RBSP v. 46 n. 2 (2022)

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ISSN 0100-0233

ISSN (online) 2318-2660

v. 46 n. 2 abr./jun. 2022

Secretaria da Saúde do Estado da Bahia

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Revista Baiana de Saúde Pública

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Manoel Barral – FIOCRUZ (BA)

Rev. baiana saúde pública Salvador v. 46 n. 2 p. 1-224 abr./jun. 2022
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ISSN: 0100-0233

ISSN (on-line): 2318-2660

Governo do Estado da Bahia Secretaria da Saúde do Estado da Bahia

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Revista Baiana de Saúde Pública / Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Rev. Baiana saúde pública v. 46, n. 2, p. 1-224 abr./jun. 2022

Trimestral.

Publicado também como revista eletrônica.

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E-ISSN 2318-2660

1. Saúde Pública - Bahia - Periódico. IT

CDU 614 (813.8) (05)

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

FREE THEMED ORIGINAL ARTICLES

ARTÍCULOS ORIGINALES DE TEMAS LIBRES

PERFIL DOS USUÁRIOS E ATENDIMENTO DAS UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE EM UM MUNICÍPIO DE CRICIÚMA (SC) 9

PROFILE OF USERS AND SERVICES OF PRIMARY HEALTHCARE UNITS IN THE MUNICIPALITY OF CRICIÚMA (SC)

PERFIL DE USUARIOS Y ATENCIÓN DE UNIDADES BÁSICAS DE SALUD EN EL MUNICIPIO DE CRICIÚMA (SC)

Tiago Canabarro Parode, Renata C. Gonçalves, Fernanda de Oliveira Meller, Micaela Rabelo Quadra, Carla Damasio Martins, Antônio Augusto Schäfer

QUALIDADE DE VIDA DE ACADÊMICOS QUE SE DESLOCAM PARA UMA UNIVERSIDADE PARTICULAR EM SERGIPE 24

QUALITY OF LIFE OF ACADEMICS THAT MOVE TO A PRIVATE UNIVERSITY IN SERGIPE

CALIDAD DE VIDA DEL DESPLAZAMIENTO ACADÉMICO PARA UNA UNIVERSIDAD EN PARTICULAR EN SERGIPE

TRABAJO Y PRÁCTICAS DE ATENCIÓN OBSTÉTRICA DE LA ENFERMERÍA EN UNA MATERNIDAD PÚBLICA

Jameson Moreira Belém, Emanuelly Vieira Pereira, João Cruz Neto, Maria Rocineide Ferreira da Silva, Glauberto da Silva Quirino

INFLUÊNCIA DO NÍVEL DE ATIVIDADE FÍSICA NA PREVALÊNCIA DE EXCESSO DE PESO EM ADOLESCENTES ESCOLARES 74

INFLUENCE OF THE LEVEL OF PHYSICAL ACTIVITY ON THE PREVALENCE OF OVERWEIGHT IN SCHOOL ADOLESCENTS INFLUENCIA DEL NIVEL DE ACTIVIDAD FÍSICA EN LA PREVALENCIA DE SOBREPESO EN ADOLESCENTES ESCOLARES

Giérisson Brenno Borges Lima, Juliana Luna do Monte, Raphael Furtado Marques, Thais Norberta Bezerra de Moura

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DAS VIOLÊNCIAS INTERPESSOAL E AUTOPROVOCADA EM PORTO VELHO:

NOTIFICAÇÕES PRÉ E TRANSPANDEMIA COVID-19

EPIDEMIOLOGICAL PROFILE OF INTERPERSONAL AND SELF-INFLICTED VIOLENCE IN PORTO VELHO: COVID-19 PRE AND TRANSPANDEMIC NOTIFICATIONS

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DE LA VIOLENCIA INTERPERSONAL Y AUTOINFLIGIDA EN PORTO VELHO: NOTIFICACIONES PRE Y TRANSPANDÉMICAS DE LA COVID-19

José Felipe de Freitas Gomes, Nathalia Halax Orfão, Gisele Teixeira de Souza Moura, Caio Ismael de Jesus Lasmar

SATISFACTION OF PRIMARY HEALTH CARE NURSING WITH PERMANENT EDUCATION

SATISFACCIÓN DE ENFERMERÍA DE ATENCIÓN PRIMARIA DE SALUD CON FORMACIÓN CONTINUADA

Thaynara Venancio Bezerra, Itala Keane Rodrigues Dias

SUMÁRIO | CONTENTS
SUMARIO EDITORIAL
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| EDITORIAL | EDITORIAL
RELAÇÃO ENTRE O PESO CORPORAL E A INSATISFAÇÃO COM A IMAGEM CORPORAL ENTRE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS 39 RELATION BETWEEN BODY WEIGHT AND BODY IMAGE DISSATISFACTION AMONG COLLEGE STUDENTS RELACIÓN ENTRE
Josué Souza Almeida Oliveira, Edmarlon Girotto, Camilo Molino Guidoni TRABALHO E PRÁTICAS DE CUIDADO OBSTÉTRICO DA ENFERMAGEM EM MATERNIDADE PÚBLICA 51 WORK AND PRACTICES OF OBSTETRIC
OF NURSING
PUBLIC MATERNITY
Jeferson dos Santos, Thainá Sthephany Silveira Barreto, Taciana Silveira Passos, Cristiane Costa da Cunha Oliveira
EL PESO CORPORAL Y LA INSATISFACCIÓN CON LA IMAGEN CORPORAL EN ESTUDIANTES UNIVERSITARIOS
CARE
IN
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SATISFAÇÃO DA ENFERMAGEM DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE COM A EDUCAÇÃO PERMANENTE 104

IMPACTOS PSICOLÓGICOS DA MASTECTOMIA: UMA ANÁLISE NA ASSOCIAÇÃO DE APOIO À PESSOA COM CÂNCER 122

PSYCHOLOGICAL IMPACTS OF MASTECTOMY: AN ANALYSIS IN THE CANCER SUPPORT ASSOCIATION

IMPACTOS PSICOLÓGICOS DE LA MASTECTOMÍA: UN ANÁLISIS EN LA ASOCIACIÓN DE APOYO A LAS PERSONAS CON CÁNCER

Irlândia Oliveira Almeida, Mariana Rios Ribeiro, Marcus Vinicius Dantas dos Santos, Caroline Almeida de Azevedo

INFLUÊNCIA DO NÍVEL DE ESCOLARIDADE SOBRE A DISSEMINAÇÃO DO SARS-CoV-2 NA REGIÃO

METROPOLITANA DO RECIFE 137

INFLUENCE OF EDUCATION LEVEL ON SARS-CoV-2 DISSEMINATION IN THE METROPOLITAN REGION OF RECIFE

INFLUENCIA DEL NIVEL DE EDUCACIÓN EN LA DISEMINACIÓN DEL SARS-CoV-2 EN LA REGIÓN METROPOLITANA DE RECIFE

Matheus Azevedo Bomfim, Rhute Tayane de Santana, Amanda Gomes de Oliveira, Danilo Lopes Oliveira da Silva, Roberto José da Silva Nóbrega

O TRABALHO COMO DETERMINANTE DE SAÚDE: PERFIL E VULNERABILIDADES DE AGRICULTORES EXPOSTOS A AGROTÓXICOS

WORK AS A HEALTH DETERMINANT: PROFILE AND VULNERABILITIES OF FARMERS EXPOSED TO AGROCHEMICALS

156

EL TRABAJO COMO DETERMINANTE DE LA SALUD: PERFIL Y VULNERABILIDADES DE LOS AGRICULTORES EXPUESTOS A PLAGUICIDAS

Alane Kelly de Sousa Oliveira, Karine Maria Martins Bezerra Carvalho, Mariza Maria Barbosa Carvalho

ARTIGO DE REVISÃO

REVIEW ARTICLES

ARTÍCULOS DE REVISIÓN

ATUAÇÃO DA FISIOTERAPIA NA INCONTINÊNCIA URINÁRIA EM MULHERES NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE:

UMA REVISÃO INTEGRATIVA 171

PHYSICAL THERAPY PERFORMANCE IN URINARY INCONTINENCE IN WOMEN IN PRIMARY HEALTH CARE: AN INTEGRATIVE REVIEW

DESEMPEÑO DE FISIOTERAPIA EN INCONTINENCIA URINARIA EN MUJERES EN LA ATENCIÓN PRIMARIA DE SALUD:

UNA REVISIÓN INTEGRADORA

Ana Paula Malinauskas, Luiza Torelli

ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA BRASILEIRA NO PRIMEIRO ANO DA PANDEMIA DA COVID-19:

UMA REVISÃO INTEGRATIVA 184

BRAZILIAN PHARMACEUTICAL CARE IN THE FIRST YEAR OF THE COVID-19 PANDEMIC: AN INTEGRATIVE REVIEW

ASISTENCIA FARMACÉUTICA BRASILEÑA EN EL PRIMER AÑO DE LA PANDEMIA DEL COVID-19: UNA REVISIÓN INTEGRADORA

Léia Silva Almeida, Joslene Lacerda Barreto

RELATO DE EXPERIÊNCIA

EXPERIENCE REPORTS

RELATO DE EXPERIENCIA

ATUAÇÃO DE CIRURGIÃ-DENTISTA, COM ÊNFASE NO PRÉ-NATAL, NA ATENÇÃO PRIMÁRIA: RELATO DE EXPERIÊNCIA 199

DENTAL PRENATAL CARE IN PRIMARY CARE: AN EXPERIENCE REPORT

ACTUACIÓN DEL CIRUJANO DENTISTA, CON ÉNFASIS EN LA ATENCIÓN PRENATAL EN ATENCIÓN PRIMARIA: REPORTE DE EXPERIENCIA

Verbênia Silva Conceição, Marcela Beatriz Aguiar Moreira

RELATO DE CASO

CASE REPORT

REPORTE DE CASO

PROTOCOLO DE CUIDADOS EM PACIENTES COM ÚLCERAS VASCULOGÊNICAS EM MEMBROS INFERIORES

NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UM RELATO DE CASO 213

MANAGEMENT OF PATIENTS WITH LOWER LIMB ULCERS IN PRIMARY CARE: AN EXPERIENCE REPORT

PROTOCOLO DE MANEJO DE PACIENTES CON ÚLCERAS VENOSAS CRÓNICAS EN MIEMBROS INFERIORES EN ATENCIÓN

PRIMARIA DE SALUD: UN REPORTE DE EXPERIENCIA

Roberta Clere da Silva Santana, Eduardo José Farias Borges Reis, Silvio Romero da Silva Larangeira Junior, Igor Lobão Ferraz Ribeiro, Anna Laura Ribeiro Oliveira, Eliana Alves Machado

DIRETRIZES PARA AUTORES I GUIDELINES FOR AUTHORS

DIRECTRIZES PARA AUTORES

A Revista Baiana de Saúde Pública tem assumido alguns desafios, entre eles, dar voz a pesquisas, experiências e estudos realizados em diversos locais do Brasil sobre variados temas que interessam à saúde da coletividade. As publicações que ganham lugar nesta revista não estão concentradas nos tradicionais centros de produção do conhecimento do país. A diversidade temática também está presente neste número, com trabalhos que abordam questões relacionadas ao cuidado em saúde, passando pelo processo de trabalho e educação permanente em saúde, até a vigilância, promoção e educação em saúde.

São 14 trabalhos – dez artigos originais, duas revisões de literatura, um relato de experiência e um relato de caso – que mobilizam saberes úteis às práticas de saúde e a organização e desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Entre aqueles que utilizam elementos da realidade local como objeto de análise, seis abordam cidades do interior e quatro se referem a capitais, localizadas em seis estados de três regiões diferentes do Brasil: Bahia (3), Ceará (3), Pernambuco (1), Rondônia (1), Santa Catarina (1) e Sergipe (1).

Todos os autores e autoras que publicam neste número trataram de questões relevantes que serão enumeradas sumariamente a seguir. Com foco maior nas práticas de cuidado em saúde, temos um artigo original que aborda os Impactos psicológicos da mastectomia: uma análise na Associação de Apoio à Pessoa com Câncer e uma revisão integrativa de literatura – Atuação da fisioterapia na incontinência urinária em mulheres na Atenção Primária à Saúde

Produzindo conhecimentos que apoiam o processo de trabalho, a organização e atenção à saúde, bem como a educação permanente em saúde, há três artigos originais: Perfil dos usuários e atendimento das Unidades Básicas de Saúde no município de Criciúma (SC), Trabalho e práticas de cuidado obstétrico da enfermagem em maternidade pública e Satisfação da enfermagem da Atenção Primária à Saúde com a Educação Permanente; uma revisão integrativa: Assistência farmacêutica brasileira no primeiro ano da pandemia da covid-19; um relato de experiência: Atuação de cirurgiã-dentista, com ênfase no pré-natal, na Atenção Primária; e um relato de caso: Protocolo de cuidados em pacientes com úlceras vasculogênicas em membros inferiores na Atenção Primária à Saúde

A respeito de questões relacionadas à promoção da saúde, vigilância em saúde e saúde dos trabalhadores, são publicados três artigos originais: Influência do nível de atividade física na prevalência de excesso de peso em adolescentes escolares, Influência do nível de

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Revista Baiana de Saúde Pública
EDITORIAL
EDITORIAL
EDITORIAL

escolaridade sobre a disseminação do SARS-CoV-2 na região metropolitana do Recife e O trabalho como determinante de saúde: perfil e vulnerabilidades de agricultores expostos a agrotóxicos

Por fim, existem ainda dois artigos originais que tratam de aspectos relacionados aos modos e à qualidade de vida dos estudantes: um analisa a Qualidade de vida de acadêmicos que se deslocam para uma universidade particular em Sergipe e outro estuda a Relação entre o peso corporal e a insatisfação com a imagem corporal entre estudantes universitários . Recomendamos a leitura dessas produções. Acreditamos que elas oportunizarão significativas reflexões relativas aos temas da saúde coletiva e práticas de cuidado das diferentes profissões entre estudantes, professoras e professores, profissionais de saúde, gestoras e gestores, bem como entre o público geral.

Produzir conhecimento, publicá-lo, fazê-lo circular, promover diálogos e reflexões e utilizar esses aprendizados na qualificação de nossa práxis de melhoria das práticas de cuidado às pessoas e de desenvolvimento do SUS são ações ainda mais importantes em um momento no qual se renovam as macrocondições de avanço do SUS e de melhoria da vida do povo brasileiro.

https://orcid.org/0000-0002-8346-1480

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ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

PERFIL DOS USUÁRIOS E ATENDIMENTO DAS UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE EM UM MUNICÍPIO DE CRICIÚMA (SC)

Tiago Canabarro Parodea

https://orcid.org/0000-0002-9000-7278

Renata C. Gonçalvesb

https://orcid.org/0000-0002-7133-3596

Fernanda de Oliveira Mellerc

https://orcid.org/0000-0002-1174-4721

Micaela Rabelo Quadrad

https://orcid.org/0000-0002-6380-7720

Carla Damasio Martinse

https://orcid.org/0000-0001-7869-9315

Antônio Augusto Schäfer f

https://orcid.org/0000-0002-8834-0434

Resumo

O objetivo deste estudo foi avaliar as características dos usuários e dos atendimentos realizados nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município de Criciúma (SC). Foram avaliados todos os atendimentos realizados no ano de 2018 por meio da coleta de dados secundários no sistema de informação em saúde, CELK Saúde, do município. As variáveis analisadas foram: idade, sexo, escolaridade, situação de moradia, encaminhamentos realizados à atenção

a Mestre em Saúde Coletiva. Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Extremo Sul Catarinense. Criciúma, Santa Catarina, Brasil. E-mail: parode2@hotmail.com

b Doutora em Ciências da Saúde. Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Universidade do Extremo Sul Catarinense. Criciúma, Santa Catarina, Brasil. E-mail: re_cgoncalves@hotmail.com

c Doutora em Epidemiologia. Professora Titular e Pesquisadora do Programa de Pós-graduação e Saúde Coletiva da Universidade do Extremo Sul Catarinense. Criciúma, Santa Catarina, Brasil. E-mail: fernandameller@unesc.net

d Mestre em Saúde Coletiva. Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Universidade do Extremo Sul Catarinense. Criciúma, Santa Catarina, Brasil. E-mail: micaelarquadra@gmail.com

e Mestranda em Saúde Coletiva. Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Extremo Sul Catarinense. Criciúma, Santa Catarina, Brasil. E-mail: carlamartins50@hotmail.com

f Doutor em Epidemiologia. Professor Titular e Pesquisador do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Extremo Sul Catarinense. Criciúma, Santa Catarina, Brasil. E-mail: antonioaschafer@unesc.net

Endereço para correspondência: Universidade do Extremo Sul Catarinense. Av. Universitária, n. 1105, bairro Universitário. Criciúma, Santa Catarina, Brasil. CEP: 88806-000. E-mail: micaelarquadra@gmail.com

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Revista Baiana de Saúde Pública DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.n2.a3600

secundária, classificação e tipos de atendimentos registrados durante as consultas e os principais procedimentos executados. Foram realizadas análises descritivas das variáveis estudadas, com a apresentação das frequências absolutas e relativas. Dentre os 452.605 atendimentos avaliados, observou-se que 64,57% deles foram realizados por pessoas do sexo feminino e por indivíduos com 60 anos ou mais. A maior prevalência de atendimentos foi na classificação saúde mental. Com relação aos tipos de atendimento, notou-se predominância de consulta médica em todos os distritos. Quanto aos encaminhamentos realizados à atenção secundária, os mais prevalentes foram a oftalmologia e a ortopedia. Os resultados encontrados neste estudo podem orientar os gestores em saúde no desenvolvimento de estratégias e alternativas de intervenções efetivas na atenção básica, melhorando a qualidade e otimizando os serviços públicos ofertados.

Palavras-chave: Atenção primária à saúde. Perfil de saúde. Sistema Único de Saúde.

PROFILE OF USERS AND SERVICES OF PRIMARY HEALTHCARE UNITS IN THE MUNICIPALITY OF CRICIÚMA (SC)

Abstract

This study aimed to evaluate the characteristics of the users and services provided at Primary Healthcare Units (UBS) in the municipality of Criciúma (state of Santa Catarina – SC).

All consultations performed in 2018 were evaluated by collecting secondary data in the health information system, CELK Saúde, of the municipality. The following variables were analyzed: age, sex, education, housing situation, referrals to secondary care, classification and types of care recorded during consultations, and the main procedures performed. Descriptive analysis of the studied variables were carried out, presenting absolute and relative frequencies. Among the 452,605 consultations evaluated, 64.57% of the visits were made by females and by individuals aged 60 or older. The highest prevalence of appointments was in mental health classification. Regarding the types of care, medical appointments predominated in all districts. As for those referred to secondary care, the most prevalent were ophthalmology and orthopedics. The results found in this study can guide health managers in developing strategies and alternatives for effective interventions in primary care, improving quality and optimizing the public services offered.

Keywords: Primary health care. Health profile. Unified Health System.

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PERFIL DE USUARIOS Y ATENCIÓN DE UNIDADES BÁSICAS DE SALUD EN EL MUNICIPIO DE CRICIÚMA (SC)

Resumen

El objetivo de este estudio fue evaluar las características de los usuarios y la atención realizada en las Unidades Básicas de Salud del municipio de Criciúma/SC. Toda la atención brindada en 2018 fue evaluada a través de la recolección de datos secundarios en el sistema de información de salud (CELK Saúde) del municipio. Las variables analizadas fueron: edad, sexo, escolaridad, situación habitacional, derivaciones a atención secundaria, clasificación y tipos de atención registrados durante las consultas y los principales procedimientos realizados. Se realizaron análisis descriptivos de las variables estudiadas, con la presentación de frecuencias absolutas y relativas. Entre las 452.605 visitas evaluadas, se observó que el 64,57% de las visitas fueron realizadas por mujeres e individuos de 60 años o más. La mayor prevalencia de atención fue en la clasificación de salud mental. En cuanto a los tipos de atención, hubo un predominio de la consulta médica en todos los distritos. En cuanto a los referidos a cuidados secundarios, los más prevalentes fueron oftalmología y ortopedia. Los resultados encontrados en este estudio pueden orientar a los gestores sanitarios en el desarrollo de estrategias y alternativas para intervenciones eficaces en atención primaria, mejorando la calidad y optimizando los servicios públicos ofrecidos.

Palabras clave: Atención primaria de salud. Perfil de salud. Sistema Único de Salud.

INTRODUÇÃO

A regulamentação do Sistema Único de Saúde (SUS) estabelece princípios e direciona a implantação de um modelo de atenção à saúde que incorpora o fácil acesso das demandas populacionais aos serviços de saúde, tendo, nesse sentido, a Atenção Básica (AB) como porta de entrada do sistema de saúde brasileiro1.

As Unidades Básicas de Saúde (UBS), denominadas como todos os estabelecimentos de saúde que prestam ações e serviços de AB, têm como algumas de suas responsabilidades a organização e o acompanhamento do fluxo dos usuários entre as Redes de Atenção à Saúde (RAS), efetivando a longitudinalidade do cuidado com a construção de vínculo e reconhecendo as necessidades de saúde da população sob sua responsabilidade. Assim, são capazes de resolver a grande maioria dos problemas de saúde, se responsabilizando pela coordenação do cuidado do usuário em outros pontos da RAS1-3.

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Revista Baiana de Saúde Pública

Entende-se que é estratégico para a organização e gerenciamento da AB e para o aperfeiçoamento de programas assistenciais, a exemplo da Estratégia Saúde da Família (ESF), conhecer as características gerais dos usuários e suas necessidades, assim como o perfil de saúde de cada território2-4, objetivando também identificar e intervir nos riscos, necessidades e demandas de saúde da população, a fim de atingir a solução de problemas de saúde dos usuários 1 .

Diante disso, este estudo buscou avaliar as características dos usuários e dos atendimentos das UBS do município de Criciúma (SC) no ano de 2018, caracterizando os usuários de acordo com variáveis sociodemográficas, verificando as principais doenças e condições de saúde registradas durante consultas e identificando os principais procedimentos executados nas UBS e o índice de resolubilidade das equipes.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo, realizado em 2018 com dados secundários dos usuários cadastrados e/ou atendidos em todas as 48 UBS distribuídas nos cinco distritos sanitários (Próspera, Centro, Boa Vista, Rio Maina e Santa Luzia) do município de Criciúma (SC). Criciúma possui cerca de 219.393 habitantes, território de 234,865 km², Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,788 e produto interno bruto (PIB) per capita de R$ 36.073,315. Usuários cujas informações não foram devidamente registradas no sistema de informação em saúde do município, o CELK Saúde, não foram considerados.

O sistema de informação em saúde concentra todas as informações dos cadastros e atendimentos realizados nas UBS do município. Em 2018, o sistema tinha, aproximadamente, 223.000 usuários cadastrados, número maior do que o estimado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o mesmo ano, que era de aproximadamente 213.000 habitantes5. Essa situação ocorre devido à duplicidade e/ou a erros de cadastro. A partir do roteiro de coleta de dados, foram gerados no sistema relatórios de perfil de atendimento, de cadastro individual e de condições de moradia e escolaridade.

As variáveis utilizadas para o desenvolvimento desta pesquisa foram definidas a partir dos dados disponibilizadas pelo CELK Saúde, sendo elas: sexo (masculino/feminino); idade (< 10, 10-19, 20-39, 40-49, 50-59, ≥ 60 anos); escolaridade (sem escolaridade, fundamental incompleto, fundamental completo, médio incompleto, médio completo, superior incompleto, superior completo); situação de moradia (própria, alugada, outros); classificação dos atendimentos (saúde mental, hipertensão arterial sistêmica, pré-natal, não identificado, outros, demais atendimentos), tipos de atendimento (consulta médica, triagem consulta médica, atendimento ambulatorial, troca de receita, consulta odontológica, consulta de enfermagem,

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outros); procedimentos executados (aferição de pressão arterial, avaliação antropométrica, administração de medicamentos, raspagem, alisamento e polimento supragengival, glicemia capilar, outros); e encaminhamento realizado à atenção secundária (oftalmologista, ortopedia, cardiologia, nutrição, pequenas cirurgias, outros).

Após obter todas as informações necessárias para a realização do estudo a partir do sistema CELK Saúde, essas foram extraídas e repassadas para um banco de dados elaborado no software Microsoft Office Excel 2010, organizado por distritos sanitários. Todas as variáveis foram descritas por frequências absolutas (n) e relativas (%).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) sob parecer nº 3.344.715 (CAAE: 13513919.9.0000.0119).

RESULTADOS

Foram analisados 452.605 atendimentos realizados nas 48 UBS do município de Criciúma (SC) no ano de 2018.

Na Tabela 1 pode ser observada a caracterização sociodemográfica desses atendimentos. Evidenciou-se que 64,57% dos atendimentos foram realizados por pessoas do sexo feminino, padrão constatado para todos os distritos de saúde. Quanto à variável idade, houve predomínio de atendimentos entre os usuários idosos em todo o município (29,77%) e nos distritos Rio Maina, Santa Luzia, Centro e Próspera (28,48%, 27,19%, 32,88% e 31,96%, respectivamente). Já no distrito Boa Vista, a faixa etária mais prevalente foi a de 20 a 39 (28,76%). Pôde-se verificar também que a grande maioria dos indivíduos atendidos tinham o ensino fundamental incompleto (13,90%) ou nenhuma escolaridade (14,47%) e moradia própria (83,17%), padrão também existente em todos os distritos.

Tabela 1 – Caracterização sociodemográfica dos atendimentos realizados nas Unidades Básicas de Saúde de Criciúma (SC). Criciúma, Santa Catarina, Brasil – 2018

Sexo (n=452.605)

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Revista Baiana de Saúde Pública
Variáveis Distrito Rio Maina Distrito Santa Luzia Distrito Boa Vista Distrito Centro Distrito Próspera Total n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)
Masculino 23334 (34,94) 32643 (33,32) 29063 (38,60) 46290 (36,46) 29030 (33,91) 160360 (35,43) Feminino 43445 (65,06) 65327 (66,68) 46237 (61,40) 80663 (63,54) 56573 (66,09) 292245 (64,57) (continua)

Tabela 1 – Caracterização sociodemográfica dos atendimentos realizados nas Unidades Básicas de Saúde de Criciúma (SC). Criciúma, Santa Catarina, Brasil – 2018

14 Variáveis Distrito Rio Maina Distrito Santa Luzia Distrito Boa Vista Distrito Centro Distrito Próspera Total n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) Idade (n=452.605) < 10 anos 7041 (10,55) 9109 (9,3) 4051 (5,38) 9310 (7,33) 4869 (5,68) 34380 (7,59) 10-19 anos 5369 (8,04) 8083 (8,25) 6489 (8,62) 8927 (7,03) 5937 (6,94) 34805 (7,69) 20-39 anos 14788 (22,14) 23733 (24,22) 21659 (28,76) 27341 (21,54) 18199 (21,26) 105720 (23,36) 40-49 anos 8313 (12,45) 11875 (12,12) 9497 (12,61) 15700 (12,37) 10859 (12,69) 56244 (12,43) 50-59 anos 12249 (18,34) 18530 (18,91) 13637 (18,11) 23934 (18,85) 18379 (21,47) 86729 (19,16) ≥ 60 anos 19019 (28,48) 26640 (27,19) 19967 (26,52) 41741 (32,88) 27360 (31,96) 134727 (29,77) Escolaridade (n=95.932) Sem escolaridade 2069 (14,37) 3353 (15,89) 1898 (14,03) 3574 (14,21) 2986 (13,72) 13880 (14,47) Fundamental incompleto 2609 (18,13) 3200 (15,17) 1645 (12,16) 3515 (13,98) 2361 (10,85) 13330 (13,90) Fundamental completo 643 (4,47) 798 (3,78) 416 (3,07) 920 (3,66) 583 (2,68) 3360 (3,50) Médio incompleto 562 (3,90) 705 (3,34) 358 (2,65) 876 (3,48) 522 (2,40) 3023 (3,15) Médio completo 601 (4,18) 778 (3,69) 458 (3,38) 1201 (4,78) 677 (3,11) 3715 (3,87) Superior incompleto 152 (1,06) 175 (0,83) 159 (1,17) 381 (1,51) 198 (0,91) 1065 (1,11) Superior completo 163 (1,13) 179 (0,85) 192 (1,42) 515 (2,05) 216 (0,99) 1265 (1,32) Sem informação 7594 (52,76) 11908 (56,45) 8405 (62,12) 14167 (56,33) 14220 (65,34) 56294 (58,68) Situação de moradia (n = 48.645) Própria 6081 (85,28) 8096 (84,94) 5811 (82,80) 11157 (82,04) 9314 (81,95) 40459 (83,17) Alugada 732 (10,26) 1069 (11,22) 980 (13,96) 1958 (14,40) 1580 (13,90) 6319 (12,99) Outros 318 (4,46) 366 (3,84) 227 (3,24) 484 (3,56) 472 (4,15) 1867 (3,84) Fonte: Elaboração própria. (conclusão)

As informações sobre atendimentos, procedimentos e encaminhamentos realizados são observadas na Tabela 2. Verifica-se que, ao considerar o total de atendimentos das UBS, a maior prevalência foi encontrada na classificação saúde mental (7,32%). Na estratificação pelos distritos de saúde, observa-se que apenas no distrito Rio Maina os atendimentos de hipertensão arterial predominaram (6,89%), sendo que nos demais distritos a classificação de saúde mental também prevaleceu. Destaca-se, também, que o distrito Próspera foi o que apresentou a maior prevalência de atendimentos de saúde mental (11,20%) e o distrito Boa Vista, a menor (4,30%).

Tabela 2 – Atendimentos, procedimentos e encaminhamentos realizados nas Unidades Básicas de Saúde de Criciúma (SC). Criciúma, Santa Catarina, Brasil – 2018

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Variáveis Distrito Rio Maina Distrito Santa Luzia Distrito Boa Vista Distrito Centro Distrito Próspera Total n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) Classificação dos atendimentos (n = 388.818) Saúde mental 3917 (6,32) 6663 (8,67) 2620 (4,30) 6735 (5,97) 8529 (11,20) 28464 (7,32) Hipertensão arterial 4271 (6,89) 4799 (6,24) 1985 (3,25) 5504 (4,88) 4709 (6,19) 21268 (5,47) Pré-natal 2934 (4,73) 5393 (7,02) 1914 (3,14) 4839 (4,29) 3137 (4,12) 18217 (4,69) Não identificado 3825 (6,17) 5843 (7,60) 5990 (9,82) 7040 (6,24) 7530 (9,89) 30228 (7,77) Outros* 30576 (49,34) 45721 (59,48) 39833 (65,33) 71432 (63,28) 38973 (51,20) 226535 (58,26) Demais atendimentos** 16456 (26,55) 8443 (10,99) 8634 (14,16) 17324 (15,34) 13249 (17,40) 64106 (16,49) Tipos de atendimento (n = 681.970) Consulta médica 30450 (31,10) 41740 (29,03) 59601 (45,78) 54757 (28,74) 32254 (26,97) 218802 (32,08) Triagem consulta médica 22464 (22,94) 33923 (23,59) 18778 (14,42) 40527 (21,27) 24661 (20,63) 140353 (20,58) Atendimento ambulatorial 10777 (11,00) 14550 (10,12) 8823 (6,78) 20696 (10,86) 13764 (11,51) 68610 (10,06) Troca de receita 3760 (3,84) 8396 (5,84) 3167 (2,43) 8964 (4,71) 11050 (9,24) 35337 (5,18) Consulta odontológica 4214 (4,30) 7057 (4,91) 6485 (4,98) 8608 (4,52) 7525 (6,29) 33889 (4,97) Consulta enfermagem 3192 (3,26) 4046 (2,81) 5152 (3,96) 10411 (5,47) 3216 (2,69) 26017 (3,82) Outros 23069 (23,56) 34071 (23,70) 28183 (21,65) 46538 (24,43) 27101 (22,67) 158962 (23,31) (continua)

Tabela 2 – Atendimentos, procedimentos e encaminhamentos realizados nas Unidades Básicas de Saúde de Criciúma (SC). Criciúma, Santa Catarina, Brasil – 2018 (conclusão)

Fonte: Elaboração própria.

*Classificação de atendimento disponível no sistema CELK Saúde utilizada pelo profissional quando não encontra a classificação de atendimento desejada.

**São todas as demais classificações de atendimentos registradas no sistema CELK Saúde e que não foram pontuadas nesta tabela.

Com relação aos tipos de atendimento, notou-se predominância de consulta médica em todos os distritos, apresentando maior prevalência o distrito Boa Vista (45,78%), mesmo local com menor percentual de triagem para consulta médica (14,42%) e atendimento ambulatorial (6,78%). Quanto à troca de receita e à consulta odontológica, observou-se maior ocorrência desses atendimentos no distrito Próspera (9,24% e 6,29%, respectivamente).

16 Variáveis Distrito Rio Maina Distrito Santa Luzia Distrito Boa Vista Distrito Centro Distrito Próspera Total n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) Procedimentos executados (n = 1.735.446) Aferição de pressão arterial 22672 (9,13) 33923 (8,96) 36758 (10,75) 44869 (9,68) 28263 (9,33) 166485 (9,59) Avaliação antropométrica 23815 (9,59) 36217 (9,57) 17380 (5,08) 47717 (10,29) 26727 (8,82) 151856 (8,75) Administração de medicamentos 3009 (1,21) 3641 (0,96) 30246 (8,85) 3578 (0,77) 4164 (1,37) 44638 (2,57) Raspagem, alisamento e polimento supragengival 1942 (0,78) 5027 (1,33) 4609 (1,35) 6308 (1,36) 5534 (1,83) 23420 (1,35) Glicemia capilar 2457 (0,99) 3883 (1,02) 3447 (1,01) 3867 (0,83) 2779 (0,92) 16433 (0,95) Outros 194475 (78,30) 295871 (78,16) 249436 (72,96) 357394 (77,07) 235438 (77,73) 1332614 (76,79) Encaminhamentos realizados à atenção secundária (n = 17.789) Oftalmologia 227 (11,26) 401 (9,88) 206 (8,62) 534 (10,60) 477 (11,12) 1845 (10,37) Ortopedia 193 (9,57) 385 (9,49) 216 (9,04) 428 (8,50) 384 (8,95) 1606 (9,03) Cardiologia 133 (6,60) 217 (5,35) 137 (5,73) 296 (5,88) 264 (6,16) 1047 (5,88) Nutrição 69 (3,42) 228 (5,62) 145 (6,07) 191 (3,79) 402 (9,37) 1035 (5,82) Pequenas cirurgias 96 (4,76) 152 (3,74) 103 (4,31) 302 (6,00) 261 (6,09) 914 (5,14) Outros 1298 (64,39) 2675 (65,92) 1583 (66,23) 3285 (65,23) 2501 (58,31) 11342 (63,76)

Além disso, pode-se evidenciar que o distrito Centro foi o que apresentou maior percentual de consultas de enfermagem (5,47%) (Tabela 2).

Sobre os procedimentos executados, o distrito Boa Vista foi o que mais administrou medicamentos (8,85%), mas, em contrapartida, foi o que menos realizou avaliação antropométrica (5,08%) em comparação com os demais distritos (Tabela 2).

Os encaminhamentos mais prevalentes realizados à atenção secundária foram oftalmologia e ortopedia em todos os distritos de saúde. Além disso, a maior frequência de encaminhamentos ao serviço de nutrição (9,37%) e a pequenas cirurgias (6,09%) foi encontrada no distrito Próspera (Tabela 2).

É importante destacar que, em sua maioria, as classificações dos atendimentos, dos tipos de atendimentos, dos procedimentos executados e dos encaminhamentos à atenção secundária foram determinadas pelos profissionais como “outros”, ou seja, foram correspondentes a atividades as quais a classificação era inexistente no sistema de informação.

DISCUSSÃO

Este estudo possibilitou avaliar as características dos atendimentos de todas as 48 UBS da cidade de Criciúma. Dentre os achados, destaca-se a elevada prevalência de atendimentos entre o sexo feminino. As mulheres tendem a se preocupar mais com sua própria saúde e autocuidado, buscando com maior frequência serviços preventivos de saúde da AB6. Por outro lado, os homens buscam majoritariamente o tratamento curativo, optando por serviços hospitalares, pronto atendimento ou serviços de emergência, muitas vezes também em decorrência do horário de funcionamento dos serviços de saúde da AB, que coincide com seu horário de trabalho7

Nos distritos Rio Maina, Santa Luzia, Centro e Próspera, observou-se maior número de atendimentos aos usuários idosos. Esse resultado pode estar relacionado ao aumento da incidência e prevalência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) nessa faixa etária, associadas à crescente expectativa de vida e ao envelhecimento da população nos países em desenvolvimento. Cerca de 79% dos brasileiros com mais de 60 anos afirmam portar alguma condição crônica de saúde4 e, por conta disso, as DCNT são consideradas um dos maiores problemas globais de saúde pública na atualidade8.

Entretanto, no distrito Boa Vista, chama atenção a elevada prevalência de atendimentos encontrada entre os indivíduos com faixa etária de 20 a 39 anos. Uma possível explicação para esse fato é a existência de um estabelecimento de saúde nesse distrito que concentra, na mesma estrutura física, serviços de atenção primária e secundária à saúde. Embora

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não tenha sido possível segregar as informações obtidas do sistema de informação em saúde nesses dois níveis de atenção, sabe-se que os atendimentos realizados na atenção secundária compreendem não somente DCNT, mas, predominantemente, consultas ambulatoriais de especialidades médicas, atendimentos em saúde mental, pequenas cirurgias, algumas modalidades de exames laboratoriais e de imagem e atendimentos de urgência e emergência9 As razões para esse grupo etário procurar tais serviços são diversas: fácil acessibilidade, funcionamento durante 24 horas, impossibilidade de recorrer aos serviços ambulatoriais em razão do seu turno de trabalho, entre outras10.

Cerca de um terço dos usuários tinham sete anos ou menos de estudo. A predominância da baixa escolaridade em indivíduos atendidos pelo SUS pode estar relacionada ao baixo nível socioeconômico, uma vez que beneficiários de planos e seguros privados apresentam maior escolaridade segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)11.

A Atenção Primária à Saúde (APS) é considerada como um conjunto de serviços utilizados pelos mais pobres. Essa realidade reflete o cenário de extrema desigualdade no tocante ao acesso dos serviços de saúde, no qual a APS, por vezes, torna-se uma ferramenta no enfrentamento das iniquidades sociais2,12

Quanto à classificação dos atendimentos, a saúde mental predominou nos distritos Santa Luzia, Boa Vista, Centro e Próspera. O aumento da expectativa de vida populacional vem acompanhado da alta prevalência de DCNT, como doenças cardiovasculares, câncer, diabetes e doenças respiratórias crônicas13,14, que em muitos casos estão em comorbidade com transtornos psiquiátricos como a depressão15. A debilidade da saúde física relacionada à incapacidade e à maior dependência, por exemplo, é considerada fator de risco para o desenvolvimento de depressão15,16.

Ainda sobre a classificação dos atendimentos, observou-se que no distrito Rio Maina houve predominância das consultas de hipertensão arterial. Porém, nesse mesmo distrito há um estabelecimento de saúde que concentra, na mesma estrutura física, serviços de atenção primária e de especialidades médicas, como cardiologia, sendo uma possível explicação para esse resultado.

Com relação aos procedimentos executados, o distrito Boa Vista apresenta os maiores índices de administração de medicamentos, contudo, foi o que menos realizou avaliação antropométrica. Como já mencionado anteriormente, nesse distrito há um estabelecimento que presta serviços de atenção secundária à saúde. Sendo assim, em razão dos tipos de atendimento ofertados por esse serviço caracterizados como urgência e emergência, tendo em sua maioria a realização de consultas prestada a usuários com quadros

18

agudos, psiquiátricos e traumas que possam levá-los à morte iminente17, há menos execução de procedimentos como avaliação antropométrica e maior número de administração medicamentosa. As características clínicas dos pacientes atendidos por esse nível de serviço fazem com que haja uma maior demanda de intervenção medicamentosa e administração de drogas com alto poder de ação, as quais tornam-se no processo de recuperação da saúde, além da alegação dos usuários de terem suas demandas atendidas de modo mais rápido nesse nível de assistência do que na APS18.

Observou-se predominância de consultas médicas em todos os distritos, com maior prevalência em Boa Vista (45,78%). Os usuários buscam as UBS a fim de obter assistência para suas condições clínicas, especialmente diagnóstico, tratamento de doenças crônicas, prevenção de doenças por meio de exames de rastreamento e transferência para serviços especializados19. Nesse cenário, mantém-se o modelo hegemônico centrado na assistência médica, principalmente20, elevando os números de atendimento realizados por tais profissionais. Porém, esse mesmo distrito apresentou o menor percentual de triagem para consulta médica (14,42%). Analisando o sistema CELK Saúde, identificou-se que o serviço de pronto atendimento existente nesse território utilizava a nomenclatura “clínico geral (acolhimento)”, e não “triagem consulta médica”, como as demais UBS, o que poderia explicar o baixo percentual encontrado.

No que diz respeito à troca de receita e consulta odontológica, observou-se maior prevalência no distrito Próspera, sendo o território com maior percentual de atendimentos classificados com saúde mental, seguido de hipertensão arterial, e o segundo distrito com o maior número de usuários idosos. De acordo com Saastamoinen, Enlund e Klaukka 21, a renovação de receita é uma prática rotineira em UBS, apresentando-se mais frequente em populações idosas devido à maior prevalência de DCNT. Já em relação à consulta odontológica, cabe ressaltar que o distrito Próspera é o único que tem um Centro de Especialidades Odontológicas (CEO), que, por sua vez, deve oferecer à população serviços odontológicos voltados à identificação de câncer bucal, endodontia, periodontia especializada, cirurgia oral menor de tecidos moles e duros e atendimento a pacientes especiais 22 .

Com o intuito de identificar o índice de resolubilidade das equipes de UBS, avaliaram-se os encaminhamentos realizados à atenção secundária e observou-se que os mais prevalentes foram oftalmologia e ortopedia, em todos os distritos. No Brasil, o primeiro contato do usuário com o sistema de saúde, geralmente, é por meio das UBS, o que torna necessário que a AB tenha alta resolutividade, com capacidade clínica

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(diagnósticas e terapêuticas), evitando a exposição dos usuários a consultas e procedimentos desnecessários 1. A APS tem poder de resolução de aproximadamente 85% das necessidades de saúde da população23, entretanto, quando a demanda do usuário vai além da capacidade de resolução desses serviços, é necessária uma articulação da UBS com outros níveis de atenção, incluindo a secundária 10 .

Tendo em vista o número total de consultas médicas e o número total de encaminhamentos realizados à atenção secundária, um importante achado do estudo foi o índice de resolubilidade das UBS de Criciúma, o qual foi de 91,87% no ano de 2018, percentual acima que o mínimo esperado (85%)23

Como fortaleza deste estudo, destaca-se que este trabalho englobou todas as UBS da cidade de Criciúma e avaliou mais de 450 mil atendimentos no período estudado. Entretanto, algumas limitações precisam ser consideradas. Por se tratar de dados secundários, é importante considerar a falta de informação ou de registro no sistema de saúde, a qual levou à perda de 226.535 dados referentes às classificações de atendimentos. Além disso, destaca-se a não possibilidade de segregação de dados conjuntos de algumas UBS, como no distrito Boa Vista, por exemplo, que concentra na mesma estrutura física serviços de atenção primária e secundária.

CONCLUSÃO

Os dados demonstram que os atendimentos foram mais prevalentes nos indivíduos do sexo feminino, idosos (faixa etária de 60 anos ou mais), com ensino fundamental incompleto e que tinham moradia própria, além de ter sido evidenciada predominância nos atendimentos à saúde mental e em consultas médicas. Ademais, o nível de resolubilidade das UBS de Criciúma apresentou-se acima da média nacional.

Essas informações fornecem um importante panorama sobre a utilização da AB no município e os serviços realizados por ela, necessários ao desenvolvimento de ações de saúde e de uma gestão voltada para as necessidades dos usuários, visando à diminuição de agravos e à promoção e prevenção de saúde na população de Criciúma.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Tiago Canabarro Parode e Antônio Augusto Schäfer.

20

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Tiago Canabarro Parode, Renata C. Gonçalves, Fernanda de Oliveira Meller, Micaela Rabelo Quadra, Carla Damasio Martins, Antônio Augusto Schäfer.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Tiago Canabarro Parode, Renata C. Gonçalves, Fernanda de Oliveira Meller, Micaela Rabelo Quadra, Carla Damasio Martins, Antônio Augusto Schäfer

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Tiago Canabarro Parode, Renata C. Gonçalves, Fernanda de Oliveira Meller, Micaela Rabelo Quadra, Carla Damasio Martins, Antônio Augusto Schäfer.

REFERÊNCIAS

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22

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23. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Para entender a gestão do SUS. Brasília (DF): Conselho Nacional de Secretários de Saúde; 2011.

Recebido: 21.3.2022. Aprovado: 25.7.2022. Publicado: 12.1.2023.

23 v. 46, n. 2, p. 9-23 abr./jun. 2022
Revista Baiana de Saúde Pública

DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.n2.a3613

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

QUALIDADE DE VIDA DE ACADÊMICOS QUE SE DESLOCAM

PARA UMA UNIVERSIDADE PARTICULAR EM SERGIPE

Jeferson dos Santosa

https://orcid.org/0000-0002-8305-2599

Thainá Sthephany Silveira Barretob

https://orcid.org/0000-0002-5634-7789

Taciana Silveira Passosc

https://orcid.org/0000-0002-5312-095X

Cristiane Costa da Cunha Oliveirad

https://orcid.org/0000-0003-1439-7961

Resumo

No decorrer da graduação, os universitários sofrem pressões biopsicossociais que comprometem não só sua qualidade de vida (QV), mas também o desempenho nas mais variadas circunstâncias. O objetivo deste estudo foi analisar a QV dos universitários de Tobias Barreto (SE) que se deslocavam para a Universidade Tiradentes em Aracaju (SE) no primeiro semestre de 2018. Para isso, foi realizado um estudo de natureza quantitativa, do tipo corte transversal, com moradores universitários do município de Tobias Barreto que se deslocavam para a capital Aracaju para estudar, no primeiro semestre de 2018, tendo como amostra 97 acadêmicos. A maioria dos participantes eram do sexo masculino, cor parda e residiam em Tobias Barreto. Desses, 94,85% moravam em casa própria e 42,27% recebiam até um salário mínimo proveniente de atividade remunerada – enquadravam-se na classe C1. Mesmo diante das dificuldades vivenciadas diariamente, os universitários apresentaram um bom rendimento acadêmico e um escore melhor de qualidade de vida no domínio social, e um escore menor no domínio ambiental.

Palavras-chave: Qualidade de vida. Estudantes. Transporte.

a Enfermeiro. Pós-graduado pelo Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Adulto e do Idoso. Tobias Barreto, Sergipe, Brasil. jefersonla2009@hotmail.com

b Enfermeira. Graduada em Enfermagem. Aracaju, Sergipe, Brasil. E-mail: thainasbarreto@hotmail.com

c Enfermeira. Doutora em Saúde e Ambiente. Aracaju, Sergipe, Brasil. E-mail: taciana.silveira@acad.unit.br

d Odontóloga. Doutora em Odontologia/Saúde Coletiva e Mestre em odontologia Preventiva e Social. Aracaju, Sergipe, Brasil. E-mail: criscunhaoliva@yahoo.com.br

Endereço para correspondência: Rua Ana Paula, n. 50, Centro. Tobias Barreto, Sergipe, Brasil. CEP: 49300-000. E-mail: jefersonla2009@hotmail.com

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QUALITY OF LIFE OF ACADEMICS THAT MOVE TO A PRIVATE UNIVERSITY IN SERGIPE

Abstract

Throughout the undergraduate course, students suffer psychosocial pressures that compromise not only their quality of life (QOL), but also the performance in the most varied circumstances. This study aimed to analyze the QOL of university students of Tobias Barreto (state of Sergipe – SE) who moved to Tiradentes University in Aracaju (SE) in the first half of 2018. To that end, a quantitative cross-sectional study was carried out with university students residents in the municipality of Tobias Barreto who moved to the capital Aracaju to study, in the first semester of 2018, with a sample of 97 academics. Most participants were male, mixed-race, and residing in Tobias Barreto. Of those, 94.85% lived in their own houses and 42.27% receive up to a minimum salary from paid activity – categorized in economic class C1. Even faced with the difficulties experienced daily, the university students presented a good academic performance and presented a higher quality of life score in the social domain and lower, in the environmental domain.

Keywords: Quality of life. Students. Transport.

CALIDAD DE VIDA DEL DESPLAZAMIENTO ACADÉMICO PARA UNA UNIVERSIDAD EN PARTICULAR EN

SERGIPE

Resumen

Durante la graduación, los estudiantes universitarios sufren presiones biopsicosociales que terminan comprometiendo no solo su Calidad de Vida (CV), sino también su desempeño en las más variadas circunstancias. El objetivo de este estudio fue analizar la CV de universitarios de Tobias Barreto/SE que viajaban para la Universidade Tiradentes en Aracaju/SE, en el primer semestre de 2018. Para eso, se llevó a cabo un estudio transversal cuantitativo, con universitarios residentes en la ciudad de Tobias Barreto/SE que viajaron a la capital Aracaju para estudios en el primer semestre de 2018, con una muestra de 97 académicos. La mayoría de los participantes era del sexo masculino, moreno, residente en Tobías Barreto/SE. De esos, el 94,85% vivía en domicilio propio y el 42,27% recibía hasta un salario mínimo por actividad remunerada, pertenecían a la clase económica C1. Aún frente a las dificultades vividas en el día a día, los universitarios presentaron un buen desempeño académico y mejor puntaje de calidad de vida en el dominio social, y menor puntaje de CV en el dominio ambiental.

Palabras clave: Calidad de vida. Estudiantes. Transporte.

25 v. 46, n. 2, p. 24-38 abr./jun. 2022
Revista Baiana de Saúde Pública

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) conceitua qualidade de vida (QV) como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”1:1

Esta ainda é referida como uma representação eminentemente humana, com aspectos próximos aos graus de satisfação familiar, amorosa, social, ambiental e às imagens existenciais2.

Diante desse contexto, foi observado que os universitários experimentam vários desenvolvimentos importantes quando iniciam a universidade. Eles têm de lidar com algumas situações como sair de casa, aumentar a independência, mudanças de grupos, novas situações sociais, manutenção de responsabilidades acadêmicas e maior acesso a álcool ou drogas3

Diferentes fatores estressantes são enfrentados pelos universitários. Ao mesmo tempo que alguns estimulam o desenvolvimento, outros ameaçam o bem-estar, a saúde e a QV. Entre esses fatores, estão os trabalhos acadêmicos, exames, entrega de relatórios, excesso de responsabilidade, situações pessoais, ambiente, tempo e circunstâncias econômicas4,5

O transporte coletivo sem conforto, as longas distâncias percorridas diariamente e o trânsito conturbado são considerados grandes estressores. Sendo assim, os acadêmicos tentam driblar esses fatores, criando estratégias errôneas, como sair de casa sem o desjejum e diminuindo o tempo de sono, contribuindo para o aparecimento dos sinais e sintomas causadores do estresse6.

O grau de dificuldade no acesso aos locais de estágio ou universidade e as situações de desgaste são sentidas pelos alunos com a utilização dos meios de transportes7. O deslocamento dos estudantes de suas residências para as universidades, tendo de conciliar a vida familiar e social com as atividades acadêmicas, tem sido abordado como fator que pode levar a um nível de estresse. As horas perdidas em viagem impedem a dedicação necessária aos estudos, o que pode levar a uma situação estressora para os estudantes que necessitam viajar para estudar8.

