco, porém, dentre os CDM os hipertensos são notavelmente

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prevalentes (72,6% n = 109/150). Por outro lado, tabagismo, obesidade, sedentarismo, etilismo são mais prevalentes em baixo risco entre os NDM, ao contrário do que ocorre com CDM, cujos mesmos fatores são mais prevalentes em alto risco, destacando-se o percentual relativo de sedentários (28,6%), o qual é mais do que o dobro do de NDM (13,7%).

É importante destacar que, apesar de os grupos CDM e NDM apresentarem variabilidades significativas determinadas por ANOVA, entre as variáveis estudadas os grupos de doentes e não doentes são similares entre si em relação a alguns fatores e marcadores, tornando difícil distinguir quais destes são mais importantes em relação ao DM, ou que representassem risco aumentado para ocorrência de ECV. Contudo, as comparações pareadas entre os grupos e subgrupos de acordo com o nível de risco por ERF, também conforme os valores referenciais para esses mesmos fatores e marcadores, como as lipoproteínas e a glicemia, revelaram o quanto essas variáveis são relevantes e impactantes para o ERF. Portanto, nesse caso, foi possível discernir os subgrupos por categoria de risco, confirmando que há risco de evento cardiovascular claramente acentuado para os CDM em relação aos NDM. Sendo assim, a comparação dos grupos quanto à dislipidemia, revelou que houve variância significativa dos níveis de lipoproteínas e plasmáticas (CT, TG, N-HDL, HDL-C, LDL)8,13 entre os grupos CDM e NDM, bem como para a maioria dos subgrupos dos diferentes fatores e marcadores avaliados em relação ao ERF. Esse quadro de alteração metabólica da lipidemia reflete-se nas comparações entre CDM e NDM em relação à glicemia, as quais demonstram que os indivíduos diabéticos têm evidente tendência e maior risco de desenvolver eventos cardiovasculares em dez anos, pois apresentam ERF de médio e alto risco mais prevalentes, portanto, têm alto potencial de apresentar, concomitantemente, lesões vasculares que podem ser indicativas de aterosclerose, uma vez que os fatores e marcadores de risco do DM estão associados àqueles que causam lesões vasculares, as quais implicam nessa possibilidade, intensificando o risco de ECV8,9,12-14

Esses achados, juntamente com os fatores e marcadores já comentados, resultam de modificações no metabolismo dos lipídios que, de acordo com a literatura12,14, estão associadas ao desenvolvimento da aterosclerose e de outras doenças vasculares, como acidente vascular cerebral, infarto agudo do miocárdio, as quais também estão associadas às alterações no metabolismo glicêmico e, portanto, atuam na progressão do DM, como obesidade, dieta aterogênica, sedentarismo, alcoolismo, tabagismo, síndrome metabólica e HAS8,12-14. Esse quadro é comparável ao encontrado na população estudada, conforme as comparações entre os valores das frações lipídicas encontradas para CDM e NDM.

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Todavia, a ausência de informações sobre a dieta, a prática de atividade física e o peso corporal no ERF pode ser considerada como viés, pelo fato de esses dados serem importantes para o risco de DCV. Outro ponto que merece destaque é que ao se reduzir ou controlar apenas um dos fatores de risco do ERF não necessariamente irá causar diminuição do risco. É importante ressaltar que as variáveis contínuas categorizadas pelo escore, como a HDL do colesterol, pressão arterial sistólica e colesterol total, também podem gerar confundimento, tendo em vista que apresentam riscos contínuos e que pode existir grau de confusão em relação aos seus valores limítrofes5. Como forma de evitar esses vieses, é aconselhável aplicar o ERF simultaneamente à observação de outras variáveis como a avaliação de peso, da circunferência abdominal, do histórico familiar e de outros exames laboratoriais15 (por exemplo, hemoglobina glicada).

Outro aspecto que se deve levar em conta é que o DM se mostra como um fator de risco independente, mesmo sendo motivo da origem e/ou de agravamento de lesões vasculares que no decorrer da doença podem resultar em aterosclerose, por exemplo, e outras DCV16,17 Sendo assim, o indivíduo diabético apresenta maior risco para o desenvolvimento e progressão de doenças vasculares, pois devido à interação de diversos distúrbios metabólicos presentes no DM e pelos quais ocorre a progressão da lesão do endotélio acaba contribuindo de forma direta para a ocorrência de ECV. Ao mesmo tempo, em virtude da grande exposição à hiperglicemia, à hiperinsulinemia e à presença de resistência insulínica ocorre uma exacerbação do seu curso clínico e, por consequência, de alterações celulares em todas as etapas do processo aterogênico de lesão vascular18. Assim, o uso de ferramentas como o ERF para avaliar o risco cardiovascular de pacientes da atenção básica possibilita nortear medidas preventivas e o tratamento desses pacientes, em particular os diabéticos. Nesse sentido, os dados obtidos sinalizam a necessidade incentivar políticas e estratégias públicas visando atenuar o risco de doenças cardiovasculares na população atendida.

Essa abordagem do uso do ERF na ESF se torna ainda mais imprescindível por se tratar de um modelo validado. Autores defendem que a fiabilidade do ERF se dá por meio de sua utilização em várias populações. Isso acontece, pois a acurácia, o potencial de generalização e o desempenho são as bases determinantes na predição desse escore11,12 Entretanto, há argumentos contraditórios vindos de outras fontes que defendem a não utilização do ERF, tendo em vista que, como ele foi validado para populações norte-americanas, pode haver dúvidas a respeito da relevância das suas variáveis quanto a seu uso generalizado5,19 em populações de outras regiões do globo.

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Contudo, apesar das opiniões divergentes, sua aplicação é extremamente necessária para a identificação de riscos e prevenção de doenças, ainda mais tratando-se de DM, que geralmente está associado a outros fatores predisponentes ao desenvolvimento de DCV1,6,10,16,20

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Determinou-se que os indivíduos com DM (CDM) apresentam risco 2,5 vezes mais elevado de desenvolver doenças ou eventos cardiovasculares em dez anos pelo ERF, em comparação com os não diabéticos (NDM), determinado pela análise dos dados de fatores e marcadores de risco cardiovascular, incluindo o perfil clínico e o próprio diagnóstico para DM na população amostrada da ESF. Pacientes de nível de risco alto por ERF têm até 2,9 mais chances de apresentar evento cardiovascular em dez anos se forem diabéticos.

As análises de comparação mostraram que, apesar de os grupos (CDM e NDM) apresentarem algumas semelhanças entre si, há variâncias significativas em relação aos marcadores e fatores avaliados para o ERF, como HAS, idade, obesidade, tabagismo, etilismo, além de dislipidemia e, obviamente, glicemia.

Essas análises e a determinação do ERF possibilitaram responder questões importantes sobre até que ponto esses grupos são heterogêneos e distintos entre si, na medida em que há maior risco associado às alterações metabólicas em CDM para todas as categorias de risco pelo ERF; além disso, expõe como essas características distribuem-se em relação ao sexo e à idade dos indivíduos, com maior prevalência no sexo feminino e risco aumentado a partir dos 48 anos; e quais os fatores e marcadores apresentam maior impacto na saúde da população amostrada, com destaque para HAS, idade e sedentarismo, sendo que, ao mesmo tempo, estes achados são aplicáveis a outras comunidades atendidas pela ESF da Atenção Básica inseridas no SUS, na região de Senhor do Bonfim.

Este estudo evidencia a importância de aplicar a estratificação de risco cardiovascular de Framingham (ERF), por parte das equipes de saúde da ESF, bem como conhecer quais os fatores e marcadores prevalentes na população atendida para que assim a prevenção da evolução dessas doenças seja efetivada, a fim de que complicações futuras sejam evitadas por ações como a mudança de estilo de vida. A utilização do ERF é de grande importância para os profissionais de saúde, sendo uma ferramenta prática e rápida para prevenção de DCV e suas implicações, na medida em que avalia não apenas um fator ou marcador de risco isoladamente, como a glicemia, mas vários desses fatores associados ao mesmo tempo. Dessa forma, revela um quadro clínico bastante confiável para o risco de doenças cardiovasculares nos pacientes, em especial para aqueles acometidos de diabetes.

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COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Álvaro L. M. Fonseca, Rosana A. Brito, Ariel G. Letti.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Rosana A. Brito, Ana Izabel C. C. Carvalho, Ana Luísa M. Amorim, Beatriz P. A. Reis, Ariel Gustavo Letti.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Álvaro L. M. Fonseca, Ariel G. Letti.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Álvaro L. M. Fonseca.

AGRADECIMENTOS

Este estudo recebeu aporte de bolsas do Programa de Iniciação Científica (PICIN) da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). A pesquisa foi realizada em cooperação com a Secretaria Municipal de Saúde (Semus) do município de Senhor do Bonfim, Bahia, Brasil.

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Recebido: 30.4.2021. Aprovado: 21.7.2022.

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ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

SOROPREVALÊNCIA DE MARCADORES DE TRIAGEM SOROLÓGICA PARA DOENÇAS

TRANSMISSÍVEIS POR TRANSFUSÃO EM DOADORES DE SANGUE EM SERGIPE, BRASIL

Marco Aurélio de Oliveira Góesa

https://orcid.org/0000-0003-0953-9320

Rafael de Souza Aguiarb

http://orcid.org/0000-0003-4294-3341

Ester Benczc

http://orcid.org/0000-0002-3594-7873

Vanessa Oliveira Amorimd

http://orcid.org/0000-0002-0030-9871

Íkaro Daniel de Carvalho Barretoe

http://orcid.org/0000-0001-7253-806X

Edivan Rodrigo de Paula Ramosf

http://orcid.org/ 0000-0002-3135-072X

Resumo

A transfusão de sangue é um procedimento comum nos serviços de saúde, embora não seja isento de riscos. O descarte sorológico e a análise do perfil do doador fornecem informações essenciais para a segurança da transfusão. Este artigo avalia a prevalência e a tendência de descarte das bolsas de sangue por positividade sorológica para doenças transmissíveis por transfusão do hemocentro de Sergipe. Trata-se de um estudo observacional, relativo às doações realizadas entre janeiro de 2007 e dezembro de 2018. Das 308.953 doações, 16.828 (5,45%) foram descartadas

a Médico. Doutor em Ciências da Saúde. Docente do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Sergipe. Aracaju, Sergipe, Brasil. E-mail: maogoes@gmail.com

b Médico. Residente em Área Cirúrgica Básica pela Universidade do Estado de São Paulo. Botucatu, São Paulo, Brasil. E-mail: rafinha.aguia95@gmail.com

c Médica. Lagarto, Sergipe, Brasil. E-mail: esterbencz@gmail.com

d Médica. Lagarto, Sergipe, Brasil. E-mail: vanessa_amorim@outlook.com

e Estatístico. Doutorado em Biometria e Estatística Aplicada. Bolsista de Desenvolvimento Tecnológico Industrial do CNPq – Nível B. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: daniel.carvalho.ib@gmail.com

f Farmacêutico. Doutorado em Ciências Biológicas. Docente do Departamento de Medicina da Universidade Federal do Paraná. Toledo, Paraná, Brasil. E-mail: edivanramos@yahoo.com.br

Endereço para correspondência: Avenida Augusto Franco, n. 3150, Ponto Novo. Aracaju, Sergipe, Brasil. CEP: 49097-670. E-mail: maogoes@gmail.com

145 v. 45, n. 3, p. 145-160 jul./set. 2021 145
Revista Baiana de Saúde Pública
DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n3.a3330

devido à positividade em alguma sorologia de triagem. Verificou-se uma tendência de diminuição do descarte de bolsas de sangue nas sorologias testadas. As sorologias responsáveis pelo descarte foram: anti-HBc (2,09%), sífilis (1,49%), anti-HIV (0,82%), HBsAg (0,62%), anti-HCV (0,52%), anti-HTLV-1/2 (0,23%) e Chagas (0,15%). Com relação ao perfil do doador, houve maior descarte de doadores homens, de reposição e de faixas etárias avançadas. Neste estudo foi encontrada uma alta prevalência de descarte, embora com tendência decrescente para todas as sorologias, exceto sífilis, que permaneceu estacionária no período. Os resultados reforçam a necessidade dos processos de triagem sorológica para garantir a segurança transfusional, tendo em vista que essas doenças ainda são frequentes na população. Evidencia-se a importância da realização de campanhas educativas, de testagem e tratamento para as principais infecções de risco transfusional para que diminua a taxa de descarte de bolsas de sangue e melhore a qualidade transfusional.

Palavras-chave: Serviço de hemoterapia. Doadores de sangue. Estudos soroepidemiológicos. Segurança do sangue.

SEROPREVALENCE

OF SEROLOGICAL SCREENING MARKERS FOR TRANSFUSION-TRANSMITTED

DISEASES IN BLOOD DONORS IN SERGIPE, BRAZIL

Abstract

Although a common health care procedure, blood transfusion is not risk-free. Serological disposal and donor profile analysis provide key information for transfusion safety. This study evaluates the prevalence and tendency of discarding blood bags due to serological positivity for transfusion-transmitted diseases at a blood center in Sergipe, Brazil. An observational study was conducted on donations made between January 2007 and December 2018. Of the 308,953 donations received, 16,828 (5.45%) were discarded due to positive screening serology, with a decrease trend in discard for the serologies tested. Anti-HBc (2.09%), syphilis (1.49%), anti-HIV (0.82%), HBsAg (0.62%), anti-HCV (0.52 %), anti-HTLV-1/2 (0.23%) and Chagas (0.15%) were the serologies responsible for disposal. As for donor profile, greater discard was observed for men, replacement and advanced age donors. Results showed a high prevalence of discard, but with a decreasing trend for all serologies excepting syphilis, which remained stationary in the period. They reinforce the importance of serological screening processes for ensuring transfusion safety, as these diseases are still common among the population. Carrying out educational, testing and treatment campaigns for the main transfusion risk infections is essential to reduce blood bag disposal rate and improve transfusion quality.

Keywords: Hemotherapy Service. Blood Donors. Seroepidemiologic Studies. Blood Safety.

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SEROPREVALENCIA DE MARCADORES DE CRIBADO SEROLÓGICO PARA ENFERMEDADES

TRANSMISIBLES POR TRANSFUSIÓN EN DONANTES DE SANGRE EN SERGIPE, BRASIL

Resumen

La transfusión de sangre es un procedimiento común en los servicios de salud, aunque no está libre de riesgos. La eliminación serológica y el análisis del perfil del donante proporcionan información esencial para la seguridad de las transfusiones. Este estudio tiene como objetivo evaluar la prevalencia y tendencia del descarte de bolsas de sangre por positividad serológica para enfermedades transmisibles por transfusión en el hemocentro de Sergipe (Brasil). Se trata de un estudio observacional, relacionado con las donaciones realizadas entre enero de 2007 y diciembre de 2018. De las 308.953 donaciones, 16.828 (5,45%) se descartaron por positividad en alguna serología de cribado. Hubo una tendencia a disminuir el descarte de bolsas de sangre en las serologías probadas. Las serologías responsables de la eliminación fueron: anti-HBc (2,09%), sífilis (1,49%), anti-VIH (0,82%), HBsAg (0,62%), anti-HCV (0,52%), anti-HTLV-1/2 (0,23%) y Chagas (0,15%). En cuanto al perfil del donante, hubo un mayor descarte en los donantes masculinos, de reemplazo y en edad avanzada. En el estudio se constató una alta prevalencia de descarte, aunque con tendencia decreciente para todas las serologías, excepto para sífilis, que se mantuvo estacionaria en el período. Los resultados refuerzan la necesidad de procesos de cribado serológico para garantizar la seguridad transfusional, dado que estas enfermedades aún son comunes en la población. Se resalta la importancia de realizar campañas de educación, testeo y tratamiento de las principales infecciones de riesgo transfusional para reducir la tasa de eliminación de bolsas de sangre y mejorar la calidad transfusional.

Palabras clave: servicio de hemoterapia. donantes de sangre. estudios seroepidemiológicos. seguridad de la sangre.

INTRODUÇÃO

A transfusão de sangue e hemocomponentes é uma importante intervenção terapêutica que pode salvar vidas. Devido a sua singularidade no tratamento de diversas condições, os hemocomponentes e hemoderivados se fazem necessários em diferentes setores de uma unidade de saúde, como Centros de Terapia Intensiva (CTI), Pronto-Socorro, Centro Cirúrgico, Centro Obstétrico, entre outros1

O ato da transfusão, apesar do aprimoramento das técnicas de processamento do sangue, não é um procedimento isento de riscos. Podem ocorrer desde reações agudas e tardias

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Revista Baiana de Saúde Pública

até a transmissão de doenças. As chances de transmissão de patógenos por hemotransfusão são cada vez mais raras, porém o risco ainda existe. Conforme estudo realizado no Brasil, entre 2007 e 2013, houve uma média anual de 5,8 casos suspeitos de contágio de doenças virais por transfusão sanguínea. Apesar do emprego de técnicas laboratoriais modernas para detecção de doenças infecciosas no sangue, existe um período denominado “janela imunológica” (intervalo entre o contágio da doença e a sororreação do exame) no qual apesar dos testes possuírem resultados negativos, há chance de transmissão2.

A fim de tornar a prática da hemotransfusão mais segura, todos os procedimentos hemoterápicos nacionais são normatizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Ministério da Saúde (MS), regulamentando desde a captação de doadores de sangue até o processo transfusional. Assim, é obrigatória a triagem clínica e sorológica em todos os candidatos à doação de sangue, com testagens da amostra de sangue para: hepatites virais (B e C), doença de Chagas, sífilis, HIV, anti-HTLV-1/2 e, em regiões endêmicas, malária. A sororreatividade em algum dos testes de triagem leva ao descarte da bolsa coletada 3

Dessa forma, a análise do descarte sorológico e do perfil do doador fornece informações essenciais para a segurança transfusional, além de indicar a prevalência dessas infecções na população examinada. Estudos realizados nas décadas anteriores demonstraram que doadores remunerados apresentavam maiores riscos de transmissão de infecções quando comparados aos voluntários. Essa descoberta culminou na obrigatoriedade da doação voluntária em diversos países, incluindo o Brasil3,4

A avaliação do perfil de descarte sorológico dos centros de hemoterapia pode ser utilizada como um indicador de qualidade do sangue coletado e dos hemocomponentes produzidos. Dessa maneira, no Brasil, um país de dimensões continentais, com vasta diversidade socioeconômica, cultural e ambiental, se faz necessária também a avaliação desses dados em âmbito regional e local5

O objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência e tendência de descarte das bolsas de sangue por sorologias positivas em hemocentro público do estado de Sergipe.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo epidemiológico observacional, relativo às doações realizadas no Hemose no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2018. O Hemose é o hemocentro coordenador do estado de Sergipe, referência na área de hemoterapia e que presta assistência e apoio hemoterápico à rede de serviços de saúde de todo o estado, incluindo todos

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os serviços públicos e grande parte dos privados. O Hemose é gerido pela Fundação de Saúde Parreira Horta, uma instituição pública de direito privado que integra a rede de serviço de saúde da secretaria do estado de Sergipe6

Foram considerados para análise de dados as doações de sangue ocorridas entre 1° de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2018. Os dados tabulados incluíram o total de doações e as variáveis epidemiológicas: ano de doação, sexo, faixa etária (menores de 20 anos, entre 20-29 anos, 30-39 anos, 40-49 anos, 50-59 anos e 60 anos ou mais), tipo de doador (voluntário, reposição, convocado, campanha e autólogo), tipo sanguíneo (ABO, Rh) e regional de saúde (Aracaju, Socorro, Estância, Glória, Itabaiana, Lagarto, Propriá e outro estado).

Os doadores foram classificados como: voluntários (doação feita por pessoas com objetivo de manter o estoque de sangue por meio da busca espontânea pelo hemocentro), de campanha (coletas feitas para aumentar o estoque de sangue por meio de campanhas e com coleta fora do hemocentro), de reposição (doação para um determinado paciente que já recebeu ou deverá receber a transfusão), convocado (doador cadastrado que é convidado para doação mediante contato do hemocentro) e autólogo (doação realizada pelo paciente para o seu próprio uso).

Os testes para triagem sorológica seguiram os padrões da Anvisa. Kits comerciais validados que detectam anticorpos ou antígenos por métodos imunoenzimáticos (Elisa), foram usados para detectar hepatite B (anti-HBc e HBsAg), hepatite C (anti-HCV), doença de Chagas, HIV (anti-HIV I/II e antígeno do HIV p24), e HTLV-1/2 (anti-HTLV-1/2). A sífilis foi detectada por meio do teste de floculação (VDRL). A partir de 2013, iniciou-se o uso do teste NAT (teste de ácido nucléico) para HIV, hepatite B e hepatite C, que para fim deste estudo foram incorporados aos resultados das sorologias.

Considerou-se como doação descartada por sorologia quando o teste de triagem apresentou sororreatividade (incluindo as amostras indeterminadas) na primeira amostra sanguínea coletada. Uma vez considerada reagente, a doação é descartada para transfusão independentemente de testes confirmatórios subsequentes.

A análise estatística foi realizada por meio de testes do Qui-quadrado no programa R core team 2018. Para garantir um intervalo de confiança de 95%, foram considerados significantes apenas valores de p ≤ 0,05.

Para análise de tendência foram calculadas taxas anuais de soroprevalência para os anos estudados. Foram estimadas as variações anuais percentuais (APC – annual percent change) por meio de uma regressão linear segmentada (joinpoint regression). A regressão de Poisson foi

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Revista Baiana de Saúde Pública

utilizada para determinar o número de segmentos necessários para explicar adequadamente a relação entre as duas variáveis, para escolha dos modelos foram considerados os pontos de alteração da tendência que apresentavam nível de significância de 5% (p < 0,05). As tendências foram consideradas estacionárias quando a APC não foi significativamente diferente de zero (p > 0,05), ascendentes quando o coeficiente foi positivo e descendentes quando o coeficiente foi negativo. Para essas análises, utilizou-se o software Joinpoint, versão 4.0.4 (Surveillance Research, National Cancer Institute, USA), com acesso gratuito.

O estudo seguiu a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 446/12 e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe, sob parecer 2.412.409 (C.A.A.E 79342917.5.0000.5546).

RESULTADOS

No período entre 1º de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2018, 308.953 doações de sangue foram realizadas no Hemose, com média de 25.884 doações anuais. Quanto ao sexo, 231.141 (74,81%) doadores eram homens e 77.812 (25,19%) eram mulheres. Do total de doações, 16.828 (5,45%) foram descartadas devido à soropositividade em algum exame de triagem. Quando comparado os descartes por sexo, nesses 11 anos de avaliação, as doações feitas por homens foram mais rejeitadas que as por mulheres, 5,53% e 5,20% (p < 0,001) respectivamente (Tabela 1).

Tabela 1 – Distribuição absoluta e percentual anual das doações de sangue bloqueadas e totais por sexo no Hemose, 2007-2018. Aracaju, Sergipe, Brasil – 2021

150
ANO MASCULINO FEMININO TOTAL Descarte Doações Descarte Doações Descarte Doações n % N % n % n % N % N 2007 1252 5,76 21753 82,15 311 6,58 4727 17,85 1563 5,90 26480 2008 1503 6,52 23060 79,57 395 6,67 5919 20,43 1898 6,55 28979 2009 1181 565 20887 80,11 288 5,55 5187 19,89 1469 5,63 26074 2010 1577 7,83 20135 80,08 375 7,49 5008 19,92 1952 7,76 25143 2011 1467 7,33 20003 76,26 448 7,19 6227 23,74 1915 7,30 26230 2012 1223 6,57 18611 76,07 394 6,73 5854 23,93 1617 6,61 24465 2013 1013 5,25 19278 74,48 347 5,25 6606 25,52 1360 5,25 25884 2014 1071 5,63 19013 72,49 362 5,02 7217 27,51 1433 5,46 26230 2015 538 3,04 17683 72,04 211 3,07 6863 27,96 749 3,05 24546 2016 731 4,14 17656 70,16 307 4,09 7508 29,84 1038 4,12 25164 (continua)

145-160

Tabela 1 – Distribuição absoluta e percentual anual das doações de sangue bloqueadas e totais por sexo no Hemose, 2007-2018. Aracaju, Sergipe, Brasil – 2021 (conclusão)

Fonte: Elaboração própria.

* Valores estatisticamente significantes = p < 0,05 (IC95% – Intervalo de Confiança 95%) – Teste Qui-quadrado

A maioria dos doadores se concentrou nas faixas etárias entre 20-29 anos (38,16%) e 30-39 anos (31,46%). As taxas de descarte aumentaram de forma diretamente proporcional ao avanço de idade, elevando-se de 3,54% em menores de vinte anos para 9,78% em maiores de sessenta anos (p < 0,001) (Tabela 2).

Tabela 2 – Distribuição absoluta e percentual das variáveis sociodemográficas das doações de sangue bloqueadas e liberadas no Hemocentro do estado de Sergipe, 2007-2018. Aracaju, Sergipe, Brasil – 2021

151 v. 45, n. 3, p.
jul./set. 2021 ANO MASCULINO FEMININO TOTAL Descarte Doações Descarte Doações Descarte Doações n % N % n % n % N % N 2017 702 4,27 16430 68,51 304 4,03 7552 31,49 1006 4,19 23982 2018 524 3,15 16632 64,53 304 3,32 9144 35,47 828 3,21 25776 Total 12782 5,53* 231141 74,8 4046 5,20* 77812 25,19 16828 5,45 308953
Revista Baiana de Saúde Pública
Variáveis Resultado Total (n = 308.953) Bloqueado Liberado p-valor (IC95%) (n = 16.828) (n = 292.125) Sexo, N (%) Feminino 4046 (5.20) 73766 (94.80) 77812 (25.19) < 0,001 Masculino 12782 (5,53) 218359 (94.47) 231141 (74.81) Faixa Etária, N (%) < 20 anos 525 (3.54) 14285 (96.46) 14810 (4.79) < 0,001 20 a 29 anos 5073 (4.30) 112819 (95.70) 117892 (38.16) 30 a 39 anos 5246 (5.40) 91950 (94.60) 97196 (31.46) 40 a 49 anos 3906 (7.00) 51894 (93.00) 55800 (18.06) 50 a 59 anos 1751 (8.79) 18160 (91.21) 19911 (6.44) 60 anos e mais 327 (9.78) 3017 (90.22) 3344 (1.08) Tipo de Doador, N (%) Autólogo 11 (16.42) 56 (83.58) 67 (0.02) < 0,001 Campanha 671 (4.83) 13233 (95.17) 13904 (4.50) Convocado 181 (2.12) 8356 (97.88) 8537 (2.76) Reposição 11393 (6.46) 164940 (93.54) 176333 (57.07) Voluntário 4572 (4.15) 105540 (95.85) 110112 (35.64) (continua)

Tabela 2 – Distribuição absoluta e percentual das variáveis sociodemográficas das doações de sangue bloqueadas e liberadas no Hemocentro do estado de Sergipe, 2007-2018. Aracaju, Sergipe, Brasil – 2021 (conclusão)

Quanto ao tipo de doador, a maior parte foi classificada como doador de reposição (57,07%) e doador voluntário (36,64%), sendo o descarte significativamente maior entre os de reposição. Houve também diferença entre a proporção de descartes de acordo com a regional de saúde do doador, com maiores valores nas regiões de Estância (8,86%) e Propriá (8,7%) e menores em Aracaju (Capital) com 4,9% (p<0,001). O descarte também variou de acordo com o tipo sanguíneo e fator Rh (Tabela 2).

Foi observada uma redução global dos descartes, exceto na sífilis, HIV e HBsAg que não apresentaram tendência com significância estatística. Durante o período, o exame com maior taxa de positividade foi o anti-HBc (2,09%), seguido pela sífilis (1,59%) (Figura 1).

As menores taxas de descarte foram de Chagas (0,15%) e anti-HTLV-1/2 (0,23%) (Tabela 3).

152 Variáveis Resultado Total (n = 308.953) Bloqueado Liberado p-valor (IC95%) (n = 16.828) (n = 292.125) Regional, N (%) Outro estado 357 (6,73) 4944 5301 (1.72) < 0,001 Regional Aracaju 9785 (4,90) 189543 199328 (64.52) Regional Socorro 2781 (6,19) 42117 44898 (14.53) Regional Estância 1145 (8,86%) 11771 12916 (4.18) Regional Glória 336 (5,50%) 5768 6104 (1.98) Regional Itabaiana 1254 (5,66%) 20894 22148 (7.17) Regional Lagarto 644 (5,43) 11572 12216 (3.95) Regional Propriá 526 (8,70) 5516 6042 (1.96) ABO, N (%) A 5616 (5.42) 97925 (94.58) 103541 (33.51) 0,009 AB 624 (5.84) 10058 (94.16) 10683 (3.46) B 2128 (5.73) 34988 (94.27) 37116 (12.01) O 8458 (5.37) 149152 (94.63) 157611 (51.01) Rh, N (%) Negativo 2104 (4.83) 41467 (95.17) 43572 (14.10) < 0,001 Positivo 14723 (5.55) 250657 (94.45) 265380 (85.90) Fonte: Elaboração própria. * Valores estatisticamente significantes = p < 0,05 (IC95% - Intervalo de Confiança 95%) – Teste Qui-quadrado

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Figura 1 – Representação gráfica (A) e análise da tendência temporal (B) das amostras descartadas por marcadores sorológicos reagentes em doações de sangue por sexo em Sergipe, 2007-2018. Aracaju, Sergipe, Brasil – 2021

153 v. 45, n. 3, p.
jul./set. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública
Masculino A) 8,5 8 7,5 7 6,5 6 5,5 5 4,5 4 3,5 3 2,5 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Ano % 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 Feminino 8,5 8 7,5 7 6,5 6 5,5 5 4,5 4 3,5 3 2,5 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Ano % 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 (continua)

Figura 1 – Representação gráfica (A) e análise da tendência temporal (B) das amostras descartadas por marcadores sorológicos reagentes em doações de sangue por sexo em Sergipe, 2007-2018. Aracaju, Sergipe, Brasil – 2021

Tabela 3 – Distribuição absoluta e percentual das sorologias reagentes por sexo no Hemose, 2007-2018. Aracaju, Sergipe, Brasil – 2021

Fonte: Elaboração própria.

* Valores estatisticamente significantes = p < 0,05 (IC95% – Intervalo de Confiança 95%) – Teste Qui-quadrado

** Foram contabilizados também os descartes por NAT

154
A) Geral 8,5 8 7,5 7 6,5 6 5,5 5 4,5 4 3,5 3 2,5 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Ano % 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 B) Sexo Segmento Período APC IC 95% inferior IC 95% superior Tendência Masculino 1 2 2007 – 2010 2010 – 2018 10,8 -9,9* -10,6 -14,7 37,3 -4,7 estacionária decrescente Feminino 1 2007 – 2018 -6,6 -9,7 -3,7 decrescente Geral 1 2 2007 – 2011 2011 – 2018 -5,1 -11,1 -8,5 -17,3 20,8 -4,4 estacionária decrescente Fonte: Elaboração própria. APC – Annual Percentual Change – * p < 0,05 (IC95% – Intervalo de Confiança de 95%) – Regressão de Poisson (Joinpoint)
Exame MASCULINO FEMININO TOTAL p-valor N % N % N % Anti-HCV** 1272 0,55 337 0,40 1609 0,52 < 0,001 Anti-HIV** 1942 0,84 595 0,70 2537 0,82 < 0,001 Anti-HTLV-1/2 488 0,21 221 0,26 709 0,23 0,013 Chagas 363 0,16 108 0,13 471 0,15 0,055 Anti-HBc 4862 2,10 1581 1,85 6443 2,09 < 0,001 HBsAg** 1485 0,64 435 0,51 1920 0,62 < 0,001 Sífilis 3545 1,53 1049 1,23 4594 1,49 < 0,001 Total de doações 231141 74,81 85300 27,61 308953 100,00
(conclusão)

As taxas de positividade das sorologias para hepatite C, HIV, sífilis, anti-HBc e o HBsAg no período estudado foram significativamente maiores no sexo masculino, enquanto, no sexo feminino houve maior prevalência de anti-HTLV-1/2 (p = 0,013). (Tabela 3).

Na Figura 1 observa-se que após um período de tendência estacionária (20072011), houve tendência decrescente das taxas de descarte (APC = -11,1). No sexo masculino, verifica-se tendência decrescente a partir de 2010 (APC = -9,9). No sexo feminino a tendência decrescente ocorreu em todo o período (APC = -6,6).

Durante todo o período avaliado houve tendência decrescente das taxas de positividade das sorologias para HTLV-1/2, doença de Chagas e hepatite B (anti-HBc e HBsAg). As sorologias para hepatite C e HIV, após inicial tendência estacionária, evoluíram para tendência decrescente nos últimos anos. Após tendência crescente (APC = 34,5) entre 2007 e 2011, a sífilis evoluiu no período posterior para a tendência estacionária (Tabela 4).

Tabela 4 – Análise da tendência temporal das amostras descartadas por marcadores sorológicos em doações de sangue em Sergipe, 2007-2018. Aracaju, Sergipe, Brasil – 2021

Fonte:

DISCUSSÃO

Tendo em vista a utilização de hemocomponentes e hemoderivados em diversas condições e serviços de saúde, assegurar a qualidade do sangue é essencial. Logo, estudos sobre a prevalência de soropositividade e descarte de bolsas de sangue fornecem informações imprescindíveis, além de possibilitar estimar a prevalência dessas infecções na comunidade.

O perfil do doador, neste estudo, tem sua maioria representada por homens, jovens e com predomínio de doadores de reposição, assim como tem sido visto nos dados

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Revista Baiana de Saúde Pública
Exame Segmento Período APC (IC95%) Tendência Anti-HCV 1 2007-2010 34,5 (-4,9: 90,2) Estacionária 2 2010-2018 -24,7* (-32,0: -16,5) Decrescente Anti-HIV 1 2007-2012 10,4 (-14,5: 42,6) Estacionária 2 2012-2018 -24,5* (-40,8: -3,7) Decrescente Anti-HTLV-1/2 1 2007-2018 -11,2* (-19,4: -2,2) Decrescente Chagas 1 2007-2018 -12,2* (-17,7: -6,3) Decrescente Anti-HBc 1 2007-2018 -8,6* (-10,2: -6,9) Decrescente HBsAg 1 2007-2018 -4,5* (-10,2: -6,9) Decrescente Sífilis 1 2007-2011 31,44* (0,6: 71,8) Crescente 2 2011-2018 -9,15 (-18,2: 1,2) Estacionária
Elaboração própria. APC – Annual Percentual Change – * p < 0,05 (IC95% – Intervalo de Confiança de 95%) – Regressão de Poisson (Joinpoint)

nacionais7. Apesar de ser verificada uma menor taxa de doação feminina, percebe-se que ao longo dos anos estudados houve um aumento na taxa de mulheres doadoras passando de 17,85% (2007) para 35,47% (2018), tendência visualizada em diversos estudos brasileiros5, 7-11

A prevalência de inaptidão sorológica encontrada no estudo (5,45%), apesar de superior à média nacional (3,8%), está dentro do intervalo encontrado em estudos nacionais, que apresentaram valores variando entre 1,1% e 7,4%5,7,8,11-14. É válido citar que há grande variação entre os dados internacionais, tendo em vista que os países têm diferentes formas de triagem clínica e sorológica e grande influência da prevalência local dessas infecções.

Observa-se uma tendência de diminuição do descarte de bolsas de sangue, podendo refletir um controle maior dessas infecções na comunidade ou um aumento da rigidez na triagem clínica nos hemocentros. Afinal, os testes de triagens sorológicas estão cada vez com alta sensibilidade, portanto, poderia se esperar o aumento no número de amostras sororreagentes15. Essa redução foi vista em ambos os sexos. Um estudo realizado em Três Lagoas (MS) apresentou dados semelhantes, avaliados entre os anos de 2007 e 2010, onde houve uma redução de 4% para 2,9% respectivamente5

Avaliando a regional de saúde de residência do doador, foram encontradas diferenças significativas. Apesar da maior parte das doações serem da regional onde se encontra a capital, as taxas de descarte em doadores de regionais do interior foram maiores. Para justificar tal questão, aventa-se que como em Sergipe os locais de coleta se encontram na capital e assim, possivelmente, a maioria desses doadores do interior seriam de reposição, logo apresentariam maiores inaptidões sorológicas.

A relação do tipo sanguíneo com o maior risco para doenças infecciosas e diversos cânceres já foi descrita na literatura. Além disso, os antígenos e polissacarídeos presentes nas células hemáticas podem tanto ajudar alguns patógenos como dificultar outros a estabelecer a infecção15.

Ao verificarmos os motivos do descarte, tanto no Hemose quanto em outros hemocentros do Brasil, o anti-HBc é o marcador mais prevalente8,10,16,17. Outro marcador sorológico primário para diagnóstico da infecção aguda e crônica por HBV é o HBsAg, o qual apresentou prevalência de 0,62% em Sergipe, dentro da média do que tem sido encontrado na literatura nacional8,11,18,19. A prevalência do anti-HCV (0,52%) também esteve dentro do que tem sido encontrado em outros estudos nacionais, onde tem variado entre 0,15% e 7,6%8,11,20,21.

Assim como acontece com a hepatite B, os países da África Ocidental apresentam as maiores taxas de descarte pelo vírus da hepatite C21, sendo fundamental considerar a variabilidade da prevalência da infecção em cada perfil populacional estudado.

A possibilidade de transmissão da doença de Chagas por meio da transfusão de sangue foi aventada em 1936 na Argentina e confirmada em 1952 no Brasil. Na doença de Chagas

156

os pacientes podem apresentar o patógeno na circulação sanguínea, favorecendo a transmissão transfusional. Nas décadas de 1960 e 1970 a prevalência entre doadores era muito alta no Brasil (6,9%) e na América Latina (6,5%)24. Nos últimos anos ocorreu queda significativa na prevalência de doadores chagásicos nos hemocentros – dados atuais encontram prevalência entre 0,02% e 1%11,23,24. O percentual de descarte por sororreatividade para anticorpos para doença de Chagas encontrado neste estudo foi de 0,15%, inferior à média da região Nordeste (0,27%) e da nacional (0,26%)7.

Com relação ao HTLV constatou-se prevalência de 0,23% de descarte, tendência significativa de queda em todo o período. Resultados semelhantes foram encontrados em Minas Gerais (0,31%), porém superior à média de outros estudos brasileiros mais recentes que variou de 0,05% a 0,2%5,6,11,25. Ao longo dos anos, a gradativa exclusão de doadores repetidamente soropositivos e a constante evolução dos testes sorológicos colaboraram para tal tendência de queda da soropositividade ao HTLV nos hemocentros do país25.

A sífilis foi a segunda infecção mais prevalente no hemocentro analisado, representando 1,49% do descarte em relação ao total de bolsas doadas. Nessa análise foi utilizado apenas o VDRL, um teste não treponêmico que apesar de uma alta sensibilidade pode apresentar resultados falso-positivos.

A sorologia para HIV apresentou 0,82% de reatividade, valor superior à média nacional 0,27% e a encontrada em outros estudos (0,19% a 0,67%)5,7,8-11. Contudo, apresentou queda progressiva dos índices de positividade nos últimos dez anos, tendência concordante com a literatura 13. Na região Nordeste ainda é observada tendência crescente do diagnóstico dessa infecção 26 .

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo demonstrou que a prevalência geral de doenças de transmissão sanguínea entre os doadores de sangue foi mais alta do que a média nacional, mas teve tendência decrescente ao longo dos anos de estudo.

Na década avaliada verificou-se uma alta taxa de descarte de bolsas de sangue por positividade sorológica para doenças de transmissão sanguínea, embora com uma tendência decrescente para quase todas, exceto sífilis.

Embora os dados encontrados entre doadores de sangue não possam ser extrapolados para a população geral, ajudam a compreender a dinâmica dessas infecções no território. Além disso, refletem cenários onde há necessidade de intensificação de ações educativas, de acesso à testagem e de tratamento para essas infecções no âmbito dos serviços de saúde.

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Revista Baiana de Saúde Pública

Este estudo contribui para uma melhor caracterização do perfil das doações em um banco de sangue público no nordeste do Brasil e reforça a necessidade de processos qualificados de triagem clínica e laboratorial na doação de sangue para a garantia da segurança transfusional.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Marco Aurélio de Oliveira Góes, Rafael de Souza Aguiar, Ester Bencz, Vanessa Oliveira Amorim, Íkaro Daniel de Carvalho Barreto, Edivan Rodrigo de Paula Ramos.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Marco Aurélio de Oliveira Góes, Rafael de Souza Aguiar, Ester Bencz, Vanessa Oliveira Amorim, Edivan Rodrigo de Paula Ramos.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Marco Aurélio de Oliveira Góes e Edivan Rodrigo de Paula Ramos.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Marco Aurélio de Oliveira Góes e Edivan Rodrigo de Paula Ramos.

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Recebido: 15.3.2021. Aprovado: 2.8.2022.

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ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

SAÚDE BUCAL NA GESTAÇÃO: PERCEPÇÕES E PRÁTICAS DA GESTANTE NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

Gabriel Bastos Teixeiraa

https://orcid.org/0000-0002-2853-9441

Tercia Freire de Melob

https://orcid.org/0000-0003-3702-0964

Hevilla Pereira de Oliveirac

https://orcid.org/0000-0002-1618-0259

Vanessa Ribeiro da Silvad

https://orcid.org/0000-0001-5676-7217

Italo Emmanoel Silva e Silvae

https://orcid.org/0000-0001-7496-9218

Vanessa Barreiros Gonçalvesf

https://orcid.org/0000-0002-8833-7737

Resumo

A gestação é um período que pode predispor ou agravar algumas alterações bucais, uma vez que é caracterizado por mudanças hormonais, fisiológicas e psicológicas complexas. Apesar disso, o atendimento odontológico pré-natal ainda é negligenciado. Este estudo descritivo, transversal e de natureza quantitativa teve por objetivo analisar percepções e práticas das gestantes que utilizam os serviços de pré-natal de uma Unidade de Saúde da Família (USF) de Itabuna (BA) acerca da saúde bucal durante a gestação, bem como sobre o atendimento a Cirurgião-Dentista. Mestre em Ciências da Saúde. Docente na Faculdade Anhanguera em Itabuna e na Faculdade de Ilhéus – CESUPI. Ilhéus, Bahia, Brasil. E-mail: gabrielbtx@gmail.com

b Cirurgiã-Dentista. Especialista em Educação na Saúde. Preceptora do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família da Universidade Estadual de Santa Cruz. Itabuna, Bahia, Brasil. E-mail: terciamello@hotmail.com

c Psicóloga. Especialista em Saúde da Família. Servidora da Secretaria de Assistência Social na Prefeitura Municipal de Porto Seguro. Porto Seguro, Bahia, Brasil. E-mail: hevyllaoliveira@gmail.com

d Assistente Social. Especialista em Saúde da Família. Servidora da Secretaria de Assistência Social na Prefeitura Municipal de Itabuna. Itabuna, Bahia, Brasil. E-mail: vanessa.ribeiros@hotmail.com

e Fisioterapeuta. Mestre em Ciências da Saúde. Docente na Faculdade UniFTC. Jequié, Bahia, Brasil. E-mail: italo.emmanoel@gmail.com

f Cirurgiã-Dentista. Doutora em Saúde Coletiva. Docente na Universidade Estadual de Santa Cruz. Ilhéus, Bahia, Brasil. E-mail: nessabarreiros@hotmail.com

Endereço para correspondência: Faculdade de Ilhéus – CESUPI. Avenida Tancredo Neves, s/n, São Francisco. Ilhéus, Bahia, Brasil. CEP: 45.655-120. E-mail: gabrielbtx@gmail.com

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Revista Baiana de Saúde Pública
DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n3.a3342

odontológico no decorrer do período gestacional. Em 2019, entrevistadores previamente treinados aplicaram questionário único a todas as gestantes residentes na área de abrangência da USF. Utilizou-se o programa estatístico IBM SPSS® Statistics versão 21.0 na análise descritiva. Para verificar a normalidade dos dados foi realizado o teste Kolmogorov-Smirnov, e para o teste de correlação dos dados não-paramétricos foi utilizado o coeficiente de correlação de postos de Spearman, adotando valor de p < 0,05. Dentre as 51 gestantes incluídas neste estudo, 92,2% nunca participaram de atividades educativas sobre saúde bucal na gestação, 76,5% não fizeram nenhum tipo de acompanhamento odontológico pré-natal, 70,6% consideraram que a gestação provoca problemas periodontais e 64,7% afirmaram que a gestação é responsável pelo aparecimento de cáries. Além disso, 94,1% das participantes afirmaram que gostariam de receber mais informações sobre como cuidar melhor da saúde bucal e 64,7% responderam que não existem restrições para a realização dos atendimentos odontológicos durante a gestação. Houve correlação estatisticamente significante entre as condições de saúde e a renda ( = 0,291 e p = 0,038), e entre escolaridade e renda ( = 0,434 e p = 0,01). Ficou evidente a necessidade de uma melhor inclusão da odontologia no cuidado pré-natal da Estratégia de Saúde da Família (ESF), uma vez que o reconhecimento da importância da saúde bucal na gestação, tanto pelos profissionais da equipe quanto pelas mulheres grávidas, é fundamental para um cuidado integral nesse período singular da vida da mulher. Palavras-chave: Gestantes. Odontologia em saúde pública. Cuidado pré-natal. Saúde bucal.