Os universitários, no decorrer da graduação, sofrem pressões biopsicossociais que são responsáveis pela instabilidade dos indivíduos, acarretando fatores estressantes que comprometem não só sua QV, mas também seu desempenho nas mais variadas circunstâncias. Assim, o ambiente que contribuiria para edificação do conhecimento e seria a base para suas experiências de formação profissional se torna, por vezes, o desencadeador de distúrbios patológicos, quando ocorre uma exacerbação da problemática do estresse acadêmico9

Nessa perspectiva, o objetivo deste estudo foi analisar a QV dos universitários de Tobias Barreto (SE) que se deslocaram para a Universidade Tiradentes em Aracaju (SE) no primeiro semestre de 2018.

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MATERIAL E MÉTODOS

DELINEAMENTO E POPULAÇÃO DO ESTUDO

Trata-se de um estudo de natureza quantitativa, do tipo corte transversal, com a análise do universitário investigado quanto à qualidade de vida. A pesquisa em questão teve como participantes moradores universitários do município de Tobias Barreto (SE) que se deslocavam, no primeiro semestre de 2018, em transporte coletivo acadêmico do tipo ônibus para a capital Aracaju para estudar. Foram incluídos participantes de 16 a 40 anos, ambos os sexos, regularmente matriculados na instituição de ensino superior Universidade Tiradentes. A população do município de Tobias Barreto, no ano de 2010, foi estimada em 52.156 habitantes10.

Participaram da amostra 97 universitários, por meio do processo de amostragem de população finita, nos meses de abril e maio de 2018, com idade superior a 16 anos e que utilizavam o transporte como meio de acesso à universidade na capital Aracaju. Para esta pesquisa, foram excluídos os estudantes que utilizavam o transporte universitário eventualmente como carona. A seleção da amostra foi por conveniência dos presentes nos dias e horários marcados para a coleta. O trabalho de campo foi conduzido durante o período vespertino, quando, em geral, os acadêmicos estavam no transporte para a universidade.

Primeiramente, foi apresentado aos entrevistados o tema do projeto “Qualidade de vida e fatores de risco dos universitários de um município de Sergipe que se deslocam para uma universidade particular na capital”, seus objetivos, o parecer do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), esse último somente para menores de 18 anos.

INSTRUMENTOS

O questionário é semiestruturado e contém as categorias: perfil sociodemográfico, socioeconômico, familiar, de saúde e o instrumento World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-Bref) da Organização Mundial da Saúde (OMS). Foi necessário para participação na pesquisa que disponibilizassem a média geral ponderada (MGP).

A condição socioeconômica foi avaliada de acordo com o Critério de Classificação Econômica do Brasil (CCEB), desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep)11. O CCEB estima o poder de compra das pessoas e das famílias e o grau de instrução do chefe da família, classificando da seguinte forma: classe A1 (42–46), classe A2 (35–41), classe B1 (29–34), classe B2 (23–28), classe C1 (18–22), classe C2 (14–17), classe D (8–13) e a classe E (0–7).

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Revista Baiana de Saúde Pública

A QV foi mensurada com o uso do questionário abreviado sobre qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-Bref). O WHOQOL-Bref foi analisado com base nos critérios propostos pela equipe australiana do grupo de estudos da OMS sobre o tema, os quais permitem sua classificação em escores que variam de 0 a 100. Quanto mais próximo de 100, melhor é a QV do avaliado12.

ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Tiradentes, Aracaju (SE), número do parecer: 2.554.082. Todos os participantes assinaram o TCLE e os menores de 18 anos assinaram o TALE. Os dados foram digitados sem identificação dos participantes pela equipe de pesquisadores, uma vez que faz parte do trabalho a realização do retorno social – convite para a defesa pública do trabalho de conclusão de curso e informação dos resultados da pesquisa via e-mail e na associação dos estudantes universitários de Tobias Barreto (SE).

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Foram realizadas análises descritivas das variáveis características sociodemográficas (faixa etária, sexo, cor da pele autorreferida, município em que reside), familiares (onde e com quem reside atualmente, número de residentes), socioeconômicas (condições de moradia, participação na renda familiar, desenvolve atividade remunerada, renda mensal individual, classe econômica).

Em seguida, foram calculados os escores totais e os domínios de QV. O WHOQOLBref tem cinco escalas de respostas do tipo Likert: “muito ruim a muito bom” (escala de avaliação), “muito insatisfeito a muito satisfeito” (escala de avaliação), “nada a extremamente” (escala de intensidade), “nada a completamente” (escala de capacidade) e “nunca a sempre” (escala de frequência). Cada domínio é composto por questões cujas pontuações das respostas variam de um a cinco. O escore médio em cada domínio indica a percepção do indivíduo quanto à sua satisfação em cada aspecto em sua vida, relacionando-se com sua qualidade de vida. Quanto maior a pontuação, melhor essa percepção13

Logo após, foi realizada a análise de comparação das médias das variáveis sociodemográficas e socioeconômicas com os domínios de QV (físico, psicológico, social e ambiental), aplicando os testes t e Anova (distribuição normal), no qual foi utilizado um nível de significância de 0,05 (p < 0,05).

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RESULTADOS

Participaram do estudo 97 acadêmicos, na faixa etária de 16 a 40 anos (ɱ = 22,6; dp = 4,07). A maioria dos participantes era do sexo masculino. Quanto à etnia, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística10 (IBGE) apresenta que no Brasil 47,7% se dizem brancos e 43,1% pardos, enquanto entre os participantes deste estudo 23,71% se declararam brancos e 64,95%% pardos. A maioria declarou que residia em Tobias Barreto (SE). Havia estudantes que deslocavam de cidades circunvizinhas – Itapicuru (BA) – para utilizar o transporte acadêmico, ou seja, precisavam se deslocar de uma distância maior até a universidade (Tabela 1).

Tabela 1 – Características sociodemográficas dos acadêmicos da Universidade

Tiradentes – deslocamento Tobias Barreto (SE) – Aracaju (SE), 2018 (n = 97). Tobias

– 2018

Ao serem questionados onde e com quem residem, todos os entrevistados relataram que moram em casa ou apartamento com sua família, sendo que a maioria mora com até três pessoas (incluindo o entrevistado). Além disso, 94,85% relataram que moram em casa própria (Tabela 2).

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Barreto, Sergipe, Brasil
Variável n % Faixa etária 16 a 21 anos 52 53,61 22 a 40 anos 45 46,39 Sexo Masculino 52 53,61 Feminino 45 46,39 Cor da pele autorreferida Não respondeu 1 1,03 Branco 23 23,71 Pardo 63 64,95 Negro 8 8,25 Amarelo 2 2,06 Município em que reside Não respondeu 8 8,25 Tobias Barreto (SE) 79 81,44 Itapicuru (BA) 7 7,22 Riachão do Dantas (SE) 3 3,09 Fonte: Elaboração própria.

Tabela 2 – Características familiares, socioeconômicas e de saúde dos acadêmicos da Universidade Tiradentes – deslocamento Tobias Barreto (SE) – Aracaju (SE), 2018 (n = 97). Tobias Barreto, Sergipe, Brasil – 2018

Quando questionados a respeito do trabalho, predominou a alternativa emprego autônomo, sendo que a maioria (42,27%) recebe até um salário mínimo, seguida de estudantes que não têm renda mensal individual. No quesito classe econômica, a maior parte enquadra-se na classe C1(37,11%), seguida da B2 (34,02%). Ao responderem se têm plano de assistência médica, 89,69% disseram que não (Tabela 2).

Ao analisar a percepção dos acadêmicos sobre qualidade de vida, o domínio que predominou foi o social (66,24%), isto é, os entrevistados consideram que têm uma maior QV

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Variável n % Onde e com quem reside atualmente Em casa ou apartamento, com sua família 97 100,00 Nº de residentes ≤ 3 pessoas 50 51,55 ≥ 4 pessoas 47 48,45 Casa em que sua família reside Emprestada/Alugada 5 5,15 Própria 92 94,85 Desenvolve atividade remunerada Estágio 21 21,65 Emprego autônomo 52 53,61 Emprego fixo particular 9 9,28 Emprego fixo federal/estadual/municipal 12 12,37 Não 3 3,09 Renda mensal individual Não tem renda 33 34,02 ≤ 954,00 41 42,27 ≥ 955,00 23 23,71 Classe econômica B1 20 20,62 B2 33 34,02 C1 36 37,11 C2 7 7,22 D 1 1,03 Possui plano de assistência médica Sim 10 10,31 Não 87 89,69 Fonte: Elaboração própria.

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nesse quesito, sendo que o menor domínio foi o ambiental (54,41%) (Figura 1). Ao comparar as médias das variáveis sociodemográficas com os domínios de qualidade de vida, não foi observado nível de significância de 0,05 (p‹0,05) (Tabela 3).

Figura 1 – Percepção da qualidade de vida por domínios dos acadêmicos da Universidade Tiradentes – deslocamento Tobias Barreto (SE) – Aracaju (SE), 2018 (n = 97). Tobias Barreto, Sergipe, Brasil – 2018

Do mínio F ís ico

Do mínio Am biental

Fonte: Elaboração própria.

Do mínio S ocial

Do mínio Ps icológ ico

Tabela 3 – Comparação das médias das variáveis sociodemográficas com os domínios de qualidade de vida dos acadêmicos da Universidade Tiradentes – deslocamento Tobias Barreto (SE) – Aracaju (SE), 2018 (n = 97). Tobias Barreto, Sergipe, Brasil – 2018 Variáveis

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v.
Domínio Físico Domínio Psicológico Domínio Social Domínio Ambiental Média (DP) p Média (DP) p Média (DP) p Média (DP) p 57,92 66,9 66,24 54,41 Faixa etária 16 a 21 anos 56,87 (14,39) 0,431 64,52 (17,10) 0,805 66,99 (20,74) 0,699 55,35 (14,42) 0,490 22 a 40 anos 59,13 (13,61) 0,429 65,33 (14,94) 0,803 65,37 (20,10) 0.698 53,33 (14,09) 0.489 (continua)

Tabela 3 – Comparação das médias das variáveis sociodemográficas com os domínios de qualidade de vida dos acadêmicos da Universidade Tiradentes – deslocamento Tobias Barreto (SE) – Aracaju (SE), 2018 (n = 97). Tobias Barreto, Sergipe, Brasil – 2018 (conclusão)

Ao comparar as médias das variáveis familiares, socioeconômicas e de saúde com os domínios de qualidade de vida (Tabela 4), não houve diferenças significativas entre os grupos dessas variáveis (p‹0,05).

32 Variáveis Domínio Físico Domínio Psicológico Domínio Social Domínio Ambiental Média (DP) p Média (DP) p Média (DP) p Média (DP) p 57,92 66,9 66,24 54,41 Sexo Masculino 60,16 (13,70) 0,89 66,50 (14,60) 0,86 67,95 (18,63) 0,376 54,93 (15,16) 0,704 Feminino 55,32 (14,05) 0,90 61,89 (17,26) 0,90 64,26 (22,23) 0,382 53,82 (13,22) 0,701 Cor autorreferida Não respondeu 57,14 (NaN) 0.938 60,00 (NaN) 0,820 83,33 (NaN) 0,221 59,38 (NaN) 0,403 Branco 59,78 (15,69) 0,938 62,17 (17,24) 0,820 68,84 (23,19) 0,221 52,45 (13,85) 0,403 Pardo 57,60 (14,02) 0.938 65,95 (15,26) 0,820 63,23 (19,61) 0,221 54,07 (14,45) 0,403 Negro 54,91 (10,45) 0,938 66,88 (13,35) 0,820 76,04 (12,94) 0,221 57,81 (5,54) 0,403 Amarelo 58,93 (17,68) 0.938 57,50 (45,96) 0,820 83,33 (23,57) 0,221 71,88 (35,36) 0,403 Município em que reside Não respondeu 61,16 (18,15) 0,129 62,50 (11,65) 0,140 68,75 (24,30) 0,414 48,83 (17,79) 0,191 Tobias Barreto (SE) 56,74 (13,78) 0,129 63,73 (16,61) 0,140 64,77 (20,06) 0,414 54,47 (13,50) 0,191 Itapicuru (BA) 60,20 (9,32) 0,129 75,00 (10,41) 0,140 77,38 (17,82) 0,414 53,57 (13,06) 0,191 Riachão do Dantas (SE) 75,00 (6,19) 0,129 78,33 (10,41) 0,140 72,22 (24,06) 0,414 69,79 (24,27) 0,191
Fonte: Elaboração própria.

Revista Baiana de Saúde Pública

Tabela 4 – Comparação das médias das variáveis familiares, socioeconômicas e de saúde com os domínios de qualidade de vida dos acadêmicos da Universidade Tiradentes – deslocamento Tobias Barreto (SE) – Aracaju (SE), 2018 (n = 97). Tobias Barreto, Sergipe, Brasil – 2018

Ao serem questionados sobre o que sugerem para que o universitário consiga ter uma boa qualidade de vida, os entrevistados deram as seguintes respostas: transporte de qualidade para a universidade e conforto na viagem (10%); cuidar da saúde (8%); boa alimentação e não ingerir álcool (8%); praticar atividade física (8%); dormir bem (8%); ajuda financeira dos governantes (7%); estradas de qualidade que permitam uma locomoção mais rápida, segura e eficiente; administrar o tempo de estudos (7%); incentivo familiar (7%); ter uma universidade no município (7%); transporte gratuito (7%); ser disciplinar (6%); não acumular

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Variáveis Domínio Físico Domínio Psicológico Domínio Social Domínio Ambiental Média (DP) p Média (DP) p Média (DP) p Média (DP) p 57,92 66,9 66,24 54,41 Nº de residentes ≤ 3 pessoas 57,29 (15,00) 0,650 65,10 (16,00) 0,899 66,33 (20,27) 0,962 54,88 (15,36) 0,744 ≥ 4 pessoas 58,59 (13,00) 0,649 64,68 (16,23) 0,899 66,13 (20,66) 0.962 53,92 (13,07) 0.743 Condições de moradia Emprestada/ Alugada 52,14 (8,22) 0.347 71,00 (10,84) 0,386 68,33 (25,28) 0,814 56,88 (6,01) 0,694 Própria 58,23 (14,21) 0,181 64,57 (16,27) 0,265 66,12 (20,22) 0,856 54,28 (14,55) 0,429 Renda mensal individual Não tem renda 56,49 (14,16) 0,753 64,09 (17,83) 0,699 68,18 (19,92) 0,609 52,94 (13,69) 0,725 ≤ 954,00 58,97 (12,60) 0,753 64,15 (15,12) 0,699 63,82 (21,70) 0,609 54,73 (14,73) 0,725 ≥ 955,00 58,07 (16,44) 0,753 67,39 (15,36) 0,699 67,75 (18,85) 0,609 55,98 (14,53) 0,725 Tem plano de assistência médica Sim 56,43 (17,64) 0,725 66,50 (13,34) 0,741 64,17 (17,15) 0,736 60,00 (14,27) 0,192 Não 58,09 (13,64) 0,779 64,71 (16,40) 0,702 66,48 (20,76) 0,700 53,77 (14,17) 0,217 Fonte: Elaboração própria.

matérias (6%); realizar acompanhamento psicológico (3%); dedicar-se somente aos estudos (3%); qualificar-se para o mercado de trabalho (3%); morar na capital e otimizar o tempo (2%).

DISCUSSÃO

Muitos universitários ainda não trabalham e dependem exclusivamente do auxílio de seus responsáveis/familiares para atender às suas necessidades14. A renda tem sido relatada como fator que interfere no estilo de vida, por sua influência na dieta, moradia, compreensão e cuidados com a saúde, levando à exposição direta aos fatores de risco de várias doenças15. Percebe-se de forma mais negativa as condições de moradia.

Ainda, em virtude da nova realidade que envolve a vida acadêmica, que exige maior tempo e dedicação, os estudantes podem ter menos oportunidades para atividades de lazer16. Achados de estudos referentes à QV e ao domínio das relações sociais foram semelhantes ao observado em outras pesquisas nacionais e internacionais que utilizaram o WHOQOL-Bref para investigar a QV de adolescentes saudáveis17,18.

No que se refere à boa qualidade de vida verificada no domínio social, estudos têm apontado que o ingresso no ensino superior proporciona o contato com pessoas diferentes, estabelecendo-se novos laços de amizades14,19. Em um estudo desenvolvido com 1.003 universitários dos Estados Unidos, no ano de 2014, relatou-se que os colegas de turma na maioria das vezes fazem o papel da família dos universitários, e se unem formando grupos de apoio para lidar com a adaptação ao meio acadêmico. Além disso, é durante a vida universitária que as relações casuais são mais frequentes, especialmente nos primeiros semestres do curso20

Há evidências na literatura de que o domínio das relações sociais é relevante para melhoria da QV global de adolescentes, destacando-se o relacionamento com os pais e a vida em casa, impacto da família e dos amigos, suporte social, ambiente escolar e aceitação social21,22. O domínio social é predominante neste estudo devido à faixa etária dos entrevistados, todos jovens adultos, fase em que é importante ter boas relações pessoais e apoio dos amigos.

A qualidade de vida inferior no domínio ambiental, verificada não somente neste estudo como na maioria das investigações com universitários, pode estar atrelada principalmente às possíveis dificuldades financeiras enfrentadas21,23. É perceptível que o domínio ambiental, neste estudo, evidencia a realidade dos acadêmicos que necessitam deslocar-se diariamente para a universidade, enfrentando rodovias em más condições, ônibus com estrutura inadequada (cintos de segurança danificados ou ausentes, problemas técnicos, higiene inadequada dos banheiros, poltronas em más condições) e falta de vagas suficientes para o quantitativo de estudantes.

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Em um estudo sobre qualidade de vida desenvolvido com 935 estudantes da Universidade Estadual do Ceará, do campus de Fortaleza, não foi encontrada significância estatística (p‹0,05) para as variáveis de faixa etária, sexo, cor autodeclarada e município onde reside quanto aos domínios de QV24

As principais contribuições deste estudo foram: o avanço do conhecimento sobre os domínios da QV dos acadêmicos, considerando-se a escassez de dados sobre essa temática entre estudantes brasileiros, e a identificação de variáveis sociodemográficas, familiares, de saúde e socioeconômicas, determinantes dos domínios da QV de universitários.

Existem poucos estudos sobre essa temática, o que sugere a necessidade de mais discussões sobre o assunto. Conhecer as variáveis biopsicossociais envolvidas no processo de deslocamento, ao longo de vários anos da vida acadêmica dos jovens, serve para avaliar o valor de seu esforço e, sobretudo, para propor condições de acesso à educação com melhor qualidade de vida para todos aqueles que necessitam se deslocar em transporte público universitário, em viagens de ida e volta ao interior do estado, onde mantêm residência.

É necessário, também, maior comprometimento da universidade com os estudantes do interior. A instituição deve saber como seus estudantes chegam até a universidade, podendo auxiliar nesse quesito e contribuir para redução de custos com saúde mental, a nível individual e de saúde pública.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo diante das dificuldades vivenciadas diariamente, os universitários apresentaram um bom rendimento acadêmico, que pode ser percebido pela média geral ponderada ou pelo pequeno índice de reprovações comparado ao tempo despendido no transporte, ao risco de acidentes ao se deslocar para a faculdade e ao pouco tempo disponível para dedicação aos estudos – a maioria tem de conciliar estudos com jornada diária de trabalho. Sendo assim, é necessário dar maior destaque aos estudos de qualidade de vida dos universitários, principalmente quando se refere ao seu deslocamento para cumprimento de atividades acadêmicas. Essa temática de estudo é inovadora no Nordeste e pode servir como subsídio para implementação de políticas públicas efetivas de transporte para acadêmicos no país.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Jeferson dos Santos, Thainá Sthephany Silveira Barreto, Taciana Silveira Passos e Cristiane Costa da Cunha Oliveira.

35 v. 46, n. 2, p. 24-38 abr./jun. 2022
Revista Baiana de Saúde Pública

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Jeferson dos Santos, Thainá Sthephany Silveira Barreto, Taciana Silveira Passos e Cristiane Costa da Cunha Oliveira.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Jeferson dos Santos, Thainá Sthephany Silveira Barreto, Taciana Silveira Passos e Cristiane Costa da Cunha Oliveira.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Jeferson dos Santos, Thainá Sthephany Silveira Barreto, Taciana Silveira Passos e Cristiane Costa da Cunha Oliveira.

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Recebido: 29.3.2022. Aprovado: 25.7.2022. Publicado: 12.1.2023.

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ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

RELAÇÃO ENTRE O PESO CORPORAL E A INSATISFAÇÃO COM A IMAGEM CORPORAL ENTRE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS

Josué Souza Almeida Oliveiraa

https://orcid.org/0000-0002-1247-7098

Edmarlon Girottob

https://orcid.org/0000-0001-9345-3348

Camilo Molino Guidonic

https://orcid.org/0000-0001-5844-143X

Resumo

O Brasil vive uma epidemia de obesidade há muitos anos, situação que leva ao aumento do risco de doenças cardiovasculares. Entre os jovens, observa-se elevação de distúrbios da imagem corporal, sendo que um terço está insatisfeito com a própria aparência. Dessa forma, foi analisada a relação entre o peso corporal e a insatisfação com a imagem corporal entre estudantes universitários. Este é um estudo transversal realizado com 3.168 estudantes de uma universidade pública paranaense. Para avaliação da satisfação corporal, foi utilizado o Body Shape Questionnaire (BSQ) adaptado e validado para o Brasil. Para o peso corporal, foi utilizado o Índice de Massa Corpórea (IMC). Na análise de associação, foi utilizada Regressão de Poisson com variância robusta com cálculo da razão de prevalência (RP) e intervalo de confiança 95% (IC95%). Os resultados alcançados mostram que estudantes com sobrepeso (RP: 1,56; IC95% 1,46-1,67) e obesidade (RP: 1,68; IC95% 1,55-1,81) apresentaram maior insatisfação com a imagem corporal, independentemente das variáveis de ajuste. Já entre estudantes com baixo peso (RP: 0,42; IC95% 0,34-0,53), a insatisfação com a imagem corporal é menor. Independentemente de variáveis sociodemográficas e de saúde mental, estudantes universitários com excesso de peso constituem um grupo com maior prevalência para a insatisfação corporal.

Palavras-chave: Obesidade. Sobrepeso. Imagem corporal. Insatisfação corporal. Saúde do estudante.

a Graduando em Medicina pela Universidade Estadual de Londrina. Londrina, Paraná, Brasil. E-mail: josue.souzamed@uel.br b Farmacêutico. Doutor em Saúde Coletiva. Docente do Departamento de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual de Londrina. Londrina, Paraná, Brasil. E-mail: edmarlon78@gmail.com c Farmacêutico. Doutor em Ciências Farmacêuticas. Docente do Departamento de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual de Londrina. Londrina, Paraná, Brasil. E-mail: camiloguidoni@uel.br

Endereço para correspondência: Rua Clara Barton, n. 64, Jardim Alah. Londrina, Paraná, Brasil. CEP: 86039-440. E-mail: josue.souzamed@uel.br

39 v. 46, n. 2, p. 39-50 abr./jun. 2022 39 DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.n2.a3611
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RELATION BETWEEN BODY WEIGHT AND BODY IMAGE DISSATISFACTION AMONG COLLEGE STUDENTS

Abstract

Brazil has experienced an obesity epidemic for many years, a situation which increases the risk of cardiovascular diseases. Research has found an increase in body image disorders among young people. About one third of this group feels dissatisfied with their body appearance. Thus, we analyzed the relation between college students’ body weight and dissatisfaction with their body image. This is cross-sectional study was conducted with 3,168 students from a public university in Paraná. To evaluate body satisfaction, we used the Body Shape Questionnaire (BSQ), which was adapted and validated for Brazil. To assess body weight, the Body Mass Index (BMI) was used. A Poisson regression with robust variance and calculation of its prevalence ratio (PR) and 95% confidence interval (95%CI) was used in our association analysis. Students with overweight (PR 1.56; 95%CI 1.46-1.67) and obesity (PR 1.68; 95%CI 1.55-1.81) showed greater dissatisfaction with their body image, regardless of our adjustment variables. Conversely, we found underweight students (PR 0.42; 95%CI 0.34 - 0.53) had lower body image dissatisfaction. Regardless of sociodemographic and mental health variables, overweight college students constitute a group with a high prevalence of body dissatisfaction.

Keywords: Obesity. Overweight. Body image. Body dissatisfaction. Student health.

RELACIÓN ENTRE EL PESO CORPORAL Y LA INSATISFACCIÓN

CON LA IMAGEN CORPORAL EN ESTUDIANTES UNIVERSITARIOS

Resumen

Brasil vive desde hace años una epidemia de obesidad, situación que resulta en el aumento del riesgo de enfermedades cardiovasculares. Entre los jóvenes, se ha notado un aumento de los trastornos de la imagen corporal, con cerca de un tercio de este grupo insatisfecho con su apariencia corporal, en este sentido analizamos la relación entre el peso corporal y la insatisfacción con la imagen corporal entre los estudiantes universitarios. Se trata de un estudio transversal realizado con 3.168 estudiantes de una universidad pública de Paraná. Para evaluar la satisfacción corporal se utilizó el Body Shape Questionnaire (BSQ) adaptado y validado para Brasil. Para el peso corporal se utilizó el Índice de Masa Corporal (IMC). En el análisis de asociación se utilizó la regresión de Poisson con varianza robusta con cálculo de la razón de prevalencia (RP) y

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el intervalo de confianza del 95% (IC 95%). Los resultados obtenidos muestran que los estudiantes con sobrepeso (PR 1,56; IC 95% 1,46-1,67) y los estudiantes obesos (PR 1,68; IC 95% 1,55-1,81) mostraron una mayor insatisfacción con la imagen corporal, independientemente de las variables de ajuste. Por el contrario, los estudiantes con bajo peso (PR 0,42; IC95% 0,34 - 0,53) mostraron una menor insatisfacción con la imagen corporal. Independientemente de las variables sociodemográficas y de salud mental, los estudiantes universitarios con sobrepeso constituyen un grupo con mayor prevalencia de insatisfacción corporal.

Palabras clave: Obesidad. Sobrepeso. Imagen corporal. Insatisfacción corporal. Salud del estudiante.

INTRODUÇÃO

O Brasil apresenta uma epidemia crescente de obesidade. Segundo o Observatório Global da Obesidade, aproximadamente 21% das mulheres e 19,5% dos homens estão obesos1 Pesquisa realizada pela Vigilância de Fatores de Riscos e Proteção para Doença Crônicas (Vigitel) identificou mais de 50% da população brasileira com excesso de peso2. Com relação à população jovem, essa situação não é diferente. O estudo com adolescentes realizado no Sul do Brasil encontrou prevalência de 17,2% de obesidade3, assim como o estudo realizado com universitários da Bahia, que constatou a prevalência do excesso de peso em 36,4% e 19,7% de homens e mulheres, respectivamente4

A relação do excesso de peso e obesidade como fatores de risco para o desenvolvimento de outras doenças tem sido amplamente registrada. O National Health and Nutrition Examination Study III (NHAMES III) observou que a obesidade está diretamente associada ao aumento da prevalência de diabetes mellitus tipo 2, doença arterial coronariana, hipertensão arterial, osteoartrose e dislipidemia5. Além do maior risco para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, foi constatado, com a ocorrência da pandemia do coronavírus, o risco da obesidade para o desenvolvimento e agravamento da infecção por esse vírus6

Vale ressaltar que, além de ser causa direta de algumas doenças, a obesidade está relacionada indiretamente à ocorrência de outros agravos na saúde, como os distúrbios da percepção da imagem corporal. Tal percepção compreende as atitudes que os indivíduos têm quanto a forma, tamanho e contorno do próprio corpo. Quando a insatisfação é grave, os indivíduos, sobretudo os jovens adultos, tendem a desenvolver outras doenças, como os transtornos alimentares, depressão e ansiedade7,8,9

Na população de universitários brasileiros, constituída principalmente por jovens adultos, Costa et al.10 constataram que 64% gostariam de mudar sua aparência corporal. Dessa forma,

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o estudo com universitários catarinenses identificou que 77,6% dos estudantes analisados estavam insatisfeitos com a imagem corporal, dos quais, 46,1% estavam com excesso de peso. De forma geral, os homens gostariam de um corpo mais musculoso, e as mulheres mais magro10

Considerando que o sobrepeso e a obesidade constituem fatores de risco para doenças crônicas e para a insatisfação com a imagem corporal, se faz necessário compreender a relação entre excesso de peso e percepção corporal em jovens adultos universitários. Dessa forma, este estudo tem como objetivo compreender a relação entre o Índice de Massa Corpórea (IMC) e a insatisfação corporal entre estudantes universitários.

MATERIAL E MÉTODOS

Este é um estudo transversal, descritivo e exploratório, realizado com estudantes da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Foram incluídos estudantes com matrícula ativa no primeiro semestre de 2019 em um dos cinquenta cursos presenciais de graduação ofertados e com idade maior ou igual a 18 anos que aceitaram de forma voluntária participar da pesquisa. Este estudo faz parte do projeto de pesquisa intitulado “GraduaUEL: análise da saúde e hábitos de vida dos estudantes de graduação da UEL”, e tem a aprovação do Comitê de Ética da UEL (CAAE 04456818.0.0000.5231).

Os dados foram coletados entre 29 de abril e 27 de junho de 2019, por meio de um questionário previamente estruturado, aplicado de forma online, na plataforma digital Google Forms. O questionário foi elaborado para abordar, em blocos, questões de caracterização dos participantes, hábitos de vida, consumo de medicamentos, violência, apoio social e resiliência e saúde mental.

O questionário utilizou escalas de avaliação adaptadas e validadas no Brasil ou que foram construídas com base na literatura e legitimadas por especialistas da área de epidemiologia. Antes da aplicação aos estudantes da UEL, foi realizado um pré-teste com um grupo de estudantes de uma universidade privada, visando detectar dúvidas e dificuldades de preenchimento. Com as informações obtidas no pré-teste, os apontamentos foram corrigidos e foi realizado um estudopiloto com estudantes de uma universidade pública da região de Londrina (PR).

Durante o período de coleta de dados ocorreu uma ampla divulgação presencial em todas as turmas da universidade (N = 259), nas redes sociais, na televisão e na rádio UEL.

Simultaneamente, foi realizada a distribuição de panfletos, afixação de cartazes, visitas ao restaurante universitário do campus, exposição de banner explicativo e envio de e-mails na lista de docentes e alunos.

Para este estudo, a satisfação com a imagem corporal foi utilizada como variável dependente, aplicando como instrumento o Body Shape Questionnaire (BSQ). Essa escala avalia

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a satisfação e as preocupações do indivíduo nos últimos quatro meses com a forma do corpo. Cada componente pode receber as avaliações de nunca a sempre, com pontuação de 0 (nunca) e 5 (sempre) e o somatório das respostas reflete o nível de preocupação com a imagem corporal.

A partir dessas respostas, foi possível obter um escore global para indicar o grau de preocupação com a forma corporal, o qual foi categorizado da seguinte forma: percentil < 25% – muito baixa preocupação com a forma corporal; 25-49% – baixa preocupação com a forma corporal; 50-74% –moderada preocupação com a forma corporal; percentil > 75% – alta preocupação com a imagem corporal. Ainda foi criada, para fins estatísticos, uma segunda categorização em satisfeito ou insatisfeito, sendo agrupados muito baixa preocupação e baixa preocupação como satisfeitos com a imagem corporal e moderada e alta preocupação na categoria de insatisfeitos com a imagem corporal. Com relação ao peso corporal (variável independente), foi utilizado o IMC, de acordo com a estratificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) (baixo peso – IMC < 18,5; peso normal –18,5 ≤ IMC < 24,9; sobrepeso – 25,0 ≤ IMC < 29,9; e obesidade – IMC ≥ 30).

Como variáveis de caracterização e ajuste utilizaram-se: aspectos sociodemográficos –idade (contínua), sexo (masculino e feminino), raça/cor (brancos e não brancos) e morar sozinho (sim e não) – e variáveis relacionadas à saúde – percepção do estado de saúde física (muito bom, bom, regular, ruim e muito ruim), atividade física no lazer (uma vez na semana e não realiza), percepção do estado de saúde mental (muito bom, bom, regular, ruim e muito ruim) e depressão diagnosticada (sim e não).

Para o processamento dos dados, os formulários foram duplamente verificados para corrigir os erros detectados. Na análise descritiva, foi aplicada a distribuição de frequência absoluta e relativa para as variáveis categóricas e média. Para as variáveis contínuas quantitativas, foi utilizado o cálculo de desvio-padrão. Para a análise de associação, foi empregado o método de Regressão de Poisson com variância robusta, com cálculo da razão de prevalência (RP) não ajustada e ajustada (incluindo as variáveis sociodemográficas e de saúde) e intervalo de confiança 95% (IC 95%). Para as análises, foi utilizado o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 19.0. Um cálculo de poder post hoc foi realizado com uso do OpenEpi online, identificando que com o tamanho amostral do GraduaUEL e a prevalência do desfecho (insatisfação corporal) entre as categorias do fator (IMC) alcançou-se um poder de 100,0%.

RESULTADOS

Neste estudo, o número de universitários que preencheram o questionário do GraduaUEL foi de 3.168 estudantes. Para o peso corporal e as questões do BSQ, foram válidas

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3.168 respostas. Entretanto, para as variáveis raça/cor e morar sozinho, o número de estudantes analisados foi de 3.166 e 3.167, respectivamente.

A maioria dos universitários era do sexo feminino (68,4%; n = 2.167). Houve predominância da faixa etária dos 18 aos 20 anos (45,1% n = 1.428). A raça/cor branca e amarela representou 75,5% dos participantes e 87,6% afirmaram morar com outra pessoa. Estudantes do sexo feminino e que não compartilhavam moradia apresentaram maior prevalência de insatisfação com a imagem corporal (Tabela 1). Com relação às variáveis de saúde analisadas, a maioria dos participantes afirmaram ter saúde física e mental regular, ruim e muito ruim e cerca de 10% alegaram ter diagnóstico de depressão. Tanto estudantes com saúde física e mental regular, ruim e muito ruim quanto aqueles que referiram diagnóstico de depressão apresentaram maior prevalência de insatisfação com a imagem corporal (Tabela 1). Na análise bruta, estudantes com sobrepeso e obesidade apresentaram associação estatística com a insatisfação com imagem corporal (Tabela 1).

Tabela 1 – Prevalência, razão de prevalência (RP) não ajustada e intervalo de confiança de 95% para insatisfação com a imagem corporal, segundo variáveis sociodemográficas e de saúde entre estudantes de graduação. Londrina. Paraná, Brasil – 2020

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VARIÁVEIS GERAL INSATISFAÇÃO
IMAGEM CORPORAL N % N % RP (IC95%; p-valor) SEXO (n = 3168) Masculino 1.001 31,6 356 35,6 1 Feminino 2.167 68,4 1.280 59,1 1,66 (1,51-1,81); <0,001 FAIXA ETÁRIA (n = 3168) 18 a 20 anos 1.428 45,1 719 50,4 1 21 a 23 anos 1.089 34,4 584 53,6 1,06 (0,99-1,15); 0,114 24 ou mais 651 20,5 333 51,2 1,02 (0,93-1,12); 0,650 RAÇA/COR (n = 3166) Branca e amarela 2.389 75,5 1.243 52 1,03 (0,95-1,12); 0,466 Parda, negra e indígena 777 24,5 392 50,5 1 MORAR SOZINHO (n = 3167) Sim 392 12,4 223 56,96 1,12 (1,02-1,23); 0,020 Não 2.775 87,6 1.413 50,9 1 SAÚDE FÍSICA (n = 3168) Muito bom/Bom 1.242 39,2 482 38,8 1 Regular/Ruim/Muito Ruim 1.926 60,8 1.154 59,9 1,55 (1,43-1,67); <0,001 SAÚDE MENTAL (n = 3168) Muito bom/Bom 1.165 36,8 449 38,5 1 Regular/Ruim/Muito ruim 2.003 63,2 1.187 59,3 1,54 (1,42-1,67); <0,001 (continua)
COM A

Tabela 1 – Prevalência, razão de prevalência (RP) não ajustada e intervalo de confiança de 95% para insatisfação com a imagem corporal, segundo variáveis sociodemográficas e de saúde entre estudantes de graduação. Londrina. Paraná, Brasil – 2020

p-valor <0,05

Fonte: Elaboração própria. Em

Após os ajustes com variáveis sociodemográficas e de saúde, os estudantes com sobrepeso e obesidade apresentaram maior prevalência de insatisfação corporal (de 56% e 68%). Contrariamente, estudantes com baixo peso apresentaram menor prevalência de insatisfação com a imagem corporal (p<0,001) (Tabela 2).

Tabela 2 – Prevalência, razão de prevalência (RP) ajustada e intervalo de confiança de 95% para insatisfação com a imagem corporal de acordo com o IMC entre estudantes de graduação. Londrina, Paraná, Brasil – 2020

Fonte: Elaboração própria.

Variáveis de ajuste = sexo, saúde

DISCUSSÃO

Uma importante relação do IMC com os distúrbios da imagem corporal foi identificada. Os resultados obtidos mostram que os estudantes com sobrepeso e obesidade apresentaram maior prevalência de insatisfação com a imagem corporal. Por outro lado, o baixo peso não esteve associado aos distúrbios de imagem corporal. Ressaltamos neste estudo as

45 v. 46, n. 2, p. 39-50 abr./jun. 2022 VARIÁVEIS GERAL INSATISFAÇÃO COM A IMAGEM CORPORAL N % N % RP (IC95%; p-valor) ATIVIDADE FÍSICA NO LAZER Uma vez por semana ou mais 1.506 47,5 752 49,9 1 Nunca realiza 1.662 52,5 884 53,2 1,07 (1,00-1,14); 0,068 DEPRESSÃO Não 2791 88,2 1.392 49,9 1 Sim 375 11,8 244 65,1 1,31 (1,20-1,42); <0,001
Revista Baiana de Saúde Pública
negrito:
VARIÁVEIS GERAL INSATISFAÇÃO COM A IMAGEM CORPORAL N % N % RP (IC95%; p-valor) IMC (n=3.168) Baixo peso 285 9,0 58 20,4 1 Peso normal 1.881 59,4 861 45,8 0,42 (0,34 – 0,53); <0,001 Sobrepeso 695 21,9 477 68,6 1,56 (1,46 – 1,67); <0,001 Obesidade 307 9,7 240 78,2 1,68 (1,55 – 1,81); <0,001
mental, saúde física, IMC, diagnóstico de depressão, raça, idade e morar sozinho. Em negrito: p-valor
(conclusão)

limitações inerentes ao desenho transversal, assim como a coleta de dados ter sido autorreferida, incluindo o peso e a altura.

A insatisfação com a imagem corporal no sexo feminino foi correlacionada com 59,1% das participantes. Acredita-se que a influência midiática, como a veiculação de propagandas idealizando o corpo feminino magro, aliada à preocupação e maior dedicação das mulheres em relação à mudança da aparência corporal (forma e peso), faz com que historicamente as pesquisas evidenciem o sexo feminino como fator de risco para os distúrbios de imagem corporal11,12. Em seu estudo, Nilson et al.12 encontraram índices de insatisfação com imagem corporal em 37,5% das mulheres participantes. Além disso, culturalmente, as mulheres são reconhecidas e ganham status social a partir da aparência, sendo uma construção social que contribui para a severa preocupação das mulheres com a imagem corporal13

O aumento do IMC, em ambos os sexos, está associado a uma pior percepção da qualidade de vida e à avaliação negativa da autoestima14. Quanto à saúde física, não existe na literatura um modelo de avaliação da qualidade da saúde física testado e ratificado. Entretanto, sabe-se que indivíduos com maior insatisfação da imagem corporal tendem a ter uma percepção da saúde física alterada. Um estudo realizado com 414 estudantes universitários do Havaí encontrou uma relação significativa da imagem corporal com a qualidade de saúde física, demonstrando que homens e mulheres com elevada insatisfação com a imagem corporal apresentaram pior qualidade de saúde física, fato que também se evidenciou nesta investigação15.

Com relação à saúde mental, sabe-se que a imagem corporal influencia a autoestima do indivíduo13,14. Consequentemente, a percepção negativa da saúde mental e o possível desenvolvimento da depressão são comuns. Indivíduos insatisfeitos com a imagem corporal tendem a manifestar comportamentos que são fatores de adoecimento mental. Entre esses comportamentos, estão presentes a negatividade com a perspectiva futura da vida, redução das interações sociais e, em alguns casos, comportamentos de isolamento social16 Tais condições podem levar a um quadro de depressão, agravando a condição de saúde mental do indivíduo.

Quanto à depressão, sabe-se que ela é responsável por 4,3% da carga global de doenças do mundo, apresentando relação de causa e consequência com a insatisfação relacionada à imagem corporal. Contudo, observa-se a predominância das faixas etárias de crianças e adolescentes nos estudos analisados, dificultando o entendimento da influência da depressão na imagem corporal ou da insatisfação com a imagem corporal no estabelecimento e agravo da depressão17. Neste estudo, com uma faixa etária jovem adulta, foi constatado que a depressão é um fator associado à insatisfação com a imagem corporal na população

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universitária. Entretanto, pela limitação de desenho da pesquisa, não é possível determinar se a insatisfação com a imagem corporal foi responsável pela ocorrência da depressão ou se a depressão proporcionou essa insatisfação.

Vale destacar que estudos apresentam a insatisfação com a imagem corporal como causa de alguns comportamentos preditores da depressão. Entre eles, Nezlek18 evidenciou que a redução das interações sociais, por medo das reações da sociedade quanto ao corpo do indivíduo ou vergonha do próprio corpo, pode contribuir para a diminuição dos cuidados individuais e de saúde física. Esses comportamentos favorecem a adoção de atitudes negativas, tornando-se fator de risco para a ocorrência de depressão. Além disso, Izgiç et al.19 identificaram que a insatisfação com a imagem corporal está relacionada a um comportamento de fobia social que pode proporcionar o adoecimento mental e, consequentemente, um quadro de depressão18.

Por conseguinte, observa-se a existência da relação entre o IMC e os distúrbios da imagem corporal neste estudo. Tem sido postulado que o aumento da relação massa corpórea e altura, com consequente acúmulo de tecido adiposo, é um dos principais preditores da insatisfação com a imagem corporal7. Nesse sentido, o aumento da massa corporal, ocasionando um aumento do IMC, favorece a maior insatisfação com a imagem corporal, sendo adolescentes e jovens adultos os mais propensos ao questionamento da própria imagem.

Em estudos realizados com universitários, foi comprovada a relação do aumento do IMC com a prevalência da insatisfação com a imagem corporal20,10,21. Dessa forma, é essencial destacar que o aumento do IMC, além de proporcionar alterações na forma física do corpo e na percepção do indivíduo sobre o próprio corpo, também contribui para a alteração das relações interpessoais dos afetados. Consequentemente, surgem comportamentos, como compulsão alimentar e isolamento social, que predispõem a maior probabilidade de ganho de massa corporal e, portanto, aumento do IMC, gerando mais insatisfação com a própria imagem corporal20. Além disso, Holsen et al.20 evidenciaram que conforme o adolescente se torna jovem adulto (faixa etária predominante neste estudo), a relação IMC e imagem corporal torna-se ainda mais significativa, levando o indivíduo a adotar comportamentos nocivos à saúde, como aqueles que caracterizam os transtornos alimentares.

É importante destacar que a relação entre depressão, IMC e insatisfação com a imagem corporal em estudantes universitários apresentou significância estatística. Entretanto, a análise dos dados deve levar em consideração as limitações inerentes do modelo de estudo transversal descritivo.

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Revista Baiana de Saúde Pública

A prevalência da insatisfação com a imagem corporal nos universitários com excesso de peso foi significativa, independentemente de variáveis sociodemográficas e de ajustes estatísticos realizados. Nesse sentido, considerando que o Brasil está em uma curva ascendente da epidemia de obesidade e que ela é uma causa direta de outros agravos em saúde, é relevante o desenvolvimento de ações educativas para orientar esses acadêmicos, tendo em vista as consequências geradas pela busca do corpo ideal nas condições de saúde dos indivíduos.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Josué Souza Almeida Oliveira, Edmarlon Girotto e Camilo Molino Guidoni.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Josué Souza Almeida Oliveira, Edmarlon Girotto e Camilo Molino Guidoni.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Josué Souza Almeida Oliveira, Edmarlon Girotto e Camilo Molino Guidoni.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Josué Souza Almeida Oliveira, Edmarlon Girotto e Camilo Molino Guidoni.

REFERÊNCIAS

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Revista Baiana de Saúde Pública

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Recebido: 28.3.2022. Aprovado: 8.9.2022. Publicado: 12.1.2023.

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ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

TRABALHO E PRÁTICAS DE CUIDADO OBSTÉTRICO DA ENFERMAGEM EM MATERNIDADE PÚBLICA

Jameson Moreira Beléma

https://orcid.org/0000-0003-1903-3446

Emanuelly Vieira Pereirab

https://orcid.org/0000-0003-1457-6281

João Cruz Netoc

https://orcid.org/0000-0002-0972-2988

Maria Rocineide Ferreira da Silvad

https://orcid.org/0000-0002-6086-6901

Glauberto da Silva Quirinoe

https://orcid.org/0000-0001-5488-7071

Resumo

A forma como o trabalho e as práticas de cuidado são organizadas nas dinâmicas institucionais são determinantes para a qualificação da assistência obstétrica. O objetivo deste estudo foi descrever o trabalho e as práticas de cuidado ofertadas por profissionais de enfermagem em maternidade pública. Foi utilizada uma abordagem qualitativa, conduzida pelo referencial metodológico da etnoenfermagem, realizada com 12 informantes-chave em uma maternidade pública localizada na região do Cariri (CE). Adotou-se, para coleta de dados, o capacitador Observação-Participação-Reflexão, com registro das observações em diário de campo e uso de entrevistas individuais. Como resultado, emergiram temas

a Enfermeiro. Mestre em Enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Regional do Cariri. Crato, Ceará, Brasil. E-mail: jam.ex@hotmail.com

b Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Regional do Cariri. Iguatu, Ceará, Brasil. E-mail: emanuelly.v.p@gmail.com

c Enfermeiro. Mestrando em Enfermagem. Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Redenção, Ceará, Brasil. E-mail: jcncruz007@gmail.com

d Enfermeira. Doutora em Saúde Coletiva. Docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: rocineide.ferreira@uece.br

e Enfermeiro. Doutor em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde. Docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Regional do Cariri. Crato, Ceará, Brasil. E-mail: glauberto.quirino@urca.br

Endereço para correspondência: Universidade Regional do Cariri. Rua Cel. Antônio Luiz, n. 1161, Pimenta. Crato, Ceará, Brasil. CEP: 63105-000. E-mail: jam.ex@hotmail.com

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Revista Baiana de Saúde Pública
DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.n2.a3628

culturais voltados para o trabalho na maternidade (“eu adoro trabalhar aqui, me sinto realizada”; “acho que tem um desgaste muito grande da equipe”; e “nem toda a equipe de enfermagem é engajada com a equipe médica”) e para as práticas de cuidado ofertadas (“a parte burocrática complica um pouco a parte da assistência”; “durante a assistência, os acadêmicos ajudam e os acompanhantes atrapalham”; e “a humanização deixa muito a desejar aqui na maternidade”). Concluiu-se que os sentidos atribuídos ao trabalho e às práticas de cuidado foram marcados pela (in)satisfação acerca de condições estruturais, relacionais, laborais, trabalhistas e ao modelo de gestão vinculado à entidade responsável por gerir a maternidade.

Palavras-chave: Antropologia cultural. Cuidados de enfermagem. Enfermagem obstétrica. Trabalho de parto.

WORK AND PRACTICES OF OBSTETRIC CARE OF NURSING IN PUBLIC MATERNITY

Abstract

The way in which work and care practices are organized in institutional dynamics are crucial for the qualification of obstetric care. This study aimed to describe the work and care practices offered by nursing professionals in a public maternity hospital. Qualitative research conducted by the methodological framework of ethnonursing was used, carried out with 12 key informants in a public maternity located in the region of Cariri (state of Ceará). The Observation-Participation-Reflection enabler was adopted for data collection, recording observations in a field diary and using individual interviews. As results, cultural themes emerged focused on work in the maternity hospital (“I love working here, I feel fulfilled;” “I think the team is very worn out;” and “not all the nursing team is engaged with the medical team”) and for the care practices offered (“the bureaucratic part complicates the care part a little;” “during the assistance, the students help and the companions get in the way;” and “the humanization leaves a lot to be desired here in the maternity ward”). In conclusion, the meanings attributed to work and care practices were marked by (dis)satisfaction with structural, relational, labor and work conditions and the management model linked to the entity responsible for managing maternity.

Keywords: Anthropology, cultural. Nursing care. Obstetric nursing. Labor, obstetric.

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TRABAJO Y PRÁCTICAS DE ATENCIÓN OBSTÉTRICA DE LA ENFERMERÍA EN UNA MATERNIDAD PÚBLICA

Resumen

El modo en que se organizan el trabajo y las prácticas de atención en la dinámica institucional es crucial para una buena asistencia obstétrica. El objetivo de este estudio fue describir las prácticas de trabajo y atención que ofrecen los profesionales de enfermería en una maternidad pública. Se realizó una investigación cualitativa, basada en la etnoenfermería, en la cual participaron 12 informantes en una maternidad pública ubicada en la región de Cariri, en Ceará (Brasil). Se adoptó el habilitador ObservaciónParticipación-Reflexión para la recolección de datos, con registro de las observaciones en un diario de campo y la aplicación de entrevistas individuales. Surgieron temas culturales centrados en el trabajo en la maternidad (“Me encanta trabajar aquí, me siento bastante bien”; “Creo que el equipo está muy desgastado” y “no todo el equipo de enfermería está comprometido con el equipo médico”) y en las prácticas de asistencia ofrecida (“la parte burocrática complica un poco la parte asistencial”; “durante la asistencia los académicos ayudan y los acompañantes estorban” y “la humanización deja mucho que desear aquí en la maternidad”). Se concluye que los significados atribuidos a las prácticas de trabajo y atención estuvieron marcados por la (in)satisfacción con las condiciones estructurales, relacionales, mano de obra y laborales, y con el modelo de gestión vinculado a la entidad responsable de la gestión de la maternidad.

Palabras clave: Antropología cultural. Atención de enfermería. Enfermería obstétrica. Trabajo de parto.

INTRODUÇÃO

Historicamente, os cuidados com a parturição se desenvolveram integrados ao espaço cotidiano e ao contexto sociocultural das mulheres e suas famílias nos ambientes domiciliares acompanhados por parteiras, sendo o parto considerado evento natural, próprio da fisiologia feminina e carregado de significados (re)construídos a partir da singularidade e cultura da parturiente1,2.

Entretanto, no final do século XIX, houve um declínio da prática das parteiras, sobretudo com a mudança de paradigma assistencial, que culminou com a obstetrícia como disciplina técnico-científica, exercida exclusivamente pelo médico em ambiente hospitalar3.

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Revista Baiana de Saúde Pública

A assistência ao parto tornou-se uma prática técnica, impessoal e intervencionista marcada por medicalização e rotinas cirúrgicas1,2.

Esse modelo de assistência ao parto, amplamente praticado, tornou-se hegemônico, político, cultural e ideologicamente constituído enquanto paradigma de atenção obstétrica ancorado na tríade patologização, medicalização e hospitalização4

No entanto, surgiu na década de 1980 um movimento social e ideológico contrahegemônico que passou a questionar o uso excessivo de técnicas e intervenções no processo parturitivo4, com vistas a diminuir as altas taxas de cesarianas, valorizar o parto vaginal e resgatá-lo como evento fisiológico com intervenções mínimas. Esse movimento buscou também promover o alojamento conjunto e a desmedicalização do parto, além de proporcionar aos profissionais de saúde a compreensão e o fomento ao protagonismo e autonomia feminina durante a parturição2,4

As práticas e condutas defendidas pelo movimento representam os ideais de um paradigma emergente de assistência ao parto e nascimento assentado na perspectiva humanista5, constituindo um pressuposto norteador que passou a integrar de modo transversal às políticas e programas, essenciais à mudança do modelo de assistência obstétrica6

As práticas de cuidado obstétrico implicadas nesse modelo devem ser norteadas pela humanização da assistência, tendo como princípios a integralidade e a utilização de tecnologias cuidativas direcionadas à promoção do parto como evento fisiológico e à valorização do contexto sociocultural da parturiente e de sua família, a fim de subsidiar ações individualizadas e culturalmente congruentes7

Nesse contexto, a enfermagem, a partir do seu modo de produção e gestão do cuidado, tem contribuído para mudanças no cenário da atenção obstétrica no Brasil ao deslocar a lógica assistencial vigente e aprimorar seu processo de trabalho e sua prática com base no modelo humanizado de atenção à gestação, parto e nascimento proposto pelo Ministério da Saúde8.

Um estudo de revisão evidenciou que, no contexto de institucionalização da assistência ao parto, a forma como os discursos, recursos, estruturas, relações e tensões estavam organizados no processo de trabalho dos enfermeiros era determinante para o cuidado obstétrico ofertado9

Assim, considerando a complexidade dos fenômenos envoltos na assistência à parturição e a importância do papel da enfermagem na reorientação do modelo de atenção e da oferta de cuidados obstétricos, este estudo objetivou descrever o trabalho e as práticas de cuidado ofertadas por profissionais de enfermagem em maternidade pública.

Este trabalho justifica-se a partir da prerrogativa de que as práticas de cuidados obstétricos ofertadas às mulheres durante o parto e nascimento precisam ser descritas para

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o reconhecimento dos avanços e desafios ainda vigentes na superação de um modelo de assistência obstétrica medicalizado, de forma que se conduza a um cuidado de enfermagem culturalmente congruente.

MATERIAL E MÉTODOS

TIPO DE ESTUDO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa desenvolvida utilizando-se a etnoenfermagem como o referencial metodológico. Esse norteia-se pela observação direta, descrição detalhada, documentação, apreensão e análise dos modos de vida ou padrões específicos de uma ou múltiplas culturas em seus ambientes naturalísticos para desvelar fenômenos acerca de determinado domínio de investigação (DOI), a partir das perspectivas etic e emic referentes ao cuidado cultural10

CENÁRIO DA PESQUISA

A coleta de dados ocorreu na maternidade de uma instituição hospitalar que ofertava assistência na atenção secundária do Sistema Único de Saúde (SUS) localizada no sul do estado do Ceará, na Região Metropolitana do Cariri, no ano de 2016.

INFORMANTES-CHAVE E CRITÉRIOS DE SELEÇÃO

Neste estudo, abordou-se a perspectiva etic na medida em que o DOI se direcionou à compreensão dos conhecimentos e cuidados profissionais obstétricos da enfermagem. A equipe de enfermagem do setor investigado era composta por 19 profissionais de enfermagem, sendo 15 técnicas e quatro enfermeiras. Adotou-se como critério de seleção o tempo de atuação mínimo de seis meses (considerado pelos pesquisadores o período no qual as participantes estariam habituadas à rotina institucional e integradas ao contexto de cuidados na maternidade). Duas técnicas de enfermagem foram excluídas pelo critério de seleção, uma estava de férias e quatro recusaram participação no estudo. Assim, constituíram informanteschave 12 profissionais da equipe de enfermagem (quatro enfermeiras e oito técnicas).

PROCEDIMENTOS

Para a coleta de dados utilizou-se o capacitor Observação-Participação-Reflexão (O-P-R), composto por quatro fases sequenciais: (1) observação com escuta ativa; (2) observação com participação limitada; (3) participação com observação continuada e reflexão; e (4) confirmação dos achados. Esse método orienta o pesquisador no contato e permanência no campo durante

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determinado período, de modo a obter informações precisas e descrever experiências dos informantes por meio de observações sistemáticas, detalhadas e reflexivas10.

Na primeira e segunda fases, o pesquisador adentrou no campo e iniciou o processo de reconhecimento do ambiente, observação do comportamento das pessoas no grupo, relacionamentos e interações pessoais dos membros da equipe e ações de cuidado realizadas. Essas descrições foram registradas em um diário de campo. Posteriormente, o observador iniciou participação gradativa por meio de conversas informais e buscou compreender como os profissionais exerciam suas ações e tomadas de decisões. Na terceira fase, a observação diminuiu e a participação tornou-se mais ativa por meio de ações e atividades junto aos informantes, o que possibilitou apreender visões de mundo, sentimentos, significados atribuídos e vivências. Nessa fase, realizaram-se entrevistas individuais do tipo “conte-me sobre” com foco no fenômeno de estudo em seu contexto cultural.

Na fase de confirmação dos achados, o pesquisador buscou resgatar e reavaliar os dados obtidos e a sua influência no processo de coleta de dados, de modo a elucidar pontos e confirmar os achados com os informantes.

As questões emergiram do processo de observação e foram utilizadas para aprofundar a compreensão de situações específicas registradas, quanto aos seus sentidos e significados, para investigar sentimentos, processo de trabalho e a assistência obstétrica ofertada. As entrevistas foram gravadas em áudio, em local reservado, mediante a autorização expressa dos informantes e, em seguida, transcritas na íntegra para análise posterior. Utilizou-se a saturação teórica como critério para encerramento da coleta de dados das entrevistas.

A coleta de dados durou cinco meses, e a dinâmica de observação ocorreu em todos os dias da semana durante os turnos matutino e vespertino de trabalho. As profissionais da equipe de enfermagem foram informadas sobre os objetivos da pesquisa e suas formas de coleta de dados (observação e entrevistas), sendo a participação condicionada à assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

ORGANIZAÇÃO, APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Utilizou-se o guia de análise de dados da etnoenfermagem, composto por quatro fases sequenciais: (1) coleta, descrição e documentação dos dados; (2) identificação e categorização dos componentes e descritores; (3) padrão e análise contextual; e (4) definição dos temas principais/culturais, resultados de pesquisas, formulações teóricas

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e recomendações. As etapas foram úteis para analisar de forma sistemática, rigorosa e profunda as informações obtidas em campo e para facilitar o processo de codificação, processamento e análise dos dados da investigação 10

A partir dos dados emergiram dois temas principais e seis temas culturais que expressam a realidade empírica, uma vez que desvelam as relações implicadas e o modo como o cuidado de enfermagem era ofertado a partir do ponto de vista dos informantes. Os resultados foram apresentados em quadros contendo os componentes recorrentes e trechos das falas das informantes. Para a garantia do anonimato e confidencialidade das informações, as falas foram identificadas pela letra inicial da categoria profissional e o número representativo da ordem de condução das entrevistas.

RIGOR METODOLÓGICO E ASPECTOS ÉTICOS

A pesquisa seguiu os critérios de rigor metodológico estabelecidos pelo método da etnoenfermagem, as recomendações do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ) para guiar o estudo e as diretrizes e normas que regulamentam pesquisas envolvendo seres humanos contidas na Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa com parecer nº 1.397.142 e Certificado de Apresentação de Apreciação Ética nº 52703715.0.0000.5055.

RESULTADOS

Participaram do estudo 12 profissionais, sendo oito técnicas de enfermagem e quatro enfermeiras.

A técnicas (T1 a T8) tinham entre 26 e 67 anos; a maioria era solteira (n = 4), parda (n = 8) e católica (n = 5). A média de tempo no serviço foi de 17,7 anos e a de remuneração era um salário mínimo.

As enfermeiras (E1 a E4) estavam na faixa etária de 27 a 29 anos, eram em sua maioria católicas, solteiras/casadas (n = 2), com média de atuação de 2,3 anos no setor e renda mensal de três a cinco salários mínimos. Ressalta-se que elas tinham especialização em enfermagem obstétrica (n = 2) ou estavam em formação (n = 2) para obter o título.

TEMA PRINCIPAL 1: TRABALHO NA MATERNIDADE

Nessa categoria, emergiram aspectos organizacionais e relacionais da equipe com impacto na assistência e na forma de realização do trabalho.

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Tema cultural: “Eu adoro trabalhar aqui, me sinto realizada”

Nesse tema evidenciou-se que, no cotidiano das relações de trabalho, a satisfação e a motivação dos profissionais são elementos decisivos para a assistência, conforme o Quadro 1.

Quadro 1 – Componentes recorrentes e trechos das falas do tema cultural “Eu adoro trabalhar aqui, me sinto realizada”. Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil – 2017

Componentes recorrentes Trechos das falas das informantes-chave

Eu adoro trabalhar aqui [na maternidade] […], me sinto realizada […]. Essencial por ser enfermeira obstetra, não apenas eu, mas […] as técnicas e toda a equipe, somos essenciais. (E1)

(In)satisfação

Sentidos atribuídos ao trabalho

Apesar da estrutura, das deficiências, do salário ser ruim […] não ser valorizado […], você aprende muito, todo dia […] porque aqui é o caos […]. Eu me sinto realizada em trabalhar na maternidade […] apesar dos pesares, a gente vai contornando as situações. (E3)

[…] lidamos com vidas […] da mãe e a do bebê[…] é uma responsabilidade muito grande […] lida com pacientes em estado grave […] se cansa fisicamente e mentalmente. Então acho que precisava de um incentivo, uma melhoria no salário, deveria ser mais valorizada a enfermagem em si, porque está às 24 horas direto em contato com a paciente […] quando a gente avalia, quem cuida realmente é a gente da enfermagem. (T4)

[…] amo a obstetrícia e faço de tudo para me dedicar e estar sempre me atualizando […]

A gente se dedica a paciente, se doa, muitas vezes, se coloca no lugar […] Às vezes, elas precisam não só daquele cuidado físico, mas do cuidado mental, uma conversa, uma palavra [de apoio], principalmente quando elas estão em trabalho de parto, sentindo muita dor. (T2)

Eu gosto de lidar com criança e a mãe […] gosto de trabalhar quando a gente vê vidas. A enfermagem pra mim é um dom de Deus […], a humanização que você tem com o outro. Não é só uma profissão, é um ato de amor que a gente tem com o próximo. (T4)

Fonte: Elaboração própria.

Os relatos das informantes demonstraram que a satisfação, enquanto atributo essencial ao exercício profissional, relacionava-se à atuação na área de enfermagem obstétrica.

Os sentimentos de realização vislumbrados pelas enfermeiras eram determinados pela sensação de pertencimento e pelos papéis desenvolvidos durante a organização e oferta da assistência. Entretanto, diferentes fatores e condições influenciavam negativamente no desempenho das práticas laborais.

Ao longo do tempo, essa satisfação tendia a diminuir e as profissionais sentiam-se menos realizadas profissionalmente, principalmente devido às dificuldades. Destacou-se, entre as enfermeiras, um sentimento de impotência e desestímulo em relação ao trabalho enquanto elemento definidor de insatisfação.

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Todavia, as técnicas de enfermagem manifestaram gratidão em trabalhar no cuidado obstétrico, atribuindo-lhe significações de dom divino, ato de amor e de lidar com a vida.

Tema cultural: “Acho que tem um desgaste muito grande da equipe”

Nesse tema foram apresentados aspectos organizacionais da oferta do cuidado obstétrico e as condições da assistência e da jornada de trabalho dos profissionais, vivenciadas em um contexto de terceirização do serviço, conforme o Quadro 2

Quadro 2 – Componentes recorrentes e trechos das falas do tema cultural “Acho que tem um desgaste muito grande da equipe”. Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil – 2017

Componentes recorrentes

(Des)organização

Trechos das falas das informantes-chave

A enfermeira é essencial para organização do trabalho […], as minhas técnicas são organizadas, mas […] elas deixam muito a desejar. Eu tenho que estar pedindo ‘façam isso, façam aquilo’ […]. Fiz até uma escala de serviço delegando funções para cada técnica justamente para tentar organizar melhor o meu serviço, mas tem dia que realmente é muito sobrecarregado e lotado na maternidade e essa organização fica para segundo plano, nós priorizamos a assistência […]. (E1) […] diminuiu o quadro de técnicas […] então ficou um trabalho muito limitado e um pouco desorganizado. Às vezes passa alguma coisa despercebida […] o ideal seria uma norma, uma rotina de trabalho, uma divisão de tarefas. (E3)

[…] aqui deveria ter mais instrumentos para trabalharmos melhor, se tivesse mais profissionais e se melhorasse a estrutura ajudaria bastante e ficaria mais eficaz nosso trabalho, porque nós trabalhamos muito, a rotina é puxada, e sem as condições adequadas fica difícil. (T2)

Condições materiais

Situações graves e inesperadas

A estrutura é muito precária, três a cinco leitos na mesma enfermaria, sem biombo, sem nenhuma privacidade, […] falta analgesia em trabalho de parto normal. Teoricamente é para ter, mas não tem […] métodos não farmacológicos e fisioterapeuta […] para o alívio da dor. A única coisa que temos é a bola suíça, mas nem sempre temos tempo de estar segurando aquela mulher, […] às vezes, a gente deixa ela lá e pede para segurar nas grades da cama porque não tem quem fique com elas orientando […]. Aqui […] atende gestantes referenciadas, tem uma UTI neonatal, mas não tem um cardiotocógrafo […] e, muitas vezes, essas pacientes acabam sendo submetidas a cesarianas que são desnecessárias […]. Tinha dias que a gente ficava louca sem um sonar funcionando para auscultar BCF, só tinha um Pinard e com ele quem não tem costume perde muito tempo. Na enfermaria temos dois leitos com monitores cardíacos, mas eu só confio na saturação […]. (E3)

Quando uma paciente está muito grave, não temos nenhuma estrutura e ficamos desesperadas para transferir a paciente que é um processo dificultoso que ocorre via central de regulação, só que para os hospitais de referência quase nunca tem vaga, leitos de UTI […] A única tecnologia que temos disponível é oxigênio, a monitorização cardíaca e o oxímetro de pulso. Se precisar entubar não vai adiantar porque não tem um respirador, não tem medicações para urgência e emergência. (E1)

Quando há pacientes graves nós percebemos que não tem um interesse da rede de atenção em favorecer aquele caso. É como se fosse uma coisa acomodada, a gente cadastra a paciente na central (de regulação de leitos), ninguém olha. Aí realmente a gente toma a frente, liga e conversa diretamente com os profissionais dos hospitais para acelerar essa transferência e, mesmo assim, na maioria das vezes, ela não é tão eficaz como a gente gostaria que fosse porque tem a questão do transporte da paciente. A ambulância daqui não tem equipamentos, não tem balão de oxigênio, não tem nada, é só um carro. Às vezes, está quebrada, às vezes não tem gasolina. Então é difícil, o SAMU só vem quando tem uma regulação pela central, quando não há e a paciente está muito grave, a gente tem que mandar sem a central liberar, na ambulância daqui […]. (E4)

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Revista Baiana de Saúde Pública
(continua)

Quadro 2 – Componentes recorrentes e trechos das falas do tema cultural “Acho que tem um desgaste muito grande da equipe”. Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil – 2017 (conclusão)

Componentes recorrentes

Trechos das falas das informantes-chave

Eu vejo um desgaste total da equipe de enfermagem em relação ao trabalho. Primeiro iniciou-se uma escala de 24 horas que não deu continuidade […] era ruim, mas você tinha descanso […] então eu acho que tem um desgaste muito grande da equipe […]. A gente não sabe se vai continuar as 12 horas, se vai voltar as 6 horas, é um desgaste em virtude de nada ser certo, eu me sinto cansada […] eu acho que deveria ter um respeito maior com a enfermagem […], a escala, principalmente das enfermeiras, não tem obrigação de ser igual à das técnicas como eles [a direção] estão fazendo aqui. (E2)

Na escala de 24 horas, a maioria achava ruim, porque era cansativa, exaustiva. Na de 12 horas todo mundo acabava trabalhando melhor, mas em compensação na de 6 horas, que era a escala antiga, a gente rendia mais, trabalhava melhor, a equipe tinha mais paciência, satisfação e agilidade […]. (E1)

[…] não tem condição um salário desses para a quantidade de dias e horas que a gente tem que trabalhar, tanto para enfermeiras quanto para as técnicas […]. (E2)

Terceirização do serviço

Para a enfermagem foi péssimo, porque antes [do processo de terceirização] tínhamos uma carga horária mensal de 120 horas e plantões extras […] houve um aumento de carga horária para 180 horas […] e diminuiu o salário. A única vantagem […] foi a questão da carteira de trabalho, que foi assassinada e tem direitos […]. (E4)

O que melhorou com a terceirização foi o salário das técnicas de enfermagem, mas um plantão de 24 horas é muito cansativo […] aumenta as chances de cometer algum erro, de você ter algum lapso, o cansaço faz a gente ficar despercebido, não ter aquela atenção tão grande […]. (T8)

Fonte: Elaboração própria.

A alta demanda na rotina do serviço, a quantidade insuficiente de profissionais e ausência de condições adequadas implicavam a desorganização do trabalho da equipe de enfermagem e repercutiam na assistência. A falta de estrutura e material também era realidade presente no serviço.

As queixas frequentemente reportadas resultavam da falta e/ou distribuição insuficiente de materiais, condições estruturais inadequadas, escassez de recursos humanos para o trabalho e burocratização para transferência de parturientes em estado grave.

O processo de terceirização vivenciado na instituição por meio de uma Organização Social de Saúde (OSS) implementou alterações e adaptações na forma de gerenciar o serviço, que impactaram diretamente a rotina de trabalho dos profissionais.

Verificaram-se sentimentos, insatisfações e opiniões diversas em relação à questão salarial, carga e escala de trabalho e dimensionamento de pessoal. A maioria das profissionais

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Jornada e as condições de trabalho

considerava a jornada de trabalho desgastante, em decorrência da alta demanda no serviço e da pouca quantidade de profissionais, o que aumentava a possibilidade de erros, riscos e negligência nas atividades.

Tema cultural: “Nem toda a equipe de enfermagem é engajada com a equipe médica”

Nesse tema discutiram-se os aspectos das relações interpessoais estabelecidas entre os membros da equipe de enfermagem e os(as) médicos(as) obstetras no cotidiano de trabalho na maternidade, conforme o Quadro 3.

Quadro 3 – Componentes recorrentes e trechos das falas do tema cultural “Acho que tem um desgaste muito grande da equipe”. Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil – 2017

Componentes recorrentes

Relações interpessoais da equipe de enfermagem

Trechos das falas das informantes-chave

[…] a gente sempre tem uma boa comunicação, um bom diálogo, sempre interage bem uma com a outra. A nossa equipe é dividida por tarefas, cada uma cumpre sua responsabilidade, mas […] pode ajudar no momento que a outra está sobrecarregada. A nossa enfermeira-chefe […] tem uma boa comunicação, interage bem […]. (T2)

Aqui todas as colegas fazem de tudo e quando uma termina uma ajuda a outra […]. A enfermeira ajuda bastante, ela é muito prestativa, faz tudo que está ao alcance dela […]. (T4)

[…] dos médicos eu tenho queixa, alguns são ignorantes demais, eu não gosto, abusados, não sabem pedir nada direito a você, só pede gritando […]. Se a gente disser uma coisa e eles tiverem errados, eles morrem, mas não assumem. Já deram cada grito em mim, só porque querem dar mesmo, sem motivo. (T3)

Lidando com as diferenças

Diferentes condutas médicas

[…] a equipe de enfermagem é unida, se ajuda, tem um bom entrosamento, mas nem toda a equipe de enfermagem é engajada com a equipe médica. Existem médicos muito bons que são engajados com a equipe, mas também existem outros que não é tanto, o que atrapalha um pouco o andamento da assistência. (E4)

[…] tem na equipe algumas funcionárias bem antigas, com manias e rotinas ultrapassadas […] que é difícil mudar […]. (E3)

O colega médico tem mil condutas […], eu não gosto porque é um entrave para a assistência […]. Se tivéssemos um protocolo em que todas as intervenções fossem seguidas era bem melhor a assistência […] é muito complicado. (E2)

Quem sofre é a paciente porque além da troca de médicos e da equipe em si que dificulta o vínculo, a mudança de condutas faz com que seja bem difícil trabalhar porque às vezes ela e a acompanhante não entendem […]. E por mais que o profissional tente conversar, explicar, realmente fica difícil, e esse papel […] fica sempre com a enfermagem. (E4)

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Revista Baiana de Saúde Pública
(continua)

Quadro 3 – Componentes recorrentes e trechos das falas do tema cultural “Acho que tem um desgaste muito grande da equipe”. Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil – 2017 (conclusão)

Componentes recorrentes

Lidando com as intervenções médicas

Trechos das falas das informantes-chave

[…] a ocitocina para induzir o trabalho de parto […] se eu não tiver segurança no médico, não tem quem faça eu colocar […] a não ser que aquela mulher seja uma multípara, que esteja com dilatação boa, que não tenha dinâmica. Claro, a ocitocina é para ajudar, mas a instalação precoce com pouca dilatação eu sou totalmente contra […]. Os obstetras colocam com dois ou três centímetros porque no fundo querem que evolua para cesárea, porque ele já vai ter um motivo, um respaldo para realização do procedimento[…]. (E3).

As cesarianas muitas vezes são necessárias e muitas vezes a gente fica em dúvida, mas infelizmente é uma situação que a gente não tem como debater, acaba que fica entre os médicos e eles decidem […]. Eu acho que deve-se trabalhar a valorização do parto normal com os médicos. (E2).

[…] às vezes se faz a cesárea desnecessariamente […] uma indução do trabalho de parto […] feita no momento errado […] pode evoluir para alguma distocia, para uma cesárea. Então acredito que se incorporasse o partograma e se seguisse um protocolo com diretrizes baseado em evidências seria bem melhor, a gente veria bem menos a realização da cesárea. (E4).

Aqui é um hospital que, muitas vezes, tem um pontinho de política que interfere um pouco no número de cesarianas […]. (E1).

Influência político-institucional

Existem cesarianas eletivas, […] que é entre a direção e os médicos […]. Eu acho desnecessária a realização de cesarianas eletivas porque há todo um estímulo a um parto vaginal […] Apenas umas mulheres são favorecidas […] que eu nem acho que seja um favorecimento quando se analisa os benefícios entre um parto normal e uma cesárea. (E4).

No que se refere às relações cotidianas de trabalho, as informantes relataram existir um ambiente em que prevaleciam interação/comunicação, atitudes e sentimentos de cooperação mútua entre os membros da equipe de enfermagem. Em relação aos médicos, em contrapartida, relataram que nesses profissionais há uma postura hierárquica marcada por relações de saber e poder.

Durante a rotina assistencial, as enfermeiras apontaram dificuldades em lidar com as técnicas de enfermagem mais antigas do serviço, em decorrência de hábitos considerados ultrapassados, e com os médicos, em relação às divergências entre as condutas que interferiam na assistência às parturientes, sobretudo como resultado da ausência de protocolos clínicos institucionais pautados em boas práticas.

Evidenciou-se um contexto assistencial interventivo, medicalizado e marcado por influência político-institucional para a indicação e realização de cesarianas eletivas.

Nesse sentido, as informantes apontaram como possíveis soluções o incentivo à valorização do parto vaginal entre a categoria médica e a incorporação do partograma na rotina assistencial e de um protocolo com diretrizes baseadas em evidências científicas.

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Fonte: Elaboração própria.

TEMA PRINCIPAL 2: PRÁTICAS DO CUIDADO DE ENFERMAGEM OFERTADAS

Nessa seção, descrevem-se as práticas assistenciais ofertadas às parturientes no contexto de atuação da equipe de enfermagem e os aspectos que influenciavam a rotina de trabalho.

Tema cultural: “A parte burocrática complica um pouco a parte da assistência”

Nesse tema, discute-se a rotina na maternidade com ênfase nas atribuições dos profissionais e nos aspectos que repercutiam na assistência ofertada às parturientes pela equipe de enfermagem, conforme o Quadro 4:

Quadro 4 – Componentes recorrentes e trechos das falas do tema cultural “A parte burocrática complica um pouco a parte da assistência”.

Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil – 2017

Componentes recorrentes Trechos das falas das informantes-chave

Atribuições burocráticas das enfermeiras

Essa parte burocrática de internamento pelo sistema eu sou contra a enfermeira fazer porque toma muito tempo […] Não tenho tempo de conferir os prontuários, as medicações, as evoluções […] o tempo que eu tenho eu vou pro sistema […] eu não vou partejar […] vou ficar em frente a um computador […]. A parte burocrática complica um pouco a parte da assistência da enfermagem […] eu acho que é uma falha […] a gente poderia estar indo no leito, vendo essa mulher de perto, e a gente tem que se prender a preencher papel e computador […] eu tenho que resolver […] exames que demoram, material que falta, acompanhante dando trabalho, minhas técnicas são muito poucas. (E2)

[…] o ideal seria uma enfermeira para três leitos […], de PPP e aqui eu tenho 13 leitos, às vezes, 14, 20, porque tem mulheres em todo canto, […] e eu não tenho condições de dar assistência […] às vezes eu dou uma assistência maior as mulheres que estão mais graves, que estão com BCF alterados […] mas a minha maior dificuldade hoje e que eu sinto necessidade é ter tempo para partejar. (E4)

A gente admite a mulher, coloca no quarto, olha os sinais vitais, se for normal fica esperando ganhar ou então se for o caso a gente prepara para cesárea. (T7)

Elas chegam e a gente vai fazer tudo, admissão, medicação, evolução, teste de Aids e Sífilis e fica de olho até chegar a hora de ganhar. (T5)

Cuidados ofertados pelas técnicas

[…] olha pressão, faz teste de HIV e conversa com elas, vai explicar como é o parto […] porque quando é de segundo ou terceiro (filho) já tem um pouco de experiência, mas quando é do primeiro, às vezes, a gente conversa com elas e explica alguma coisa […] umas gritam muito, a gente vai lá e diz: ‘mulher tu não pode gritar!’ […] Quando o bebezinho nasce a gente coloca em cima delas para ficar corpo a corpo. (T1)

Fonte: Elaboração própria.

Durante a rotina assistencial, as enfermeiras eram responsáveis por gerenciar o cuidado na maternidade e relataram sobrecarrega com as atribuições ‘burocráticas’. Além disso, referiram dificuldade de prestar assistência às mulheres em trabalho de parto por não disporem de tempo nem condições para partejar.

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O trabalho das técnicas de enfermagem era centrado em procedimentos rotineiros e desenvolvia-se de forma padronizada. Apesar de relatarem permanecer partejando, durante o processo de observação o pesquisador identificou que eram poucos os momentos em que essa assistência direta acontecia, pois, após a realização dos procedimentos técnicos de sua incumbência, geralmente adotavam uma postura expectante em relação ao trabalho de parto, aguardando o momento de conduzir a parturiente à sala de parto.

Tema cultural: “Durante a assistência os acadêmicos ajudam e as acompanhantes atrapalham”

Nesse tema cultural descrevem-se a participação dos acadêmicos em meio ao processo de trabalho na maternidade, o papel do acompanhante no suporte à parturiente e as repercussões para a assistência, conforme o Quadro 5:

Quadro 5 – Componentes recorrentes e trechos das falas do tema cultural “Durante a assistência os acadêmicos ajudam e as acompanhantes atrapalham”.

Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil – 2017

Componentes recorrentes Trechos das falas das informantes-chave

A gente trabalha muito […]. Eu acho bom quando vem os alunos, eles têm uma participação bem prestativa, ajuda muito o serviço, porque de certa forma eles estão aprendendo e nos ajudando. Quando eles não estão aqui fica muito sobrecarregado […]. (T2)

Acadêmicos ajudam

Acompanhantes

atrapalham

(Des)orientação

Não acompanhamento

Eu gosto quando tem estagiários aqui […] ajudam bastante, resolvem muita coisa. Os internos de medicina, os meus alunos da enfermagem fazem tudo […]. A gente precisa deles […], porque eu tenho pouco funcionário […]. (E1)

Tem acompanhante que ajuda bastante, são bem compreensivos, aqueles que acompanham a gestante até no pré-natal, sabem como funciona o trabalho de parto, sabem distinguir a dor do trabalho de parto e tem acompanhantes que atrapalham o nosso serviço e colocam mais medo na gestante. (T2)

As acompanhantes[…] são muito arrogantes […] elas gritam, elas xingam a gente, é esse tipo de acompanhante que eu falo que atrapalha um pouco. Mas essa é uma minoria que se destaca e acaba atrapalhando o plantão […]. Afetam o profissional psicologicamente […]. (E4)

[…] assistente social deveria chamar cada acompanhante e dizer qual a função, o que ele tem que fazer, o que é normal, o que não é normal, e […] acaba sobrecarregando mais a gente em relação a pouca orientação tanto do acompanhante, quanto da gestante que chega totalmente despreparada […] dificulta muito o trabalho da gente […] Nós do hospital deveríamos dar esse suporte, reunir todas as acompanhantes e conversar com elas […] tirar todas as dúvidas. É uma falha do pré-natal e daqui também. As gestantes chegam aqui do pré-natal totalmente despreparadas […]. (E1)

[…] muitas vezes o médico […] não quer permitir (o acompanhante) […]. Isso é um direito da paciente. Isso a gente contorna, mas a questão da presença no ambiente da cesárea é mais complicada, […] a gente não se mete, porque não permitem[…] Eu tenho pena porque algumas mulheres querem e gostariam […] que queria que o companheiro estivesse acompanhando durante esse processo. E a estrutura conforma para isso, talvez se fosse os PPPs individuais talvez facilitasse mais. (E2)

Eu acho extremamente errado a instituição não permitir a presença do homem […]

Em relação a estrutura é muito relativo, porque tem hospitais que também não tem uma estrutura perfeita, eles têm enfermarias coletivas, mas usam de biombos para fazer essa separação e a presença dos homens é permitida. (E1)

Fonte: Elaboração própria.

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A presença dos acadêmicos foi percebida como um processo de dupla contribuição: tanto para implementar práticas de cuidado, atenção e apoio às parturientes quanto para reduzir a sobrecarga de trabalho da equipe de enfermagem.

Segundo as informantes, a postura adotada pelas acompanhantes atrapalhava a assistência em decorrência da falta de orientações sobre o parto durante o cuidado pré-natal e o papel do acompanhante durante a parturição. A presença do pai/companheiro durante o acompanhamento às parturientes é limitada devido a regras institucionais e à ausência de estrutura física adequada para ofertar uma assistência individualizada.

Tema cultural: “A humanização deixa muito a desejar aqui na maternidade”

Nesse tema buscou-se compreender a humanização do parto e nascimento no contexto da maternidade, por meio da análise dos sentidos atribuídos à humanização que permeavam as práticas de cuidado, e o modo como as profissionais de enfermagem conceituavam e vivenciavam o cotidiano assistencial, conforme o Quadro 6:

Quadro 6 – Componentes recorrentes e trechos das falas do tema cultural “A humanização deixa muito a desejar aqui na maternidade”. Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil – 2017

Componentes recorrentes Trechos das falas das informantes-chave

O que eu posso dizer da humanização é que desde que começou a Rede Cegonha, muita coisa mudou como o retardamento do clampeamento do cordão, o contato pele-a-pele, o aleitamento (E1).

Sentidos atribuídos à humanização

A gente […] pega na mão […] vou botar esse soro para isso. Tento deixar a paciente calma, procuro banhar, fazer uma massagem, dizer a ela que está perto, que vai dar tudo certo, sempre dando segurança. (T4)

Deixa a desejar

A humanização deixa muito a desejar aqui na maternidade principalmente porque eu acho que essas pacientes por chegarem sem preparo […]. Eu não tenho tempo, o que eu queria era na hora que chegasse uma gestante sentar com ela e com sua acompanhante para passar para elas as orientações de como é o trabalho de parto […]. (E1)

Mesmo sem estrutura, mesmo sem biombo, mesmo sem PPP […] se todo mundo quisesse, seria totalmente diferente, […] dava para ser humanizado […]. (E3)

[…] a humanização é um processo […], existem profissionais que é difícil mudar suas práticas assistenciais. Eles são mais arraigados às práticas antigas, por exemplo, sempre a episiotomia, a manobra de Kristeller […] acelerar o trabalho de parto […] a gente vê mais as boas práticas, a humanização do parto, mais com os recém-formados. (E4)

Práticas médicas como empecilho

Eu pego essas médicas mais novas, que fizeram residências em obstetrícia […] que estão mais atualizadas, que as práticas delas são baseadas em evidências científicas, que estão ligadas com as publicações da área e com tudo que há de mais moderno e absorvo […]. (E3)

Fonte: Elaboração própria.

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Os sentidos atribuídos à humanização pelas enfermeiras perpassaram a implementação de boas práticas de atenção na assistência ao parto e nascimento, enquanto para as técnicas de enfermagem associou-se ao modo de parir e aos aspectos relacionais inerentes ao cuidado.

Entretanto, para as informantes a humanização do parto e nascimento não constituía realidade no serviço, sendo apontadas barreiras para sua implantação, relacionadas à falta de interesse e de tempo, falta de preparo das parturientes para o parto, ausência de profissionais para atender às demandas do serviço e condições estruturais inadequadas para a assistência obstétrica.

Ademais, as resistências médicas para o cuidado humanizado relacionavam-se a concepções antigas sobre a assistência ao parto e nascimento e à manutenção de práticas proscritas ou sem indicação baseada em evidência científica.

DISCUSSÃO

Neste estudo, a satisfação relacionada à atuação na obstetrícia é consenso na fala das participantes, contudo, relatos de cansaço, desestímulo e baixa remuneração resultam em insatisfação laboral. Entende-se por satisfação o atendimento das necessidades essenciais para o trabalho, ou seja, aspectos como salário, benefícios, reconhecimento, chefia e colegas11 Embora a satisfação no trabalho represente uma avaliação subjetiva, trata-se de uma avaliação dinâmica que depende das condições laborais oferecidas. Quando não atendidas, as expectativas conduzem ao estado de insatisfação12

A fonte de satisfação apontada neste estudo refere-se ao sentimento de gratuidade, empatia, identificação e dom divino. Corroborando essa ideia, um estudo12 evidencia que o reconhecimento pelo trabalho realizado, a qualidade dos serviços prestados, o apoio espiritual e o relacionamento no trabalho associam-se à satisfação dos trabalhadores.

Quanto à insatisfação, os relatos evidenciaram que parte da sua gênese estava associada ao desgaste físico e mental dos profissionais. Dois estudos11,12 apontaram que fatores definidores de insatisfação dos profissionais relacionam-se à falta de integração entre os membros da equipe, sobrecarga de trabalho, ausência de períodos de repouso, baixos salários, pouca valorização e reconhecimento social da profissão e, sobretudo, não participação em planejamentos e tomadas de decisões diretamente relacionadas ao exercício profissional.

A insatisfação laboral pode elevar o sentimento de desgaste emocional nos trabalhadores, que passam a perceber suas atividades como cansativas, desagradáveis, repetitivas, com sobrecarga e geradoras de frustrações e desânimo12. Entre as participantes, a frustração se revelou na organização das relações pessoais do ambiente de trabalho e na falta de recursos humanos.

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Ressalta-se que nos relatos a falta de padronização quanto a escalas, rotinas e atribuições entre os membros da equipe inviabilizava a prestação de serviços qualificados. Essas condições de trabalho desfavoráveis constituem uma realidade que atinge diferentes categorias profissionais, com repercussões na saúde física e psicológica, nas relações sociais e na assistência ofertada13

As condições insatisfatórias de trabalho são associadas pelas informantes à insuficiência de recursos materiais. A assistência de enfermagem nas instituições públicas, em geral, tem sido penalizada com a deficiência dos recursos humanos e materiais, o que interfere diretamente na qualidade da assistência e resulta em insatisfação, impotência e frustração dos profissionais com a situação laboral14.

Esta pesquisa, ainda, aponta como fator responsável pelo desgaste a impossibilidade de assistência às mulheres em condições clínicas graves no serviço. A solicitação de um serviço de atendimento de urgência nas maternidades é uma realidade comum, contudo, a presença e disponibilidade para atender essa população específica ainda é uma lacuna na rede de atenção materno-infantil, especialmente na referência entre unidades que não dispõem de recursos para atender essas mulheres15

Na atualidade, tem-se observado tendência de terceirização parcial ou total dos serviços hospitalares por meio do instrumento de transferência de gestão do ente público para as OSS de direito privado, o que produz reflexos no cotidiano dos profissionais de saúde, especialmente nas categorias da Enfermagem16. Essa realidade é observada no cenário estudado, e os impactos apontados pelas informantes relacionavam-se à baixa remuneração, aumento das horas trabalhadas, desvalorização profissional e jornadas de trabalho inflexíveis.

Esses achados corroboram o estudo de Druck 17, em que a experiência da terceirização no serviço público de saúde por intermédio das OSS, além de mostrar um crescimento ascendente nos últimos anos, revelou a degradação do trabalho em todas as suas dimensões, relacionando-se às duplas e/ou triplas jornadas de trabalho, baixa remuneração e desvalorização salarial, redução do efetivo de funcionários públicos, de direitos trabalhistas e previdenciários.

Apesar do contexto assistencial, as relações interpessoais da equipe de enfermagem são referidas como satisfatórias, visto que a relação da equipe de enfermagem pautava-se em diálogo aberto e resolutivo, responsável e de ajuda mútua. Um estudo verificou que quando o relacionamento da equipe de enfermagem é satisfatório e expresso por relações recíprocas otimiza-se o tempo de assistência da equipe18.

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Por outro lado, esta pesquisa apontou que a integração entre a equipe de enfermagem e a médica tornava-se, por vezes, insatisfatória em decorrência das diferentes condutas assistenciais e da utilização, sobretudo entre médicos com formação mais antiga, de práticas proscritas na assistência. A ausência de comunicação no processo de trabalho contribui para a fragmentação da assistência e para o aumento das assimetrias na relação dialógica entre os profissionais de saúde19

Um estudo20 descreveu que as enfermeiras vivenciavam situações conflituosas com a equipe médica, relacionadas a questionamentos quanto à competência profissional na assistência em saúde. Neste estudo, esse aspecto esteve relacionado às posturas assumidas pelas enfermeiras diante da indução de rotina do trabalho de parto e da indicação de cesarianas como reflexo de sua concepção menos intervencionista sobre a assistência ao parto.

Esse achado corrobora a literatura21 que aponta que o parto realizado por enfermeiras obstetras reduz a ocorrência de posição litotômica, episiotomia e uso de ocitocina, além de estimular a utilização de partograma e métodos não farmacológicos para alívio da dor.

Além das relações hierárquicas de saber e poder identificadas no cotidiano de trabalho dos(as) médicos(as) obstetras e das enfermeiras, que resultavam em ações assistenciais não integradas, a alta carga de trabalho burocrático que as enfermeiras desenvolviam também contribuía para a fragmentação do cuidado de enfermagem.

O processo de trabalho do enfermeiro compõe-se de duas dimensões complementares e interdependentes: a assistencial , relacionada às necessidades de cuidado de enfermagem e ao cuidado integral; e a gerencial , na qual o enfermeiro toma como objeto a organização do trabalho e dos recursos humanos22. No entanto, observa-se no processo de trabalho do enfermeiro que há predominância de atividades gerenciais, com ênfase na organização institucional dos serviços, da assistência de enfermagem e do gerenciamento do cuidado.

Na rotina assistencial o cuidado é executado, sobretudo, pelos auxiliares e técnicos de enfermagem, e o gerenciamento do cuidado e da unidade constituem aspecto nuclear do trabalho do enfermeiro22. Esse contexto é observado no cuidado ofertado pelas técnicas de enfermagem que executam atividades de testagem, auxílio em métodos não farmacológicos e verificação de sinais vitais das parturientes. Por outro lado, as enfermeiras relataram dificuldade em prestar assistência pela alta demanda e estrutura da maternidade, fatores que conformam a sobrecarga de atribuições burocráticas para um quantitativo pequeno de profissionais no setor.

Em função desse contexto, as informantes relatam que a presença de acadêmicos no serviço beneficia a equipe de enfermagem, pois enquanto eles aprendem no serviço

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a sobrecarga de trabalho é reduzida. A inserção de acadêmicos no cenário dos cuidados obstétricos permite uma aprendizagem voltada para a convivência humana e ajuda o aluno a buscar suas próprias formas de se relacionar e de compreender as situações específicas vivenciadas de forma única por cada mulher23

Outro aspecto apontado nas entrevistas como influenciador da assistência foi a presença e participação de acompanhante durante a parturição. Embora seja um direito assegurado pela Lei nº 11.108/2005, ainda há desafios e dificuldades para sua legitimação nos serviços de saúde. Contudo, o(a) acompanhante foi considerado(a) um fator que influencia negativamente na assistência ofertada por alguns informantes, além dos estigmas quanto à presença de homens nesses ambientes.

Esse aspecto corrobora os estudos de Wielganczuk et al.24 e Brüggemann et al.25 sobre a percepção dos profissionais de saúde acerca do acompanhante, que muitas vezes é considerado como alguém que atrapalha a rotina assistencial. Evidenciaram-se resistência e dificuldades dos profissionais em lidar com a presença do acompanhante nesse cenário de cuidado, além de despreparo para integrar um membro da rede de apoio da mulher à rotina assistencial.

As justificativas dos profissionais de saúde e dos gestores, pautadas em dificuldades de ordem organizacional e estrutural, podem estar associadas à influência que o modelo biomédico exerce sobre os profissionais de saúde e atenção ao parto e contribuem para a desvalorização do acompanhante, que passa a ser percebido como não prioritário ou desnecessário nesse cenário de assistência25.

Observaram-se, ainda, o despreparo do acompanhante e a falta de orientações profissionais sobre o parto e o processo de acompanhamento no ambiente hospitalar. A presença de um acompanhante treinado e integrado à rotina de cuidados favorece as condutas profissionais, auxilia em métodos não farmacológicos, no esclarecimento de dúvidas, na oferta de segurança e no apoio à parturiente26.

Neste estudo, a humanização foi um termo recorrente na fala das profissionais do serviço e se associa às boas práticas de atenção ao parto. Um estudo27 aponta que a humanização constitui um conjunto de práticas de acolhimento, empatia e diálogo, com orientações, respeito às escolhas e preferências da gestante e uso de práticas baseadas em evidências.

Contudo, a humanização constitui, ainda, aspecto a ser trabalhado nas práticas assistenciais no cenário estudado, visto que os relatos apontaram para a incapacidade de preparar a mulher e seu acompanhante para vivenciar o período parturitivo, a falta de recursos materiais e a resistência de mudanças nas práticas médicas. A falta de recursos humanos, organizacionais, técnicos e educacionais é realidade que precisa de modificação. Além disso, o foco no modelo

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biomédico e a centralidade na figura médica devem abrir espaço ao diálogo multiprofissional nos cenários de atenção ao parto28.

Evidenciou-se um contexto intervencionista na assistência obstétrica ofertada no cenário em estudo, o que pode ser reflexo da formação desses profissionais. Um estudo aponta29 que, enquanto a formação dos médicos obstetras tem cunho intervencionista, a atuação do enfermeiro obstetra pauta-se na humanização da assistência e no respeito à fisiologia do parto e às boas práticas.

Para que a reorientação paradigmática no modelo de atenção obstétrica se efetive, há necessidade de tornar a mulher protagonista da parturição, dando-lhe alternativas de escolha informada, autonomia e liberdade nos processos decisórios, o que implica mudanças nas atitudes, filosofia de vida e percepção de si e do outro como ser humano, tendo a sensibilidade, informação, comunicação, decisão e responsabilidade como elementos a serem compartilhadas entre mulher, família e profissionais de saúde30.

Essa dimensão ainda é um desafio a ser superado, pois, em estudo realizado na mesma instituição hospitalar pesquisada, com base na perspectiva emic da etnoenfermagem, as experiências das mulheres na assistência obstétrica foram marcadas pelo contexto de fragilidade clínica, social, violação de direitos humanos e da dignidade31.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No cenário cultural analisado, as experiências das informantes eram significadas a partir dos sentidos atribuídos ao trabalho, cuja organização era marcada pela (in)satisfação acerca de condições estruturais, laborais, trabalhistas e pelo modelo de gestão vinculado à entidade responsável por gerir a maternidade.

As práticas de cuidado de enfermagem eram influenciadas pelas normas e rotina institucional, cuja centralidade nos aspectos gerenciais e/ou nos procedimentos técnicos limitava a oferta de cuidados obstétricos durante a parturição, seja pela sobrecarga de atribuições profissionais, seja pela padronização e generalização das ações assistenciais.

A influência do modelo de atenção obstétrica de caráter intervencionistamedicalizante, centrado nas ações e condutas médicas, e as relações hierárquicas de saber-poder presentes nos relacionamentos interpessoais constituíam elementos que dificultavam o trabalho em equipe e a implementação de boas práticas de atenção ao parto e nascimento.

Aponta-se como possível limitação do estudo a restrição das observações ao setor da maternidade no turno diurno. Apesar disso, centrar o foco de análise nas informantes, suas experiências e visões possibilitou compreender as relações implicadas no cotidiano

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de trabalho e na oferta de cuidados obstétricos de enfermagem no contexto cultural, o que potencializa os achados para a implementação de uma assistência de enfermagem qualificada.

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Recebido: 5.4.2022. Aprovado: 8.9.2022. Publicado: 12.1.2023.

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Revista Baiana de Saúde Pública

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

INFLUÊNCIA DO NÍVEL DE ATIVIDADE FÍSICA NA PREVALÊNCIA DE EXCESSO DE PESO EM ADOLESCENTES ESCOLARES

Giérisson Brenno Borges Limaa

https://orcid.org/0000-0003-2251-358X

Juliana Luna do Monteb

https://orcid.org/0000-0001-5667-7828

Raphael Furtado Marquesc

https://orcid.org/0000-0001-6060-5587

Thais Norberta Bezerra de Mourad

https://orcid.org/0000-0002-2293-8628

Resumo

O aumento do excesso de peso e obesidade em crianças e adolescentes está ligado ao crescente número de casos de doenças crônicas não transmissíveis. Este estudo tem como objetivo avaliar a influência do nível de atividade física na prevalência de excesso de peso em adolescentes escolares. Trata-se de uma pesquisa transversal com abordagem quantitativa, com cinquenta escolares de ambos os sexos, na faixa etária entre 15 anos e 18 anos. O instrumento que avaliou o nível de atividade física baseou-se em questionário de um estudo prévio, além de avaliação antropométrica. Para análise estatística, utilizou-se um banco de dados eletrônico elaborado (Excel). Para verificar as diferenças entre os sexos dos grupos, foi realizado o teste t não pareado, considerando significativos os valores em que p < 0,05. Não houve diferença estatística significativa entre os sexos em relação à idade cronológica (p = 0,36858), mas houve entre a estatura dos indivíduos (p = 0,00006). Os valores referentes ao peso foram 55,5 ± 8,7 kg. No que diz respeito ao diagnóstico de Índice de Massa Corporal (IMC)/idade, observaram-se dois indivíduos com baixo peso (4%), 46 classificados como

a Profissional de Educação Física. Mestrando em Educação Física pela Universidade Federal do Maranhão. Esperantinópolis, Maranhão, Brasil. E-mail: profgbrenno@gmail.com

b Profissional de Educação Física. Pedreiras, Maranhão, Brasil. E-mail: juhluna02@gmail.com

c Profissional de Educação Física. Mestre em Educação Física. Docente do Centro Universitário Estácio. São Luís, Maranhão, Brasil. E-mail: marques.raphaf@gmail.com

d Profissional de Educação Física. Mestre em Ciências e Saúde. Docente do Instituto Federal da Paraíba. Cajazeiras, Paraíba, Brasil. E-mail: thaisinha_moura@hotmail.com

Endereço para correspondência: Rua Henrique Leite, n. 144, Centro. Esperantinópolis, Maranhão, Brasil. CEP: 65750-000. E-mail: profgbrenno@gmail.com

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DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.n2.a3594

adequados ou eutróficos (92%) e dois com sobrepeso (4%). Quanto ao nível de atividade física, dos cinquenta adolescentes, 16 foram classificados como inativos (32%), sete como inadequadamente ativos (14%) e 27 ativos (54%). Conclui-se que os níveis de sobrepeso/obesidade não prevaleceram entre os adolescentes, sendo em sua maioria classificados com peso adequado ou eutrófico. Palavras-chave: Saúde do adolescente. Obesidade. Exercício. Atividade física.

INFLUENCE OF THE LEVEL OF PHYSICAL ACTIVITY ON THE PREVALENCE OF OVERWEIGHT IN SCHOOL ADOLESCENTS

Abstract

Since the increase in overweight and obesity in children and adolescents is linked to the growing number of cases of chronic non-communicable diseases, this study sought to evaluate the influence of the level of physical activity on the prevalence of overweight in school adolescents. A cross-sectional and quantitative study was carried out with 50 students of all genders, between 15 and 18 years of age. Level of physical activity was evaluated by an instrument developed based on a questionnaire proposed by a previous research, in addition to anthropometric assessment. Statistical analysis used an elaborate electronic database (Excel©). Unpaired t-test was performed to verify the differences between genders in the groups, considering as significant p < 0.05. Results showed no statistically significant difference between genders regarding age (p = 0.36858) but found a significant difference between the individuals’ height (p = 0.00006). Weight reached values of 55.5 ± 8.7. Body Mass Index (BMI)/age analysis indicated two low weight individuals (4%), 46 classified as adequate or eutrophic (92%), and two overweight (4%). Regarding the level of physical activity, of the 50 adolescents, 16 were classified as inactive (32%), seven as inadequately active (14%), and 27 as active (54%). In conclusion, the study found no prevalence of overweight/obesity among the adolescents evaluated, since most were classified as adequate or eutrophic weight.

Keywords: Adolescent health. Obesity. Exercise. Physical activity.

INFLUENCIA DEL NIVEL DE ACTIVIDAD FÍSICA EN LA PREVALENCIA DE SOBREPESO EN ADOLESCENTES ESCOLARES

Resumen

El aumento del sobrepeso y la obesidad en niños y adolescentes está relacionado con el aumento del número de casos de enfermedades crónicas no transmisibles. Este estudio

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tiene como objetivo evaluar la influencia del nivel de actividad física en la prevalencia de sobrepeso en adolescentes escolares. Se trata de una investigación transversal con enfoque cuantitativo, con 50 estudiantes de ambos sexos, con edades comprendidas entre los 15 y los 18 años. El instrumento que evaluó el nivel de actividad física se basó en el cuestionario de un estudio anterior, además de la evaluación antropométrica. Para el análisis estadístico se utilizó una elaborada base de datos electrónica (Excel©). Para verificar las diferencias entre los sexos de los grupos, se realizó la prueba t no apareada, considerando valores significativos en los que p < 0,05. No hubo diferencias estadísticamente significativas entre los sexos en relación con la edad cronológica (p = 0,36858) pero hubo en la altura de los individuos (p = 0,00006). Los valores de peso fueron de 55,5 ± 8,7. En cuanto al diagnóstico de Índice de Masa Corporal (IMC)/edad, se observaron dos individuos con bajo peso (4%), 46 clasificados como adecuados o eutróficos (92%) y dos con sobrepeso (4%). En cuanto al nivel de actividad física, de los 50 adolescentes, 16 fueron clasificados como inactivos (32%), siete como inadecuadamente activos (14%) y 27 activos (54%). Se concluyó que los niveles de sobrepeso/obesidad no prevalecieron entre los adolescentes, siendo en su mayoría clasificados como de peso adecuado o eutróficos.

Palabras clave: Salud del adolescente. Obesidad. Ejercicio. Actividad física.

INTRODUÇÃO

A adolescência é uma fase de intensas transformações, fazendo com que esse grupo social se torne o mais vulnerável às influências da mídia, ao seu entorno social e, inclusive, à pressão dos grupos dos próprios adolescentes1.