ORAL HEALTH DURING PREGNANCY: PREGNANT WOMEN’S PERCEPTIONS AND PRACTICES IN THE FAMILY HEALTH STRATEGY

Abstract

Characterized by complex hormonal, physiological, and psychological changes, pregnancy can predispose or worsen some oral alterations; however, prenatal dental care is still neglected. This descriptive, cross-sectional, quantitative study analyzed the perceptions and practices regarding oral health and dental care during pregnancy of pregnant women who procured prenatal services at a Family Health Unit (FHU) in Itabuna, Bahia, Brazil. In 2019, previously trained interviewers applied a single questionnaire to all pregnant women living in the area covered by the FHU. Descriptive analysis was performed via IBM SPSS® Statistics version 21.0 to verify data normality (Kolmogorov-Smirnov test) and for the correlation test of non-parametric data (Spearman’s rank correlation coefficient), adopting p < 0.05. Of the 51 pregnant women

162

interviewed, 92.2% had never participated in educational activities for pregnancy oral health, 76.5% did not attend prenatal dental care, 70.6% thought that pregnancy causes periodontal diseases, and 64.7% stated that pregnancy is responsible for the appearance of dental caries. Moreover, 94.1% of the participants showed interest in receiving more information on how to take better care of their oral health, and 64.7% stated no restrictions for dental care during pregnancy. Correlation between health conditions and income ( = 0.291 and p = 0.038) and between education and income ( = 0.434 and p = 0.01) were statistically significant. Dentistry must be better included in prenatal care within the Health Family Strategy (HFS), since recognition by both professionals and pregnant women of the importance of oral health during pregnancy is fundamental for comprehensive care in this unique period.

Keywords: Pregnant women. Public health dentistry. Prenatal care. Oral health.

BUCAL

Resumen

El embarazo es un período que puede predisponer o empeorar algunas alteraciones bucodentales, además de caracterizarse por complejos cambios hormonales, fisiológicos y psicológicos. A pesar de ello, la atención odontológica prenatal se sigue descuidada. Este estudio descriptivo, transversal y de tipo cuantitativo tiene como objetivo analizar las percepciones y las prácticas de las embarazadas que utilizan los servicios prenatales de una Unidad de Salud Familiar (USF) de Itabuna, en Bahía (Brasil), acerca de la salud bucal durante el embarazo, así como sobre la atención odontológica en ese período. En 2019, entrevistadores previamente capacitados aplicaron un único cuestionario a todas las mujeres embarazadas que residen en el área cubierta por la USF. Se utilizó el programa estadístico IBM SPSS® Statistics, versión 21.0, para realizar el análisis descriptivo. Para verificar la normalidad de los datos se utilizó la prueba de Kolmogorov-Smirnov, y para la prueba de correlación de los datos no paramétricos se aplicó el coeficiente de correlación de rangos de Spearman, adoptando un valor de p < 0,05. De las 51 embarazadas incluidas en este estudio, el 92,2% nunca participó en actividades educativas sobre salud bucal para embarazadas, el 76,5% no se sometió a ningún tipo de atención odontológica prenatal, el 70,6% consideró que el embarazo provoca problemas periodontales y el 64,7% afirmó que el embarazo es responsable de la aparición de caries. Además, el 94,1% de las participantes afirmó que le gustaría recibir más información sobre cómo cuidar mejor su

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Revista Baiana de Saúde Pública SALUD EN EL EMBARAZO: PERCEPCIONES Y PRÁCTICAS DE LA EMBARAZADA EN LA ESTRATEGIA SALUD FAMILIAR

salud bucodental, y el 64,7% respondió que no hay restricciones para la atención dental durante el embarazo. Hubo una correlación estadísticamente significativa entre las condiciones de salud y los ingresos ( = 0,291 y p = 0,038) y entre la educación y los ingresos ( = 0,434 y p = 0,01).

Se hizo evidente la necesidad de una mejor inclusión de la odontología en la atención prenatal de la Estrategia de Salud Familiar (ESF), ya que el reconocimiento de la importancia de la salud oral durante el embarazo, tanto por los profesionales del equipo como por las mujeres embarazadas, es esencial para la atención integral en este período único de la vida de la mujer.

Palabras clave: Mujeres embarazadas. Odontología en salud pública. Atención prenatal. Salud bucal.

INTRODUÇÃO

A gestação e o cuidado pré-natal constituem momento ideal para estabelecer o diálogo com as mulheres grávidas, no qual os profissionais de saúde podem abordar questões fisiológicas, biomédicas, comportamentais e socioculturais que envolvem esse período.

Tais aspectos são essenciais não apenas para evitar a morbidade e a morte dessas mulheres, como também para buscar a promoção da saúde e do bem-estar, respeitando a dignidade humana e incorporando experiências positivas para elas, com adoção de estratégias voltadas à oferta de serviços de saúde centrados na mulher e sua família1

Nesse sentido, com o objetivo de melhorar a atenção pré-natal, a Organização Mundial de Saúde (OMS) emitiu diretrizes atualizadas para apoiar práticas e políticas públicas voltadas para as mulheres grávidas1. A importância dessa oferta de cuidados foi ratificada durante a 72ª Assembleia Mundial de Saúde, em que foi divulgada a Estratégia Mundial para a Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, 2016-20302. A publicação recomenda que profissionais realizem aconselhamento sobre como lidar com os sintomas fisiológicos comuns nesse período, entre outros procedimentos adequados à gravidez1

No que diz respeito à odontologia, a gestação pode predispor ou agravar algumas alterações bucais, uma vez que é um período caracterizado por mudanças hormonais, fisiológicas e psicológicas complexas para as mulheres3. Associado a essas mudanças – próprias da gestação – pode haver um aumento no consumo alimentar e uma frequência insuficiente de higienização dental3. Por esse motivo, no Brasil, o Ministério da Saúde (MS) recomenda que a gestante seja referenciada ao atendimento odontológico durante o pré-natal como uma ação

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complementar4, constituindo grupo prioritário para a atenção odontológica na Estratégia Saúde da Família (ESF), instituído pelas Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal5.

Quando se reduz o risco de gestantes desenvolverem enfermidades bucais concebe-se não apenas uma importante conduta de prevenção e promoção à saúde da mulher, mas também uma melhoria nas condições de nascimento da criança, uma vez que a presença de afecções orais pode contribuir negativamente para o nascimento do bebê6,7.

Apesar disso, o atendimento odontológico pré-natal ainda é negligenciado, tanto por parte da gestante, como por parte dos profissionais de saúde, que muitas vezes desconhecem ou ignoram os sintomas clínicos orais nesse período8,9. Isso decorre, em parte, do mito de que a mulher grávida não pode realizar tratamento odontológico, do receio que o procedimento cause dor ou afete o bebê, além do despreparo dos cirurgiões-dentistas para atender esse público, que entendem esse atendimento como arriscado10

Considerando que o adequado acompanhamento odontológico pré-natal no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS) deve ser compreendido como fundamental para a integralidade do cuidado da mulher e tendo em vista que esse período é complexo, exigindo um bom preparo profissional para atender às expectativas femininas, torna-se imperativo que os odontólogos, e consequentemente os demais profissionais da equipe, conheçam as percepções e práticas de saúde bucal da gestante na ESF, a fim de oferecer um serviço adequado e de qualidade a essa população.

Desse modo, este estudo teve por objetivo analisar a percepção e as práticas das gestantes que utilizam os serviços de pré-natal de uma Unidade de Saúde da Família (USF) do município de Itabuna (BA), acerca da saúde bucal durante a gestação, bem como sobre o atendimento odontológico no decorrer do período gestacional.

MATERIAL E MÉTODOS

Este estudo foi desenvolvido em uma USF de Itabuna, município com cerca de 213 mil habitantes localizado no sul do estado da Bahia, a 436 km da capital Salvador11, que detém o melhor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) dentre as cidades do litoral sul da Bahia (IDHM = 0,712)11. A escolha da USF se deu por conveniência, tendo sido campo de práticas do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), entre os anos de 2018 e 2020.

Segundo dados da Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS), do MS, o município de Itabuna apresenta 42 ESF implantadas e 11 Unidades Básicas de Saúde

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tradicionais (UBS), com uma cobertura populacional estimada em 84,2%12. O município conta com a implantação de 18 Equipes de Saúde Bucal (ESB) e um Centro de Especialidades Odontológicas (CEO), localmente conhecido como “Odontocentro”12

O estudo caracterizou-se por ser do tipo descritivo, observacional, transversal e de natureza quantitativa, incluindo as gestantes adscritas no território e que frequentaram o serviço de atendimento pré-natal oferecido pela USF entre 1º de setembro de 2019 e 30 de novembro de 2019, totalizando 51 participantes.

Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UESC (CAEE: 18388219.0.0000.5526), seguindo os princípios éticos da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e da Declaração de Helsinki. Além disso, foi autorizado pelas participantes maiores de 18 anos, mediante o preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para as participantes menores de 18 anos, foi necessária a autorização dos pais ou responsáveis, mediante o preenchimento do TCLE, com posterior assentimento das gestantes por meio do preenchimento do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).

A coleta de dados foi feita a partir de um questionário semiestruturado elaborado pelos pesquisadores e adequado às gestantes, que permitiu a identificação das participantes levando em conta idade, aspectos socioeconômicos, étnicos e reprodutivos. Posteriormente, outras questões permitiram verificar a percepção desse grupo em relação ao acompanhamento odontológico pré-natal, bem como o conhecimento delas sobre alguns aspectos relacionados à saúde bucal da mulher durante esse período.

Os questionários foram aplicados e preenchidos uma única vez por dois pesquisadores previamente treinados, ambos odontólogos, permitindo que a entrevistada se expressasse livremente sem qualquer interferência. Para isso, as gestantes foram convidadas pelos próprios Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e as entrevistas foram realizadas nas dependências da USF. No caso das gestantes que não puderam comparecer à unidade, os pesquisadores foram conduzidos pelos ACS em visita domiciliar, local onde ocorreu a entrevista.

Para a análise descritiva dos resultados, foram realizados cálculos de frequência absoluta, frequência relativa, média e desvio padrão utilizando o programa estatístico IBM SPSS® Statistics versão 21.0. Para verificar a normalidade dos dados, foi realizado o teste KolmogorovSmirnov (teste KS), e para o teste de correlação dos dados não-paramétricos foi utilizado o coeficiente de correlação de postos de Spearman (letra grega p ou ), também por meio do IBM SPSS® Statistics versão 21.0, adotando valor de p < 0,05.

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RESULTADOS

Do total de gestantes identificadas na área de abrangência e atendidas pela equipe da USF, apenas uma se recusou a participar da pesquisa. Outras três gestantes não compareceram à USF para a entrevista ou não foram encontradas na visita domiciliar durante o período de coleta de dados, entre setembro e novembro de 2019. Desse modo, a amostra final totalizou 51 mulheres, correspondendo a 92,7% da população de gestantes da área.

A média de idade das participantes foi de 26,2 anos, com desvio padrão de ± 7,4, idade mínima de 15 e máxima de 42. A Tabela 1 mostra que cerca da metade das mulheres declararam que sua cor de pele era parda e viviam com o companheiro, sendo que cerca de 3/4 delas residiam com até três pessoas no domicílio. Dentre as gestantes estudadas, 45,1% (n = 23) exerceram trabalho remunerado durante a gestação; 35,3% (n = 18) possuíam renda familiar maior do que R$ 1820,00; 43,1% (n = 22) eram beneficiárias do Programa Bolsa Família; e 62,7% (n = 32) haviam ao menos iniciado o ensino médio. No que diz respeito aos aspectos reprodutivos, 47,1% (n = 24) das mulheres eram primíparas; e 43,1% (n = 22) estavam no primeiro trimestre de gestação no momento da entrevista. Cerca de 1/5 das participantes (n = 11) afirmaram possuir algum problema de saúde, previamente existente ou desenvolvido após o início da gestação. Dentre as principais condições de saúde relatadas, 27,3% (n = 3) estavam com anemia; 27,3% (n = 3) com hipertensão arterial; e 9,1% (n = 1) com diabetes. No tocante à atenção odontológica pré-natal na USF, 92,2% (n = 47) das mulheres afirmaram que nunca participaram de atividades educativas sobre saúde bucal para gestantes; e 76,5% (n = 39) não fizeram nenhum tipo de acompanhamento odontológico durante a gestação. Das gestantes pesquisadas, 94,1% (n = 48) jamais receberam orientações de saúde bucal por outros profissionais da USF durante o pré-natal. A parcela restante recebeu orientações apenas por parte do profissional de enfermagem, constituindo-se basicamente de aconselhamento sobre a manutenção da higiene bucal após a alimentação e encaminhamento para consulta odontológica. Apesar disso, 94,1% (n = 48) das participantes afirmaram que gostariam de receber mais informações sobre como cuidar melhor da boca e dos dentes durante o período gestacional.

Além disso, 78,4% (n = 40) das mulheres sequer foram encaminhadas para atendimento odontológico pré-natal, porém 17,6% (n = 9) foram conduzidas para a odontologia pelo profissional de enfermagem e 3,9% (n = 2) por algum outro profissional da equipe. Além disso, 64,7% (n = 33) das mulheres responderam que não existem restrições para a realização dos atendimentos odontológicos durante a gestação.

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Tabela 1 – Características demográficas, socioeconômicas e reprodutivas entre gestantes

atendidas pela equipe da Unidade de Saúde da Família. Itabuna, Bahia, Brasil – 2019

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Variável n Percentual Idade 15 a 17 anos 6 11,8% 18 a 25 anos 18 35,3% 26 a 30 anos 12 23,5% 31 a 35 anos 7 13,7% 36 anos ou mais 8 15,7% Cor da pele Parda 27 52,9% Negra 13 25,5% Branca 6 11,8% Amarela 5 9,8% Situação conjugal Morando com o companheiro 28 54,9% Casada 12 23,5% Solteira 10 19,6% Divorciada 1 2,0% Número de moradores no domicílio Apenas a gestante 2 3,9% 2 a 4 39 76,5% 5 ou mais 10 19,5% Trabalho remunerado durante a gestação 23 45,1% Renda familiar mensal Menos de R$ 260,00 1 2,0% Entre R$ 260,00 e 780,00 6 11,8% Entre R$ 780,00 e 1300,00 10 19,6% Entre R$ 1300,00 e 1820,00 16 31,4% Mais de R$ 1820,00 18 35,3% Cadastro em programas ou benefícios sociais Nenhum 23 45,1% Bolsa Família 22 43,1% Minha Casa, Minha Vida 4 7,8% Outros 2 4% Escolaridade Ensino Fundamental 8 15,7% Ensino Médio 32 62,7% Ensino Superior 11 21,6% Paridade Primípara 24 47,1% 1 filho 14 27,5% 2 filhos ou mais 13 25,5% Trimestre de gestação 1º trimestre (0 a 13 semanas) 22 43,1% 2º trimestre (14 a 27 semanas) 18 35,3% 3º trimestre (28 a 40 semanas) 11 21,6% Apresentaram algum problema de saúde (adquirido ou não durante a gestação) 11 21,6% Total 51 100% Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa.

A Figura 1 apresenta a comparação entre as frequências de respostas a procedimentos odontológicos que as mulheres assinalaram serem possíveis de realizar na USF durante a gestação: prevenção, limpeza, palestra educativa, orientação de higiene e saúde bucal, restauração dentária, extração dentária, exame radiográfico, atendimento de urgência e prescrição de medicação.

Figura 1 – Frequência de procedimentos odontológicos indicados como possíveis de serem realizados durante a gestação, de acordo com as gestantes. Itabuna, Bahia, Brasil – 2019

Elaboração própria com base nos dados da pesquisa.

Em relação à percepção das gestantes acerca da saúde bucal na gestação, 70,6% (n = 36) responderam acreditar que durante esse período aparecem problemas periodontais, tais como sangramento na gengiva e mobilidade dentária; 64,7% (n = 33) afirmaram que a gestação é responsável pelo enfraquecimento da estrutura dentária e aparecimento de cáries; e 62,8% (n = 32) delas responderam acreditar que os problemas de saúde bucal que as mulheres apresentam na gestação podem afetar o nascimento do bebê.

A Tabela 2 mostra a correlação entre as variáveis e o conhecimento das gestantes sobre os procedimentos odontológicos que podem ser realizados no pré-natal.

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Fonte:

Tabela 2 – Correlação entre as variáveis e o conhecimento das mulheres sobre os procedimentos

odontológicos que podem ser realizados na gravidez. Itabuna, Bahia, Brasil – 2019

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa.

*A correlação é significativa no nível 0,05

Houve correlação estatisticamente significativa entre as condições de saúde e renda, em que mulheres com maior número de acometimentos apresentaram menor renda, sendo a correlação de Spearman de 0,291, com p = 0,038; e também entre escolaridade e renda, em que as mulheres com menor renda apresentaram menor grau de escolaridade, sendo a correlação de Spearman de 0,434 e p = 0,01.

DISCUSSÃO

Considerando o percentual de mulheres que tiveram atendimento odontológico, participaram de atividades educativas ou receberam alguma orientação de saúde bucal pelos profissionais da ESF (7,8%, n = 4), sugere-se uma forte negligência em relação aos cuidados odontológicos durante o pré-natal. É importante destacar que o número de consultas por habitante pode ser influenciado por diferentes condições, como fatores socioeconômicos, epidemiológicos e demográficos – tais como nível de renda, perfil de morbidade, composição etária –, infraestrutura dos serviços e disponibilidade de recursos humanos, materiais, tecnológicos, financeiros e também por políticas públicas assistenciais e preventivas, tais como critérios técnico-administrativos adotados no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) em cada município13

Nesse caso, as gestantes e os profissionais da USF não buscaram integrar o atendimento odontológico ao pré-natal, o que pode estar relacionado ao desconhecimento ou ao despreparo sobre o tema, uma vez que durante a coleta de dados não havia nenhum tipo de empecilho material ou de infraestrutura no consultório dentário da USF, ou seja, todos os serviços de odontologia preconizados para a Atenção Primária no SUS estavam sendo ofertados normalmente.

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Variável Correlação de Spearman Valor p Idade 0,010 0,471 Renda Familiar 0,115 0,211 Escolaridade 0,057 0,346 Cor da Pele 0,030 0,417 Trabalho remunerado durante a gestação 0,020 0,445 Trimestre de gestação 0,188 0,093 Primiparidade 0,028 0,423 Participação em atividades educativas 0,317* 0,012* Acompanhamento pré-natal odontológico 0,112 0,217

Todas as gestantes pesquisadas tiveram acesso ao serviço de saúde pré-natal ofertado na USF e oferecido pelos demais profissionais da equipe (médico, enfermeira, nutricionista, técnicos de enfermagem e ACS). Porém, menos de 1/4 desses profissionais encaminharam as gestantes para a odontologia (21,6%, n = 11). Vale ressaltar que, em geral, os profissionais de outras áreas da saúde só faziam encaminhamentos para os odontólogos quando a mulher se queixava de algum incômodo ou dor de dente, não sendo parte da rotina tradicional de atendimentos no pré-natal na USF.

Santos Neto et al. (2012)14 consideram que a quantidade de consultas totais é fundamental para promover uma assistência odontológica adequada, uma vez que o atendimento pré-natal oferecido pelos médicos e pela equipe de enfermagem reforça a atenção odontológica, corroborando a importância das práticas interprofissionais na produção do cuidado pré-natal qualificado. Entretanto, apesar da importância do atendimento integral e multiprofissional na Atenção Primária, o odontólogo é ainda o profissional mais capacitado para promover saúde bucal de maneira adequada e completa às gestantes.

A fragmentação do cuidado odontológico durante o período gestacional é comum e está relacionada à reprodução do senso comum entre as mulheres, ao conhecimento insuficiente e distorcido sobre a prática de saúde bucal, suscitando o medo de que o tratamento dentário possa trazer riscos à gravidez15-17. Desse modo, fatores subjetivos como a emotividade, o medo e a crença de que o tratamento dentário é proibido para grávidas são repetidos através de gerações, interferindo negativamente na resolução das necessidades odontológicas15-17. Esses fatores podem ser modificados por meio de práticas educativas, da sensibilização da população e da aproximação dos dentistas com a comunidade atendida, numa lógica de atendimentos voltados para a clínica ampliada e afastando-se da culpabilização da gestante. Nota-se que o baixo índice de atendimento odontológico no pré-natal apresentado neste estudo também pode ser observado em outros trabalhos semelhantes realizados em anos anteriores8,14

Embora muitos fatores possam influenciar de maneira complexa a busca e o acesso aos serviços odontológicos durante a gravidez – condições fisiológicas; baixa importância dada à saúde bucal; estigma negativo em relação à odontologia; medo e ansiedade em relação ao tratamento; mobilidade e segurança; barreiras financeiras; emprego; restrições e disponibilidade de tempo; suporte social e familiar; conselho de amigos; falta de informação; barreiras do profissional de saúde; crenças e mitos sobre a segurança do tratamento18 –, a gravidez, por si só, não contraindica o acompanhamento odontológico, que deve ocorrer preferencialmente durante o segundo trimestre17. Ademais, intervenções cujo objetivo é remover a dor e os focos de infecção devem ser atendidas com urgência, independentemente do período gestacional17.

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Isso contrasta com o percentual de mulheres deste estudo que garantiram ser possível realizar atendimentos odontológicos no pré-natal (64,7%, n = 33) e com a frequência de respostas que afirmavam que todos os principais procedimentos da atenção primária poderiam ser realizados pelo dentista da ESF durante o pré-natal (3,9%, n = 2). Embora a maior parte das mulheres pesquisadas tenham admitido a possibilidade de se realizar pré-natal odontológico, uma parte pequena delas reconhece tudo aquilo que pode ser feito pelo dentista da ESF nesse acompanhamento profissional.

Outro resultado que chama a atenção nesse sentido é que 94,1% (n = 48) das mulheres relataram estar dispostas a receber mais informações sobre como cuidar melhor da boca e dos dentes na gestação, contrastando com 92,2% (n = 47) das mulheres que afirmaram nunca terem participado de atividades educativas sobre saúde bucal para gestantes e com 76,5% (n = 39) que não fizeram nenhum tipo de acompanhamento odontológico durante a gestação. Observa-se, portanto, que havia uma demanda reprimida por atendimento odontológico para gestantes e, também, por atividades que trabalhem a promoção e prevenção à saúde bucal com esse público.

De fato, durante a gravidez, a mulher apresenta maior receptividade à aquisição de novos conhecimentos que influenciarão a sua saúde e a de seu bebê, exercendo também uma importante função familiar de propagar comportamentos e informações que favorecem a qualidade de vida, a saúde e o bem-estar de sua família19. Além disso, é no contexto de práticas da ESF que a educação em saúde, inerente ao trabalho em saúde, busca valorizar tanto a prevenção e a promoção quanto as práticas curativas20. Porém, ainda existe grande distância entre a teoria e a prática, e muitas vezes as ações educativas são deixadas em segundo plano no planejamento e organização dos serviços, na execução das ações de cuidado e na própria gestão20

Na população estudada nesta pesquisa, houve uma associação estatisticamente significante (p < 0,05) entre mulheres que participaram de atividades educativas de saúde bucal voltadas para a gestação e maior frequência de acertos sobre os procedimentos que podem ser realizados no pré-natal odontológico, o que confirma a importância das estratégias de educação em saúde para esse grupo na APS, além de reforçar a necessidade de se distanciar da culpabilização das mulheres pela falta de informação sobre o tema.

A maioria das gestantes afirmou que existem alterações bucais próprias da gestação: 70,6% (n = 36) admitiram que há mudanças periodontais, com possibilidade de sangramento gengival ou mobilidade dentária; 64,7% (n = 33) disseram que a gestação favorece o aparecimento de cáries; e 62,8% (n = 32) disseram acreditar que problemas de saúde bucal influenciam o nascimento do bebê. De acordo com Kurien et al.21, as alterações que ocorrem no periodonto da mulher grávida são decorrentes dos hormônios esteroides específicos desse

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período, capazes de modificar a microbiologia bucal e subgengival, aumentando a vascularização da gengiva e causando uma resposta exagerada dos tecidos periodontais aos fatores locais. Somado a isso está o fato de que as doenças periodontais nas gestantes estão relacionadas ao risco de parto prematuro, bem como o baixo peso da criança ao nascer6,7

Já em relação à cárie, o aumento da incidência de lesões durante a gestação não se deve à alteração da microbiota bucal e sua patogenicidade, mas está relacionado ao maior acúmulo de biofilme dentário, potencializado pela negligência da gestante com sua higiene bucal21. Além disso, o aumento do fluxo salivar contribui para o aparecimento de náusea e vômitos, que, associados à diminuição das escovações, favorecem a desmineralização da estrutura dental21

Neste estudo, menor renda familiar encontra-se diretamente associada a um menor grau de escolaridade e maior frequência de acometimentos de saúde geral durante a gestação. Por esse motivo, evidencia-se a importância da manutenção e continuidade da ESF, com vistas a reorientar o modelo de atenção, incluindo a discussão dos Determinantes Sociais da Saúde (DSS) e propondo uma nova organização do serviço de saúde público do país22.

Nessa perspectiva, o cuidado de saúde pré-natal na APS necessita incluir a atenção centrada na usuária e não na sua condição de saúde, além de estabelecer uma relação humanizada, pautada em diálogo e empatia entre os profissionais e as gestantes, possibilitando uma maior adesão aos programas de saúde23. Além disso, uma equipe multiprofissional com bom relacionamento interpessoal apresenta maior autonomia para articular ações que contemplem as gestantes, desde o início do pré-natal até o puerpério, transmitindo confiança, diminuindo a ansiedade, estabelecendo vínculos e valorizando a mulher24. Entretanto, ainda que a maioria dos serviços de pré-natal do Brasil possua alta cobertura, poucos podem ser considerados como verdadeiramente adequados25

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no que foi apresentado, pode-se notar que a maioria das gestantes deste estudo não participou de ações de educação em saúde (92,2%, n = 47) e não teve atendimento clínico pré-natal odontológico na ESF (76,5%, n = 39). Apesar disso, a maior parte das entrevistadas acreditava ser possível receber acompanhamento odontológico pré-natal na USF durante toda a gestação (64,7%, n = 33) e desejava saber mais como cuidar de sua própria saúde oral (94,1%, n = 48), mas apenas 3,9% (n = 2) sabiam quais procedimentos podem ser realizados pelo dentista durante a gestação.

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Mesmo com escassez de informações e de acompanhamento clínico, 70,6% (n = 36) das mulheres reconheceram as principais alterações periodontais que ocorrem no período gestacional e 62,8% (n = 32) afirmaram que os problemas de saúde bucal da gestante podem afetar o nascimento do bebê. Por fim, as mulheres que tiveram maior frequência em atividades educativas na ESF apresentaram melhor conhecimento dos tipos de procedimentos que poderiam ser realizados na consulta odontológica pré-natal.

Ficou evidente a necessidade de uma melhor inclusão da odontologia no cuidado pré-natal da ESF, uma vez que o reconhecimento da importância da saúde bucal na gestação, tanto pelos profissionais da equipe quanto pelas mulheres grávidas, é fundamental para um cuidado integral nesse período singular da vida da mulher. É necessário incentivar as gestantes a buscarem atendimento odontológico durante o pré-natal, ampliando o acesso a esse serviço no SUS e a cobertura de ESB na ESF – o que pode ser impulsionado pelas metas estabelecidas pelo Programa Previne Brasil. Ações educativas, de promoção e prevenção em saúde bucal se confirmam como efetivas para a saúde das gestantes, no esclarecimento de dúvidas e na inclusão de hábitos mais saudáveis, que podem contribuir para a adesão ao acompanhamento pré-natal, possibilitando não apenas a realização de procedimentos e tratamentos odontológicos, mas também melhorando a qualidade de vida do binômio mãe-filho.

Na interpretação dos resultados deste estudo, importa ponderar sobre a presença de algumas limitações. As práticas em saúde bucal autorreferidas são passíveis de viés de informação. Além disso, o estudo traz um recorte muito específico do município, de seus habitantes e dos profissionais de saúde do serviço, o que não permite realizar um panorama preciso de toda a cidade, nem é capaz de demonstrar uma realidade do pré-natal odontológico de maneira abrangente. Contudo, não há razão para inferir que essas limitações tenham afetado o estudo significativamente, pois ele busca compreender uma realidade local.

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos ao apoio do Núcleo de Saúde Coletiva da Universidade

Estadual de Santa Cruz. Agradecimentos à colaboração da Secretaria Municipal de Saúde e à Coordenação de Saúde Bucal do município de Itabuna (BA), às gestantes que aceitaram participar da pesquisa e aos funcionários da Unidade de Saúde da Família que contribuíram para a realização deste estudo.

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COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Gabriel Bastos Teixeira, Vanessa Barreiros Gonçalves e Italo Emmanoel Silva e Silva.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Gabriel Bastos Teixeira, Vanessa Barreiros Gonçalves, Hevilla Pereira de Oliveira, Tercia Freire de Melo, Vanessa Ribeiro da Silva.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Gabriel Bastos Teixeira e Vanessa Barreiros Gonçalves

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Gabriel Bastos Teixeira e Vanessa Barreiros Gonçalves.

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176

21. Kurien S, Kattimani VS, Sriram R, Sriram SK, Rao VKP, Bhupathi A, Bodduru R, Patil NN. Management of pregnant patient in dentistry. J Int Oral Health. 2013;5(1):88-97.

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Recebido: 16.3.2021. Aprovado: 2.8.2021.

177 v. 45, n. 3, p. 161-177 jul./set. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

ARTIGO DE REVISÃO

FACILIDADES, DIFICULDADES E OPORTUNIDADES DO CONTROLE SOCIAL EM SAÚDE PARA A GARANTIA DO ACESSO À SAÚDE

Lívia de Souza e Souzaa

https://orcid.org/0000-0001-7333-2071

Bianca de Oliveira Araujob

https://orcid.org/0000-0003-4325-2614

Iraildes Andrade Julianoc

https://orcid.org/0000-0003-3075-2695

Mariana de Oliveira Araujod

https://orcid.org/0000-0001-6001-6299

Resumo

O Sistema Único de Saúde (SUS) trouxe a diretriz da participação da sociedade nas discussões e deliberações acerca das políticas públicas e ações de saúde, cuja importância é fundamental para a formulação, implementação e consolidação do sistema. O objetivo do estudo é descrever as facilidades, dificuldades e oportunidades na atuação do controle social para a garantia do acesso à saúde enquanto direito. Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, cujos artigos selecionados podem ser encontrados nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (Scielo), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e Banco de Dados em Enfermagem (BDENF), abrangendo as publicações no período de 2010 a 2019. Selecionaram-se dez artigos. As facilidades identificadas para a atuação do controle social foram a garantia de uma efetiva ação por parte do governo e a proximidade que a Estratégia Saúde da Família apresenta, considerando sua inserção dentro do serviço de saúde. As dificuldades correspondem à falta de representatividade e de

a Estudante do curso de graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Feira de Santana. Bolsista FAPESB. Feira de Santana, Bahia, Brasil. E-mail: liviasouza.9@hotmail.com

b Enfermeira. Mestre em Saúde Coletiva. Professora Assistente do Departamento de Saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana, Bahia, Brasil. E-mail: boaraujo@uefs.br

c Enfermeira. Mestre em Saúde Coletiva. Professora Assistente do Departamento de Saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana, Bahia, Brasil. E-mail: iajuliano@uefs.br

d Enfermeira. Doutora em Saúde Coletiva. Professora Adjunto do Departamento de Saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana, Bahia, Brasil. E-mail: moaraujo@uefs.br

Endereço para correspondência: Universidade Estadual de Feira de Santana. Av. Transnordestina, s/n, Novo Horizonte, Feira de Santana, Bahia, Brasil. CEP: 44036-900.

178 178
10.22278/2318-2660.2021.v45.n3.a3370
DOI:

conhecimento dos conselheiros, aos conflitos particulares, à influência partidária e à falta de autonomia dos conselhos de saúde. Algumas alternativas foram identificadas para diminuir as dificuldades, como a presença de diálogo entre os membros do conselho de saúde e a oportunidade de Educação Permanente. Assim, é importante que usuários, gestores, trabalhadores e conselheiros de saúde reconheçam o seu papel na defesa do sistema público de saúde, da democracia e do fortalecimento da participação social em busca de um SUS que garanta o acesso à saúde como direito de todo cidadão.

Palavras-chave: Acesso aos serviços de saúde. Direito à saúde. Controle social formal.

FACILITIES, DIFFICULTIES AND OPPORTUNITIES OF SOCIAL CONTROL IN HEALTH TO GUARANTEE ACCESS TO HEALTH

Abstract

The Unified Health System (SUS) brought the guideline for society’s participation in discussions and deliberations about public policies and health actions, which has been important for its formulation, implementation and consolidation. The objective of the study is to describe the facilities, difficulties and opportunities in the performance of social control to guarantee access to health as a right. It is an integrative literature review, whose articles were selected from the Scientific Electronic Library Online (SciELO), Latin American and Caribbean Literature in Health Sciences (LILACS) and Nursing Database (BDENF) databases, covering publications from 2010 to 2019. 10 articles were selected. The facilities identified for the performance of social control were the guarantee of effective action by the government and the proximity that the Family Health Strategy presents, considering its insertion within the health service. The difficulties relate to the lack of representation and knowledge of the counselors, private conflicts, party influence and the lack of autonomy of the health councils. Some alternatives were identified to reduce the difficulties, such as the presence of dialogue between the members of the health council and the opportunity for Permanent Education. Thus, it is important that users, managers, workers and health counselors recognize their role in defending the public health system, democracy and strengthening social participation in search of a SUS that guarantees access to health as a right for every citizen.

Keyword: Access to health services. Right to healthcare. Formal social control.

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Revista Baiana de Saúde Pública

FACILIDADES, DIFICULTADES Y OPORTUNIDADES DEL CONTROL SOCIAL EN SALUD PARA GARANTIZAR EL ACCESO A LA SALUD

Resumen

El Sistema Único de Salud (SUS) trajo consigo la pauta para la participación de la sociedad en las discusiones y deliberaciones sobre las políticas públicas y acciones de salud, lo que ha sido importante para la formulación, implementación y consolidación de ese sistema. El objetivo de este estudio es describir las facilidades, dificultades y oportunidades en el desempeño del control social para garantizar el acceso a la salud como derecho. Se trata de una revisión integradora de la literatura, cuyos artículos fueron seleccionados de las bases de datos Scientific Electronic Library Online (SciELO), Literatura Latinoamericana y del Caribe en Ciencias de la Salud (LILACS) y Base de Datos de Enfermería (BDENF), abarcando las publicaciones de 2010 a 2019. Se seleccionaron diez artículos. Las instalaciones identificadas para la realización del control social fueron la garantía de la acción efectiva por parte del gobierno y la cercanía que presenta la Estrategia de Salud Familiar, considerando su inserción dentro del servicio de salud. Las dificultades se relacionan con la falta de representación y conocimiento de los consejeros, los conflictos privados, la influencia partidaria y la falta de autonomía de los consejos de salud. Se identificaron algunas alternativas para reducir las dificultades, como la presencia de diálogo entre los miembros del consejo de salud y la oportunidad de Educación Permanente. Por ello, es importante que usuarios, gestores, trabajadores y consejeros de salud reconozcan su rol en la defensa del sistema público de salud, la democracia y el fortalecimiento de la participación social en busca de un SUS que garantice el acceso a la salud como un derecho de todos los ciudadanos. Palabras clave: Accesibilidad a los servicios de salud. Derecho a la salud. Control social formal.

INTRODUÇÃO

A Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas1 estabelece que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Nesse sentido, a saúde foi instituída como um dos seus direitos fundamentais.

No decorrer do tempo, vários documentos internacionais pretenderam reafirmar a saúde como direito humano fundamental. As Constituições democráticas modernas, a exemplo da Constituição Federal do Brasil2, procuram reconhecer e proteger os direitos dos homens. Entretanto, apesar do direito à saúde estar garantido em vários documentos internacionais e nacionais isso não garante que ele seja efetivado3

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No Brasil a saúde é garantida como um direito do cidadão, por meio da Constituição Federal, e para assegurá-lo foi instituído o Sistema Único de Saúde (SUS), buscando atender toda a população brasileira, dotado de princípios e diretrizes como a universalidade, o acesso igualitário às ações e serviços de saúde, a participação da comunidade, a regionalização da assistência e a integralidade dos serviços públicos de saúde2

32 anos após o reconhecimento da saúde como direito, o sistema público de saúde continua enfrentando vários desafios para a sua efetivação, particularmente em relação à valorização da participação popular e ao fortalecimento do controle social na formulação e execução das políticas públicas de saúde.

Nesse sentido, Paim aponta alguns avanços conseguidos nos trinta anos de instituição do SUS, por exemplo a descentralização das atribuições e dos recursos que levou a ampliação da oferta e do acesso aos serviços, bem como ações de saúde, e consequentemente impactou nos níveis de saúde; e a garantia da participação da comunidade por meio de conferências e conselhos e das instâncias gestoras de pactuação4

Assim, o SUS trouxe inovação com a participação da sociedade nas discussões e deliberações acerca das políticas e ações de saúde. A participação popular na saúde, de acordo com Laurell5, tem sido muito importante para a formulação e implementação do SUS, mas tem enfrentado desafios e alcançado resultados positivos e negativos, como acontece em toda mobilização social e política.

A participação da comunidade no SUS foi regulamentada e organizada por meio da Lei Orgânica da Saúde 8.142 de 1990, que instituiu as instâncias colegiadas de sua atuação: a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde, nas três esferas de governo – Federal, Estadual e Municipal6. Além disso, essa lei apresenta como deve ser a organização e a composição dos participantes dessas instâncias.

A participação social no SUS foi idealizada do ponto de vista do controle social, objetivando a atuação de setores organizados da sociedade no desenvolvimento e execução das políticas de saúde, possibilitando a criação de espaços mais participativos e democráticos, regularizado em todos os campos de gestão do SUS e composto por representantes de usuários, gestores e trabalhadores de saúde.

Bravo e Correia referem que a expressão controle social surge no bojo do processo de redemocratização do país, e passa a ser concebida como “o controle da sociedade sobre o Estado no contexto das lutas sociais contra a ditadura [...]”7:127. Ressaltam as autoras que as lutas políticas não ocorrem apenas no âmbito da sociedade civil, mas se espraiam na totalidade da estrutura e da formação social.

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Assim, a participação popular e o controle social em saúde se destacam entre os princípios do SUS pela sua grande importância social e política, uma vez que se configuram como a garantia de que a população estará envolvida no processo de formulação, controle e tomada de decisão acerca das políticas públicas de saúde e atuação do Estado8

Segundo Cruz et al deve ocorrer uma valorização da participação social na gestão das políticas de saúde, enquanto uma deliberação política institucional, a fim de permitir avanços na equidade e na universalização do acesso à saúde, significando também uma possibilidade de inclusão dos sujeitos de forma ativa, crítica e criativa na conjuntura da atenção à saúde9

Tendo em vista o exposto, acredita-se que o controle social surge para ser uma ferramenta que contribuirá para a efetivação do acesso ao direito à saúde. O acesso neste estudo é compreendido como a “porta de entrada”, local de recepção e acolhimento do usuário que possui uma necessidade de saúde específica, tal qual os caminhos percorridos por ele no sistema para a resolubilidade da sua demanda de saúde, constituindo-se em um dispositivo capaz de provocar mudanças na realidade10

A partir desse contexto, definiu-se a seguinte pergunta de pesquisa: quais as facilidades, dificuldades e oportunidades na atuação do controle social para a garantia do acesso à saúde enquanto direito?

Desse modo, este estudo tem o objetivo de descrever as facilidades, dificuldades e oportunidades na atuação do controle social para a garantia do acesso à saúde enquanto direito, segundo a literatura nacional.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura estruturada conforme as seis etapas11 propostas por Botelho, Cunha e Macedo. Na primeira etapa foi elaborada a pergunta da pesquisa e definido o objetivo do estudo. Além disso, foram selecionados os descritores e as bases de dados utilizadas para a seleção das produções científicas. As buscas foram realizadas no mês de maio de 2020.

A busca e a seleção das produções científicas foram realizadas por duas pesquisadoras de forma independente e os conflitos foram resolvidos por consenso. Para realizar a busca foram utilizados os descritores: “Conselho de saúde/acesso aos serviços de saúde”, “Conselho de saúde/direito a saúde”, “Controle social formal/acesso aos serviços de saúde”, “Controle social formal/direito à saúde”, “Participação social/acesso aos serviços de saúde”, “Participação social/direito à saúde”. O cruzamento dos descritores foi feito com

182

o operador booleano AND. As bases de dados utilizadas foram Scientific Electronic Library Online (Scielo), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e Banco de Dados em Enfermagem (BDENF). Nesse primeiro momento foram encontradas 1.504 publicações.

Na segunda etapa, foram estabelecidos como critério de inclusão os artigos publicados entre 2010 e 2019; em português e disponíveis na íntegra nas bases de dados. Após a aplicação dos critérios de inclusão foram selecionados 568 artigos.

Na terceira etapa foi realizada a leitura, primeiramente, dos títulos e resumos, e escolhidos aqueles que contemplassem o objeto em estudo, sendo selecionados 25 artigos, entretanto 14 estudos foram excluídos por estarem repetidos dentro das bases de dados, restando 11 artigos selecionados.

Em seguida, na quarta etapa realizou-se a leitura completa dos artigos, sendo um excluído por não estar de acordo com objeto em estudo. Assim, restaram dez artigos científicos submetidos à análise dos dados.

Dos dez artigos selecionados, cinco foram realizados na Região Nordeste (Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia); três na Região Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná); e dois na Região Sudeste (Rio de Janeiro).

As produções científicas analisadas utilizaram, majoritariamente, abordagem qualitativa totalizando oito artigos, e dois são de abordagem mista (quanti-qualitativa). Inferese que a revista “Saúde e Sociedade” possui maior quantidade de publicações, com três estudos, seguida da revista “Pesquisa Cuidado é Fundamental”, que possui duas publicações. Observando-se o ano de publicação, a maior parte dos artigos foi publicada em 2012, com quatro estudos, sendo que em 2013 e 2014 tiveram duas publicações, 2015 e 2017 uma publicação em cada ano.