Sabendo que qualquer doença adquirida na infância ou adolescência pode acarretar danos, às vezes irreparáveis na vida adulta, tanto em aspectos físicos – como o excesso de peso e a obesidade –, quanto psicossociais, ressalta-se a necessidade de uma assistência à saúde eficaz para lidar com esse público2

O aumento exponencial do excesso de peso e obesidade em crianças e adolescentes está atrelado ao crescente número de casos de doenças crônicas não transmissíveis como doenças cardiovasculares, hipertensão e dislipidemias3.

Segundo o relatório Ending Childhood Obesity da Organização Mundial de Saúde (OMS), o número de crianças com excesso de peso em países de baixa a média renda mais que duplicou, passando de 7,5 para 15,5 milhões4 de 1990 a 2014.

No Brasil, dados da vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico5 apontam que o excesso de peso cresceu 14,6% em 15 anos, passando de

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42,6% em 2006 para 57,2% em 2021, sendo mais prevalente em homens. Quanto à obesidade, o crescimento foi cerca de 10,6%, passando de 11,8% em 2006 para 22,4% em 2021.

Vale destacar que hábitos como prevalência de ingestão de guloseimas e refrigerantes e atividade física insuficiente contribuem para a elevação dos índices de doenças crônicas, entre elas a obesidade, que, por sua vez, favorece hábitos de vida inadequados6

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), entre 2015 e 2019 houve uma queda no índice de satisfação com o próprio corpo (70,2% em 2015 contra 66,5% em 2019) e um crescimento da insatisfação (de 19,1% para 22,2%), bem mais alta entre as meninas (31,4%) que entre os meninos (12,8%)7

Um estudo com objetivo de estimar a prevalência de excesso de peso e sedentarismo em escolares brasileiros na faixa etária de 13 a 17 anos observou que a prevalência de excesso de peso no Brasil foi de 24,2%, variando de 20,7% na região Nordeste a 27,8% na região Sul. Já a prevalência de sedentarismo no Brasil foi de 67,8%, variando de 61,8% na região Norte a 70,3% na região Sudeste8

Ressalta-se que as diferenças regionais no ambiente urbano e na estrutura das cidades, incluindo a infraestrutura para a prática de atividade física, estão entre os fatores que favorecem o aparecimento das desigualdades no comportamento sedentário entre as regiões do país9.

Em maior frequência encontra-se a obesidade do tipo exógena, ou seja, desencadeada por fatores externos, como ingestão de calorias maior que a necessidade diária, essa causada pelo consumo de gorduras saturadas, excesso de lipídios e falta de atividade física10 Dessa forma, destaca-se a importância da adoção precoce de um estilo de vida adequado, com prática regular de atividade física e dieta equilibrada, pois trata-se dos princípios básicos de prevenção e tratamento da obesidade11.

Embora o estímulo à prática de atividade física em adolescentes seja consensualmente importante na prevenção de doenças crônicas degenerativas, o sedentarismo é considerado uma deficiência que atinge inúmeras pessoas no mundo inteiro, tendo como principais causas os atuais hábitos tecnológicos. Atualmente, percebe-se que os adolescentes passam tempo excessivo sentados em frente a celulares, televisores, computadores e videogames. Vale destacar que esse comportamento sedentário acontece tanto em casa quanto em ambientes escolares12.

Atualmente recomenda-se que, para a prática de atividades físicas na infância e adolescência, todo jovem deve praticar diariamente sessenta minutos ou mais de atividades físicas moderadas em cinco ou mais dias da semana, além de pelo menos 420 minutos de atividades físicas por semana13.

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Destaca-se que o espaço escolar é um cenário de extrema relevância para ações de educação em saúde na orientação de prática de atividade física e alimentação saudável adequada. Tais intervenções têm o potencial de favorecer a mudança de comportamento entre adolescentes no que tange aos hábitos de vida14

Este estudo se justifica pela extrema relevância da promoção da saúde em idades cada vez mais precoces, com investigação e detecção de fatores de risco para doenças que podem ser evitadas por meio da adoção de hábitos de vida saudáveis, incluindo a prática de atividade física. Assim, este trabalho tem como objetivo avaliar a influência do nível de atividade física na prevalência de excesso de peso em adolescentes escolares.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa transversal com abordagem quantitativa realizada no Centro de Ensino João Almeida, localizado na cidade de Esperantinópolis (MA). O município tem uma população estimada de 16.971 habitantes, com densidade demográfica de 38,37 habitantes/km². Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), seu Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é baixo (0,586) e a maior parte da população de seis a 14 anos de idade está matriculada no ensino regular (97,2%)15

A cidade apresenta 12,5% de domicílios com esgotamento sanitário adequado, 83,7% de domicílios urbanos em vias públicas com arborização e 11,8% de domicílios urbanos em vias públicas com urbanização adequada (presença de bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio) 15

O Centro de Ensino João Almeida tem sete turmas de ensino médio, com média de 36 alunos por turma, funcionando nos períodos da manhã e tarde. Trata-se de uma escola da rede pública estadual, localizada na zona urbana e que disponibiliza merenda escolar, cujo cardápio segue orientação de uma profissional nutricionista que atende às escolas estaduais. A escola foi escolhida por conveniência, com cinquenta escolares de ambos os sexos, na faixa etária de 15 a 18 anos de idade, durante todo o mês de fevereiro de 2020, nos turnos manhã e tarde.

Inicialmente os autores foram nas sete turmas da escola para explanação dos objetivos, justificativa e procedimentos do estudo. O convite para participação dos adolescentes ocorreu por meio de carta-convite enviada aos pais/responsáveis, para que esses tivessem ciência sobre o procedimento e autorizassem a participação do adolescente, por meio das assinaturas do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por parte dos pais/responsáveis e do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) pelos adolescentes.

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Foram convidados os 249 alunos matriculados, sendo 88 alunos do primeiro ano, 74 do segundo ano e 87 do terceiro ano. Foram incluídos os indivíduos de ambos os sexos, regularmente matriculados no ensino médio, que aceitaram participar do projeto e estavam com as devidas assinaturas do TALE e do TCLE.

Foram excluídos da coleta indivíduos com algum déficit cognitivo que dificultasse a compressão dos instrumentos de avaliação (cinco alunos), que não responderam ao questionário (59 alunos), que não entregaram os TCLE e TALE assinados (104 alunos) ou que não participaram de todas as etapas da pesquisa (31 alunos). Ao final, 199 estudantes não participaram desta pesquisa, restando cinquenta indivíduos.

Para a coleta de dados, agendaram-se datas e horários que estavam de comum acordo entre os pesquisadores e a direção da escola, com o intuito de minimizar as interferências na rotina escolar. Os alunos que aceitaram participar voluntariamente da pesquisa e estavam com os TCLE e TALE devidamente assinados foram encaminhados, individualmente, para uma sala reservada na própria escola, onde se deu procedimento à coleta de dados.

As variáveis analisadas foram: nível de atividade física; massa corporal; e estatura. O instrumento que avaliou o nível de atividade física baseou-se em questionário validado de Silva16, contendo quatro tópicos.

O primeiro tópico contém duas questões e aborda o meio e tempo de deslocamento para a escola; o segundo trata sobre as aulas de educação física na escola e contém duas questões; já o terceiro contém três perguntas e aborda outras atividades físicas; o último tópico trata sobre o tempo de sedentarismo, o qual inclui as horas que indivíduo assiste televisão, joga no computador ou no videogame e conversa ao telefone, contendo três questões.

Após os indivíduos responderem ao questionário, que foi aplicado em forma de entrevista com duração aproximada de trinta minutos, eles foram classificados segundo a frequência e intensidade dos exercícios realizados: indivíduos inativos (aqueles que não realizaram nenhuma atividade física); inadequadamente ativos (se realizavam atividade física em uma frequência de duas vezes ou menos, ou com duração inferior à uma hora por semana); ativos (se realizavam atividade física três vezes ou mais por semana e com duração superior à uma hora).

Para as medidas antropométricas, massa corporal (quilogramas) e estatura (centímetros), foram utilizadas balança antropométrica digital SLIMBASIC – 200, Actulife, fabricada na RPC – Santa Catarina, e fita métrica flexível, utilizando o protocolo de Guedes e Guedes17

Para estabelecer o diagnóstico nutricional, foi utilizada a classificação do Índice de Massa Corporal (IMC)/idade de acordo com o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional

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(Sisvan), utilizado na população brasileira e adaptado aos pontos de corte da OMS, pela análise das curvas de crescimento18.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual do Piauí (Uespi) e obedeceu às diretrizes e normas regulamentadoras determinadas pela Resolução n. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde no que concerne à realização de pesquisas envolvendo seres humanos (parecer n. 2.703.186), respeitando os princípios éticos e os direitos de privacidade e anonimato dos sujeitos participantes do estudo.

Para a análise estatística foi elaborado um banco de dados eletrônico (Excel©) e os dados foram expressos em valores absolutos e relativos. Para verificar as diferenças entre os sexos dos grupos foi realizado o teste t não pareado, considerando significativos os valores em que p < 0,05, utilizando o software GraphPadPris 7.

RESULTADOS

Os dados apresentados na Tabela 1 revelam informações sobre a amostra estudada no que diz respeito às características gerais dos indivíduos, entre elas, idade, peso, estatura e IMC, separados por sexo. Dos cinquenta adolescentes escolares analisados, 37 (74%) eram do sexo feminino e 13 (26%) do sexo masculino. A média de idade da amostra foi de 16,5 ± 0,91 anos, com peso de 55,5 ± 8,7 kg e IMC de 36,6 ± 2,62 kg/m², não havendo diferença significativa entre os sexos. Já em relação à estatura observou-se diferença estatística significativa entre os sexos (p = 0,00006), sendo os estudantes do sexo masculino mais altos que as estudantes.

Tabela 1 – Característica dos adolescentes com valores expressos em média e desviopadrão (n = 50). Esperantinópolis, Maranhão, Brasil – 2020

Quanto ao diagnóstico de IMC/idade segundo o Sisvan18, observou-se que não houve diferença significativa entre os sexos e que a maioria (92%; n = 46) foi classificada como adequada ou eutrófica, em ambos os sexos (Tabela 2). Vale destacar que nenhum adolescente

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Cronológica (anos) Peso (Kg) Estatura (m) IMC (Kg/m2) Feminino 16,6 ± 0,93 54,2 ± 9,2 1,63 ± 0,07 20,3 ± 2,79 Masculino 16,2 ± 0,80 59,4 ± 5,5 1,75 ± 0,09 19,6 ± 2,05 Total 16,5 ± 0,91 55,5 ± 8,7 1,66 ± 0,09 36,6 ± 2,62 p 0,36858 0,17644 0,00006* 0,70928
Elaboração própria. *Diferença significativa à p < 0,05 IMC = Índice de Massa Corporal
Idade
Fonte:

do sexo masculino foi classificado com baixo peso, e apenas dois jovens (4%), sendo um de cada sexo, estavam com sobrepeso.

Tabela 2 – Prevalência dos grupos avaliados em relação à classificação do IMC/idade segundo o Sisvan (n = 50). Esperantinópolis, Maranhão, Brasil – 2020

Na Tabela 3 apresentamos a distribuição dos indivíduos de acordo com a classificação em inativos, inadequadamente ativos e ativos, por meio do questionário de nível de atividade física, adaptado e modificado por Silva16. Destaca-se que a maioria das adolescentes foram classificadas como inativas ou inadequadamente ativas, (59,5%; n = 22), enquanto os meninos, em sua maioria, (93,3%; n = 12) eram ativos.

Tabela 3 – Distribuição dos indivíduos de acordo com o questionário de nível de atividade física (n = 50). Esperantinópolis, Maranhão, Brasil – 2020

DISCUSSÃO

De acordo com este estudo, observou-se que a maioria dos estudantes eram ativos e apresentavam diagnóstico nutricional adequado ou eutrófico.

De maneira semelhante, um estudo19 que avaliou a prevalência de excesso de peso e sua associação com fatores demográficos e econômicos em adolescentes de Manaus (AM), de ambos os sexos e com faixa etária entre 14 e 19 anos, observou uma maior prevalência de indivíduos eutróficos (55,7%), assim como um estudo transversal realizado com 222 adolescentes de ambos os sexos, no noroeste paulista, observou que a maioria dos estudantes era eutrófica (76,9%)20.

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Baixo Peso Adequado ou Eutrófico Sobrepeso p Feminino 2 (5,4%) 34 (91,9%) 1 (2,7%) 0,112 Masculino - 12 (92,3%) 1 (7,7%) Total 2 (4%) 46 (92%) 2 (4%)
Elaboração própria.
Fonte:
Inativos Inadequadamente ativos Ativos Feminino 15 (40,5%) 7 (19%) 15 (40,5%) Masculino 1 (7,7%) - 12 (92,3%) Total 16 (32%) 7 (14%) 27 (54%) Fonte: Elaboração própria.

Em contrapartida, um estudo transversal envolvendo 1.212 estudantes de escolas estaduais de Salvador (BA), com idade entre 11 e 17 anos de ambos os sexos, observou que 9,3% estavam com sobrepeso21. Já um estudo realizado com 92 crianças e adolescentes de uma escola na zona rural de Goiás apontou para a prevalência de sobrepeso em 18,5% da amostra22

Outro estudo23, que avaliou 427 alunos de duas escolas públicas da cidade de Porto Alegre, encontrou ocorrência de 21,2% de estudantes com sobrepeso, bem acima do observado nesta pesquisa (4%).

Pesquisa realizada com o objetivo de comparar as frequências do nível de atividade física e adiposidade corporal entre 136 escolares na cidade de Fortaleza (CE) observou que os alunos acima do peso, somando os obesos, sobrepuseram em termos quantitativos os estudantes com IMC normal24. Esse resultado difere do estudo atual, que teve sua maioria considerada adequada ou eutrófica e, quando comparada aos adolescentes com baixo peso e sobrepeso, ainda assim se sobressaia.

Vale ressaltar que o IMC é uma medida menos invasiva que medições diretas como a medida de dobras cutâneas, pode ser utilizado como indicador do estado nutricional25 – como neste estudo – e, apesar de suas limitações, é um conceito facilmente entendido pelo público em geral.

Com o objetivo de verificar a prevalência de sobrepeso e obesidade e os fatores de risco associados em adolescentes, uma pesquisa26 com setenta alunos do ensino médio, de ambos os sexos, de uma escola pública da cidade de Tocantins (MG) indicou que 27,1% eram ativos e 41,4% eram insuficientemente ativos, diferentes da amostra do estudo em questão, que encontrou sua maioria classificada como ativa, chegando a 54% dos avaliados.

No que diz respeito ao nível de atividade física encontrado neste estudo, no qual observou-se que os adolescentes são mais ativos que as adolescentes, há consenso na literatura de que essa diferença entre os sexos se dá, principalmente, pelas diferenças socioculturais: desde a infância, meninos são estimulados a praticarem atividades que envolvam esportes e esforços físicos mais exaustivos, enquanto as meninas costumam ser direcionadas a atividades de menor intensidade e que dizem respeito ao ambiente doméstico27

Vale ressaltar que, nesta análise, observou-se maior prevalência de meninas insuficientemente ativas (59,5%), quando comparadas aos meninos (7,7%), assim como estudo que apontou uma prevalência de inatividade física menor nos meninos (10,6%) em relação às meninas (20%)22. Esse fato pode ser explicado devido a um maior estímulo às práticas físicas entre os meninos do que entre as meninas28

No entanto, um estudo29 que avaliou o nível de atividade física em estudantes de escolas públicas do sul do país apontou 68% dos adolescentes avaliados como fisicamente

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inativos, o que pode ser justificado pelas características de algumas cidades que não favorecem a prática de atividade física, como urbanização, segurança, infraestrutura e clima, favorecendo as práticas de baixo gasto calórico, como utilização de computadores, smartphones, assistir televisão e jogar videogames30

A manutenção da prevalência de adolescentes fisicamente ativos é importante quando comparam-se os resultados desta pesquisa com outro estudo31, que aponta, na maior parte dos países, uma diminuição na prática de atividade física por adolescentes ao longo do tempo, podendo ser explicada por fatores como a incapacidade de implementar políticas de promoção da atividade física em larga escala, a rápida urbanização e a facilidade do acesso a veículos motorizados.

Destaca-se que, segundo guidelines de 2020, a OMS recomenda que adolescentes realizem no mínimo 60 minutos de atividade diária de intensidade moderada a vigorosa, enquanto atividades aeróbicas vigorosas e de fortalecimento de músculos e ossos devem ser realizadas pelo menos três vezes por semana32

Os resultados deste estudo foram favoráveis, pois classificou-se a maioria dos adolescentes da pesquisa como ativa, o que pode explicar a classificação do IMC como adequada para a maior parte dos participantes. Por outro lado, observou-se, também, alunos com sobrepeso e com baixo peso. Dessa forma, compreende-se que a implementação de programas educacionais no ambiente escolar é de suma importância, favorecendo o desenvolvimento de hábitos saudáveis.

Vale salientar que o município onde realizou-se a pesquisa apresenta IDH baixo, classificando-a como uma cidade não saudável, tendo em vista que para sua melhoria seria necessária uma estratégia mais ampla de promoção da saúde, que perpassa necessariamente pela garantia de melhores oportunidades de educação, renda, alimentação, entre outros direitos. Sabendo que a alimentação é um dos principais fatores que influenciam no excesso de peso em adolescentes, constitui como limitação do estudo o fato de o consumo alimentar não ter sido avaliado, variável necessária para obter um diagnóstico mais preciso do IMC. Portanto, para novas pesquisas com esse objetivo, se faz necessário esse tipo de avaliação. Não obstante, evidencia-se a presença de alimentos saudáveis, tendo em vista a presença de nutricionista para elaboração do cardápio escolar.

É importante destacar que a análise dos níveis de atividade física de adolescentes é de suma importância para traçar estratégias de elaboração e desenvolvimento de intervenções voltadas para o combate ao excesso de peso e obesidade e, dessa forma, sugere-se também a realização de mais estudos que visem ao mesmo objetivo supracitado.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos resultados encontrados, conclui-se que os níveis de sobrepeso/ obesidade não prevaleceram entre os adolescentes, sendo em sua maioria classificados com peso adequado ou eutrófico. Ademais, o diagnóstico nutricional não apresentou diferenças estatísticas significativas entre os gêneros.

Com relação ao nível de atividade física encontrado, os adolescentes se encontram majoritariamente ativos, além disso, não houve diferença estatística significativa quando comparado tal nível entre os gêneros.

Cabe ressaltar que o alto número de adolescentes ativos pode ter sido o influenciador direto do baixo nível de adolescentes com sobrepeso e obesidade.

Além disso, o controle da ingestão alimentar se faz necessário para uma melhor avaliação dos principais responsáveis pelo aumento da massa corporal em adolescentes escolares.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Giérisson Brenno Borges Lima, Juliana Luna do Monte, Raphael Furtado Marques e Thaís Norberta Bezerra de Moura.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Giérisson Brenno Borges Lima, Juliana Luna do Monte, Raphael Furtado Marques e Thaís Norberta Bezerra de Moura.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Giérisson Brenno Borges Lima, Juliana Luna do Monte, Raphael Furtado Marques e Thaís Norberta Bezerra de Moura.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Giérisson Brenno Borges Lima, Juliana Luna do Monte, Raphael Furtado Marques e Thaís Norberta Bezerra de Moura.

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Recebido: 19.3.2022. Aprovado: 5.10.2022. Publicado: 12.1.2023.

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Revista Baiana de Saúde Pública

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DAS VIOLÊNCIAS INTERPESSOAL E AUTOPROVOCADA EM PORTO VELHO: NOTIFICAÇÕES PRÉ E TRANSPANDEMIA COVID-19

José Felipe de Freitas Gomesa

https://orcid.org/0000-0001-9096-6930

Nathalia Halax Orfãob

https://orcid.org/0000-0002-8734-3393

Gisele Teixeira de Souza Mourac

https://orcid.org/0000-0002-1205-5039

Caio Ismael de Jesus Lasmard

https://orcid.org/0000-0002-3147-5223

Resumo

A violência é um fenômeno complexo e multicausal, que envolve dor, sofrimento e sequelas à vítima, reverberando na saúde pública. Nesse sentido, este estudo teve como objetivo descrever os dados epidemiológicos das violências interpessoal e autoprovocada em Porto Velho (RO), no período de 2009 a 2021. Trata-se de um estudo descritivo, realizado de forma transversal e com abordagem quantitativa, a partir dos registros sobre o número de casos, dados da vítima, ocorrência, provável agressor e encaminhamento no Sistema de Informação de Agravos de Notificação – obtidos por meio da ferramenta Tabnet, por meio do portal eletrônico

a Cirurgião-dentista. Mestre em Ciências Odontológicas pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Especialista em Gestão em Saúde pela Fundação Universidade Federal de Rondônia (Unir). Especialista em Saúde Coletiva pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Especialista em Odontologia do Trabalho pela São Leopoldo Mandic. Cirurgião-dentista do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO). Porto Velho, Rondônia, Brasil. E-mail: gomesjf@hotmail.com

b Enfermeira. Pós-Doutorado em Saúde Pública em Região de Fronteira pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Doutora e Mestre em Ciências pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Gestão de Políticas de Saúde Informadas por Evidências pelo Hospital Sírio-Libanês. Especialista em Informática em Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Professora Adjunta do Departamento de Medicina da Unir. Porto Velho, Rondônia, Brasil. E-mail: nathaliahalax@unir.br

c Engenheira Civil. Especialista em Engenharia Diagnóstica pelo Instituto Brasileiro de Educação Continuada (Inbec). Especialista em Engenharia e Segurança do Trabalho pela Faculdade Única. Especialista em Projeto e Execução de Instalações Prediais com Aplicação de Software. Engenheira Civil da Secretaria de Estado de Obras e Serviços Públicos (Seosp-RO). Porto Velho, Rondônia, Brasil. E-mail: giseletsm@hotmail.com

d Arquiteto e Urbanista. Mestre em Geografia pela Unir. Especialista em Gestão dos Recursos Naturais e Meio Ambiente pelo Centro Universitário do Norte (Uninorte/Laureate). Arquiteto e Urbanista da Secretaria Estadual de Educação de Rondônia (Seduc-RO). Porto Velho, Rondônia, Brasil. E-mail: lasmar.cij@gmail.com

Endereço para correspondência: Fundação Universidade Federal de Rondônia. Campus – BR 364, km 9,5. Porto Velho, Rondônia, Brasil. CEP: 76801-059. E-mail: nathaliahalax@unir.br

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DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.n2.a3602

do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde –, posteriormente analisados por estatística descritiva. Foram notificados 3.136 casos de violências interpessoal e autoprovocada, sendo que a maioria das vítimas era do sexo feminino, cor/raça parda, com quinta a oitava série incompleta do ensino fundamental e faixa etária de 10 a 14 anos, sendo o local da ocorrência a residência, com repetição das agressões, predominando a violência física e força corporal/ espancamento. O provável agressor era a própria pessoa, não tinha suspeita de uso de bebidas alcoólicas, era adulto e não constava o registro do encaminhamento da vítima. Diante dos resultados encontrados, identificou-se que as violências interpessoal e autoprovocada têm acometido, principalmente, vítimas em seus ciclos de vida considerados mais vulneráveis (infância e adolescência), dentro do local onde deveriam ser acolhidas e protegidas.

Palavras-chave: Agressão. Crime. Violência. Vítimas de crime. Covid-19.

EPIDEMIOLOGICAL PROFILE OF INTERPERSONAL AND SELF-INFLICTED VIOLENCE

IN PORTO VELHO: COVID-19 PRE AND TRANSPANDEMIC NOTIFICATIONS

Abstract

Violence is a complex, multicausal phenomenon which results in pain, suffering and consequences for the victim, affecting public health. Thus, this cross-sectional quantitative study describes the epidemiological profile of interpersonal and self-inflicted violence in Porto Velho, Rondônia, Brazil, from 2009 to 2021. Data were collected from the records (number of cases, victim profile, occurrence, probable aggressor and referral) in Tabnet through the Notifiable Diseases Information System of the Unified Health System, and later analyzed by descriptive statistics. A total of 3,136 cases of interpersonal and self-inflicted violence were reported, of which most victims were female, mixed race, with incomplete 5th to 8th grade, between 10 and 14 years old, and the place of occurrence was the residence, with repetition of the aggressors, predominating physical violence and bodily force/beating. The likely aggressor was the person themself, not suspected of alcohol use, was an adult, and there was no record of the victim’s referral. These findings show that interpersonal and self-inflicted violence mainly affect victims in their most vulnerable life cycles (childhood and adolescence), in the place where they should feel welcomed and protected.

Keywords: Aggression. Crime. Violence. Crime victims. COVID-19.

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Revista Baiana de Saúde Pública

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DE

LA VIOLENCIA INTERPERSONAL Y AUTOINFLIGIDA EN PORTO VELHO: NOTIFICACIONES PRE Y TRANSPANDÉMICAS DE LA COVID-19

Resumen

La violencia es un fenómeno complejo y multicausal que implica dolor, sufrimiento y consecuencias para la víctima, repercutiendo en la salud pública. En ese sentido, este estudio tuvo como objetivo describir los datos epidemiológicos de la violencia interpersonal y autoinfligida en Porto Velho-RO, de 2009 a 2021. Se trata de un estudio descriptivo, realizado de forma transversal y con abordaje cuantitativo, a partir de registros de número de casos, datos de víctimas, ocurrencia, probable agresor y derivación en el Sistema de Información de Enfermedades de Declaración Obligatoria, a través de la herramienta Tabnet, a través del portal electrónico del Departamento de Informática del Sistema Único de Salud y, posteriormente, analizados en el Microsoft Excel programa de estadística descriptiva. Se reportaron 3.136 casos de violencia interpersonal y autoinfligida, siendo la mayoría mujeres, mestizas, con 5° a 8° grado de primaria incompleto, grupo etario de 10 a 14 años, y el lugar de ocurrencia fue la residencia, con reincidencia de agresión, predominante violencia física y fuerza física/golpes. El probable agresor era la propia persona, no era sospechoso de consumo de bebidas alcohólicas, era mayor de edad y no constaba la derivación de la víctima. Ante los hallazgos, se identificó que la violencia interpersonal y autoinfligida ha afectado principalmente a las víctimas en sus ciclos de vida más vulnerables (infancia y adolescencia), dentro del lugar donde deben ser acogidas y protegidas.

Palabras clave: Agresión. Crimen. Violencia. Víctimas del crimen. Covid-19.

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2002, definiu a violência como o uso intencional de força física ou de poder que pode manifestar-se por meio de ameaça ou de forma concreta, contra si ou contra um grupo ou comunidade, e que resulta ou tenha possibilidade de resultar em lesão, dano psicológico, morte, prejuízo no desenvolvimento ou privação1. A violência é um fenômeno complexo, multicausal, heterogêneo, em constante crescimento e que gera diferentes impactos, tanto na vida da população, quanto em termos de saúde pública2,3,4. Assim, para compreendê-la torna-se fundamental conhecer aqueles que a praticam e as suas vítimas2, exigindo ainda a mobilização de toda a sociedade na perspectiva do seu enfrentamento5

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A violência interpessoal é compreendida pela OMS como aquela que ocorre entre membros da família, parceiros íntimos, amigos, conhecidos e desconhecidos, sendo diferente da violência autoprovocada2. Sobre esta última, a Classificação Internacional de Doenças, em sua 11ª edição (CID-11) – na seção sobre “causas externas de morbidade ou mortalidade” –classifica como autoprovocados os envenenamentos e as lesões intencionalmente desferidos pela própria pessoa contra si, automutilação e tentativa/consumação de suicídio6,7, sendo esse um fenômeno crescente, considerado importante problema de saúde pública no Brasil3 Por isso, os diferentes tipos de violência integram, desde a publicação da Portaria n. 104 do Ministério da Saúde em 20118, a Lista Nacional de Notificação Compulsória de Doenças, Agravos e Eventos de Saúde Pública, nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional9.

Considerando que a violência constitui um fenômeno sócio-histórico e se manifesta das mais variadas formas, devendo ser compreendida de forma complexa e contextual, no Brasil ela tem acometido, sobretudo, mulheres. Teve sua agudização no transcorrer da pandemia da covid-19, em que houve o distanciamento entre as pessoas e dessas com os recursos que poderiam ajudá-las no combate a situações de violência, agravando a (in)visibilidade histórica de violência doméstica enraizada nas relações patriarcais tradicionalmente estruturadas no país2,3,10,11

Apesar de ser uma realidade que acomete mulheres nas diferentes regiões do território brasileiro, o Mapa da Violência demonstra a magnitude da violência em Rondônia e em sua capital, Porto Velho, que ocupam a sétima colocação referente à taxa de homicídio de mulheres (por 100 mil), em comparação com as demais unidades da federação e suas respectivas capitais, enquanto que, na região Norte, Rondônia ocupa a terceira posição e Porto Velho é a segunda capital, ficando atrás apenas de Palmas12

Tais achados podem ser reflexo das especificidades de Rondônia, que favorecem o surgimento de diversos tipos de violência, bem como a ocorrência de casos não notificados. Entre as características regionais destacam-se as áreas de garimpo, as regiões fronteiriças e a elevada quantidade de população rural e ribeirinha, que interferem no acesso aos serviços de saúde

e de enfrentamento à violência13

Nas diferentes regiões do Brasil, apesar do aumento dos casos e das notificações de violência envolvendo seres humanos, bem como do crescimento de estudos direcionados a essa temática, percebe-se a escassez desses voltados para a região Norte do país. Nesse sentido, frente à relevância do tema da violência e diante das repercussões na vida das vítimas e suas

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famílias, este estudo tem como objetivo descrever os dados epidemiológicos das violências interpessoal e autoprovocada em Porto Velho (RO), no período de 2009 a 2021.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo, realizado de forma transversal e com abordagem quantitativa em Porto Velho, capital do estado de Rondônia, que tem uma população estimada, em 2021, de 548.952 habitantes e área territorial de 34.090,952 km²14

Para este estudo, consideraram-se as notificações das violências interpessoal e autoprovocada em Porto Velho, abrangendo casos suspeitos ou confirmados de violência doméstica/intrafamiliar, sexual, autoprovocada, tráfico de pessoas, trabalho infantil, tortura, intervenção legal e casos de violência extrafamiliar/comunitária.

Os dados obtidos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) foram extraídos, por meio da ferramenta Tabnet, do portal eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS), em fevereiro de 2022 e, em seguida, foram exportados para o programa Microsoft Office Excel.

Foram investigadas variáveis relacionadas à vítima, ao provável agressor, aos dados da ocorrência e da violência, bem como ao número de casos e ao encaminhamento realizado (Tabela 1).

Para as diferentes categorias, os dados não preenchidos foram considerados como “em branco/ ignorado”, permitindo, assim, a avaliação quanto à qualidade e à (in)completude dos registros.

Tabela 1 – Variáveis das violências interpessoais e autoprovocadas investigadas e suas respectivas categorias. Porto Velho, Rondônia – 2009-2021

Dados da vítima

Variáveis Categorias

Sexo

Raça/cor

Escolaridade

Faixa etária

Dados do provável agressor

Dados da ocorrência e da violência

Vínculo/grau de parentesco com a pessoa atendida

Suspeita de uso de álcool

Ciclo de vida

Local de ocorrência

Violência de repetição

Lesão autoprovocada

Tipo de violência

Meio de agressão

Encaminhamento realizado

Fonte: DataSUS, 2021.

Encaminhamento ambulatorial

Internação hospitalar

92

Para a categoria raça/cor, admitiu-se o quesito étnico-racial definido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o qual estabelece cinco categorias: branco, preto, pardo, indígena ou amarelo.

Durante a extração dos dados na ferramenta Tabnet, as diferentes variáveis foram analisadas individualmente a partir das seleções “Município de Notificação”, “Município de Residência” e “Município de Ocorrência”, nas quais se considerou apenas Porto Velho, no período compreendido entre 2009 e 2021.

Este estudo utilizou banco de dados abertos, sendo dispensada a necessidade de aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos, de acordo com a Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No período de 2009 a 2021, verificou-se uma variação no número de casos notificados por violências interpessoal e autoprovocada em Porto Velho, com crescimento entre 2013 e 2018 (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Distribuição do quantitativo de casos notificados por violências interpessoal e autoprovocada. Porto Velho, Rondônia – 2009-2021

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Revista Baiana de Saúde Pública
Fonte: DataSUS, 2021.

Esse crescimento reflete o período de construção das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau inauguradas em 2012 e 2016, respectivamente, as quais foram responsáveis por um significativo fluxo migratório que se iniciou a partir de 2010 e pode ter contribuído para o aumento da violência local13, ao mesmo tempo que esse cenário também se caracteriza em outras localidades15.

Os dados referentes às vítimas demonstram expressiva diferença em relação ao sexo (Gráfico 1), confirmando os achados de outros estudos que têm identificado as mulheres como as vítimas majoritárias de violência6,13,16,17, mesmo diante de campanhas e leis de proteção à mulher10, o que remete a questões culturais de gênero enraizadas nas relações familiares18, bem como ao desenvolvimento de determinados tipos de violência, tal como a lesão autoprovocada3,19

A literatura reforça que as características regionais de Rondônia estão diretamente associadas a casos omissos de violência contra as mulheres13. Entretanto, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) mostrou que, em Porto Velho, o percentual de mulheres que sofreram violência nos 12 meses anteriores à entrevista foi menor (14,6%) quando comparado ao percentual de homens (16,5%)20, sendo esse também um perfil encontrado em um estudo21, embora em outros não tenha sido identificada uma prevalência entre os sexos22

Ainda sobre os dados referentes às vítimas, a maioria delas era parda (65,08%), tinha ensino fundamental incompleto, da quinta a oitava série incompleta do ensino fundamental (22,92%), e idades entre 10 e 14 anos (24,42%) (Tabela 2).

Tabela 2 – Distribuição das características das vítimas de violências interpessoal e autoprovocada notificadas. Porto Velho, Rondônia – 2009-2021

94
Categorias N % Raça/cor da pele Parda 2.041 65,08 Branca 628 20,02 Preta 229 7,30 Amarela 56 1,78 Indígena 23 0,73 Em branco/ignorado 159 5,07 Escolaridade Analfabeto 33 1,05 1ª a 4ª série incompleta do ensino fundamental 235 7,49 4ª série completa do ensino fundamental 93 2,96 5ª a 8ª série incompleta do ensino fundamental 719 22,92 Ensino fundamental completo 147 4,68 Ensino médio incompleto 238 7,58 Ensino médio completo 248 7,90 (continua)

Tabela 2 – Distribuição das características das vítimas de violências interpessoal e autoprovocada notificadas. Porto Velho, Rondônia – 2009-2021 (conclusão)

Embora a literatura aponte que mulheres pretas são as principais vítimas de violência13,23, incluindo lesões autoprovocadas3,19 e maus-tratos, negligência ou abandono17, nas diferentes faixas etárias, tendo como desfecho o óbito por agressão15, o predomínio da raça/cor pode alterar-se considerando as características da população em determinadas regiões do país.

Com relação ao nível de escolaridade, os achados deste estudo apontam que quanto mais anos de estudo, menores são os quantitativos de notificação de violência. Portanto, as vítimas dos casos notificados de violências interpessoal e autoprovocada têm poucos anos de educação formal, apresentando, em sua maioria, ensino fundamental completo ou incompleto2,3,6,15,17,19,23,24, resultado que pode estar relacionado também à faixa etária das vítimas.

A história de violência, especialmente a doméstica contra crianças e adolescentes, ocorre desde o período colonial, configurando-se como obstáculo ao desenvolvimento pessoal das vítimas e constituindo um grave problema de saúde pública5,25

Sobre os dados da ocorrência e da violência, este estudo evidenciou que o local mais comum da violência era a residência (68,84%), havendo repetição (40,68%), não era autoprovocada (74,20%), sendo a violência física o tipo mais comum (36,64%) e a força corporal/espancamento o principal meio de agressão (34,44%) (Tabela 3).

95 v. 46, n. 2, p. 88-103 abr./jun. 2022 Categorias N % Escolaridade Educação superior incompleta 69 2,20 Educação superior completa 41 1,30 Em branco/ignorado 918 29,27 Não se aplica 395 12,59 Faixa etária < 1 ano 74 2,35 1 a 4 anos 223 7,11 5 a 9 anos 222 7,07 10 a 14 anos 766 24,42 15 a 19 anos 567 18,08 20 a 29 anos 609 19,41 30 a 39 anos 364 11,60 40 a 49 anos 180 5,73 50 a 59 anos 72 2,29 ≥ 60 anos 58 1,84 Em branco/ignorado 1 0,03
Revista Baiana de Saúde Pública Fonte: DataSUS, 2021.

Tabela 3 – Distribuição das características da ocorrência e da violência em si notificadas. Porto Velho, Rondônia – 2009-2021

Fonte: DataSUS, 2021.

*Um mesmo indivíduo pode ter sofrido concomitantemente mais de um tipo de violência

**Um mesmo indivíduo pode ter sido vítima de mais de um meio de agressão

96
Categorias N % Local mais comum de agressão Residência 2159 68,84 Via pública 381 12,14 Bar ou similar 65 2,07 Escola 61 1,94 Habitação coletiva 31 0,98 Comércio/serviços 27 0,86 Local de prática esportiva 10 0,31 Indústrias/construção 10 0,31 Outros 185 5,89 Em branco/ignorado 207 6,60 Violência de repetição Sim 1276 40,68 Não 1153 36,76 Em branco/ignorado 707 22,54 Lesão autoprovocada Não 2327 74,20 Sim 632 20,15 Em branco/ignorado 177 5,64 Tipo mais comum de violência* Física 1568 36,64 Sexual 1187 27,74 Psicológica/moral 617 14,41 Negligência/abandono 249 5,81 Tortura 94 2,19 Financeira/econômica 35 0,81 Trabalho infantil 14 0,32 Intervenção legal 9 0,21 Tráfico de seres humanos 3 0,07 Outra violência 503 11,75 Principal meio de agressão** Força corporal/espancamento 1144 34,44 Objeto perfurocortante 539 16,23 Ameaça 497 14,96 Envenenamento, intoxicação 334 10,05 Objeto contundente 171 5,14 Arma de fogo 170 5,11 Enforcamento 142 4,27 Substância/objeto quente 33 0,99 Outra agressão 291 8,76

Corroborando este estudo, pesquisas têm demonstrado que os casos de violência ocorrem principalmente na residência da vítima4,13,22, sendo a agressão caracterizada como autoprovocada6,19, maus-tratos, abandono e negligência17, considerando a maior vulnerabilidade e mais tempo nesse local, o que permite repetições do ato, bem como a cronicidade e agravamento desse, reforçando ainda mais a importância do direcionamento de ações para a prevenção da violência doméstica17,21.

Quando refletimos sobre o atual momento epidemiológico, com maior tempo de permanência trabalhando e estudando em casa, como ocorreu durante a pandemia da covid-19, percebe-se que o distanciamento não foi apenas social, mas também da rede de apoio e de proteção, além de haver uma maior aproximação das vítimas com os seus agressores.

Outro fator refere-se à (in)visibilidade histórica da violência doméstica caracterizada por sua ocorrência em um espaço privado11,26. Nessa conjuntura, fala-se sobre o “silêncio” que é apontado como a principal característica que se manifesta na violência doméstica, em que as pessoas, por medo das ameaças, não se envolvem25

Dos atendimentos realizados nos serviços de urgência e emergência no Sistema Único de Saúde (SUS), 10% estão associados à ocorrência de lesões autoprovocadas19. Os homens tendem a empregar métodos mais letais (como objeto perfurocortante) para tirar a própria vida e fazem uso de bebidas alcoólicas, enquanto as mulheres utilizam mais frequentemente diversas formas de envenenamento e intoxicação, especialmente por medicamentos3,19,27.

Similarmente aos resultados desta pesquisa, a literatura tem revelado que a violência física é o principal tipo que tem acometido as vítimas, nos diferentes ciclos de vida2,4,13,15,18,23,24, seguida da violência psicológica/moral4,15 ou por negligência/abandono2 Porém, outros autores demonstram que a violência física é sucedida por elevados índices de violência sexual13,18,23, especialmente contra meninas na infância/adolescência6,18.

O fato de a violência física ser o principal tipo de violência interpessoal notificada pode ter relação com a compreensão de que o ato violento é predominantemente corporal2, ao mesmo tempo em que as vítimas de violência podem ser submetidas a mais de um tipo de agressão simultaneamente, uma vez que os casos não ocorrem de forma isolada13

A força corporal/espancamento tem sido apontada como o meio mais utilizado na violência interpessoal2,13,24, especialmente entre adolescentes do sexo masculino5. Para Fiorini e Boeckel2, os meios empregados para executar a agressão são extremamente relevantes para que se possa compreender, mais especificamente, como a violência se manifesta.

Com relação ao perfil do provável agressor, o suspeito era a própria pessoa (17,86%), não havia ingerido bebidas alcoólicas (42,28%) e era adulto (17,21%) (Tabela 4).

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Revista Baiana de Saúde Pública

Tabela 4 – Distribuição do perfil do possível agressor das violências interpessoal e autoprovocada notificadas. Porto Velho, Rondônia – 2009-2021

Fonte: DataSUS, 2021.

*Um mesmo indivíduo pode ter sido vítima de mais de um agressor

Infere-se que os casos notificados na transpandemia da covid-19 (2020 e 2021) influenciaram os 17,86% sobre a “própria pessoa” ser o provável autor da violência.

Depreende-se que esse resultado esteja vinculado à repentina experiência de confinamento e de restrição a deslocamentos imposta pela pandemia, em que crianças e adolescentes tiveram mudanças nas suas rotinas, como a suspensão das atividades nas escolas e do convívio comunitário, situação agravada pelas incertezas, pelo distanciamento social e pelo medo de perder amigos e entes queridos.

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Categorias N % Prováveis autores das violências* Própria pessoa 580 17,86 Desconhecido(a) 511 15,73 Amigos/conhecidos 507 15,61 Cônjuge 399 12,28 Mãe 194 5,97 Pai 187 5,75 Namorado(a) 187 5,75 Ex-cônjuge 131 4,03 Padrasto 111 3,41 Irmão(ã) 82 2,52 Ex-namorado(a) 37 1,13 Filho(a) 35 1,07 Policial/agente da lei 23 0,70 Pessoa com relação institucional (PRI) 18 0,55 Cuidador(a) 16 0,49 Madrasta 6 0,18 Patrão/chefe 5 0,15 Outros vínculos 218 6,71 Suspeita de uso de bebidas alcoólicas Não 1326 42,28 Sim 720 22,95 Em branco/ignorado 1090 34,75 Ciclo de vida do provável agressor Criança (0 a 9 anos) 42 1,33 Adolescente (10 a 19 anos) 292 9,31 Jovem (20 a 24 anos) 273 8,70 Pessoa adulta (25 a 59 anos) 540 17,21 Pessoa idosa (60 anos ou mais) 19 0,60 Em branco/ignorado 1970 62,81

Contrariamente aos achados deste estudo, outras pesquisas têm demonstrado que as características do agressor envolvem principalmente o parceiro íntimo da vítima entre adolescentes e adultos, que inclui o namorado/ex-namorado e o cônjuge/ex-cônjuge4,13,15,18, bem como agressões praticadas por pessoas não pertencentes à família ou por desconhecidos2,18,23

Ao identificar os desconhecidos como aqueles que mais praticam a violência interpessoal, gera-se uma sensação de que a violência não tem rosto, suscitando até mesmo uma reflexão quanto a quem são esses desconhecidos2

Estudos também apontam a ausência do uso de álcool pelos agressores13,17, destacando que o consumo dessa substância interfere diretamente nas funções cognitivas e físicas do indivíduo, ao mesmo tempo em que reforçam a ideia de que o seu uso pode ser utilizado como “justificativa” para o comportamento violento do agressor, cujo perfil se caracteriza como adulto (ou “meia-idade”)17,28

Com relação ao encaminhamento realizado, embora a maioria dos casos estejam em branco/ignorado, principalmente sem registros no período entre 2015 e 2021, verificase que, quando ocorreram, as vítimas foram encaminhadas para o ambulatório (10,49%) (Gráfico 2), uma vez que o impacto causado pela violência, em determinadas situações, exige cuidados continuados por determinado tempo2.

Gráfico 2 – Distribuição do quantitativo de casos notificados por violências interpessoal e autoprovocada, de acordo com o tipo de encaminhamento realizado. Porto Velho, Rondônia – 2009-2021

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Revista Baiana de Saúde Pública Fonte: DataSUS, 2021.

A incompletude e a não qualidade dos registros, conforme encontrado neste estudo, são fragilidades que interferem na compreensão da realidade, em ações de planejamento, continuidade e integralidade da assistência, bem como na definição de políticas de saúde.

Estudos apontam que o elevado percentual de campos em branco e/ou ignorados constituem limitações das pesquisas sobre violências interpessoal e autoprovocada6,13,23.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em Porto Velho (RO), entre os anos de 2009 e 2021, foram registrados, sobretudo, casos de violência cometida contra mulheres pardas com baixa escolaridade, nas fases da infância e da adolescência, sendo os prováveis autores a própria pessoa. Tais agressões se manifestam principalmente por meio da violência física, da força corporal/espancamento, que tem ocorrido predominantemente nos locais que deveriam servir de proteção e refúgio.

No decorrer deste estudo é possível observar a elevada quantidade de variáveis com dados em branco e/ou ignorados que podem subestimar os registros coletados ou até mesmo comprometer a avaliação fidedigna da realidade sobre as violências interpessoal e autoprovocada em Porto Velho.

Diante disso, reitera-se a necessidade de contínuas capacitações (treinamentos) dos profissionais responsáveis pelo preenchimento da ficha de notificação, a fim de sensibilizálos quanto ao preenchimento correto e completo desse instrumento, bem como à importância de uma abordagem humanizada frente à violência no cotidiano dos serviços de saúde. Emerge ainda a necessidade do desenvolvimento de ações junto à comunidade e a efetividade da intersetorialidade para o integral cuidado diante dos casos de violência.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: José Felipe de Freitas Gomes e Nathalia Halax Orfão.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: José Felipe de Freitas Gomes, Nathalia Halax Orfão, Gisele Teixeira de Souza Moura e Caio Ismael de Jesus Lasmar.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: José Felipe de Freitas Gomes e Nathalia Halax Orfão.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: José Felipe de Freitas Gomes e Nathalia Halax Orfão.

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REFERÊNCIAS

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Recebido: 23.3.2022. Aprovado: 5.10.2022. Publicado: 12.1.2023.

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Revista Baiana de Saúde Pública

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

SATISFAÇÃO DA ENFERMAGEM DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE COM A EDUCAÇÃO PERMANENTE

Thaynara Venancio Bezerraa

https://orcid.org/0000-0001-8997-2858

Itala Keane Rodrigues Diasb

https://orcid.org/0000-0003-3027-825X

Resumo

A enfermagem desempenha um trabalho relevante na Atenção Primária à Saúde, gerando a necessidade de um processo contínuo e permanente na formação.

A Educação Permanente em Saúde (EPS) emerge como estratégia viabilizadora de uma melhor qualificação. Neste artigo, objetivou-se identificar a satisfação da enfermagem atuante na Atenção Primária à Saúde com a Educação Permanente em um município do estado do Ceará. Para isso, fez-se um estudo descritivo, com abordagem quantitativa. Para a coleta de dados, utilizou-se um questionário que avalia a Educação Permanente em Saúde na Estratégia Saúde da Família (IAEPS-ESF) em três subdimensões: (1) Educação Permanente em Saúde;

(2) Organização do Processo de Trabalho; (3) Educação Permanente e qualificação das equipes de atenção à saúde. Participaram do estudo 27 técnicos de enfermagem e 13 enfermeiros. A EPS mostrou-se satisfatória para 35% dos profissionais. A avaliação de cada subdimensão demonstrou o maior nível de satisfação – “muito satisfeita” – com as subdimensões 1 e 2, enquanto a subdimensão 3 apresentou-se regular. Um número significativo dos enfermeiros, 46,1%, apresentaram-se satisfeitos com a subdimensão 2 e 51,9% dos técnicos de enfermagem mostraram-se muito satisfeitos. Conclui-se que a EPS deve estar presente continuamente no processo de trabalho, permitindo o desenvolvimento de competências que proporcionem a prática profissional coerente com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde.

Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde. Educação Permanente. Enfermagem em Saúde Comunitária. Equipe de Enfermagem. Estratégia de Saúde da Família.

a Enfermeira. Especialista em Saúde da Família e Comunidade. Tauá, Ceará, Brasil. E-mail: thaynara.23_nara@hotmail.com

b Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Enfermeira do Instituto Federal do Ceará. Iguatu, Ceará, Brasil. E-mail: itala_keany@hotmail.com

Endereço para correspondência: Rua Vereador Veridiano Alexandrino Filho, n. 136, bairro Alto Nelândia. Tauá, Ceará, Brasil. CEP: 63660-000. E-mail: thaynara.23_nara@hotmail.com

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10.22278/2318-2660.2022.v46.n2.a3627
DOI:

SATISFACTION OF PRIMARY HEALTH CARE NURSING WITH PERMANENT EDUCATION

Abstract

Nursing performs a relevant job in Primary Health Care, generating the need for a continuous and permanent process in the training. The Permanent Health Education (EPS) emerges as a viable strategy to allow for better qualification. This article aimed to identify the satisfaction of nursing professionals working in Primary Health Care with Permanent Education in a municipality of the state of Ceará. Thus, a descriptive study, with a quantitative approach, was carried out. For data collection, a questionnaire was used that assesses the Permanent Health Education in the Family Health Strategy (IAEPS-ESF) in three subdimensions:

(1) Permanent Health Education; (2) Organization of the Labor Process; (3) Permanent Education and qualification of health care teams. A total of 27 nursing technicians and 13 nurses participated in the study. The EPS was shown to be satisfactory by 35% of the professionals. The evaluation of each subdimension showed a higher level of satisfaction –“very satisfied” – with subdimensions 1 and 2, whereas subdimension 3 appeared to be regular. A significant number of nurses, 46.1%, were satisfied with subdimension 2 and 51.9% of the nursing technicians were very satisfied. In conclusion, EPS must be continuously present in the work process, allowing the development of skills that provide a professional practice consistent with the principles and guidelines of the Unified Health System.

Keywords: Primary Health Care. Education, Continuing. Community Health Nursing. Nursing, Team. Family Health Strategy.

SATISFACCIÓN DE ENFERMERÍA DE ATENCIÓN PRIMARIA DE SALUD CON FORMACIÓN CONTINUADA

Resumen

La enfermería realiza una labor relevante en la Atención Primaria de Salud, generando la necesidad de un proceso continuo y permanente en la formación. La Formación Continuada en Salud (FCS) surge como estrategia para mejorar la cualificación. El objetivo de este estudio fue identificar la satisfacción de los enfermeros que trabajan en la Atención Primaria de Salud con la Educación Continua en un municipio del estado de Ceará. Se trata de un estudio descriptivo con un enfoque cuantitativo. Los datos se recogieron mediante un

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Revista Baiana de Saúde Pública

cuestionario que evalúa la Formación Continuada en Salud en la Estrategia de Salud Familiar (IAEPS-ESF) en tres subdimensiones: (1) Formación Continuada en Salud; (2) Organización del Proceso de Trabajo; (3) Educación permanente y cualificación de los equipos de atención a la salud. Participaron del estudio 27 Técnicos de Enfermería y 13 Enfermeros. La FCS se mostró satisfactoria para 35% de los profesionales. La evaluación de cada subdimensión mostró el mayor nivel de satisfacción, muy satisfecha, con las subdimensiones 1 y 2, mientras la subdimensión 3 se presentó regular. Un número significativo de enfermeros, 46,1%, estaban satisfechos con la subdimensión 2 y 51,9% de los técnicos de enfermería 51,9% estaban muy satisfechos Se concluye que la FCS debe estar continuamente presente en el proceso de trabajo, permitiendo el desarrollo de competencias que brinden una práctica profesional acorde con los principios y lineamientos del Sistema Único de Salud.

Palabras clave: Atención Primaria de Salud. Educación Continua. Enfermería en Salud Comunitaria. Grupo de Enfermería. Estrategia de Salud Familiar.

INTRODUÇÃO

A enfermagem apresenta diversas possibilidades de atuação no Sistema Único de Saúde (SUS), especificamente no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS). É uma profissão indispensável para cumprir os objetivos da APS por atuar na promoção, proteção e recuperação da saúde e prevenção de doenças, de acordo com as necessidades da população. Para tanto, esses profissionais demandam formação permanente/continuada para que atuem de forma efetiva e eficaz1,2.

O processo de formação profissional deve ser contínuo, isto é, permanente e integrado com o serviço e comunidade, direcionado a fortalecer os processos de trabalho. Diante disso, foi instituída, no ano de 2004, a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS), configurando-se como uma estratégia do SUS para a formação e o desenvolvimento de profissionais e trabalhadores da saúde3

A Educação Permanente em Saúde (EPS) tem se mostrado presente nos cenários da Atenção Primária à Saúde (APS), efetivada principalmente pela Estratégia Saúde da Família (ESF), que assume o papel de coordenadora e ordenadora das Redes de Atenção à Saúde4.

Tendo em vista tamanha importância da ESF e a complexidade das tecnologias empregadas pelos profissionais para atuar na promoção da saúde no contexto da multidisciplinaridade5, a EPS no cenário da ESF tem proporcionado contribuições relevantes ao processo de trabalho, enaltecendo a compreensão do conceito ampliado de saúde6.

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A enfermagem desempenha contribuições relevantes na ESF pelo desenvolvimento de ações nas dimensões política, assistencial, gerencial e de educação em saúde. Nessa perspectiva, a literatura aborda o quão importante tem sido a discussão da temática relacionada com a EPS7, uma vez que, conforme a Política Nacional de Atenção Básica, compete ao enfermeiro acompanhar, coordenar e executar as atividades de EPS na atenção primária.

Entretanto, mesmo em meio a progressos, ainda são perceptíveis debilidades nos processos de EPS, fato que denota a necessidade contínua de avaliação e revisão, para que se possam alcançar as perspectivas de trabalho direcionadas para a atenção à saúde na ESF8,9

Percebe-se que na literatura há uma limitação de estudos voltados para a educação permanente em saúde no estado do Ceará. Entende-se que há a necessidade de se compreender as limitações e potencialidades das ações implementadas no cenário da APS. Este estudo objetivou identificar a satisfação da enfermagem atuante na Atenção Primária à Saúde com a Educação Permanente em um município do estado do Ceará.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem quantitativa. Foi realizado na cidade de Tauá, município brasileiro do interior do estado do Ceará, na região do Sertão dos Inhamuns. O cenário escolhido foi a Atenção Primária à Saúde, efetivada no município por meio da Estratégia Saúde da Família. O município tem um total de 19 Unidades Básicas de Saúde (UBS), onde funcionam 25 Equipes de Saúde da Família (ESF). A escolha do município e do cenário da APS se deu por ser o campo de atuação da residência multiprofissional em saúde. O estudo em tela é um Trabalho de Conclusão da Residência.

A amostra do estudo compreendia 25 enfermeiros e cinquenta técnicos de enfermagem. Esse quantitativo representa o total de profissionais de enfermagem cadastrados nos recursos humanos da Secretaria Municipal de Saúde. Os profissionais que tinham concluído o curso de auxiliar de enfermagem já haviam realizado o curso técnico de enfermagem. Elencaram-se os seguintes critérios de inclusão para participação da pesquisa: servidores temporários ou efetivos do município; estar atuando na ESF no período mínimo de seis meses. Como critérios de exclusão: profissionais que estavam afastados do serviço por férias ou licença. Por meio desses critérios, foram excluídos do estudo 23 (46%) técnicos de enfermagem e 12 (48%) enfermeiros.

A pesquisa foi realizada nos anos de 2020 e 2021. A coleta de dados ocorreu entre os meses de julho e agosto de 2020. Para a coleta, foi utilizado um questionário a fim de avaliar a satisfação com a Educação Permanente em Saúde na Estratégia Saúde da Família (IAEPS-ESF).

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Revista Baiana de Saúde Pública

O IAEPS-ESF é constituído por duas partes. Na primeira, consta a identificação dos dados socioeconômicos e profissionais: idade, sexo, tempo de atuação em serviço, profissão, nível de escolaridade e renda. Enquanto, na segunda parte, há perguntas referentes à satisfação dos profissionais da ESF com a EPS, as quais são divididas em três dimensões, caracterizando os principais componentes da Educação Permanente: 1 – Educação Permanente; 2 – Organização do processo de trabalho; 3 – Educação Permanente e Qualificação das Equipes de Atenção à Saúde. As perguntas encontravam-se na forma de declarações afirmativas, respondidas com a escala de Likert, variando de 0 a 10, em que o número zero correspondeu ao menor nível de satisfação e 10, ao maior. Observa-se que o IAEPS-ESF é um instrumental validado10. O Quadro 1 caracteriza a segunda parte do instrumento de avaliação, onde são apresentadas as declarações afirmativas de cada uma das três subdimensões.

Quadro 1 – Questões abordadas no IAEPS-ESF. Tauá, Ceará, Brasil – 2021

Subdimensão 1 – Educação Permanente Educação Permanente baseada em necessidades

Uso do apoio matricial como estratégia de Educação Permanente Dispõe de estratégias que estimulam a troca de experiências

Gestão dos serviços de saúde garante às equipes de saúde momentos destinados a reuniões

A gestão dos serviços de saúde faz articulações de forma a propiciar que as unidades de saúde sejam espaços de formação e aprendizagem

Você se sente fazendo parte do processo de ensino aprendizagem

Subdimensão 2 – Organização do processo de trabalho

Equipe planeja suas ações com base no diagnóstico local

A equipe realiza reuniões periódicas

O serviço realiza monitoramento e avaliação das ações e resultados alcançados

As práticas de Educação Permanente são realizadas nas suas ações no ambiente de trabalho que não seja a educação continuada

Subdimensão 3 – Educação Permanente e Qualificação das equipes de Atenção à Saúde

Os profissionais do serviço têm qualificação complementar para o trabalho nas diversas áreas

A equipe participa de cursos de atualização e qualificação

As equipes utilizam dispositivos de educação e apoio matricial a distância para a qualificação do cuidado prestado aos usuários

Fonte: Pereira10

A análise referente à primeira parte do instrumento resultou na descrição do perfil dos profissionais da área de saúde da ESF, conforme as variáveis do instrumento. Os dados provenientes da segunda parte foram consolidados por intermédio do software online Formulários Google, obtendo o banco de dados do estudo em tabela Excel. Esse banco de dados foi analisado no software Statistical Package for Social Sciences (SPSS®) for Windows versão 22, conforme recomenda Pereira EAT (2019)10.

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A consolidação das respostas de cada instrumento foi realizada individualmente. Inicialmente foi realizada a soma das pontuações atribuídas em cada pergunta por subdimensão. A soma de cada uma das perguntas resultou na pontuação da subdimensão. O número de perguntas e pontuação de cada subdimensão, respectivamente: subdimensão 1 – Educação Permanente, seis perguntas, a pontuação mínima é zero e máxima, 60; subdimensão 2 –Organização do Processo de Trabalho, quatro perguntas, pontuação mínima é zero e máxima, 40; subdimensão 3 – Educação Permanente e Qualificação das Equipes de Atenção à Saúde, três perguntas, pontuação mínima é zero e máxima, 3010 Para subsidiar a análise dos resultados, adotaram-se como referência pontuações estabelecidas conforme o nível de satisfação. Para a subdimensão 1: muito insatisfatório, 0 a 11 pontos; insatisfatório, 12 a 23 pontos; regular, 24 a 35 pontos; satisfatório, 36 a 47 pontos; muito satisfatório, 48 a 60 pontos. Na subdimensão 2: muito insatisfatório, 0 a 8 pontos; insatisfatório, 9 a 16 pontos; regular, 17 a 24 pontos; satisfatório, 25 a 31 pontos; muito satisfatório, 32 a 40 pontos. Já na subdimensão 3: muito insatisfatório, 0 a 6 pontos; insatisfatório, 7 a 12 pontos; regular, 13 a 18 pontos; satisfatório, 19 a 24 pontos; muito satisfatório, 25 a 30 pontos.

Posteriormente à classificação atribuída em cada subdimensão, prosseguiu-se para a classificação geral da satisfação com a EPS. Foi atribuída uma nova pontuação para cada subdimensão de acordo com a classificação. Logo, foi realizada a soma das novas pontuações das três subdimensões obtidas e realizado o cálculo da média. A média identificada evidencia a nota geral da satisfação dos profissionais da ESF com a EPS. O valor da média classifica a satisfação com a EPS em: Muito Insatisfatória (1pt), Insatisfatória (2pts), Regular (3pts), Satisfatória (4pts) e Muito Satisfatória (5pts)10.

Foram respeitadas as recomendações da Resolução Nº 510/16 e 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética da Escola de Saúde Pública do Estado do Ceará (ESP-CE), obtendo aprovação sob o Número do Parecer: 4.077.406 e CAAE: 30803120.0.0000.5037. Todos os participantes foram esclarecidos acerca dos objetivos da pesquisa e possíveis riscos, tais quais estresse e ansiedade. Posteriormente assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram do estudo 27 (67,5%) técnicos de enfermagem e 13 (32,5%) enfermeiros. A maioria dos participantes, 39 (97,5%), é do sexo feminino. 22 (55%) participantes têm nível médio. Destes, há cinco técnicos de enfermagem com nível superior. Em relação à idade dos profissionais, a média foi de 31,5 anos (dp = 11,01), variando entre os valores mínimo

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e máximo: 18 e 56 anos, respectivamente. O tempo médio referente à atuação profissional no município foi de 59 meses (dp = 101,1), correspondendo a aproximadamente cinco anos, variando entre os valores mínimo e máximo, respectivamente, de seis meses e 30 anos.

Optou-se por incluir os profissionais com tempo mínimo de seis meses de serviço pelo município, em decorrência de um processo seletivo ocorrido no ano anterior à coleta de dados, pois houve mudanças no quadro dos profissionais da enfermagem.

Devido à pandemia de covid-19, houve afastamento de um número significativo de profissionais que faziam parte do grupo de risco da doença, assim como alguns profissionais da Atenção Primária à Saúde saíram do serviço para atuar no serviço hospitalar. Houve contratações no serviço, o que justificou a quantidade de profissionais excluídos no estudo, tendo em vista que não tinham, no mínimo, seis meses de atuação no local do estudo.

Acerca da caracterização dos participantes, os achados vão ao encontro da literatura, principalmente no que compete à força de trabalho feminina: a maioria dos profissionais que compõem a enfermagem é do sexo feminino 11,12 .

A Tabela 1 apresenta os resultados da avaliação dos participantes do estudo acerca da Educação Permanente em Saúde.

Tabela 1 – Escores obtidos segundo a avaliação da Educação Permanente em Saúde na ESF e suas subdimensões conforme profissionais da equipe de enfermagem. Tauá, Ceará, Brasil – 2021

Níveis de satisfação Classificação geral Subdimensões avaliadas

Fonte: Elaboração própria.

Observa-se, nessa tabela, que a Educação Permanente em Saúde na ESF foi classificada como satisfatória por 35% dos profissionais de enfermagem, como regular por 30% e insatisfatória por 17,5%. De acordo com a análise da média dos escores em cada subdimensão e suas respectivas escalas de avaliação, identificou-se que as subdimensões 1 e 2 foram avaliadas

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Educação Permanente Organização do Processo de Trabalho Educação Permanente e
equipes de Atenção à Saúde N % N % N % N % Muito Insatisfatório 1 2,5 1 2,5 0 0 0 0 Insatisfatório 7 17,5 7 17,5 2 5 9 22,5 Regular 12 30 7 17,5 10 25 12 30 Satisfatório 14 35 14 35 12 30 12 30 Muito Satisfatório 6 15 11 27,5 16 40 7 17,5 Média 11,15 37,3 28,42 17,2
Qualificação das

pelos participantes como satisfatória, com a média representando os escores 37,3 e 28,4, respectivamente, enquanto a subdimensão 3 foi avaliada como regular, com a média de 17,2.

A subdimensão 1 (Educação Permanente em Saúde) compreende a avaliação do apoio da gestão para a execução de requisitos mínimos necessários às práticas de educação permanente. Os resultados da avaliação dessa subdimensão demonstraram que a enfermagem considera satisfatório o apoio da gestão, com a média 37,3.

A gestão desempenha um papel relevante no âmbito da Educação Permanente. Pode-se dizer que é caracterizada como um dos propulsores. Logo, deve possibilitar o apoio de modo a facilitar o acesso dos profissionais às diversas formas de educação, sendo essencial como um recurso que promova transformação dos processos de trabalho, com o propósito de potencializar a rede de serviços do SUS13

Um estudo que avaliou o planejamento e desenvolvimento de ações de Educação Permanente em Saúde na perspectiva do Programa de Melhoria e Acesso da Qualidade –Atenção Básica (PMAQ-AB) aponta que o apoio institucional recebeu uma boa avaliação, uma vez que parte considerável das equipes relata que recebe apoio institucional permanente de uma equipe da Secretaria de Saúde14

Outro estudo desenvolvido no cenário hospitalar evidencia os pontos positivos da EPS, uma vez que a gestão da EPS não se desvincula da segurança do paciente e da qualidade assistencial, isto é, são interdependentes. Há um contexto que revela a preocupação com a melhoria da assistência ao paciente, pois existe a necessidade de desenvolver um trabalho que prime por um cuidado seguro e qualificado15

Cresce cada vez mais a necessidade do incentivo e apoio da gestão na EP dos profissionais, visto que os serviços estão estruturados em Redes de Atenção à Saúde (RAS). Entretanto, ainda há o predomínio da fragmentação dos serviços, repercutindo um baixo investimento na valorização e qualificação dos profissionais. Um fator que pode estar imbricado nessa problemática é a ausência da compreensão da importância da EPS e de suas práticas para a ocorrência de mudanças e transformações positivas no processo de trabalho.

Um estudo que investigou a percepção de gestores municipais da saúde acerca da EPS mostra a ausência de planejamento e propostas de educação destinadas aos trabalhadores, havendo apenas ações de caráter educativo isoladas e fragmentadas. Isso pode ser resultante do desconhecimento, por parte da gestão, da Política Nacional de Educação Permanente (PNEP), que recomenda um processo de aprendizagem ativo e problematizador, coerente com as necessidades que surgem no cotidiano. Diante disso, aponta-se a condução da EPS por intermédio dos Colegiados de Gestão Regional com a participação das Comissões de Integração Ensino-Serviço (CIES)16.

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As Comissões de Integração Ensino-Serviço são caracterizadas como esfera composta por gestores municipais e estaduais, trabalhadores da saúde e instituições de ensino e controle social. Esses pactuam e fomentam a EPS na região de saúde. Compete às CIES dispor do apoio e cooperação, junto com as Comissões Intergestores Regionais (CIR), no âmbito da educação em saúde17,18

Aponta-se a importância da inclusão e criação das CIES municipais, pois podem auxiliar a condução e a gestão da educação. Somado a isso, podem induzir mudanças, transformações e promover a articulação do trabalho no meio das esferas de gestão e instituições formadoras5.

A literatura aponta a importância da participação e incentivo das Escolas de Saúde Pública como estratégias para superar o desafio relacionado à problemática dessa ausência e/ou fragilidade de apoio da gestão para as ações da EPS, uma vez que as Escolas de Saúde Pública desempenham o papel de coindutoras da Política de Educação Permanente em Saúde no Brasil e a sua influência para mobilizar diferentes atores sociais19.

São muitos os desafios a serem superados em meio às problemáticas que emergem no que compete ao apoio institucional para as práticas da EPS. Tornam-se coerentes a identificação e a compreensão desses fatores que incidem sobre essa problemática, para que se possam propor estratégias que reflitam em melhorias.

Tendo em vista as estratégias de superação dos desafios para a efetivação da Política de Educação Permanente, cabe à gestão estudar quais se adequam à sua realidade e preocupar-se não apenas com o quantitativo de ações desenvolvidas, mas também com a qualidade, de tal modo que possam atender as expectativas dos profissionais.

A subdimensão 2 (Organização dos Processos de Trabalho) engloba a execução de requisitos mínimos inerentes à organização do processo de trabalho da equipe de ESF que viabilizem a realização de práticas de educação permanente. Essa subdimensão foi considerada satisfatória, e a média obtida foi de 28,4.

O processo de trabalho deve ser um viabilizador das ações de Educação Permanente, as reuniões de equipe são espaços que propiciam o compartilhamento de conhecimentos e experiências20. A periodicidade das reuniões foi um dos quesitos avaliados dentro dessa subdimensão.

No cotidiano, as reuniões podem ser consideradas espaços privilegiados para condução, orientação e discussão dos processos de trabalho, assim como uma estratégia de aproximação dos profissionais que compõem o serviço, levando à integralização de práticas e ao conhecimento entre as diversas categorias profissionais que compõem a equipe.

Um dos quesitos avaliados nessa subdimensão diz respeito ao planejamento das ações com base no diagnóstico situacional. As ações de EPS devem atender às necessidades

112

emanadas dentro do território de atuação, de modo a refletir no aumento da resolutividade das ações ofertadas no serviço de Atenção Primária à Saúde21.

Esse diagnóstico situacional advém do processo de territorialização. Conforme a Política Nacional de Atenção Básica, é uma atribuição comum a todos os profissionais a participação na territorialização. Logo, todos devem estar inclusos nas práticas desse processo, que torna possível o conhecimento dos problemas do território. Tem sido cada vez mais perceptível a participação da enfermagem, instigando-a a refletir sobre os processos de trabalho como meios que atendam as demandas do território.

Observam-se avanços, pois há um incremento junto aos papéis clínico-assistencial e técnico-pedagógico das equipes de apoio, uma vez que a política de atenção básica vigente contempla o papel das equipes, trazendo uma nova configuração de um programa de EPS implantado. Logo, vislumbram-se espaços de EPS no cotidiano da Atenção Primária, fazendo-se como uma referência na condução dos processos de trabalho das equipes e fortalecimento do papel colaborativo da enfermagem no cenário atual político-ideológico da APS e EPS22

Um fator que pode ter contribuído para a avaliação dessa subdimensão é a maior autonomia dos enfermeiros no âmbito da organização dos processos de trabalho, proporcionando o desenvolvimento de estratégias de EPS destinadas à sua categoria profissional23.

Infere-se que a transcendência das dimensões de atuação da enfermagem para além do campo assistencial tem contribuído para uma maior autonomia e participação da categoria em meio ao processo de trabalho. E, assim, corroborando as estratégias de EP.

A subdimensão 3 (Educação Permanente em Saúde e Qualificação das Equipes de Atenção em Saúde), a qual contempla o perfil e a qualificação da equipe de ESF para realização de práticas de Educação Permanente, foi a que se apresentou regular, com a média obtida de 17,2.

A formação complementar dos profissionais, que os qualifique para o trabalho nas diversas áreas, ponto compreendido nessa subdimensão, foi abordada em um estudo realizado com 62 enfermeiros no interior do estado do Ceará. Esse estudo objetivou analisar o conhecimento, as práticas e atitudes sobre a constatação de câncer de mama por profissionais enfermeiros da atenção primária à saúde. Os resultados apontam lacunas no conhecimento e prática de enfermagem na detecção precoce e rastreio do câncer de mama. Logo, emerge a necessidade de investimento no processo de EPS para qualificar a assistência24.

A EP está presente nos serviços de saúde, sendo compreendida como o processo pelo qual as equipes esperam o aperfeiçoamento, melhor organização e qualificação das ações25. As práticas de EP devem transcender a capacitação técnica, pois se configura como um compromisso pessoal que busca alcançar mudanças de atitudes advindas de vivências,

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por meio da relação com os outros, com o meio, com o trabalho, a fim de proporcionar uma transformação pessoal e social. Em meio a esse processo da aprendizagem, o sujeito deve se colocar em uma posição ativa para realizar proposições e reordenar as práticas9

No entanto, há uma compreensão equivocada de educação permanente como sinônimo de educação continuada. Essa confusão configura um fator que prejudica as práticas de EPS, desvinculando-as de metodologias ativas que objetivem um processo de ensino e aprendizagem ativo e interfere nos resultados esperados das ações de EPS6.

Na literatura, há um estudo em que há uma abordagem da compreensão de EPS como similar à Educação Continuada. Identificaram-se como iniciativas de EPS dentro dos serviços: desenvolvimento de recursos tecnológicos; aproximação ensino-serviços; instituição de espaços coletivos de aprendizagem problematizadora no cotidiano do trabalho. Entretanto, prevalece a desvalorização das iniciativas de EPS, gerando a sua não efetivação na EPS. Mediante esse panorama, é necessária a legitimação da EPS na perspectiva de movimento e política educativa na APS5.

É perceptível a importância da Educação Permanente em Saúde na qualificação profissional, não somente na Atenção Primária à Saúde, mas em todos os cenários, uma vez que é capaz de refletir no aumento da qualidade da assistência ofertada. Por isso, recomenda-se que a EPS seja desenvolvida a partir de uma metodologia problematizadora, considerando vivências significativas dos cotidianos dos profissionais, de modo a resultar na transformação de práticas de saúde, caracterizadas pela integralidade, o trabalho em equipe, cidadania e autonomia dos envolvidos5

Vale ressaltar que as práticas de EPS devem ser embasadas nos problemas da equipe e propiciar um ensino-aprendizagem problematizador. Os indivíduos envolvidos no processo devem desempenhar uma postura ativa. Devem-se levar em consideração as transformações tecnológicas, que geram novas necessidades e meios de disseminação de conhecimentos e experiências. Nesse cenário, há a defesa do uso de mídias digitais como estratégias para qualificação profissional, justificando a apropriação geral delas pela população como parte do cotidiano comunicacional. Portanto, tornam-se meios para gerar visibilidade, incentivo e otimização de dinâmicas de integração ensino-serviço-comunidade26

Compreende-se que a EPS, como uma ferramenta de caráter organizacional com foco para o desenvolvimento de competências, deve envolver um planejamento compartilhado, de modo a guiar a prática profissional. Preconiza-se uma aprendizagem significativa que possibilite o desenvolvimento de uma postura crítica e reflexiva para problematização do processo de trabalho. Assim, resultando em práticas profissionais individuais e coletivas convergentes com os princípios e diretrizes do SUS25.

114

Os Gráficos 1 e 2 apresentam, respectivamente, a avaliação individual da categoria de enfermeiros (as) e dos técnicos (as) de enfermagem.

Gráfico 1 – Satisfação dos enfermeiros (as) com EPS. Tauá, Ceará, Brasil – 2021

Muito insatisfeito insatisfeito

Regular

Satisfeito

Dimensão 1 (Educação Permanente em Saúde)

Dimensão 2 (Organização do processo de trabalho)

Dimensão 3 (Educação Permanente e qualificação das equipes de atenção em saúde)

Educação Permanente em Saúde Geral

Muito safisfeito

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 2 – Satisfação dos técnicos de enfermagem com a EPS. Tauá, Ceará, Brasil – 2021

Muito insatisfeito insatisfeito

Regular

Satisfeito

Dimensão 1 (Educação Permanente em Saúde)

Dimensão 2 (Organização do processo de trabalho)

Fonte: Elaboração própria.

Dimensão 3 (Educação Permanente e qualificação das equipes de atenção em saúde)

Educação Permanente em Saúde Geral

Muito safisfeito

Saúde Pública 115 v. 46, n. 2, p. 104-121 abr./jun. 2022
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0 1 2 3 4 5 6 7
0 2 4 6 8 10 12 14 16

A avaliação de 38,6% dos (as) enfermeiros (as) (cinco, no total) considerou a Educação Permanente como regular. Em relação à melhor subdimensão avaliada, sobressaiu-se a relacionada à organização e ao processo de trabalho, considerada como satisfatória por seis enfermeiros(as) (46,1%). Já na categoria dos técnicos de enfermagem, 40,7% (11, no total) consideraram a Educação Permanente como satisfatória, e 51,9% (14) consideraram a subdimensão 2 como muito satisfatória, a melhor avaliada. Fato que evidencia a satisfação com as ações que são desenvolvidas, demonstrando a percepção de ambos no que compete às ações relacionadas ao processo de trabalho.

Conforme avaliação dos enfermeiros (as), a subdimensão 1, em relação às demais, foi a que apresentou um maior nível de insatisfação, sendo 1 (7,7%) muito insatisfeito e 4 (30,8%) insatisfeitos. Já os técnicos de enfermagem demonstraram uma avaliação satisfatória das subdimensões 1 e 3, sendo, respectivamente, 10 (37%) e 10 (37%).

A enfermagem tem grande relevância nas ações desenvolvidas na APS. A Educação Permanente pode gerar contribuições significativas na qualificação desses profissionais.

Na literatura, é possível encontrar resultados satisfatórios das práticas de EPS aplicadas junto aos profissionais de enfermagem. Estudo realizado com 283 profissionais de enfermagem no cenário hospitalar evidencia resultados satisfatórios acerca da aplicação de práticas de Educação Permanente em Saúde. Nesse estudo, um quantitativo relevante dos participantes (90,81%) apontaram melhorias em suas práticas assistenciais, posteriormente à participação em atividades promovidas pela Comissão de Educação Permanente. Isso mostra consequentemente o potencial da educação permanente para proporcionar transformações e fortalecimento da enfermagem e um apoio para implementação de políticas institucionais27.

Resultados de um estudo realizado em um município do interior do estado do Piauí revelam que os enfermeiros têm mostrado interesse por capacitações ofertadas por órgãos competentes porque desenvolvem uma aprendizagem significativa. Desse modo, torna-se viável a mudança nas práticas profissionais por intermédio de uma contínua interação com a comunidade28

Em contrapartida, há um estudo que mostra nos resultados alguns aspectos relevantes no que tange à participação da equipe de enfermagem nas ações de Educação Permanente. Identificou-se que, em momentos oportunos realizados no ambiente hospitalar sobre erros na administração de medicamentos, houve a baixa participação dos profissionais de enfermagem. Diante disso, sugeriram um maior controle da participação da equipe e maior envolvimento por parte dos enfermeiros29.

116

Outro estudo realizado com enfermeiros expõe que apenas um dos enfermeiros entrevistados citou a EPS, evidenciando o baixo nível de conhecimento e interesse por momentos de aperfeiçoamento dos profissionais que compõem a equipe. Logo, configura-se como uma problemática, uma vez que, para a existência de uma prática profissional de excelência, necessita-se da aquisição de competências30

Depreende-se, dos resultados obtidos, que conhecer a satisfação dos profissionais e identificar fragilidades nesse processo é necessário. Ressalta-se que é um processo dinâmico e demanda constante avaliação, para que as práticas estejam oportunamente moldadas às demandas e necessidades que incidem nos meios de trabalho.

Novamente, enfatiza-se a necessidade de planejar momentos que se adequem às demandas profissionais e despertem o interesse da participação nos momentos propostos. É importante enfatizar que muitos avanços já ocorreram no âmbito da Educação Permanente, entretanto, ainda se apresenta em processo de construção e tem fragilidades na programação de suas ações. Nessa perspectiva, é preciso planejamento de ações de incentivo à qualificação profissional em serviços em meio a EP para a promoção de competências e habilidades na Atenção Básica14

Julgam-se como aspectos que podem fomentar a implementação da PNEPS: a construção coletiva das ações de EPS e a construção de documento que direcione as ações no município e instrumentos de avaliação. Ressalta-se que, embora a PNEPS seja única, esses aspectos devem ser adequados às características de cada localidade e incorporem uma identidade própria de cada região22.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A avaliação geral da equipe de enfermagem com a EPS mostrou-se satisfatória. Especificamente, a satisfação relacionada a cada subdimensão, individualmente, demonstrou que os enfermeiros estão satisfeitos em relação à organização do processo de trabalho, subdimensão 2, e os técnicos de enfermagem mostraram-se muito satisfeitos. O apoio da gestão, subdimensão 1, apresentou o menor nível de satisfação na percepção dos enfermeiros. Já entre os técnicos de enfermagem, as subdimensões 1 e 3 mostraram-se satisfatórias.

Depreende-se disso uma relação de comprometimento da enfermagem com os aspectos que se relacionam ao processo e organização do trabalho e, ainda, as relações de trabalho podem estar culminando em relações de horizontalidade, isto é, todos os profissionais, independentemente do nível de formação, têm igualdade de voz ativa e participação em meio ao processo de trabalho.

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Os resultados deste estudo podem contribuir para melhorias e fortalecimento da EPS direcionada à equipe de enfermagem atuante na Estratégia Saúde da Família no município, de modo que ocorra maior enfoque para o apoio da gestão e inclusão dos técnicos de enfermagem nas atividades de qualificação, e que esse processo ocorra por intermédio de uma aprendizagem significativa e problematizadora. Espera-se que os achados deste estudo contribuam para o aumento da resolutividade da Atenção Primária à Saúde e proporcionem crescimento na qualificação da enfermagem. Cita-se como limitação do estudo a sua realização em meio à pandemia, o que resultou em uma amostra pequena.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Thaynara Venancio Bezerra e Itala Keane Rodrigues Dias.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Thaynara Venancio Bezerra e Itala Keane Rodrigues Dias.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Thaynara Venancio Bezerra e Itala Keane Rodrigues Dias.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Thaynara Venancio Bezerra e Itala Keane Rodrigues Dias.

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Recebido: 5.4.2022. Aprovado: 5.10.2022. Publicado: 12.1.2023.

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DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.n2.a3634

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

IMPACTOS PSICOLÓGICOS DA MASTECTOMIA: UMA ANÁLISE

NA ASSOCIAÇÃO DE APOIO À PESSOA COM CÂNCER

Irlândia Oliveira Almeidaa

https://orcid.org/0000-0001-6426-5532

Mariana Rios Ribeirob

https://orcid.org/0000-0001-9907-2175

Marcus Vinicius Dantas dos Santosc

https://orcid.org/0000-0002-4314-4026

Caroline Almeida de Azevedod

https://orcid.org/0000-0002-6021-2588

Resumo

O câncer de mama tem maior incidência em mulheres no Brasil. A mastectomia é uma das possibilidades de tratamento, porém com repercussões na saúde física e psíquica da mulher. Foi objetivo desta pesquisa descrever os principais impactos da mastectomia em mulheres acolhidas na Associação de Apoio à Pessoa com Câncer (AAPC) na Bahia. Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo, realizado com dez mulheres entre 32 e 63 anos, mastectomizadas e que frequentavam a associação. Foi realizada entrevista semisestruturada individual, e os dados foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo de Bardin. Após análise, foram extraídas três categorias: (1) sentimentos diante do diagnóstico e tratamento da neoplasia; (2) luto simbólico e impactos na autoestima das mulheres mastectomizadas; e (3) estratégias de enfrentamento diante da mastectomia. Os sentimentos identificados foram tristeza, medo, desespero, aceitação, fé e esperança. Houve vivência do luto simbólico e impacto na autoestima devido à mastectomia e perda de cabelo. Já as estratégias de enfrentamento do adoecimento foram o fortalecimento de redes de apoio, a espiritualidade, a significação do processo via trabalho voluntário e o apoio

a Psicóloga. Pós-graduada em Psicologia Hospitalar, Psico-oncologia e Saúde Mental. Bacharela em Psicologia. Feira de Santana, Bahia, Brasil. E-mail: irlandia.almeida@hotmail.com

b Psicóloga. Bacharela em Psicologia. Feira de Santana, Bahia, Brasil. E-mail: psimarianarios2017@gmail.com

c Psicólogo. Bacharel em Psicologia. Feira de Santana, Bahia, Brasil. E-mail: marcodantas@live.com

d Psicóloga. Mestra em Saúde Coletiva. Docente na Faculdade Anísio Teixeira. Feira de Santana, Bahia, Brasil.

E-mail: carolineaazevedo@hotmail.com

Endereço para correspondência: Faculdade Anísio Teixeira. Rua Gov. Juraci Magalhães, n. 222, Ponto Central. Feira de Santana, Bahia, Brasil. CEP: 44032-620. E-mail: fat@fat.edu.br

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da equipe de saúde. Conclui-se que são muitos os impactos psicológicos do adoecimento e do tratamento, sendo o acompanhamento psicológico um cuidado potencial. Palavras-chave: Câncer de mama. Mastectomia. Psicologia.

PSYCHOLOGICAL IMPACTS OF MASTECTOMY: AN ANALYSIS

IN THE CANCER SUPPORT ASSOCIATION

Abstract

Breast cancer has the highest incidence in women in Brazil. Mastectomy is one of the treatment possibilities but with repercussions on the physical and psychological health of the woman. This research aimed to describe the main impacts of mastectomy in women welcomed at the Cancer Support Association (AAPC) in Bahia. This is a qualitative, descriptive study carried out with ten women between 32 and 63 years old, who underwent mastectomy and who attended the association. An individual semi-structured interview was carried out, and the data were analyzed by using Bardin’s content analysis technique. After analysis, three categories were extracted:

(2) symbolic mourning and impacts on mastectomy women’s self-esteem; and

(1) feelings about the diagnosis and treatment of the neoplasm;

(3) coping strategies in face of mastectomy. The feelings identified were sadness, fear, despair, acceptance, faith, and hope. Symbolic mourning and impact on self-esteem due to mastectomy and hair loss were experienced. The strategies for coping with illness were the strengthening of support networks, spirituality, giving meaning to the process with volunteer work and the support from the health team. In conclusion, the psychological impacts of illness and treatment are many, and psychological support is a potential care.

Keywords: Breast cancer. Mastectomy. Psychology.

IMPACTOS PSICOLÓGICOS DE LA MASTECTOMÍA: UN ANÁLISIS EN LA ASOCIACIÓN DE APOYO A LAS PERSONAS CON CÁNCER

Resumen

El cáncer de mama tiene mayor incidencia en mujeres en Brasil. La mastectomía es una de las posibilidades de tratamiento, pero con repercusiones en la salud física y psíquica de la mujer. El objetivo de esta investigación fue describir los principales impactos de la mastectomía en mujeres acogidas en la Associação de Apoio à Pessoa com Câncer (AAPC) en Bahia. Se trata de un estudio

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cualitativo, descriptivo, realizado con diez mujeres entre 32 y 63 años, operadas de mastectomía y que asistían a la asociación. Se realizó una entrevista individual semiestructurada y se analizaron los datos mediante la técnica de análisis de contenido de Bardin. Después del análisis, se extrajeron tres categorías: (1) sentimientos sobre el diagnóstico y tratamiento de la neoplasia; (2) duelo simbólico e impactos en la autoestima de mujeres mastectomizadas; y estrategias de afrontamiento ante la mastectomía. Los sentimientos identificados fueron tristeza, miedo, desesperación, aceptación, fe y esperanza. Hubo vivencia de duelo simbólico e impacto en la autoestima por mastectomía y caída del cabello. A su vez, las estrategias de enfrentamiento de la enfermedad fueron el fortalecimiento de las redes de apoyo, la espiritualidad, el sentido del proceso a través del trabajo voluntario y el apoyo del equipo de salud. Se concluye que hay muchos impactos psicológicos de la enfermedad y el tratamiento, siendo el apoyo psicológico un cuidado potencial.

Palabras clave: Cáncer de mama. Mastectomía. Psicología.

INTRODUÇÃO

O câncer de mama apresenta a maior taxa de incidência e prevalência dentre as neoplasias que acometem mulheres, sendo responsável por altos índices de mortalidade. Estimou-se para 2020 cerca de 66.280 novos casos, sendo que em 2018 foram registrados

17.572 óbitos no país. Esses valores estão diretamente vinculados às alterações nos padrões demográficos, como o desenvolvimento econômico e o envelhecimento da população1

Diante do quadro clínico de cada paciente, o diagnóstico do câncer de mama pode sequenciar na indicação terapêutica da mastectomia, técnica cirúrgica que corresponde à retirada parcial ou total da glândula mamária e anexos, visando controlar a multiplicação desordenada das células cancerígenas na região afetada2. Subjetivamente, os seus resultados podem gerar fortes impactos, como vergonha, baixa autoestima e sentimento de inferioridade2,3, uma vez que para as mulheres a mama é uma região corpórea símbolo de feminilidade e de grande relevância social na representação estética.

Cabe destacar que o diagnóstico de uma patologia severa induz ao estigma de morte e ao surgimento de sensações que impulsionam a mulher a vivenciar lutos simbólicos ao longo de todo o processo. Para tal, a atuação do(a) profissional de psicologia com base na psico-oncologia contribui diretamente no manejo emocional da paciente, desde a absorção do diagnóstico até a reabilitação4,5. Dessa forma, torna-se essencial a atuação desse(a) profissional na significação dos sintomas emocionais e físicos para a reabilitação oncológica6,7

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Considerando os elevados índices dessa neoplasia no público feminino, este estudo é relevante para a sociedade, visto que revela os impactos psicológicos por meio dos relatos de mulheres que tiveram o diagnóstico de câncer de mama sobre como enfrentaram a mutilação advinda da mastectomia. Sendo assim, a pesquisa teve como objetivo descrever os principais impactos da mastectomia no psiquismo de mulheres cuidadas pela Associação de Apoio à Pessoa com Câncer (AAPC), em Feira de Santana (BA).

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de cunho descritivo, realizada entre junho e agosto de 2021 com dez mulheres que passaram pelo processo de mastectomia e frequentavam a AAPC, uma instituição civil e sem fins lucrativos, referência no acolhimento de pessoas com diagnóstico e tratamento oncológico advindas de municípios da Bahia.

A coleta de dados ocorreu a partir de entrevista aplicada individualmente na modalidade remota via Google Meet, em virtude da pandemia de covid-19, com duração média de 45 minutos por participante. A entrevista semiestruturada dividiu-se em dois blocos, sendo que no primeiro foram abordadas características das participantes, como idade, raça/cor, escolaridade, situação profissional, identidade de gênero, estado civil e cidade de origem. No segundo, foram tratadas questões quanto à neoplasia, desde a sua descoberta até a realização da mastectomia, a existência de histórico familiar de câncer, os tratamentos aos quais foram submetidas, os principais desafios físicos, psicológicos e emocionais, bem como a existência de rede de apoio e suas estratégias de enfrentamento.

Durante a coleta de dados houve desafios relativos ao cenário pandêmico de covid-19, que culminou na realização das entrevistas de maneira remota, sendo que algumas participantes apresentaram dificuldade com o uso da plataforma de videochamada e oscilação da internet, interferindo na fluidez de suas falas.

Os dados do primeiro bloco da entrevista foram organizados no programa Microsoft Office Excel e os do segundo bloco transcritos no programa Microsoft Office Word. A análise quantitativa se deu a partir de estatística descritiva; já a qualitativa partiu da técnica de análise de conteúdo defendida por Bardin, que possibilita descrever o conteúdo apresentado de forma objetiva e sistematizada, buscando discorrer sobre o que as mensagens desejam transmitir ao pesquisador8. Essa técnica é fracionada em três fases: (1) a pré-análise, para leitura e organização do material; (2) a análise exploratória e seleção dos materiais; e (3) a dedução e interpretação dos dados, para codificação da tipologia do estudo e análise textual reflexiva e crítica8

Para preservação de suas identidades, as mulheres foram codificadas em P, referindo à condição de participante, somado ao número da ordem em que suas entrevistas

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foram realizadas. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade Anísio Teixeira (nº do parecer: 4.697.102), tendo seguido os parâmetros éticos para pesquisas com seres humanos.

RESULTADOS

Foram consultadas dez mulheres mastectomizadas que frequentavam a AAPC. Destas, oito são residentes de Feira de Santana, uma de Tucano e outra Água Fria, todos municípios da Bahia. A Tabela 1 caracteriza as participantes deste estudo.

Tabela 1 – Características das participantes. Feira de Santana, Bahia, Brasil – 2021

A população deste estudo é formada por mulheres com idades entre 32 e 63 anos, sendo a faixa mais prevalente de 51 a 63 anos (60%). A maioria delas é mulher cisgênero (80%), solteira (40%), 50% declararam-se pardas, predominando o nível fundamental (40%) como escolaridade e o trabalho ativo no momento da pesquisa (40%). Das participantes, 70% citaram histórico familiar de câncer, principalmente de estômago, próstata, mama e leucemia. Com relação ao uso de algum tipo de medicamento psiquiátrico, a maioria (60%) apontou nunca ter feito, três relataram uso de ansiolítico e uma de antidepressivo previamente ao diagnóstico de câncer de mama.

Os resultados decorrentes das entrevistas foram agrupados em três categorias:

(1) sentimentos despertados diante do diagnóstico da neoplasia; (2) os impactos na autoestima das mulheres mastectomizadas e o luto simbólico; e (3) as estratégias de enfrentamento diante da mastectomia.

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Características n % Características n % Faixa etária 10 100 Situação profissional 10 100 32 a 40 anos 1 10 Empregada 4 40 41 a 50 anos 3 30 Desempregada 3 30 61 a 63 anos 6 60 Aposentada 2 20 Raça/cor 10 100 Afastada com auxílio-doença 1 10 Parda 5 50 Estado civil 10 100 Branca 3 30 Solteira 4 40 Preta 2 20 Casada 3 30 Escolaridade 10 100 Viúva 2 20 Ensino fundamental incompleto 4 40 Divorciada 1 10 Ensino médio completo 3 30 Uso de medicamentos psiquiátricos 10 100 Ensino superior incompleto 1 10 Nunca 6 60 Ensino superior completo 2 20 Em uso atualmente 3 30 Já utilizou anteriormente 1 10 Fonte: Elaboração própria.

Na primeira categoria, os sentimentos diante do diagnóstico de câncer são variados e vão desde o desespero até o esforço pela superação. Foram observados sentimentos de resistência, desespero, medo, susto, incerteza, fé, aceitação, resiliência e esperança.

“A médica falou que eu estava com câncer de mama maligno, né. As minhas vistas escureceram na hora, mas o meu sentimento era só lutar contra o câncer. Eu vivo numa cadeira de rodas, mas a tristeza eu não conheço.” (P1).

“Tive sentimento de desespero. Fiquei sem chão, sem saber o que fazer, pois eu nunca vivi isso, nem vi amigas vivendo. Me senti perdida.” (P2).

“Tive sentimento de desespero e medo de não ver minha filha crescer.” (P3).

“É assustador você se deparar com uma doença que não tem 100% de cura. Você se torna pequena, cheia de dúvidas e incertezas.” (P6).

“Tive fé e esperança. É porque assim, se você sabe que tem um problema desse. Eu pensei assim: ‘o câncer não vai ser a morte’.” (P7).

“Não tive sentimentos nenhum de tristeza, continuei trabalhando. Não pedi licença médica, não me senti doente.” (P8).

Ao serem questionadas acerca dos sentimentos experienciados em decorrência do processo de mastectomia, foi possível identificar o luto vivenciado diante da retirada da mama e seus impactos na autoestima, inaugurando a segunda categoria:

“O médico me falou que tinha que retirar a mama toda. Foi desesperador. É difícil, chorei um pouco, mas eu disse: ‘se é pra tirar, vamos tirar’ […]. Quando fiz a cirurgia ele pediu para eu não olhar a mama durante uma semana para eu ir me acostumando.” (P5).

“Perda do prazer como mulher nos seios.” (P6).

“Eu estou com dificuldade de me olhar no espelho pelada. No início eu pedia a minha sobrinha para olhar o curativo, aí eu não olhava. Eu tomava banho e não via, me enxugava sem olhar. Minha sobrinha que olhava, para saber se estava cicatrizando. Quando chegar meu tempo eu me olho aos poucos.” (P9).

Constata-se que a retirada das mamas foi um processo difícil para a maioria das participantes, em virtude de ser uma região do corpo associada à estética e à identidade feminina, ao ponto de P9 não conseguir se olhar no espelho, como referido em sua fala. Também observa-se nos relatos o processo de luto simbólico vivenciado por essas mulheres diante da dificuldade em aceitarem seus novos corpos.

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Quanto à perda do cabelo, trata-se de um evento que provoca muito sofrimento, desembocando também em um processo de luto para quem atribuía a esse elemento significado e validade da identidade, como visto nos relatos:

“Em 2017 eu não tinha um fio de cabelo. Quando ele começou a crescer melhorou muito minha autoestima.” (P3).

“Esteticamente foi difícil, mas o mais difícil foi lidar com a quimio e rádio, e quando meu cabelo começou a cair.” (P4).

Quando questionadas sobre a mudança na vida social e sexual após o processo de mastectomia, as participantes relataram alguns impactos:

“As pessoas percebiam um seio maior que o outro e então comentavam.” (P4).

“No início, quando eu ia assim para rua, quando não podia usar ainda a prótese do sutiã, as pessoas olhavam. A gente percebia que olham e falavam ‘a mulher tá sem peito’. Eu nunca liguei para isso não.” (P7).

Foi possível perceber que no processo de mastectomia a mulher passa por várias implicações. Uma delas é a aceitação, não só de si, mas também do olhar de familiares e amigos diante da falta da mama. Isso confere realidade à terceira categoria, relativa aos modos de enfrentamento utilizados, incluindo o apoio da rede afetiva, como descrito nos relatos a seguir:

“Minha sobrinha, que começou a fazer psicologia, ela falou com minha irmã sobre mim. Meu sobrinho fica me perguntando como eu estou. Tive uma rede de amigos. Mas eu estava meio assim de dar trabalho. Eu ligava para uma amiga, depois para outra, para não sobrecarregar uma pessoa só.” (P2).

“A família e os amigos foram muito importantes. Tem pessoas que não têm apoio do companheiro. A maioria dos homens, quando a mulher está doente ou grávida, não sabe como lidar com a situação. Então que os homens sejam mais sensíveis, observem, ajudem, porque nós mulheres temos uma carga emocional duplicada. Por isso adoecemos e morremos mais. Assim, acho importante a gente não receber esse olhar de piedade por parte do esposo e nem dos filhos e encarar de boa.” (P4).

“As pessoas me deram muitas palavras de conforto, principalmente minhas clientes de unha, sempre me ajudando e apoiando.” (P5).

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“Foi incrível, muito incrível [referindo-se ao apoio recebido]. Você nem imagina.

A família toda me apoiou. Ainda descobri um novo amor. Por ser viúva estava sozinha, mas lá no hospital eu conheci alguém muito interessante.” (P6).

“Eu tenho um companheiro que é muito bom, paciente e amigo comigo.” (P7).

“Recebi o apoio de muitas pessoas. Eu digo assim por estarem em casa 24 horas comigo. Eu tive muito apoio, graças a Deus.” (P9).

Dessa forma, o apoio de familiares e amigos é essencial para as mulheres enfrentarem o câncer e a mastectomia, pois, mesmo diante de uma situação que causa fragilidade e sensação de incapacidade, o suporte daqueles mais próximos ajudam-nas a experienciar o momento com mais leveza e fortalecimento.

Algumas participantes referiram a AAPC e a Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon) como redes de apoio, conforme descrito abaixo:

“A minha mãe me levava para a Unacon para eu fazer meu tratamento, tomei como rede de apoio. E desde a primeira vez que eu pisei os pés na AAPC senti que ela estava como a luz de Deus, é pra clarear os meus caminhos e a minha vida.” (P1).

“Ali na AAPC e na Unacon a gente encontra apoio uma das outras. A gente conversa, a gente desabafa.” (P10).

Outra estratégia mencionada para o enfrentamento foi o trabalho voluntário para o fortalecimento de pessoas que também foram acometidas pelo câncer de mama:

“Eu falo por meio de palestras em igrejas e escolas para chamar a atenção sobre o cuidado com a doença. Porque mesmo que o Ministério da Saúde fale sobre a importância do autoexame, em mim ele não funcionou. Precisa de outras coisas.” (P4).

“Procuro ajudar o próximo, inclusive no projeto de entrega de prótese mamária para as mulheres em processo de mastectomia.” (P6).

A P6 citou compreender o impacto emocional da retirada do seio. Relatou, ainda, que encontrou no serviço de distribuição de próteses o aumento não só da confiança das mulheres contempladas, como também da sua. Isso a ajudou a passar pelo processo de forma positiva e esperançosa.

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Algumas mulheres também encontraram na espiritualidade o suporte necessário para o enfrentamento da doença e o tratamento:

“A minha fé foi a rocha que eu tive, isso é certo. Porque, assim, se eu não tivesse a fé que eu tive e tenho em Deus hoje eu não estava aqui.” (P1).

“Palavras de conforto, de oração, muita oração mesmo, foram importantes para mim.” (P3).

“Busquei ouvir música e lia muito a bíblia. Eu estava sempre conversando com minhas vizinhas para o tempo passar também.” (P7).

“Fui buscar os médicos para tratar dos meios que a medicina propõe […] e busquei o apoio espiritual também.” (P8).

O acolhimento e a orientação de profissionais de saúde também se mostraram fatores protetivos para o enfrentamento adequado do adoecimento. Entretanto, o apoio psicológico só foi mencionado por uma participante.

“Psicólogo, remédio e minha filha, pois ela me dava força para continuar o tratamento e para continuar cuidando dela.” (P3).

“Fui tentando levar da melhor forma o tratamento sem informações extras e eu digo que deu certo. Fui buscando na rede apoio médico, mesmo.” (P10).

Em suma, foram mencionados como suportes de enfrentamento à doença e à mastectomia a presença ativa da rede de apoio, incluindo família, amigos, parceiro amoroso e usuárias da AAPC; a espiritualidade; o trabalho voluntário; e o acompanhamento médico e psicológico.

DISCUSSÃO

Os dados de perfil das participantes refletem aqueles apontados pelo Ministério da Saúde, o qual cita que o câncer de mama é prevalente em mulheres com idade acima de 40 anos1.

A maioria das participantes relatou histórico familiar de câncer. Apesar da hereditariedade ser um fator de risco para o desenvolvimento do câncer e ter uma importante função oncogênica9, essa é uma doença multicausal, tendo outros fatores que impactam o seu desenvolvimento.

Quanto à saúde mental e ao uso de medicamentos psiquiátricos, os quadros de ansiedade e depressão têm sido frequentes naquelas que descobrem o diagnóstico de câncer, em decorrência das mudanças físicas e emocionais que a doença pode causar10. Em virtude

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dos achados da pesquisa, a literatura aponta que sintomatologia de ansiedade e de depressão são prevalentes em pacientes com câncer de mama, respectivamente, em 31,33% e 26,18%10. Aponta-se, além disso, que tais transtornos psiquiátricos podem influenciar a qualidade de vida daquelas que descobriram o câncer, assim como impactar a adesão ao tratamento10

A literatura ainda refere que os sintomas de ansiedade são mais recorrentes na descoberta da doença pelo medo do desconhecido, dos estigmas relacionados ao processo de tratamento e da ideia de que o câncer está associado à morte11. A manifestação da ansiedade associa-se à falta de entendimento sobre o curso da doença e seu tratamento. No momento que se entende como se dará o processo, ocorre a redução da ansiedade pela compreensão do tratamento11. Já as manifestações depressivas ocorrem mais no curso da patologia por meio de tristeza, ideias psicóticas, isolamento e sintomas afetivos10

Quanto à primeira categoria de sentimentos evocados diante do adoecimento, o diagnóstico e os tratamentos podem desencadear reações que variam conforme a história de cada mulher e a fase do tratamento em que se encontra12. Em virtude da repercussão do diagnóstico e das ideias acerca do enfrentamento da doença, é comum que as mulheres apresentem sentimentos de desespero, tristeza, choro, angústia e que se sintam impotentes quanto ao cuidado de seus familiares13. Isso fica evidente nas falas das participantes.