A partir das leituras dos artigos foi realizada a categorização dos dados em facilidades, dificuldades e oportunidades encontradas para a atuação do controle social na defesa do acesso à saúde enquanto direito no Brasil.

Na quinta etapa foi efetivada a análise e a interpretação dos resultados, a partir de uma análise descritiva dos dados embasada na Lei Orgânica da Saúde n° 8.142 de 19906

Na sexta e última etapa foi apresentada a revisão integrativa propriamente dita e a síntese do conhecimento por meio da elaboração dos resultados obtidos.

A seguir, são apresentadas na Figura 1 as etapas seguidas para a realização da revisão integrativa.

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Figura 1 – Etapas seguidas para a realização da revisão integrativa, 2020. Feira de Santana, Bahia, Brasil – 2020

1ª Etapa: elaborada a pergunta da pesquisa, selecionados os descritores e as bases de dados, iniciada a seleção dos artigos a partir dos descritores.

2ª Etapa: estabelecidos critérios de inclusão.

3ª Etapa: realizada a leitura dos títulos e resumos.

4ª Etapa: realizada leitura completa dos artigos.

5ª Etapa: feita a análise e interpretação dos resultados.

6ª Etapa: apresentada a revisão integrativa propriamente dita.

Fonte: Elaboração própria.

RESULTADOS

Total de estudos encontrados: 1.504

Total de estudos encontrados: 568

Total de estudos encontrados: 25

Total de estudos selecionados: 10

A partir da revisão dos dez artigos completos publicados em periódicos nacionais, relacionados à questão formulada pelas autoras, apresenta-se uma síntese das referidas produções no Quadro 1.

Quadro 1 – Síntese das produções cientificas incluídas na Revisão Integrativa segundo a classificação dos artigos, autor/ ano de publicação, título, local, revista e abordagem, 2020. Feira de Santana, Bahia, Brasil – 2020

Autor/ Ano Título Local Revista Abordagem

Alencar/ 2012

Educação permanente no âmbito do Controle

Social no SUS: a experiência de Porto Alegre – RS.

Azevedo et al./ 2012

Porto AlegreRS Rev. Saúde e Sociedade. Qualitativa

O controle social enquanto instrumento para a qualidade da assistência na estratégia saúde da família.

Ouro

BrancoRN

Rev. de Pesquisa Cuidado é Fundamental Qualitativa

(continua)

Resultados

A importância do Conselho Municipal de Saúde protagonizando, na cidade e na rede de controle social, debates sobre política de saúde, realizando a defesa do direito à saúde, além de estar conquistando o respeito ao seu papel deliberativo no SUS12

O controle social foi compreendido como uma ferramenta que possibilita a garantia de direitos à saúde, concebida como um conjunto de ações que levam ao bem-estar das pessoas. Além disso, a integração entre vários atores sociais é importante para a defesa do direito universal à saúde e para o fortalecimento do controle social13

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Quadro 1 – Síntese das produções cientificas incluídas na Revisão Integrativa segundo a classificação dos artigos, autor/ ano de publicação, título, local, revista e abordagem, 2020. Feira de Santana, Bahia, Brasil – 2020

Autor/ Ano Título Local Revista Abordagem Resultados

Santos et al./ 2017

Direito e saúde no Brasil: avanços e limites à luz da literatura.

CuitéPB Rev. APS Quantiqualitativa

(conclusão)

Foi evidenciado que o SUS passou por mudanças positivas e negativas, como a judicialização do direito ao acesso aos serviços de saúde, a participação e controle social, a disseminação de conhecimentos e a dificuldade na concretização dos princípios do SUS20.

As facilidades identificadas para a atuação do controle social foram a garantia de uma ação efetiva por parte do governo, por meio da identificação das demandas sociais, e a proximidade que a Estratégia Saúde da Família apresenta considerando sua inserção dentro da comunidade para atuação do conselho local de saúde9,12,14,15.

As dificuldades dizem respeito à falta de representatividade e de conhecimento dos conselheiros, conflitos particulares, influência partidária e da pouca autonomia dos conselhos de saúde12,13,15,16,17,18,19

Além das facilidades e dificuldades, algumas alternativas foram identificadas para diminuir as dificuldades, como a presença de diálogo entre os membros do conselho de saúde e a oportunidade da Educação Permanente9, 12-19

DISCUSSÃO

Na descrição das facilidades e dificuldades para a garantia do acesso a saúde como direito, foi utilizado como material teórico de apoio a Lei Orgânica da Saúde n° 8.142 de 19906, pois essa lei parte do princípio de que o acesso, enquanto direito aos serviços de saúde, pode ser fortalecido com a participação dos próprios usuários do sistema, por meio das reuniões, sejam elas mensais ou anuais, conforme propõe a Resolução 453/2012 do Conselho Nacional de Saúde20

Tal qual uma facilidade para atuação do controle social que pode interferir na garantia do acesso à saúde, alguns autores discutem o fato dele possibilitar uma efetiva ação do governo diante da realidade das pessoas, uma vez que os gestores, por meio do controle social, podem identificar as demandas sociais, já que os espaços de reuniões são construídos para que a comunidade possa ter maior percepção do que acontece em sua volta 14-15,21 .

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Fonte: Elaboração própria.

Esta colocação dos autores referidos anteriormente concorda com o objetivo estabelecido para o controle social, de criação de um espaço mais democrático e com maior representatividade, sendo por isso acrescentado dentro dos princípios do SUS7. Entretanto, na prática percebe-se que a participação social no SUS nem sempre alcançou bons resultados, sobretudo pela falta de qualificação política da equipe de saúde, da população, e dos conselheiros de saúde.

Dois outros estudos convergem ao afirmarem, com relação à participação da população em conselhos locais de saúde, que a facilidade na construção do controle social está na proximidade que a Estratégia Saúde da Família (ESF) apresenta diante de sua capilaridade e proximidade com a comunidade, o que contribui para aproximar a população da equipe de saúde, podendo ser convertido em conhecimento tanto empírico como também na formação de agentes políticos – subtende-se críticos – para atuar de maneira mais eficaz na melhoria das questões sociais9,13

Essa proximidade entre ESF e comunidade é capaz de trazer mudanças para a comunidade como foi pontuado por Martins et al.

[...] o PSF pode assumir uma função primordial na transformação da sociedade, uma vez que pode possibilitar aos indivíduos e à coletividade o desenvolvimento de competências para participar da vida em sociedade, incluindo habilidades e pensamentos reflexivos, saindo assim de uma situação de resignação e acomodação em relação à realidade vivida [...]. 22:940

Percebe-se desse modo, que a ESF é um importante local para o exercício do controle social, pois, devido a sua proximidade com as pessoas, possibilita uma maior participação da comunidade nas discussões acerca das suas necessidades de saúde, com ampliação do diálogo entre a população e os membros da ESF, o que pode levar a uma maior reflexão sobre os seus direitos e deveres, e, consequentemente, potencializar a formação de cidadãos críticos capazes de lutar por melhorias nas suas condições de vida. Esse espaço de potencial mobilização deve ser valorizado e priorizado pelos trabalhadores de saúde da atenção primária, mesmo diante das dificuldades enfrentadas pelas equipes de saúde da família para atrair os usuários visando o desenvolvimento de atividades de organização comunitária.

Entretanto, a participação dos usuários no SUS não foi totalmente elucidada e efetivada como prevê a Lei 8.142 de 1990 6, por isso, Martins et al enfatizam que sem

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o devido entendimento acerca do que acontece dentro dos conselhos, de modo geral, pode resultar no desfavorecimento da luta pelos direitos e consequentemente por melhorias para o SUS 15

Com relação às dificuldades para a atuação do controle social na garantia do acesso à saúde alguns autores convergem ao apontarem a falta de representatividade dos atores inseridos no conselho e a linguagem mais rebuscada, principalmente entre os gestores que possuem um vocabulário técnico-científica, dificultam o entendimento da comunidade e, consequentemente, a construção do controle social16,18-19

Entre os obstáculos enfrentados pela sociedade brasileira para a efetivação dos conselhos de políticas públicas, destaca-se a baixa cultura associativa e reivindicativa, que leva a sociedade a desenvolver dificuldades em se organizar por uma luta pelos seus direitos garantidos na constituição, tornando-a vulnerável e sujeita a uma gestão alheia às suas necessidades23

Nesse sentido, no estudo de Rocha et al, foram identificados alguns empecilhos para a representatividade no conselho municipal de saúde, sendo eles: a falta de eleição para escolha dos conselheiros, indicados pelas entidades que representam, apontando para o pouco interesse dos membros das entidades em participar desses espaços; alguns conselheiros estão no conselho municipal de saúde com o objetivo de fortalecer a entidade; os usuários não são representados pelo limitado alcance de suas ações, que levam ao sentimento de impotência e influencia negativamente na avaliação da eficácia dos conselhos; o relacionamento dos conselheiros com a entidade que representam pode fragilizar o plenário e torná-lo suscetível a manipulação, uma vez que geralmente não discutem entre os pares os assuntos tratados no conselho, exceto os que dizem respeito diretamente a entidade; e a participação, que muitas vezes é vista como um fardo, um sacrifício para os conselheiros 23

De forma complementar, Santos, Vargas e Lucas apontam que apesar da paridade dos membros do conselho ser praticada, não é possível garantir a representatividade da participação dos usuários24. Entre os obstáculos existentes na busca pela representatividade, os autores destacam o comprometimento das relações com suas bases, com a comunidade/ entidade que representam, ocasionado muitas vezes pela falta de informação dos pares sobre os conselhos e quais o seu papel; outro aspecto abordado é a capacitação dos conselheiros para sua melhor atuação e o seu poder de fala associado a sua escolaridade e a sua compreensão das ações do conselho.

188

Nesse sentido, para Azevedo et al e Martins et al a falta de conhecimento, além de reduzir e fragilizar a atuação dos conselheiros, interfere negativamente dentro dos conselhos de saúde13,15. Historicamente no Brasil, por trás do pretexto da falta de acesso à informação há interesses governamentais para que a população não tenha conhecimento dos seus direitos e reivindique por eles21

É preciso, ademais, atentar para o fato de que os conselhos de saúde enquanto instância colegiada, deliberativa e permanente do SUS em cada esfera de Governo, integram administrativamente a estrutura organizacional do Ministério da Saúde, da Secretaria de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios21, ficando, muitas vezes à mercê das prioridades estabelecidas pelos respectivos gestores, desalinhados com os interesses da coletividade, muitas vezes, na contramão do processo democrático, fragilizando os espaços de pactuação e negociação do controle social.

O desconhecimento pelos conselheiros do verdadeiro objetivo da participação social é muito recorrente, bem como a falta de reconhecimento de parcerias com outras instâncias da área da saúde as quais diminuem a efetivação do controle social25

Ainda com relação às dificuldades enfrentadas para o controle social em saúde, as evidências analisadas convergem ao afirmarem que para o efetivo funcionamento dos conselhos de saúde os obstáculos estão relacionados ao fato de nesses locais serem abordados conflitos particulares e partidários, além disso, o espaço onde acontecem as reuniões é visto como um ambiente de reclamações, evidenciando o pouco entendimento das pessoas sobre o seu verdadeiro papel, seja local ou municipal9,14,17

No estudo realizado por Duarte e Machado sobre o exercício do controle social em um Conselho Municipal de Saúde no estado do Ceará, foi identificado que a principal dificuldade decorre da pouca capacitação que a maioria dos conselheiros apresentam para exercer a atividade do controle social, além disso, as diferenças de conhecimento técnico e científico são discrepantes em relação ao funcionamento e às atividades do conselho26

É necessário que as pessoas conheçam o que de fato é o controle social e quais as suas instâncias de atuação para que assim possam participar desses espaços, entender os seus direitos e os seus deveres dentro do sistema de saúde, e desse modo utilizá-los para garantir o direito à saúde. Para que isso aconteça é decerto importante uma equipe multiprofissional preparada, informada do papel do controle social e estimulada a fazer a população assistida a atuarem nesses locais.

Nesse sentido, reitera-se não esquecer que os investimentos por parte do governo nessa esfera da saúde devem ser garantidos tanto material quanto intelectualmente.

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Sendo assim, Alencar destaca a importância da Educação Permanente para os conselheiros de saúde como uma via facilitadora do controle social já que, segundo o mesmo autor, o Programa de Educação Permanente (PEP) foi incluído no SUS, a fim de preparar os conselheiros para a compreensão das demandas relacionadas à saúde para que possa aumentar a atuação da comunidade no exercício do controle social e contribuir para a melhoria do futuro da coletividade 12 .

Para potencializar a ação do controle social no SUS é necessário, portanto, assegurar a implementação da Política Nacional de Educação Permanente para o Controle Social no Sistema Único de Saúde (PNEPCS/SUS), publicada pelo Conselho Nacional de Saúde em 2009, estruturada nos eixos: Participação Social; Financiamento da Participação e do Controle Social; Intersetorialidade, Informação e Comunicação em Saúde e Legislação do Sistema Único de Saúde; e, aspectos prioritários para a elaboração dos planos de ação dos conselhos de saúde 27. É imprescindível também que os conselheiros conheçam as diretrizes estabelecidas para a instituição, reformulação, reestruturação e funcionamento dos Conselhos de Saúde dispostas na Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 453/2012 21

Cotta et al também reconhecem que a possibilidade para a mudança desse contexto de enfrentamento dos bloqueios para um conselho efetivo seria a prática de “capacitações e edificação permanente dos conselheiros”28:1134, entendendo que a oportunidade de acesso ao conhecimento empodera esses atores, destacando que o processo de aprendizagem deve ser constante e cooperativo.

Dessa forma, frente às consequências do quadro de dificuldades em relação ao direito ao serviços de saúde e dos problemas enfrentados para a construção de um conselho de saúde mais eficiente no sentido de alcançar um público participativo que não se limite às exigências particulares, Guizardi afirma que “[...] a alternativa da capacitação é repetidamente evocada como solução confortável [...]”19:5

A implantação de uma política pública que contemple maior poder de decisão das pessoas, até que esta participação alcance a sua plenitude, é o elemento que contribuirá efetivamente para reverter a pouca participação da comunidade no funcionamento do conselho de saúde29.

Por fim, entre as dificuldades encontradas nos estudos em discussão, Alencar se diferencia dos demais estudos, uma vez que é o único a destacar a falta de autonomia na tomada de decisões dos conselhos de saúde o que torna um obstáculo para a participação da população, da gestão e da equipe de saúde, pois desmotiva a luta pelos avanços12. Essa falta de

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liberdade gera no sistema um atraso, já que quando uma demanda é identificada ela precisa ser solucionada, sendo assim, a baixa adesão dos membros do conselho de saúde leva a um enfraquecimento do protagonismo dos seus participantes. Dessa maneira, a hierarquização e os entraves burocráticos na gestão pública acabam dificultando a relação entre o sistema de saúde como um todo e a sociedade.

A forma cujo andamento dos conselhos de saúde é sistematizado tem desviado o foco de conquistar mudanças para a sociedade, e principalmente, a elaboração de projetos voltados para a qualidade do acesso aos serviços de saúde, defendendo assim os interesses da maioria da população e não apenas obedecendo a encaminhamentos importantes para uma parte da população30

A partir da análise das produções científicas selecionadas evidenciou-se que as principais dificuldades para a atuação do controle social na garantia do acesso enquanto direito, estão relacionadas à falta de colaboração entre gestão, profissionais da área de saúde e comunidade, além do pouco conhecimento sobre o funcionamento do conselho de saúde tanto por parte da população quanto dos conselheiros e da própria equipe que compõe o SUS.

Assim como foram identificadas facilidades e dificuldades, alguns artigos apresentaram questões que propõem formas de diminuir os problemas e enfatizar as atividades que culminam em uma melhoria para o acesso aos serviços de saúde.

Uma das propostas é a realização de EPS para os conselheiros de saúde, como referido anteriormente12,19. Além disso, há convergência no entendimento de alguns autores de que deve ser estimulada a parceria dentro do conselho de saúde para garantir o bom andamento das demandas13,18, sendo complementado pela afirmação de que a importância do controle social se estabelece por meio do diálogo e igualdade entre os participantes, o que de certa forma se configuram como uma solução para as dificuldades elencadas anteriormente9

Ressalta-se, entretanto, que apesar da importância do diálogo para a superação dos problemas enfrentados pelo controle social para a garantia do acesso à saúde como direito, estes são espaços em que nem sempre existem igualdade entre os seus participantes, uma vez que há um antagonismo de classes; e, além disso, muitos são os interesses que os permeiam, em que cada conselheiro muitas vezes acaba defendendo interesses do órgão, classe ou grupo que representa, constituindo-se tal qual espaços de pactuação de conflitos e de correlação de forças.

Salienta-se que nenhum artigo abordou a cooptação dos movimentos sociais, tampouco as dificuldades dos conselhos na fiscalização dos recursos públicos e a privatização

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da saúde, o que aponta a existência de lacunas na literatura pesquisada, demonstrando a necessidade da realização de novos estudos.

As limitações deste estudo dizem respeito ao fato de ter analisado apenas artigos na língua portuguesa. Entretanto, reitera-se que se buscou caracterizar a realidade brasileira com as publicações em língua portuguesa, por isso a opção por esse idioma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As evidências extraídas dessa revisão integrativa da literatura sobre as facilidades pontuadas para o avanço e a qualidade do acesso aos serviços de saúde enquanto direito, por meio do controle social, conduziu à percepção de que os conselhos de saúde são instâncias de deliberação sobre as políticas de saúde que ainda carecem de fortalecimento das suas estruturas e de investimentos na Educação Permanente dos conselheiros para o seu fortalecimento.

É importante relembrar que o Movimento da Reforma Sanitária foi um marco importante para a instituição do controle social devido ao seu objetivo de tornar a população mais participativa nas decisões acerca do sistema de saúde brasileiro. Esse marco na história da construção por uma saúde de qualidade desperta a vontade de lutar por mudanças.

Na luta por mudanças muitas vezes os cidadãos não são ouvidos. Na atual conjuntura política, percebe-se que nem sempre as decisões dos conselhos de saúde têm sido respeitadas pelos gestores e parlamentares, como o fato de deliberações e documentos elaborados pelos conselhos não serem aprovados e/ou implementados. Ao não ouvir a população, representada pelos conselhos de saúde, os gestores e parlamentares restringem os direitos do povo e reduzem o acesso e a participação destes nas políticas sociais que poderiam melhorar sua qualidade de vida.

Um exemplo representativo desse cenário se refere à ampla mobilização do Conselho Nacional de Saúde (CNS), instância máxima de deliberação do controle social do SUS, que tem produzido vários documentos orientadores e notas públicas com ênfase no enfrentamento da pandemia da Covid-19, como a defesa de vacinação contra a Covid-19 para ampla população e a fila única de leitos31.

A partir desta revisão integrativa, percebe-se que os conselhos de saúde ainda precisam passar por mudanças indispensáveis para garantir o acesso aos serviços de saúde, fortalecendo o elo entre o setor de saúde pública e a comunidade para que assim o SUS possa cumprir seu papel de uma forma mais abrangente, igualitária e equânime que são premissas estabelecidas na Constituição Federal.

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Para que as mudanças no setor de saúde aconteçam é imprescindível que usuários, trabalhadores e gestores reconheçam o seu papel na construção da participação social cujo propósito é um SUS que garanta o acesso à saúde como direito de todo cidadão. É necessário que aconteça a aproximação entre sociedade e o setor público de saúde em prol de benefícios coletivos.

Os resultados deste estudo sugerem que se faz necessário maior respeito, valorização e divulgação dos conselhos de saúde para a sociedade, enquanto espaços capazes de promover mudanças nas políticas de saúde que favoreçam a qualidade de vida da população. É preciso também uma maior valorização dos seus participantes/conselheiros enquanto cidadãos e sujeitos que exerçam uma função de relevância pública, sendo necessário investir permanentemente em processos educativos que abordem o papel do conselho de saúde e dos conselheiros, bem como a importância da atuação destes para o funcionamento e a efetivação do controle social no SUS.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Lívia de Souza e Souza e Bianca de Oliveira Araujo.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Lívia de Souza e Souza, Bianca de Oliveira Araujo, Mariana de Oliveira Araujo e Iraildes Andrade Juliano.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Bianca de Oliveira Araujo e Mariana de Oliveira Araujo.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Lívia de Souza e Souza, Bianca de Oliveira Araujo, Mariana de Oliveira Araujo e Iraildes Andrade Juliano.

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Recebido: 29.3.2021. Aprovado: 15.3.2022.

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DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n3.a3044

ARTIGO DE REVISÃO

TAXA DE MORTALIDADE POR CÂNCER DE COLO DE ÚTERO NA 16ª REGIÃO DE SAÚDE DA PARAÍBA, 2005-2015

Gabriela Pereira Batistaa

https://orcid.org/0000-0002-8298-5549

Catalina Kissb

https://orcid.org/0000-0001-6298-8681

Resumo

O câncer do colo do útero (CCU) é um problema de saúde pública no Brasil, responsável por altos índices de morbimortalidade entre as mulheres de acordo com os indicadores de saúde. O objetivo deste estudo foi analisar e discutir o comportamento da taxa de mortalidade por CCU na 16ª Região de Saúde entre 2010 e 2015. Este é um estudo transversal retrospectivo, com base em dados retirados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM)-Datasus no período de 2005 a 2015. No cenário de mortalidade por CCU na Paraíba, em relação aos respectivos números de óbitos entre os anos de 2005 e 2015 na 16ª Região de Saúde, os municípios de pequeno porte tiveram suas taxas mantidas, porém Campina Grande, região de médio porte, apresentou aumento exponencial a partir de 2012, evidenciando, assim, aumento em todo o estado, além de representar um ponto fora da curva que elevou o índice. Foi possível perceber pouco êxito das políticas de saúde na 16ª Região de Saúde a partir do ano de 2012, pois o número de óbitos triplicou em relação ao ano anterior, mantendo-se crescente até o fim do período estudado, o que demonstrou possível falta de eficácia na gestão e coordenação do cuidado em saúde.

Palavras-chave: Indicadores de saúde. Taxa de mortalidade. Câncer do colo do útero

a Enfermeira.

E-mail:gabrielabio_gabi@hotmail.com

b Farmacêutica. Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: catalinakiss9@gmail.com

Endereço para correspondência: Rua Adauto Travassos de Moura, n. 415, apartamento 102, Alto Branco. Campina Grande, Paraíba, Brasil. CEP: 58401755. E-mail: gabrielabio_gabi@hotmail.com

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Especialista em Redes de Atenção à Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz. Campina Grande, Paraíba, Brasil.

MORTALITY RATE FROM CERVICAL CANCER IN THE 16TH HEALTH REGION OF PARAÍBA, 2005-2015

Abstract

Responsible for high morbidity and mortality rates among women according to health indicators, cervical cancer (CCU) constitutes a public health issue in Brazil. Hence, this retrospective, cross-sectional study analyzes and discusses the CCU mortality rate in the 16th Health Region of Paraíba, Brazil, between 2005 and 2015. Data was collected from the Mortality Information System (SIM)- DATASUS for the 2005-2015 period. Regarding the respective number of deaths between 2005 and 2015, in the scenario of CCU mortality, small municipalities maintained their rates, but Campina Grande, a medium-sized city, showed an exponential increase from 2012, thus evidencing a statewide increase, as well as representing a point outside the curve that raised the index. Health policies were shown to be ineffective in the 16th Health Region from 2012, since the number of deaths tripled in relation to the previous year, and kept increasing until the end of the studied period, demonstrating possible inefficient health care management and coordination.

Keywords: Health indicators. Mortality rate. Cervical cancer.

TASA DE MORTALIDAD POR CÁNCER DEL CUELLO UTERINO EN LA 16ª REGIÓN DE SALUD DE PARAÍBA, 2005-2015

Resumen

El cáncer del cuello uterino (CCU) es un problema de salud pública que, en Brasil, presenta altas tasas de morbimortalidad entre las mujeres con respecto a los indicadores de salud. El objetivo de este estudio fue analizar y discutir el comportamiento de la tasa de mortalidad por CCU en la 16ª Región de Salud entre 2010 y 2015. Se trata de un estudio transversal retrospectivo, basado en los datos obtenidos del Sistema de Información de Mortalidad (SIM)-DATASUS en el periodo entre 2005 y 2015. En el escenario de mortalidad por CCU, con respecto al período 2005 y 2015 en la 16ª Región de Salud, los municipios menores mantuvieron sus índices, pero Campina Grande, región de mediano porte, tuvo un aumento exponencial de los casos a partir de 2012, lo que evidencia una alza en todo el estado y representa una excepción que elevó el índice. Se destaca que las políticas de salud en la 16ª Región de Salud tuvieron poco éxito a

198

partir del año 2012, ya que el número de óbitos se triplicó con relación al año anterior y se mantuvo en alza hasta el final del período estudiado, demostrando una posible falta de eficacia en la gestión y coordinación del cuidado en salud.

Palabras clave: Indicadores de salud. Tasa de mortalidad. Cáncer del cuello uterino.

INTRODUÇÃO

O câncer do colo do útero (CCU) é um grave problema de saúde pública que, no Brasil, apresenta magnitude expressiva, uma vez que é responsável por altos índices de morbimortalidade entre as mulheres. Ademais, o CCU é considerado a terceira neoplasia maligna mais comum entre a população feminina, atrás apenas do câncer de mama e do colorretal, sendo a quarta causa de óbito de mulheres por câncer no Brasil1,2.

O CCU é uma neoplasia que se caracteriza pela multiplicação desordenada das células que revestem o útero, comprometendo o tecido subjacente, o estroma, com potencial para invadir estruturas e órgãos contíguos ou distantes. Com a detecção precoce, o CCU pode ser tratado e curado, mas se descoberto tardiamente, pode levar a mulher à morte 1 .

A mortalidade por CCU aumenta de modo progressivo, a partir da quarta e quinta década de vida, com expressivas diferenças de acordo com as regiões no país. Trata-se de uma doença rara em mulheres com até 30 anos e sua incidência aumenta progressivamente até ter seu pico na faixa de 40 a 50 anos3

No Brasil, foi estimado pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), para os anos de 2014 e 2015, a ocorrência de aproximadamente 576 mil casos novos de câncer no país. Esses altos números de incidência e mortalidade por câncer do colo do útero justificam a implementação de ações de prevenção e controle do câncer com base nas diretrizes da política nacional, com as possíveis falhas existentes4

Com altas taxas de mortalidade apresentadas, se tornou necessário desenvolver políticas públicas específicas à cobertura do câncer do colo do útero, garantindo o acesso das mulheres ao exame citológico, também conhecido como Papanicolau, uma vez que é considerado o mais utilizado para rastreamento dessa patologia no Brasil e pode ser acompanhado, quando necessário, do colpocitopatológico ou oncocitológico. Nesse sentido, as políticas públicas devem viabilizar a realização de exames responsáveis pela detecção do câncer do colo do útero3.

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A cobertura realizada por meio desses exames, sobretudo o Papanicolau, consiste na possibilidade de identificar as alterações iniciais, descobrir precocemente o câncer e prevenir sua evolução para as formas mais agressivas entre a população feminina5

O rastreamento do CCU por meio do exame citológico, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é recomendado a cada três anos em mulheres de 25 a 64 anos após dois exames consecutivos terem apresentado resultados negativos com intervalo anual. Portanto, a detecção precoce do câncer de colo uterino a partir de técnicas de rastreamento ou screening de lesões precursoras antes de se tornarem invasivas e o tratamento adequado podem prevenir o aparecimento da doença6

Justifica-se este estudo pela necessidade de avaliar indiretamente, por meio da taxa de mortalidade, se as ações de prevenção de câncer do colo do útero são efetivas ou não. Além disso, acompanhar o indicador da taxa de mortalidade entre as mulheres, em relação ao câncer do colo do útero, é uma das principais ferramentas associadas à eficácia das políticas públicas.

O interesse no estudo da 16ª Região de Saúde do estado da Paraíba advém da necessidade de conhecimento sobre os dados do local onde uma das pesquisadoras reside e trabalha, além do fato de presenciar no ambiente de trabalho o diagnóstico positivo do câncer do colo de útero em uma colega enfermeira. Chamou a atenção o fato de a referida colega ser jovem e atuante na rede pública de saúde, e a patologia estudada ser passível de prevenção, demonstrando uma possível falha no cuidado, bem como na gestão do cuidado na rede de saúde.

Diante da importância do tema, apresenta-se a seguinte questão norteadora do estudo: qual é a dinâmica da taxa de mortalidade por câncer do colo do útero na 16ª Região de Saúde no período analisado? Este estudo tem como objetivo geral analisar e discutir o comportamento da taxa de mortalidade por câncer de colo do útero na 16ª Região de Saúde entre 2005 e 2015. Os objetivos específicos desta análise são: (1) fazer um levantamento da taxa de mortalidade por câncer de colo do útero na 16ª Região de Saúde entre 2005 e 2015; (2) descrever as ações que porventura estejam presentes na análise de documentos dessa região; e (3) discutir a importância do acompanhamento sistemático dos indicadores epidemiológicos na criação de políticas públicas.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal retrospectivo, com base em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM)-Datasus no período de 2005 a 20157, em conformidade com uma breve revisão de estudos envolvendo descritores em ciências da saúde com os temas centrais: indicadores de saúde, taxa de mortalidade e câncer do colo do útero.

200

Esta pesquisa foi embasada por uma perspectiva histórica, tendo como foco a 16ª Região de Saúde da Paraíba. O banco de dados foi processado com o programa Excel (versão 2016), sendo realizado o cálculo da taxa de mortalidade por cem mil mulheres.

RESULTADOS

O estado da Paraíba, localizado na região Nordeste, tem população residente de aproximadamente 4.025.558 habitantes. Para fins de planejamento em redes de gestão em saúde, o estado é subdividido em 16 regiões ou gerências de saúde, correspondentes cada uma a agrupamentos de municípios limítrofes, sendo a maior delas a 1ª Região (Mata Atlântica), que contém, entre seus municípios, a capital do estado e atende 32,7% da população paraibana. Como objeto deste estudo, foi abordada a 16ª Região, que, por sua vez, é a segunda maior do estado, sendo responsável por 13,5% da população estadual, consubstanciada em 543.871 habitantes. A 16ª Região tem como centro de referência a cidade de Campina Grande, segunda maior cidade do estado, demonstrando, assim, a relevância da região perante o estado da Paraíba.

Além de Campina Grande, a 16ª Região de Saúde abrange outros 13 municípios de pequeno porte, com populações residentes que não ultrapassam os vinte mil habitantes cada, totalizando 14 cidades em sua circunscrição: Assunção, Boa Vista, Campina Grande, Fagundes, Juazeirinho, Massaranduba, Olivedos, Pocinhos, Puxinanã, Santo André Serra, Redonda, Soledade, Taperoá e Tenório.

O município de Campina Grande é considerado um dos principais polos industriais da região Nordeste e um importante centro universitário. A cidade apresenta o segundo maior produto interno bruto (PIB) entre os municípios paraibanos, além de ser polo de atendimento ao câncer para toda a 16ª Região de Saúde por meio do Hospital Fundação Assistencial da Paraíba (FAP) como Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon), com serviços de cirurgia, quimioterapia e radioterapia no estado, abarcando, inclusive, outras regiões de saúde.

No período de 2005 a 2015, foram registrados no estado da Paraíba 1.105 óbitos por residência (número de óbitos ocorridos segundo o local de residência do falecido) devido ao câncer do útero. Nesse cenário, os maiores números de óbitos por câncer do útero foram observados na 1ª Região de Saúde, que abrange a capital do estado, com 437 óbitos por residência, seguidos pela 16ª Região de Saúde, com 133 óbitos, e pela 2ª Região de Saúde, com 113 óbitos. As taxas de mortalidade relacionada à patologia por mil mulheres são apresentadas nas tabelas.

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Tabela 1 – Número de óbitos por câncer de colo do útero por residência nas regiões de saúde do estado da Paraíba entre os anos de 2005 e 2015. Campina Grande, Paraíba, Brasil – 2019

Tabela 2 – Taxa de mortalidade por câncer de colo do útero por cem mil mulheres no estado da Paraíba de 2005 a 2015. Campina Grande, Paraíba, Brasil – 2019

Tabela 3 – Taxa de mortalidade por câncer de colo do útero por cem mil mulheres

residência nas regiões de saúde do estado da Paraíba entre os anos de 2005 e 2015. Campina Grande, Paraíba, Brasil – 2019

202
Ano 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª 12ª 13ª 14ª 15ª 16ª Total 2005 38 10 9 1 2 7 1 3 2 3 4 4 1 6 91 2006 41 15 4 5 2 7 8 2 4 1 5 1 5 2 5 107 2007 38 8 3 1 2 8 2 2 4 3 1 1 2 2 77 2008 30 6 6 6 4 6 2 1 3 4 4 5 2 10 89 2009 40 10 3 2 2 4 4 5 4 2 4 1 4 2 2 89 2010 33 9 7 3 2 2 1 1 3 3 2 2 1 6 75 2011 38 7 5 2 4 1 2 2 5 2 6 1 2 2 7 86 2012 50 11 7 2 3 2 4 2 2 1 2 1 4 21 112 2013 40 12 3 1 6 8 3 3 6 2 2 2 4 5 27 126 2014 44 12 3 2 5 10 2 3 3 1 3 1 7 3 27 126 2015 45 13 8 1 2 5 4 3 3 6 1 7 1 1 7 20 127 Total 437 113 60 23 35 60 34 24 34 18 17 41 9 36 31 133 1105
Elaboração própria.
Fonte:
Ano 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Taxa de mortalidade no estado da Paraíba 4,86 5,66 4,03 4,62 4,57 3,82 4,34 5,60 6,25 6,20 6,20
Elaboração própria.
Fonte:
por
Ano 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª 12ª 13ª 14ª 15ª 16ª 2005 6,55 6,60 9,50 1,90 3,53 6,23 1,33 3,57 3,54 7,49 4,71 5,86 1,37 2,33 2006 6,94 9,87 4,20 9,45 3,50 6,18 10,6 3,64 4,73 1,73 5,86 3,33 7,24 2,74 1,92 2007 6,33 5,25 3,13 1,87 3,48 7,01 2,66 3,61 4,70 7,41 1,16 1,43 2,73 0,76 2008 4,91 3,92 6,22 11,1 6,91 5,22 2,66 1,78 3,50 9,83 4,64 7,07 2,72 3,78 2009 6,44 6,52 3,09 3,69 3,43 3,45 5,33 8,86 6,92 4,89 4,62 3,29 5,60 2,70 0,75 2010 5,23 5,85 7,17 5,10 1,71 2,67 1,75 1,15 5,16 3,45 6,56 2,77 1,34 2,23 2011 5,93 4,54 5,10 3,64 6,77 0,85 2,66 3,48 5,71 4,84 6,86 3,27 2,74 2,68 2,58 2012 7,69 7,12 7,10 3,61 5,03 1,68 5,32 3,46 2,27 1,70 2,28 1,35 5,33 7,68 2013 6,06 7,75 3,02 1,79 9,99 6,71 3,99 5,15 6,77 4,80 2,27 6,51 5,36 6,64 9,80 2014 6,58 7,73 3,01 3,57 8,27 8,33 2,66 5,11 3,33 1,69 3,39 3,24 9,30 3,97 9,72 2015 6,64 8,35 7,99 1,77 3,39 4,14 5,32 5,07 3,34 10,0 2,38 7,88 3,23 1,31 9,19 7,16 Fonte: Elaboração própria.

Figura 1 – Taxa de mortalidade por câncer de colo do útero na 16ª Região de Saúde e no estado da Paraíba entre os anos de 2005 e 2015. Campina Grande, Paraíba, Brasil – 2019

A 16ª Região de Saúde, circunscrição geográfica objeto deste estudo, é composta de 14 municípios com os seguintes números de óbitos por câncer de colo do útero por residência entre os anos de 2005 e 2015: Assunção: 1, Boa Vista: 2, Campina Grande: 106, Fagundes: 1, Juazeirinho:

9, Massaranduba: 4, Pocinhos: 1, Puxinanã: 1, Santo André: 1, Serra Redonda: 1, Soledade: 2, Taperoá: 4, Tenório e Olivedos não apresentaram nenhuma morte nesse intervalo de tempo.

Tabela 4 – Óbitos por residência por capítulo CID-10, segundo município da 16ª Região de Saúde: Categoria: C53 neoplasia maligna do colo do útero no período de 2005 a 2015. Campina Grande, Paraíba, Brasil – 2019

Fonte: Elaboração própria.

Na Tabela 5 são apresentados os números de óbitos por câncer de colo do útero por município da 16ª Região de Saúde da Paraíba entre os anos de 2005 e 2015 por residência e a respectiva taxa de mortalidade por cem mil mulheres.

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2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Paraíba 16ª Região 12 10 8 6 4 2 0
própria.
Fonte: Elaboração
Município Óbitos Assunção 1 Boa Vista 2 Campina Grande 106 Fagundes 1 Juazeirinho 9 Massaranduba 4 Pocinhos 1 Puxinanã 1 Santo André 1 Serra Redonda 1 Soledade 2 Taperoá 4 Total 133

Tabela 5 – Taxa de mortalidade por cem mil mulheres e óbitos por residência por câncer do colo do útero na 16ª Região de Saúde por município entre os anos de 2005 e 2015. Campina Grande, Paraíba, Brasil – 2019

Taxa de mortalidade por cem mil mulheres/óbitos por residência

Para melhor análise do crescimento das taxas de mortalidade neste estudo, se faz necessária a apuração da população feminina residente de cada município da 16ª Região de Saúde. Dessa forma, a Tabela 6 apresenta a população feminina correspondente apenas ao ano de 2015.

Nos dados apresentados, percebe-se a referência do município de Campina Grande, que, por sua vez, é o segundo maior município do estado, sendo polo da 16ª Região de Saúde. Em todos os anos do período analisado, houve casos de morte por câncer de colo do útero em quantidade bastante superior em relação aos demais municípios que compõem a região.

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Município
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Assunção 1 56,1 Boa Vista 1 1 32,9 29,7 Campina Grande 5 3 2 7 1 5 5 19 22 22 15 2,55 1,52 1,0 3,48 0,49 2,44 2,42 9,12 10,4 10,3 7,04 Fagundes 1 17,2 Juazeirinho 1 2 1 2 3 12,5 23,1 11,4 22,6 33,7 Massaranduba 1 1 1 1 15,2 14,7 14,4 14,3 Olivedos Pocinhos 1 11,2 Puxinanã 1 14,6 Santo André 1 76,1 Serra Redonda 1 27,4 Soledade 1 1 13,7 13,6 Taperoá 2 1 1 26,8 13,2 13,1 Tenório Fonte: Elaboração própria.

Tabela 6 – População feminina dos municípios da 16ª Região de Saúde no ano de 2015. Campina Grande, Paraíba, Brasil – 2019

Chama a atenção nos resultados obtidos, tanto no âmbito estadual como na 16ª Região de Saúde, um efetivo e demasiado aumento na quantidade de casos de mortalidade da patologia estudada a partir do ano de 2012, em que o número das referidas taxas chega a dobrar, mantendo nos anos seguintes os indicadores em padrões elevados quando comparados com os períodos anteriores ao ano de 2012.

DISCUSSÕES

Percebe-se na análise das Tabelas 1 e 2 a existência de número de óbitos por neoplasia mais elevados nas regiões de saúde que apresentam maior desenvolvimento socioeconômico e, consequentemente, maior população absoluta. Esse fato é uma hipótese para o alto número de mortes, tendo em vista que quanto maior a população, maior será o número absoluto de mortes. No entanto, não é possível afirmar os fatores que levaram a esse alto número de óbitos, uma vez que as causas não foram investigadas neste trabalho.

Este trabalho previa inicialmente o levantamento de dados pelos respectivos relatórios de gestão. Isso, no entanto, não foi possível, uma vez que os documentos não foram encontrados na internet e alguns municípios tinham apenas os relatórios impressos, mediante aprovação dos gestores, que não foram encontrados no período da pesquisa.

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Município População Assunção 1.859 Boa Vista 3.487 Campina Grande 212.870 Fagundes 5.789 Juazeirinho 8,897 Massaranduba 6.992 Olivedos 1.890 Pocinhos 9.107 Puxinanã 6.913 Santo André 1.248 Serra Redonda 3.648 Soledade 7.398 Taperoá 7.736 Tenório 1.444
Fonte: Elaboração própria.

Dessa forma, a análise dos dados possibilitou identificar algumas dificuldades para a realização do estudo, visto que não houve acesso aos relatórios de gestão devido a algumas barreiras como o curto espaço de tempo para a conclusão da pesquisa e, principalmente, a ausência de publicidade de tais relatórios.

Assim, surgem como hipóteses para os dados em discussão situações pautadas nas dificuldades de acesso às ações e aos serviços de saúde, ausência de políticas municipais, ausência de diagnóstico precoce, rastreamento, acompanhamento e tratamento em tempo oportuno, além da equivocada alimentação de dados no Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero (Siscolo), prejudicando o planejamento da gestão, uma vez que esse sistema apresenta algumas falhas por não permitir a comparação entre os exames e as mulheres que não os realizaram.

Foram constatadas, nos resultados analisados, taxas bastante elevadas em municípios de pequeno porte da 16ª Região, no entanto, apesar do índice elevado, as taxas não são consideradas alarmantes, uma vez que o número de óbitos absolutos é muito pequeno (entre um e dois casos de morte por câncer de colo do útero por município).

Apesar disso, pode-se creditar tais números a uma possível qualificação da atenção básica, tornando mais efetivas as políticas preventivas, de modo que o estilo de vida mais pacato e a menor população dos municípios menores proporcionam mais tempo para execução de ações preventivas e possibilitam que o profissional de saúde esteja mais próximo do público-alvo, diferentemente do que geralmente ocorre nas grandes cidades.

Outra hipótese levantada para o baixo número de óbitos absolutos para pequenos municípios é o possível suprimento das necessidades em atendimento especializado pelos municípios-polo das regiões. Essa relação entre os municípios pode gerar uma dependência de uma rede integrada e isso proporcionaria de forma eficaz o diagnóstico e o tratamento das mulheres.

Nos resultados obtidos se destacaram os municípios de Tenório e Olivedos, onde, no período analisado, não houve mortes por câncer de colo do útero. Por um lado, essa constatação pode ser reflexo da atuação eficaz da atenção básica na prevenção da doença estudada, por outro, pode também ser reflexo da subnotificação dos casos.

Na apresentação dos dados obtidos, foi observado aumento exponencial na taxa de mortalidade a partir do ano de 2012 em toda a 16ª Região de Saúde, principalmente no município de Campina Grande, onde houve um aumento em torno de 200% na referida taxa.

O demasiado aumento na taxa de mortalidade demonstrado a partir do ano de 2012 na 16ª Região acarretou o acréscimo verificado nos indicadores estaduais no mesmo

206

período, uma vez que se percebeu em todo o estado da Paraíba uma tendência estável da taxa de mortalidade, com algumas variações pontuais, sendo a região analisada o ponto fora da curva que elevou o índice no estado.

Os altos índices da taxa de mortalidade após o ano de 2012, ao destoar do restante do estado, pode demonstrar uma ineficiência na aplicação de políticas de saúde preventivas ao câncer de colo do útero, envolvendo toda a 16ª Região, mas impactando principalmente Campina Grande, o que pode estar relacionado com o fato de Campina Grande, assim como João Pessoa, ser polo dessa região e do estado.

Ao analisar os municípios que compõem a 16ª Região, verifica-se que o elevado índice do município de Campina Grande foi o fator propulsor desse aumento ocorrido, pois os demais mantiveram estáveis nesse indicador, gerando um efeito dominó nas estatísticas regionais e estaduais, conforme demonstrado acima.

Destaca-se também no referido aumento na 16ª Região o município de Juazeirinho, que passou por grande período (2006-2011) sem mortes por câncer de colo do útero, mas no período posterior (2012-2015) apresentou casos de óbitos em todos os anos, em níveis bem acima dos indicadores de municípios de pequeno porte, contribuindo, assim, para elevar a taxa de mortalidade da região estudada. Esse dado pode estar relacionado com alguma ação específica da gestão em relação ao sistema de informação.

Outro fator que pode ser deduzido de tal constatação é a falta de comunicação e planejamento das equipes que compõem as redes de gestão em saúde pública, além da possível falta de acompanhamento dos indicadores estaduais da patologia estudada, pois o aumento verificado no ano de 2012 na 16ª Região, conforme anteriormente afirmado, triplicou em relação ao ano anterior. As taxas ainda se mantiveram elevadas nos anos posteriores e puxadas basicamente pelo maior município da região, que apresenta todos os níveis de atenção, da baixa até a alta complexidade.

Apesar dos avanços no conhecimento científico e tecnológico sobre o câncer do colo de útero, problemas antigos de saúde pública ainda persistem, como mortes consideráveis e passíveis de serem evitadas, em que existem poucos tipos de câncer passíveis de prevenção e cura quando diagnosticado precocemente8

Esses dados apontam pouca abordagem efetiva sobre a prevenção do câncer do colo de útero na 16ª Região de Saúde, uma vez que ainda persistem situações de desistência de realizar o teste preventivo citológico por medo do diagnóstico, vergonha, desconhecimento da importância ou por considerar o exame desnecessário. Além disso,

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muitas mulheres fazem o exame, mas não voltam para saber o resultado ou não o realizam com a periodicidade devida 9 .

Esses dados podem estar atrelados à quantidade de exames realizados, que, segundo o Datasus, no período de 2010 a 2015, foi reduzida pela metade, assim como a qualidade dos exames de citologia oncótica, o acesso aos serviços para realização da biópsia e confirmação diagnóstica, a realização de exames diagnósticos para estadiamento dos casos confirmados e o acesso a tratamento oncológico como a cirurgia, radioterapia e quimioterapia 10

A prevenção primária do câncer ocorre pela atividade educativa sobre sexualidade, por meio de sistemas de informação repassados para a população a respeito dos fatores de risco e como evitá-los. No entanto, por meio da literatura estudada, foi identificada pouca ênfase à saúde da mulher nos municípios abordados durante o período de análise.

Os programas de governo e as políticas públicas de saúde da mulher no combate ao câncer do colo de útero não evoluíram e nem prosperaram nos últimos tempos, visto que o Inca, em parceria com o Siscolo, pretende fortalecer ações, propostas, estratégias e metas de estudos, o que não está sendo feito na região.

As ações de prevenção do câncer de colo do útero na Paraíba, sobretudo na 16ª Região de Saúde, acontecem durante o mês de outubro, de acordo com o Inca, associadas ao movimento popular internacional Outubro Rosa, criado na década de 1990 para conscientização e prevenção do câncer de mama, com o desenvolvimento de ações com essa mesma finalidade 2 .

Ainda assim, é visto que a atenção primária é a principal ferramenta em saúde que realiza a prevenção dessa patologia por meio da realização do exame Papanicolau e educação em saúde, sem muito intensificar as ações anteriormente descritas devido a outros procedimentos realizados na unidade de atenção básica. É percebida, ainda, na 16ª Região, a existência de um único Hospital de Oncologia, que realiza atendimentos de todas as patologias oncóticas, sem ala específica para mulheres com câncer de colo do útero.

Existem ainda expressivas falhas na rede de atenção no que diz respeito ao câncer de colo do útero, não sendo possível identificar ações da 16ª Região nesse período para melhor destacar os dados apresentados tanto pelo estado quanto pelos municípios.

As altas taxas mortalidade por câncer do colo do útero em mulheres na 16ª Região de Saúde evidenciam a necessidade da implantação de ações efetivas de controle dessa neoplasia, incluindo a promoção à saúde, prevenção com ênfase na detecção precoce e ações de rastreamento, que têm sido apontadas como essenciais.

208

Portanto, os indicadores de saúde possibilitam a identificação de situações que necessitam atenção diferenciada, tanto dos gestores quanto dos atores sociais, tendo em vista que as informações em saúde são componentes essenciais para a análise de vida e saúde nas diferentes esferas da organização social. Além disso, a partir dos registros e de dados fidedignos, é possível realizar análises que são base para uma adequada tomada de decisão gerencial e assistencial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, foram analisadas as taxas de mortalidade por câncer de colo do útero no estado da Paraíba, com enfoque específico na 16ª Região de Saúde, considerando o período de 2005 a 2015, apresentando um total de óbitos por residência de 1.105 no estado. Com o estudo, foi verificado que a 16ª Região de Saúde apresentou uma taxa preocupante de óbitos por câncer do colo do útero entre 2005 e 2015, estando entre as regiões que apresentaram maior número de casos, perdendo apenas para a 1ª Região de Saúde do estado.

Foi possível perceber, ainda, que as políticas de saúde não tiveram êxito na 16ª Região de Saúde a partir do ano de 2012, época em que o número de óbitos triplicou em relação ao ano anterior, mantendo-se crescente até o fim do período estudado, o que revelou uma possível ineficácia na gestão e na coordenação do cuidado em saúde.

Este estudo corrobora a importância dos indicadores de saúde na articulação entre as redes de atenção em saúde, pois, por meio deles, os serviços são oferecidos de forma equitativa e integral à população. A gestão em saúde deve estar disposta a prestar contas por seus resultados clínicos e estado de saúde da população.

A escassez de informação para a realização desta pesquisa foi a principal causa da dificuldade de identificação dos determinantes para o aumento do número de casos de câncer do colo de útero, razão pela qual os gestores deveriam conduzir melhor a organização dos indicadores de saúde, dando mais publicidade e transparência aos dados da gestão.

Portanto, de acordo com os dados encontrados na pesquisa, percebe-se que se faz necessário que os gestores e profissionais de saúde responsáveis por alimentar e divulgar os indicadores de saúde se dediquem a essa forma de prover saúde à população, tornando públicos dados confiáveis para melhorar a situação das mulheres em relação ao câncer de colo do útero.

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COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Gabriela Pereira Batista e Catalina Kiss.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Gabriela Pereira Batista e Catalina Kiss.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Gabriela Pereira Batista e Catalina Kiss.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Gabriela Pereira Batista e Catalina Kiss.

REFERÊNCIAS

1. Silva AM, Silva AM, Guedes GW, Dantas AFLS, Nóbrega MM. Perfil epidemiológico do câncer do colo do útero na Paraíba. Rev Temas Saúde. 2017;17(3):112-28.

2. Instituto Nacional do Câncer. Conceito e magnitude [Internet]. 2015 [citado em 20 jul 2015]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/controle-do-cancerdo-colo-do-utero/conceito-e-magnitude

3. Nascimento GWC, Pereira CCA, Nascimento DIC, Lourenço GC, Machado CJ. Cobertura do exame citopatológico do colo do útero no estado de Minas Gerais, Brasil, no período entre 2000-2010: um estudo a partir dos dados do Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero (SISCOLO). Cad Saúde Colet. 2015;23(3):253-60.

4. Moraes MN, Jerônimo CGF. Análise dos resultados de exames citopatológicos do colo uterino. Rev Enferm UFPE Online. 2015;9(Supl.3):7510-5.

5. Albuquerque VR, Miranda RV, Leite CA, Leite MCA. Exame preventivo do câncer de colo do útero: conhecimento de mulheres. Rev Enferm UFPE Online. 2016;10(Supl.5):4208-18.

6. Correa MS, Silveira DS, Siqueira FV, Facchini LA, Piccini RX, Thumé E, Tomasi E. Cobertura e adequação do exame citopatológico de colo uterino em estados das regiões Sul e Nordeste do Brasil. Cad Saúde Pública. 2012;28(12):2257-66.

7. Brasil. Ministério da Saúde, Departamento de Informática do SUS. Mortalidade – desde 1996 pela CID-10 [Internet]. 2015 [citado em 20 jul 2015]. Disponível em: https://datasus.saude.gov.br/mortalidade-desde1996-pela-cid-10

8. Lima MEA, Oliveira ASM, Cabral CN, Costa JS, Hóstio LMM, Barbosa GAAL. Perfil epidemiológico das pacientes com câncer de colo uterino atendidas

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no serviço de cancerologia da fundação assistencial da Paraíba em Campina Grande. Rev Saúde Ciênc. 2011;2(1):89-93.

9. Ayres ARG, Silva GA. Prevalência de infecção do colo do útero pelo HPV no Brasil: revisão sistemática. Rev Saúde Pública. 2010:44(5):963-74.

10. Sousa AMV, Teixeira CCA, Medeiros SS, Nunes SJC, Salvador PTCO, Barros RMB, et al. Mortalidade por câncer do colo do útero no estado do Rio Grande do Norte, no período de 1996 a 2010: tendência temporal e projeções até 2030. Epidemiol Serv Saúde. 2016 25(2):311-22.

Recebido: 13.5.2019. Aprovado: 8.7.2022.

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Revista Baiana de Saúde Pública

ARTIGO DE REVISÃO

PREVALÊNCIA E FATORES ASSOCIADOS À ANEMIA FERROPRIVA ENTRE CRIANÇAS NO BRASIL: REVISÃO SISTEMÁTICA E METANÁLISE

Camila Kelen Ferreira Paixãoa

https://orcid.org/0000-0003-2666-8474

Daiene Rosa Gomesb

https://orcid.org/0000-0002-1831-1259

Danila Soares de Oliveirac

https://orcid.org/0000-0003-1531-7425

Mússio Pirajá Mattosd

https://orcid.org/0000-0002-8792-5860

Resumo

Este artigo pretende sumarizar a prevalência e os fatores associados à anemia ferropriva em crianças brasileiras. Trata-se de um estudo de revisão sistemática e metanálise baseado nas normas do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA). A busca foi realizada nas bases de dados da Biblioteca Virtual de Saúde, da Pubmed, da ScienceDirect, Scopus e da Scielo, utilizando três moduladores booleanos: “anemia ferropriva” AND “criança” AND “Brasil” e “Anemia, Iron-Deficiency” AND “Child” AND “Brazil”. A qualidade metodológica dos artigos selecionados foi analisada de acordo com a escala Effective Public Health Practice Project: Quality Assessment Tool for Quantitative Studies. Por fim, dos 6.697 estudos identificados, 112 foram selecionados para a síntese qualitativa e 61 submetidos à metanálise. A prevalência média estimada de anemia ferropriva foi de 27% (IC 95%: 27 – 28). Foi constatado que os meninos (1,09 IC 95% 1,04-1,14), as faixas etárias menores de 24 meses (3,71 IC 95% 3,50-3,92) e 36 meses (3,33 IC 95% 2,48-4,47), o baixo peso ao nascer

a Médica. Barreiras, Bahia, Brasil. E-mail: camiilakelen@hotmail.com

b Nutricionista. Doutoranda em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Espírito Santo. Docente na Universidade Federal do Oeste da Bahia. Barreiras, Bahia, Brasil. E-mail: daiene.gomes@ufob.edu.br

c Nutricionista na Secretaria Municipal de Saúde e Saneamento de Dianópolis. Dianópolis, Tocantins, Brasil. E-mail: danila.soares1917@gmail.com

d Farmacêutico. Doutorando em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Espírito Santo. Docente na Universidade Federal do Oeste da Bahia. Barreiras, Bahia, Brasil. E-mail: mussio.mattos@ufob.edu.br

Endereço para correspondência: Universidade Federal do Oeste da Bahia. Rua Professor José Seabra de Lemos, n. 316, Recanto dos Pássaros. Barreiras, Bahia, Brasil. CEP: 47808-021. E-mail: daiene.gomes@ufob.edu.br

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DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n3.a3444

(1,17 IC 95% 1,04-1,32) e a escolaridade dos pais menor que 4, 5 e 8 anos (1,32 IC 95% 1,09- 1,59) foram os fatores de risco associados à anemia, enquanto o uso profilático do ferro reduziu em 14% o desfecho analisado. Portanto, o Brasil, de forma geral, necessita de medidas incisivas para a efetiva funcionalidade dos programas de combate à anemia, como é o caso do uso profilático do ferro, por meio da mobilização de três pilares essenciais: assistência profissional, educação familiar e adesão por parte dos cuidadores.

Palavras-chave: Anemia ferropriva. Crianças. Brasil. Revisão sistemática. Metanálise.

PREVALENCE AND FACTORS ASSOCIATED WITH IRON-DEFICIENCY ANEMIA AMONG CHILDREN IN BRAZIL: A SYSTEMATIC REVIEW AND META-ANALYSIS

Abstract

This study summarizes the prevalence and factors associated with iron-deficiency anemia in Brazilian children. A systematic review with meta-analysis was conducted based on the PRISMA guidelines. Bibliographic search was performed in the Virtual Health Library, Pubmed, ScienceDirect, Scopus and Scielo databases, using three Boolean modulators: “irondeficiency anemia” AND “child” AND “Brazil” and “Anemia, Iron-Deficiency” AND “Child” AND “Brazil.” Methodological quality of the selected articles was analyzed according to the Effective Public Health Practice Project: Quality Assessment Tool for Quantitative Studies scale. Of the 6,697 studies found, 112 were selected for qualitative synthesis and 61 underwent metaanalysis. Estimated mean prevalence of iron-deficiency anemia was 27% (95% CI: 27 – 28). Boys (1.09 95%CI 1.04-1.14), younger than 24 months (3.71 95%CI 3.50-3.92) and 36 months (3.33 95%CI 2.48-4.47), with low birth weight (1.17 95%CI 1.04-1.32), and parents’ education below 4, 5 and 8 years (1.32 95%CI 1.09-1.59) were the risk factors associated with anemia. Prophylactic use of iron reduced the outcome analyzed by 14%. Therefore, Brazil needs urgent measures for the effective functionality of programs to combat anemia, such as the prophylactic use of iron, by mobilizing three essential pillars: professional care, family education, and adherence by caregivers.

Keywords: Anemia, Iron-deficiency. Children. Brazil. Systematic review. Meta-analysis.

213 v. 45, n. 3, p. 212-235 jul./set. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

PREVALENCIA Y FACTORES ASOCIADOS A LA ANEMIA POR DEFICIENCIA DE HIERRO EN NIÑOS DE BRASIL: REVISIÓN SISTEMÁTICA Y METAANÁLISIS

Resumen

Este artículo busca sintetizar la prevalencia y los factores asociados a la anemia por deficiencia de hierro en niños brasileños. Se trata de un estudio de revisión sistemática con metaanálisis basado en las normas Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA). La búsqueda se realizó en las bases de datos Biblioteca Virtual de Salud, Pubmed, ScienceDirect, Scopus y SciELO, utilizando tres moduladores booleanos: “anemia ferropriva” AND “criança” AND “Brasil” y “Anemia, Iron-Deficiency” AND “Child” AND “Brazil”. La calidad metodológica de los artículos seleccionados se analizó según la escala

Effective Public Health Practice Project: Quality Assessment Tool for Quantitative Studies. De los 6.697 estudios identificados, se seleccionaron 112 para la síntesis cualitativa y 61 se sometieron a metaanálisis. La prevalencia media de anemia ferropénica fue del 27% (IC 95%: 27 – 28). Se encontró que los niños (1,09 IC 95%: 1,04-1,14), los grupos de edad menores de 24 meses (3,71 IC 95%: 3,50-3,92) y de 36 meses (3,33 IC 95%: 2,48-4,47), el bajo peso al nacer (1,17 IC 95%: 1,04-1,32) y la educación de los padres por debajo de los 4, 5 y 8 años (1,32 IC 95%: 1,09-1,59) fueron los factores de riesgo asociados a la anemia, mientras que el uso profiláctico del hierro redujo el resultado en un 14%. Brasil necesita medidas efectivas para los programas de lucha contra la anemia, como es el caso del uso profiláctico del hierro, a través de la movilización de tres pilares esenciales: la asistencia profesional, la educación familiar y la adhesión por parte de los cuidadores.

Palabras clave: Anemia ferropénica. Niños. Brasil. Revisión sistemática. Metaanálisis.

INTRODUÇÃO

A anemia ferropriva na infância é considerada um problema global de saúde pública, pois chega a atingir até metade da população de menores de 2 anos1. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a anemia como uma condição cujos valores de hemoglobina e hematócrito encontram-se reduzidos, no sangue, pelo menos dois desvios padrões abaixo dos valores esperados para a população normal de determinada idade, sexo e altitude 2. Já a anemia ferropriva resulta de um longo período de balanço negativo entre as quantidades de ferro biologicamente disponíveis e as necessidades orgânicas desse oligoelemento 3 .

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Em termos de distribuição global, a anemia por carência de ferro é a que predomina mundialmente, chegando a prevalências acima de 60% em algumas regiões, principalmente em países subdesenvolvidos4. No Brasil, a epidemiologia da anemia ferropriva é bastante distribuída e os níveis são elevados em todo país. Na região Nordeste, a prevalência da anemia apresenta níveis superiores a 60% entre crianças menores de 12 meses5

Em concordância, na região Centro-Oeste6 e na região Norte7 foi registrada uma prevalência superior a 50% entre crianças indígenas menores de 10 anos e crianças menores de 59 meses, respectivamente. Na região Sudeste8 havia cerca de 37% de anêmicos, em crianças de 12 a 72 meses. Já na região Sul9 foi registrada a prevalência próxima de 30%, entre crianças menores de 5 anos. Tais achados sinalizam os níveis altos da anemia ferropriva em crianças no Brasil, o que indica a necessidade de ações de educação em saúde que vise um controle desse distúrbio.

A precocidade, gravidade e alta prevalência da anemia ferropriva em nosso meio revelam a dimensão do problema, tendo as crianças como grupo de risco importante10

A doença pode cursar assintomática e manifestar sintomas tardiamente, como: alterações na pele e mucosas; palidez e glossite; sintomas gastrointestinais; estomatite e esofagite; baixo peso para idade; diminuição da força muscular e maior susceptibilidade às infecções, causando aumento da mortalidade devido ao comprometimento do sistema imunológico7,11. Particularmente, nas crianças em geral, pode haver deficiência no desenvolvimento neuropsicomotor e com isso deixar sequelas cognitivas, provocando efeitos deletérios a longo prazo12.

Diante da elevada prevalência e das possíveis repercussões a longo prazo na saúde dessas crianças, é imprescindível o conhecimento quanto aos fatores que influenciam no desenvolvimento da anemia. Tendo em vista que a sintomatologia é expressa quando a doença já está cronicamente instalada, investigar as condições socioeconômicas (baixa renda e escolaridade dos pais, composição familiar), hábitos alimentares (introdução precoce de alimentação complementar, dieta inadequada ou com baixa disponibilidade de ferro), assistência à saúde insuficiente e fatores biológicos relacionados à idade das crianças torna possível estabelecer vínculos precoces com a doença e reduzir as chances de comprometimento cognitivo. Diante disso, este estudo pretende sumarizar a prevalência e os fatores associados à anemia ferropriva em crianças brasileiras.

MATERIAL E MÉTODOS

TIPO DE ESTUDO

Trata-se de um estudo de revisão sistemática e metanálise baseada nas normas do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA)13, a fim de responder

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a seguinte pergunta norteadora: “Qual a prevalência e os fatores associados à anemia ferropriva em crianças brasileiras?”. O cadastro do estudo foi realizado na base PROSPEROe e emitido o seguinte protocolo de registro: CDR42020162511.

A revisão sistemática é considerada um estudo secundário, que tem como base os estudos que relataram resultados de forma prévia, sendo estes a fonte de dados14. É uma síntese de evidências advindas de estudos primários conduzidos para responder uma questão específica de pesquisa, utilizando uma revisão de literatura abrangente, imparcial e reprodutível, com a finalidade de conseguir uma visão completa e confiável a partir da síntese das evidências colhidas15.

ESTRATÉGIAS DE BUSCA

A busca dos artigos científicos foi realizada nas bases de dados Biblioteca Virtual de Saúdef, Pubmed/MedLineg , ScienceDirecth, Scopusi e Scieloj. Foram selecionados todos os artigos que avaliaram a prevalência e os fatores associados à anemia ferropriva em crianças brasileiras publicados até junho de 2019. As buscas desses artigos ocorreram a partir da conjugação dos três seguintes moduladores booleanos indexados no DeCS: “anemia ferropriva” AND “criança” AND “Brasil” e “Anemia, Iron-Deficiency” AND “Child” AND “Brazil”.

CRITÉRIO PARA INCLUSÃO E EXCLUSÃO DOS ARTIGOS

Foram incluídos estudos, publicados em português ou inglês, de corte transversal, coorte e caso-controle, conduzidos em qualquer local do Brasil, que contivessem dados sobre a prevalência e/ou os fatores associados à anemia ferropriva em crianças brasileiras. Foram excluídos estudos em que a criança apresentava alguma doença de base, pesquisas que não incluíam crianças menores de 11 anos de idade e artigos que não utilizavam pelo menos a hemoglobina para análise sanguínea. Além disso, foram desconsiderados teses, dissertações, artigos de revisão e estudos com dados insuficientes para sumarização.

COLETA, SÍNTESE E COMPARAÇÃO DOS DADOS

Dois revisores independentes analisaram os estudos disponíveis nas bases de dados, sendo que, em caso de dúvida, um terceiro pesquisador foi consultado. No processo

e Disponível em: https://www.crd.york.ac.uk/prospero/.

f Disponível em: http://brasil.bvs.br.

g Disponível em: www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed.

h Disponível em: www.sciencedirect.com.

i Disponível em: www.scopus.com.

j Disponível em: www.scielosp.org.

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de coleta de dados foram analisados os artigos inicialmente quanto ao título e resumo, sendo rejeitados aqueles que não atendiam aos critérios de inclusão. Na etapa seguinte, os artigos relacionados à temática foram acessados na íntegra para avaliação. Os revisores confrontaram os resultados nas etapas de seleção dos resumos e do artigo. As discrepâncias de elegibilidade do estudo foram resolvidas por consenso entre os pesquisadores. Quando houve dúvida quanto aos critérios de elegibilidade, todo o artigo foi analisado.

Todas as informações necessárias para a revisão foram sistematizadas em uma planilha do Excel, sendo elas: autores, ano de publicação, local da pesquisa, região do Brasil, tamanho da amostra, prevalência de anemia ferropriva, método diagnóstico, fatores associados à anemia ferropriva e medida de associação com intervalo de confiança (IC 95%).

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DOS ESTUDOS

Dois autores analisaram a qualidade metodológica dos artigos selecionados de acordo com a escala Effective Public Health Pratice Project: Quality Assessment Tool for Quantitative Studies – QATQSk (http://www.ephpp.ca/tools.html). Baseado em cinco itens dessa escala: (1) viés de seleção; (2) desenho de estudo; (3) fatores de confundimento; (4) métodos de coleta de dados; e (5) tipo de análise empregada para o desfecho, os artigos foram classificados em “fortes”, “moderados” ou “fracos”. Por fim, cada artigo recebeu uma pontuação da escala QATQS, sendo considerados fortes quando nenhum dos tópicos terem sido pontuados como fraco; moderado, quando o artigo apresentou um dos tópicos classificados como fraco; e fracos, os artigos com um ou mais quesitos assim pontuados.

DESCRIÇÃO DA ANÁLISE ESTATÍSTICA

As medidas de associação e o intervalo de confiança foram sumarizadas usando o comando metan no Stata 13.1 (StataCorp, CollegeSattion, TX), sendo apresentados os resultados em gráficos Forest Plot. A medida sumário e seu respectivo intervalo confiança (IC 95%) foi obtida por meio de modelo estatístico de efeitos fixos ou randômicos, dependendo da heterogeneidade entre os estudos. A heterogeneidade e inconsistência das medidas foram identificadas por meio do teste estatístico Cochran-Q. Em caso de afirmação da heterogeneidade, foi realizada a análise do modelo de efeitos aleatórios com variância inversa com ponderações pelos resultados dos estudos individuais. O teste de inconsistência (I2 > 50% foi usado como indicador de heterogeneidade moderada).

k Disponível em: http://www.ephpp.ca/tools.html.

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RESULTADOS

CARACTERÍSTICAS DOS ESTUDOS ANALISADOS

As estratégias de busca se encontram sistematizadas na Figura 1. Foram identificados 6.697 estudos, dos quais 1125-9,16-122 foram selecionados para a síntese qualitativa e 616,7,9,16,18,23,26,27,32,33,35,38-45,51-53.57-70,72-76,78,81,82,84,87-92,96,97,99,100,101,103,105-107,109-111,114,117,122 incluídos na metanálise. Para as variáveis regiões do Brasil, tamanho amostral e prevalência de anemia ferropriva o total de estudos analisados foi superior a 112 artigos, pois alguns deles eram análises temporais que possuíam, portanto, duas amostras ou prevalência de anemia ferropriva. Na variável região, em alguns casos um único estudo foi realizado em diferentes regiões do Brasil, o que justifica um total de artigos superior ao incluído na síntese qualitativa.

Identificação

Estudos identificados pela estratégia de busca em bases de dados BVS (n = 801), PubMed (n = 699), Science Direct (n = 4.327), Scopus (n = 702) e Scielo (n = 168)

Total de registros obtidos (n = 6.697)

Seleção

Elegibilidad e

Inclusão

Fonte: Elaboração própria.

Estudos selecionados para leitura dos resumos (n = 672)

Estudos selecionados para leitura na íntegra (n = 319)

Estudos incluídos na revisão (n = 179)

Estudos excluídos após leitura dos títulos (n = 6.025)

Estudos excluídos após leitura dos resumos (n = 353)

Estudos duplicados excluídos (n = 140)

Estudos excluídos após leitura na íntegra (n = 67)

Total de estudos incluídos na revisão (n = 112)

Estudos incluídos na metanálise (n = 61)

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Figura 1 – Fluxograma de seleção dos artigos. Barreiras, Bahia, Brasil – 2019

As principais características dos estudos selecionados estão apresentadas na Tabela 1. A maioria dos artigos selecionados (73,2%) foi publicada entre os anos de 2006 e 2019, com amostras variando de 34 a 6.128 participantes e com predominância de tamanho amostral ≤ 500 participantes (59,7%). No que diz respeito às regiões geográficas de condução dos estudos, observou-se maior concentração na região Sudeste (36,8%) do Brasil, seguida da região Nordeste, que apresentou diferença mínima no quantitativo de estudos (35%).

Tabela 1 – Distribuição das principais características e metanálise da prevalência de anemia ferropriva e fatores associados entre crianças no Brasil. Barreiras, Bahia, Brasil – 2019

Ao categorizar os estudos quanto ao delineamento, constatou-se um maior número de desenho transversal (93,7%) e predomínio de artigos cuja qualidade metodológica foi classificada como moderada (54,5%). Não houve estudos com o escore forte, seja por não apresentarem uma amostra significativa ou por não apresentarem um número de confundidores satisfatório.

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Variáveis Número de estudos % Ano de publicação 1978-1991 4 3,6 1992-2005 26 23,2 2006-2019 82 73,2 Região do Brasil Centro-Oeste 8 6,8 Nordeste 41 35 Norte 12 10,3 Sudeste 43 36,8 Sul 13 11,1 Desenho de estudo Transversal 105 93,7 Coorte 2 1,8 Análise temporal 2 1,8 Tendência temporal 3 2,7 Tamanho amostral 34 -| 500 71 59,7 > 500 -| 1000 34 28,5 > 1000 -| 6128 14 11,8 Faixa etária 0-5 anos 77 68,8 6-11 anos 35 31,2 Escore QATQS Fraco 51 45,5 Moderado 61 54,5 Forte 0 0 Prevalência de anemia Ferropriva no Brasil 27% (IC 95%: 27 – 28) 3,9% -| 30% 47 39,2 > 30% -| 60% 60 50 > 60% -| 92,4% 13 10,8 Sistema diagnóstico HemoCue 61 54,5 Cianometahemoglobina 9 8 Não especificado 8 7,1 Outro 34 30,4 Fonte: Elaboração própria

A faixa etária cuja prevalência de anemia foi mais estudada pelos autores foi de 0 a 5 anos, representando 68,8% do total dos estudos. A maioria das pesquisas realizou o diagnóstico por meio do hemoglobinômetro portátil HemoCue (54,5%), o aparelho facilita o encaminhamento para tratamento já que o diagnóstico é imediato e, ainda que possa emitir diagnósticos falso negativos, é um método validado para pesquisas de campo.

Os fatores mais investigados ao evento nos estudos, além da prevalência, foram o sexo predominante, faixa etária, escolaridade materna e paterna, peso ao nascer, prática do Aleitamento Materno Exclusivo (AME), uso profilático do ferro, prematuridade, consumo de leite de vaca e cor da pele. Dessa forma, essas variáveis foram incluídas na metanálise e agrupadas em quatro blocos: características da criança, características do nascimento, características familiares e características alimentares.

RESULTADOS DA METANÁLISE

A prevalência média de anemia ferropriva estimada pelo estudo correspondeu a 27% (IC 95%: 27 – 28). De acordo com os achados, 50% dos artigos revelaram ainda prevalências de anemia entre > 30% e 60% nas crianças brasileiras, representando, dessa forma, índices moderados a altos dessa deficiência (Tabela 1). Os resultados da metanálise dos fatores associados à anemia ferropriva em crianças estão apresentadas na Tabela 2

Tabela 2 – Metanálise segundo características associadas à criança, nascimento, família e alimentares, Brasil, 1978-2019. Barreiras, Bahia, Brasil – 2019

Entre os fatores relacionados às características da criança, o sexo e a faixa etária foram os principais fatores de exposição associados com o aumento da prevalência de anemia

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Variáveis Números de estudos OR I2 (p valor, heterogeneidade) Características referentes à criança Sexo masculino 45 1,09 (1,04 – 1,14) 32,0% (p = 0,023) Faixa etária < 24 meses 41 3,71 (3,50 – 3,92) 74,9% (p = 0,000) Faixa etária < 36 meses 4 3,33 (2,48 – 4,47) 82,4% (p = 0,001) Cor da pele 3 0,60 (0,46 – 0,79) 46,0% (p = 0,157) Características referentes ao nascimento Baixo peso ao nascer 21 1,17 (1,04 – 1,32) 41,2% (p = 0,026) Prematuridade 6 0,97 (0,73-1,29) 37,5% (p = 0,156) Características familiares Escolaridade dos pais < 4 anos 12 1,31 (1,14 – 1,49) 64,1% (p = 0,001) Escolaridade dos pais < 5 anos 8 1,33 (1,22 – 1,44) 67,8% (p = 0,003) Escolaridade dos pais < 8 anos 6 1,32 (1,09 – 1,59) 66,2% (p = 0,011) Características alimentares Aleitamento materno exclusivo 7 1,15 (0,94 – 1,41) 0,0% (p = 0,764) Consumo de leite de vaca 3 1,53 (1,14 – 2,05) 22,6% (p = 0,275) Uso profilático do ferro 7 0,86 (0,76 – 0,98) 56,7% (p = 0,031) Fonte: Elaboração própria.

ferropriva apontados nos estudos. Dessa forma, ser do sexo masculino aumentou em 1,09 (IC 95%: 1,04 – 1,14) a chance de apresentar anemia por deficiência de ferro quando comparado a indivíduos do sexo feminino, enquanto ter menos de 24 meses ou 36 meses elevou a chance para a ocorrência de tal desfecho em 3,71 (IC 95%: 3,50 – 3,92) e 3,33 (IC 95%: 2,48 – 4,47), respectivamente. Em contrapartida, a cor da pele não demostrou associação estatisticamente significante para o evento analisado.

Quanto às características referentes ao nascimento, apenas o baixo peso ao nascer contribuiu com 1,17 mais chance (IC 95%: 1,04 – 1,32) de ter anemia durante a infância, frente à prematuridade que não apresentou associação significante. No que se refere aos fatores de exposição relacionados às características familiares, o tempo de escolaridade dos pais menor que quatro anos de estudos elevou em 1,31 (IC 95%: 1,14 – 1,49) a chance de ocorrência de anemia ferropriva. Resultado semelhante foi observado para o tempo de escolaridade menor que cinco e oito anos de estudo, uma vez que as chances para o desenvolvimento da doença aumentaram em 1,33 (IC 95%: 1,22 – 1,44) e 1,32 (IC 95%: 1,09 – 1,59), respectivamente. Por fim, entre as características alimentares, somente o uso profilático de ferro se mostrou como sendo fator de proteção contra esse tipo de anemia. Assim, fazer o uso de tal suplementação reduziu em 0,86 (IC 95%: 0,76 – 0,98) a chance de crianças apresentarem esse déficit nutricional. Por outro lado, não foram identificadas associações estatisticamente significantes entre o AME e o consumo de leite de vaca.

DISCUSSÃO

Os estudos analisados possibilitaram revelar a situação da anemia ferropriva no Brasil em um período de 41 anos. Embasaram a apuração das condições dessa doença na população infantil brasileira e permitiram estimar a dimensão da gravidade desse problema de saúde pública, reconhecido mundialmente122.

A anemia por deficiência de ferro atinge também de maneira significante países desenvolvidos, apesar de serem os subdesenvolvidos que detém as mais altas prevalências2 No Brasil, a prevalência média estimada pelo presente estudo se mostrou menor que a estimativa global mais recente publicada pela OMS, que foi de 42,6% (IC 95%: 37-47), considerando as crianças2. Contudo, vale ressaltar que as prevalências da maioria dos estudos individuais incluídos nesta revisão e metanálise concentraram-se entre > 30% e 60% de anêmicos (Tabela 1), evidenciando assim que, em muitas regiões do país, tal estimativa ainda é superada. Nesta metanálise, além de dados sobre a prevalência, foi possível observar que diversos fatores provados estão relacionados à ocorrência de anemia com associações estatisticamente

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significantes, sendo eles: sexo masculino, baixo peso ao nascer, faixa etária menores de 24 meses e menores de 36 meses, baixa escolaridade dos pais e uso profilático do ferro.

Sobre o sexo masculino ter demonstrado associação com a anemia, foi um achado coerente em diversos registros da literatura. Para Dömello et al.123 e Venâncio124 esse fato está relacionado às diferenças no consumo alimentar, maior ganho de peso, aumento da eritropoiese ainda na vida fetal, perdas intestinais mais intensas e menor absorção de ferro, ao menor tempo de amamentação dos meninos comparado as meninas e a um número maior de episódios de infecção durante a infância125.

Quanto a uma maior prevalência de anemia nas crianças que nasceram com baixo peso, como foi observado nesse estudo, outras investigações também relataram essa associação22,126-127, uma vez que essas crianças nascem com menores reservas de ferro e há uma maior demanda do mineral para o crescimento59,89. Dessa maneira, é importante reforçar sobre a importância do acompanhamento pré-natal, com o objetivo de diminuir a incidência do peso baixo e inadequado ao nascer125. Sobretudo, o combate a anemia nas gestantes, tendo em vista que a presença desse distúrbio durante a gestação está relacionada a um alto risco de mortalidade tanto materna quanto perinatal128

Corroborando outros estudos, a faixa etária de menores de 24 meses e 36 meses demonstrou neste estudo estar associada a um aumento considerável da prevalência de anemia, quase quatro vezes. É notório que essas faixas etárias são importantes fatores de risco para a doença, pois são consideradas fases da vida em que a criança está mais suscetível a doenças infecciosas e deficiências nutricionais111,129

Essas fases de maior vulnerabilidade são caracterizadas por um estirão de crescimento, responsável por aumentar a demanda de nutrientes, entre eles o ferro. Também se observa a introdução de alimentos com baixo teor desse micronutriente durante o período de desmame e a elevada incidência de doenças infecciosas como diarreia e pneumonia que favorecem a espoliação desse mineral101,6

Cotta et al.31 encontraram uma associação positiva entre a baixa escolaridade dos pais e a anemia, demonstrando ser um fator predisponente importante para a anemia. Em consonância, este estudo também obteve esse resultado para tempo de escolaridade dos pais, com menos de 4, 5 e 8 anos de estudos. Logo, acredita-se que o papel da escolaridade paterna esteja relacionado à renda familiar, ao passo que o tempo de estudo materno esteja concatenado à assistência às crianças.

A associação positiva entre escolaridade materna e anemia sugere que quanto maior a escolaridade, maior o conhecimento acerca das doenças, o que repercute

222

em cuidados preventivos e busca pelos serviços de saúde 93. Por outro lado, níveis mais altos de escolaridade paterna seriam capazes de proporcionar melhores oportunidades de emprego e consequentemente maior renda, favorecendo o acesso à educação, a uma dieta variada e de maior qualidade nutricional 40,101

O menor poder aquisitivo não é determinante, mas dificulta e influencia as condições de acesso à alimentação adequada e saudável, o que pode favorecer a ocorrência de deficiências nutricionais, a exemplo, a anemia ferropriva16. O fator econômico é frequentemente associado a essa carência nutricional67, pois, além do acesso à alimentação, a presença de condições de moradia e saneamento básico pode condicionar a espoliação do mineral ferro por meio de parasitoses.

O Ministério da Saúde130 e a Sociedade Brasileira de Pediatria131 recomendam a profilaxia com suplementação de ferro como uma estratégia no combate da anemia, portanto, esta metanálise reafirmou ser uma medida muito importante na redução dos níveis desse distúrbio nutricional. Outros estudos obtiveram avaliações favoráveis em relação ao uso profilático do ferro, em que crianças que não realizaram tal suplementação tiveram maiores chances de apresentar anemia51,92

No entanto, esses mesmos autores revelaram ainda uma baixa adesão à ingestão do suplemento, em torno de 20% a 40%, nos locais estudados, Viçosa (MG) e Vitória da Conquista (BA), respectivamente. Fato que pode estar ligado à distribuição inadequada do medicamento nas cidades, à ausência de prescrição por parte dos profissionais da saúde ou mesmo, a administração ineficiente por parte dos cuidadores92

Os resultados deste estudo reafirmam, portanto, que o combate a anemia ferropriva é ainda um grande desafio para a saúde pública brasileira, visto que, os altos índices de crianças anêmicas, são uma realidade do país. Frente a elevada prevalência e as possíveis repercussões a longo prazo no desenvolvimento dessas crianças, foi concebível com este estudo identificar alguns fatores de riscos associados ao desenvolvimento de tal distúrbio passíveis de modificações. O Brasil, de forma geral, urge de medidas incisivas para a efetiva funcionalidade dos programas de combate a anemia, como é o caso do uso profilático do ferro, por meio da mobilização de três pilares essenciais: assistência profissional, educação familiar e adesão por parte dos cuidadores.

Um trabalho de revisão sistemática e metanálise sobre a prevalência de anemia ferropriva entre crianças e fatores associados, com 112 e 61 estudos envolvidos, respectivamente, mostrou que a prevalência de anemia ferropriva é elevada nas menores faixas etárias, menores de 24 meses e menores de 36 meses. Esses resultados ressaltam a notoriedade dessa associação, além de outros

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fatores, também importantes, como sexo masculino, baixo peso ao nascer, baixa escolaridade dos pais e o não uso profilático do ferro, na determinação da prevalência da anemia ferropriva. Este estudo apresenta limitações, especialmente por avaliar muitos estudos transversais, bem como amostras que muitas das vezes não eram representativas das populações avaliadas, além de contar com o diagnóstico de anemia somente a partir da concentração de hemoglobina, realizado em sua maioria por um hemoglobinômetro portátil, que apesar de ser validado para estudos de campo, apresenta limitações, podendo gerar falsos positivos. Apesar disso, os critérios bem estabelecidos e rigidez metodológica, permitem que o estudo seja consistente. Portanto, sugere-se que novos estudos possam englobar esses aspectos, retificando esses pontos fracos.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Camila Kelen Ferreira Paixão, Daiene Rosa Gomes, Danila Soares de Oliveira e Mússio Pirajá Mattos.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Camila Kelen Ferreira Paixão, Daiene Rosa Gomes, Danila Soares de Oliveira e Mússio Pirajá Mattos.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Camila Kelen Ferreira Paixão, Daiene Rosa Gomes, Danila Soares de Oliveira e Mússio Pirajá Mattos.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Camila Kelen Ferreira Paixão, Daiene Rosa Gomes, Danila Soares de Oliveira e Mússio Pirajá Mattos.

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Recebido: 29.4.2021. Aprovado: 11.7.2022.

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Revista Baiana de Saúde Pública

DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n3.a3347

ARTIGO DE REVISÃO

DIÁLOGOS SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE: UM OLHAR DA REVISÃO INTEGRATIVA

Vânia Maria Pessoa Rodriguesa

https://orcid.org/0000-0002-8936-274X

Themis Cristina Mesquita Soaresb

https://orcid.org/0000-0003-3724-2647

Sara Taciana Firmino Bezerrac

https://orcid.org/0000-0002-0516-7681

Resumo

As políticas públicas com ênfase na saúde vêm adquirindo espaço nas discussões das últimas décadas, principalmente após a instituição do Sistema Único de Saúde (SUS), considerado uma das maiores conquistas sociais do país. Este trabalho busca verificar as evidências científicas no diálogo entre as políticas de saúde do SUS com a política de atenção integral à saúde da mulher e educação em saúde. Para isso, realizou-se uma revisão integrativa de literatura em duas bases de dados, SciELO e Scopus/Elsevier. A amostra final foi composta por seis artigos, que foram submetidos à análise. Identificaram-se os objetivos, as diretrizes, a organização e o funcionamento de algumas políticas de saúde a partir do SUS, no campo específico da política de atenção integral à saúde da mulher e das discussões em relação à educação em saúde. Os artigos apontaram para a democratização das ações e dos serviços de saúde a partir do SUS, que permitiram externar um olhar para a garantia dos serviços de saúde na atenção à saúde da mulher, independentemente de classes sociais e condições de vida. As ações de educação em saúde, por sua vez, passaram por ajustes discretos na maior parte do tempo, pontuados por momentos de transformações e implementações de serviços de promoção e prevenção à saúde. Espera-se que o desenvolvimento das ações

a Professora de Educação Física. Mestra em Planejamento e Dinâmicas Territoriais no Semiárido (Plandites). Docente na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail: vaniapessoa13@hotmail.com

b Professora de Educação Física. Docente na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Coordenadora Plandites (UERN/CAPF). Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail:themissoares@uern.br

c Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente adjunto da UERN. Docente do Mestrado Acadêmico em Planejamento e Dinâmicas Territoriais do Semiárido (Plandites). Enfermeira do Instituto Dr. José Frota. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: sarataciana@gmail.com

Endereço para correspondência: Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Departamento de Educação Física. Rua Mauro de Freitas Chaves, n. 20, 13 de maio, CEP: 59920-000. São Miguel, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail:vaniapessoa13@hotmail.com

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de educação em saúde seja interface constante da Política Nacional de Saúde e da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, caso contrário, tais práticas poderão se tornar esporádicas em determinadas épocas ou em governos específicos, acarretando uma lacuna entre teoria e prática.

Palavras-chave: Política pública. Saúde. Saúde da mulher. Educação em saúde.

DIALOGUES ON PUBLIC HEALTH POLICIES: AN INTEGRATIVE REVIEW

Abstract

Public health care policies have been gaining prominence in recent decades, especially after implementation of the Unified Health System (SUS), considered a major social achievement for Brazil. This integrative literature review sought to verify the scientific evidence on the dialogue between SUS health policies and comprehensive women’s health care and health education. Bibliographic search was carried out in the Scielo and Scopus/Elsevier databases, resulting in a final sample of six articles selected for analysis. Objectives, guidelines, organization, and operation of some SUS health policies for comprehensive women’s health care and discussions regarding health education were identified. The articles pointed to the democratization of health actions and services from the SUS, which allowed to ensure women’s health care services, regardless of social class and living conditions. Health education actions, in turn, underwent minor adjustments marked by moments of transformation and implementation of health promotion and prevention services. Health education actions should be a constant interface between the National Health Policy and the National Policy for Permanent Health Education, lest they become sporadic actions at specific times or governments, entailing a gap between theory and practice.