A literatura corrobora as falas das entrevistadas diante do temor ao diagnóstico. Comumente as mulheres demonstram vulnerabilidade emocional, em virtude das incertezas trazidas pelo câncer de mama, visto que essa neoplasia pode resultar na necessidade da mutilação com a retirada da mama, provocando alterações na imagem feminina e trazendo também a associação constante com a morte13

No enfrentamento da doença, muitas mulheres apresentaram comportamentos de aceitação do diagnóstico, como evidenciado nas falas das entrevistadas. Isso se dá porque elas compreendem que transpor os sentimentos de tristeza e desespero as ajudam no processo de recuperação e na superação dos obstáculos do tratamento13. Quanto aos sentimentos na vivência específica da mastectomia, podem surgir o desespero, o pensamento negativo, a compreensão da necessidade de retirar a mama e a resiliência14, como visto nos relatos.

O processo de retirada das mamas pode ocasionar impactos físicos e emocionais na saúde da mulher, tendo em vista que essa remoção afeta sua autoimagem, pois o seio está associado à feminilidade. Diante da nova aparência, mulheres submetidas a esse tipo de tratamento passam por períodos de difícil aceitação, em decorrência da insatisfação com o “novo” corpo15,16. O pesar por não ter mais um membro considerado importante para a representação da feminilidade revela a importância das mamas na estética da mulher17.

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A perda capilar também é relevante para a autoestima, já que implica a necessária aceitação de uma nova imagem corporal18, sendo esse momento revelado como um dos mais difíceis no enfrentamento diante do processo de tratamento da doença, em que surgem o temor pelo desconhecido e o receio da mudança da autoimagem. O impacto na autoestima é evidenciado tanto pela dificuldade de entender o processo físico sofrido, como em ter que lidar com a visão dos outros sobre a sua nova imagem13

A terceira categoria sobre modos de enfrentamento começou associada à rede de apoio e ao potencial cuidado que pode ser ofertado, inclusive em relação à autoestima. Uma vez que a mama é associada a uma representação de feminilidade e sensualidade da mulher, sua retirada sem apoio de um ente próximo, como o cônjuge, pode ser um fator de risco à autoestima, refletindo na sua confiança19. A partir da demonstração de solidariedade e apreço por parte do seu companheiro, a mulher se sente encorajada a ter uma vida social mais ativa, com menor estresse emocional20.

A rede de apoio construída por familiares, amigos, vizinhos e grupos mostra-se importante recurso para o enfrentamento de obstáculos e limites impostos pelo diagnóstico, tratamento e readaptação à nova condição de vida12. A literatura sinaliza a contribuição da rede frente às alterações emocionais e físicas da paciente, favorecendo sua melhora e aceitação para um enfrentamento mais eficaz13

A família desponta como a principal rede de apoio para a mulher durante o diagnóstico e tratamento, oferecendo suporte psicossocial, organizando-se para manter um ambiente propício ao tratamento, favorecendo a proteção à mulher por meio de conforto físico e emocional e auxiliando na fase de tratamento21,22. As dificuldades impostas pelo câncer fazem com que as mulheres busquem apoio de distintas naturezas, incluindo de associações como a própria AAPC e a Unacon.

A crença em uma força superior, a fé e a religião são também referidas pelas participantes e citadas na literatura como estratégias facilitadoras no enfrentamento e reconstrução da mama23. As falas das participantes demonstraram como a vivência da espiritualidade as ajudaram no enfrentamento do diagnóstico da doença. A espiritualidade pode promover a sensação de esperança e fortalecimento diante da aceitação da mastectomia. Conforme Mattos et al.13, a religiosidade é uma grande fonte de apoio, sendo descrita como suporte e conforto, já que tem potencial de proporcionar serenidade.

Além disso, a equipe de saúde como potencial suporte deve estar preparada para a escuta e aconselhamento, principalmente voltado à perda da mama e às repercussões psicológicas14. O suporte psicológico tem papel fundamental no enfrentamento do diagnóstico,

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na ressignificação da autoestima e corporeidade, bem como na reflexão sobre a morte. Assim, seu objetivo central é minimizar a angústia, melhorando a qualidade de vida dessas mulheres24. As mulheres, durante o diagnóstico e tratamento, assumem estratégias de enfrentamento que podem ser mais ou menos adaptativas. São consideradas menos adaptativas a evitação, a negação, o enfrentamento passivo e os pensamentos ruminativos. São consideradas mais adaptativas a aceitação, a resolução de problemas e o enfrentamento com base na religião e ressignificação positiva25. Diante dos dados coletados com as entrevistadas, percebeu-se que as participantes assumiram estratégias mais positivas frente ao diagnóstico e tratamento, já que foram citados rede de apoio, espiritualidade, trabalho voluntário e acompanhamento médico e psicológico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, o objetivo estipulado foi contemplado, visto que foi possível identificar o perfil das participantes, os principais sentimentos e os impactos psicológicos vivenciados pelas mulheres que passaram pela mastectomia. Foram muitos os impactos percebidos diante do adoecimento de mulheres por câncer de mama e que passaram pela mastectomia como uma via de tratamento. As informações descritas neste estudo podem colaborar com protocolos de atendimento psicológico em perspectiva multidisciplinar. Para a área acadêmica, a pesquisa pode contribuir com futuros trabalhos, possibilitando o aprimoramento científico.

Diante do diagnóstico da doença e do processo da mastectomia, as participantes da pesquisa descreveram sentir desespero, medo, susto e incerteza. Em contraponto, houve mulheres que relataram aceitação da doença e apresentaram sentimentos de esperança, fé e aceitação do diagnóstico e do tratamento. Foram vistos impactos na autoestima decorrentes da retirada da mama e da perda do cabelo, revelando um luto simbólico vivenciado.

Com a retirada das mamas, algumas participantes relataram a dificuldade de se olhar no espelho sem a presença do seio e a perda do prazer em razão de não ter mais o membro, considerado como essencial para a sensualidade feminina, apresentando obstáculos na aceitação da nova imagem corporal.

Com relação às estratégias de enfrentamento, foram citados o fortalecimento da rede de apoio, o suporte da espiritualidade, a significação do processo por meio de trabalho voluntário com outras vítimas do câncer e o suporte da equipe de saúde. Notou-se que somente uma participante relatou a importância do acompanhamento psicológico durante o diagnóstico e tratamento do câncer de mama. Supõe-se que isso pode estar associado à falta de informações sobre a relevância do papel da psicologia no enfrentamento dessa patologia, o que deve ser foco de intervenção, considerando o potencial do acompanhamento psicológico para o cuidado desse público.

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Diante dos resultados e da discussão acima, sugerem-se para as próximas pesquisas temas relativos ao interesse e benefícios do acompanhamento psicológico desse público. Outros pontos que também merecem atenção são os impactos psicológicos na rede de apoio de mulheres mastectomizadas e o abandono da relação afetiva por parte de parceiros quando a mulher vivencia um adoecimento grave.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Irlândia Oliveira Almeida, Mariana Rios Ribeiro, Marcus Vinicius Dantas dos Santos e Caroline Almeida de Azevedo.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Irlândia Oliveira

Almeida, Mariana Rios Ribeiro, Marcus Vinicius Dantas dos Santos e Caroline Almeida de Azevedo.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Irlândia Oliveira Almeida, Mariana Rios Ribeiro, Marcus Vinicius Dantas dos Santos e Caroline Almeida de Azevedo.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Irlândia Oliveira Almeida, Mariana Rios Ribeiro, Marcus Vinicius Dantas dos Santos e Caroline Almeida de Azevedo.

REFERÊNCIAS

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Revista Baiana de Saúde Pública

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Recebido: 12.4.2022. Aprovado: 5.10.2022. Publicado: 12.1.2023.

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ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

INFLUÊNCIA DO NÍVEL DE ESCOLARIDADE SOBRE A DISSEMINAÇÃO DO SARS-COV-2 NA REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE

Matheus Azevedo Bomfima

https://orcid.org/0000-0001-9073-0530

Rhute Tayane de Santanab

https://orcid.org/0000-0003-3816-8223

Amanda Gomes de Oliveirac

https://orcid.org/0000-0002-0466-4985

Danilo Lopes Oliveira da Silvad

https://orcid.org/0000-0001-6967-7157

Roberto José da Silva Nóbregae

https://orcid.org/0000-0001-9826-2401

Resumo

O objetivo deste estudo foi avaliar a associação entre o nível de escolaridade, o quantitativo de casos de covid-19 e os óbitos resultantes do agravo nos municípios da região metropolitana de Recife (PE). O estudo consistiu em um trabalho exploratório a partir de dados secundários, contando com avaliação da distribuição espacial do agravo e análise estatística das variáveis abordadas. Foi identificada forte correlação, inversamente proporcional, entre o quantitativo de casos notificados e a taxa de indivíduos analfabetos e verificou-se expressiva associação entre o quantitativo de indivíduos com ensino médio e superior completo e o montante de casos acumulados no município. Não foi identifi -

a Graduando em biomedicina pelo Centro Universitário Unisãomiguel. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: matheusbhz@uol.com.br

b Graduanda em biomedicina pelo Centro Universitário Unisãomiguel. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: rhute.tayane@gmail.com

c Biomédica. Doutora em Genética. Docente no Centro Universitário Unisãomiguel. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: amanda2307@gmail.com

d Biomédico. Especialista em Auditoria dos Sistemas de Saúde, Gestão em Saúde e em Saúde Pública. Diretor Administrativo Financeiro do Hospital Jaboatão Prazeres. Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, Brasil. E-mail: danilo.lopes.saude@gmail.com

e Enfermeiro. Graduado em Enfermagem. Enfermeiro no Hospital Jaboatão Prazeres. Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, Brasil. E-mail: robertonobrega53@gmail.com

Endereço para correspondência: Centro Universitário Unisãomiguel. Rua João Fernandes Vieira, n. 110, Boa Vista. Recife, Pernambuco, Brasil. CEP: 50050-200. E-mail: matheusbhz@uol.com.br

137 v. 46, n. 2, p. 137-155 abr./jun. 2022 137
Revista Baiana de Saúde Pública
DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.n2.a3639

cada associação estatisticamente significativa entre escolaridade e taxa de óbitos resultantes da covid-19. Além disso, foram apontados como possíveis determinantes sociais da saúde relacionados ao nível de escolaridade, associados a disseminação do agravo e óbitos, a densidade demográfica, o meio de entrada do SARS-CoV-2 no estado, o acesso facilitado à testagem e ao tratamento para indivíduos com maior poder aquisitivo e a infraestrutura hospitalar local. Vale ressaltar que a metodologia utilizada apresenta limitações na inferência de causa e efeito, portanto, para elucidação da problemática, são necessários mais estudos sobre o tema.

Palavras-chave: SARS-CoV-2. Covid-19. Monitoramento epidemiológico. Determinantes sociais de saúde.

INFLUENCE OF EDUCATION LEVEL ON SARS-CoV-2 DISSEMINATION IN THE METROPOLITAN REGION OF RECIFE

Abstract

This study aimed to evaluate the association between the level of education and the number of COVID-19 cases and deaths in the municipalities of the metropolitan region of Recife (state of Pernambuco). The study consisted of an exploratory work based on secondary data, evaluating the spatial distribution of the grievance and statistically analyzing the variables addressed. A strong, inversely proportional, correlation was identified between the number of reported cases and the rate of illiterate individuals, and the number of individuals with complete high school and college education was strongly associated with the amount of accumulated cases in the city. No statistically significant association was identified between schooling and the rate of deaths resulting from COVID-19. Moreover, the demographic density, the means of entry of SARS-CoV-2 in the state, the easier access to testing and to treatment for individuals with higher purchasing power, and the local hospital infrastructure were identified as possible social determinants of health related to the level of education associated with the dissemination of the disease and deaths. Note that the methodology used presents limitations in the inference of cause and effect, thus, to elucidate the problem, further studies on the subject are needed.

Keywords: SARS-CoV-2. COVID-19. Epidemiological monitoring. Social determinants of health.

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INFLUENCIA DEL NIVEL DE EDUCACIÓN EN LA DISEMINACIÓN DEL SARS-CoV-2 EN LA REGIÓN METROPOLITANA DE RECIFE

Resumen

El objetivo de este estudio fue evaluar la asociación entre el nivel de escolaridad con el número de casos de COVID-19 y las muertes resultantes del agravio en los municipios de la Región Metropolitana de Recife. El estudio consistió en un trabajo exploratorio basado en datos secundarios, con la evaluación de la distribución espacial del agravio y el análisis estadístico de las variables abordadas. Se identificó una fuerte correlación, inversamente proporcional, entre el número de casos notificados y la tasa de individuos analfabetos y se identificó una expresiva asociación entre el número de individuos con educación secundaria y superior completa y la cantidad de casos acumulados en el municipio. No se identificó ninguna asociación estadísticamente significativa entre la escolaridad y la tasa de muertes por COVID-19. Además, se señalaron como posibles determinantes sociales de la salud los relacionados con el nivel de educación, asociado a la difusión del agravio y las muertes, la densidad demográfica, la forma de entrada del SARS-CoV-2 al estado, la mayor facilidad de acceso a las pruebas y al tratamiento para las personas con mayor poder adquisitivo y la infraestructura hospitalaria local. Cabe destacar que la metodología utilizada presenta limitaciones en la inferencia de causa y efecto, por lo que son necesarios más estudios sobre el tema para dilucidar el problema.

Palabras clave: SARS-CoV-2. COVID-19. Vigilancia epidemiológica. Determinantes sociales de la salud.

INTRODUÇÃO

No fim do ano de 2019, um surto de pneumonia de origem etiológica desconhecida se iniciou na cidade de Wuhan, província de Hubei, China. Em janeiro de 2020, as autoridades confirmaram que se tratava de um novo tipo de coronavírus1. Embora as autoridades chinesas tivessem adotado medidas de contenção, novos casos surgiram rapidamente no Japão, República da Coreia e Tailândia. Diante dessa situação, a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 30 de janeiro de 2020, decretou estado de emergência de saúde pública internacional2. Em março de 2020, com o número de casos superando 118 mil e com 4.291 mortes notificadas no mundo, foi declarado estado de pandemia3. Posteriormente ocorreu a identificação do agente etiológico responsável por essa pneumonia, o vírus SARS-CoV-2, com a situação clínica nomeada de

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Revista Baiana de Saúde Pública

covid-194. Os dois primeiros casos identificados no estado de Pernambuco ocorreram no dia 12 de março de 2020. O casal havia viajado recentemente para a Itália, país que era o epicentro do novo coronavírus no mundo5,6. A partir do dia 21 de março de 2020, o governo de Pernambuco determinou o fechamento de shoppings, salões de beleza, bares, restaurantes, lanchonetes e comércios, com atendimento apenas por delivery7. As limitações das circunstâncias materiais impossibilitaram a execução dos protocolos de isolamento social, tendo em vista o maior risco de exposição ao vírus por indivíduos que trabalhavam presencialmente – em decorrência do meio de transporte utilizado, falta de equipamentos de proteção e instruções de uso, dificuldades no acesso a sistemas de saúde e insegurança alimentar –, principalmente pessoas de baixa renda, população com maiores chances de infecção e mortalidade pela covid-198,9.

A vulnerabilidade social no Recife foi comprovada pelo estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que identificou a capital pernambucana com a maior desigualdade socioeconômica entre as capitais brasileiras no ano de 2019. Recife apresentou a maior concentração de renda do Brasil, com cerca de 41,8% da população em estado de pobreza, vivendo com menos de R$ 436,00 por mês, além de aproximadamente 28,6% da população viver com ao menos uma precariedade nas condições de moradia e 66,5% residir em domicílios sem saneamento básico10

Segundo a OMS, os descritores sociais de saúde (DSS) compreendem as condições sociais em que as pessoas vivem e trabalham. Tanto o modelo de compreensão dos DSS proposto por Dahlgren e Whitehead11 como o elaborado por Diderichsen e Hallqvist12 denotam uma correlação entre educação e nível de saúde, resultante do contexto social no qual o indivíduo está inserido. A educação interfere tanto de forma direta, no que tange às condições de vida e trabalho, como de forma indireta, por estar ligada intrinsecamente a outros parâmetros, como o ambiente de trabalho, desemprego, habitação, água e esgoto, indicando a suma importância desse aspecto para a promoção da saúde13

Além disso, o baixo nível de escolaridade está diretamente associado a indivíduos em posição de desvantagem social, população composta em grande parte por trabalhadores que se submetem à exposição ao vírus devido a sua realidade socioeconômica14. Nesse segmento da população existe maior prevalência de fatores de risco ao desenvolvimento da covid-19 de forma mais severa e mortalidade pelo agravo, como tabagismo, diabetes, doenças respiratórias15,16.

Portanto, este trabalho tem como objetivo analisar a relação entre o nível de escolaridade da população dos municípios da região metropolitana de Recife (RMR), a taxa de infectados pelo SARS-CoV-2 e os óbitos pela covid-19 até o início da vacinação no estado.

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MATERIAL E MÉTODOS

Este estudo, de caráter exploratório, foi realizado por meio de dados secundários, obtidos na plataforma Atlas Brasil, alimentada por dados do último Censo, ocorrido no ano de 2010. Foram utilizados dados presentes no portal GeoCovida, elaborado a partir de informações fornecidas pelas secretarias de saúde de Pernambuco e compilado na plataforma Brasil.IOb

Foram extraídos do portal GeoCovid o quantitativo de casos de covid-19 acumulados e óbitos causados pelo agravo nos 14 municípios que compreendem a região metropolitana de Recife: Abreu e Lima, Araçoiaba, Cabo de Santo Agostinho, Camaragibe, Goiana, Igarassu, Ilha de Itamaracá, Ipojuca, Itapissuma, Jaboatão dos Guararapes, Moreno, Olinda, Paulista, Recife e São Lourenço da Mata. Foram utilizadas informações do período de 27 de março de 2020 até 18 de janeiro de 2021, intervalo de tempo correspondente ao início da contabilização de casos pela plataforma até o início da vacinação no Brasil. A vacinação corresponde a um parâmetro influente na disseminação do agravo, sendo um possível interferente na análise proposta neste estudo.

Para a avaliação do nível de escolaridade dos municípios que compreendem a região metropolitana de Recife, foram utilizados indicadores da escolaridade da região, obtidos na plataforma Atlas Brasil. Foram incluídos os respectivos indicadores de saúde:

1) Taxa de analfabetismo de pessoas com 25 anos ou mais, conforme o Censo.

2) Porcentagem de pessoas com 25 anos ou mais com ensino médio completo, segundo o Censo.

3) Porcentagem de pessoas com 25 anos ou mais com ensino superior completo, de acordo com o Censo.

Após a extração de dados, foi averiguada a porcentagem de casos acumulados e óbitos pela covid-19 em relação à população total estimada para 2020 pelo Censo. A análise ocorreu de maneira individual para cada município contido no estudo. Posteriormente, foi realizada a análise estatística por meio do teste de Shapiro-Wilk e o teste de Spearman, por meio do software Jamovi 2.2.5.

Para a construção das figuras, contendo as variáveis para o estudo da distribuição espacial, foi utilizada a base cartográfica da região distribuída pelo IBGE e o programa MapInfo Professional, versão 12.0.

a Disponível em: https://portalcovid19.uefs.br/.

b Disponível em: https://brasil.io/covid19/PE/.

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O estudo envolveu apenas dados secundários, de domínio público, estando isento da submissão e do parecer do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), de acordo com a Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

RESULTADOS

Figura 1 – Taxa de casos acumulados de covid-19 ajustada à população local (27 de março de 2020 até 18 de janeiro de 2021). Região metropolitana do Recife, Pernambuco, Brasil – 2022

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Fonte: Elaboração própria.

A Figura 1 ilustra a porcentagem de casos acumulados de covid-19 em cada município ajustada à população local. A distribuição das cidades, respeitando a classificação decrescente em relação ao quantitativo de casos notificados, corresponde a Recife (3,32%), Olinda (2,78%), Paulista (1,84%), Jaboatão dos Guararapes (2,09%), Camaragibe (1,80%), Itapissuma (1,79%), Ilha de Itamaracá (1,74%), São Lourenço da Mata (1,54%), Ipojuca (1,35%), Abreu e Lima (1,35%), Cabo de Santo Agostinho (1,28%), Igarassu (1,14%), Moreno (1,10%), Araçoiaba (0,99%).

Figura 2 – Taxa de óbitos em decorrência da covid-19 ajustada à população local (27 de março de 2020 até 18 de janeiro de 2021). Região metropolitana do Recife, Pernambuco, Brasil – 2022

143 v. 46, n. 2, p. 137-155 abr./jun. 2022
Revista Baiana de Saúde Pública Fonte: Elaboração própria.

A Figura 2 corresponde à porcentagem de óbitos resultantes da covid-19 em cada município ajustada à população local. A distribuição das cidades, respeitando a classificação decrescente em relação ao quantitativo de óbitos notificados, corresponde a Araçoiaba (0,96%), Recife (0,17%), Olinda (0,15%), Abreu e Lima (0,15%), Cabo de Santo Agostinho (0,14%), Camaragibe (0,14%), Paulista (0,14%), Jaboatão dos Guararapes (0,14%), São Lourenço da Mata (0,13%), Itapissuma (0,13%), Igarassu (0,11%), Ipojuca (0,10%), Moreno (0,10%) e Ilha de Itamaracá (0,06%).

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Figura 3 – Taxa de analfabetos com 25 anos ou mais ajustada à população da RMR (27 de março de 2020 até 18 de janeiro de 2021). Região metropolitana do Recife, Pernambuco, Brasil – 2022 Fonte: Elaboração própria.

A Figura 3 ilustra o percentual de analfabetos com 25 anos ou mais em cada município da região metropolitana de Recife. As localidades com maiores taxas corresponderam a Araçoiaba (31,2%), seguida de Ipojuca (26,4%) e Moreno (21,1%), enquanto as menores taxas foram identificadas em Paulista (7,34%), Olinda (8,35%) e Recife (8,49%).

Figura 4 – Taxa de indivíduos com 25 anos ou mais com ensino médio completo ajustada à população local (27 de março de 2020 até 18 de janeiro de 2021). Região metropolitana do Recife, Pernambuco, Brasil – 2022

145 v. 46, n. 2, p.
abr./jun. 2022
Revista Baiana de Saúde Pública
137-155
Fonte: Elaboração própria.

A Figura 4 exibe o percentual de indivíduos com 25 anos ou mais com ensino médio completo dos municípios constituintes da região metropolitana de Recife. As localidades que apresentaram as maiores taxas de indivíduos com ensino médio completo são Recife (49,62%), Paulista (46,24%) e Olinda (45,71%). Enquanto os municípios com as menores taxas de munícipes com ensino médio foram Araçoiaba (17,88%), Ipojuca (22,52%) e Itapissuma (22,97%).

Figura 5 – Taxa de indivíduos com 25 anos ou mais com ensino superior completo ajustada à população local (27 de março de 2020 até 18 de janeiro de 2021). Região metropolitana do Recife, Pernambuco, Brasil – 2022

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Fonte: Elaboração própria.

A Figura 5 ilustra a porcentagem de indivíduos com 25 anos ou mais com ensino superior completo em relação à população total dos municípios que compõem a região metropolitana de Recife. As localidades com as maiores taxas de indivíduos com ensino superior completo foram Recife (19,11%), seguido de Olinda (11,79%) e Paulista (7,69%), enquanto os municípios com a menor parcela da população com ensino superior completo foram Araçoiaba (1,61%), Itapissuma (2,53%) e Ipojuca (3,00%).

Após comparação das Figuras 1 e 2 com as Figuras 3, 4 e 5, não foi possível identificação clara de associação entre o nível de escolaridade e a taxa de infecção e/ou óbitos pela covid-19. Posteriormente, foram realizados testes de normalidade das variáveis educacionais, seguidos do teste de Spearman, feito de forma separada, avaliando em uma das análises a quantidade de casos acumulados como variável dependente e na outra o quantitativo de óbitos decorrente do agravo.

O teste de normalidade Shapiro-Wilk indicou que as taxas de indivíduos analfabetos (0,691) e com ensino superior completo ajustadas à população (0,001) respeitam a distribuição gaussiana, enquanto a variável referente à população com ensino médio completo apresentou o p-valor de 0,500, correspondendo a uma variável não paramétrica. Por se tratar de uma análise na qual nem todas as variáveis respeitam a normalidade, foi empregado o teste de Spearman, visando avaliar a correlação entre variáveis dependentes, taxa de casos acumulados e óbitos e as variáveis educacionais.

A análise do teste de Spearman utilizando os casos acumulados de covid-19 como variável dependente apresentou o p-valor de 0,004 em relação à taxa de analfabetos, p-valor de 0,002 para a taxa indivíduos com ensino médio e p-valor de 0,003 de associação entre a variável e a taxa de indivíduos com ensino superior. Tais resultados indicaram uma correlação estatística entre os casos acumulados e a taxa de indivíduos analfabetos por apresentar coeficiente rho de -0,72, indivíduos com ensino médio completo com rho de 0,75, além de associação com os indivíduos com ensino superior completo, com coeficiente rho de 0,74.

Com relação à análise utilizando total de óbitos acumulados como variável dependente, a taxa de analfabetos apresentou p-valor de 0,10, enquanto a taxa de indivíduos com ensino médio completo exibiu p-valor de 0,10 e a taxa de ensino superior completo expressou p-valor de 0,45. Esses resultados demonstraram uma não correlação estatística entre a taxa de óbitos resultantes da covid-19 e as variáveis educacionais.

DISCUSSÃO

A pandemia provocada pelo novo coronavírus, SARS-CoV-2, impactou fortemente o Brasil, principalmente as regiões Norte e Nordeste, zonas de maior risco à infecção e à mortalidade

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pelo agravo17. A região metropolitana de Recife, local caracterizado pela acentuada desigualdade social, apresenta alta taxa de indivíduos em situação socioeconômica de risco e submetidos a empregos informais, cenário que dificulta a adesão a protocolos de distanciamento social10

Como demonstrado na Figura 1, os municípios com os maiores índices de casos confirmados de covid-19 foram Recife, Olinda, Paulista, Jaboatão dos Guararapes e Camaragibe – municípios próximos geograficamente. Essa situação está associada em parte ao movimento de pendularidade, compreendido como a mobilidade diária entre o local de residência do indivíduo e outras regiões por questões de estudo ou trabalho18. Como identificado por Zaslavsky e Goulart19, a mobilidade pendular atua como movimento promotor do risco aumentado à transmissão de doenças infecciosas entre regiões, permitindo, assim, a hipotetização da maior disseminação da covid-19 entre esses municípios como resultado do fluxo contínuo diário de pessoas nessas regiões.

Ao analisar a Figura 2, é possível identificar uma variação entre 0,06% e 0,17% na taxa de óbitos resultantes da covid-19 ajustada à população local, caso seja excluída a região de Araçoiaba, que apresentou notável número de óbitos. Araçoiaba foi o município da região metropolitana de Recife com a maior porcentagem de óbitos ajustada à população, contando com o falecimento de 0,96% da população local. Embora seja o município detentor da maior porcentagem de mortes, a região apresenta a menor taxa de casos acumulados da região metropolitana de Recife, com confirmação diagnóstica de apenas 0,99% da população com covid-19. O acentuado número de óbitos concomitantemente ao baixo número de casos identificados do agravo indica uma possível subnotificação na região, contexto recorrente no Brasil ao longo da pandemia de covid-1920

Ao correlacionar o quantitativo de casos notificados e óbitos resultantes da covid-19 com a taxa de analfabetos na população com idade igual ou superior a 25 anos, conforme ilustrado na Figura 3, não é possível identificar uma correlação direta entre o grau de escolaridade e a incidência e mortalidade do agravo. Casos como o de Araçoiaba, município com a maior taxa de analfabetos (31,18%), contando também com o maior índice de mortalidade pelo agravo (0,96%), podem ser explicados por outros DSS, que podem estar relacionados indiretamente com o nível de escolaridade da população.

A região de Araçoiaba, por exemplo, é marcada pelo baixo poder aquisitivo da população, onde 50,9% das pessoas sobrevivem com rendimentos mensais abaixo de meio salário mínimo por pessoa. Além disso, apenas 9,3% do município tem esgotamento sanitário adequado21 e a região apresentou estrutura hospitalar insuficiente para o manejo da pandemia, devido ao escasso número de unidades de terapia intensiva na região22. A maior parte da

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população, detentora de baixo poder aquisitivo e na sua maioria vinculada a empregos de baixa escolaridade, foi afetada de modo significativo pelo desemprego ao longo da pandemia21. Esse segmento populacional apresentou resistência à adesão ao isolamento social pela necessidade de obtenção de renda, dificuldade de acesso à testagem e ao tratamento da covid-1923, além de a baixa taxa de esgotamento sanitário dificultar o acesso a práticas sanitárias preventivas à infecção, como a higienização das mãos.

Logo após Araçoiaba, os três municípios com as maiores taxas de analfabetismo foram Ipojuca (26,4%), Itapissuma (23,39%) e Moreno (21,07%), contudo, nenhum dos três apresentou destaque em relação ao número de casos ou mortes resultantes da covid-19. Com relação ao quantitativo de casos confirmados de covid-19, respeitando uma ordem decrescente de casos contabilizados, Ipojuca ficou na nona posição (1,35%), Itapissuma na sexta (1,79%) e Moreno na penúltima posição (1,10%). Ao verificar a quantidade de óbitos decorrentes da covid-19, também em ordem classificatória decrescente, foi identificado o município de Ipojuca na décima segunda posição (0,10%), Itapissuma na décima posição (0,13%) e Moreno em penúltimo lugar (0,10%).

Ao correlacionar a Figura 4 com os dados contidos nas Figuras 1 e 2, não é possível perceber uma correlação clara entre o grau de escolaridade, no que tange à população com ensino médio completo com 25 anos ou mais, e a disseminação e mortalidade aumentada da covid-19. Quando classificados os municípios em ordem decrescente em relação ao número de indivíduos com ensino médio completo, foram identificados os três municípios com os maiores percentuais da população com ensino médio concluído: Recife (49,62%), Paulista (46,24%) e Olinda (45,74%). Os três municípios com as menores populações com ensino médio completo foram Araçoiaba (17,88%), Ipojuca (22,52%) e Itapissuma (22,97%). O município de Araçoiaba ficou em última posição em ordem decrescente na classificação em relação ao quantitativo de casos (0,99%) e ocupou o primeiro lugar em relação aos óbitos (0,96%), Ipojuca (22,52%) ficou na nona posição de casos notificados e em décima segunda posição em relação aos óbitos, enquanto Itapissuma localizou-se na sexta (1,79%) e décima (0,13%) colocação. Os três municípios com as maiores taxas de analfabetos e indivíduos com ensino superior completo, quando relacionados com a taxa de casos notificados e óbitos, não estão situados nas primeiras colocações, exceto Araçoiaba, não apresentando novamente uma clara indicação de associação direta entre a disseminação do agravo e óbito e o nível de escolaridade.

Ao analisar a Figura 5, contendo a taxa de indivíduos com ensino superior completo com 25 anos ou mais e a taxa de infectados e óbitos pela covid-19, foi identificada uma possível associação entre o grau de escolaridade e a disseminação do agravo e óbitos em decorrência da

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covid-19. Os três municípios com as maiores taxas de indivíduos com ensino superior completo foram Recife (19,11%), Olinda (11,79%) e Jaboatão dos Guararapes (7,7%), sendo as regiões de Recife (3,32%) e Olinda (2,78%) os dois municípios com os maiores índices de casos notificados de covid-19. Porém, ao analisar o contexto social dessas localidades, é perceptível um indicativo de que outros DSS estão envolvidos na maior disseminação da covid-19.

Indivíduos com maior grau de escolaridade estão associados a vínculos empregatícios mais bem remunerados24, portanto, esse segmento populacional, detentor de maior poder aquisitivo, apresenta um possível acesso facilitado à testagem para a covid-1922.

Recife, município com o maior percentual de indivíduos com ensino superior completo, apresentou o maior número de casos notificados de covid-19, possivelmente em decorrência do acentuado tráfego aéreo, marítimo e urbano da região. Inclui-se, nesse caso, a chegada ao município da primeira pessoa contaminada do estado, propiciando a disseminação exponencial inicialmente nessa zona devido à elevada densidade populacional5,25.

Indivíduos com maior grau de formação acadêmica geralmente são mais bem remunerados, facilitando o acesso a diversos meios de transporte, incluindo a mobilidade aérea, meio pelo qual a covid-19 adentrou ao estado de Pernambuco5. Além disso, o meio de transporte utilizado para locomoção atinge de forma desigual a população com menor grau acadêmico e, por consequência, menor poder aquisitivo, uma vez que essas pessoas, na sua maioria, utilizam transportes coletivos diariamente, os quais apresentam maiores riscos de contaminação pelo SARS-CoV-226

Por meio da análise estatística, foi identificada associação significativa entre as variáveis educacionais e o quantitativo de casos do agravo, devido ao p-valor apresentar grau de significância abaixo de 0,05. Não obstante, a taxa de analfabetos apresentou coeficiente rho -0,72, enquanto a taxa de indivíduos com ensino médio completo apresentou r de 0,75 e a porcentagem de indivíduos com ensino superior denota coeficiente rho de 0,74. Como salientado por Miot27, testes de Spearman com coeficiente rho de 0,71 a 0,9 indicam correlação expressiva entre as variáveis. Sendo assim, foi possível identificar uma significativa associação inversamente proporcional entre os casos acumulados da covid-19 e a taxa de analfabetos, em razão de o coeficiente rho de Spearman apresentar valor negativo, e associação direta entre a taxa de indivíduos com ensino médio e superior completo e a taxa acumulada de casos do agravo. Porém, vale ressaltar que a associação identificada entre as variáveis e a taxa de casos notificados apresenta limitações em decorrência da recorrente situação de subnotificação de casos de covid-19 no Brasil, correspondendo à associação descrita com a confirmação do agravo, e não necessariamente com a disseminação do patógeno.

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No entanto, a análise entre o quantitativo de óbitos, como variável dependente, e as variáveis educacionais indicou uma não significância estatística, devido ao p-valor observado ser maior do que 0,05. Entretanto, a educação apresentou uma possível correlação indireta com a disseminação e a mortalidade do novo coronavírus na região metropolitana de Recife. Essa associação ocorre em razão de os maiores níveis de escolaridade estarem relacionados a indivíduos de maior nível socioeconômico e poder aquisitivo, fatores relacionados a adesão facilitada ao isolamento social, testagem, tratamento, execução de medidas sanitárias, utilização de meios de transporte de menor risco à infecção e empregos de menor exposição ao vírus.

É oportuno salientar os limites que esta pesquisa apresenta. Por se tratar de um estudo ecológico, exploratório, não é possível a inferência com acurácia de causa e efeito a respeito da problemática avaliada neste trabalho. Além disso, é possível identificar na literatura trabalhos que denotam associação entre indivíduos de maior nível educacional e adesão a medidas preventivas28, menor propensão à infecção e morte pelo agravo29,30. No entanto, também é possível encontrar estudos que indicam a não associação entre nível educacional, aspectos influentes à disseminação, como a adesão às instruções sanitárias preconizadas31, e a disseminação e mortalidade da covid-1932.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pandemia gerada pelo novo coronavírus, o SARS-CoV-2, afetou a saúde como um todo, impactando o bem-estar individual e coletivo em proporções globais, atingindo mais severamente países e regiões com alta desigualdade social, como é o caso do Brasil. A região metropolitana do Recife, local marcado pela desigualdade socioeconômica e pelo contexto social fomentador de alto risco ao surto infeccioso de covid-19, foi afetada pelo vírus de forma desigual. Este trabalho identificou como DSS de influência direta para identificação de casos confirmados da covid-19 o quantitativo de indivíduos com ensino médio e superior completo na região e associação inversamente proporcional à população de analfabetos local, sem significância estatística entre as variáveis educacionais avaliadas e os óbitos resultantes do agravo. No entanto, foram identificados outros DSS, relacionados com nível de escolaridade, responsáveis pela promoção da covid-19, como a mobilidade pendular, a densidade demográfica, o meio e a região de entrada do SARS-CoV-2 ao estado, acesso facilitado à testagem e ao tratamento para indivíduos com maior poder aquisitivo e infraestrutura hospitalar local. Portanto, identificou-se que o grau de escolaridade influenciou na disseminação

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do agravo e nos óbitos, tanto direta quanto indiretamente, majoritariamente por reflexo do nível socioeconômico dos indivíduos e do contexto social vivenciado.

Entretanto, as limitações deste estudo, concomitantemente com as divergências identificadas na literatura a respeito da associação entre o nível educacional e a taxa de infectados pelo SARS-CoV-2 e óbitos resultantes da covid-19, demonstram a necessidade de continuidade de pesquisas sobre o tema.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Matheus Bomfim, Rhute de Santana e Amanda de Oliveira.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Danilo da Silva e Roberto Nóbrega.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Matheus Bomfim.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Matheus Bomfim.

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Recebido: 14.4.2022. Aprovado: 5.10.2022. Publicado: 12.1.2023.

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Revista Baiana de Saúde Pública

DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.n2.a3630

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE

O TRABALHO COMO DETERMINANTE DE SAÚDE: PERFIL E VULNERABILIDADES DE AGRICULTORES EXPOSTOS A AGROTÓXICOS

Alane Kelly de Sousa Oliveiraa

https://orcid.org/0000-0002-9999-7466

Karine Maria Martins Bezerra Carvalhob

https://orcid.org/0000-0003-1321-5628

Mariza Maria Barbosa Carvalhoc

https://orcid.org/0000-0002-1044-7207

Resumo

O mercado consumidor exige a produção de alimentos “estéticos”. Para isso, se faz necessária uma grande utilização de agrotóxicos e um contato longitudinal do agricultor, o que o deixa vulnerável ao desenvolvimento de diversos agravos à saúde. Objetivou-se pesquisar os determinantes e condicionantes do processo saúde-doença relacionados ao trabalho, traçando o perfil das vulnerabilidades dos agricultores expostos a agrotóxicos. O estudo caracterizou-se como exploratório-descritivo, quantitativo, realizado por meio de um formulário aplicado a agricultores no distrito de Tomé (CE). Dos dados mais relevantes, foi observada predominância da escolaridade básica e do analfabetismo. O tempo de trabalho na agricultura variou entre seis e cinquenta anos; o tempo de contato com agrotóxicos variou entre um e mais de vinte anos; a maioria disse ter noção sobre a classe toxicológica dos produtos, porém, 53,3% afirmaram que não leem as informações contidas nos rótulos. Houve predominância de negligência no uso dos componentes de proteção, com isso, 33,3% disseram sentir vários sintomas de intoxicação associados quando lidavam com os produtos. Concluímos que nossos dados subsidiam, confirmam e explicam os resultados dos agravos encontrados em outros estudos realizados na região e nos indicadores de saúde, a partir do perfil das vulnerabilidades encontradas entre os trabalhadores escutados.

a Fisioterapeuta. Especialista em Saúde Coletiva. Fisioterapeuta do Núcleo Ampliado de Saúde da Família de Limoeiro do Norte. Limoeiro do Norte, Ceará, Brasil. E-mail: alaneksoliveira@outlook.com

b Fisioterapeuta. Mestre em Saúde Coletiva. Docente na Instituição Centro Universitário Católica de Quixadá. Quixadá, Ceará, Brasil. E-mail: Mariza@unicatolicaquixada.edu.br

c Fisioterapeuta. Doutora em Ciências Médicas. Fisioterapeuta do Instituto Dr. José Frota e do Hospital Carlos Alberto Studart Gomes. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: karinembc@gmail.com

Endereço para correspondência: Rua do Rosario, s/n. Tomé. Limoeiro do Norte, Ceará, Brasil. CEP: 62930-000. E-mail: alaneksoliveira@outlook.com

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É necessária uma articulação entre os dispositivos de saúde para implementar ações de educação em saúde do trabalhador, a fim de promover modulação no ganho de saúde e diminuição dos índices de doenças crônicas da região.

Palavras-chave: Agrotóxicos. Doenças ocupacionais. Saúde do trabalhador.

WORK AS A HEALTH DETERMINANT: PROFILE AND VULNERABILITIES

OF FARMERS EXPOSED TO AGROCHEMICALS

Abstract

Consumer market demand for “aesthetic” foods incurs in greater use of agrochemicals and a longitudinal exposure of farmers to such chemicals, making them vulnerable to the development of several health problems. This study sought to investigate work-related determinants of health, outlining the profile and vulnerabilities of farmers exposed to agrochemicals. An exploratory, descriptive and quantitative research was conducted with farmers from the municipality of Tomé, Ceará, Brazil. Data was collected by means of a questionnaire. Results showed the predominance of basic education and illiteracy. Working time in agriculture ranged from six to 50 years; exposure to agrochemicals ranged from one to over 20 years. Most farmers claimed to be aware of the toxicological class of the products, but 53.3% acknowledged not reading the label information. Most participants neglected the use of protective equipment, and 33.3% reported showing various symptoms of pesticide intoxication. In conclusion, the data support, confirm, and explain the injury results found in other studies conducted in the region and on health indicators, based on the profile of vulnerabilities found among interviewed workers. Articulation between health services is necessary for implementing occupational health actions, to promote a health gain modulation and decreased chronic disease rates in the region.

Keywords: Agrochemicals. Occupational diseases. Occupational health.

EL TRABAJO COMO DETERMINANTE DE LA SALUD: PERFIL Y VULNERABILIDADES DE LOS AGRICULTORES EXPUESTOS A PLAGUICIDAS

Resumen

El mercado consumidor demanda la producción de alimentos “estéticos”. Para ello, es necesario un gran uso de plaguicidas y un contacto longitudinal del agricultor que lo expone al

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desarrollo de diversos problemas de salud. El objetivo de este artículo fue investigar los determinantes y condiciones del proceso de salud relacionados con el trabajo, al rastrear el perfil de las vulnerabilidades de los agricultores expuestos a plaguicidas. Este es un estudio exploratorio-descriptivo, cuantitativo, que utilizó un formulario aplicado a agricultores en el distrito de Tomé, en Ceará (Brasil). De los datos más relevantes, se observó el predominio del nivel educativo básico y del analfabetismo. El tiempo de trabajo en la agricultura varió de seis a cincuenta años, el tiempo de contacto con los plaguicidas estuvo entre uno a más de veinte años, la mayoría dijo conocer la clase toxicológica de los productos, sin embargo, el 53,3% dijo no leer la información contenida en las etiquetas. Hubo predominio de negligencia en cuanto al uso de componentes protectores, así el 33,3% dijo sentir varios síntomas de intoxicación cuando utilizaban los productos. Se concluye que los datos confirman los resultados encontrados en otros estudios realizados en la región y los indicadores de salud, a través del perfil de vulnerabilidades absolutas entre los trabajadores entrevistados. Es necesaria una articulación entre los dispositivos para la implementación de acciones de salud de los trabajadores, con el fin de promover una modulación en las ganancias de salud y una reducción de los índices de enfermedades crónicas en la región.

Palabras clave: Plaguicidas. Enfermedades profesionales. Salud del trabajador.

INTRODUÇÃO

A comercialização da agricultura está envolta por várias situações, como mudanças ambientais, socioeconômicas, culturais e revoluções agrícolas, que trouxeram a implementação da maquinaria, novas sementes, alimentos e a inserção da fertilização química para controlar as pragas e manter a larga produção1. Os agroquímicos, defensivos agrícolas ou agrotóxicos, podem ser definidos como armas de origem química, biológica ou física, usados para tentar superar os mais diferentes tipos de pragas que surgem, desafiando o lucro do agronegócio. São divididos por grupo químico, função e em classes de acordo com sua toxicidade (vermelho: extremamente tóxico; amarelo: altamente tóxico; azul: medialmente tóxico; e verde: pouco tóxico)2. Observa-se o constante crescimento do uso desses produtos, constatado pela Sociedade Nacional de Agricultura3 ao afirmar que no ano de 2017 houve um aumento de 11,3% da importação desses insumos para o Brasil.

O contato com o plantio sem proteção específica e sem conhecimento básico dos riscos torna o trabalhador rural uma vítima em potencial para o desenvolvimento de intoxicações agudas e crônicas que podem levar a vários agravos na saúde. Segundo os dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox)4, desde o primeiro ano de registro, em 1999, até 2017, na sua última atualização, o país registrou 145.273 mil casos cumulativos de intoxicação humana por agrotóxicos em uso agrícola ou doméstico, de modo

158

que os números são crescentes e acompanham o desenvolvimento das culturas brasileiras e o ranking de maior consumidor de agrotóxicos do mundo5,6.

A partir dessas informações, observou-se a necessidade de traçar o perfil do trabalhador rural que se destaca na exposição e nos índices apresentados. Em um país exportador como o Brasil e tendo o estado do Ceará como grande produtor – mais precisamente em uma região marcada pelas diversas lutas sociais –, que tem predominantemente parte do seu capital e da fonte de renda da população voltada para a comercialização da agricultura, coube-nos questionar: como se comporta o setor da saúde na linhagem trabalho-lucro-doença? Pretendeu-se, com este estudo, pesquisar a tendência dos determinantes sociais e condicionantes do processo saúde-doença dos trabalhadores rurais, por meio dos dados de situação sociodemográfica e a percepção dos riscos para a saúde que o agricultor tem sobre a sua exposição ocupacional e prolongada aos agrotóxicos. Por fim, almejou-se fornecer informações que auxiliem os gestores de saúde locais a criarem ou ampliarem as medidas de prevenção e promoção de saúde do trabalhador.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo caracterizou-se como quantitativo, exploratório-descritivo, realizado a partir do levantamento feito por um formulário semiestruturado, objetivo, aplicado em delineamento transversal. A pesquisa foi realizada na região da Chapada do Apodi, na extrema do Ceará, que abriga um grande complexo de comunidades e distritos divididos entre as cidades de Limoeiro do Norte, Tabuleiro do Norte e Quixeré. O local tem como principal fonte de renda a agricultura e agropecuária. Seu território também compartilha extrema com o estado do Rio Grande do Norte. Essas regiões sofrem com conflitos constantes entre as grandes empresas do agronegócio e a população pelas riquezas do seu solo5. O estudo foi realizado no distrito Tomé (CE), com população estimada em cerca de três mil habitantes, no ano de 2018, segundo informações repassadas pelas agências físicas e locais do Serviço Autônomo de Água e Esgoto

(Saae) e do

Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A quantidade de agricultores e pessoas que trabalham com agricultura, sejam funcionários de empresas, autônomos, empregados formais e informais etc., não foi encontrada em nenhum dos órgãos governamentais de assistência e fiscalização da agricultura. Foi realizada uma amostra por conveniência, em que foram selecionados trinta agricultores/trabalhadores rurais, residentes no distrito de Tomé, localizados por conhecimento prévio da pesquisadora principal, maiores de 18 anos de idade, que utilizavam algum agroquímico no trabalho e/ou estavam frequentemente expostos ao contato com ele. Não foram

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incluídos na amostra os agricultores aposentados que não tinham mais contato intensivo com a prática da agricultura ou com agrotóxicos, assim como os trabalhadores formais empregados por empresas multinacionais da região.

O formulário semiestruturado foi idealizado e elaborado a partir das necessidades dos objetivos da pesquisa, composto por 28 perguntas. A coleta dos dados foi realizada no mês de julho de 2018, nos domicílios dos agricultores, em horários predeterminados de acordo com a disponibilidade dos participantes. O formulário conteve perguntas que promoveram a definição de um perfil geral do agricultor, por meio de dados sociodemográficos, do ambiente, uso de equipamentos de proteção individual (EPI), percepção dos riscos, diagnóstico de saúde e rastreio de intoxicações. Após coletados, os dados foram tabulados no Microsoft Excel 2016, analisados por estatísticas descritivas e dispostos em quadros e tabelas.

Este estudo foi supervisionado e aprovado pelo Comitê de Ética do Centro Universitário Católica de Quixadá e atendeu aos princípios éticos da pesquisa com seres humanos preconizados na Resolução n. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em que foram descritos os propósitos da pesquisa, os possíveis riscos e os benefícios, bem como a garantia do sigilo e da privacidade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram entrevistados trinta agricultores residentes no distrito Tomé, todos sexo masculino, com idade entre 24 e 63 anos, com maior representatividade de 44 a 53 anos de idade (33,3%). Quanto à escolaridade, 46,7% tiveram acesso apenas ao ensino básico equivalente ao quarto ano do fundamental hoje e, destes, todos se consideram analfabetos. Entre os demais, 20% completaram o ensino fundamental, 26,7% concluíram o ensino médio e 6,7% tinham grau técnico ou superior, sendo que, de todos os entrevistados, pouco mais da metade (53,3%) disse saber ler relativamente bem (Tabela 1).

Foi observado que o tempo de trabalho no ramo da agricultura e exposição variou entre seis e cinquenta anos, com maior prevalência dos que já trabalhavam de seis a 15 anos (33,3%). Com relação à função exercida, a maioria dos participantes (90%) afirmaram ser agricultores, sendo responsáveis por diversos serviços, desde a preparação da terra, lidar com produtos tóxicos e colheita; 6,7% afirmaram ter a responsabilidade única de preparar e aplicar agrotóxicos nas plantações; e apenas 3,3% eram responsáveis por coletar as produções ( Tabela 1 ).

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Algumas variantes de menor impacto também foram investigadas. Com relação à naturalidade, observou-se que 80% dos trabalhadores eram naturais de Quixeré ou Limoeiro do Norte (CE), sendo apenas 20% naturais de outras cidades. Quanto ao estado civil, observou-se que a maior parte dos entrevistados eram casados (56,7%). Com relação à renda mensal, 60% afirmaram receber entre um e dois salários mínimos. Do vínculo empregatício, a maioria é proprietária das plantações (70%); 10% são trabalhadores informais (diaristas); e 20% prestadores de serviço fixo informais. Esse dado enfatiza a característica específica dos entrevistados, grupo composto fortemente por agricultores da agricultura familiar e exportação interna de pequeno porte. Ademais, os alimentos mais cultivados na região foram banana (44,7%), mamão (12,5%), feijão (12,5%), milho (10,7%), entre outros, como as leguminosas. Vale ressaltar que os maiores cultivos são os de fruticultura e, por tratar-se de cultivos irrigados que não dependem das chuvas, utilizam grande quantidade de fertilizantes e agrotóxicos para sustentar e garantir as colheitas durante toda vida útil dos cultivos. Também foi questionado sobre seu histórico e dia a dia com os agrotóxicos: tempo de contato, as formas, o intervalo entre aplicações, se recebeu treinamento sobre o manuseio correto, proteção individual e coletiva, armazenamento e descarte. Foi constatado que o tempo de contato com agrotóxicos variou entre um e mais de vinte anos. Dos entrevistados, 50% disseram já ter de

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Revista Baiana de Saúde Pública Tabela 1 – Dados sociodemográficos dos agricultores de Tomé incluídos na pesquisa.
Variáveis Frequência Porcentagem Idade n % 24 a 33 8 26,7 34 a 43 5 16,7 44 a 53 10 33,3 54 a 63 7 23,3 Escolaridade n % Fundamental básico 14 46,7 Fundamental completo 6 20 Ensino médio 8 26,6 Técnico/superior 2 6,7 Letramento n % Sim, sabe ler 16 53,3 Não, analfabeto 14 46,7 Tempo de agricultura n % 6 a 15 10 33,3 16 a 25 6 20 26 a 35 8 26,7 36 a mais 6 20 Principal função n % Preparar e aplicar 2 6,7 Cuidar e coletar 1 3,3 Agricultor geral 27 90 Fonte: Elaboração própria.
Tomé, Ceará, Brasil – 2018

11 a vinte anos de contato com os produtos. Além disso, 86,7% afirmaram que a forma de contato com agrotóxicos é ativa, havendo contato direto na preparação e aplicação do produto (Tabela 2).

Dentre os agricultores entrevistados, 46,7% afirmaram que a recorrência do contato é semanal, seguidos de 30% que aplicam trimestralmente os produtos. Quando questionados sobre o conhecimento/treinamento para manuseio correto dos agrotóxicos, 46,7% dos agricultores afirmaram não ter tido qualquer tipo de treinamento (Tabela 2).