Keywords: Public policy. Health. Women’s health. Health education.

DIÁLOGOS SOBRE POLÍTICAS DE SALUD PÚBLICA: UNA VISIÓN DESDE LA REVISIÓN INTEGRADORA

Resumen

Las políticas públicas con énfasis en la salud vienen ganando terreno en las discusiones en las últimas décadas, especialmente a partir de la instauración del Sistema Único de Salud (SUS), considerado una de las mayores conquistas sociales de Brasil. Este trabajo busca verificar la evidencia científica en el diálogo entre las políticas de salud del SUS con la política de

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Revista Baiana de Saúde Pública

atención integral a la salud de la mujer y la educación en salud. Para ello, se realizó una revisión integradora de la literatura en dos bases de datos, SciELO y Scopus/Elsevier. La muestra final estuvo compuesta por seis artículos, que fueron sometidos a análisis. Se identificaron objetivos, directrices, organización y funcionamiento de algunas políticas de salud basadas en el SUS, en el campo específico de la política de atención integral a la salud de la mujer y las discusiones sobre educación en salud. Los artículos apuntaron a la democratización de las acciones y servicios de salud del SUS, permitiendo una mirada a la garantía de los servicios de salud en la atención a la salud de la mujer, independientemente de la clase social y las condiciones de vida. Por otra parte, las acciones de educación en salud sufrieron ajustes discretos la mayor parte del tiempo, puntuados por momentos de transformación e implementación de servicios de promoción y prevención de la salud. Se espera que el desarrollo de acciones de educación en salud sea una interfaz constante de la Política Nacional de Salud y la Política Nacional de Educación Permanente en Salud, de lo contrario, puede convertirse en prácticas esporádicas en determinados momentos o en gobiernos específicos, provocando un desfase entre teoría y práctica.

Palabras clave: Políticas públicas. Salud. Salud de la mujer. Educación para la salud.

INTRODUÇÃO

As políticas públicas com ênfase na área da saúde vêm adquirindo espaço nas discussões das últimas décadas, principalmente após a instituição do Sistema Único de Saúde (SUS), considerado uma das maiores conquistas sociais desde a Constituição Federal de 19881

Com efetivação em 1990, seus princípios doutrinários e organizativos apontam para a democratização das ações e dos serviços de saúde, que deixam de ser restritos e se tornam universais, isto é, passam a ser norteados pela descentralização, equidade, universalidade e integralidade nas redes de atenção à saúde2

A partir dessa discussão, o campo de ação na saúde é direcionado para o desenvolvimento de atividades de promoção, proteção e recuperação da saúde, além da organização e o funcionamento dos serviços estabelecidos pela Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/19902. É dever do Estado garantir a saúde, a reformulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos e de outros agravos, no estabelecimento de condições que assegurem o acesso universal às ações e aos serviços de saúde para os usuários do SUS2. Essa postura está, portanto, em concordância com a Lei nº 8.142/19903, que determina a participação da comunidade na gestão do SUS – por meio de Conferências

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de Saúde e/ou Conselhos de Saúde – e discorre sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros para a área da saúde pública3.

É de fundamental importância compreender as particularidades dos serviços do SUS destinados aos diferentes públicos populacionais do país, no sentido de contemplar as necessidades do ser humano e fortalecer a Rede de Assistência à Saúde (RAS), por meio de um processo de construção e regulação de atenção à saúde, com a garantia do direito universal e de ações e serviços que assegurem o acesso à saúde de qualidade4. Dentre essa diversidade de políticas de saúde, se destaca a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Pnaism), como resultado da conjuntura política e econômica e da luta do movimento feminista em busca de direitos concernentes à saúde5

Associada a essa discussão, existe uma preocupação com as questões de educação em saúde, que constituem um “conjunto de práticas do setor que contribui para aumentar a autonomia das pessoas no seu cuidado e no debate com os profissionais e gestores a fim de alcançar uma atenção de saúde de acordo com as necessidades dos indivíduos”6:19

O contexto social, portanto, favorece essa discussão, visto que as políticas de saúde têm sido algo emergente na sociedade, especialmente quando se discute a saúde do público feminino. Nesse campo, pensar a política de saúde direcionada às mulheres nos dias atuais torna-se algo urgente, tendo em vista que estudos comprovam cada vez mais a incidência de agravos à saúde, violência doméstica, abuso sexual, riscos de doenças, entre tantos outros casos que acometem o gênero feminino5. Já a educação em saúde, em outro âmbito, trata de informações úteis no controle e na qualidade de vida, é articulado com os conhecimentos científicos e intermediado pelos profissionais que proporcionam modificações de comportamento cotidiano na vida das pessoas, uma vez que a compreensão e a aplicação dos conhecimentos pedagógicos do processo de saúde/doença têm o poder de propiciar a adoção de hábitos saudáveis que levam a boas condutas de saúde7

No entanto, faz-se necessário analisar e discutir sobre educação em saúde enquanto respeito pela integração da vida, por meio de mudanças comportamentais em relação às práticas de saúde, como forma de afirmar que é possível evitar certas doenças, controlar e manter uma vida mais saudável. No campo da Pnaism, ressalta-se sua relevância social como prática de libertação do gênero feminino em um contexto patriarcal para a conquista de direitos sociais, respeitando o protagonismo das mulheres. A partir desse pensamento, o objetivo deste artigo é verificar as evidências científicas no estabelecimento do diálogo entre as políticas de saúde do SUS e a política de atenção integral à saúde da mulher e educação em saúde.

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Revista Baiana de Saúde Pública

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi elaborado a partir de revisão integrativa de literatura, de modo a sintetizar e avaliar os resultados de outras pesquisas sobre a temática na área da saúde. O processo de realização de uma revisão integrativa deve, necessariamente, seguir uma sucessão de etapas bem definidas, sendo elas: identificação do tema e seleção da questão de pesquisa; estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão; identificação dos estudos pré-selecionados; categorização dos estudos definidos; apresentação dos resultados, análise e interpretação ou síntese do conhecimento8

Para isso, a pesquisa teve início no período de junho a dezembro de 2020. A primeira etapa direcionou-se à definição de um problema a partir da delimitação do tema de pesquisa. Desse modo, considerando as políticas de saúde e as relações sociais, questiona-se: quais são as evidências científicas no estabelecimento do diálogo entre as políticas de saúde do SUS e a política de atenção à saúde da mulher entrelaçada ao debate sobre educação em saúde?

A partir da definição da pergunta norteadora, foram utilizadas as palavras-chave cadastradas na Biblioteca Virtual em Saúde (Bireme) – “saúde”, “política pública”, “saúde da mulher” e “educação em saúde” –, utilizando-se do operador booleano “and” para a coleta da produção científica, conforme consulta em duas bases de dados: SciELO (Scientific Electronic Library Online) e Scopus/Elsevier.

Na segunda etapa foi realizada a identificação das produções que foram incluídas ou excluídas deste trabalho. Foram adotados como critério de inclusão artigos na língua portuguesa e em espanhol; com o recorte temporal de 2009 a 2019; de revisão bibliográfica; textos com resumos disponíveis nos bancos de dados e na íntegra. Foram excluídas as publicações que não fossem artigos científicos, como teses ou livros, resumos e artigos publicados em anais; e trabalhos cujos títulos não tratassem sobre os objetos de estudo da pesquisa. O Quadro 1 ilustra o número de artigos selecionados conforme os descritores associados e as bases de dados consultadas.

Quadro 1 – Número de artigos selecionados, segundo palavras-chave e bases de dados.

São Miguel, Rio Grande do Norte, Brasil – 2021

DeCS Bases de dados

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Saúde AND Política Pública Saúde AND Pnaism Saúde AND Educação em Saúde TOTAL SciELO 19 12 49 80 Scopus/Elsevier 10 09 43 62 TOTAL 29 21 92 142 Fonte: Elaboração própria.

A pesquisa nas bases de dados apresentou oitenta artigos no indexador SciELO e 62 no Scopus/Elsevier. Em resumo, do total de 142 artigos, foram retirados 57 trabalhos duplicados, restando para a análise 85, passando-se à leitura de seus títulos e resumos.

Na sequência, os textos foram analisados e selecionados pela leitura do título e do resumo, excluindo-se 75 produções que não correspondiam ao propósito da pesquisa. Com efeito, chegou-se ao total de 15 trabalhos para serem lidos na íntegra. Posteriormente, restou um quadro final de seis artigos, os quais compuseram a base de estudo por atenderem o objetivo desta revisão integrativa. A Figura 1 apresenta o fluxograma do percurso de busca, apontando os critérios de inclusão e exclusão na seleção dos artigos.

Figura 1 – Fluxograma representativo do processo de seleção dos artigos. São Miguel, Rio Grande do Norte, Brasil – 2021

142 artigos selecionados a partir dos critérios de exclusão

57 artigos excluidos por duplicação nas bases de dados 85 artigos para a leitura de titulos e resumos

15 trabalhos selecionados para serem lidos na íntegra

6 artigos selecionados após leitura na íntegra

Fonte:

Na quarta etapa, foi realizada a categorização e a documentação dos dados extraídos dos trabalhos analisados, que possibilitaram a apreciação das principais informações inerentes a cada estudo. Os dados obtidos foram inseridos em uma matriz de síntese na análise dos resultados. Por fim, as duas últimas etapas – apresentação dos resultados, análise e interpretação ou síntese do conhecimento – destinaram-se à elaboração de resumos e recortes sobre os postulados teóricos que constituíram os resultados do texto final desta revisão integrativa. Os dados foram ponderados e debatidos tendo como referência a bibliografia nomeada que serviu de sustentação à pesquisa.

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Revista Baiana de Saúde Pública Elaboração própria.

RESULTADOS

Os textos selecionados englobam a discussão sobre o SUS, a política de atenção à saúde da mulher e as ações de educação em saúde. Eles foram publicados nas revistas Ciência e Saúde Coletiva, com 50% (n = 3), Revista Eletrônica de Enfermagem e Enfermería Global, seguidas dos Cadernos de Saúde Pública, com 16,6% (n = 1) em cada um dos periódicos. O Quadro 2 apresenta o título, os autores, o periódico em que o estudo foi publicado, o ano da publicação, o tipo de pesquisa, os objetivos e os resultados dos artigos analisados.

Quadro 2 – Matriz e síntese dos artigos selecionados. São Miguel, Rio Grande do Norte, Brasil – 2021

Título Autores, fonte e ano Tipo de Estudo Objetivo Resultados

Sistema Único de Saúde (SUS) aos 30 anos

PAIM, J. S. Ciência & Saúde Coletiva, 2018 Revisão bibliográfica

Dialogar com alguns estudos e perguntas acerca do SUS ao completar 30 anos

Políticas de saúde no Brasil em tempos contraditórios: caminhos e tropeços na construção de um sistema universal.

MACHADO, C. V; LIMA, L. D; BAPTISTA, T. W. F Cadernos de Saúde Pública, 2017

Pesquisa bibliográfica

Analisar a trajetória de condução nacional da política de saúde no Brasil de 1990 a 2016

O SUS não está consolidado, justificando-se as alianças entre forças democráticas, populares e socialistas, para enfrentar o poder do capital e de seus representantes na sociedade e no Estado

A ampliação dos serviços públicos de saúde ocorreu de forma concomitante ao fortalecimento de segmentos privados, que disputam os recursos do Estado e das famílias, restringem a consolidação de um sistema de saúde universal, reiterando as desigualdades em saúde

Discutindo a política de atenção à saúde da mulher no contexto da promoção da saúde

FREITAS, G. L; VASCONCELOS, C. T. M; MOURA, E. R. F; PINHEIRO, A. K. B. Revista Eletrônica de Enfermagem, 2009

Estudo reflexivo, baseado nos princípios e diretrizes da Pnaism, resultando em uma revisão bibliográfica

Necessidades de saúde da mulher idosa no contexto da atenção básica: revisão integrativa

SILVA, L. C. S; CUNHA, L. P; CARVALHO, S. M; TOCANTINS, F. R. Enfermería Global, 2015

Revisão bibliográfica

Analisar epistemologicamente os pressupostos da promoção da saúde da Pnaism

A Pnaism apresenta-se de forma inovadora ao contemplar aspectos relacionados à promoção e humanização da saúde a fim de minimizar iniquidades existentes na saúde da mulher

Apresenta-se a necessidade de avançar para novas abordagens de cuidado em saúde com a atuação profissional voltada para a integralidade da atenção à saúde da mulher

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Identificar produções científicas sobre necessidades de saúde da mulher idosa no contexto da atenção básica (continua)

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Quadro 2 – Matriz e síntese dos artigos selecionados. São Miguel, Rio Grande do Norte, Brasil – 2021 (conclusão)

Título Autores, fonte e ano Tipo de Estudo Objetivo Resultados

Educação em saúde: uma reflexão histórica de suas práticas

SILVA, C. M. C; MENEGHIM, M. C; PEREIRA, A. C; MIALHE, F. L. Ciência & Saúde Coletiva, 2010

Revisão bibliográfica

Contextualizar as mudanças ocorridas nas práticas de educação em saúde desde o final do século XIX até a criação do SUS

A formação de uma nova hegemonia representada por recursos humanos de formação orientada pela educação popular e respeito aos saberes da comunidade e cidadania compartilhada

Educação em saúde e educação na saúde: conceitos e implicações para a saúde coletiva

FALKENBERG, M. B; LIMA, T. P. M; MORAES, E. P; SOUZA, E. M. Ciência & Saúde Coletiva, 2014.

Fonte: Elaboração própria.

Pesquisa bibliográfica

Analisar os conceitos-chave relativos à educação em saúde e educação na saúde

A educação em saúde enfatiza a educação popular em saúde e valoriza os saberes da população. A educação na saúde enfatiza a educação permanente em saúde, com ações direcionadas à qualificação dos processos de trabalho em saúde

No que tange ao método científico, eminentemente, os artigos utilizaram estudos de revisão ou pesquisa bibliográfica. São trabalhos escritos com a participação de professores universitários em parceria com acadêmicos de cursos de graduação, pós-graduação ou mestrados. Eles foram publicados em 2009, 2010, 2014, 2015, 2017 e 2018, com um artigo para cada um desses anos de publicação.

Além disso, os textos nomeados foram constituídos de trabalhos científicos que passaram por um rigoroso processo de seleção – conforme elencado na metodologia –, abordaram a relação do SUS com as principais políticas públicas de saúde no contexto da sociedade brasileira, passando pela criação e efetivação do SUS, e entrelaçaram o debate com a política de atenção integral à saúde da mulher e com as ações de educação em saúde, configurando os avanços no atendimento às necessidades de saúde no campo social.

No entanto, quando se analisa o conteúdo dos trabalhos, de forma geral, identificase o direcionamento das políticas de saúde para o contexto e especificidades do público feminino, com olhares na integralidade da Pnaism, considerada um avanço nas conquistas sociais de gênero, cabendo ao Estado a exigência e o cumprimento das ações exclusivas dessa política para as mulheres9. Por fim, a educação em saúde surge como modelo de impedimento às doenças, passando por diferentes objetivos e denominações, até adquirir o formato de educação em saúde empregado na atualidade, com atuação na recuperação e promoção à saúde e prevenção a doenças, apontada como alternativa para se viver mais e melhor no atual contexto social, em parceria com gestores, profissionais da saúde e participação popular.

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RESULTADOS

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: DA ORIGEM ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS

Em relação à política pública de saúde concebida pela Constituição de 1988, o SUS representou um marco definitivo na garantia do direito à saúde do cidadão brasileiro, determinando um caráter universal às ações e aos serviços de saúde no país1. A partir dessa constitucionalidade, o SUS é implantado como política pública de saúde com atendimento destinado a toda população, indiscriminadamente, através de seus princípios doutrinários – universalidade, equidade e integralidade – e organizativos – hierarquia, descentralização e controle social. Em síntese, o sistema tem como princípio básico o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção, assistência e recuperação da saúde dos indivíduos2.

Nesse processo histórico, considerando a organização e o funcionamento dos serviços oferecidos pelo SUS, a Atenção Primária, denominada como Atenção Básica no âmbito do SUS, seguindo as Normas Operacionais Básicas de 1996, constitui-se porta de entrada preferencial dos sistemas locais de saúde, tendo como meta garantir a resolução em cerca de 80% das necessidades de saúde da população usuária. Isso possibilita a organização e o funcionamento dos serviços de média e alta complexidade, além da redução do uso excessivo de medicamentos, da utilização de equipamentos de alta tecnologia e do estrangulamento do sistema de saúde10

Nesse sentido, o trabalho intitulado “Sistema Único de Saúde aos 30 anos” analisa que os objetivos da política de saúde do SUS caracterizam-se por prestar assistência à população a partir do modelo de promoção da saúde, que implica em ações que buscam eliminar ou controlar as causas das doenças e agravos por meio da implantação dos diferentes programas de atendimento à atenção básica de saúde da população. O texto também discorre sobre o desenvolvimento de ações para proteger a saúde, que consistem em estratégias específicas para prevenir riscos e exposições às doenças, ou seja, manter o estado de saúde do indivíduo e desenvolver ações de recuperação da saúde, de forma a evitar mortes e sequelas em pessoas já acometidas por processos mórbidos11

Já as políticas de saúde no Brasil analisadas no artigo “Políticas de saúde no Brasil em tempos contraditórios: caminhos e tropeços na construção de um sistema universal” apresentam um conjunto de ações e diretrizes no campo da universalidade da saúde pública a serem partilhadas pelo governo federal, estadual e municipal. Dentre as ações propostas pelo SUS, destacou-se a institucionalização de programas de saúde que buscam um modelo de atenção que priorize as ações de proteção e promoção à saúde dos indivíduos, em contraposição ao modelo tradicional, centrado na doença e na hospitalização12.

Nessa visão, o SUS, como parte da Reforma Sanitária e da política abrangente de saúde, é um sistema em constante aperfeiçoamento e adaptação, sofrendo influência dos diferentes contextos

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políticos, econômicos e socioculturais do país. Um exemplo são os movimentos e organizações da luta de classe das mulheres diante da conjuntura social vivenciada no contexto social. Para isso, em 2004, o Ministério da Saúde lançou a Pnaism, construída a partir da proposição do SUS, a fim de fortalecer a atenção básica no cuidado com a saúde da mulher em todas os ciclos de vida, na perspectiva de contemplar a promoção e as necessidades de saúde do gênero feminino9. Trata-se, portanto, de um programa direcionado às mulheres e sustentado pela política pública de saúde oferecida pelo SUS.

POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DA MULHER:

O DEBATE EMERGENTE

Freitas et al.13, em seu trabalho “Discutindo a política de atenção à saúde da mulher no contexto da promoção da saúde”, relatam que nas décadas de 1930 a 1950 a mulher era vista basicamente como mãe e dona de casa, esposa e educadora dos filhos. Na década de 1960, destacou-se a atenção ao estado de saúde das mulheres em idade fértil. Em 1970, era negado atenção às reais necessidades ou preferências do público feminino, relacionando ações ao seu estado gravídico-puerperal. Só na década de 1980 foram incorporadas ações de caráter integral à saúde da mulher por meio do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Paism).

Essa discussão apresenta semelhanças com o ponto de vista apresentado por outros autores ao mencionar que a Paism reconheceu que as mulheres têm direito à livre escolha dos padrões de reprodução, rompendo o paradigma materno-infantil elaborado nas décadas de 1930 a 1970, no qual a mulher era vista como produtora e reprodutora de força de trabalho14. Está em consonância, também, com a Pnaism, que traz em seu conteúdo as diretrizes de orientação e capacitação dos serviços para a atenção integral à saúde da mulher, numa perspectiva que contempla a promoção e prevenção, assistência e recuperação da saúde, executadas nos diferentes níveis de atenção à saúde9 Além disso, a situação de saúde envolve diversos aspectos da vida feminina: pode-se citar, por exemplo, que ao longo da história da humanidade grande parcela feminina foi vista como frágil, sem inteligência ou potencial para trabalhos árduos e grotescos, capaz apenas de ser boa esposa, dona de casa e boa mãe15. A partir dessa visão, essa política representava os interesses do mercado capitalista e a luta organizada dos movimentos femininos, atentando-se para o fato de que desenvolver uma carreira profissional não era uma alternativa para as mulheres, mas sim um encargo a mais, que não as isentava das obrigações familiares e domésticas. Não era o tipo de independência que Beauvoir pretendeu, mas uma ruptura com as ideias patriarcais e a vivência de outro contexto social, político, econômico e cultural, tendo como resultado uma política amigável no atendimento às exigências e necessidades sobre as particularidades do público feminino16.

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Em decorrência desse debate, Silva et al.17, em seu artigo “Necessidades de saúde da mulher idosa no contexto da atenção básica: revisão integrativa” esclarece que tornou-se urgente a necessidade de elaboração de políticas públicas que atendessem a mulher em todos os aspectos, e não apenas no reprodutivo. Nesse sentido, foi criado um novo olhar para a saúde da mulher, resultado da luta do movimento feminino em busca de direitos específicos no que concerne à saúde, o qual considerou as mulheres como protagonistas de suas próprias vidas e que seus distintos cenários, territórios e comunidades somam esforços e agregam valor na construção de um Brasil mais igualitário, com mais cidadania e democracia participativa.

Os resultados apontados por Silva et al.17 estão conectados com as análises discutidas na 2ª Conferência Nacional de Saúde da Mulher, dando ênfase no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, atenção ao climatério, no combate à violência doméstica e sexual, na melhoria da atenção obstétrica, no planejamento familiar e na prevenção e tratamento das doenças infectocontagiosas e crônicas não transmissíveis. Portanto, são políticas que incorporam enfoques de gênero, integralidade e promoção da saúde como princípios norteadores, que buscam consolidar os avanços no campo dos direitos sociais5.

Diante disso, é pertinente afirmar que a história das mulheres teve mudanças ao longo do tempo, em seus objetos, concepções e pensamentos. A narrativa inicia-se com a história do corpo e das funções desempenhadas no privado para se chegar a história das mulheres que passaram a ocupar diferentes espaços públicos, sociais e administrativos. Parte-se de uma história das mulheres enquanto vítimas das ideias patriarcais para chegar a uma história das mulheres ativas, das lutas e dos movimentos sociais que provocaram as mudanças. Parte-se de uma história das mulheres para tornar-se uma história do gênero, com políticas de saúde particulares18

Além disso, a Pnaism retrata uma política de inclusão de gênero com atendimentos às demandas femininas, concebendo que a humanização e o empoderamento por meio da garantia de direitos e qualidade da atenção são aspectos indissociáveis9. É importante considerar que as conquistas dos direitos sociais em saúde para a mulher são mais que uma honra no campo da igualdade de gênero, mas devem ser consideradas ainda questões de acessibilidade ao serviço nos três níveis da assistência (primário, secundário e terciário), disponibilidade de informações e orientação da clientela pelas ações de educação em saúde.

EDUCAÇÃO EM SAÚDE: REVISITANDO A DISCUSSÃO

Os artigos “Educação em saúde: uma reflexão histórica de suas práticas”, de Silva et al.19, e “Educação em saúde e educação na saúde: conceitos e implicações para a saúde coletiva”, de Falkenberg et al.20, discutem a educação em saúde e educação na saúde a partir de uma reflexão

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histórica de suas práticas no contexto social. No Brasil, essa temática é discutida no território em certos períodos históricos e relacionada aos problemas de saúde para intervenção no comando da hegemonia da classe dominante, no sentido de manter o controle de uma raça sadia. “A ideia de uma pedagogia higiênica organizou-se pela primeira vez no Brasil na segunda metade do século XIX, sendo a população-alvo dessa prática as famílias da elite”19:2540. Posteriormente, esse discurso aparece no cenário dos modelos de atenção implantados nos serviços para manutenção da saúde da mão de obra trabalhadora com fins capitalistas, denominado educação sanitária.

Mas, afinal, o que é educação em saúde? Ela compreende uma combinação de ações e experiências de aprendizado importante para construção do conhecimento relacionado à mudança de comportamento frente ao cuidado com a saúde do indivíduo20. Trata-se, também, de um conceito ancorado no pensamento de outros autores, ao enfatizar que a educação em saúde significa contribuir para que as pessoas adquiram autonomia para identificar e utilizar as formas e os meios de preservar e melhorar a vida. Para isso, os sujeitos devem ser capazes de adotar mudanças de comportamentos, práticas e atitudes, saberes e hábitos compartilhados nas instituições de saúde, além de dispor dos meios necessários à operacionalização dessas mudanças21

Nessa perspectiva, a educação em saúde constitui-se em um processo político e pedagógico que leva ao desenvolvimento de um pensar crítico e reflexivo e à autonomia do ser humano, pois possibilita a construção de um saber que propicia a capacidade de propor mudanças e decidir sobre as questões relativas aos cuidados dos indivíduos, de sua família e da coletividade22.

Desse modo, identificamos um conjunto de três agentes sociais envolvidos no processo: os profissionais de saúde que atuam na valorização da prevenção e da promoção, assim como nas práticas curativas; os gestores que dão o suporte para esses profissionais; e a população que necessita construir seus conhecimentos, aplicar na vida prática e aumentar sua autonomia nos cuidados, individual e coletivamente, na promoção da saúde7.

Em 1903, o médico sanitarista brasileiro Oswaldo Cruz passou a enfrentar as epidemias que assolavam a cidade do Rio de Janeiro (RJ) por meio das brigadas sanitárias, acompanhadas da polícia. Essas equipes percorriam as ruas e visitavam as casas, desinfetando, exigindo reformas, interditando prédios e removendo doentes. Contudo, percebe-se que em nenhum momento era instaurado o debate em torno do direito à saúde, do diálogo, da orientação com os cuidados de higiene ou da falta de informação da população sobre a existência das doenças e as formas de prevenção19.

Percebe-se que, de um lado, até a década de 1920 a educação em saúde tinha como base a estrutura sanitária voltada para combater problemas específicos, como as epidemias e pestes que caracterizaram a história brasileira. Por outro, a expansão da agricultura cafeeira e o processo de industrialização fez surgir uma nova noção sobre os serviços de saúde pública,

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perpassando a concepção de práticas de prevenção e de controle de saúde que acenaram para a pedagogização e educação sanitária19.

Outro aspecto presente na literatura analisada é que, a partir de 1930, o Estado aparece no comando do setor de saúde e concentra-se na construção de um sistema previdenciário destinado à classe trabalhadora, por meio das campanhas sanitárias. Essa discussão comunga com o pensamento de outro autor ao relatar que nessa época surge a figura do Estado como mediador do conflito entre as relações sociais e os interesses do capitalismo. O novo espaço urbano, também espaço industrial, trouxe consigo outras condições de vida e de trabalho e, com elas, a emergência de muitas doenças23

A pedagogia da saúde entre os anos de 1950 e 1960 pautou-se por uma ideologia modernizadora que tinha por meta remover os obstáculos culturais e psicossociais às inovações tecnológicas de controle às doenças, a fim de manter o domínio estrutural da sociedade por meio da educação na saúde e desenvolver ações direcionadas à qualificação dos processos de trabalho em saúde com o uso de técnicas educacionais e recursos audiovisuais19. Na década de 1970, “a educação em saúde no Brasil foi basicamente uma iniciativa das elites políticas e econômicas e, portanto, subordinadas aos seus interesses. Voltava-se para a imposição de normas e comportamentos por elas considerados adequados.”19:2544. É a partir de 1980 que é empregado o modelo tradicional que autoriza o poder de educação em saúde pelos profissionais de saúde, uma vez que são detentores do saber necessário para se ter uma vida saudável19.

Sob esse olhar, a prática educativa tem como eixo principal a dimensão do desenvolvimento das capacidades individuais e coletivas do autocuidado, tendo como base norteadora a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), criada em 200624, com o objetivo de promover a qualidade de vida e reduzir vulnerabilidade e riscos à saúde relacionados aos determinantes e condicionantes sociais24.

Em 2014, o Ministério da Saúde propôs a revisão da PNPS, apontando a necessidade de articulação com outras políticas públicas para fortalecê-la, com o imperativo da participação social e dos movimentos populares. Essa política visa à equidade, à melhoria das condições e dos modos de viver e à afirmação do direito à vida e à saúde, dialogando com as reflexões dos movimentos sociais no âmbito da promoção da saúde24.

Além disso, a educação em saúde adquire a interface com a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (Pneps), criada pelo Ministério da Saúde por meio da Portaria

nº 198/GM de 200425. A Pneps adota como ação norteadora os processos educativos contínuos nos diferentes arranjos assistenciais do SUS, com suas diversas denominações (capacitações, treinamentos, cursos, atualizações, aperfeiçoamento etc.), e a educação popular em saúde,

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que reconhece que os saberes são construídos diferentemente e, por meio da interação entre sujeitos, se tornam comuns ao serem compartilhados26. Os processos de Educação Permanente em Saúde têm como objetivo a transformação das práticas dos profissionais e da própria organização do trabalho27

Portanto, as conclusões dos autores precisam ser devidamente ponderadas: ao se fazer uma retrospectiva crítica e abrangente da educação em saúde nas últimas décadas, destaca-se um desenvolvimento incipiente diante da demanda social por saúde, que conduz a uma reorientação crescente das reflexões teóricas e metodológicas. Por outro lado, é importante o reconhecimento das práticas comunitárias de prevenção, promoção, tratamento e assistência como princípio norteador da educação em saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na contextualização deste estudo, uma possível resposta à pergunta que deu norte a esta revisão integrativa aponta que as políticas de saúde caracterizam-se como conquistas de uma luta de classes, passando pelo viés do Estado, que constitui-se em benefícios sociais. No entanto, verifica-se uma discussão satisfatória em relação ao objetivo de estudo quando evidencia-se que as produções científicas no estabelecimento do diálogo entre políticas de saúde do SUS, com a política de atenção integral à saúde da mulher e o debate sobre educação em saúde, são discursos que timidamente vêm ganhando espaço no cenário da saúde pública brasileira.

Portanto, prevalece o consenso de que os avanços conquistados em torno das políticas implementadas pelo SUS, também em prol da saúde da mulher e da educação em saúde, ainda estão longe de ser apontados como aceitáveis. Porém, a pesquisa possibilitou entender os avanços, desafios e dificuldades na efetivação das políticas propostas com um olhar para a orientação e capacitação dos serviços de saúde para a atenção integral à saúde da mulher, em todos os ciclos de vida, independentemente de classe social e condições de vida, que se entrelaça ao debate sobre educação em saúde. Na educação em saúde, as ações adquiriram um enfoque biomédico, ou seja, uma transmissão verticalizada de saber imposta à sociedade e que não condiz com a educação em saúde emancipatória.

O desenvolvimento das políticas preconizadas pelo SUS e as ações de educação em saúde devem ser uma interface constante da Política Nacional de Saúde e da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Caso contrário, essas ações se tornarão esporádicas, em determinadas épocas, para um determinado público e em governos específicos, acarretando uma lacuna entre teoria e prática.

249 v. 45, n. 3, p. 236-252 jul./set. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Vânia Maria Pessoa Rodrigues, Themis Cristina Mesquita Soares e Sara Taciana Firmino Bezerra.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Vânia Maria Pessoa Rodrigues, Themis Cristina Mesquita Soares e Sara Taciana Firmino Bezerra.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Vânia Maria Pessoa Rodrigues, Themis Cristina Mesquita Soares.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Vânia Maria Pessoa Rodrigues, Themis Cristina Mesquita Soares e Sara Taciana Firmino Bezerra.

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Recebido: 18.3.2021. Aprovado: 5.8.2022.

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ENSAIO

BREVE REFLEXÃO SOBRE A AFERIÇÃO DE TEMPERATURA

EM AMBIENTES PÚBLICOS PARA CONTROLE DA COVID-19

Lucilene Assis da Silva Khalila

https://orcid.org/0000-0002-8056-904X

Gabriel Teixeira Vilela Santosb

https://orcid.org/0000-0002-1251-0951

Daniel Medina Corrêa Santosc

https://orcid.org/0000-0002-0897-9693

Luã Cardoso de Oliveirad

https://orcid.org/0000-0002-3710-4853

Resumo

A Covid-19 é uma doença causada pelo betacoronavírus SARS-CoV-2. O vírus é transmitido pelo contato interpessoal próximo, por meio de gotículas respiratórias. Dentre as medidas de prevenção contra contágio e disseminação da doença, é recomendado a higienização das mãos com água e sabão e/ou álcool em gel e o afastamento social, uso de máscaras de pano e a aferição da temperatura utilizando termômetro digital infravermelho para o controle de acesso nos ambientes públicos, a fim de impedir possíveis portadores sintomáticos do vírus. Temos por objetivo, refletir sobre a eficácia da aferição da temperatura em ambientes públicos utilizando termômetro digital com sensor de infravermelho. Baseado nos conhecimentos da fisiologia da temperatura corporal e processos febris, apresentados na literatura especializada, e na experiência da identificação de portadores utilizando o procedimento de aferição de temperatura descrito, é evidente a necessidade de uma elaboração de políticas públicas de combate à pandemia mais

a Graduada em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário São José. Avenida Santa Cruz, 580, Realengo, Rio de Janeiro, Rio de Janiero, Brasil. E-mail: lucileneassis1304@gmail.com

b Graduado em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário São José. Avenida Santa Cruz, 580, Realengo, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail:gabrieltvsantos@gmail.com

c Biólogo. Doutor em Ciências Ambientais. Professor auxiliar do curso de Ciências Biológicas do Centro Universitário São José. Avenida Santa Cruz, 580, Realengo, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: danielmcs@gmail.com. d Biólogo. Doutor em Pesquisa Clínica de Doenças Infecciosas pela Fundação Oswaldo Cruz. Professor auxiliar do curso de Ciências Biológicas do Centro Universitário São José. Avenida Santa Cruz, 580, Realengo, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: lua.oliveira@fiocruz.br

Endereço para correspondência: Centro Universitário São José. Avenida Santa Cruz, 580, Realengo, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. CEP: 21710-232. E-mail: lua.oliveira@fiocruz.br

253 v. 45, n. 3, p. 253-263 jul./set. 2021 253 DOI:
Revista Baiana de Saúde Pública
10.22278/2318-2660.2021.v45.n3.a3340

abrangente, que enfatize a necessidade do conjunto das medidas sanitárias. Aliado a isso, é necessário um programa de testagem contínuo e em massa, permitindo o mapeamento e a busca por auxílio e orientação médica especializada, bem como um programa de educação e conscientização da população para a necessidade de quarentena e isolamento social em casos suspeitos que apresentem sintomas de pirexia.

Palvras-chave: Coronavirus. Pandemia. Política pública. Pirexia.

NOTES ON TEMPERATURE MEASUREMENT IN PUBLIC ENVIRONMENTS FOR COVID-19 CONTROL

Abstract

Covid-19 is a disease caused by the betacoronavirus SARS-CoV-2, which is transmitted through close interpersonal contact through respiratory droplets. Among the preventive measures against contagion and dissemination, the guidelines recommend hand hygiene with water and soap or hand sanitizer, social withdrawal, use of cloth masks and temperature measurement using digital infrared thermometer for access control in public environments to prevent possible symptomatic carriers. This study sought to reflect on the effectiveness of measuring temperature in public environments using a digital infrared thermometer. Based on specialized literature on body temperature physiology and febrile response, as well as on the practice of carrier identification by temperature measurement, the research point to the need of elaborating more comprehensive public policies to combat the pandemic, emphasizing a combination of health measures. Moreover, a continuous and mass testing program is needed, allowing the mapping and search for specialized medical help, as well as an education and awareness program on the need for quarantine and social isolation is symptomatic carriers.

Keywords: Coronavirus. Pandemic. Public policy. Pyrexia.

BREVE REFLEXIÓN SOBRE MEDICIÓN DE TEMPERATURA

EN AMBIENTES PÚBLICOS PARA EL CONTROL DE COVID-19

Resumen

Covid-19 es la enfermedad causada por el betacoronavirus SARS-CoV-2. El virus se transmite por contacto interpersonal cercano, a través de gotitas respiratorias. Entre las

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medidas preventivas contra el contagio y propagación de la enfermedad, se recomiendan la higiene de manos con agua y jabón y / o gel de alcohol y el retraimiento social, el uso de mascarillas de tela y la medición de la temperatura mediante un termómetro digital infrarrojo para su control. para prevenir posibles portadores sintomáticos del virus. Nuestro objetivo es reflexionar sobre la efectividad de medir la temperatura en entornos públicos utilizando un termómetro digital con sensor de infrarrojos. Con base en el conocimiento de la fisiología de la temperatura corporal y los procesos febriles, presentado en la literatura especializada, y en la experiencia de identificación de portadores mediante el procedimiento de medición de temperatura descrito, se evidencia la necesidad de la elaboración de una política pública más integral para combatir la pandemia., que enfatiza la necesidad de todas las medidas sanitarias. A ello se suma un programa de pruebas continuas y masivas, que permitan el mapeo y búsqueda de asistencia y orientación médica especializada, así como un programa de educación y sensibilización de la población sobre la necesidad de cuarentena y aislamiento social en casos sospechosos, que presentan síntomas del pirexia.

Palavras-clave: Coronavirus. Pandemia. Política pública. Pirexia

INTRODUÇÃO

A Covid-19 (Coronavírus Disease-19) é uma doença causada pelo betacoronavírus

SARS-CoV-2. O vírus se espalhou pelos continentes a partir da cidade de Wuhan, na China1

Em 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a Covid-19 como pandemia1. Cerca de um ano depois, até o dia 14 de março de 2021, foram notificadas 119.220.681 pessoas contaminadas, com um total de 2.642.826 mortes no mundo. No Brasil, temos 11.363.380 casos confirmados e mais de 275 mil mortes2.

Os coronavírus (CoV) são membros da subfamília Coronavirinae da família Coronaviridae e da ordem Nidovirales3. Esta subfamília consiste em quatro gêneros –Alphacoronavírus, Betacoronavírus, Gammacoronavírus e Deltacoronavírus – com base em suas relações filogenéticas e estruturas genômicas4.

A maioria dos coronavírus causam doenças epidêmicas em uma espécie. Geralmente provocam doenças respiratórias ou entéricas, enquanto outros podem causar hepatite, peritonite infecciosa, nefrite, miocardite, sialodacrioadenite ou distúrbios neurológicos, reprodutivos e imunológicos5

Os dois vírus altamente patogênicos, SARS-CoV e MERS-CoV, causam a síndrome respiratória grave em humanos, os outros quatro coronavírus humanos (HCoV-NL63,

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HCoV-229E, HCoV-OC43 e HKU1) induzem apenas doenças respiratórias superiores leves em hospedeiros imunocompetentes, contudo alguns deles podem causar infecções graves em bebês, crianças pequenas e idosos4

Acredita-se que o novo CoV surgiu por meio da recombinação do CoV relacionado ao SARS de morcego (SARSr-CoVs). O vírus recombinante infectou civetas e humanos, adaptando-se a esses hospedeiros antes de causar a epidemia de SARS4.

O vírus pode ser transmitido pelo contato interpessoal, por meio de gotículas respiratórias dispersas no ambiente ou nos objetos por meio da tosse, espirro e a fala, assim como, no contato das mãos ou objetos contaminados em contato com as mucosas (olhos, lábios, nariz). Entre as medidas de prevenção contra contágio e disseminação da doença, mostrou-se efetiva a higienização das mãos com água e sabão e/ou álcool em gel 70%, além do afastamento social (para aqueles que socialmente podem realizar tais medidas)6.

Até o momento, não há tratamento medicamentoso específico. As opções utilizadas são os antirretrovirais de amplo aspecto. O uso de plasma contendo anticorpos neutralizantes ou imunoglobulinas também estão sendo utilizados, além dos medicamentos para tratamento dos sintomas nos casos não graves7

Sendo assim, foi verificado uma aceleração do processo na corrida pela elaboração de uma vacina eficiente. Em abril de 2020, o Centro de Vacina do London School of Hygiene & Tropical Medicine lançou uma ferramenta virtual de monitoramento das vacinas estudadas e produzidas para a utilização no tratamento da Covid-19. Logo, conforme este monitoramento há, até o dia 24 de abril de 2021, 13 vacinas em uso no mundo todo em 355 países8

Até o dia 10 de março de 2021, no Brasil, algumas vacinas já estavam sendo utilizadas em campanhas de vacinação com registros definitivos9,10 e provisórios11 na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Cabe ressaltar que, apesar de ajudar no controle da pandemia, ainda há a necessidade da manutenção de medidas sanitárias de segurança individual e a continuidade dessas medidas até que a pandemia não represente mais uma ameaça12

A Covid-19 apresenta um período de incubação de seis a quatorze dias, mas, a maior parte dos indivíduos infectados apresentam sintomas no 12º dia de infecção.

O conhecimento desse processo é fundamental para que possamos entender a necessidade da quarentena imposta às pessoas infectadas e seus contactantes6

Os sintomas mais comuns da Covid-19 são: pirexia, tosse seca e cansaço. Outros sintomas atípicos também foram evidenciados, como: dores, congestão nasal, cefaleia, conjuntivite, dor de garganta, diarreia, perda de paladar e olfato, erupção cutânea e descoloração

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dos dedos das mãos e/ou dos pés. Contudo, algumas pessoas infectadas, podem permanecer assintomáticas ou apresentar sintomas leves1.

Aproximadamente 80% das pessoas se recuperam da doença sem precisar de tratamento hospitalar e cerca de 16% das pessoas que se contamina com SARS-Cov2 ficam gravemente doentes e desenvolvem dificuldades respiratórias. Algumas pessoas têm maior risco de desenvolver sintomas graves, como os maiores de 60 anos de idade e as que têm problemas médicos subjacentes, como pressão alta, problemas cardíacos e pulmonares, diabetes e câncer1. No entanto, os sintomas mais graves podem aparecer em qualquer pessoa que contrair a Covid-191 e desenvolver sintomas delicados, como pneumonia e síndrome respiratória aguda grave, sendo necessária a utilização de oxímetro de pulso e oxigenoterapia, podendo evoluir para a necessidade de intubação1,6.

A febre costuma vir associada a outros sintomas e estes por sua vez causam malestar geral. É comum o indivíduo febril apresentar sintomas como cefaleia, apatia, irritabilidade, indisposição, anorexia, xerostomia e desidratação13

Aqui analisamos a pirexia como sintoma sine qua non para a detecção dos indivíduos infectados em ambientes públicos. Apresentamos um ensaio teórico baseado no conhecimento da fisiologia humana e referências sobre a eficácia da aferição da temperatura nos espaços públicos para controle da Covid-19, chamando a atenção para a aferição de temperatura nos espaços públicos, que devido às condições fisiológicas e patológicas não apresenta eficácia comprovada. Elaborando uma breve reflexão sobre este procedimento como uma medida útil de controle da doença.

A COVID-19 E O “NOVO NORMAL”\

A pandemia da Covid-19 fez surgir o desenvolvimento de novos hábitos tanto de higiene quanto de tratamento pessoal. Houve a necessidade de criar rotinas de checagem antes de interagir e lidar com o outro, tal como o distanciamento social entre entes próximos e amigos e a verificação de sinais e sintomas, como febre, tosse e espirros. O isolamento social é uma medida adotada e recomendada pela OMS para conter a disseminação e reduzir as taxas de contaminação 1 .