Tabela 2 – Perfil dos agricultores, segundo o contato com agrotóxicos e proteção individual. Tomé, Ceará, Brasil – 2018

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Variáveis Frequência Porcentagem Anos em contato com agrotóxico n % 1 a 10 anos 10 33,3 11 a 20 anos 15 50 Mais de 20 anos 5 16,7 Forma de contato n % Ativa 26 86,7 Passiva 04 13,3 Intervalo de contato n % Semanal 14 46,7 Quinzenal 03 10 Mensal 04 13,3 Trimestral 09 30 Já recebeu treinamento n % Nunca recebeu 14 46,7 Sim, já recebeu orientações 16 53,3 Tipos de produtos que tem mais contato n % Herbicidas 16 53,3 Praguicidas 9 30 Os dois igualmente 5 16,7 Cores que mais entra em contato n % Vermelho 16 53,3 Amarelo 09 30 Azul 03 10 Verde 02 6,7 Conhece a classe toxicológica n % Sim 21 70 Não 09 30 Lê e segue as informações n % Sim 14 46,7 Não 16 53,3 Usa EPI n % Sim 18 60 Não 3 10 Parcial 9 30 Deixa de usar EPI por incômodo n % Não deixa 14 46,7 Sim 16 53,3
Fonte: Elaboração própria.

Os produtos mais utilizados pelos agricultores foram os herbicidas (53,3%) e praguicidas (30%), e 16,7% afirmaram utilizar ambos no mesmo período. Com relação à maior utilização segundo a cor da faixa no rótulo dos produtos, a maioria dos agricultores (53,3%) afirmaram usar produtos com a faixa vermelha e 30% utilizam, na maior parte das vezes, produtos com a faixa amarela. Dentre os entrevistados, 70% responderam ter noção sobre a classe toxicológica dos produtos, porém, 53,3% afirmaram que não leem e não seguem as informações contidas nos rótulos (Tabela 2).

Quanto ao autocuidado/proteção dos trabalhadores entrevistados, 60% afirmaram utilizar todos os EPI, apenas 10% disseram não utilizar todas as vezes que vão trabalhar e 30% utilizam de forma parcial. Destes, 46,6% disseram não deixar de usar nenhum EPI por incômodo, porém, em contradição, 53,3% afirmaram negligenciar algum componente de proteção, seja máscara, óculos, luvas etc., na maioria das vezes em que fizeram o expurgo (Tabela 2).

Investigou-se também a poluição ambiental após o uso dos produtos: 46,7% dos agricultores devolvem as embalagens para o local de compra ou para o centro de reciclagem; 40% acumulam as embalagens ao ar livre, queimando-as em seguida; e 10% jogam-nas no lixo comum. As informações são contrastantes e demonstraram um conhecimento, na maior parte, empírico dos agricultores em relação à periculosidade real desses produtos, pois ao analisarmos o fato de que o letramento entre os participantes é insuficiente, que muitos nunca receberam treinamento e utilizam na maioria das vezes os produtos mais “fortes”, observamos que a maioria dos entrevistados seguem apenas os conhecimentos adquiridos e repassados ao longo da vida, sujeitando-se ainda mais aos riscos e à periculosidade, a curto e longo prazo, que essas práticas podem produzir.

Na busca de intoxicações e condições de saúde, 76,7% disseram nunca ter sentido nenhum sintoma associado e 23,3% relataram já ter apresentado sintomatologia no momento de contato com o produto. Apresentando uma pequena discrepância com o dado anterior, 66,6% relataram que nunca sentiram nenhum dos sintomas investigados de intoxicação aguda mais frequentes – que geralmente envolvem episódios de dores de cabeça, abdominal, tontura, ânsia de vômito, dificuldade de respirar, coceira etc. – que pudessem associar ao agrotóxico, e 33,3% disseram sentir vários sintomas associados quando lidavam com os produtos (Tabela 3).

Sobre as noções de risco à saúde, 66,7% acreditam que os aspectos do seu trabalho oferecem riscos à sua saúde e 33,3% acreditam que sua saúde não é afetada independente da forma de trabalho com esses produtos. Diante da prevenção e promoção de saúde para a comunidade trabalhadora, todos os entrevistados relataram nunca ter recebido visita de

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qualquer equipe de saúde para quaisquer orientações acerca dos cuidados com a saúde em seu ambiente de trabalho e afirmaram, ainda, não saberem se nas unidades de saúde existem ações de atenção à saúde do trabalhador (Tabela 3).

Tabela 3 – Rastreamento de intoxicações e situação de saúde dos trabalhadores rurais do distrito de Tomé. Tomé, Ceará, Brasil – 2018

DISCUSSÃO

Concomitante aos dados deste estudo, Lira et al.7 obtiveram uma distribuição paritária entre indivíduos do sexo masculino e feminino, em que 67% não completaram o ensino fundamental. Em outro estudo, com agricultores do município de Russas (CE), cidade circunvizinha, constatou-se que 71,9% dos chefes de família não eram alfabetizados, enfatizando a realidade da região8.

O estudo de Silva Confort et al.9 demonstra que 91,46% dos agricultores participantes de sua pesquisa não trabalham com carteira assinada. Além disso, a renda mensal variou entre um salário mínimo e mais de dois salários mínimos. Concluiu-se que no Brasil o tempo médio de escolaridade por agricultores é de 3,4 anos, equivalente ao nível fundamental incompleto. Um dos fatores de risco para intoxicações agudas ou crônicas com agrotóxicos é a baixa escolaridade: indivíduos com nível educacional acima do fundamental apresentaram melhor aderência ao uso de EPI e menores queixas de intoxicações10.

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Variáveis Frequência Porcentagem Sentiu-se mal em contato com agrotóxico n % Sim 07 23,3 Não 23 76,7 Sintomas apresentados no momento ou após o contato N % Nenhum 20 66,6 Dor de cabeça, abdominal, tontura, ânsia de vômito, dificuldade de respirar, coceira etc. 10 33,4 Acredita que o trabalho oferece risco à saúde n % Sim 20 66,7 Não 10 33,3 Orientações de equipes de saúde n % Sim 0 0 Não 30 100 Atenção à saúde do trabalhador n % Sim 0 0 Não 30 100 Fonte: Elaboração própria.

Wahlbrink et al.11 realizaram estudo com 130 agricultores em um município do Rio Grande do Sul. Dentre os principais resultados, o tempo médio de utilização de agrotóxico foi de 18 anos, 90,8% dos trabalhadores disseram utilizar algum tipo de equipamento de proteção individual no momento da aplicação e usam comumente botas e roupas compridas para proteção contra o sol e perigos do solo. Ademais, 73,3% dos entrevistados relataram ter sentido ao menos um sintoma de intoxicação nos últimos seis meses.

Em entrevista com 136 trabalhadores rurais, Abreu e Alonzo 12 encontraram dados importantes sobre a manipulação dos agrotóxicos, constatando que, de 127 agrotóxicos, 52 pertenciam à classe extremamente e altamente tóxicos. Dos participantes da pesquisa, 64,2% afirmaram que tiveram acidentes no preparo dos produtos para aplicação, 88,2% disseram não utilizar todos os EPI recomendados e, após a utilização dos produtos, 45,7% queimam as embalagens. É importante enfatizar que antes da queima muitos desses produtos ficam jogados no meio ambiente, poluindo leitos de rios, solo e lençóis freáticos. A contaminação por esses produtos é generalizada, e não limitada apenas aos que têm contato intensivo, ela pode ocorrer por meio da água distribuída para consumo, do ar e dos alimentos consumidos 13

O baixo letramento dos participantes sobre as propriedades químicas dos produtos está intimamente ligado ao descuido com uso dos EPI, armazenamento e descarte incorreto dos produtos, gerando relatos de agravos à saúde não só dos trabalhadores, como também de suas famílias e da comunidade. Há extrema necessidade de ações de saúde do trabalhador, ações de responsabilidade social e treinamentos de reciclagem por parte das indústrias fornecedoras, além da busca por outras formas de agricultura, fertilização e controle das pragas para, assim, diminuir os episódios de envenenamento humano e ambiental14,15.

Muitos agricultores até reconhecem a necessidade do uso dos EPI, entretanto, poucos utilizam os equipamentos completos16. As negligências não estão atreladas apenas ao pouco conhecimento sobre os produtos, mas ocorrem também porque o uso correto dos equipamentos de proteção é incômodo para o clima, então muitos acabam usando trajes que “protegem” apenas do sol17

Rigotto et al.18 compararam agricultores das cidades de Limoeiro do Norte, Quixeré e Russas, grandes produtoras no ramo agrícola industrial (grupo 1, caso), e outras 12 cidades cearenses que utilizam agrotóxicos em menor quantidade, tendo as lavouras mais baseadas em sequeiro e familiar (grupo 2, controle). O resultado das análises mostrou que o grupo 1 tem taxas crescentes e bem superiores ao grupo 2 de mortes fetais e por neoplasias, fato que sugere a modernização

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agrícola como produtora de inúmeros benefícios para a região, entretanto, com efeito subliminar à saúde da população.

Majoritariamente, os casos de intoxicações agudas ou crônicas ocorrem devido à perigosa ligação entre a utilização de produtos extremamente/altamente tóxicos e trabalhadores que negligenciam o uso dos equipamentos básicos de proteção. Foi perceptível que a maioria entra em contato com tais produtos, além de driblar o intervalo de segurança e aplicação. Os sintomas de intoxicações são variados: geralmente as agudas se apresentam imediatamente (e.g., fraqueza, cólica abdominal, cefaleia, vertigem, vômito, convulsão, insuficiência respiratória), já as crônicas se manifestam usualmente após longos anos de exposição, em maior tendência multifatorial às alterações celulares patológicas (e.g., arritmias cardíacas, lesões renais, pneumáticas, alergias, neurotoxicidade, neoplasias, lesões hepáticas, dermatites de contato).

As manifestações clínicas podem ser muitas. A prevalência é de cefaleia e náuseas e, geralmente, em casos leves, a atitude dos agricultores é recorrer à automedicação, o que parece se tratar de um ciclo vicioso que finaliza em dados de morbimortalidade crônicas por todo país19. Medidas simples como simplificação dos rótulos, amplificação de políticas de saúde de atualização dos sistemas de notificação compulsória, sensibilização de profissionais da saúde para com a comunidade e monitoração das populações expostas seriam estratégias de escape e minimização de dados tão alarmantes20,21.

Nossos dados traçaram o perfil dos principais envolvidos nesse confronto de interesses, em meio a tantos conflitos que essa comunidade testemunha frente ao desequilíbrio entre sobrevivência e faturamento do agronegócio e as más manifestações na saúde e contaminação do ambiente22,23. Melhorar os níveis de escolaridade presentes entre os agricultores é uma questão de desenvolvimento regional e cultural2. Enquanto esse processo está em construção, outras medidas de responsabilidade e educação devem ser postas em prática por meio da intersetorialidade do setor de saúde pública e de demais políticas de assistência e fiscalização, para que o homem do campo tenha consciência da importância do cuidado que se deve ter desde o momento da compra até o descarte correto desses produtos, sabendo que isso proporcionará menores riscos à saúde individual e coletiva, além do poder de assimilar as inovações e novas formas de cultivos para manter, de forma contínua, sua produção sustentável25,26,27.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todos os resultados mostraram um quadro de exposição humana e ambiental aos agrotóxicos vividos diariamente pelos trabalhadores rurais. Observamos que os conhecimentos empíricos associados à baixa escolaridade têm deixado esses trabalhadores vulneráveis aos

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diversos malefícios do contato com os agrotóxicos. Os agricultores afirmaram prevalentemente conhecer os riscos que essa exposição pode ocasionar, porém, é notável o uso parcial dos EPI, assim como a não leitura e a falta de compreensão do rótulo e da bula dos produtos pela maioria dos agricultores. Além disso, observamos que uma parcela considerável dos entrevistados já sentiu algum sintoma que pode estar diretamente ligado à exposição a esses produtos. O descarte inadequado das embalagens também é uma preocupação constante em relação à atividade agrícola, pois expande ainda mais as contaminações e expõe a população aos efeitos desses compostos.

Com base nisso, concluímos que nossos dados subsidiam, confirmam e explicam os resultados de agravos encontrados em outros estudos realizados na região, a partir do perfil das vulnerabilidades encontradas entre os trabalhadores escutados. Concluímos que é de extrema necessidade a implementação de ações de promoção e prevenção à saúde do trabalhador, a atuação efetiva do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador local (CEREST) com a Equipe de Saúde da Família (ESF) e a articulação com os órgãos de fiscalização da vigilância sanitária municipal e regional. Ademais, deve haver a disseminação de pesquisas realizadas na região, que devem surgir de parcerias prioritárias com o sistema de ensino e faculdades da área, a fim de desenvolver ações educativas em saúde para a formação das consciências acerca da importância do uso de EPI e sobre a periculosidade que esses produtos podem trazer a curto e longo prazo, e a garantia das políticas públicas de saúde, educação social e economia sustentável para a redução da curva de adoecimento populacional associada.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Alane Kelly de Sousa Oliveira e Karine Maria Martins Bezerra Carvalho.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Alane Kelly de Sousa Oliveira, Karine Maria Martins Bezerra Carvalho e Mariza Maria Barbosa Carvalho.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Karine Maria Martins Bezerra Carvalho e Mariza Maria Barbosa Carvalho.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Alane Kelly de Sousa Oliveira.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 7.4.2022. Aprovado: 20.10.2022. Publicado: 12.1.2023.

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ARTIGO DE REVISÃO

ATUAÇÃO DA FISIOTERAPIA NA INCONTINÊNCIA URINÁRIA EM MULHERES

NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

https://orcid.org/0000-0002-2488-589X

Luiza Torellib

https://orcid.org/0000-0003-2883-7278

Resumo

O objetivo deste estudo foi verificar quais são as intervenções desenvolvidas pelo fisioterapeuta no tratamento conservador de incontinência urinária (IU) feminina na Atenção

Primária à Saúde (APS). Foram realizadas buscas de dados nas bases PubMed, PEDro, LILACS e SciELO usando os descritores: incontinência urinária, fisioterapia, cinesioterapia, treinamento muscular de assoalho pélvico (TMAP), Atenção Primária à Saúde e mulheres. Buscaram-se artigos sobre as intervenções fisioterapêuticas realizadas exclusivamente pelo profissional fisioterapeuta no tratamento de IU na atenção primária, disponíveis na íntegra, sem restrição de ano de publicação ou tipo de estudo, restrita a estudos brasileiros publicados em português ou inglês. Foram analisados quatro artigos. As atividades desenvolvidas foram tanto individuais como coletivas, sendo unânime a realização de TMAP. Todos os resultados indicaram melhora: perda urinária, frequência e qualidade de vida. Independentemente das limitações, tamanho das amostras e características dos artigos, a atuação da fisioterapia no tratamento de IU na Atenção Básica ainda está em construção. Conclui-se que é necessária a atuação do fisioterapeuta no tratamento de IU na APS, tendo em vista que ele é o profissional capacitado para atuar no tratamento de primeira linha dessa disfunção, podendo inclusive ser o primeiro contato do paciente na atenção primária.

Palavras-chave: Incontinência urinária. Atenção Primária à Saúde. Fisioterapia. Assoalho pélvico. Mulheres.

a Fisioterapeuta. Especialista em Fisioterapia Pélvica – Uroginecologia Funcional. Especialista em Saúde Pública com ênfase em Estratégia e Saúde da Família. São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: anapaulamali@hotmail.com b Fisioterapeuta. Especialista no Tratamento da Incontinência Urinária e Reabilitação do Assoalho Pélvico em Ginecologia para Fisioterapeutas. Doutora em Ciências (Departamento de Ginecologia). São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: lutorelli@yahoo.com.br

Endereço para correspondência: Rua Ettore Ximenes, n. 300, ap. 191, Vila Prudente. São Paulo, São Paulo, Brasil. CEP: 03132-010. E-mail: anapaulamali@hotmail.com

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10.22278/2318-2660.2022.v46.n2.a3644
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DOI:

PHYSICAL THERAPY PERFORMANCE IN URINARY INCONTINENCE IN WOMEN

IN PRIMARY HEALTH CARE: AN INTEGRATIVE REVIEW

Abstract

This study aimed to verify which are the interventions developed by the physical therapist in the conservative treatment of female urinary incontinence (UI) in primary health care (PHC). Searches were carried out in databases PubMed, PEDro, LILACS, and SciELO with the descriptors: urinary incontinence, physical therapy, kinesiotherapy, pelvic floor muscle training (PFMT), primary health care, and women. Articles on physical therapy interventions performed exclusively by physical therapists in the treatment of UI in primary care available in full were searched, without restriction of year of publication or type of study, restricted to Brazilian studies published in Portuguese or English. Four articles were analyzed. The activities carried out were both individual and collective, with the performance of PFMT being unanimous. All results showed improvement: urinary loss, frequency, and quality of life. Regardless of the limitations, sample size and the characteristics of the articles, the physical therapy performance in UI treatment in primary care is still under construction. We conclude the physical therapist performance in treating UI in PHC is necessary, considering they are the professional qualified to act in the first-line treatment of this dysfunction and may even be the patient’s first contact in primary care.

Keywords: Urinary incontinence. Primary Health Care. Physiotherapy. Pelvic floor. Women.

DESEMPEÑO

DE FISIOTERAPIA EN INCONTINENCIA URINARIA EN MUJERES EN LA ATENCIÓN PRIMARIA DE SALUD: UNA REVISIÓN INTEGRADORA

Resumen

El objetivo de este estudio fue verificar cuáles son las intervenciones desarrolladas por el fisioterapeuta en el tratamiento conservador de la incontinencia urinaria (IU) femenina en la Atención Primaria de Salud (APS). Se realizó búsquedas en las bases de datos PubMed, PEDro, LILACS y SciELO utilizando los descriptores: incontinencia urinaria, fisioterapia, kinesioterapia, musculación del suelo pélvico (MSP), Atención Primaria de Salud y mujeres. Se buscaron artículos sobre intervenciones de fisioterapia realizadas exclusivamente por fisioterapeutas en el tratamiento de la IU en la atención primaria, disponibles en su totalidad, sin restricción de año de publicación o tipo de estudio, restringidos a estudios brasileños publicados en portugués o inglés. Se analizaron cuatro artículos. Las actividades realizadas fueron tanto individuales como

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colectivas, siendo unánime la realización del MSP. Todos los resultados señalaron una mejoría: pérdidas urinarias, frecuencia y calidad de vida. Independientemente de las limitaciones, el tamaño de la muestra y las características de los artículos, el papel de la fisioterapia en el tratamiento de la IU en Atención Primaria aún está en construcción. Se concluye que es necesario que el fisioterapeuta actúe en el tratamiento de la IU en APS, ya que este profesional está capacitado para actuar en el tratamiento de primera línea de esta disfunción, pudiendo incluso ser el primer contacto del paciente en atención primaria.

Palabras clave: Incontinencia urinaria. Atención Primaria de Salud. Fisioterapia. Suelo pélvico. Mujeres.

INTRODUÇÃO

A Sociedade Internacional de Continência (ICS, do inglês International Continence Society) define incontinência urinária (IU) como a queixa de qualquer perda involuntária de urina1

A IU se manifesta como uma doença crônica de início gradual e com agravamento progressivo. Os tipos mais frequentes de IU na população feminina são incontinência urinária de esforço (IUE) (38% dos casos), incontinência urinária de urgência (IUU) (14% dos casos) e incontinência urinária mista (IUM) (48% dos casos)2.

Em 2004, o Ministério da Saúde elaborou o documento “Política de atenção integral à saúde da mulher: princípios e diretrizes”, o qual afirma que o Sistema Único de Saúde (SUS) deve ser orientado e capacitado para a atenção integral à mulher, contemplando a promoção da saúde, as necessidades de saúde da população feminina, o controle das patologias e a garantia do direito de saúde3

A IU gera impacto negativo na qualidade de vida das mulheres, sendo capaz de comprometer condições físicas, sociais e mentais4. Estima-se que apenas uma em cada quatro mulheres sintomáticas procuram ajuda médica. Nesse sentido, a IU é considerada um problema de saúde pública e sua prevalência aumenta com o avanço da idade, embora possa acontecer em qualquer fase da vida5

Atualmente, existem diversas opções terapêuticas disponíveis para o tratamento da IU, como medicamentos, cirurgias e intervenções conservadoras. A ICS recomenda que as intervenções conservadoras, ou seja, a fisioterapia pélvica, sejam realizadas antes das intervenções cirúrgicas, uma vez que curam ou melhoram a condição de mais de 80% dos pacientes2 Os principais recursos fisioterapêuticos incluem: educação e mudanças de hábitos comportamentais; treinamento vesical; biofeedback; eletroestimulação; cones vaginais; e treinamento muscular do

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assoalho pélvico (TMAP). O TMAP possui nível A de evidência científica, sendo recomendado como tratamento de primeira linha para mulheres com IU1,6. Apesar disso, a maioria das pacientes são encaminhadas para a cirurgia antes mesmo de realizar a fisioterapia pélvica.

A Agência Nacional de Saúde (ANS) regulamenta que o fisioterapeuta é profissional de primeiro contato, isto é, pode atender o paciente sem necessariamente haver encaminhamento por outro profissional de saúde2. A intervenção supervisionada e orientada pelo fisioterapeuta pélvico não representa a realidade das mulheres que sofrem com IU na Atenção Primária à Saúde (APS). Além da eficácia do tratamento conservador, o tratamento é indicado como principal alternativa na APS, pois oferece baixo risco de efeitos colaterais, não prejudica tratamentos subsequentes e tem o menor custo financeiro7

No Brasil, o tratamento de fisioterapia para mulheres com IU não é usualmente realizado na Atenção Básica (AB), e falta conteúdo científico de como seria essa abordagem no nível primário de atenção à saúde. O objetivo deste trabalho foi verificar quais são as intervenções desenvolvidas pelo fisioterapeuta no tratamento conservador de IU feminina na Atenção Primária à Saúde.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de uma revisão integrativa de literatura desenvolvida a partir da questão norteadora: Quais são as intervenções desenvolvidas por fisioterapeutas para o tratamento de incontinência urinária feminina na Atenção Primária à Saúde?

O desenvolvimento do estudo foi realizado seguindo as etapas: determinação da questão norteadora; definição de palavras-chave, critérios de inclusão e exclusão e busca na literatura; avaliação dos estudos incluídos na revisão; definição das informações a serem extraídas; interpretação dos resultados; e apresentação de síntese do conhecimento produzido8

As buscas foram realizadas nas bases de dados PubMed, SciELO (Scientific Electronic Library Online), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e PEDro (Base de Dados de Evidências em Fisioterapia) a partir dos descritores “incontinência urinária” (urinary incontinence), “fisioterapia” (physiotherapy, physical therapy), “cinesioterapia” (kinesiotherapy), “atenção primária à saúde” (primary health care), “treinamento muscular de assoalho pélvico” (pelvic floor muscle training) e “mulheres” (women), de acordo como a terminologia em saúde DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) da Biblioteca Virtual em Saúde. Para sistematizar as buscas foram utilizados os operadores booleanos com o seguinte esquema: ((incontinência urinária) OR (incontinência urinária de esforço)) AND (atenção primária saúde)

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AND (mulheres) AND ((fisioterapia) OR (cinesioterapia) OR (treinamento muscular do assoalho pélvico)). A mesma busca foi também realizada em inglês.

Os critérios de elegibilidade foram: artigos sobre intervenções realizadas exclusivamente pelo fisioterapeuta para o tratamento da IU feminina na APS, disponíveis na íntegra, sem restrição de ano de publicação e restritos a estudos brasileiros publicados em português ou inglês.

Foram excluídas intervenções fisioterapêuticas realizadas por outros profissionais (enfermeiros, médicos etc.), revisões de literatura, monografias, teses ou trabalhos que descreviam atividades acadêmicas.

A busca foi realizada por uma pesquisadora, de forma independente, no mês de fevereiro de 2022. O processo de seleção dos artigos envolveu a triagem e leitura dos títulos/ resumos. Posteriormente foram obtidos os textos completos dos artigos potenciais para a análise dos critérios de exigibilidade.

RESULTADOS

Inicialmente foram encontrados 231 artigos que continham os descritores de busca. Após leitura de títulos/resumos e classificação pelos critérios de elegibilidade foram selecionados quatro artigos. A busca e a seleção dos trabalhos são apresentadas conforme o instrumento PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analyses) e descritas na Figura 1.

Resultado da busca nas bases de dados

PubMed (n=201)

PEDro (n=13)

LILACS (n=12)

SciELO (n=5)

Estudos selecionados

PubMed (n=200)

PEDro (n=2)

LILACS (n=10)

SciELO (n=1)

Avaliação de elegibilidade

LILACS (n=10)

SciELO (n=1)

Estudos incluídos na análise

LILACS (n=3)

SciELO (n=1)

Fonte: Elaboração própria.

Estudos excluídos duplicados nas bases (n=18)

Estudos excluídos após leitura de títulos/resumos (n=202)

Estudos excluídos: (n=7)

Estudos não realizados por fisioterapeutas ou na Atenção Primária ou em outros países

175 v. 46, n. 2, p. 171-183 abr./jun. 2022
Revista Baiana de Saúde Pública Figura 1 – Fluxograma de seleção dos estudos. São Paulo, São Paulo, Brasil – 2022
Inclusão Elegibilidad e T riagem Identificaçã o

Foram incluídos na revisão quatro estudos caracterizados conforme ano de publicação, tipo de estudo, cidade e estado onde foi desenvolvido, tipo de equipe da atenção primária, público-alvo, número de fisioterapeutas participantes e atividades desenvolvidas.

O Quadro 1 demonstra as características e as atividades desenvolvidas na IU pela fisioterapia na atenção primária dos estudos incluídos nesta revisão sistemática.

Quadro 1 – Características e as atividades desenvolvidas na IU pela fisioterapia na Atenção Primária. São Paulo, São Paulo, Brasil – 2022

Autor/ano Tipo de estudo Local Equipe Público-alvo n Atividade desenvolvida

Figueiredo et al., 2012 Relato de experiência Belo Horizonte (MG) UBS Funcionárias da UBS 2

Berlezi, Matins e Dreher, 2013

Ensaio clínico não randomizado, vinculado à pesquisa institucional Catuípe (RS) ESF Mulheres pós-menopausa 1

Alves et al., 2016 Ensaio clínico, randomizado, cego e controlado Congonhal (MG) UBS Mulheres pós-menopausa 1

Vaz et al., 2019 Ensaio controlado não randomizado pragmático Belo Horizonte (MG) UBS

n = número de fisioterapeutas atuantes nos programas

ESF = Estratégia Saúde da Família

UBS = Unidade Básica de Saúde

Fonte: Elaboração própria.

Mulheres que frequentaram as UBS 1

Educação das funcionárias da UBS com programas teóricos e práticos e discussões acerca da atenção fisioterapêutica sobre incontinência urinária, a fim de que pudessem encaminhar com maior propriedade as usuárias ao serviço.

Avaliação individualizada das participantes e desenvolvimento de um programa de exercícios individualizados para realizar em casa, bem como consulta quinzenal para orientação, supervisão e revisão/evolução dos exercícios.

Desenvolvimento e inserção de um programa de treinamento do assoalho pélvico em um programa de atividade física.

Desenvolvimento de um programa de treinamento do assoalho pélvico, treinamento vesical e instruções escritas para realizar o treinamento em casa.

O objetivo do trabalho de Figueiredo et al.4 foi identificar as usuárias com queixa de IU e implementar tratamento fisioterapêutico na unidade de AB. Essa necessidade surgiu dos profissionais da Estratégia em Saúde da Família (ESF) devido à queixa frequente pelas usuárias de perda involuntária de urina. Foi definido um protocolo no qual os profissionais da ESF aplicariam

o International Consultation on Incontinence Questionnaire – Short Form (ICIQ-SF) durante o acolhimento das usuárias, no entanto, foi observado que essas profissionais apresentavam dúvidas em relação ao assunto. Dessa forma, todas as mulheres que trabalhavam na Unidade

Básica de Saúde (UBS) foram convidadas a participar das dinâmicas. Das funcionárias da UBS, 28 participaram do programa, que foi elaborado em três etapas: (1) programa educativo

176

teórico por meio de aulas expositivas em datashow, linguagem fácil e compreensível com os temas conceitos, sinais, sintomas, tipos de IU, fatores de risco modificáveis, terapias e medidas preventivas – foram utilizados modelos anatômicos, bem como vídeo demonstrando a contração ativa dos músculos do assoalho pélvico (MAP) –; (2) programa educativo e prático com ênfase na região pélvica e práticas de percepção corporal por meio de autopalpação dos limites ósseos pélvicos e assoalho pélvico – posteriormente foi solicitada contração por meio de comandos verbais como “aperte o ânus e a vagina como se fosse segurar o xixi” –; e (3) discussão sobre as dúvidas. O programa de educação e tratamento das participantes foi realizado por duas fisioterapeutas pós-graduandas em saúde da mulher.

Durante as dinâmicas, duas participantes queixaram-se de perdas involuntárias de urina e foram encaminhadas ao tratamento fisioterapêutico especializado.

Figueiredo et al.4 chamam atenção para a demanda dos profissionais da atenção básica por informações sobre como prevenir a IU. Como resultado do programa de educação em saúde para as funcionárias da ESF, houve um aumento do número de usuárias com sintomas de IU encaminhadas ao serviço de fisioterapia.

Berlezi, Martins e Dreher9 avaliaram a eficiência de um programa individualizado de exercícios para IU executado no espaço domiciliar sob supervisão e avaliação de um fisioterapeuta. A amostra foi composta de cinco mulheres pós-menopausa residentes na área urbana de Catuípe (RS).

O exame físico foi constituído da avaliação abdominal e da avaliação do assoalho pélvico. Na avaliação abdominal houve a inspeção de cicatrizes e de padrão respiratório, palpação para identificar algias, flatos, impactação fecal, tônus diafragmático, abdominal e diástase e foi realizado o teste da tosse. Na avaliação do assoalho pélvico houve a inspeção do óstio da vagina, distância ânus-vulva, pregas anais e presença de matéria fecal, sensibilidade, motricidade, tônus e reflexos perineais e presença de prolapsos. Foi aplicado o esquema PERFECT para avaliar a funcionalidade da musculatura do assoalho pélvico a partir da mensuração da força/Power (P), resistência/Endurance (E), número de repetições/Repetitions (R) e contrações rápidas/Fast (F). Com base nos resultados da avaliação, foram elaborados programas de exercícios individualizados. O programa individualizado foi composto de ginástica hipopressiva (GH) e exercícios de TMAP, realizado três vezes na semana, por 12 semanas. A cada 15 dias, a participante fazia uma consulta para orientação, supervisão e revisão dos exercícios. Tanto o programa individualizado como a consulta foram realizados por um fisioterapeuta.

As participantes foram indagadas quanto ao uso de algum tipo de protetor, mudança na ingesta hídrica e em qual intensidade, entre grande (tossir), moderada (espirrar

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Revista Baiana de Saúde Pública

e caminhar rapidamente) ou pequena (troca de posições), ocorriam as perdas urinárias ou quando havia situações de estresse, frio, barulho de torneira e mãos na água.

Após a intervenção, houve redução de 80% de queixas de perda de urina ao esforço, redução de 40% na sensação de vontade de urinar em situações de estresse, frio, barulho de torneira e mãos na água e presença de continência em 100% das mulheres em situação de instabilidade.

Segundo Berlezi, Martins e Dreher9, a maior contribuição do estudo está na proposta de um protocolo de tratamento simples e de baixo custo, que se mostra efetivo e com possibilidade de atender um maior número de mulheres, seja para reabilitação ou prevenção, garantindo melhor qualidade de vida.

No estudo de Alves et al.10, foram avaliadas 42 mulheres pós-menopausa divididas em dois grupos sorteados: grupo de tratamento (GT) e grupo controle (GC). Os grupos foram considerados homogêneos na avaliação inicial. Três mulheres do GT (14,28%) e nove do GC (42,85%) não completaram o estudo, observando assim a maior adesão ao GT. A prevalência de IU, a qual foi investigada pelo questionário ICIQ-SF, foi de 83,33% na avaliação inicial, sendo a IUM presente em 76,92%, IUE em 15,38% e IUU em 7,69%.

O programa foi supervisionado por um fisioterapeuta treinado por uma especialista em saúde da mulher e urologia. Para o GT o protocolo constituiu-se de 12 sessões com 30 minutos de duração e realizadas duas vezes na semana, totalizando seis semanas. No programa de TMAP foram incluídos exercícios de mobilidade pélvica, alongamento, fortalecimento e relaxamento realizados nas seguintes posições: decúbito dorsal; sentada no solo; sentada sobre a bola; cócoras; e posição ortostática. Foram realizadas quatro séries de dez contrações rápidas e quatro séries de dez contrações sustentadas dos MAP, com manutenção de oito segundos de contração e 16 segundos de relaxamento distribuídos durante os exercícios acima descritos. Ambos os grupos realizaram um programa de atividade física geral.

Após o tratamento, por meio do questionário ICIQ-SF observou-se que houve um decréscimo significativo no GT na frequência da IU (p = 0,0009), enquanto no GC não foram encontradas diferenças significativas em nenhum dos quesitos do questionário.

No caso de indícios de bexiga hiperativa, avaliados pelo International Consultation on Incontinence Overactive Bladder Questionnaire (ICIQ-OAB), foi observado decréscimo dos sintomas somente no GT (p < 0,0001). Os sintomas que mostraram decréscimo significativo foram frequência urinária, noctúria e urgência.

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A melhora dos sintomas urinários no GT também foi encontrada com o aumento da força muscular (p = 0,001) realizado pela palpação digital e da atividade eletromiográfica da MAP (p = 0,003) por meio da eletromiografia de superfície.

Alves et al.10 recomendam a incorporação de um programa de TMAP à atenção básica de saúde com o intuito de diminuir as morbidades e o impacto na qualidade de vida na população feminina.

Vaz et al.11 investigaram a implementação e a eficácia da intervenção fisioterapêutica incluindo TMAP e treinamento vesical para tratar mulheres com IU nos centros de APS. A amostra consistiu em 78 mulheres, as quais foram alocadas em dois grupos: Grupo Casa (GC) e Grupo Unidade de Saúde (GU). Após duas semanas de intervenção, seis (33,3%) participantes do GU e 12 (66.7%) do GC deixaram o estudo. Os grupos foram considerados estatisticamente semelhantes quanto às variáveis sociodemográficas e clínicas. Os sintomas mais prevalentes de IU foram relacionados à IUM relatada por 42 mulheres (70,0%), seguidos de sintomas exclusivos de IUE em 13 mulheres (21,7%) e sintomas exclusivos de IUU em cinco participantes (8,3%).

O desfecho primário foi a gravidade dos sintomas de IU, definida como a quantidade e a frequência da perda de urina durante 24 horas, medidas em gramas pelo teste do absorvente (pad test) de 24 horas e pelo diário miccional de 24 horas, respectivamente. O desfecho secundário foi o impacto dos sintomas de IU nas atividades diárias, medido pelo escore total do ICIQ-SF.

O protocolo de tratamento foi composto por TMAP e instruções escritas sobre como realizar TMAP em casa, treinamento vesical (informações sobre hábitos de micção adequados e ingestão de líquidos) e um diário para registrar a intervenção fisioterapêutica. O TMAP consistiu em até dez contrações de MAP sustentadas de acordo com a resistência de cada participante e até dez contrações rápidas dos MAP três vezes ao dia, sete dias por semana, durante 12 semanas. O programa de tratamento foi conduzido por um fisioterapeuta especializado em saúde da mulher.

Após o tratamento notou-se redução significativa na gravidade da perda de urina (p = 0,004; d = 0,13; 95% IC = −0,23 a 0,49) por meio do pad test de 24h, na frequência de perda urinária (p = 0,003; d = 0,51; IC 95% = 0,14 a 0,87) através do diário miccional de 24h e no escore total do ICIQ-SF (p < 0,001; d = 1,26; IC 95% = 0,87 a 1,66). Esses resultados foram identificados a partir da sexta semana de intervenção para ambos os grupos. Além disso, os resultados positivos permaneceram um mês após o término da intervenção.

Vaz et al.11 concluíram que a intervenção fisioterapêutica composta por TMAP e treinamento vesical foi implementada, agiu de modo eficaz no tratamento de mulheres com IU

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Revista Baiana de Saúde Pública

nos centros de saúde e mostrou resultados positivos em seis semanas de intervenção até um mês após a alta. Os autores destacaram, ainda, que a partir de uma perspectiva na saúde vale a pena oferecer programas educacionais associando o TMAP ao treinamento vesical para mulheres com IU em centros de saúde primários, devido ao seu potencial para reduzir prejuízos tanto para a mulher quanto para o sistema de saúde. Assim, sua implementação deve ser considerada por gestores de saúde nos centros de APS.

DISCUSSÃO

O modelo de atenção primária à saúde foi inserido pela implantação do SUS com o objetivo de reorientar o sistema e valorizar ações de promoção de saúde e prevenção de agravos12. Em 1994, o Ministério da Saúde fortaleceu o modelo de atenção primária criando a ESF, que reafirma a assistência integral e multiprofissional centrada na comunidade. A ESF é formada por uma equipe mínima multiprofissional que inclui médico, enfermeiro, auxiliar técnico em enfermagem, agentes comunitários de saúde e profissionais de saúde bucal.

Em 2008, surgiram os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), que têm por objetivo prestar auxílio às equipes da ESF e ampliar a oferta do cuidado no nível primário, reafirmando a integralidade, qualidade e resolubilidade do sistema13. Apenas o Nasf contempla o profissional fisioterapeuta na atenção primária, no entanto, a inclusão desse profissional fica a cargo do gestor municipal que o designa a depender das necessidades locais14. O papel do fisioterapeuta na atenção primária envolve ações como educação, atendimentos individuais que devem ser realizados considerando a singularidade do paciente, atividades em grupo focadas na promoção de saúde, visitas domiciliares e investigação epidemiológica com vistas à promoção e à prevenção de acordo com cada realidade15

Sendo a IU um problema de saúde pública, é essencial a presença do fisioterapeuta a fim de criar estratégias tanto educacionais como de tratamento. Esta revisão mostra que, independentemente das limitações de cada artigo, do tamanho das amostras e das características/ tipo de estudo, a atuação da fisioterapia no tratamento de IU na atenção básica ainda está em construção, sendo de extrema importância a atuação desse profissional. A fisioterapia pélvica é considerada padrão ouro para tratamento de IU. O TMAP é recomendado pela ICS como primeira linha de tratamento da IU por apresentar menos complicações e ser um método menos invasivo, além de curar ou melhorar 80% dos casos. Neste estudo, todos os artigos selecionados realizaram o TMAP e, como consequência, houve melhora significativa nos resultados da perda urinária, da frequência e na qualidade de vida.

180

Além disso, a ICS recomenda a educação da população. O artigo de Figueiredo et al.4 demonstra claramente a importância da educação em saúde, tanto para as usuárias como para as funcionárias e profissionais de saúde da UBS. O estudo de Silva et al.2 destaca também a importância de estratégias educacionais: educar a população de que a IU é um problema de saúde, educar a população e os profissionais de saúde que existe tratamento para IU e que a primeira opção de tratamento é a fisioterapia, educar a população e os profissionais de saúde a respeito dos fatores de risco para IU, como a grande maioria pode ser prevenida e como prevenir.

É importante ressaltar que a inserção de programas educativos e de TMAP em grupo para a prevenção e tratamento da IU gera custo relativamente menor quando comparada ao tratamento individual, empoderando as mulheres a manter um processo contínuo de aprendizado, promoção e autogestão da saúde10

Outro ponto importante é que as intervenções fisioterapêuticas dos artigos selecionados foram realizadas por fisioterapeutas pélvicos, ou seja, fisioterapeutas especialistas em saúde da mulher, na área de fisioterapia pélvica ou ainda treinados por especialistas dessa área.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos que se faz necessária a atuação do fisioterapeuta no tratamento de IU na APS, sendo esse o profissional capacitado para atuar no tratamento de primeira linha dessa disfunção, podendo inclusive ser o primeiro contato do paciente na atenção primária. Cabe ressaltar que a especialidade que trata disfunções de assoalho pélvico é a fisioterapia pélvica, sendo esse o profissional capacitado para desenvolver tal função.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Ana Paula Malinauskas.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Ana Paula Malinauskas, Luiza Torelli.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Luiza Torelli.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Ana Paula Malinauskas.

REFERÊNCIAS

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Revista Baiana de Saúde Pública

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2. Silva LT, Nunes EFC, Latorre GFS. O conhecimento de mulheres sobre incontinência urinária e atuação da fisioterapia: revisão sistemática. Rev Baiana Saúde Pública. 2019;43(3):641-52.

3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política nacional de atenção integral à saúde da mulher: princípios e diretrizes. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2004.

4. Figueiredo EM, Baracho SM, Vaz CT, Sampaio RF. Educação de funcionárias de unidade básica de saúde acerca da atenção fisioterapêutica na incontinência urinária: relato de experiência. Fisioter Pesqui. 2012;19(2):103-8.

5. Souza J, Ferreira V, Oliveira R, Cestari CE. Avaliação da força muscular do assoalho pélvico em idosas com incontinência urinária. Fisioter Mov. 2011;24(1):39-46.

6. Bo K, Frawley HC, Haylen BT, Abramov Y, Almeida FG, Berghmans B, et al. An International Urogynecological Association (IUGA)/International Continence Society (ICS) joint report on the terminology for the conservative and nonpharmacological management of female pelvic floor dysfunction. Neurouro Urodyn. 2017;36(2):221-44.

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8. Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & Contexto Enferm. 2008;17(4):758-64.

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15. Oliveira FC, Tranin CA, Gomide CMO. Importância do fisioterapeuta na atenção básica de saúde. Rev Fac Ciênc Méd Sorocaba. 2015;17(3):110-5.

Recebido: 25.4.2022. Aprovado: 6.10.2022. Publicado: 12.1.2023.

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Revista Baiana de Saúde Pública

ARTIGO DE REVISÃO

ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA BRASILEIRA NO PRIMEIRO ANO DA PANDEMIA DA COVID-19: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

Léia Silva Almeidaa

https://orcid.org/0000-0002-1691-8276

Joslene Lacerda Barretob

https://orcid.org/0000-0001-5056-1621

Resumo

O objetivo deste artigo foi identificar os desafios e oportunidades vivenciados pela assistência farmacêutica do Brasil no primeiro ano da pandemia da covid-19. Foi realizada revisão integrativa da literatura com base nos artigos de periódicos científicos, buscando identificar trabalhos relacionados à assistência farmacêutica no Brasil, publicados no período de março de 2020 a março de 2021. Foram incluídos nos resultados desta pesquisa 11 artigos elegíveis, que após análise foram agrupados em duas categorias com a finalidade de facilitar o entendimento quanto às diferentes áreas de atuação do profissional farmacêutico: atividades gerenciais; atividades clínicas, tendo esta como subcategorias a experiência em home care e ambulatorial; e atividades clínicas voltadas para orientação quanto ao uso racional de medicamento (URM). Os achados apontam como desafios mais frequentes os relacionados às atividades gerenciais e clínicas do farmacêutico, com destaque para aqueles referentes à orientação dos pacientes quanto ao uso racional de medicamentos, reestruturação dos serviços farmacêuticos, treinamento da equipe, adoção de novos protocolos farmacêuticos, planejamento da aquisição de medicamentos em larga escala para atender a demanda pandêmica, complexidade na farmacoterapia da covid-19, atuação na equipe multiprofissional, aquisição de novos conhecimentos, uso de novas tecnologias e implementação de novas práticas farmacológicas e não farmacológicas para o cuidado farmacêutico no contexto da covid-19.

Palavras-chave: Área de atuação profissional. Assistência farmacêutica. Covid-19. Farmacêutico.

a Bacharel em Farmácia pela Universidade Federal da Bahia. Desenvolve Projetos na Área de Empreendedorismo Aplicado à Farmácia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: aiel13@bol.com.br b Farmacêutica. Doutora e Mestre em Administração. Docente da Faculdade Farmácia na Universidade Federal da Bahia. Coordenadora do Núcleo de Estudos e pesquisas em Assistência Farmacêutica (Nepaf). Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: joslene@ufba.br

Endereço para correspondência: Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Farmácia. Núcleo de Estudos e Pesquisas em Assistência Farmacêutica. Rua Barão do Jeremoabo, n. 147, Ondina. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40170-115. E-mail: aiel13@bol.br

184 184
10.22278/2318-2660.2022.v46.n2.a3626
DOI:

BRAZILIAN PHARMACEUTICAL CARE IN THE FIRST YEAR OF THE COVID-19 PANDEMIC: AN INTEGRATIVE REVIEW

Abstract

This article aimed to identify the challenges and opportunities experienced by pharmaceutical assistance in Brazil in the first year of the COVID-19 pandemic. An integrative literature review was carried out based on publications in articles in scientific journals, seeking to identify works related to pharmaceutical care in Brazil, published from March 2020 to March 2021. A total of 11 eligible articles were included in the results of this research, which after analysis were grouped into two categories to facilitate the understanding of the different areas of activity of the pharmacist: managerial activities; clinical activities, with the following subcategories: experience in homecare and outpatient care; and clinical activities aimed at guidance on the rational medicine use (RMU). The findings indicate that the most frequent challenges are those related to the managerial and clinical activities of the pharmacist, especially those related to patient guidance on the rational medicine use, restructuring of pharmaceutical services, team training, adoption of new pharmaceutical protocols, acquisition planning of large-scale medicines to meet the pandemic demand, complexity in the pharmacotherapy of COVID-19, actuation in the multiprofessional team, acquisition of new knowledge, use of new technologies, and implementation of new pharmacological and non-pharmacological practices for pharmaceutical care in the context of COVID-19.

Keywords: Area of professional performance. Pharmaceutical care. COVID-19. Pharmacist.

ASISTENCIA FARMACÉUTICA BRASILEÑA EN EL PRIMER AÑO DE LA PANDEMIA DEL COVID-19:

UNA REVISIÓN INTEGRADORA

Resumen

El objetivo de este artículo fue identificar los desafíos y oportunidades experimentados por la asistencia farmacéutica en Brasil en el primer año de la pandemia del covid-19. Se realizó una revisión integradora de la literatura basada en publicaciones en revistas científicas para identificar trabajos relacionados con la atención farmacéutica en Brasil, publicados entre marzo de 2020 y marzo de 2021. Como resultado de esta investigación se obtuvieron 11 artículos elegibles, que después del análisis se agruparon

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Revista Baiana de Saúde Pública

en dos categorías para facilitar la comprensión de las diferentes áreas de actividad del farmacéutico: actividades directivas; actividades clínicas, con las siguientes subcategorías: experiencia en atención domiciliaria y ambulatoria; y actividades clínicas dirigidas al uso racional de medicamentos (URM). Los hallazgos indican que los desafíos más frecuentes son los relacionados con las actividades gerenciales y clínicas del farmacéutico, especialmente los relacionados con la orientación del paciente sobre el uso racional de los medicamentos, la reestructuración de los servicios farmacéuticos, la formación de equipos, la adopción de nuevos protocolos farmacéuticos, la planificación de adquisiciones de medicamentos a gran escala para atender la demanda pandémica, complejidad en la farmacoterapia del covid-19, actuación en el equipo multiprofesional, adquisición de nuevos conocimientos, uso de nuevas tecnologías e implementación de nuevas prácticas farmacológicas y no farmacológicas para la atención farmacéutica en el contexto del covid-19. Palabras clave: Área de desempeño profesional. Servicios farmacéuticos. Covid-19. Farmacéutico.

INTRODUÇÃO

O início do século XXI está marcado pela pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 (covid-19), a qual já matou mais pessoas que o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e o sarampo juntos apenas no ano de 2020. Além de causar danos econômicos, sociais e emocionais a toda população mundial, acarretou colapso na saúde pública mundial, tais danos serão responsáveis por inúmeros efeitos negativos nos próximos anos1

Até 17 de maio de 2021, mais de 163 milhões de casos e 3,38 milhões de mortes foram relatados em 220 países. A covid-19 provocou o colapso da saúde pública mundial, revelando à população a importância da atenção básica, a fragilidade dos serviços de saúde pública e a importância do trabalho conjunto entre todos os profissionais de saúde, governos, economia e ciência para a subsistência da humanidade2

Com a ausência de tratamento específico para a cura dessa doença, cientistas de todo o mundo se reuniram para descobrir formas de conter esse vírus. A pandemia evidenciou que a saúde individual está atrelada à saúde da comunidade, que, por sua vez, é dependente da complexa ação conjunta dos serviços de saúde e outras organizações, além de fatores sociais, culturais, econômicos, entre outros3

No âmbito das pesquisas em saúde no período da pandemia, destacaram-se estudos sobre terapias medicamentosas adequadas para redução da infecção provocada pelo vírus e desenvolvimento de vacinas em tempo recorde. Para que isso fosse possível, se fez presente a pressão

186

pela aceleração dos processos regulatórios para liberação de vacina ou produto terapêutico destinado ao tratamento da covid-19, incluindo análises de submissões de medicamentos e aplicações de ensaios clínicos4

O tempo recorde de liberação das vacinas somado à ausência de conhecimentos específicos da população sobre o tema e a disseminação maciça de informações inverídicas, as chamadas fakes news, aumentaram as dúvidas da população quanto a sua eficácia e eficiência, incentivando alguns movimentos antivacinas. Intensificando esse cenário de confusão, incertezas e medos que se instalou no Brasil, destacam-se a disseminação de falsas informações quanto à prevenção da covid-19, o aumento exponencial dos infectados, de óbitos, da taxa de ocupação de leitos clínicos e de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) somados à falta de medicamentos, equipamentos de manutenção da vida em ambiente hospitalar e de proteção individual. Nesse contexto, aumentou-se a busca frenética por uma solução preventiva e curativa por meio de automedicação, estimulada com a indicação de terapias medicamentosas sem comprovação científica, apoiadas inclusive pelo Governo Federal, a exemplo do tratamento precoce com cloroquina e hidroxicloroquina em associação com azitromicina e ivermectina, que foram incluídos no controverso “kit covid”5

Destaca-se, nesse contexto de crise, a importância da assistência farmacêutica (AF) como parte integrante do sistema de saúde pública, com seu caráter sistêmico, multidisciplinar, atuando como facilitadora e promotora para o acesso e uso racional dos medicamentos a partir do cuidado farmacêutico6

Um dos grandes desafios do farmacêutico é equalizar a promoção do uso racional dos medicamentos e melhora na qualidade de vida dos indivíduos, atuando na otimização da eficácia do sistema de distribuição pública com redução de custos. No primeiro ano de pandemia, com o estímulo à automedicação, urgiu a promoção de estratégias que visassem orientar a população, evitando o uso indiscriminado de medicamentos1,6

Ao considerar que as necessidades de saúde da população devem orientar as ações dos profissionais de saúde, valorizando a racionalidade terapêutica, as preferências individuais e o contexto da comunidade7, cabe ressaltar que, como apoio efetivo às redes de atenção à saúde (RAS), a assistência farmacêutica envolve tanto atividades técnico-gerenciais quanto atividades clínicas de cuidado à saúde do indivíduo e da comunidade, no sentido de ampliar o acesso, a adesão e o uso racional às terapêuticas medicamentosas, contribuindo para a qualificação do cuidado à saúde prestado ao usuário do Sistema Único de Saúde

(SUS)8

As atividades técnico-gerenciais e clínicas devem ser desenvolvidas no sentido de se retroalimentar, buscando a avaliação sistemática para garantir a efetividade do serviço prestado.