Sabe-se que há muita pressão para a manutenção da abertura dos estabelecimentos sociais/comerciais, no entanto é necessário uma elaboração e implementação de políticas públicas para a retomada das atividades econômicas e sociais14. Assim, três ações foram eleitas como indispensáveis para o controle do acesso a locais públicos, estabelecimentos comerciais e de ensino: a higienização das mãos com álcool em gel, uso da máscara e o uso

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do termômetro digital com sensor infravermelho para aferição da temperatura corporal15. Este último procedimento é motivo de controvérsia entre profissionais, devido à falta de precisão - agora se encontra nas mãos de pessoas não especializadas16. Este procedimento também foi adotado em outros locais, como, por exemplo, o Vaticano17

A temperatura corporal pode ser compreendida como o equilíbrio entre o calor produzido pelo metabolismo e o calor perdido por meio das atividades orgânicas. O ser humano possui mecanismos fisiológicos que mantém essa homeostase. Assim a temperatura corporal pode ser afetada por diversos motivos, tais como: alimentação; idade; gênero; processos infecciosos e/ou neoplásicos e o uso de alguns fármacos18-20. Já a temperatura da pele, varia consoante as modificações ambientais18.

A temperatura normal de um adulto varia entre 36,1ºC a 37,4ºC. A temperatura corporal é classificada da seguinte forma: Temperatura normal – 36,0ºC a 37,4ºC; febre ou pirexia – 37,5ºC a 39,5ºC; febre alta ou hiperpirexia – a partir de 39,5ºC, podendo variar de literatura para literatura. A febre ou pirexia pode ser definida como uma resposta imunológica orgânica e pode ser acusativa de processos infecciosos que resultam no aumento da temperatura corporal18,20. Atualmente os termômetros digitais que captam o calor por meio de sensores infravermelhos são utilizados para a aferição da temperatura corporal. Estes aparelhos medem a temperatura da pele, sujeita às modificações do ambiente21

Os primeiros registros do uso dos termômetros digitais com sensores de infravermelho, no Brasil, foram nos aeroportos – nos terminais de embarques e desembarques –para aferir a temperatura dos passageiros. Essa triagem passou a ser realizada a fim de detectar pessoas com sintomas da Covid-1922.

Um exemplo da ineficácia do método foi observado nos Estados Unidos, que determinou a aferição da temperatura nos aeroportos dos passageiros oriundos da China e, durante 14 dias de aferição, só identificaram um registro de pessoa sintomática. Além disso, o diretor assistente da Organização Pan-Americana da Saúde disse, em entrevista à BBC News Brasil, que a agência não está recomendando a prática em aeroportos por não existir comprovação científica de sua eficácia23

Ainda sobre a experiência nos aeroportos, as triagens no embarque e desembarque dos voos, com base em experiências anteriores, não parecem ser eficientes, uma vez que, baseado na experiência com outras epidemias, é extremamente raro detectar passageiros infectados e o monitoramento dos sintomas nem sempre é um método eficiente na contenção da disseminação da pandemia22,24.

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Aferir a temperatura em ambientes públicos com o referido modelo de termômetro nos estabelecimentos comerciais, tendo por base as experiências dos aeroportos e a fala do representante da OMS do Brasil, mostra-se uma medida ineficiente. Não há garantias que um indivíduo infectado não frequentará um ambiente público após o uso de antitérmicos e, consequentemente, o controle de sua febre, além do que, o método não pode detectar os portadores pré-sintomáticos e os assintomáticos.

Ainda mais preocupante é a pressão para retorno e a manutenção das aulas presenciais. No Brasil as aulas presencias foram suspensas no mês de março de 2020. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), aproximadamente 70% dos alunos de todo o mundo tiveram suas rotinas alteradas pela pandemia do coronavírus. Desde o início de maio de 2020, as escolas foram fechadas total ou parcialmente em 186 países ou regiões, no intuito de parar a transmissão da Covid-19 16

O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), elaborou um documento com as diretrizes e protocolos de retorno às aulas presenciais, e dentre as orientações de medidas sanitárias a serem adotadas, encontramos descrito no item 5.2, o “Controle de temperatura de estudantes e servidores”25

O Consed também orienta que seja praticado o distanciamento social, diminuindo o número de alunos em sala de aula. Outras orientações apresentadas são: suspenção das atividades presenciais em grupos; revezamento nos horários de entrada, saída e intervalos; sinalizações para que ocorra o distanciamento social; disponibilização de máscaras; criação de estações de higiene; adequação dos banheiros; informes para lembrar aos estudantes as medidas de higiene e distanciamento; rotina de higiene em todo o ambiente escolar, entre outros 25. Como diretrizes pedagógicas, encontramos a orientação para o cumprimento da carga horaria mínima anual e adequação do currículo 25

O documento foi criado a partir de experiências internacionais conforme a boa prática sanitária orientada pelos principais órgãos de medicina e saúde, mas, há muitas dúvidas quanto a efetividade dessas medidas 23

Experiências internacionais mostram que a reabertura prematura pode levar a um novo fechamento, como ocorreu na França, quando reabriu as escolas, precisando fechar pouco tempo depois, devido ao aparecimento de novos focos de infecção. No Reino Unido, a reabertura das escolas encontrou resistência entre cientistas e gestores escolares, considerando o mês de junho de 2020 cedo demais para o retorno23.

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O Ministério da Educação (MEC) lançou no dia 02 de julho de 2020 uma cartilha de biossegurança para o retorno das atividades nas instituições federais de ensino. Não apresentando muita diferença das diretrizes supracitadas do Consed26

No entanto, muitos profissionais da educação, bem como os pais ainda não se sentem completamente seguros para retornarem as rotinas escolares16,23. Neste trabalho não são questionados a reabertura ou o retorno das atividades econômicas, apenas a necessidade de um esclarecimento maior à população em relação à frequência em ambientes públicos. Tendo como medida de controle a aferição de temperatura nos estabelecimentos públicos, uma vez que este procedimento já apresentou pouca eficiência, o que nos coloca diante da necessidade da elaboração de uma política e programa de educação continuada, para a população compreender que deve dar maior atenção às medidas individuais de proteção. Em Wanzhou, na China, a disseminação da Covid-19 foi controlada rastreando e monitorando os casos e contatos de indivíduos portadores e sintomáticos, com o distanciamento social, testagem em massa e respeito às restrições impostas pela quarentena27

Com a ausência de febre não é possível detectar sintomas em profissionais de educação e de outras categorias. Para que haja um processo de reabertura seguro é necessário que haja um programa que considere inúmeros fatores que podem interferir no aumento explosivo do número de casos de Covid-19 e incluir processos e ferramentas como a testagem em massa dos indivíduos nesses ambientes podem melhorar o controle da disseminação dessa pandemia28. Para que as medidas de temperatura corporal sejam eficazes, uma série de medidas são propostas por Lippi et al.29, tais como aferição dupla, medição após aclimatação e cruzamento de outras informações pessoais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade deve compreender que não existe medida sanitária isolada completamente eficaz, e a aferição da temperatura, como método de identificação de indivíduos sintomáticos nos estabelecimentos comerciais e/ou de ensino, não é uma técnica confiável. Isso acontece por duas questões: a primeira é de que não há garantias de que os indivíduos não irão à ambientes públicos após o uso de antitérmicos ou que os pais não mandarão seus filhos à escola após administrarem o fármaco; a segunda, os portadores assintomáticos transmitindo o vírus sem manifestar qualquer sintoma febril.

Dessa forma, mesmo com o avanço da vacinação, teremos por um período prolongado a necessidade de distanciamento social, a restrição de acesso e circulação e higiene coletiva, logo, é importante que essas medidas, além de aplicadas, sejam discutidas com a

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sociedade. Essa publicação, portanto, faz-se necessária para elevar o debate da saúde pública a uma esfera social cuja conscientização popular faça parte da equação na elaboração dos programas e políticas de saúde. Pois, somente pelo debate e pela informação, acreditamos, que teremos chance de vencer essa pandemia.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Lucilene Assis da Silva Khalil; Gabriel Teixeira Vilela Santos

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Lucilene Assis da Silva Khalil; Daniel Medina Corrêa Santos

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Daniel Medina Corrêa Santos; Luã Cardoso de Oliveira

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Luã Cardoso de Oliveira

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Recebido: 16.3.2021. Aprovado: 24.5.2022.

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RELATO DE EXPERIÊNCIA

TERRITÓRIO, SIGNIFICADOS E AS POTENCIALIDADES DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE PARA O USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS

Hudson Manoel Nogueira Camposa

https://orcid.org/0000-0001-5413-9110

Mussio Pirajá Mattosb

https://orcid.org/0000-0002-8792-5860

Resumo

A Educação em Saúde surge como um modelo de abordagem potencializadora para a promoção do uso racional de medicamentos. Desse modo, a aplicação de métodos educativos irá beneficiar os usuários por meio da democratização dos conhecimentos necessários para práticas seguras em saúde. O presente estudo teve o objetivo de relatar as potencialidades de uma atividade de educação em saúde para o uso racional de medicamentos. Trata-se de um relato de experiência do projeto de extensão “Farmácia em ação: educação em saúde para promoção do uso consciente de medicamentos”. Para desenvolvimento da atividade educativa foram gerados espaços democráticos de diálogos com construção de materiais didáticos e formas diversas de comunicação. A ação ocorreu em uma feira livre no município de Barreiras, Bahia. Foram utilizados processos educacionais sob o referencial teórico de Paulo Freire, em simbiose com Manoel de Barros e Rubem Alves. A ação mostrou o aperfeiçoamento da formação dos educandos ao promover a protagonização necessária para atender as demandas individuais e singulares. Além disso, revelou um espaço aberto para a prática do conhecimento com desafios reais. A ação educativa estimulou o desenvolvimento de competências que são fundamentais para a atuação profissional, fortaleceu a promoção de uma prática medicalizadora mais consciente e potencializou as tecnologias leves como uma premissa ampliada do cuidado.

Palavras-chave: Educação em saúde. Uso racional de medicamentos. Cuidados farmacêuticos.

a Graduando em Farmácia pela Universidade Federal do Oeste da Bahia. Barreiras, Bahia, Brasil. E-mail: hudmanoel@gmail.com

b Farmacêutico. Doutorando em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Espírito Santo. Docente na Universidade Federal do Oeste da Bahia. Barreiras, Bahia, Brasil. E-mail: mussiopiraja@hotmail.com

Endereço para correspondência: Universidade Federal do Oeste da Bahia. Rua Professor José Seabra de Lemos, n. 316, Recanto dos Pássaros. Barreiras, Bahia, Brasil. CEP: 47808-021 E-mail: mussiopiraja@hotmail.com

264 264 DOI: 10.22278/2318-2660. 2021.v45.n3.a3295

TERRITORY, MEANINGS AND POTENTIALITIES OF HEALTH EDUCATION FOR THE RATIONAL DRUG UTILIZATION

Abstract

Health Education emerges as an empowering approach to promote rational drug utilization the use of educational methods would benefit users by democratizing the necessary knowledge for safe health practices. This experience report, based on the extension project “Pharmacy in action: health education to promote conscious drug utilization,” discusses the potential of a health education activity for rational drug utilization. Taking place at an open market in the municipality of Barreiras, Bahia, Brazil, the educational activity was developed by creating democratic spaces for dialogues and elaborating teaching materials and different forms of communication. Educational processes were based on Paulo Freire, in dialogue with Manoel de Barros and Rubem Alves. The action improved the student’s knowledge by centering their individual and singular demands, revealing an open space for applying knowledge to real challenges. It also encouraged the development of essential skills for professional performance, strengthened the promotion of a more conscious medicalizing practice, and enhanced light technologies as a premise of comprehensive care.

Keywords: Health education. Drug utilization. Pharmaceutical services.

TERRITORIO, SIGNIFICADOS Y POTENCIALIDADES DE LA EDUCACIÓN EN SALUD PARA EL USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS

Resumen

La Educación en Salud surge como un modelo de enfoque de fomento al uso racional de los medicamentos. Así, la aplicación de métodos educativos beneficiará a los usuarios al democratizar los conocimientos necesarios para prácticas sanitarias seguras. Este estudio tuvo como objetivo informar sobre el potencial de una actividad de educación en salud para el uso racional de medicamentos. Este es un reporte de experiencia del proyecto de extensión “Farmacia en acción: educación para la salud para promover el uso consciente de los medicamentos”. Para el desarrollo de la actividad educativa se crearon espacios democráticos de diálogo con la construcción de materiales didácticos y diferentes formas de comunicación. La acción tuvo lugar en un mercado abierto en el municipio de Barreiras, Bahía (Brasil). Los procesos educativos se utilizaron bajo el marco teórico de Paulo Freire en simbiosis con Manoel de Barros y Rubem Alves. La acción resultó en una mejora en la formación de los

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estudiantes al promoverles el protagonismo necesario para atender las demandas individuales y singulares. Además, reveló un espacio abierto para la práctica del conocimiento con desafíos reales. La acción educativa estimuló el desarrollo de competencias esenciales para el desempeño profesional, fortaleció la promoción de una práctica más consciente de la medicalización y potenció las tecnologías sencillas como premisa ampliada de la atención. Palabras clave: Educación em salud. Utilización de medicamentos. Cuidados farmacéuticos.

INTRODUÇÃO

O território, sendo o espaço de representação cultural e social, possui uma íntima relação com a produção de cuidado no desenvolvimento do campo da saúde, permitindo uma prática clínica consoante às manifestações, dilemas ou problemas da população1 Desse modo, as práticas de saúde estão entrelaçadas em saberes de cunho científico e aplicadas com finalidade social. Assim, as inovações em saúde surgem com grandes avanços para promoção da saúde2. Nesse contexto, o medicamento, uma tecnologia sanitária muito utilizada em práticas de cuidado em saúde, também contribui para transformação social3.

Por outro lado, quando o uso de medicamentos estiver acompanhado de orientações inadequadas e sem a prática da corresponsabilização, poderá gerar riscos que ferem o bem-estar dos pacientes4 e se associar à morbidade e casos de óbitos por intoxicação5

Nesse sentido, a crescente variedade de medicamentos no mercado, a ação midiática nesses produtos, informações farmacológicas inconsistentes divulgadas na internet e os hábitos culturais da utilização de intervenções farmacêuticas (farmaceuticalização) e da automedicação mostram-se contribuintes para o cenário do uso irracional de medicamentos, induzindo um consumo excessivo e desnecessário6.

O Uso Racional de Medicamentos (URM) representa um dos elementoschave recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para as políticas de medicamentos7. Na Política Nacional de Medicamentos (PNM) do Brasil, ele é caracterizado quando há: a prescrição adequada, a garantia de acesso de acordo com disponibilidade e preço, a dispensação correta e com suas doses e intervalos de usos e duração do tratamento suficientes para que o medicamento torne eficaz, seguro e de qualidade8.

Para a promoção do URM e o afastamento de eventos indesejáveis durante um tratamento, a comunicação profissional-paciente significa um alicerce fundamental para o cuidado e alcance do sucesso terapêutico9. Nesse contexto, a Educação em Saúde se mostra um caminho promissor para permitir práticas da promoção da saúde e do cuidado voltadas

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para o empoderamento dos usuários10. Assim, ações educativas em saúde representam uma tecnologia de trabalho que sustentam as condutas do profissional e dos serviços em resposta às necessidades dos indivíduos, visando qualidade de vida e o estímulo do autocuidado11

Entretanto, a prática dialógica, caracterizada por uma educação horizontalizada em que se promove um cenário de troca de conhecimentos, ainda representa grandes desafios12 Nesse sentido, a Educação em Saúde surge como um modelo de abordagem potencializadora para a promoção do uso racional de medicamentos. Trata-se de um importante dispositivo para transformação do cenário do uso irracional, favorecendo as experiências da sociedade com medicamentos e, por conseguinte, a melhoria na qualidade de vida da população13. Desse modo, a aplicação de métodos educativos beneficia os assistidos por meio da democratização dos conhecimentos, tornando-os corresponsáveis na promoção da saúde. A partir disso, foi assumida a educação em/na/para saúde como um dispositivo de reorientação da formação, e o presente estudo teve o objetivo de relatar as potencialidades de uma atividade de educação em saúde para o uso racional de medicamentos.

MATERIAL E MÉTODOS

O presente trabalho se trata de um relato de experiência do projeto de extensão

“Farmácia em ação: educação em saúde para promoção do uso consciente de medicamentos” da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB). A ação ocorreu no período de abril a junho de 2019, e a equipe responsável foi composta por um docente e alguns discentes do curso de farmácia. O projeto ocorreu em três momentos, respectivamente: encontro com os estudantes para pactuação e planejamento da ação; execução da proposta educativa e formativa; e roda de conversa entre educador e educandos. No primeiro encontro foi realizado o diagnóstico situacional para determinar os eixos de atividades prioritárias no território. Para execução da atividade educativa foram gerados espaços democráticos de diálogo e formas diversas de comunicação. As construções dos materiais didáticos levaram em consideração a promoção do uso racional de medicamentos.

A ação ocorreu em uma feira livre no município de Barreiras, na região Oeste da Bahia. Foram abordadas as pessoas que transitavam pelos stands, sendo convidadas a receberem informações sobre o uso racional de medicamentos. Elas também tiveram os seus momentos para relatar as experiências vividas com o uso de medicamentos, para que fosse desenvolvida a construção compartilhada de conhecimentos e a valorização dos saberes populares. Com isso, durante a ação, foram atribuídas oportunidades aos participantes para falarem, serem ouvidos, lançarem dúvidas, histórias e conhecimentos populares. Assim, permitiu-se gerar uma problematização das singularidades e, por conseguinte, sugerir as soluções e orientações

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para aquilo que fora levantado. Para complementar as orientações, foram construídos alguns folders: sobre o URM; intercambialidade (referência, genérico e similar); sobre o tratamento da hipertensão e diabetes. Dessa forma, as informações orientaram o uso da insulina para diabéticos e a importância da adesão medicamentosa. Participaram dessa ação aproximadamente 120 pessoas, distribuídos entre os que transitavam e trabalhavam no local. Nesse caminho, foram utilizados diversos processos educacionais e considerados os movimentos institucionais e inventivos sob o referencial teórico de Paulo Freire, em simbiose com Manoel de Barros e Rubem Alves. No sentido de compreender, extrair ensinamentos e comunicar a experiência vivenciada optou-se por utilizar a proposta metodológica de Holliday (1996). De acordo com o autor, a sistematização é uma interpretação crítica de uma ou mais experiências que, a partir de seu ordenamento e reconstrução, descobre ou explicita a lógica do processo vivenciado, os fatos que intervieram no processo, como se relacionaram entre si e por que o fizeram dessa maneira14. Portanto, sistematizar uma experiência é transformá-la, tanto no próprio objeto de estudo e de interpretação teórica, quanto em objeto de transformação.

O terceiro encontro com os realizadores da ação serviu para elencar os principais desafios encontrados, as principais dúvidas levantadas pelos transeuntes e para os estudantes relatarem as contribuições adquiridas para a sua prática profissional. Nesse momento, também foi discutido se a forma em que se concretizou o compartilhamento de informações foi suficiente, adequada ou inadequada para atender às dúvidas surgidas, com a finalidade de avaliar a efetividade da ação educativa realizada.

RESULTADOS

Conforme a avaliação da atividade realizada pelos discentes e pelo docente, baseando nas experiências próprias e nas revelações das pessoas abordadas sobre o seu nível de entendimento após a troca de informações, a ação apresentou dois lados: o primeiro, em que foram assegurados os anseios da população, pois aqueles que chegaram aos stands saíram bem informados sobre o uso de medicamentos; e o segundo lado, que mostrou o aperfeiçoamento da formação dos educandos por meio do protagonismo em decidir qual caminho seguir para atenderem as demandas individuais e singulares.

A partir de nossa vivência foi possível perceber que as pessoas já possuíam significados diversos sobre o uso de medicamentos. Em contrapartida, foram perceptíveis algumas lacunas nesse conhecimento popular perante problemas relacionados ao consumo. Por isso, a ação permitiu trazer à tona nos realizadores uma vontade e uma capacidade de resolver problemas reais. Assim, por receio de deixar as pessoas desamparadas com suas

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dúvidas, os educandos aceitaram o desafio de se reinventar e propor medidas a partir da aplicação do seu conhecimento teórico. Além disso, os encontros que antecederam a realização da atividade educativa foram essenciais para a preparação de materiais informativos e para melhor elaboração estratégica da informação em saúde, com base no diagnóstico situacional.

Olhando pelo lado dos executores, a maior parte dos educandos envolvidos na ação relatou a vivência de sentimentos de curiosidade e insegurança em relação a como seria o contato com pessoas desconhecidas em uma feira livre. Entretanto, isso não representou barreiras para a concretização da comunicação e da realização da atividade por completo. Na perspectiva dos ouvintes, percebeu-se durante a vivência muitos representantes da comunidade que demonstraram interesse, conhecimentos e, principalmente, dúvidas sobre o uso adequado de medicamentos. A partir disso, os educandos notaram a necessidade da orientação sobre os riscos do uso irracional e as influências socioculturais envolvidas nesse processo. Nessa direção, foi dado espaço e poder de fala aos participantes para relatar os seus dilemas e a forma como faziam para solucioná-los, de acordo com suas crenças e valores.

Na ocasião, a utilização de materiais informativos (folders e placas informativas), confeccionados pela equipe da ação, provocaram a curiosidade dos participantes para se aproximarem dos stands e, assim, permitir o intercâmbio de saberes. Nesse ínterim, em nossos diálogos buscamos desapegar do medicamento como produto e reconhecemos todos os caminhos que ele pode sofrer após a dispensação e a subjetividade envolvida nesse contexto. Ao levar em consideração tais aspectos, os materiais de comunicação produzidos geraram diversos sentidos. Dessa maneira, as placas informativas no formato de cápsulas gigantes apresentaram descrição de sentimentos que permitiam iluminar as atribuições farmacêuticas. Nelas estavam escritos: vínculo, humanização, singularidade, cuidado, empatia, responsabilidade, olhar ampliado, clínica ampliada, informação, comunicação e uso racional de medicamentos.

Uma das características priorizadas na atividade relatada foi o reconhecimento das influências do território na produção do cuidado. Assim, as orientações em saúde foram feitas de acordo com a situação econômica, social, religiosa e política. Além disso, a utilização de tecnologias leves associada ao reconhecimento do território vivo favoreceu um ambiente mais harmonioso, não exageradamente técnico-científico. Assim, foi perceptível a confiança demonstrada pelas pessoas em participar do momento de troca de conhecimentos. A partir disso, viu-se que as dúvidas, erros e vulnerabilidades existentes por esse público foram sendo expressos e, por conseguinte, ocupados pela construção de um novo saber, consoante às relações interpessoais. Desse modo, houve um processo de desfazer os “nós” e construir “laços”.

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DISCUSSÃO

FARMÁCIA EM AÇÃO: CONSTRUÇÃO DO CAMINHO DE UM FUTURO FARMACÊUTICO COMUNITÁRIO

Avaliando a execução dessa atividade, evidenciou-se a eficiência do compartilhamento de informações necessárias para a promoção de práticas do URM nos participantes. Assim, foi visto que a atividade permitiu que os educandos aplicassem seus conhecimentos quando as pessoas buscavam orientações para contemplar suas dúvidas. Os diferentes dilemas, revelando a singularidade do território, dispararam nos educandos novas formas de expressar seus conhecimentos, de maneira que as pessoas se sentissem acolhidas e preparadas para gerar a prática do cuidado. Dessa maneira, foram desenvolvidas competências profissionais, como a percepção dessas singularidades e a tomada de decisões. Essa situação foi importante para o compartilhamento de saberes e fazeres na promoção da saúde. Assim, por meio da confiança gerada, foi possível criar laços na integração universidade-ensino-comunidade por conta do protagonismo dos educandos nesse processo educativo. Sobre educador e educandos, Paulo Freire diz: “ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos” 15:39 .

Por meio disso, os educandos sentiram-se sensibilizados nas diversas nuances que envolvem a formação profissional em saúde. Ou seja, ficaram de mãos dadas com Rubem Alves quando ele diz: “Todo conhecimento científico começa com um desafio: um enigma a ser decifrado”16:39. Com essa reflexão disparadora, foi possível identificar que a vontade de vencer novos desafios encontrados na execução da atividade foi necessária para permitir a autonomia dos envolvidos na promoção do conhecimento. Como consequência, gerou-se um processo de discussão a respeito da forma de promover comunicação e informação nas boas práticas em saúde. Desse modo, a autonomia do grupo em compartilhar medidas saudáveis nasceu a partir de diferentes olhares da população que se pretendia assistir. Manoel de Barros nos revela o poder da palavra de fazer prodígios, até mesmo fazer “uma pedra dar flor” 17:470 .

EDUCAÇÃO NA SAÚDE EM CENA: POTENCIALIDADES E SIGNIFICADOS NA

PROMOÇÃO DO USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS

Nesse contexto, a presença da vontade de conhecer novas realidades revelou-se um grande precursor no anseio de promover mudanças na consciência do uso racional de medicamentos na sociedade. Paulo Freire defende que: “não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impaciente diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos”18:15. Nesse sentido, ofertando informações seguras sobre os riscos do uso irracional, considerando as influências socioculturais dos representantes comunitários, a Educação

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em Saúde realizada aproximou-se de uma Educação Popular (EP), na qual há uma valorização das experiências vividas da população, observando os determinantes sociais e de saúde19.

Aliado a isso, o cenário foi envolvido pelas tecnologias de cuidado referidas: a tecnologia dura, onde predomina a utilização de equipamentos médicos, exames e medicamentos durante o ato clínico; a tecnologia leve-dura, em que se utiliza o saber científico como base para um raciocínio clínico; e a tecnologia leve, que engloba as medidas que valorizam as relações interpessoais entre profissional-usuário, onde há o espaço do indivíduo interagir (fala e escuta) no momento do atendimento clínico2. Nesse momento, foi possível relacionar a prática educativa com a cena dos encontros, facilitados pelo professor na valorização de um caminho de escuta, vínculo, singularidade e respeito aos membros da comunidade. Associar as tecnologias leves ao URM é uma forma de ressignificar as práticas de cuidado e racionalizar o uso consciente de tecnologias na tentativa de alcançar a integralidade do cuidado20

Uma outra potencialidade da atividade que se assemelhou à EP foi quando a autonomia dos indivíduos se colocou perante os desafios das práticas de saúde. Com isso, a ação ganhou força por meio da preservação dos diálogos, que serviram como forma de provocar o interesse do ouvinte e, ao mesmo tempo, um encontro de culturas (acadêmica e popular).

Ainda mais, tornando a atividade num potencializador da comunicação em saúde, a utilização da Educação em Saúde como dispositivo para o URM contribuiu para fomentar o caminho de futuros farmacêuticos, haja vista que o caráter do acolhimento promove confiança e solidariedade dos envolvidos e protagonismo dos educandos na promoção do URM de forma ampliada21. Os projetos de caráter interdisciplinar são importantes para gerar reflexão, crítica e humanismo. A atividade se encaixa nesse aspecto devido à subjetividade das situações e singularidade dos fatos trazidos pelos participantes, que estimulavam a ampliação do pensamento do educando para diferentes campos do conhecimento, a fim de compor uma resposta integral. Com isso, a realização dessas práticas mostra-se necessária para que o educando desenvolva atitudes baseadas em um conhecimento que supere o modelo fragmentado de conteúdos e aprendizados isolados22.

TERRITÓRIO VIVO NA PRODUÇÃO DO CUIDADO FARMACÊUTICO AMPLIADO

O território abordado nesse relato ultrapassou o conceito tradicional da geografia, sendo reconhecido como território repleto de relações socioculturais, subjetividades e dinamicidades. A partir disso, as práticas de cuidado em um cenário de território vivo valorizam dilemas e singularidades que se entrelaçaram na comunidade23

Ao perceber o território em uma feira livre, que se tornou vivo e carregado de potencialidade, foi possível refletir sobre a fragmentação no processo saúde-doença-cuidado,

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que despreza a complexidade que envolve pacientes, usuários e comunidade. Nesse sentido, Rubem Alves diz: “assim é o corpo: uma entidade musical. Nenhuma de suas partes tem sentido em si mesma. É a melodia central do corpo que faz as partes dançarem”16:60. Mattos e Gomes relatam em seus encontros formativos sobre rompimento do modelo curativista e biológico, por meio do olhar ampliado24. Devido à diversidade social, o olhar ampliado contribui para avanços na promoção da saúde21. Assim, a ação de Educação em Saúde despertou um desejo de (re)conhecimento das atribuições profissionais e ressignificação dos conhecimentos extremamente técnicos em detrimento do cuidado em saúde com as relações psicossociais. Com isso, buscou-se atribuir o sentido de que o medicamento está além dos efeitos de cura e riscos à saúde, podendo ser personificados e gerar influências nos núcleos familiares24

Os discursos durante esse processo formativo foram leves, regados de afetos. Manoel de Barros defende que: “A importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós25:125. Assim, a ação representou grandes transformações na mudança de hábitos das pessoas, e, para os educandos, revelou um espaço aberto para pôr em prática conhecimentos massivamente teóricos e trabalhar com desafios reais. Dessa maneira, além da ação educativa ter sido prazerosa como forma de avaliação da atividade, no encontro realizado após a execução, os estudantes puderam relatar as principais potencialidades trabalhadas nesse processo, as quais foram expressas na Figura 1

Figura 1 – Competências desenvolvidas pelos educandos de farmácia na atividade de educação em saúde para o uso racional de medicamentos. Barreiras, Bahia, Brasil – 2021

Trabalho em equipe Comunicação

Produção de cuidado

Responsabilidade

Criatividade

COMPETÊNCIAS DESENVOLVIDAS PELOS EDUCANDOS DE FARMÁCIA

Percepções de singularidades

Criticidade

Protagonismo

Fonte: Elaboração própria.

Reflexão

Humanidade

Planejamento

Tomada de decisões

Interdisciplinaridade

Resolução de problemas

Olhar ampliado

Informação em saúde

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atividade relatada representou um importante dispositivo que orientou a produção de cuidado para a formação profissional. Além disso, configurou-se como uma experiência educacional inovadora e criativa de Educação em Saúde, que estimulou o olhar ampliado, sendo beneficiada com a incorporação dos princípios de uma Educação Popular em Saúde. Dessa maneira, a expansão de horizontes na feira livre permitiu experimentar vivências com intercâmbio de conhecimentos em novos territórios existenciais. A ação educativa estimulou o desenvolvimento de competências que são fundamentais para a atuação profissional. Os laços formados entre a comunidade e futuros farmacêuticos permitiram se aproximar da realidade e entender os caminhos a serem traçados, diante as singularidades encontradas. Desse modo, as práticas educativas fortaleceram a promoção do uso racional de medicamentos e potencializaram as tecnologias leves como uma premissa ampliada do cuidado.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Hudson Manoel Nogueira Campos e Mussio Pirajá Mattos

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Hudson Manoel Nogueira Campos e Mussio Pirajá Mattos

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Hudson Manoel Nogueira Campos e Mussio Pirajá Mattos

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Hudson Manoel Nogueira Campos e Mussio Pirajá Mattos

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Recebido: 1.3.2021. Aprovado: 24.5.2022.

275 v. 45, n. 3, p. 264-275 jul./set. 2021
Revista Baiana de Saúde Pública

DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v45.n3.a3361

RELATO DE EXPERIÊNCIA

PORTFÓLIO ACADÊMICO: REFLEXÃO DO CUIDADO DE ENFERMAGEM EM INTERCULTURALIDADE

Eduardo Marques Machadoa

https://orcid.org/0000-0003-1773-3799

Claudia Maria Gabert Diazb

https://orcid.org/0000-0003-1100-3242

Liliane Alves Pereirac

https://orcid.org/0000-0001-6354-7781

Resumo

A dimensão cultural está interligada aos hábitos saudáveis, comportamentos e boas práticas de qualidade de vida. A interculturalidade se fundamenta diante da perspectiva de não sobrepor uma cultura a outra, mas encontrar um caminho para que todas as culturas possam conviver em sociedade. Este estudo pretende refletir sobre a formação intercultural no cuidado em enfermagem a partir da elaboração de um portfólio acadêmico. Este artigo é um estudo descritivo e do tipo relato de experiência acerca da utilização do portfólio reflexivo enquanto metodologia ativa de ensino/aprendizagem. Os resultados deste estudo estão descritos de acordo com a temática abordada no portfólio e que aprofundam as reflexões desenvolvidas no âmbito formativo, nas diversas fases da vida humana, considerando a saúde do homem, da mulher, do recém-nascido, criança e adolescente. Essas discussões estão pautadas na interculturalidade, privilegiando o diálogo entre seres humanos de diferentes grupos socioculturais, propondo a inter-relação e não a dominação. Portanto, quando inserido em um espaço de saúde, vale redirecionar as ações levando em conta que são momentos de construção de cuidado e desconstrução de mitos. A enfermagem sob o prisma da interculturalidade deve ser cada vez mais almejada, pois, a abordagem intercultural é sempre uma visão aprofun-

a Graduando em Enfermagem. Universidade Franciscana. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. Email: eduardomarques051@gmail.com

b Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. Email: cmgdiaz@bol.com.br

c Professora do Curso de Enfermagem. Doutora em Enfermagem. Universidade Franciscana. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. Email: liliane.pereira@ufn.edu.br

Endereço para correspondência: Rua General Neto, beco Edith Ornellas, n. 44, Centro. Caçapava do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil. CEP: 96570-000. E-mail: eduardomarques051@gmail.com

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dada das relações da enfermagem/saúde com as diferentes fases de cuidado integral que prima por realizar um cuidado eficiente, ético e humanizado. Palavras-chave: Enfermagem. Cultura. Ensino. Ética.

ACADEMIC PORTFOLIO: REFLECTIONS OF NURSING CARE AND INTERCULTURALITY

Abstract

Healthy habits and behaviors, and good quality of life practices are interconnected with the cultural dimension. Interculturality adopts the perspective of not superimposing one culture on another, but finding a way for all cultures to live together in society. This study reflects on intercultural education in nursing care based on the elaboration of an academic portfolio. A descriptive experience report was conducted on the use of reflective portfolio as an active teaching-learning methodology. Results are described according to the theme addressed in the portfolio and which show in-depth reflections developed during graduation on the different stages of human life, considering the health of men, women, newborns, children and adolescents. These discussions draw on interculturality, favoring dialogue between individuals from different socio-cultural groups, proposing interrelationship and not domination. When used in a healthcare scenario, the portfolio should be considered a moment to construct care and deconstruct myths. Looking at nursing under the prism of interculturality should be encouraged, since an intercultural approach is always an in-depth view of the relations between nursing/health and the different phases of comprehensive care, which excels in providing efficient, ethical, and humanized care.

Keywords: Nursing. Culture. Teaching. Ethics.

PORTAFOLIO ACADÉMICO: REFLEXIÓN SOBRE EL CUIDADO DE ENFERMERÍA

EN LA INTERCULTURALIDAD

Resumen

La dimensión cultural está ligada a hábitos, conductas saludables y prácticas de buena calidad de vida. La interculturalidad se basa en la perspectiva de no traslapar una cultura con otra, sino buscar la forma de que ambas vivan juntas en sociedad. Este estudio

277 v. 45, n. 3, p.
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Revista Baiana de Saúde Pública
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tiene como objetivo reflexionar sobre la educación intercultural en el cuidado de enfermería a partir del desarrollo de un portafolio académico. Este es un estudio descriptivo, del tipo Reporte de Experiencia sobre el uso del portafolio reflexivo como metodología activa de enseñanza-aprendizaje. Los resultados del estudio se describen según la temática abordada en el portafolio y que profundizan las reflexiones desarrolladas en el ámbito formativo, en las diferentes etapas de la vida humana, considerando la salud de hombres, mujeres, recién nacidos, niños y adolescentes. Estas discusiones se basan en la interculturalidad, que busca privilegiar el diálogo entre seres humanos de diferentes grupos socioculturales, proponiendo la interrelación y no la dominación. Se concluye que al insertarse en un espacio de salud, vale la pena reorientar las acciones teniendo en cuenta que son momentos de construcción de cuidados y deconstrucción de mitos. La enfermería bajo la interculturalidad debe ser cada vez más buscada, pues el abordaje intercultural es siempre una visión profunda de la relación entre enfermería/salud y las diferentes fases del cuidado integral que se destaca por brindar un cuidado eficiente, ético y humanizado.

Palabras clave: Enfermería. Cultura. Enseñanza. Ética.

INTRODUÇÃO

A cultura remete às características específicas de um grupo, sendo repassadas de ancestrais ou formadas a partir de um novo grupo de pessoas, configurando a sua identidade. Desta forma, as sociedades evoluem junto às práticas culturais, como formas de se alimentar, de ensinar, de aprender, de falar, de ser entre e com os povos e as épocas1.

A busca pela excelência do cuidado em saúde deve considerar os aspectos culturais, uma vez que é parte da promoção do bem-estar aos indivíduos. Cabe aos profissionais de saúde prezar pelo respeito às diferenças, promovendo saúde de forma humanizada. Com isso, cada indivíduo traz em si uma experiência cultural, com distinções dentro da sociedade, formando novas perspectivas culturais e uma rede. Para o cuidado de enfermagem, cabe o conhecimento da interculturalidade para o agir de forma ética diante das diferenças 2 .

A qualidade de vida está diretamente relacionada à cultura, em que diferentes grupos valorizam diferentes aspectos relacionados à saúde. A dimensão cultural está interligada aos hábitos saudáveis, comportamentos e boas práticas de qualidade de vida3. Assim, torna-se relevante compreender a cultura presente no processo de cuidado, impregnada na identidade de cada indivíduo, por meio de uma ferramenta denominada interculturalidade. Transcendendo

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o respeito mútuo e indo ao encontro da atitude cooperativa e da construção de acordos entre diferentes vivências culturais.

A interculturalidade se fundamenta diante da perspectiva de não sobrepor uma cultura a outra, mas buscar um caminho harmônico de convivência em sociedade4

Dessa forma, as relações pessoais são o ponto chave para a formação da interculturalidade na prática cotidiana. O cuidado de enfermagem tem a necessidade da participação de dois ou mais indivíduos e exige, assim como a interculturalidade, que os protagonistas estejam em comum acordo, com o respeito mútuo e a individualidade no centro dessa relação.

A interculturalidade propõe o privilégio ao diálogo, a vontade de inter-relação e não dominação. Na saúde pública, a interculturalidade possibilita a descolonização dos saberes, criação de mediações políticas capazes de representar a diversidade da população mundial, promoção do bem-estar e diminuição da reprodução de preconceitos5.

Este estudo se origina da construção de um portfólio acadêmico, cujo estudante realiza uma reflexão diante das vivências do ambiente acadêmico, sob a discussão de reflexões no cotidiano formativo. As vivências abordadas emergiram das disciplinas cursadas no sexto semestre do curso de graduação em enfermagem. Assim, surge a questão “como o cuidado de enfermagem se estabelece sob o prisma da formação cultural?”.

Este artigo é justificado em virtude da relevância do tema, pois a interculturalidade está presente em todas as ações do ser humano, uma vez que ela se constitui a partir de experiências pessoais, sociais e relacionais. Isso se potencializa quando o estudo da enfermagem entrelaça as experiências ditas acima e o modo de fazer e promover cuidado e saúde, contempladas desde a formação profissional, com as disciplinas da matriz curricular e das atividades práticas em saúde, por meio de metodologias ativas, como o portfólio acadêmico.

Tendo isso em vista, este estudo apresenta o objetivo de refletir sobre a formação de enfermagem diante do cuidado intercultural a partir da elaboração de um portfólio acadêmico.

MATERIAL E MÉTODOS

Este é um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, acerca da utilização do portfólio reflexivo enquanto metodologia ativa de ensino/aprendizagem. A abordagem descreve aspectos referentes à experiência acadêmica, transpondo o papel de simples descrição, para propiciar novos debates e reflexões sobre a temática.

O relato de experiência é uma ferramenta descritiva que apresenta um fato vivenciado capaz de contribuir de forma relevante para a atuação profissional e

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Revista Baiana de Saúde Pública

comunidade científica, trazendo considerações, reflexões e embasamentos teóricos para outros pesquisadores6. Esse método traz contribuições para o ensino, visando a resolução ou minimização dos problemas evidenciados na prática7

As práticas do referido semestre ocorrem em duas unidades de um hospital de médio porte com atendimento totalmente público, em um município da Região Central do Rio Grande do Sul. Os aprendizados, experiências e reflexões emergidas durante o processo de formação no decorrer das práticas, foram relatadas no portfólio reflexivo utilizado como critério avaliativo de todas as disciplinas do referido semestre. Este relato descreve as vivências de docentes e discentes, no período de agosto de 2020 a dezembro de 2020. As práticas no referido hospital ocorrem em grupo de quatro alunos e mais um professor responsável pela parte prática de cada disciplina.

O portfólio acadêmico oportuniza a expressão livre do estudante, trajetórias e expectativas. A possibilidade de inovadoras atividades práticas vivenciadas em coletividade.

Com ele, torna-se possível o estudante se autoavaliar, refletir sobre seu processo de ensino/ aprendizagem e utilizar a literatura cientifica para sustentar sua posição8. A construção do portfólio parte da percepção do aluno e da escolha de um tema central para ser correlacionado diante das disciplinas, sendo, nesse caso, a interculturalidade o ponto de partida.

Dessa forma, optou-se pela utilização de recortes do portfólio e assim descrever as percepções, potencialidades e fragilidades da utilização dele, refletir acerca da importância da utilização do portfólio na construção do conhecimento, habilidades e atitudes frente à formação intercultural no cuidado em enfermagem contemplando as disciplinas teóricas e práticas do curso de graduação em enfermagem.

RESULTADOS

Os resultados do estudo estão descritos de acordo com a temática abordada no portfólio e aprofundam as reflexões desenvolvidas no âmbito formativo, nas diversas fases da vida humana, considerando a saúde do homem, da mulher, do recém-nascido, criança e adolescência.

Essas discussões estão pautadas na interculturalidade que busca privilegiar o diálogo entre seres humanos de diferentes grupos socioculturais, propor a inter-relação e não a dominação. Filosoficamente, a intercultura implica em uma descolonização em busca de um equilíbrio epistemológico9. Esse pensamento é fortalecido conforme se percebe que não há uma cultura superior a outra, mas todas trazem em si mesmas características capazes de edificar um e outro10.

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Quadro 1 – Vivências das aulas. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil – 2021

Atenção integral à saúde do homem

A partir do vivenciado no atual semestre na maternidade e berçário, os homens acompanhantes das parturientes na unidade não receberam a devida atenção do serviço de saúde.

O mito social e cultural da virilidade e masculinidade do homem em relação ao acesso dos serviços de saúde.

As ações de saúde estão voltadas à mulher e ao recém-nascido, enquanto o homem não recebe apoio e não é verificada sua condição de saúde.

Fonte: Elaboração própria

DISCUSSÕES

Atenção integral à saúde da mulher

Foi possível vivenciar o trabalho de parto de uma gestante. Com o nascimento do recém-nascido surge o questionamento: “O parto respeitou as perspectivas culturais da mulher?”

Maior busca aos serviços de saúde e comprometimento com o cuidado da própria saúde.

Recém-nascido, criança e adolescente

Práticas de saúde sem comprovação, como: cobrir o umbigo do recémnascido até cair e colocar uma bolinha de lã na testa para o soluço do bebê passar.

As puérperas fizeram questionamentos acerca de inserir chás e papinhas ao invés do aleitamento materno exclusivo, logo ao retornar para casa.

Dúvidas dos familiares quanto ao “amarelão” e ao “leite fraco”. Nesse momento, foi uma vivência importante da utilização da interculturalidade, em que com o diálogo, por meio de orientações, foram sanadas dúvidas utilizando o conhecimento científico em uma linguagem de fácil entendimento.

ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DO HOMEM E SUA FACE INTERCULTURAL

A dificuldade de acesso dos homens aos serviços de saúde está atrelada à insuficiência de informações direcionadas a esse público, ao regime de trabalho e horários, ao temor do diagnóstico negativo, à masculinidade e à automedicação. Outro fator que dificulta a inserção do homem nos serviços de saúde é a construção no imaginário social. Logo, a responsabilidade de provisão em relação às necessidades familiares faz com que os homens priorizem o trabalho e outras atividades em detrimento de sua saúde11.

Para a melhoria de alguns fatores, tem-se como alternativa a conscientização sobre a saúde desde a infância, incutindo o cuidado e a autonomia. Dessa forma, há a necessidade da remodelação dos serviços de saúde e profissionais capacitados para esse público, pensando em novas estratégias e abrindo discussões referentes à atenção integral à saúde do homem12. Portanto, torna-se pertinente trabalhar e desmistificar o cuidado com a saúde do homem em todas as fases da vida, uma vez que, trata-se de um problema de saúde pública e, por isso, cabe a todo o sistema de saúde prover meios de mudanças, para que fatores culturais não prejudiquem a saúde de um indivíduo.

A atenção primária em saúde tem como grande desafio ampliar o acesso a população masculina e aprofundar os estudos sobre gêneros, sendo que as variáveis culturais

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jul./set. 2021
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influenciam na baixa adesão à atenção integral. Os homens compreendem que a presença de uma doença é um sinal de fragilidade, desconsiderando, portanto, a necessidade de procurar o serviço de forma preventiva13. Assim, torna-se necessária a mudança de comportamento da população e dos serviços de saúde, por meio do conhecimento sobre as características sociais, econômicas e culturais dos homens.

À medida que os serviços de saúde vão introduzindo o homem no cuidado em saúde, dilui-se o paradigma de que o homem não é capaz de ser cuidado ou de cuidar. Portanto, inserir um homem no processo de cuidado é fazer com que ele ressignifique questões relacionadas à masculinidade, formando em sua subjetividade um verdadeiro pai, bem como um homem integral14.

ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DA MULHER: UM OLHAR INTERCULTURAL

Ao pensar em saúde da mulher é possível atrelar os fatores já discutidos anteriormente em relação ao homem. Porém, as mulheres acessam mais os serviços de saúde, bem como têm maior cuidado com a sua saúde e daqueles que estão sob o seu cuidado. Isso acontece porque o cuidado ainda é uma característica feminina atrelada a sentimentos como afeto, ternura, atenção, como se os homens não os desenvolvessem15

Mas há aspectos culturais diferentes que afetam mais as mulheres, como situações de vulnerabilidade, violência e preconceito, sendo essas questões fundamentadas em diversos fatores, por exemplo o pano de fundo cultural.

Diante disso, o enfermeiro deve estar atento aos diferentes aspectos para que não deixem a perspectiva cultural do profissional se sobrepor a de seus pacientes, ainda que, embora, estejam inseridos na mesma perspectiva de cultura, sabe-se que há diferenças da ordem das microculturas.

Cabe ao profissional de saúde compreender as formas de relação da saúde reprodutiva e do parto/puerpério, para que a usuária exerça sua autonomia. Com isso, é esperado um parto conforme a cultura e os desejos da gestante, dentro dos limites obstétricos16

Portanto, as influências culturais em determinado momento são positivas e em outro são negativas. Para o profissional de saúde, cabe respeitá-las e, quando podem causar algum dano, realizar a educação em saúde, esclarecendo que determinado fato pode ser prejudicial, embora em outros tempos tenha sido utilizada.

Para a atenção diferenciada diante da perspectiva cultural, existem muitos vazios, todas as vezes que o estudante de enfermagem e até mesmo o profissional de saúde questiona e se deixa questionar por essas realidades emergem indagações. Como na atenção às mulheres

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indígenas, em que as práticas e os saberes de determinada cultura se passam de maneira invisível no modelo biomédico. Na cultura indígena, busca-se tratamento físico e espiritual por meio de plantas existentes na mata. Com isso, a supremacia técnica e intervencionista não respeita a escolha da mulher indígena17. Na cultura das mulheres quilombolas em que a figura da mãe é central ou a mulher é vista como um porto seguro de força e resistência e a principal cuidadora18. São esses diferenciais que provocam nos profissionais de saúde, sobretudo os enfermeiros, a necessidade de reconhecer as diferentes culturas ou ainda a capacidade de valorizar culturas diferentes da sua, a fim de perceber o diferente.

RECÉM-NASCIDO, CRIANÇA E ADOLESCENTE A INTEGRALIDADE NO ATO DE CUIDAR

Algumas práticas culturais e empíricas no cuidado com o recém-nascido podem causar malefícios à saúde, como o cuidado com o coto umbilical, ocasião em que equipe de saúde deve respeitar os saberes culturais e educar em saúde os pais/familiares diante dos riscos de cuidados inadequados19. Nesse sentido, a enfermagem tem grande potencial de realizar ações educativas em saúde pública. As ações também são relevantes para solucionar as dúvidas dos familiares, como o mito do “leite fraco” e a rápida identificação da presença de “amarelão”.

Assim, solucionando uma problemática com clareza e realizando a desconstrução de um mito social pode ocorrer com a articulação de saberes, fazendo com que o diálogo seja o ponto chave das relações pessoais

O aleitamento materno exclusivo é um exemplo importante nesse processo já que se sabe da importância dessa exclusividade. A amamentação tem uma forte influência das redes sociais e da cultura familiar20. Sendo assim, o fator da educação em saúde se torna um forte aliado, desde que não transpasse os limites da identidade cultural das mães.

O ato da amamentação também é permeado por crenças, mitos e costumes culturais, passados por grupos sociais. Fatores culturais e sociais contribuem para a não adesão do aleitamento materno exclusivo. Portanto, é importante a conscientização da importância do aleitamento materno exclusivo somado a manutenção da preservação cultural21

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a vivência nas aulas teórico-práticas, buscou-se realizar a integração junto ao que foi trabalhado nas disciplinas de Atenção Integral à Saúde da mulher, Atenção Integral à Saúde do Recém-Nascido, da Criança e do Adolescente e Atenção Integral à Saúde do Homem. Dessa forma, no pré e pós-parto foi estimulada a paternidade nas situações possíveis, promovendo que os pais presentes fossem atores no processo de cuidado junto à mãe e ao

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recém-nascido para que esse estímulo quebrasse a barreira cultural de que o pai deve ser menos presente na formação social do filho.

A vivência oportunizou esclarecer dúvidas, ensinando técnicas de higiene corporal, higiene do coto umbilical, aleitamento materno exclusivo e troca de fralda, orientações em saúde para o melhor cuidado com o recém-nascido, sem desconsiderar os saberes prévios e a cultura de cada pessoa. Nessa perspectiva, foi possível identificar o viés cultural, pretendendo atender cada em sua singularidade, ainda que exista a necessidade de ser mais explorada, por exemplo trabalhar dentro da academia o cuidado intercultural.

Diante disso, a experiência mostra que a formação do enfermeiro ainda não está voltada para compreender as questões subjetivas, referentes às perspectivas culturais.

Na assistência houve o choque de práticas culturais com a ciência, cuja resolução do conflito se deu pelo diálogo, evitando, dessa forma, os desentendimentos. Portanto, cabe fazer com que a interculturalidade esteja presente na formação do enfermeiro e na saúde pública mundial.

A enfermagem sob o prisma da interculturalidade deve ser cada vez mais buscada, pois a abordagem intercultural é sempre uma visão aprofundada das relações da enfermagem/ saúde com as diferentes fases de cuidado integral que prima por realizar um cuidado eficiente, ético, humanizado.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Eduardo Marques Machado.

2. Redação do artigo ou revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Eduardo Marques Machado, Claudia Maria Gabert Diaz e Liliane Alves Pereira.

3. Revisão e/ou Aprovação final da versão a ser publicada: Claudia Maria Gabert Diaz e Liliane Alves Pereira.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra. Essas quatro condições devem ser integralmente atendidas: Eduardo Marques Machado, Claudia Maria Gabert Diaz e Liliane Alves Pereira.

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Recebido: 25.3.2021. Aprovado: 13.6.2022.

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RELATO DE EXPERIÊNCIA

A GESTÃO DO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL POR MEIO DE GRUPOS TERAPÊUTICOS EM UNA (BA)

Anne Caroline Santosa

https://orcid.org/0000-0002-7450-0089

Thiago Ferreira de Sousab

https://orcid.org/0000-0002-9846-9661

Resumo

Este artigo teve como objetivo analisar o processo do matriciamento na gestão do cuidado em saúde mental no Núcleo Ampliado da Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB) por meio de grupos terapêuticos, como forma de minimizar os problemas psicológicos dos usuários nos serviços públicos de saúde no município de Una (BA). Trata-se de um relato de experiência que utilizou a observação das ações que ocorreram em grupos terapêuticos. Os encontros aconteceram por um período de cinco meses, com um encontro mensal em cada Estratégia de Saúde da Família (ESF). Buscou-se observar nos grupos a forma como os profissionais de saúde e a comunidade lidavam com o sofrimento psíquico dos usuários que frequentavam as unidades de saúde, bem como daqueles com quem os agentes comunitários tinham contato frequente, realizando cobertura assistencial. O intuito foi identificar os fatores de risco presentes nas famílias e no território adscrito, além de compreender e refletir sobre as formas de minimizar o adoecimento psíquico na própria comunidade. Observou-se o funcionamento dos grupos e as discussões acerca das temáticas ansiedade, depressão, dependência afetiva, conflitos familiares, dificuldades cotidianas e estratégias para autogestão de cuidado à saúde mental. Os encontros realizados nos grupos de saúde mental fomentaram a produção de sentidos a respeito do sofrimento psíquico, reelaborando e redirecionando estratégias de cuidado e enfrentamento das adversidades cotidianas.

Palavras-chave: Saúde mental. Psicologia em saúde. Saúde coletiva.

a Psicóloga. Especialista em Saúde da Família. Especialista em Gestão em Saúde. Coordenadora Local e Preceptora do Programa Estadual de Residência Multiprofissional Regionalizado em Saúde da Família (Permusf) da Escola de Saúde Pública da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: annecaroline.santos@outlook.com b Profissional de Educação Física. Doutor em Educação Física. Docente do Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Amargosa, Bahia, Brasil E-mail: tfsousa_thiago@yahoo.com.br

Endereço para correspondência: Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Rua Rui Barbosa, n. 710, Centro. Cruz das Almas, Bahia, Brasil. CEP: 44380-000. E-mail: atendimento@ufrb.edu.br

287 v. 45, n. 3, p. 287-298 jul./set. 2021 287 DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n3.a3471
Revista Baiana de Saúde Pública

HEALTH CARE MANAGEMENT

Abstract

This experience report analyzes the matrix process of mental health care management in the Extended Center for Family Health and Primary Care (Nasf-AB) via therapeutic groups, to minimize user psychological problems in public health services in the municipality of Una, Bahia, Brazil. Data were collected by observing the actions carried out within therapeutic groups, seeking to understand how health professionals and the community coped with the psychological distress experienced by health unit users, and users that community agents frequently provided care for. Monthly meetings took place over a period of five months in each Family Health Strategy (FHS) unit. The study sought to identify the risk factors present in the families and the territory they serve, as well as to understand and reflect on ways to minimize psychic illness in the community itself. The groups conducted discussions on topics such as anxiety, depression, emotional dependence, family conflicts, daily difficulties and strategies for mental health care self-management. The meetings held within the mental health groups fostered the production of meanings regarding psychological suffering, reworking and redirecting strategies for care and coping with daily adversities.

Keywords: Mental health. Health psychology. Collective health.

GESTIÓN DE LA ATENCIÓN EN SALUD MENTAL A TRAVÉS DE GRUPOS TERAPÉUTICOS EN UNA, BAHÍA

Resumen

Este artículo tuvo como objetivo analizar el proceso matricial en la gestión de la atención en salud mental en el Núcleo Extendido de Salud de la Familia y Atención Primaria (Nasf-AB), a través de grupos terapéuticos, como una forma de minimizar los problemas psicológicos de los usuarios de los servicios de salud pública en el municipio de Una (Bahía, Brasil). Este es un reporte de experiencia, que utilizó la observación de acciones ocurridas en grupos terapéuticos. Las reuniones se desarrollaron durante un período de cinco meses, con una reunión mensual en cada Estrategia de Salud Familiar (ESF). Se buscó observar en los grupos cómo los profesionales de la salud y la comunidad trataban el sufrimiento psicológico de los usuarios que acudían a las unidades de salud, así como en los usuarios con los que los agentes comunitarios tenían contacto frecuente, brindándoles asistencia. Su objetivo fue identificar los factores de riesgo presentes en las familias y en el territorio, además de comprender y reflexionar sobre las formas de minimizar la enfermedad psíquica en la propia comunidad.

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Se observó el funcionamiento de los grupos y las discusiones sobre los temas de ansiedad, depresión, dependencia emocional, conflictos familiares, dificultades cotidianas y estrategias de autogestión de la atención en salud mental. Los encuentros realizados en los grupos de salud mental fomentaron la producción de significados sobre el sufrimiento psicológico, reelaborando y reorientando estrategias de atención y afrontamiento de las adversidades cotidianas.

Palabras clave: Salud mental. Psicología de la salud. Salud colectiva.

INTRODUÇÃO

A saúde deve ser entendida como um estado dinâmico de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social, e não meramente como a ausência de doenças, ou seja, compreendendo as diferentes formas de vivenciar o processo saúde-doença, incluindo uma perspectiva transcultural da qualidade de vida entre os sujeitos ao longo da vida1. O conceito de saúde é histórico, construído por meio da conjuntura social, política, econômica e cultural de uma determinada época, e sofre transformações ao longo do tempo, passando a ser considerado na atualidade de forma ampla a partir da perspectiva da integralidade e da compreensão do sujeito como todo. Leva-se em consideração, hoje, que a saúde mental é mais do que ausência de transtornos mentais ou deficiências, mas sim um estado de bem-estar do sujeito2. Desse modo, a saúde mental depende de um bem-estar não só físico, mas também social, compreendendo a heterogeneidade de fatores que ocorrem ao longo da vida e que podem acarretar desequilíbrio mental dos indivíduos3

A atenção à saúde mental é estabelecida na atenção básica por meio de diversas instituições de saúde que firmam estratégias de cuidado no Sistema Único de Saúde (SUS), rede de atenção estruturada, no que diz respeito à descentralização das ações e serviços de saúde preconizados na Constituição Federal4. Porém, essa rede não é capaz de sanar todas as demandas biopsicossociais que ocorrem nos serviços públicos de saúde cotidianamente. Partindo dessa reflexão, o Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB) foi implementado em 20085 com o objetivo de ampliar a abrangência e o escopo das ações da atenção básica nos territórios, sendo constituído por profissionais de diferentes áreas de conhecimentos6.

Para ampliar a atuação da Estratégia de Saúde da Família (ESF) e do Nasf-AB, o matriciamento em saúde deve ser colocado em prática no processo de construção compartilhada, no intuito de aumentar o potencial de integralidade e de resolutividade dos atendimentos, compartilhando problemas e aprimorando a relação e a articulação entre profissionais, a fim de melhorar os serviços de saúde prestados à população6.

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O matriciamento deve permitir que ações em saúde mental pertinentes à atuação do Nasf sejam executadas, entre elas o trabalho com grupos nas unidades, por meio de práticas que ampliem a capacidade assistencial aos usuários que buscam ajuda psicológica. Isso possibilita a promoção da saúde e prevenção de agravos, bem como a efetividade da educação em saúde, sendo um espaço importante de reflexão e de apoio social, que amplia e conscientiza os usuários sobre as diversas formas de adoecimento7. Destarte, a atuação da psicologia no Nasf tem o objetivo de aumentar a capacidade assistencial aos usuários por intermédio de práticas integrativas que tornem possíveis a promoção da saúde e a prevenção de doenças, promovendo, assim, a minimização dos agravos à saúde mental. Essa compreensão da atenção à saúde mental na rede de atenção do SUS parte da alta demanda de encaminhamentos das ESF para os setores de regulação, corroborando a superlotação do setor e a pouca resolutividade da demanda psicológica.

Este estudo contribuirá para aprofundar as reflexões críticas sobre saúde mental na atenção básica, facilitando o movimento de ressignificação do conhecimento e tendo como objetivo analisar o processo do matriciamento na gestão do cuidado em saúde mental no Nasf-AB por meio de grupos terapêuticos, como forma de minimizar os problemas psicológicos dos usuários nos serviços públicos de saúde. Utilizando o método de relato de experiência, este estudo se norteia pela seguinte questão: como o matriciamento e a gestão do cuidado em saúde mental podem auxiliar no enfrentamento do sofrimento psíquico apresentado pelos usuários do SUS no município de Una, Bahia?

MATERIAL E MÉTODOS

Esta pesquisa caracteriza-se como descritiva, do tipo relato de experiência, a qual abordou a vivência de uma equipe multidisciplinar no matriciamento em saúde mental no âmbito do Nasf-AB no município de Una (BA). A referida cidade tem uma população estimada em 19 mil habitantes8, assistidos por nove ESF e uma equipe do Nasf-AB, em que atuam dois profissionais de psicologia.

A partir do matriciamento realizado na rede de atenção à saúde do município, ações começaram a ser planejadas e organizadas nas ESF a cada mês, tendo como foco a saúde mental. As ações de cuidado envolviam visitas domiciliares, atendimentos compartilhados, atendimentos individualizados e interconsultas que ocorriam de acordo com a demanda, em sua maioria uma vez por semana. Os encontros do grupo de saúde mental, por sua vez, eram realizados uma vez por mês em cada ESF do município, dissociados de outras ações de cuidado realizadas no território.

Foram observados três grupos de educação em saúde em três ESF, sendo os encontros realizados entre os meses de maio e setembro de 2019. Os grupos foram coordenados pelas psicólogas do Nasf-AB, com a participação de outros profissionais da saúde em diversos momentos, desde o planejamento até a execução. O grupo foi intitulado “Saúde Mental em Equilíbrio” e implementado

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nas ESF dos distritos de Comandatuba, Bairro Novo e Colônia I, tendo sido realizados cinco encontros por unidade por um período de cinco meses, com duração de uma hora e participação, em média, de 15 pessoas em cada encontro nas três ESF. Os encontros foram direcionados para qualquer usuário que manifestasse interesse em participar da discussão, principalmente aos sujeitos que apresentavam sofrimento psíquico considerado, pelos profissionais de saúde, leve a moderado. Nesse sentido, este relato de experiência foi sistematizado a partir da ordem sequencial das práticas desenvolvidas, servindo como base estratégica para o seu desenvolvimento as práticas realizadas nos grupos de saúde mental, que foram formados a partir da necessidade psicossocial dos territórios adscritos das três unidades selecionadas, identificada a partir do reconhecimento das limitações teórico-prática das equipes de saúde em contemplar, em suas ações rotineiras, as demandas relacionadas à saúde mental.

Desse modo, buscou-se observar nos grupos a forma como os profissionais de saúde e a comunidade lidavam com o sofrimento psíquico dos usuários que frequentavam as unidades de saúde, bem como daqueles com os quais os agentes comunitários tinham contato frequente, realizando cobertura assistencial, no intuito de identificar os fatores de risco presentes nas famílias e no território adscrito e de compreender e refletir sobre as formas de minimizar o adoecimento psíquico na própria comunidade.

Por se tratar de um estudo do tipo de relato de experiência, houve apenas a observação das ações dos grupos. Não foi realizada aplicação individual de questionário aos participantes do grupo e nem consulta aos prontuários dos pacientes nas unidades de saúde.

RESULTADOS

Com a criação do grupo de saúde mental nas três unidades de saúde localizadas no município de Una, foi observado que muitos usuários consideravam o bem-estar físico como sinônimo de “estar com saúde”, desconsiderando a saúde mental como fundamental no processo saúde-doença. Diante disso, pôde-se identificar que muitos usuários apresentavam alguma demanda psicológica que corroborava o mal-estar físico, mental e/ou social, não sabendo lidar, muitas vezes, com as adversidades cotidianas que impactavam o seu bem-estar.

Por meio da observação dos encontros realizados, foi possível destacar temas e discussões realizadas, apresentadas no Quadro 1. Nos encontros do grupo de saúde mental foram trabalhadas temáticas como ansiedade, depressão, dependência afetiva, conflitos familiares, dificuldades cotidianas e estratégias para o cuidado à saúde mental. Ao final de cada reunião, a atividade seguinte era ajustada de acordo com as demandas identificadas ou sugeridas pelo grupo, em consonância com o que tinham mais interesse em discutir e refletir,

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além do tema já previamente estabelecido. Esse formato possibilitou que as ações não fossem elaboradas de forma unilateral, considerando nesse processo a participação conjunta dos usuários na construção dessas ações desenvolvidas no território.

Quadro 1 – Descrição dos temas e discussões abordadas no grupo. Una, Bahia – 2019

Encontros Temas Abordados

1º Encontro Desconstrução do preconceito sobre o termo “saúde mental”, a desmistificação e estigmas sobre a loucura

2º Encontro Ansiedade

Discussão Realizadas

Os participantes apresentaram reflexões semelhantes a respeito do preconceito sobre sofrimento psíquico, da consulta com psicólogo e psiquiatra, bem como do uso de medicamentos receitados por psiquiatras no intuito de minimizar sintomas psicológicos.

Foi observado que a ansiedade é um sentimento muito frequente nos participantes dos grupos. Muitos sujeitos não sabem lidar e controlar os sintomas que esse transtorno apresenta. Foram abordados e discutidos as características da ansiedade, sintomas, estratégias de enfrentamento e fatores que agravam o quadro ansioso, bem como possíveis caminhos que podem contribuir para sua minimização no cotidiano.

3º Encontro Conflitos familiares

4º Encontro Dependência afetiva

5º Encontro Estratégias para gestão do autocuidado

Fonte: Elaboração própria.

Os conflitos familiares estão muito presentes também no território, que, por ser uma cidade com uma população considerada pequena, conta com muitas famílias que moram próximas e que por vezes não vivem em harmonia. Foi trabalhado especificamente o comportamento individualizado e como essas pessoas lidam com as adversidades familiares que ocorrem no dia a dia, ressignificando, assim, algumas questões problemáticas individuais dos sujeitos presentes.

Foram fomentadas reflexões a respeito do autoconhecimento e autoconfiança, buscando entender quais são os sinais e como ocorre a dependência afetiva e discutindo caminhos possíveis para superação desse estado emocional.

Foi feita discussão a respeito das práticas emocionais e comportamentais do equilíbrio mental no dia a dia, compartilhando estratégias de controle emocional, promoção da saúde e práticas de bons hábitos, ressaltando sempre a possibilidade de solicitar ajuda profissional quando for necessária.

Foi observado que, inicialmente, alguns participantes apresentavam a expectativa de realizar uma consulta individualizada, no intuito de sanar alguma demanda psicológica outrora não resolvida. Diante disso, realizou-se o esclarecimento do objetivo do grupo, logo no seu início, sendo compreendido que o compartilhamento do cuidado era a principal forma de manejo clínico a ser executada durante os encontros, compreendendo diferentes formas de produção de cuidado.

Para iniciar as discussões, foi importante refletir sobre o estigma da psicologia na comunidade, tratando os aspectos do processo de adoecimento mental e das pessoas que fazem uso de medicamentos para cuidados psíquicos. Percebeu-se que muitos usuários do grupo apresentavam ou já haviam apresentado algum tipo de preconceito e discriminação com o adoecimento psíquico, uma vez que muitos relatavam que só quem precisava de atendimento psicólogo e/ou psiquiátrico seriam as pessoas que apresentavam algum tipo de loucura.

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A partir do primeiro encontro, foi observado que a ansiedade generalizada foi o fator mais recorrente apresentado pelos usuários, pois muitos compartilhavam sintomas característicos desse transtorno, como estresse excessivo, dificuldades para dormir, irritabilidade, medo, constante tensão e nervosismo, tensão muscular, descontrole dos pensamentos, entre outros sintomas. Foi constatado também o relato de pessoas com sintomas característicos de depressão isolada ou associada à ansiedade, cujas queixas perpassam todas as discussões e temáticas abordadas nos grupos, principalmente em relação à dificuldade de encontrar estratégias de gestão do cuidado e minimização dos sintomas característicos da depressão e ansiedade.

A discussão a respeito dos conflitos familiares foi o tema do terceiro encontro, sugerido e concordado por todos os participantes das três unidades de saúde, sendo fundamental produzir reflexões sobre essa temática. Foi evidenciada a importância de pensar sobre os comportamentos individuais de cada usuário, as diferentes subjetividades presentes no âmbito familiar e como os usuários poderiam lidar, de uma melhor forma, com as problemáticas cotidianas existentes nesse núcleo, sem adoecer ou contribuir para o adoecimento do outro.

Todavia, a partir das discussões realizadas sobre os conflitos familiares, observou-se que a origem de alguns conflitos compartilhados no grupo se dava a partir de uma dependência afetiva não reconhecida pelos sujeitos, que causava e/ou agravava diversas questões psicológicas em alguns participantes. Assim, foi fundamental promover reflexões e compartilhar saberes a respeito dos excessos de cuidados realizados e permitidos na rede de apoio e das renúncias de interesses individuais, o que possibilitou pensar sobre os aspectos e necessidade do exercício diário do autoconhecimento, da autoestima, do autorrespeito e da autovalorização, considerando o próprio comportamento e as diversas formas de conseguir superar a dependência existente.

Diante das temáticas trabalhadas, foi necessário realizar um fechamento dos encontros, abordando sobre as estratégias para a autogestão do cuidado à saúde mental, sendo possível observar a necessidade de os usuários absorverem conhecimentos relacionados aos diversos aspectos psicológicos para assim conseguirem realizar a manutenção do equilíbrio mental no dia a dia. Desse modo, percebeu-se que o compartilhamento de saberes e a promoção da troca de conhecimentos produziram sentido para os usuários de cada ESF, demonstrando a importância da implementação dos grupos e sua capacidade de minimizar fatores que outrora ocasionavam ou agravavam o adoecimento psíquico dos usuários.

Também foi identificado que o compartilhamento dos sentimentos individuais no grupo contribuiu para o significativo relato de diminuição dos agravos à saúde mental, sendo percebida a efetividade das ações em prol da promoção da saúde e prevenção de doenças, produzindo cuidado e estratégias de enfrentamento ao sofrimento psíquico e reelaborando-os em grupo.

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Em todos os encontros foram realizados a escuta qualificada, o direcionamento das questões adoecedoras e psicossomáticas, bem como a identificação de casos mais graves que necessitavam de intervenção individualizada, multiprofissional e/ou intersetorial. Caso fosse identificado algum usuário com sofrimento psíquico moderado ou grave que exigisse acompanhamento psicoterapêutico e intervenção psiquiátrica, esse paciente era encaminhado para outros serviços da rede de atenção à saúde do município, para que fosse realizada a intervenção específica e necessária, seguindo os protocolos de encaminhamentos da rede de atenção à saúde mental do município.

A execução dos grupos possibilitou a criação e o estreitamento de vínculos dos usuários entre si e com os profissionais de saúde, os quais contribuíram para a promoção da saúde e a efetividade do grupo terapêutico, (re)construindo e (res)significando os fazeres psicossociais no âmbito da saúde, de forma a promover a produção de conhecimentos técnico-científicos e de trocas de experiências com os usuários e entre eles. Também foi possível observar que alguns participantes conseguiram ressignificar algumas questões psicológicas que ocasionavam adoecimento psíquico, constituídas por diversos fatores relacionais durante o percurso da vida.

DISCUSSÃO

Neste estudo observou-se a necessidade de evidenciar que atividades em grupo são importante dispositivo de cuidado na comunidade. Conforme aponta Pichon-Rivière9, os grupos de reflexão podem ser um espaço de tomada de consciência, desalienação, reflexão crítica da realidade e transformação das pessoas que se fazem presentes, de forma que os sujeitos participantes possam trocar experiências, compartilhar necessidades individuais e sociais, bem como buscar em conjunto meios para solucionar suas dificuldades. Sendo assim, destaca-se a importância do território como potencializador das ações de promoção da saúde, podendo-se discutir as vivências de diversas questões existências que afetam a vida dos usuários, favorecendo maior aproximação desses indivíduos com a unidade de saúde, maior aderência ao tratamento, ampliação da consciência sobre sua patologia, incentivo à resiliência, entre outros7

Conquanto, Campos10 ressalta que os vínculos entre os usuários e dos usuários com os profissionais de saúde precisam estar estruturados em toda a rede de apoio do sujeito, constituído por família, amigos, serviços de saúde, serviços sociais, instituições religiosas, entre outros. Assim, torna-se possível a ampliação da clínica, reconhecendo as situações singulares que permitem a identificação e as possibilidades de ações dentro do próprio território, que devem levar em consideração a complexidade dos usuários e suas possíveis dimensões de intervenção11

Acredita-se que o sucesso das ações dos grupos deste estudo ocorreu pela necessária e importante reflexão sobre o estigma construído em torno da saúde mental.

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É essencial realizar a desconstrução com os usuários e profissionais de saúde e refletir sobre a importância da psicologia e psiquiatria em diversas configurações de adoecimento mental, de forma a contribuir para a ressignificação das concepções sobre os aspectos psíquicos e a minimização de problemas psicológicos ocasionados por diversas fatores e contextos, os quais podem acontecer com qualquer ser humano em algum momento da vida12

As reflexões abordadas nos encontros ressaltaram a importância dos profissionais de saúde contemplarem no seu fazer ético-político a clínica ampliada, principalmente pelo fato de que o acometimento do indivíduo por qualquer tipo de transtorno mental é por vezes desconsiderado nos serviços de saúde, na medida em que os profissionais realizam direcionamentos frequentes a doenças físicas e não psicológicas, negligenciando os níveis de identificação, diagnóstico e encaminhamento, sobretudo por desconhecimento sobre as causas e consequências dessas enfermidades13.

Todavia, dentre os temas discutidos nos grupos, deve-se notar a relevância da temática de conflitos familiares, uma vez que está relacionada ao cotidiano e impacta diretamente no bem-estar. Levou-se em consideração que o ambiente familiar pode ser a fonte principal do cuidado e da proteção do indivíduo, mas também o ponto de partida para o adoecimento psíquico, compreendendo que pequenos ou grandes conflitos dentro da família podem acarretar um desequilíbrio mental de um ou todos os membros envolvidos14. Com isso, é fundamental compreender a relação do tema com a dependência afetiva, que tem como características a insegurança, o medo, a desvalorização, a baixa autoestima e a dificuldade para expressar sentimentos, as quais podem levar ao comportamento submisso e são muitas vezes associadas a conflitos familiares, de acordo com o DSM-515.

Não obstante, as práticas de conservação do bem-estar e saúde mental perpassam por estratégias de controle emocional, reconhecimento dos limites individuais, manutenção de bons hábitos alimentares, práticas de atividade física, modos de relaxamento e condutas não medicamentosas como práticas de cuidados possíveis de serem realizadas dentro do território, ressaltando sempre a necessidade de solicitar ajuda profissional quando for necessário7

Como demonstrado neste estudo, as ações em saúde mental no território proporcionam uma maior expansão de reflexões entre os usuários e profissionais de saúde, permitindo que o sujeito se desenvolva e adentre a realidade com outro olhar, um olhar que transcende a inserção superficial, mas vivencial, do espaço, do tempo e da realidade social em que se encontra16. Além disso, tais atividades estimulam que os sujeitos e profissionais de saúde tenham empatia e se coloquem no lugar do outro de modo racional e emocional, no intuito de compreender o comportamento, as emoções, o contexto e as ações das pessoas que adoecem mentalmente e que procuram o serviço de saúde em busca de acolhimento6.

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Com os grupos terapêuticos foi possível reconhecer as complexidades e singularidades dos sujeitos, bem como promover discussões sobre as práticas centradas e direcionadas ao autocuidado com a saúde física e psicológica, refletindo sobre o indivíduo como ser relacional inserido no território vivo 17 .

Nota-se, assim, a necessidade de produzir cotidianamente práticas pautadas no acolhimento e na produção de vínculo entre os profissionais e a comunidade, para que as multicausalidades dos fatores psicológicos sejam atenuadas por ações que promovam o cuidado integral e contínuo nos serviços de saúde, estreitando o vínculo e realizando articulações com outros serviços da rede de atenção à saúde18.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os grupos de saúde mental fomentaram a produção de sentidos a respeito do sofrimento psíquico, reelaborando e redirecionando estratégias de cuidado e enfrentamento das adversidades que ocorrem cotidianamente, de modo a incentivar um constante processo de ação-reflexão-ação, além da promoção da resiliência. Considera-se, assim, a necessidade de criar, cada vez mais, diálogos pertinentes no âmbito da prática do profissional psicólogo inserido no Nasf-AB, os quais devem ser engendrados nas mudanças psicossociais e no cuidado na saúde integral dos sujeitos, estimulando discussão de práticas que promovam autonomia e construção de estratégias de autocuidado em saúde mental na população assistida.

Por isso, recomenda-se a continuidade das ações em saúde mental desenvolvidas nos grupos como importante meio de minimizar os agravos à saúde, principalmente para as pessoas que apresentam sofrimento psíquico em grau leve ou moderado e podem ser assistidas de forma prática e resolutiva dentro do próprio território, ocasionando, assim, redução dos constantes encaminhamentos para atendimentos psicoterapêuticos individualizados de outros serviços de saúde do município, bem como contribuindo para a redução da fila de espera na regulação.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Anne Caroline Santos e Thiago Ferreira de Sousa.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Anne Caroline Santos e Thiago Ferreira de Sousa.

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3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Anne Caroline Santos e Thiago Ferreira de Sousa.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Anne Caroline Santos e Thiago Ferreira de Sousa.

REFERÊNCIAS

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8. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Análise da população da população residente do município de Una/Bahia [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2020. [citado em 2020 mar 29]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/

9. Pichon-Rivière E. O processo grupal. 7a ed. São Paulo (SP): Martins Fontes; 2005.

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13. Holanda A, Rosa EZ, Veras MCB, Silveira AR, Guerra JD, Ribemboim CG, organizadores. Conselho Federal de Psicologia. A prática da Psicologia e o Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília (DF): Conselho Federal de Psicologia; 2009.

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Recebido: 1.5.2021. Aprovado: 22.7.2022.

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RELATO DE EXPERIÊNCIA

ABERTURAS NO ESPAÇO E ARQUITETURAS NO TEMPO: SAÚDE MENTAL NO TERRITÓRIO

https://orcid.org/0000-0003-0277-8353

Resumo

Este texto discute o tema da territorialização do ponto de vista conceitual e aplicado, tendo em vista seu uso no campo da saúde mental, principalmente na atenção primária. Trata-se de um relato de experiência que utiliza a perspectiva teórico-conceitual da cartografia para conhecer um território, cuja população estava adscrita a uma unidade de saúde da família, em um município do sul da Bahia, Brasil. Foram realizadas visitas a pessoas que vivem no território no âmbito das atividades desenvolvidas em um programa de residência de saúde da família da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab). Nesses itinerários foram produzidas fotos e selecionadas para este texto as que corresponderam a dois momentos relativos ao espaço-tempo. As imagens denominadas “aberturas no espaço” referem-se às ações de entrar no território e conhecer a organização do espaço geográfico e humano. Já as “arquiteturas no tempo” retratam e documentam aspectos da resistência simbólica e cultural das pessoas que vivem no local. A cartografia imagética representa uma contribuição potente para auxiliar trabalhadores sociais e de saúde que atuam em territórios materiais e subjetivos.

Palavras-chave: Território. Cartografia. Saúde mental. Atenção primária em saúde.

OPENINGS IN SPACE AND ARCHITECTURES IN TIME: MENTAL HEALTH IN THE TERRITORY

Abstract

This paper discusses territorialization from a conceptual and applied point of view, considering its use in mental health care, especially in primary care. Based on

a Graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Residência em Saúde Coletiva pelo Programa Estadual de Residência Multiprofissional Regionalizado em Saúde da Família (Permusf – ESP BA/Sesab BA). Mestre em Psicologia, especificamente em Processos de Subjetivação e Política, pela Universidade Federal do Sergipe. Atualmente cursa doutorado pelo Prodema, na Universidade Estadual de Santa Cruz. Endereço para correspondência: Universidade Estadual de Santa Cruz. Campus Soane Nazaré de Andrade. Rodovia Jorge Amado, Km 16, Salobrinho. Ilhéus, Bahia, Brasil. CEP: 45662-900. E-mail: vdanilevicz@gmail.com

299 v. 45, n. 3, p. 299-312 jul./set. 2021 299 DOI: 10.22278/2318-2660.2021.v45.n3.a3156
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the theoretical-conceptual perspective of cartography, this experience report sought to understand a territory whose population assigned to a family health unit in southern Bahia, Brazil. Field visits were carried out as part of the activities developed by the family health residency program of the Health Department od the State of Bahia (SESAB). The photos taken and selected for this analysis corresponded to two moments regarding space-time. Images named “openings in space” refer to entering the territory and getting to know the organization of geographical and human space; “architectures in time” portray and document symbolic and cultural resistance aspects of those who live there. Imaging cartography is a potent contribution to assist social and health workers working in material and subjective territories.

Keywords: Territory. Cartography. Mental health. Primary care health.

ABERTURAS EN EL ESPACIO Y ARQUITECTURAS EN EL TIEMPO: SALUD MENTAL EN EL TERRITORIO

Resumen

Este texto discute la territorialización desde un punto de vista conceptual y aplicado, considerando su uso en el campo de la salud mental, especialmente en la atención primaria. Este es un informe de experiencia que utilizó la perspectiva teórica y conceptual de la cartografía para conocer un territorio cuya población fue asignada a una unidad de salud familiar en un municipio en el sur de Bahía, Brasil. Se hicieron visitas a personas que viven en el territorio dentro del alcance de las actividades realizadas en un Programa de Residencia de Salud Familiar de la Secretaría de Salud del Estado de Bahía (Sesab). En estos itinerarios se produjeron fotos y se seleccionaron para este texto aquellas que correspondían a dos momentos relacionados con el espacio-tiempo. Las imágenes que llamamos “aberturas en el espacio” se refieren a las acciones de ingresar en el territorio y conocer la organización del espacio geográfico y humano. Por otra parte, las “arquitecturas en el tiempo” retratan y documentan aspectos de la resistencia simbólica y cultural de las personas que viven allí. La cartografía de imágenes representa una contribución poderosa para ayudar a los trabajadores sociales y de la salud que actúan en territorios materiales y subjetivos.

Palabras clave: Territorio. Cartografía. Salud mental. Atención primaria de salud.

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INTRODUÇÃO

Territorium, palavra latina que significa terra, originalmente empregada como espaço delimitado, representa um fragmento de espaço onde se constroem relações materiais e ideais. Historicamente, duas vertentes geográficas conceituaram território: uma perspectiva clássica o relaciona ao homem e à terra numa dimensão político-institucional, enquanto a outra, mais recente, expande as fronteiras conceituais, trazendo a dimensão simbólica que produz territorialidades, sempre plurais, na medida em que são compostas por singularidades espaciais diversas1.

Entre as definições de território, destacam-se a perspectiva natural e a vertente que prioriza as relações de poder, a condição política e o componente relacional que compreendem a historicidade e o modo como a sociedade se organiza2. É necessário conceber a fluidez do território em constante movimento de territorialização-desterritorialização-reterritorialização3 para aplicá-lo no campo da saúde mental coletiva, desvelando múltiplas intencionalidades, desejos e potências. Porém, é esse mesmo território que produz riscos e vulnerabilidades que afetam os corpos, convocando a criação de espaços de troca, resistência e autonomia na relação com o sofrimento4

O território existencial concebido a partir do cuidado de si e da pluralidade dos encontros que imprimem sentido no mundo constitui experiência de transformação que leva ao desapego de si5 e se reencontra nas dobras dos imaginários cartográficos da loucura, em busca de outras maneiras de ser no mundo.

Compreender esse território simbólico, que permeia os sujeitos e lhes permite linhas de fuga, é essencial para produzir cuidado nos caminhos do imperceptível, nos limites do (im) pensável e nos encontros entre subjetividades, uma vez que uma pessoa jamais se desterritorializa sozinha6. Mas o que mesmo, em si, é preciso cuidar?, poderíamos questionar. Atravessar a ontologia do eu (platônica) para a estilística da existência (foucaultiana), debruçar-se sobre os modos de ser no mundo e suas transmutações, cuidar da vida nas flutuações do desejo: cuidar de si na arte de inventar a existência5

A trama entre território e cuidado forma linhas erráticas nas quais a percepção do entorno simbólico marca no corpo o sentido que se inscreve em outros corpos, sem órgãos, vibráteis, em multiplicidades de imanência6. Este percurso provoca deslocamentos e dobraduras no tempo, possibilitando outras aberturas e significados.

Na clínica, compreende-se existência enquanto risco e formalismos como uma via para buscar segurança. Em cada encontro há o risco de se descobrir no outro, as palavras emprestadas, o cultivo do tempo nos casulos subjetivos, a travessia, a metáfora em iminência.

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Revista Baiana de Saúde Pública

Ali é presente também a hipótese diagnóstica que reduz o sofrimento a critérios de um manual, ofertando a ilusão de capturar a realidade em sua face útil.

Para Pelbart5, vivemos em momento de políticas de dessubjetivação em um mundo transtornado, que leva ao esgotamento não enquanto cansaço, mas como esvaziamento dos objetos de desejo. A compreensão dessas subjetividades capturadas redimensiona o entendimento da dor enquanto sensibilidade para percepção do insuportável. O devir-intenso, o devir-criativo e o devir-imperceptível constituem deslocamentos possíveis para concepção de cuidado por meio de encontros dialógicos. A perspectiva da criação como elo entre arte, clínica e loucura presente no processo de cuidado pode ser desvelada tal qual uma paisagem de linhas cartográficas que inflexionam um território comum7

O objetivo deste trabalho é trazer possibilidades para as práticas de saúde mental no território. A intenção é cartografar experiências e vivências em saúde no território de uma Unidade de Saúde da Família (USF) no interior de Bahia. Os principais desejos são instituir um dispositivo que propicie deslocamentos para formas de resistência e cuidado e multiplicar caminhos para novos modos de existir dos sujeitos em sua relação consigo, com o outro e com sua história.

MATERIAL E MÉTODOS

Este trabalho utiliza o método cartográfico na produção de conhecimento, abarcando na análise as transformações tanto dos sujeitos, quanto as dos pesquisadores-cartógrafos8. No percurso metodológico foram sendo produzidos acontecimentos metaforizados e revelados por meio de fotografias, querendo crer que a imagem possibilita expressar a presença e os movimentos dos contornos e enquadres existenciais do território em estudo.

Esta cartografia imagética deu relevo às implicações, às resistências e à produção de diferença enquanto arte simbólica, a partir de fotografias tomadas no decorrer das itinerâncias de trabalhadores de saúde no território de uma USF no sul da Bahia. São apresentadas fotos tomadas e interpretadas como acontecimentos, realizadas durante o trabalho desenvolvido na residência de saúde da família no processo de imersão no território.

Para Rolnik 9, a prática de um cartógrafo diz respeito, fundamentalmente, às estratégias de gênese do desejo no campo social enquanto processos de subjetivação e singularização em seu devir-sensível. Para Guattari e Rolnik 10, cartografar pressupõe sensibilidade em traçar modos de singularização, levando em conta o desejo de construir um mundo que recusa os modos de codificação preestabelecidos e busca outras formas de se relacionar e criar singularidades.

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A intervenção cartográfica utiliza da perspectiva de analisadores, neste estudo entendidos como fotografias e material imagético. Cartografamos, assim, indícios dinâmicos, palavras perdidas, devires latentes, desejos velados, intenções marginais, reviravoltas estáticas, vidas esquivas, descuidados registros, esquinas encobertas em vento, imagens em contornos e enquadres, devires intensos.

A cartografia assume caráter interpretativo pela identificação de modos de subjetivação e produção de diferença a partir dos deslocamentos afetivos que proporciona11. Na cartografia de imaginários, proximidade e identidade, características do território simbólico podem ser sinais de resistência ao revelarem a possibilidade de uma globalização horizontalizada e cooperativa em uma paisagem subjetiva12

Nada mais paradoxal que uma fotografia, aponta Samain 13 : “ela está lá impassível, fixa, congelada”. No entanto ela provoca, instiga, suscita discursos, lembranças, memórias, interpretações, subjetivações. Por outro lado, a fotografia pode operar como uma narrativa imagética, capaz de descrever, indicar e problematizar um dado, uma característica, uma informação. Nesse sentido, a câmara possui a dupla capacidade de objetivar e subjetivar a realidade. Sobre o olhar fotográfico, Barthes14:62 pontua: “Na fotografia o objeto fala e induz, vagamente, a pensar. No fundo a fotografia é subversiva”.

As fotos selecionadas foram agrupadas de acordo com dois momentos correspondentes ao trabalho no território: Aberturas no espaço e Arquiteturas no tempo. O primeiro se relaciona aos momentos iniciais de entrada no território, em que trabalhadores de saúde e residentes realizaram um movimento de ir e vir, alternando ações de imersão e afastamento. Esse movimento tinha por objetivo conhecer e adentrar o território geográfico, que não deixa de ser território material, humano e cultural, além de analisá-lo crítica e metaforicamente. Ele representa a preocupação em conhecer a organização do espaço, seja natural, seja simbólica. O segundo agrupamento objetiva retratar e documentar os movimentos de resistência efetuados pelas pessoas do local, resistência que pode se constituir individual e coletivamente sob a forma de dispositivos ou artefatos materiais e simbólicos, ancorados na realidade e no desejo.

Este ensaio pauta-se na experiência da autora enquanto residente do programa de Saúde da Família da Secretaria de Estado da Saúde da Bahia (Sesab), desenvolvida no período de 2017 a 2018. Trata-se de um relato de vivências no território. Todas as fotos foram tomadas pela autora e todas as pessoas fotografadas concordaram em ceder suas fotos mediante um termo de cessão de imagens.

O resumo deste texto foi apresentado em 2019 no 8º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Saúde, em João Pessoa (PB).

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RESULTADOS

ABERTURAS NO ESPAÇO

A territorialização potencializa a organização de processos de trabalho e de ações em saúde em cenários e contextos de atenção primária e de saúde mental. Porém, estudos realizados no Brasil apontam que tem prevalecido a noção funcional de território, voltada apenas para as ações de reinserção de pessoas com sofrimento mental nos serviços disponíveis nas diferentes regiões. Essa perspectiva ignora relações de poder e apropriações simbólicas, reforçando uma tendência de sujeição das pessoas aos serviços, em vez de favorecer transformações socioespaciais para o convívio com as diferenças15.

Em março de 2017 iniciou-se o processo de territorialização na comunidade, desenvolvido pela equipe de referência de uma USF situada no sul da Bahia. O bairro localiza-se sobre um mangue, área de preservação ambiental, onde as casas foram inicialmente construídas como um conjunto habitacional que foi se expandindo, abrigando grande parte de moradias de construção irregular e em situação de risco. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)16, no bairro residem 4.086 pessoas adscritas à área de atendimento da USF.

O perfil da população é composto majoritariamente por pessoas de baixa renda que trabalham em profissões de pouca qualificação; 70% são negros e há um grande número de famílias monoparentais chefiadas por mulheres.

O território demonstra o déficit habitacional da cidade, na qual há um percentual elevado de moradias em áreas inadequadas e de risco, situadas em regiões alagadiças, mangues, terrenos de difícil acesso, sem infraestrutura, esgotamento sanitário ou abastecimento de água. São casas construídas sobre um mangue, expostas a alagamentos na estação das chuvas, frequentemente ocorrendo desabamentos, deslizamentos e rachaduras das construções.

Os alagamentos produzem medo e insegurança nas famílias que vivem no local, situação capturada pelo analisador fotográfico que denominamos O mangue dentro de casa (Figura 1). Ao entrar nas casas construídas com materiais baratos e pouco resistentes, total ou parcialmente inundadas, presenciava-se deterioração do mobiliário, de roupas e artefatos, cheiro de água parada e proliferação de insetos. Havia sempre a necessidade de ter disponíveis meios para se proteger ou sair rapidamente dos locais, observando-se, por vezes, canoas na proximidade das casas, usadas para locomoção e pesca.

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A situação decorrente do crescimento desordenado das cidades, poluição de rios, acúmulo de águas e lixo propicia a proliferação de mosquitos, sobretudo o Aedes aegypti Além disso, pela proximidade com o mangue, a população possui alto risco de infecção por arboviroses como dengue, zika e chikungunya.

As fotos que denominamos Aberturas retratam portas de casas simples da região (Figura 2). Elas simbolizam o processo de entrada no território, para o qual é preciso pedir licença, sair do espaço protegido da USF e ultrapassar um umbral, um limite, para adentrar nos espaços privados das moradias. É preciso percorrer a estrada de chão batido, lamacenta nas chuvas, poerenta na seca, coberta de resíduos e atravessada por córregos.

Adentrar no território significa sair da posição protegida de permanecer no serviço e expor-se, precisando enfrentar os riscos do desconhecido, do outro. Significa também respeitar a cultura local, os modos de ver e entender o mundo das gentes e as diversas percepções da saúde e modos de enfrentar a doença e a morte, construídos paralelamente aos sistemas de cura oficiais, muitas vezes inacessíveis. Significa resistir à reprodução do modelo medicalizador hegemônico em seus aspectos invasivos e colonizadores, em que o pesquisador é aquele que se apropria do sistema simbólico dos grupos dominados, como apontou Clifford Geertz17

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Revista Baiana de Saúde Pública Figura 1 – Casa-mangue. Ilhéus, Bahia, Brasil – 2018 Fonte: Elaboração própria.

A maioria das construções retrata casas simples, pequenas, com ou sem revestimento, paredes pintadas ou em cimento cru. Fachadas com poucas aberturas, cobertura de zinco, puxados e galpões vão sendo acrescentados aleatoriamente. Os muros e as cercas são feitos de tábuas velhas, sucatas e materiais reciclados. Muitas casas não estão numeradas; outras exibem placas de pequenos comércios ou igrejas. Plantas, folhagens e mesmo mato recobrem paredes, sobem em cercas, e o verde traz vida ao olhar.

O analisador fotográfico que nomeamos Mãe, filho e a casa? revela a preocupação em posar para a foto de uma mãe e seu filho, imóveis em frente ao terreno em que desejam construir sua casa, que possui as fundações corroídas pelas intempéries e pelo tempo (Figura 3). É um retrato de gênero em uma comunidade em que predominam numericamente as mulheres, pobres, pretas e pardas. Essas mulheres são chefes de família, que vivem com os filhos, sobrevivem em empregos precários, sobrecarregadas pelo trabalho, pelas responsabilidades, pelo cuidado. Quando haverá dinheiro suficiente para comprar o material de construção? Quão distante está a arquitetura dessa casa imaginária, composta só por restos de fundações e presente apenas no território do sonho e do desejo?

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Figura 2 – Aberturas. Ilhéus, Bahia, Brasil – 2018 Fonte: Elaboração própria.

Essa foto faz a transição para o segundo analisador, Arquiteturas no tempo, que trata das condições difíceis de habitação em que vive essa população, condições que acabam sendo aceitas, banalizadas e naturalizadas, mesmo pelos trabalhadores de saúde. Também diz, porém, sobre o forte desejo de vida dessas pessoas, que constroem relações de cuidado, amor e solidariedade em situações adversas.

O conhecimento do território sob a responsabilidade das unidades de atenção primária permite que se percebam e se reconheçam as vulnerabilidades e os riscos para a saúde da população, que se detectem o perfil demográfico, as morbidades, os sofrimentos, a maneira de levar a vida e enfrentar as adversidades. Compreender a situação de saúde de uma dada população significa entender como ela se organiza no território, permitindo que as equipes de saúde planejem ações de acordo com o que as pessoas desejam, movimentando-se com elas e não impondo seus próprios critérios e objetivos18.

ARQUITETURAS NO TEMPO

Ao percorrer os caminhos diariamente traçados pelos agentes comunitários de saúde (ACS), nos deparamos com uma antologia de existências e artefatos humanos, retratados neste texto a partir do olhar cartográfico. Nessa geografia, perceberam-se os riscos, as fragilidades, o sofrimento e a doença, mas também linhas de fuga e potências criativas.

A fotografia constitui um analisador potente a ser usado no processo de territorialização na Atenção Primária à Saúde (APS), e o registro fotográfico é valioso porque revela a dinamicidade do território e das relações que o homem estabelece a partir dele e produz insights, que passam

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Revista Baiana de Saúde Pública Figura 3 – Mulher-construção. Ilhéus, Bahia, Brasil – 2018 Fonte: Elaboração própria.

despercebidos sem a ajuda da imagem. A fotografia enquanto ferramenta tecnológica auxilia a análise, identificando onde e como as pessoas produzem, moram, se divertem e circulam, tornando múltiplo o processo de reconhecimento da vida no território, a dinâmica social, suas regras e recursos envolvidos, que delimitam contextos específicos para a produção da relação saúde-doença18.

No campo da saúde mental, a APS é uma estratégia que impacta na redução de hospitalizações evitáveis por conta, muitas vezes, de situações de exclusão social, herança do modelo psiquiátrico manicomial fundamentado na individualização, medicalização e patologização do sofrimento psíquico, que não se preocupa em se ater à gênese coletiva desse sofrimento. A identificação e o acompanhamento em rede dessas pessoas nos territórios são cruciais para a superação desse modelo por meio da desinstitucionalização da loucura e da garantia de direitos humanos19

Dentre as arquiteturas construídas pelo homem para se proteger das adversidades do meio, cabe destacar os sistemas simbólicos e culturais, a arte e as resistências cotidianas, retratadas neste texto pelo movimento de vida que flui nas brincadeiras e na alegria dos meninos que confeccionam pipas, ressignificando as fragilidades do bairro construído sobre o mangue. A confecção de pandorgas é uma brincadeira antiga que não requer tecnologia sofisticada, apenas linha, papel e o vento forte que sopra na região. Na imagem dos meninos (Figura 4), chama atenção a presença de dois artefatos técnicos, mas também tempos arquitetônicos: a canoa e a pandorga. O primeiro deles está a serviço da vida prática, do trabalho, da comida, da sobrevivência, mas permite navegar; e o segundo nutre a vida lúdica, imagética, cultural, em encantamentos da infância. Ambos são necessários e complementares.

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Figura 4 – Arquiteturas. Ilhéus, Bahia, Brasil – 2018 Fonte: Elaboração própria.

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Ainda pensando nas arquiteturas no tempo, trazemos a foto que denominamos

O jardineiro anônimo e as sucatas ( Figura 5 ), grafada como palavra de ordem e afixada ao poste que o (a) protagonista desse jardim a céu aberto fez questão de colocar. Essa foto reflete a sempre presente possibilidade de transformação, de reconstrução, de mudança, que passa pelos elementos descartáveis, supérfluos, das sobras, dos resíduos, do lixo urbano. Assim, os pneus velhos se tornam vasos ornamentais nesse jardim construído no terreno baldio, em que se planta “de tudo”: folhagens, fitoterápicos, palmeiras e, inclusive, regras de civilidade. De local de despejo, a área foi recuperada e cuidada, reverberando na autonomia do ato de jardinar no território que cresce.

A potência do trabalho vislumbrado na foto não pode deixar de nos fazer pensar na figura do narrador sucateiro, criada por Walter Benjamin e citada por Jeanne Gagnebin20

O narrador sucateiro – nesse caso o jardineiro que aproveita as sucatas – é personagem que não deixa nada se perder e aproveita tudo, mesmo aquilo que a sociedade do desperdício, da desigualdade e da exclusão despreza e considera sujo: o lixo, os cacos, as sobras, os restos. Nesse fazer, o sucateiro arquiteta desvios e saídas, podendo mesmo transformá-los em arte e vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As fotos apresentadas neste ensaio operaram como analisadores e dispositivos de reflexão crítica do trabalho em saúde e saúde mental realizado em territórios de atenção

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Revista Baiana de Saúde Pública Figura 5 – O jardineiro anônimo e as sucatas. Ilhéus, Bahia, Brasil – 2018 Fonte: Elaboração própria.

primária. Elas mostraram processos de resistência, subjetivos e simbólicos, concretos e materiais, que as pessoas inventam para viver mundos.

Enfim, o território natural e humano é entendido como vivo, dinâmico, constituído por processos políticos, históricos, econômicos, sociais e culturais, nos quais se materializa a vida humana. A complexidade territorial faz com que a proposta de desenhar um mapa de saúde com linhas rígidas e topografias definidas se torne insuficiente perante à dinâmica socioambiental da comunidade21.

O tempo-espaço da cidade é terreno fértil para a clínica ampliada, sobretudo sob a ótica da saúde mental aliada à concepção de território como ferramenta da atenção primária. Nesse sentido, é possível traçar linhas de cuidado pelos territórios e regiões das cidades como estratégia para desinstitucionalização da loucura: uma microfissura no silêncio22, uma linha de fuga que aciona a arte e a fotografia.

COLABORADORES

1.Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Vatsi Meneghel Danilevicz

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Vatsi Meneghel Danilevicz

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Vatsi Meneghel Danilevicz

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Vatsi Meneghel Danilevicz

REFERÊNCIAS

1. Gondim GMM, Soalheiro NI. Território, saúde mental e atenção básica.

In: Soalheiro, NI, organizadora. Saúde mental para a Atenção Básica. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz; 2017. p. 1-249.

2. Haesbaert R. Concepções de território para entender a desterritorialização.

In: Oliveira MP, Haesbaert R, Moreira R, organizadores. Território, territórios: ensaios sobre o ordenamento territorial. 2a ed. Rio de Janeiro (RJ): DP&A; 2006. p. 43-70.

3. Haesbaert R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. 13a ed. Rio de Janeiro (RJ): Bertrand Brasil; 2004.

4. Gondim GMM. Territórios na Atenção Básica: múltiplos, singulares ou inexistentes? [Tese]. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz; 2011.

5. Pelbart PP. O avesso do niilismo: cartografias do esgotamento. 2a ed. São Paulo (SP): N-1 Edições; 2016.

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6. Deleuze G, Guattari F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. 2a. ed. São Paulo (SP): Editora 34; 2011. 1 vol.

7. Lima EMFA, Pelbart PP. Arte, clínica e loucura: um território em mutação. Hist Ciênc Saúde-Manguinhos. 2007;14(3):709-35.

8. Passos E, Kastrup V, Escóssia L, organizadores. Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre (RS): Sulina; 2015.

9. Rolnik S. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. São Paulo (SP): Estação Liberdade; 1989.

10. Guattari F, Rolnik S. Micropolítica: cartografias do desejo. 4a ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 1996.

11. Fonseca TMG, Kirst PG, Oliveira AM, D’Avila M, Marsillac M. Pesquisa e acontecimento: o toque no impensado. Psicol Estud. 2006;11(3):655-60.

12. Santos M. Território, globalização e fragmentação. 4a ed. São Paulo (SP): Hucitec; 1998.

13. Samain E. O que vem a ser, portanto, um olhar? In: Achutti LER. Fotoetnografia: um estudo de antropologia visual sobre cotidiano, lixo e trabalho. Porto Alegre (RS): Tomo Editorial; 1997. p. XVII-XXI.

14. Barthes R. A câmera clara: nota sobre a fotografia. 3a ed. Rio de Janeiro (RJ): Nova Fronteira; 1984.

15. Furtado JP, Oda WY, Borysow IC, Kapp S. A territorialização na saúde mental. Cad Saúde Pública. 2016;32(9):e00059116.

16. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Brasil / Bahia / Ilhéus [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2017 [citado em 2022 ago 2]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/ilheus/panorama

17. Geertz C. A interpretação da cultura. Rio de Janeiro (RJ): LTC; 1989.

18. Barcellos C, Monken M. Instrumentos para o diagnóstico sócio-sanitário no programa Saúde da Família. In: Fonseca AF, Corbo AD, organizadoras. O território e o processo saúde-doença. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz; 2007. p. 225-265.

19. Dimenstein MDB, Santos YS, Brito M, Severo AK, Morais C. Demanda em saúde mental em unidades de Saúde da Família. Mental. 2005;3(5):33-42.

20. Gagnebin JM. Memória, história, testemunho. In: Bresciani S, Naxara M, organizadoras. Memória e (res)sentimento: indagações sobre uma questão sensível. Campinas (SP): Unicamp; 2004. p. 83-92.

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Revista Baiana de Saúde Pública

21. Dias EC, Rigotto RM, Augusto LGS, Cancio J, Hoefel, MGL. Saúde ambiental e saúde do trabalhador na atenção primária à saúde, no SUS: oportunidades e desafios. Ciênc Saúde Colet. 2007;14(6):2061-70.

22. Palombini AL. Acompanhamento terapêutico: dispositivo clínico-político. Psychê. 2006;X(18):115-27.

Recebido: 2.12.2019. Aprovado: 4.8.2022.

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DIRETRIZES PARA AUTORES

A Revista Baiana de Saúde Pública (RBSP), publicação oficial da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), de periodicidade trimestral, publica contribuições sobre aspectos relacionados aos problemas de saúde da população e à organização dos serviços e sistemas de saúde e áreas correlatas. São aceitas para publicação as contribuições escritas preferencialmente em português, de acordo com as normas da RBSP, obedecendo a ordem de aprovação pelos editores. Os trabalhos são avaliados por pares, especialistas nas áreas relacionadas aos temas referidos.

Os manuscritos devem destinar-se exclusivamente à RBSP, não sendo permitida sua apresentação simultânea a outro periódico, tanto no que se refere ao texto como às ilustrações e tabelas, quer na íntegra ou parcialmente. Os artigos publicados serão de propriedade da revista, ficando proibida a reprodução total ou parcial em qualquer meio de divulgação, impresso ou eletrônico, sem a prévia autorização da RBSP. Devem ainda referenciar artigos sobre a temática publicados nesta Revista.

CATEGORIAS ACEITAS:

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2 Artigos Originais de Tema Livre:

2.1 pesquisa: artigos apresentando resultados finais de pesquisas científicas (10 a 20 páginas);

2.2 ensaios: artigos com análise crítica sobre um tema específico (5 a 8 páginas);

2.3 revisão: artigos com revisão crítica de literatura sobre tema específico, solicitados pelos editores (8 a 15 páginas).

3 Comunicações: informes de pesquisas em andamento, programas e relatórios técnicos (5 a 8 páginas).

4 Teses e dissertações: resumos de dissertações de mestrado e teses de doutorado/ livre docência defendidas e aprovadas em universidades brasileiras (máximo 2 páginas). Os resumos devem ser encaminhados com o título oficial da tese/ dissertação, dia e local da defesa, nome do orientador e local disponível para consulta.

5 Resenha de livros: livros publicados sobre temas de interesse, solicitados pelos editores (1 a 4 páginas).

6 Relato de experiência: apresentando experiências inovadoras (8 a 10 páginas).

7 Carta ao editor: comentários sobre material publicado (2 páginas).

8 Documentos: de órgãos oficiais sobre temas relevantes (8 a 10 páginas).

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d) o número máximo de autores por manuscrito científico é de seis (6).

ARTIGOS

Folha de rosto/Metadados: informar o título (com versão em inglês e espanhol), nome(s) do(s) autor(es), principal vinculação institucional de cada autor, órgão(s) financiador(es) e endereço postal e eletrônico de um dos autores para correspondência.

Segunda folha/Metadados: iniciar com o título do trabalho, sem referência a autoria, e acrescentar um resumo de no máximo 200 palavras, com versão em inglês (Abstract) e espanhol (Resumen). Trabalhos em espanhol ou inglês devem também apresentar resumo em português.

Palavras-chave (3 a 5) extraídas do vocabulário DeCS (Descritores em Ciências da Saúde/ www. decs.bvs.br) para os resumos em português e do MESH (Medical Subject Headings/ www.nlm. nih.gov/mesh) para os resumos em inglês.

Terceira folha: título do trabalho sem referência à autoria e início do texto com parágrafos alinhados nas margens direita e esquerda (justificados), observando a sequência: introdução – conter justificativa e citar os objetivos no último parágrafo; material e métodos; resultados, discussão, conclusão ou

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considerações finais (opcional) e referências. Digitar em página independente os agradecimentos, quando necessários, e as contribuições individuais de cada autor na elaboração do artigo.

RESUMOS

Os resumos devem ser apresentados nas versões português, inglês e espanhol. Devem expor sinteticamente o tema, os objetivos, a metodologia, os principais resultados e as conclusões. Não incluir referências ou informação pessoal.

ILUSTRAÇÕES E TABELAS

Obrigatoriamente, os arquivos das ilustrações (quadros, gráficos, fluxogramas, fotografias, organogramas etc.) e tabelas devem ser encaminhados em arquivo independente; suas páginas não devem ser numeradas. Estes arquivos devem ser compatíveis com o processador de texto “Microsoft Word” (formatos: PICT, TIFF, GIF, BMP).

O número de ilustrações e tabelas deve ser o menor possível. As ilustrações coloridas somente serão publicadas se a fonte de financiamento for especificada pelo autor.

Na seção resultados, as ilustrações e tabelas devem ser numeradas com algarismos arábicos, por ordem de aparecimento no texto, e seu tipo e número destacados em negrito (e.g. “[...] na Tabela 2 as medidas [...]).

No corpo das tabelas, não utilizar linhas verticais nem horizontais; os quadros devem ser fechados.

Os títulos das ilustrações e tabelas devem ser objetivos, situar o leitor sobre o conteúdo e informar a abrangência geográfica e temporal dos dados, segundo Normas de Apresentação Tabular do IBGE (e.g.: Gráfico 2 – Número de casos de aids por região geográfica. Brasil – 1986-1997).

Ilustrações e tabelas reproduzidas de outras fontes já publicadas devem indicar esta condição após o título.

ÉTICA EM PESQUISA

Trabalho que resulte de pesquisa envolvendo seres humanos ou outros animais deve vir acompanhado de cópia escaneada de documento que ateste sua aprovação prévia por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), além da referência na seção Material e Métodos.

REFERÊNCIAS

Preferencialmente, qualquer tipo de trabalho encaminhado (exceto artigo de revisão) deverá listar até 30 fontes.

III

As referências no corpo do texto deverão ser numeradas em sobrescrito, consecutivamente, na ordem em que sejam mencionadas a primeira vez no texto.

As notas explicativas são permitidas, desde que em pequeno número, e devem ser ordenadas por letras minúsculas em sobrescrito. As referências devem aparecer no final do trabalho, listadas pela ordem de citação, alinhadas apenas à esquerda da página, seguindo as regras propostas pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (Requisitos Uniformes para Manuscritos apresentados a periódicos biomédicos/Vancouver), disponíveis em http://www.icmje.org ou http://www.abeceditores.com.br.

Quando os autores forem mais de seis, indicar apenas os seis primeiros, acrescentando a expressão et al.

Exemplos:

a) LIVRO

Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales.

2ª ed. Washington (DC): Organizacion Panamericana de la Salud; 1989.

b) CAPÍTULO DE LIVRO

Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68.

c) ARTIGO

Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Hum Biol. 1982;54:329-41.

d) TESE E DISSERTAÇÃO

Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 1997.

e) RESUMO PUBLICADO EM ANAIS DE CONGRESSO

Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1α (IL-1α). In: Anais do 30º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p. 272.

f) DOCUMENTOS EXTRAÍDOS DE ENDEREÇO DA INTERNET

Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Regimento Interno da Coreme. Extraído de [http://www.hupes. ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001].

IV

Não incluir nas Referências material não publicado ou informação pessoal. Nestes casos, assinalar no texto: (i) Antunes Filho FF, Costa SD: dados não publicados; ou (ii) Silva JA: comunicação pessoal, 1997. Todavia, se o trabalho citado foi aceito para publicação, incluí-lo entre as referências, citando os registros de identificação necessários (autores, título do trabalho ou livro e periódico ou editora), seguido da expressão latina In press e o ano.

Quando o trabalho encaminhado para publicação tiver a forma de relato de investigação epidemiológica, relato de fato histórico, comunicação, resumo de trabalho final de curso de pós-graduação, relatórios técnicos, resenha bibliográfica e carta ao editor, o(s) autor(es) deve(m) utilizar linguagem objetiva e concisa, com informações introdutórias curtas e precisas, delimitando o problema ou a questão objeto da investigação. Seguir as orientações para referências, ilustrações e tabelas.

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V
Revista Baiana de Saúde Pública

GUIDELINES TO THE AUTHORS

The Public Health Journal of Bahia (RBSP), a quarterly official publication of the Health Secretariat of the State of Bahia (Sesab), publishes contributions on aspects related to population’s health problems, health system services and related areas. It accepts for publication written contributions, preferably in Portuguese, according to the RBSP standards, following the order of approval by the editors. Peer experts in the areas related to the topics in question evaluate the papers.

The manuscripts must be exclusively destined to RBSP, not being allowed its simultaneous submission to another periodical, neither of texts nor illustrations and charts, in part or as a whole. The published articles belong to the journal. Thus, the copyright of the article is transferred to the Publisher. Therefore, it is strictly forbidden partial or total copy of the article in the mainstream and electronic media without previous authorization from the RBSP. They must also mention articles about the topics published in this Journal.

ACCEPTED CATEGORIES:

1 Theme articles: critical review or result from empirical, experimental or conceptual research about a current subject defined by the editorial council (10 to 20 pages).

2 Free theme original articles:

2.1 research: articles presenting final results of scientific researches (10 to 20 pages);

2.2 essays: articles with a critical analysis on a specific topic (5 to 8 pages);

2.3 review: articles with a critical review on literature about a specific topic, requested by the editors (8 to 15 pages).

3 Communications: reports on ongoing research, programs and technical reports (5 to 8 pages).

4 Theses and dissertations: abstracts of master degree’ dissertations and doctorate thesis/ licensure papers defended and approved by Brazilian universities (2 pages maximum). The abstracts must be sent with the official title, day and location of the thesis’ defense, name of the counselor and an available place for reference.

5 Book reviews: Books published about topics of current interest, as requested by the editors (1 to 4 pages).

6 Experiments’ report: presenting innovative experiments (8 to 10 pages).

7 Letter to the editor: comments about published material (2 pages).

8 Documents: of official organization about relevant topics (8 to 10 pages).

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EDITORIAL

The editors are responsible for the editorial, however a guest might also write it if the general editor asks him/her to do it (1 to 3 pages).

GUIDELINES TO THE AUTHORS

CHECK ITEMS FOR SUBMISSION

As part of the submission process all the authors are supposed to verify the submission guidelines in relation to the items that follow. The submissions that are not in accordance with the rules will be sent back to the authors.

GENERAL INSTRUCTIONS FOR SENDING MATERIAL

The editors must evaluate the papers and the revisers will follow the order of receipt and shall abide by the following criteria of submission:

a) all the submissions must be made by the publisher online submission system (SEER). The metadata must be filled in. Failure to do so will result in the nonevaluation of the article;

b) the text pages must be formatted in 1.5 spacing, with 2 cm margins, Times New Roman typeface, font size 12, A4 standard page, numbered at top right;

c) drawings and digital pictures will be forwarded in separate files;

d) the maximum number of authors per manuscript is six (6).

ARTICLES

Cover sheet/Metadata: inform the title (with an English and Spanish version), name(s) of the author(s), main institutional connection of each author, funding organization(s) and postal and electronic address of one of authors for correspondence.

Second page/Metadata: Start with the paper’s title, without reference to authorship and add an abstract of up to 200 words, followed with English (Abstracts) and Spanish (Resumen) versions. Spanish and English papers must also present an abstract in Portuguese. Keywords (3 to 5) extracted from DeCS (Health Science Descriptors at www.decs.bvs.br) for the abstracts in Portuguese and from MESH (Medical Subject Headings at www.nlm.nih.gov/mesh) for the abstracts in English.

Third page: paper’s title without reference to authorship and beginning of the text with paragraphs aligned to both right and left margins (justified), observing the following sequence: introduction –containing justification and mentioning the objectives in the last paragraph; material and methods; results, discussion, conclusion or final considerations (optional) and references. Type in the acknowledgement on an independent page whenever necessary, and the individual contribution of each author when elaborating the article.

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Revista Baiana de Saúde Pública

ABSTRACTS

The abstracts must be presented in the Portuguese, English and Spanish versions. They must synthetically expose the topic, objectives, methodology, main results and conclusions. It must not include personal references or information.

ILLUSTRATIONS AND TABLES

The files of the illustrations (charts, graphs, flowcharts, photographs, organization charts etc.) and tables must forcibly be independent; their pages must not be numbered. These files must be compatible with “Microsoft Word” word processor (formats: PICT, TIFF, GIF, BMP).

Colored illustration will only be published if the author specifies the funding source.

On the results section illustrations and tables must be numbered with Arabic numerals, ordered by appearance in the text, and its type and number must be highlighted in bold (e.g. “[...] on Table 2 the measures […]).

On the body of tables use neither vertical nor horizontal lines; the charts must be framed.

The titles of the illustrations and tables must be objective, contextualize the reader about the content and inform the geographical and time scope of the data, according to the Tabular Presentation Norms of IBGE (e.g.: Graph 2 – Number of Aids cases by geographical region. Brazil – 1986-1997).

Illustrations and tables reproduced from already published sources must have this condition informed after the title.

RESEARCH ETHICS

Paper that results from research involving human beings or other animals must be followed by a scanned document, which attests its previous approval by a Research Ethic Committee (REC), in addition to the reference at the Material and Methods Section.

REFERENCES

Preferably, any kind of paper sent (except review article) must list up to 30 sources.

The references in the body of the text must be consecutively numbered in superscript, in the order that they are mentioned for the first time.

Explanatory notes are allowed, provided that in small number and low case letters in superscript must order them.

VIII

References must appear at the end of the work, listed by order of appearance, aligned only to the left of the page, following the rules proposed by the International Committee of Medical Journal Editors (Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals/ Vancouver), available at http://www.icmje.org or http://www.abec-editores.com.br.

When there are more than six authors, indicate only the first six, adding the expression et al.

Examples:

a) BOOK

Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2ª ed. Washington (DC): Organizacion Panamericana de la Salud; 1989.

b) BOOK CHAPTER

Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68.

c) ARTICLE

Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Hum Biol. 1982;54:329-41.

d) THESIS AND DISSERTATION

Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 1997.

e) ABSTRACT PUBLISHED IN CONFERENCE ANNALS

Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1α (IL-α). In: Anais do 30º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p. 272.

f) DOCUMENTS OBTAINED FROM INTERNET ADDRESS

Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Regimento Interno da Coreme. Extraído de [http://www. hupes. ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001].

Do not include unpublished material or personal information in the References. In such cases, indicate it in the text: (i) Antunes Filho FF, Costa SD: unpublished data; or Silva JA: personal communication, 1997. However, if the mentioned material was accepted for publication, include it in the references, mentioning the required identification entries (authors, title of the

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Revista Baiana de Saúde Pública

paper or book and periodical or editor), followed by the Latin expression In press, and the year.

When the paper directed to publication have the format of an epidemiological research report, historical fact report, communication, abstract of post-graduate studies’ final paper, technical report, bibliographic report and letter to the editor, the author(s) must use a direct and concise language, with short and precise introductory information, limiting the problem or issue object of the research. Follow the guidelines for the references, illustrations and tables.

The editors and reviewers will only accept the contribution sent for evaluation if they comply with the standards of the journal.

Contact us

Address:

Centro de Atenção à Saúde (CAS)

Av. Antônio Carlos Magalhães

Parque Bela Vista, Salvador – Bahia – Brasil

CEP 40.280-000

E-mail: rbsp.saude@saude.ba.gov.br http://rbsp.sesab.ba.gov.br

To submit an article access: http://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp

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DIRECTRIZES PARA LOS AUTORES

La Revista Baiana de Salud Pública (RBSP), publicación oficial de la Secretaria de la Salud del Estado de la Bahia (Sesab), de periodicidad trimestral, publica contribuciones sobre aspectos relacionados a los problemas de salud de la población y a la organización de los servicios y sistemas de salud y áreas correlatas. Son aceptas para publicación las contribuciones escritas preferencialmente en portugués, de acuerdo con las normas de la RBSP, obedeciendo la orden de aprobación por los editores. Los trabajos son evaluados por pares, especialistas en las áreas relacionadas a los temas referidos.

Los manuscritos deben destinarse exclusivamente a la RBSP, no siendo permitida su presentación simultánea a otro periódico, tanto en lo que se refiere al texto como a las ilustraciones y tablas, sea en la íntegra o parcialmente. Los artículos publicados serán de propiedad de la revista, quedando prohibida la reproducción total o parcial en cualquier soporte (impreso o electrónico), sin la previa autorización de la RBSP. Deben, también, hacer referencia a artículos sobre la temática publicados en esta Revista.

CATEGORÍAS ACEPTAS:

1 Artículos Temáticos: revisión crítica o resultado de investigación de naturaleza empírica, experimental o conceptual sobre un asunto en pauta, definido por el Consejo Editorial (10 a 20 hojas).

2 Artículos originales de tema libre:

2.1 investigación: artículos presentando resultados finales de investigaciones científicas (10 a 20 hojas);

2.2 ensayos: artículos con análisis crítica sobre un tema específico (5 a 8 hojas);

2.3 revisión: artículos con revisión crítica de literatura sobre tema específico, solicitados por los editores (8 a 15 hojas).

3 Comunicaciones: informes de investigaciones en andamiento, programas e informes técnicos (5 a 8 hojas).

4 Tesis y disertaciones: resúmenes de tesis de maestría y tesis de doctorado/ libre docencia defendidas y aprobadas en universidades brasileñas (máximo 2 hojas). Los resúmenes deben ser encaminados con el título oficial de la tesis, día y local de la defensa, nombre del orientador y local disponible para consulta.

5 Reseña de libros: libros publicados sobre temas de interés, solicitados por los editores (1 a 4 hojas).

6 Relato de experiencias: presentando experiencias innovadoras (8 a 10 hojas).

7 Carta al editor: comentarios sobre material publicado (2 hojas).

8 Documentos: de organismos oficiales sobre temas relevantes (8 a 10 hojas).

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Revista Baiana de Saúde Pública

EDITORIAL

De responsabilidad de los editores, también puede ser redactado por un invitado, mediante solicitación del editor general (1 a 3 páginas).

ORIENTACIONES A LOS AUTORES

ITEM DE VERIFICACIÓN PARA SUMISIÓN

Como parte del proceso de sumisión, los autores son obligados a verificar la conformidad de la sumisión en relación a todos los item descritos a seguir. Las sumisiones que no estén de acuerdo con las normas serán devueltas a los autores.

INSTRUCCIONES GENERALES PARA ENVIO

Los trabajos apreciados por los editores y revisores seguirán la orden de recibimiento y deberán obedecer a los siguientes criterios de presentación:

a) todos los trabajos deben ser enviados a través del Sistema de Publicación Electrónica de Revista (SEER). Completar obligatoriamente los metadatos, sin los cuales el artículo no será encaminado para evaluación;

b) las páginas deben ser formateadas en espacio 1,5, con márgenes de 2 cm, fuente Times New Roman, tamaño 12, página patrón A4, numeradas en el lado superior derecho;

c) los diseños o fotografías digitalizadas serán encaminadas en archivos separados;

d) el número máximo de autores por manuscrito científico es de seis (6).

ARTÍCULOS

Página de capa/Metadatos: informar el título (con versión en inglés y español), nombre(s) del(los) autor(es), principal vinculación institucional de cada autor, órgano(s) financiador(es) y dirección postal y electrónica de uno de los autores para correspondencia.

Segunda página/Metadatos: iniciada con el título del trabajo, sin referencia a la autoría, y agregar un resumen de 200 palabras como máximo, con versión en inglés (Abstract) y español (Resumen). Trabajos en español o inglés deben también presentar resumen en portugués. Palabras clave (3 a 5) extraídas del vocabulario DeCS (Descritores en Ciências da Saúde/ www. decs.bvs.br) para los resúmenes en portugués y del MESH (Medical Subject Headings/ www. nlm.nih.gov/mesh) para los resúmenes en inglés.

Tercera página: título del trabajo sin referencia a la autoría e inicio del texto con parágrafos alineados en las márgenes derecha e izquierda (justificados), observando la secuencia: introducción – contener justificativa y citar los objetivos en el último parágrafo; material y métodos; resultados, discusión, conclusión o consideraciones finales (opcional) y referencias. Digitar en página independiente los agradecimientos, cuando sean necesarios, y las contribuciones individuales de cada autor en la elaboración del artículo.

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RESÚMENES

Los resúmenes deben ser presentados en las versiones portugués, inglés y español. Deben exponer sintéticamente el tema, los objetivos, la metodología, los principales resultados y las conclusiones. No incluir referencias o información personal.

ILUSTRACIONES Y TABLAS

Obligatoriamente, los archivos de las ilustraciones (cuadros, gráficos, diagrama de flujo, fotografías, organigramas etc.) y tablas deben ser independientes; sus páginas no deben ser numeradas. Estos archivos deben ser compatibles con el procesador de texto “Microsoft Word” (formatos: PICT, TIFF, GIF, BMP).

El número de ilustraciones y tablas debe ser el menor posible. Las ilustraciones coloridas solamente serán publicadas si la fuente de financiamiento sea especificada por el autor.

En la sección de resultados, las ilustraciones y tablas deben ser enumeradas con numeración arábiga, por orden de aparecimiento en el texto, y su tipo y número destacados en negrita (e.g. “[...] en la Tabla 2 las medidas [...]).

En el cuerpo de las tablas, no utilizar líneas verticales ni horizontales; los cuadros deben estar cerrados.

Los títulos de las ilustraciones y tablas deben ser objetivos, situar al lector sobre el contenido e informar el alcance geográfico y temporal de los datos, según Normas de Presentación de Tablas del IBGE (e.g.: Gráfico 2 – Número de casos de SIDA por región geográfica. Brasil – 1986-1997).

Ilustraciones y tablas reproducidas de otras fuentes ya publicadas deben indicar esta condición después del título.

ÉTICA EN INVESTIGACIÓN

Trabajo resultado de investigación envolviendo seres humanos u otros animales debe venir acompañado con copia escaneada de documento que certifique su aprobación previa por un Comité de Ética en Investigación (CEP), además de la referencia en la sección Material y Métodos.

REFERENCIAS

Preferencialmente, cualquier tipo de trabajo encaminado (excepto artículo de revisión) deberá listar un máximo de 30 fuentes.

XIII

Las referencias en el cuerpo del texto deberán ser enumeradas en sobrescrito, consecutivamente, en el orden en que sean mencionadas la primera vez en el texto.

Las notas explicativas son permitidas, desde que en pequeño número, y deben ser ordenadas por letras minúsculas en sobrescrito.

Las referencias deben aparecer al final del trabajo, listadas en orden de citación, alineadas apenas a la izquierda de la página, siguiendo las reglas propuestas por el Comité Internacional de Editores de Revistas Médicas (Requisitos uniformes para manuscritos presentados a periódicos biomédicos/ Vancouver), disponibles en http://www.icmje.org o http://www.abeceditores. com.br.

Cuando los autores sean más de seis, indicar apenas los seis primeros, añadiendo la expresión et al.

Ejemplos:

a) LIBRO

Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales.

2ª ed. Washington (DC): Organización Panamericana de la Salud; 1989.

b) CAPÍTULO DE LIBRO

Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68.

c) ARTÍCULO

Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Hum Biol. 1982;54:329-41.

d) TESIS Y DISERTACIÓN

Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 1997.

e) RESUMEN PUBLICADO EN ANALES DE CONGRESO

Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1α (IL-1α). In: Anais do 30º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p. 272.

f) DOCUMENTOS EXTRAIDOS DE SITIOS DE LA INTERNET

Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Regimento Interno da Coreme. Extraído de [http://www.hupes. ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001].

XIV

No incluir en las Referencias material no publicado o información personal. En estos casos, indicar en el texto: (i) Antunes Filho FF, Costa SD: datos no publicados; o (ii) Silva JA: comunicación personal, 1997. Sin embargo, si el trabajo citado es acepto para publicación, incluirlo entre las referencias, citando los registros de identificación necesarios (autores, título del trabajo o libro y periódico o editora), seguido de la expresión latina In press y el año.

Cuando el trabajo encaminado para publicación tenga la forma de relato de investigación epidemiológica, relato de hecho histórico, comunicación, resumen de trabajo final de curso de postgraduación, informes técnicos, reseña bibliográfica y carta al editor, el(los) autor(es) debe(n) utilizar lenguaje objetiva y concisa, con informaciones introductorias cortas y precisas, delimitando el problema o la cuestión objeto de la investigación. Seguir las orientaciones para referencias, ilustraciones y tablas.

Las contribuciones encaminadas a los editores y revisores, solo serán aceptadas para apreciación si atienden las normas de la revista.

Dirección para contacto:

Revista Baiana de Saúde Pública Centro de Atenção à Saúde (CAS)

Av. Antônio Carlos Magalhães

Parque Bela Vista, Salvador – Bahia – Brasil

CEP 40.280-000

E-mail: rbsp.saude@saude.ba.gov.br

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SECRETARIA DA SAÚDE DO ESTADO DA BAHIA – SESAB

REVISTA BAIANA DE SAÚDE PÚBLICA – RBSP

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Revista Baiana de Saúde Pública

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE SÍFILIS GESTACIONAL E CONGÊNITA: EVOLUÇÃO E RELAÇÃO COM ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA NO SUL E EXTREMO SUL BAIANO FATORES ASSOCIADOS À AUTOAVALIAÇÃO NEGATIVA DE SAÚDE ENTRE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA CONHECIMENTO DOS ENFERMEIROS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE SOBRE ARBOVIROSES CAPACITAÇÃO DE PROFISSIONAIS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA EM SAÚDE: UM CAMINHO PARA A PROMOÇÃO DA FITOTERAPIA

CONSUMO ALIMENTAR DE ESTUDANTES DE NUTRIÇÃO DE UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA O PROCESSO DE REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE EM UM ESTADO DO NORDESTE BRASILEIRO ESCORE DE RISCO DE FRAMINGHAM EM PACIENTES DIABÉTICOS DA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA SOROPREVALÊNCIA DE MARCADORES DE TRIAGEM SOROLÓGICA PARA DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS POR TRANSFUSÃO EM DOADORES DE SANGUE EM SERGIPE, BRASIL SAÚDE BUCAL NA GESTAÇÃO: PERCEPÇÕES E PRÁTICAS DA GESTANTE NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA ARTIGO DE REVISÃO FACILIDADES, DIFICULDADES E OPORTUNIDADES DO CONTROLE SOCIAL EM SAÚDE PARA A GARANTIA DO ACESSO À SAÚDE TAXA DE MORTALIDADE POR CÂNCER DE COLO DE ÚTERO NA 16ª REGIÃO DE SAÚDE DA PARAÍBA, 2005-2015

PREVALÊNCIA E FATORES ASSOCIADOS À ANEMIA FERROPRIVA ENTRE CRIANÇAS NO BRASIL: REVISÃO SISTEMÁTICA E METANÁLISE DIÁLOGOS SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE: UM OLHAR DA REVISÃO INTEGRATIVA ENSAIO

BREVE REFLEXÃO SOBRE A AFERIÇÃO DE TEMPERATURA EM AMBIENTES PÚBLICOS PARA CONTROLE DA COVID-19 RELATO DE EXPERIÊNCIA TERRITÓRIO, SIGNIFICADOS E AS POTENCIALIDADES DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE PARA O USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS

PORTFÓLIO ACADÊMICO: REFLEXÃO DO CUIDADO DE ENFERMAGEM EM INTERCULTURALIDADE A GESTÃO DO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL POR MEIO DE GRUPOS TERAPÊUTICOS EM UNA (BA)

ABERTURAS NO ESPAÇO E ARQUITETURAS NO TEMPO: SAÚDE MENTAL NO TERRITÓRIO

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