187 v. 46, n. 2, p. 184-198 abr./jun. 2022
Revista Baiana de Saúde Pública

Nesse sentido, devem ser incorporadas tecnologias de apoio a prescrição, armazenamento, dispensação e controle de medicamentos, assim como a farmacovigilância, além de garantir as ações assistenciais que visam o cuidado para além da entrega do medicamento e que exigem tecnologias leves e de alta complexidade, permitindo o atendimento individualizado e coletivo9

Os serviços farmacêuticos visam proporcionar conhecimento a partir de informações e cuidado ao paciente, à família e à comunidade, de forma a promover o uso racional de medicamentos (URM), otimizar a farmacoterapia e reduzir as reações adversas a medicamentos (RAM). Além disso, devem promover atualizações dinâmicas de conhecimentos farmacológicos, terapêuticos e de condições de saúde da população aos outros profissionais de saúde, somando aos outros conhecimentos específicos de cada área6,7

Por entender que o primeiro ano da pandemia provocada pelo coronavírus exigiu dos serviços farmacêuticos um esforço maior no sentido de enfrentar os desafios impostos pela emergência sanitária, ao mesmo tempo que superam os antigos problemas que o setor já vinha enfrentando – sobretudo em relação à execução de atividades clínicas e gerenciais que fortaleçam o vínculo com a população usuária do serviço e com a RAS –, este estudo pretende identificar, por meio de uma revisão integrativa da literatura, as atividades desenvolvidas pela assistência farmacêutica do Brasil no contexto da pandemia da covid-19, entre os anos de 2020 e 2021. Com isso, busca-se analisar os desafios e as oportunidades enfrentados pela assistência farmacêutica a partir de uma classificação das atividades desenvolvidas.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura com base nas publicações em periódicos científicos, por meio das plataformas de pesquisas acadêmicas SciELO e LILACS. Para a busca, foram considerados os seguintes descritores, em língua portuguesa e inglesa: “assistência farmacêutica”, “covid-19” e “serviços farmacêuticos”. Foi utilizado o operador booleano “and” para cruzamento entre os descritores utilizados para localizar as publicações.

A pesquisa adotou como critérios de inclusão as publicações referentes à assistência farmacêutica no Brasil no período de março de 2020 a abril de 2021 e artigos em português. Os critérios de exclusão incluíram as publicações que não estavam relacionadas ao tema proposto, nem no país de origem da pesquisa (Brasil), e aquelas que não se referiram ao período da pandemia.

Foram encontrados nas plataformas digitais no período de março de 2020 a abril de 2021 o total de 177 artigos. Destes, 33 foram excluídos por repetição, restando 144.

188

Após leitura dos resumos, 133 foram excluídos por não apresentarem correlação direta com o tema proposto e 11 artigos foram selecionados para este estudo (Figura 1).

As publicações foram lidas na íntegra, buscando classificar as atividades do serviço farmacêutico descrito em duas categorias básicas: atividades gerenciais e atividades clínicas. Esta última foi subdividida em ações ambulatoriais e home care e ações direcionadas à orientação quanto ao uso racional de medicamentos (URM).

Salvador, Bahia, Brasil – 2020

Busca de referências

Identificadas por meio da busca de dados (SciELO e LILACS)

(N=177)

Número de artigos selecionados (N=144)

Artigos em duplicidade (N=33)

Artigos excluídos por não apresentarem relação com AF e covid-19 de 2020-2021 (N=133)

Número de estudos incluídos na síntese qualitativa (N=11)

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os estudos que apresentaram elegibilidade e foram incluídos na síntese qualitativa foram separados em duas categorias – atividades gerenciais e atividades clínicas –, com a finalidade de facilitar o entendimento quanto às diferentes áreas de atuação do profissional farmacêutico e com base nos desafios e oportunidades das respectivas áreas envolvidas (Gráfico 1).

189 v. 46, n. 2, p. 184-198 abr./jun. 2022
Revista Baiana de Saúde Pública Figura 1 – Fluxograma de busca dos artigos da revisão sistemática e critérios de seleção. Fonte: Elaboração própria.

ATIVIDADES GERENCIAIS

Foram selecionados cinco artigos que tratam sobre aspectos gerenciais da assistência farmacêutica no enfrentamento da pandemia, o que revela a importância dessas atividades (Quadro 1).

A análise desses artigos permitiu identificar que os principais desafios que a assistência farmacêutica vem enfrentando em relação às atividades gerenciais são, na maioria, compartilhados entre as farmácias hospitalares e comunitárias das redes privadas e públicas. As dificuldades se dão na busca de adequar essas farmácias, de forma a evitar escassez e desperdício de medicamentos, atendendo à elevada demanda pandêmica e garantindo a regulação econômica e sanitária10,11,12,13,14

As atividades gerenciais englobam a aquisição, distribuição e programação de medicamentos. Foi perceptível nos estudos a análise de produções técnicas e científicas já publicadas a respeito, com a adaptação para as normas gerais em tempo de pandemia10,11,12,13,14. Quanto à aquisição, houve maior preocupação para a manutenção dos estoques, atentando-se ainda para o cuidado de não manter contato direto com os fornecedores, mas sim por videochamadas. Houve também maior atenção para os sobrepreços devido à alta procura e à qualidade técnico-sanitária dos medicamentos e produtos10. Além disso, a aquisição apareceu como uma das atribuições dos serviços farmacêuticos hospitalares (SFH)13

190
Gráfico 1 – Categoria dos principais serviços de AF do Brasil – 2020-2021. Salvador, Bahia, Brasil – 2020
ESTUDOS POR CATEGORIA Orientação
27% 46% 27%
Gestão Atv. Clínicas e home care
URM
Fonte: Elaboração própria.

A distribuição teve por objetivo principal assegurar a terapia dos pacientes, sendo necessário avaliar o grau de urgência de cada caso. Também se sobressai a necessidade de o farmacêutico monitorar o armário dos medicamentos. A desinfecção dos medicamentos era uma das medidas orientadas para garantir a segurança em todo o processo10,11,14,15

A programação consistiu em verificar, junto às demais equipes, os impactos causados pela pandemia nos pacientes, identificar as medicações e produtos que seriam mais consumidos durante determinado período, avaliar e reavaliar os quantitativos informados, ampliar o tempo na reposição dos estoques, atentar-se para os principais impactos de fornecimentos e comunicar às Comissões de Farmácia e Terapêutica (CFT) em caso de provável ruptura de estoque10

Dentre os desafios enfrentados pelo serviço farmacêutico no primeiro ano da pandemia de covid-19 no Brasil, destaca-se a necessidade de implantar mudanças gerenciais nas rotinas do trabalho, com vista a definir, elaborar e supervisionar medidas preventivas nas farmácias de unidades hospitalares e comunitárias, seja na rede privada ou na pública, com apoio dos colaboradores, objetivando conter a transmissão e evitar o crescimento da doença10,11

Dessa forma, promover a reestruturação dos serviços farmacêuticos em resposta à covid-19 foi assumido como desafio para proteger toda equipe de modo a não comprometer os serviços, a exemplo da organização de escalas de revezamento dos funcionários para manter o atendimento seguro e de qualidade13. Nesse mesmo sentido, o desafio de acompanhar os avanços tecnológicos oportunizou ao serviço farmacêutico investir em produção e desenvolvimento (P&D), por exemplo: participação em treinamentos, pesquisas e troca de informações com demais profissionais da equipe multiprofissional, implantação de novas atividades como a testagem para detecção da covid-19 nas farmácias comunitárias, desafogando as redes de hospitais10, além da implantação de outras atividades necessárias ao serviço farmacêutico – como o atendimento farmacêutico remoto em unidades de farmácias hospitalares de redes públicas13,14.

A gestão das farmácias comunitárias e hospitalares em tempo de covid-19 incorporou demandas urgentes de treinamento não só para equipe, mas também para a educação em saúde da sociedade. Nesse sentido, foi dada prioridade à orientação dos pacientes quanto às formas de prevenção da doença, a exemplo da ampliação dos cuidados de higiene e os cuidados com o uso de medicamentos, considerando o aumento significativo na procura de tratamentos preventivos ou curativos nos serviços de farmácia, provocado tanto pelo medo disseminado com a expansão do número de caso e óbitos quanto pela disseminação de informações sobre falsos tratamentos. Essa situação ressaltou a importância da qualificação da equipe da farmácia para disseminação de informações seguras e confiáveis para a contenção do vírus e orientação dos pacientes 12,13 .

191 v. 46, n. 2, p. 184-198 abr./jun. 2022
Revista Baiana de Saúde Pública

Cabe destacar que esses desafios enfrentados são entendidos pelos diferentes autores como oportunidades para o aprimoramento das atividades gerenciais do serviço farmacêutico ofertado. Nesse sentido, é possível destacar a importância do farmacêutico na integração da equipe de saúde atuante no enfrentamento da covid-19 por meio da execução da prática da AF e da orientação quanto ao uso adequado dos medicamentos, reduzindo agravamentos e desafogando as unidades hospitalares11,12 As novas atribuições assumidas pelos farmacêuticos possibilitaram o estreitamento de vínculos de confiança com a população11,12. Além disso, elas facilitaram o estabelecimento e o fortalecimento de alianças e parcerias entre as farmácias comunitárias e as hospitalares, das redes privada e pública, com implantação de estratégias para dispensação de medicamentos, seja em farmácia comunitária ou com a entrega dos medicamentos em domicílio, e assistência home care, gerando benefícios para os pacientes12,14,15

Quadro 1 – Trabalhos relacionados a atividades gerenciais. Salvador, Bahia, Brasil – 2020

ANO AUTOR TÍTULO RESUMO

2020 Silva e Araújo16

2020 Pinto11

2020 Santos e Santos12

2020 Farinha e Rijo13

2020 Rossignoli et al.14

Fonte: Elaboração própria.

Clinical and community pharmacist’s role in the COVID-19 pandemic

Critérios e cuidados individuais e coletivos nas drogarias em tempo de covid-19

As farmácias comunitárias na pandemia covid-19: alianças estratégicas em contexto de incerteza

Os farmacêuticos hospitalares durante a pandemia covid-19

Enfrentamento da covid-19 nas unidades de assistência farmacêutica na Secretaria de Saúde do Paraná

ATIVIDADES CLÍNICAS

Experiência em home care e ambulatorial

Contribuição do farmacêutico para desafogar os serviços públicos por meio da prática da AF.

Responsabilidade do farmacêutico quanto ao controle da infecção pelo coronavírus por meio da assistência farmacêutica.

Atuação do farmacêutico clínico e comunitário frente à pandemia de covid-19.

Planos de contingência e integração do farmacêutico hospitalar na gestão dos insumos durante a covid-19.

Adoção de novas medidas farmacêuticas para contenção do coronavírus no estado do Paraná.

Foram encontrados três trabalhos de caráter qualitativo e exploratório que tratavam sobre os desafios e as oportunidades enfrentados pelos farmacêuticos na realização de atividades clínicas, ambulatoriais e home care em farmácias hospitalares e comunitárias, de unidades públicas e privadas (Quadro 2).

Ainda que tenha sido uma tendência durante a pandemia da covid-19, nos estudos analisados, a experiência home care ficou restrita à atuação farmacêutica, que consistiu na atenção aos

192

cuidados de proteção e aos equipamentos de proteção individual (EPI), no trabalho pelo sistema de telessaúde, bem como na consideração das medidas adotadas de prevenção e proteção contra a covid10

Acerca das atividades ambulatoriais, ainda, foi percebida a limitação de estudos, especialmente por terem sido produzidos no início da pandemia. Dentre as atividades identificadas, lista-se a orientação quanto ao uso da medicação, dosagem, efeitos adversos e interação medicamentosa. Outra atividade não diretamente listada, mas que se apresentava como crucial para o desenvolvimento das atividades ambulatoriais do farmacêutico, refere-se ao acompanhamento e suporte aos outros profissionais para orientação aos pacientes14,16

Se por um lado o serviço farmacêutico enfrenta o desafio de atender às novas demandas dos pacientes com covid-19, por outro lado, esse mesmo desafio permite a oportunidade de adoção de atividades que garantam uma assistência farmacêutica individualizada, com enfoque observacional quanto à clínica do paciente, em virtude das inúmeras particularidades geradas pela covid-19, o que também provoca uma maior interação com a equipe profissional de saúde. Esse desafio foi apontado em dois trabalhos, os quais descreveram a atuação do farmacêutico clínico em UTI de unidades hospitalares de redes públicas e em atendimentos em home care10,16 .

A complexidade da farmacoterapia para enfrentamento dos sintomas e complicações da covid-19 também é referido como um desafio10,16, o que exige do profissional se manter atualizado diariamente quanto ao tratamento mais adequado para o paciente, e em interação constante com a equipe multiprofissional. Visto que não há uma terapia medicamentosa estabelecida, o que pode favorecer o uso inadequado de vários medicamentos e possível aumento de reações adversas ao medicamento (RAM), a interação com a equipe é de alta relevância. Este desafio foi abordado em dois artigos de revisão que retratam a atuação dos farmacêuticos clínicos em farmácias hospitalares de unidades públicas15,16

Por meio desses trabalhos, foi possível constatar que esses desafios apontam para novas oportunidades que contribuem de forma positiva para obtenção de maior reconhecimento do profissional farmacêutico no mercado de trabalho, seja na inclusão de novas tecnologias para garantir assistência farmacêutica de qualidade, objetivando garantir melhor prestação de serviços para a população em hospitais públicos do Paraná14, seja no estreitamento da relação de confiança com o paciente15 e com outros profissionais da saúde10,16, gerando maior reconhecimento profissional.

Enfrentar esses desafios exigiu do farmacêutico a aquisição de novos conhecimentos para atender as demandas do período pandêmico e para obter melhor reconhecimento profissional16

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Revista Baiana de Saúde Pública

Quadro 2 – Trabalhos relacionados a atividades clínicas, home care e ambulatorial.

Salvador, Bahia, Brasil – 2020

ANO AUTOR TÍTULO RESUMO

2020 Silva e Araújo16 Clinical and community pharmacist’s role in the COVID-19 pandemic

2020 Valle et al.15

2020 Rossignoli et al.14

Fonte: Elaboração própria.

Contribuições da farmácia, fisioterapia e psicologia a pacientes com covid-19 em unidades de terapia intensiva

Enfrentamento da covid-19 nas unidades de assistência farmacêutica na Secretaria de Saúde do Paraná.

Contribuição do farmacêutico para desafogar os serviços públicos por meio da prática da AF.

Desafios do farmacêutico quanto à complexidade da farmacoterapia na pandemia de covid-19.

Adoção de novas medidas farmacêuticas para contenção do coronavírus no estado do Paraná.

Orientação quanto ao uso racional de medicamentos (URM)

Foram encontrados três artigos relacionados à assistência farmacêutica na orientação quanto ao uso racional de medicamentos. Tais trabalhos e seus respectivos autores foram destacados no Quadro 312,17,18

A promoção do uso racional de medicamentos aparece como um dos objetivos da atenção farmacêutica (AF)12,17,18. No contexto da pandemia, esses objetivos foram acentuados diante do aumento da procura por unidades farmacêuticas para a automedicação17. Nesse contexto, houve atenção especial para que se dessem orientações para evitar a automedicação, agravo de doenças, intoxicações17. Além das orientações para a busca por maior evidência científica quanto ao uso dos medicamentos, considerando que o período também foi propício para o aumento de informações equivocadas sobre a utilização de determinados medicamentos como o exemplo das aminoquinolinas (hidroxicloroquina e cloroquina)18.

A orientação dos pacientes quanto ao uso racional de medicamentos é um desafio comum apontado em todos os artigos. Foi evidenciada a importância da assistência farmacêutica para redução de danos e agravos à saúde12,17,18, além de ser uma excelente oportunidade para a prática da prescrição de terapêuticas farmacológicas e não farmacológicas pelo farmacêutico em casos não confirmados de coronavírus, prevenindo o uso inadequado de medicamentos e agravamento clínico por RAM e da infecção pelo vírus18.

Entre as atividades clínicas a redução de RAM, foi apontada como desafiadora no atual momento pandêmico, com destaque para importância da AF em fornecer recomendações baseadas em evidências científicas em unidades hospitalares, no caso de um dos estudos analisados, de um hospital público18. Outro desafio enfrentado por farmacêuticos em unidades

194

de farmácias comunitárias públicas e privadas18 está em contribuir para redução da sobrecarga no ambiente hospitalar por meio da promoção do cuidado adequado do paciente, o que se revela como oportunidade para maior integração do farmacêutico com a equipe de saúde que atuava no enfrentamento da covid-19 em unidades hospitalares públicas e privadas12,16.

A pandemia intensificou a necessidade do trabalho do profissional farmacêutico em diversas áreas de atuação – como farmácia hospitalar, farmácia comunitária, home care –, de modo a desenvolver atividades de educação em saúde, orientando os pacientes quanto ao uso adequado dos medicamentos e às formas de evitar agravos à saúde, proporcionando maior cuidado em todos os setores da saúde17.

Quadro 3 – Trabalhos relacionados a orientação quanto ao uso racional de medicamentos. Salvador, Bahia, Brasil – 2020

ANO AUTOR TÍTULO RESUMO

2020 Rubert, Deuschle e Deuschle17

Assistência farmacêutica durante a pandemia da covid-19: revisão da literatura

Artigos relacionados com a assistência farmacêutica, o consumo de medicamento, o uso irracional de medicamentos, os cuidados farmacêuticos frente à covid-19 e a importância do profissional farmacêutico em diversas áreas que sua profissão abrange (como drogarias, farmácias, no âmbito hospitalar e em home care).

2020 Falavigna et al.18

Diretrizes para o tratamento farmacológico da covid-19: consenso da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, da Sociedade Brasileira de Infectologia e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia

As farmácias comunitárias na pandemia covid-19: alianças estratégicas em contexto de incerteza

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uso indiscriminado de diversos medicamentos durante a pandemia sem comprovação científica para combate à covid-19 e função do farmacêutico como membro participante da equipe multidisciplinar.

Desafios dos farmacêuticos quanto à interação com médicos e enfermeiros para um melhor gerenciamento das farmácias comunitárias.

Os achados apontam como desafios mais frequentes os relacionados às atividades gerenciais e clínicas do farmacêutico, com destaque para aqueles sobre a introdução de atividades de educação à saúde, de orientação dos pacientes quanto ao uso racional de medicamentos, reestruturação dos serviços farmacêuticos, treinamento da equipe, adoção de novos protocolos farmacêuticos, planejamento da aquisição de medicamentos em larga escala para atender a demanda pandêmica, atuação na equipe multiprofissional, aquisição de novos conhecimentos,

195 v. 46, n. 2, p. 184-198 abr./jun. 2022
Revista Baiana de Saúde Pública 2020 Santos e Santos12 Fonte: Elaboração própria.

uso de novas tecnologias e implementação de novas práticas farmacológicas e não farmacológicas para o cuidado farmacêutico no contexto da covid-19.

Apesar do número pequeno de trabalhos encontrados, foi possível constatar a importância da assistência farmacêutica no enfrentamento da covid-19, como prática essencial para melhorar a qualidade de serviço prestado ao usuário. Os desafios se constituem como oportunidades de aperfeiçoamento do serviço farmacêutico, melhorando o vínculo com o usuário e a relação com os profissionais do serviço de saúde.

Dentre os principais avanços constatados no serviço farmacêutico no período pandêmico destacam-se a inclusão de novas tecnologias para garantir assistência farmacêutica individualizada e de qualidade, maior atuação do farmacêutico junto à equipe de saúde, objetivando garantir melhor prestação de serviços para a população seja em hospitais ou farmácias ambulatoriais. Tais avanços levam a constatar, de forma preliminar, que essas ações promovem estreitamento do vínculo com o paciente e com outros profissionais da área, podendo levar a um maior reconhecimento do profissional farmacêutico na equipe de saúde.

Algumas limitações para o estudo foram encontradas, a exemplo do número restrito de publicações científicas e artigos originais a respeito do tema, considerando que a pesquisa foi realizada no primeiro ano da pandemia. Nesse sentido, são necessários mais estudos sobre a atuação dos serviços farmacêuticos na pandemia, revelando as novas atribuições assumidas nesse período.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Léia Silva Almeida.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Léia Silva Almeida e Joslene Lacerda Barreto.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada Léia Silva Almeida e Joslene Lacerda Barreto.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Léia Silva Almeida.

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Revista Baiana de Saúde Pública

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Recebido: 5.4.2022. Aprovado: 25.8.2022. Publicado: 12.1.2023.

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RELATO DE EXPERIÊNCIA

ATUAÇÃO DE CIRURGIÃ-DENTISTA, COM ÊNFASE NO PRÉ-NATAL, NA ATENÇÃO PRIMÁRIA: RELATO DE EXPERIÊNCIA

Verbênia Silva Conceiçãoa

https://orcid.org/0000-0002-6663-161X

Marcela Beatriz Aguiar Moreirab

https://orcid.org/0000-0002-2545-2121

Resumo

O pré-natal odontológico configura um momento de extrema importância para o desenvolvimento gestacional e faz parte da competência do cirurgião-dentista atuante na atenção básica. Como parte da reorganização do Sistema Único de Saúde (SUS), a estratégia de saúde da família proporciona à gestante o acompanhamento profissional, a troca de experiências e o suporte necessário para o controle das alterações bucais. O objetivo deste artigo foi relatar a atuação de uma cirurgiã-dentista com ênfase na prática do pré-natal odontológico na Atenção Primária à Saúde, em uma Unidade de Saúde da Família (USF) de um município da Bahia. Tal relato de experiência, descritivo e exploratório, foi realizado com base nas atividades vivenciadas em uma USF localizada em um município da Bahia, tendo como público-alvo gestantes, entre 2020 e 2021. Foram utilizados registros de prontuário eletrônico, postagens das vivências no portfólio individual e diário de campo para a descrição crítica do planejamento e ações de saúde voltadas para o acompanhamento odontológico durante o período gestacional. Realizaram-se ações pertinentes à atenção básica, como consulta compartilhada, qualificação de registro, busca ativa, teleatendimento e educação em saúde, obtendo, assim, bom êxito no alcance de metas e na oferta da assistência integral às gestantes. É evidente a importância do pré-natal odontológico para o bem-estar materno durante a gestação, com vistas à promoção, prevenção e recuperação da saúde da mulher e da criança.

Palavras-chave: Saúde bucal. Cuidado pré-natal. Gestantes. Atenção Primária à Saúde.

a Cirurgiã-dentista. Especialista em Saúde da Família. Mestranda em Saúde Coletiva (UEFS). Feira de Santana, Bahia, Brasil. E-mail: verbeniasc@gmail.com

b Cirurgiã-dentista. Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Doutoranda em Saúde Coletiva (UEFS). Feira de Santana, Bahia, Brasil E-mail: marcelabeatriz01@gmail.com

Endereço para correspondência: Avenida Rubens de Carvalho., n. 265, Pedra do Descanso. Feira de Santana, Bahia, Brasil. CEP: 44007-200. E-mail: verbeniasc@gmail.com

199 v. 46, n. 2, p. 199-212 abr./jun. 2022 199 DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.n2.a3623
Revista Baiana de Saúde Pública

DENTAL PRENATAL CARE IN PRIMARY CARE: AN EXPERIENCE REPORT

Abstract

Dental prenatal care is a key moment during the gestational development and is performed by the dental surgeon working in primary care. Following the reorganization of the Unified Health System (SUS), the Family Health Strategy provides pregnant women with professional monitoring, the exchange of experiences, and the necessary support to control oral changes. This descriptive and exploratory experience report describes the work of a dental surgeon responsible for providing dental prenatal care in primary care, in a Family Health Unit located in a municipality of Bahia, Brazil. It targeted pregnant women, between 2020 and 2021. Critical description of the health planning and actions aimed at dental follow-up during pregnancy were based on electronic medical records, posts of the experiences in the individual portfolio, and field diary. Actions pertinent to primary care were carried out, such as shared consultation, record qualification, active search, telecare, and health education, thus successfully achieving set goals and providing comprehensive care to pregnant women. Prenatal dental care is paramount to promote the mother’s well-being during pregnancy, aiming to promote, prevent, and recover the woman’s and child’s health.

Keywords: Oral health. Prenatal care. Pregnant women. Primary Health Care.

ACTUACIÓN DEL CIRUJANO DENTISTA, CON ÉNFASIS EN LA ATENCIÓN

PRENATAL EN ATENCIÓN PRIMARIA: REPORTE DE EXPERIENCIA

Resumen

La atención dental prenatal es un momento extremadamente importante para el desarrollo de la gestación y forma parte de las competencias del odontólogo que trabaja en atención primaria. Como parte de la reorganización del Sistema Único de Salud (SUS), la estrategia de salud familiar proporciona a la mujer embarazada el seguimiento profesional, el intercambio de experiencias y el apoyo necesario para el control de las alteraciones orales. El objetivo de este artículo fue reportar la actuación de una cirujana dentista, con énfasis en la práctica del prenatal odontológico, en la atención primaria de salud, en la Unidad de Salud Familiar (USF) del municipio de Bahía (Brasil). Este reporte de experiencia, descriptivo y exploratorio, se realizó sobre la base de las actividades vividas en una USF, localizada en un

200

municipio de Bahía, teniendo como público a todas las embarazadas durante el período entre 2020 y 2021. Las historias clínicas electrónicas, las anotaciones de las experiencias en el portafolio individual y el diario de campo se utilizaron para la descripción crítica de la planificación y las acciones de salud centradas en el control dental durante el embarazo. Se realizaron acciones propias de la atención primaria, como la consulta compartida, la habilitación del registro, la búsqueda activa, la teleasistencia y la educación sanitaria, y se obtuvo éxito en la consecución de objetivos y en la atención integral a las mujeres embarazadas. Es evidente la importancia de la atención odontológica prenatal para el bienestar materno durante el embarazo, con vistas a la promoción, prevención y recuperación de la salud de las mujeres y los niños.

Palabras clave: Salud bucal. Atención prenatal. Mujeres embarazadas. Atención Primaria de Salud.

INTRODUÇÃO

A oferta de saúde bucal, antes restrita e elitizada, sofreu modificações ao longo do tempo e se solidificou no serviço público por meio da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB) – Programa Brasil Sorridente, visando à reorganização e qualificação da atenção básica. A implantação das equipes de saúde bucal na Estratégia Saúde da Família (ESF) transformou o acesso ao atendimento odontológico gratuito no país e reorientou o processo de trabalho multiprofissional ao inserir um cirurgião-dentista em uma Unidade de Saúde da Família (USF), estabelecendo vínculos com o território1

A criação de políticas públicas voltadas para a saúde bucal permitiu a incorporação do cirurgião-dentista na equipe mínima vinculada à USF e a aproximação de práticas de saúde, como o pré-natal odontológico. A linha de cuidado voltada para gestantes é assegurada pela obrigatoriedade de atendimento e ações educativo-preventivas, uma vez que desempenha papel fundamental na saúde materno-infantil1. Entre as práticas, é preconizado um conjunto de medidas inerentes à atenção primária, como a adequação bucal, a orientação de vacina e testes rápidos e a identificação dos fatores de risco2

Tais incentivos se baseiam na necessidade de acompanhamento da gestante por um odontólogo, dadas as alterações fisiológicas que ocorrem na cavidade oral relacionadas ao período de gestação. A associação de fatores como influência hormonal, mudança dos hábitos alimentares, higiene bucal insatisfatória e resposta imunológica pode estar ligada à grande propensão de desenvolvimento e prevalência de doença periodontal em mulheres grávidas3,4,5 Contudo, ainda que de extrema importância, o atendimento odontológico durante o período gestacional apresenta lacunas no monitoramento clínico, que se refletem na

201 v. 46, n. 2, p. 199-212 abr./jun. 2022
Revista Baiana de Saúde Pública

baixa resolutividade por parte dos programas voltados para tal grupo3. Além disso, é possível observar o quão pouco difundido nos setores público e privado de atenção à saúde bucal é o pré-natal odontológico, evidenciando a resistência profissional e a carência de informações por parte das gestantes4,6

Diante da demanda de melhor planejamento dos serviços de saúde para uma assistência integral à gestante, faz-se necessário o desenvolvimento de projetos acerca da qualidade de acompanhamento pré-natal. Visto isso, este relato de experiência objetiva relatar a atuação de uma cirurgiã-dentista com ênfase na prática do pré-natal odontológico na Atenção Primária à Saúde (APS), em uma USF de um município da Bahia.

MATERIAIS E MÉTODOS

Este trabalho configura um relato de experiência, com finalidade descritiva e exploratória, acerca das atividades vivenciadas no cuidado odontológico à gestante por uma cirurgiã-dentista residente do Programa de Residência Integrada Multiprofissional da Fundação

Estatal Saúde da Família (Fesf-SUS), em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em seu projeto político-pedagógico, o programa apresenta uma metodologia baseada no processo de ensino-aprendizagem em serviço vinculada a uma USF de um município da Bahia, cujas atividades foram realizadas entre março de 2020 e fevereiro de 2022.

O município onde foram realizadas as atividades situa-se na região metropolitana de Salvador, com uma população estimada em 309.208 indivíduos em 20217. Para atendimento odontológico, os habitantes dispunham de USF, sendo parte delas vinculadas à residência supracitada, Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) distribuídos nos distritos sanitários.

A USF onde ocorreu este relato de experiência, inaugurada em 2019, localiza-se em território de vulnerabilidade socioeconômica e tem ampla infraestrutura para atender uma população de 6.917 cadastrados e 2.141 famílias. A USF conta com três equipes mínimas, compostas por enfermeiros, cirurgiões-dentistas, médicos, uma equipe multiprofissional (anteriormente Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica) para o apoio multidisciplinar e profissional, além dos agentes comunitários de saúde, apoio institucional, matricial, de núcleo profissional e preceptoria.

Durante o primeiro e segundo ano de residência, foram empregadas atividades voltadas à assistência, como o atendimento odontológico, a visita domiciliar e sala de espera, assistindo os usuários atinentes aos diversos ciclos de vida. Com ênfase na atenção à gestante, foram realizados: serviços assistenciais para cerca de 34 mulheres no primeiro e segundo quadrimestres

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de 2021 nas três equipes, sob forma de pré-natal odontológico; metodologias ativas baseadas na educação permanente, envolvendo turnos pedagógicos integrados sobre o tema; qualificação de dados para o desenvolvimento das ações e produtos, considerando também a elaboração de prontuário direcionado e específico, bem como planilhas de controle das consultas; e atividades coletivas, a exemplo das rodas de conversa com as gestantes, para estímulo ao autocuidado e orientação da saúde bucal. Ressalta-se que os critérios de inclusão para o acompanhamento elencado englobaram todas as gestantes pertencentes ao território adstrito e cadastradas na USF em questão, independente do período gestacional.

Para a elaboração deste relato utilizaram-se registros de prontuário eletrônico, além de experiências relatadas em portfólio individual da residente – ambiente de aprendizagem virtual (AVA) –, disponibilizado pelo programa de residência, e diário de campo pessoal, ambos com periodicidade mensal.

Ademais, para fundamentar o estudo por meio de aporte teórico, com base na pergunta de investigação (“Quais foram as ações de cuidado no pré-natal odontológico prestados às gestantes em município da Bahia?”), realizou-se uma busca de artigos sobre o tema nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Scientific Electronic Library Online (SciELO), empregando os descritores juntamente com os operadores booleanos (AND e OR): “saúde bucal” AND “cuidado pré-natal” OR “prénatal’’, AND “gestantes” OR “grávidas”, AND “Atenção Primária à Saúde” OR “Atenção Básica” e, em inglês, “oral health” AND “prenatal care” AND “pregnant women” AND “Primary Health Care”. Todos foram previamente consultados no Medical Subject Headings (MeSH)/Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), no período de setembro de 2021. Para tanto, como critérios de inclusão foram considerados artigos publicados até fevereiro de 2022, estudos epidemiológicos, relatos de experiência e/ou revisões de literatura, com população de estudo de humanos com 18 anos ou mais. Quanto aos critérios de exclusão, foram excluídos os artigos cuja abordagem temática não condizia com o cerne do estudo, cartas ao editor e artigos indisponíveis na íntegra. Não houve restrição em relação ao tempo e idioma de publicação.

Este trabalho, de acordo com a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS)8, não foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa, posto que se trata de um relato de experiência reflexivo.

RESULTADOS

A inserção do cirurgião-dentista na equipe multiprofissional da ESF amplia as possibilidades de atenção em saúde bucal e aproxima, através da USF, a odontologia da atenção

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básica9. A experiência do(a) residente no Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde da Família e atuante na porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS), é, além de enriquecedora, determinante na compreensão pessoal e profissional do papel enquanto agente de mudança e parte imprescindível no cuidado em saúde.

Considerando esse fato, entre as atribuições da APS, o pré-natal odontológico tem grande potência na ESF, tornando-se prática presente no núcleo da odontologia e foco deste relato de experiência. As atividades voltadas para as gestantes iniciaram-se no primeiro ano de residência, em 2020, momento em que foi percebido o impacto da histórica falta de acesso à saúde bucal pelas usuárias da área, além da necessidade de investimento nas ações de orientação e cuidado em saúde durante a gestação, estendendo-se assim até a conclusão do ciclo, em 2022.

Durante o período trabalhado na USF, enquanto equipe mínima, pode-se observar um fato: a gestante, tradicionalmente, pouco vai ao dentista. Além dos mitos e culturas que desencorajam a visita ao consultório odontológico e explicam as faltas recorrentes nas agendas, há o consenso, erroneamente propagado, de que é parte natural do processo ter a saúde bucal degradada durante a gravidez. Não dificilmente escuta-se o dizer “para cada filho, um dente” entre as conversas propagadas na comunidade. Para elucidar a importância da presença do dentista durante a gestação, o Ministério da Saúde (MS) afirma:

Todo serviço de saúde deve estabelecer, como rotina, a busca ativa das gestantes de sua área de abrangência, incluindo-as no grupo operativo e no pré-natal. Os profissionais de saúde bucal devem trabalhar de forma integrada com os demais profissionais da equipe de saúde e, no que diz respeito à gestante, trabalhar em constante interação com os profissionais responsáveis pelo seu atendimento.10:64

Associado à necessidade de busca ativa por esse grupo de pacientes com histórico de baixa adesão, mais um desafio foi constatado pelos dentistas da USF:

o Programa Previne Brasil, novo modelo de financiamento que institui o pagamento por desempenho como um dos critérios para o repasse das transferências para os municípios.

Planejados para o ano de 2020, estabeleceram-se sete indicadores baseados nas linhas de cuidado pré-natal, saúde da mulher, saúde da criança e condições crônicas. Dentre esses,

o terceiro indicador se refere à saúde bucal e gestação, o qual calcula, para os próximos anos, a proporção de gestantes com atendimento odontológico realizado nos últimos

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quatro meses. Todavia, devido à pandemia de covid-19, o repasse financeiro passou a ser de acordo com o alcance de 60% da meta de grávidas com pelo menos uma consulta no quadrimestre, a partir de agosto de 2021 11

Diante desse cenário de repasse de recursos condicionado ao alcance de metas simultâneo ao período pandêmico, em que a rotina de atendimentos se tornou atípica e restrita à orientação, houve como resultado um acúmulo de demandas relacionadas a esse grupo prioritário, sendo necessário o planejamento de ações de cuidado para a retomada. Apesar de tais dificuldades, foi possível restabelecer a oferta em saúde bucal para as gestantes e avançar no pré-natal odontológico da USF, tendo como consequência o bom desempenho atingido no Previne Brasil.

Em 2021, a USF, em uma de suas equipes – equipe 2 –, obteve êxito ao ultrapassar a meta estimada (60%) para o indicador três – “Proporção de gestantes com atendimento odontológico realizado” ( Tabela 1 ) –, representando um crescimento na cobertura do acompanhamento de pré-natal por um cirurgião-dentista, em comparação ao segundo e terceiro quadrimestres do ano anterior. Para efeito de análise, ao considerar a extensão dessa conquista, é necessário ressaltar que em 2019 a unidade enfrentava problemas estruturais ao dividir espaço físico com outro serviço, o que reflete os números abaixo do esperado em 2020.

Tabela 1 – Proporção de gestantes com atendimento odontológico realizado por equipe de saúde (Programa Previne Brasil). Bahia – 2020-2021

Fonte: Sistema de Informação em Saúde para Atenção Básica (Sisab).

*Não informado

DISCUSSÃO

As ações de cuidado planejadas para reorganizar a oferta em saúde bucal no serviço e, consequentemente, alcançar as metas do Previne Brasil, basearam-se em estratégias pensadas a partir do debate multiprofissional com o objetivo comum de ofertar o

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2º quadrimestre 2020* 3º quadrimestre 2020* 1º quadrimestre 2021 (n = 34) 2º quadrimestre 2021 (n = 34) USF – equipe 1 13% 25% 27% 27% USF – equipe 2 13% 19% 67% 67% USF – equipe 3 20% 0% 33% 57%

acompanhamento integral à gestante. Para alcançar tal objetivo, pode-se descrever o processo com os seguintes parâmetros: (1) consulta compartilhada; (2) qualificação de registro; (3) busca ativa e teleatendimento; e (4) educação em saúde.

CONSULTA COMPARTILHADA

No primeiro ano da residência, período marcado pelo início da pandemia causada pela covid-19, o principal desafio a ser enfrentado pelo núcleo consistiu em atender as medidas de biossegurança sem desassistir gestantes no decorrer do seu pré-natal, momento em que a adequação do meio bucal é imprescindível. Seguindo recomendações do MS, os atendimentos com procedimento deveriam ser resguardados apenas para demandas de urgência12. Como alternativa, iniciaram-se consultas compartilhadas, realizadas entre odontologia, enfermagem e medicina, com periodicidade determinada pela semana de gestação e fundamentadas na orientação em saúde.

A consulta compartilhada representa uma excelente oportunidade de colaboração entre uma equipe de Saúde da Família (eSF). Em um estudo que avaliou a percepção sobre as relações interprofissionais na assistência odontológica durante o pré-natal pode-se observar que, embora a posição da maioria seja concordante quanto ao grau de importância das atividades de cada núcleo e favorável à divisão de habilidades e responsabilidades, ainda existem relações de hierarquia assimétricas que podem criar obstáculos na construção de um trabalho 13 . Diferentemente da pesquisa, o compartilhamento das consultas foi possível devido às relações interpessoais saudáveis e permissíveis à contribuição de todas as áreas.

Assim como no modelo de organização preconizado em um relato de experiência sobre o atendimento compartilhado e multiprofissional, no qual a organização da agenda consistia em um dos nós críticos, a alternativa encontrada em ambos os casos foi a integração dos núcleos com as interconsultas14. Desse modo, ainda que de forma restrita, as gestantes foram acolhidas, estabeleceram vínculo, tiveram suas dúvidas sanadas, foram orientadas acerca dos riscos da doença periodontal e instruídas sobre a higiene oral materna e da criança. Nesse método, as dificuldades se concentraram em articular as agendas dos três núcleos, a fim de garantir a presença em todas as consultas de pré-natal.

QUALIFICAÇÃO DO REGISTRO

Após maior entendimento da dinâmica da pandemia no mundo, o atendimento à gestante passou por adaptações concomitantes às mudanças nas instruções descritas pelo

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guia de orientações para atenção odontológica no contexto da covid-19. Com o avanço da vacinação e a estabilização do número de casos de coronavírus, as atividades passaram a se tornar mais flexíveis, permitindo a volta dos atendimentos no consultório, com a realização de procedimentos em um cenário intermediário15. A partir desse ponto, iniciou-se o processo de retomada de maneira gradual. Em reuniões de equipe presenciais, pôde-se realizar um levantamento do número exato de gestantes cadastradas com suas respectivas agentes comunitárias e analisar os dados, confrontando-os com as inconsistências apresentadas no relatório extraído do e-SUS APS. Tal movimento de correção de improcedências demandou tempo, sendo uma das maiores dificuldades encontradas.

Nessa oportunidade, percebeu-se a necessidade da elaboração em conjunto de uma planilha para a tabulação rápida e eficiente do quantitativo de grávidas no território, bem como qualificação do registro e controle do acompanhamento. A ferramenta divide-se em filtros em que a usuária pode ser categorizada de acordo com a sua equipe de referência, condição de saúde (gestante, puérpera ou que passou por aborto), idade gestacional, presença ou não de testes rápidos, datas da primeira consulta, retornos e manutenção. Para a atualização constante da ferramenta, eram realizadas buscas periódicas no histórico de atendimento do prontuário eletrônico do cidadão (PEC).

Na literatura, um estudo sobre a utilização do serviço de saúde bucal no pré-natal demonstrou ser possível constatar uma melhora no registro da consulta odontológica nas macrorregiões do país. A importância do registro é evidenciada e valorizada por meio do incentivo à coleta de informações, que são fundamentais para o planejamento de sistemas e serviços de saúde16.

BUSCA ATIVA E TELEATENDIMENTO

A busca ativa é grande aliada do cuidado em saúde ofertado no pré-natal odontológico e é uma das formas de acesso descritas por cirurgiões-dentistas. Com a tabulação da quantidade de consultas e do absenteísmo em planilha própria, foi possível perceber as possíveis dificuldades de acesso na utilização do serviço. A usuária faltosa, sem registro de atendimento, chama atenção para os motivos que a impedem de comparecer à unidade, considerando os determinantes sociais de saúde, e levanta a discussão sobre quais medidas podem ser tomadas. Em todos os casos, desde a mulher que optou pela utilização do setor privado até aquela que faltava às consultas sem justificativa aparente, a busca ativa foi útil na captação de gestantes17

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A visita domiciliar, uma das formas de busca ativa utilizada, reforça o vínculo com a unidade de saúde, reafirma o acolhimento e ajuda na captação de gestantes sem assistência18. Em concordância com a experiência de atenção à gestante compartilhada neste relato, em que a visita domiciliar proporcionou a aproximação e o conhecimento da realidade em que a usuária estava inserida, pode-se perceber, em outras unidades, a importância do planejamento de intervenções a partir de hábitos, costumes e necessidades19.

Associado à busca ativa, o teleatendimento possibilitou o acompanhamento remoto nesse período e abriu a possibilidade para a alternância de atendimentos presenciais e a distância, resguardando as grávidas em um momento propício à contaminação sem deixar de orientar e sanar dúvidas, mesmo que à disposição para realização de procedimento, se necessário.

Diante dos benefícios experimentados, o teleatendimento pode então ser considerado um forte instrumento para promoção de saúde, o qual é bastante eficiente, principalmente na atual situação de pandemia2

EDUCAÇÃO EM SAÚDE

Somando as demais ações voltadas para as gestantes, as atividades de educação em saúde utilizadas como estratégias de popularização do pré-natal odontológico alternaram entre turnos pedagógicos, educação permanente e roda de conversa com gestantes, fomentando um ambiente potente para a troca de conhecimento e empoderamento das usuárias e profissionais da unidade acerca dos cuidados necessários durante a gravidez. Com o objetivo de capacitar e atualizar os cirurgiões-dentistas acerca das especificidades e limitações do tratamento odontológico à gestante, os turnos pedagógicos foram espaços promovidos pela preceptoria, os quais eram abertos ao debate mais técnico sobre o assunto. A oportunidade de apresentar sobre o tema e se debruçar sobre a literatura permitiu o aprofundamento e a sedimentação do entendimento sobre a complexidade da gestação.

Além dos turnos pedagógicos, os turnos integrados e a educação permanente realizados nas reuniões de equipe confirmaram os achados dos estudos acerca da importância das ações em saúde como prática diferencial ao possibilitar o intercâmbio de informações e a interação entre os profissionais de núcleos diferentes16. Nesse espaço de educação em saúde, foi abordada e enfatizada a necessidade do encaminhamento das gestantes por parte dos médicos e enfermeiros para o pré-natal odontológico, reforçando o papel enquanto ponto da rede de atendimento multiprofissional e a importância dos profissionais (não dentistas) na integralização da oferta de saúde bucal inclusiva para esse público. Tal movimento resultou

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em otimização e fluidez nos atendimentos dos odontólogos, reduzindo, ainda que não completamente, a demanda de busca ativa.

No que diz respeito às atividades coletivas, as rodas de conversa com gestantes são eficazes em perpetuar conhecimento e gerar laços, embora existam dificuldades para serem colocadas em prática com participação de diversos profissionais. Com resultado da formação tecnicista, os cirurgiões-dentistas não são frequentes em atividades para além do consultório, ainda que se façam presentes no atendimento individual20.

Todavia, como ponto alto do planejamento da educação em saúde na unidade, as rodas de conversa com as gestantes foram executadas a partir de grandes parcerias entre o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) e a equipe mínima, inclusive com os dentistas. Tais eventos foram extremamente bem-sucedidos em suas propostas ao propiciarem troca de experiência, explanação dos mitos e verdades, esclarecimentos sobre as alterações fisiológicas, agendamento de consultas e, principalmente, melhora na autoestima das mulheres por meio da maquiagem e ensaio fotográfico.

Para a prática de tais ações de impacto com resultados de médio a longo prazo, é necessário enfrentar um contexto de limitações e descobrir potencialidades durante o planejamento. Programar atividades para alcançar metas a partir de dados inconsistentes tornou o processo limitado e trabalhoso, além de desgastante por parte dos profissionais. A partir desse obstáculo, sobressaiu-se a grande potencialidade do projeto: o trabalho em equipe. A união entre equipe mínima, agentes comunitários de saúde e sanitaristas para a reorganização das informações acerca das gestantes na base de dados foi fundamental para os bons resultados, assim como o incentivo e suporte por parte da preceptoria e apoio do núcleo.

Como uma semente plantada, o pré-natal odontológico e toda a programação de educação em saúde voltada para mulheres grávidas formam um projeto ainda em crescimento, mas capaz de alcançar grandes dimensões nas próximas turmas de residentes e nas gestantes que estão por vir. O alcance das metas propostas pelo Previne Brasil reflete o potencial da equipe multiprofissional e fortalece a APS enquanto peça importante na reorganização do SUS.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência descrita neste relato evidencia a importância do acompanhamento odontológico materno junto ao planejamento de ações voltadas para gestantes no processo de reorganização da APS. Para além do alcance de metas, o foco nessa linha de cuidado possibilitou

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o fortalecimento da atuação do cirurgião-dentista no pré-natal, aproximou a gestante do cuidado em saúde bucal e permitiu às usuárias uma atenção à saúde mais estruturada, integral e humanizada.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Verbênia Silva Conceição e Marcela Beatriz Aguiar Moreira.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Verbênia Silva Conceição e Marcela Beatriz Aguiar Moreira

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Marcela Beatriz

Aguiar Moreira

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Verbênia Silva Conceição e Marcela Beatriz

Aguiar Moreira.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 4.4.2022. Aprovado: 22.11.2022. Publicado: 12.1.2023.

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RELATO DE CASO

PROTOCOLO DE CUIDADOS EM PACIENTES COM ÚLCERAS VASCULOGÊNICAS EM MEMBROS INFERIORES NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UM RELATO DE CASO

Roberta Clere da Silva Santanaa

https://orcid.org/0000-0001-5372-6698

Eduardo José Farias Borges Reisb

https://orcid.org/0000-0002-5964-7883

Silvio Romero da Silva Larangeira Juniorc

https://orcid.org/0000-0002-7797-4263

Igor Lobão Ferraz Ribeirod

https://orcid.org/0000-0002-7709-9518

Anna Laura Ribeiro Oliveirae

https://orcid.org/0000-0001-9672-7308

Eliana Alves Machadof

https://orcid.org/0000-0002-4575-7969

Resumo

As úlceras, também conhecidas como feridas, são danos superficiais ao tecido cutâneo ou mucoso. As ulcerações são denominadas crônicas quando, após determinado período, não apresentam resolução. Lesões ulceradas que afetam os membros inferiores podem apresentar diversas etiologias, desde doenças infectocontagiosas, neoplásicas, inflamatórias até vasculares. Assim, este é um relato de caso sobre uma usuária do Sistema Único de Saúde (SUS) com úlcera

a Graduanda em Medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia. Enfermeira. Especialista em Saúde Pública. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: roberta.clere@ufba.br

b Graduado em Medicina. Mestre em Saúde Pública e Doutor em Medicina. Professor Adjunto do Departamento de Medicina Preventiva e Social. Docente do Quadro Permanente do Mestrado de Saúde, Ambiente e Trabalho da Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: eduardofreis@uol.com.br

c Graduando em Medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: silvio.larangeira@ufba.br

d Graduado em Medicina. Cirurgião Geral. Superintendente de Atenção Integral à Saúde da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: igor.lobao@saude.ba.gov.br

e Graduada em Medicina. Médica da Atenção Primária à Saúde no Município de Morro do Chapéu. Morro do Chapéu, Bahia, Brasil. E-mail: anninha_roliveira@hotmail.com

f Graduada em Medicina. Médica da Atenção Primária à Saúde no Município de Morro do Chapéu. Morro do Chapéu, Bahia, Brasil. E-mail: elialvesmachado@hotmail.com

Endereço para correspondência: Colegiado da Faculdade de Medicina da Bahia. Praça XV de novembro, s/n, Largo do Terreiro de Jesus. Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 40026-010. E-mail:colfamed@ufba.br

213 v. 46, n. 2, p. 213-224 abr./jun. 2022 213
Revista Baiana de Saúde Pública DOI: 10.22278/2318-2660.2022.v46.n2.a3772

venosa crônica que, após diversas experiências negativas de tratamento, foi submetida a procedimento sistematizado a partir da Atenção Primária à Saúde (APS) da cidade de Morro do Chapéu (BA). No município, verificou-se a prevalência de casos de úlceras venosas crônicas sem resolutividade acompanhados na APS. No entanto, em 2018, a partir da iniciativa de uma equipe da APS, foi estabelecido um fluxo de atendimento primário e secundário no intuito de tratar com eficácia as úlceras venosas, associando medidas farmacológicas e terapia de compressão e, nos casos mais graves, a escleroterapia. Assim, por meio de atendimento humanizado visando restaurar a qualidade de vida da população, foi possível recuperar os indivíduos de lesões crônicas.

Palavras-chave: Escleroterapia. Veias varicosas. Terapia.

MANAGEMENT OF PATIENTS WITH LOWER LIMB ULCERS

IN PRIMARY CARE: AN EXPERIENCE REPORT

Abstract

Ulcers, commonly known as sores, are superficial damage to skin or mucosal tissue. Ulcerations are classified as chronic when they do not heal after a certain period. Lower limb ulcers can have different etiologies, from infectious, neoplastic, inflammatory to vascular diseases. Thus, this experience report discusses the case of a Unified Health System (SUS) user with chronic venous ulcer who, after several negative treatment experiences, underwent systematized treatment at the Primary Health Care (PHC) of the municipality of Morro do Chapéu, Bahia, Brazil. The municipality had a prevalence of cases of unresolved conical venous ulcers managed by PHC. But in 2018, a PHC team established a flow of primary and secondary care to effectively treat venous ulcers by associating pharmacological measures and compression therapy and, for severe cases, sclerotherapy. Thus, through humanized care aimed at restoring the population’s quality of life, it was possible to recover individuals from chronic injuries.

Keywords: Sclerotherapy. Varicose veins. Therapy.

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PROTOCOLO DE MANEJO DE PACIENTES CON ÚLCERAS VENOSAS CRÓNICAS EN MIEMBROS INFERIORES EN ATENCIÓN PRIMARIA DE SALUD: UN REPORTE DE EXPERIENCIA

Resumen

Las úlceras que también se conocen como llagas son daños superficiales en la piel o la membrana mucosa. Las ulceraciones se denominan crónicas cuando después de cierto tiempo no se resuelven. Las lesiones ulceradas, que afectan a los miembros inferiores, pueden tener diferentes etiologías, como enfermedades infecciosas, neoplásicas, inflamatorias y vasculares. Así, este estudio es un reporte de caso de una usuaria del Sistema Único de Salud (SUS) con úlcera venosa crónica que, después de varias experiencias negativas de tratamiento, fue sometida a un tratamiento sistematizado de la Atención Primaria de Salud (APS) del municipio de Morro do Chapéu, en Bahía (Brasil). En la ciudad, hubo prevalencia de casos de úlceras venosas crónicas sin resolución seguidas por la APS. Sin embargo, en 2018, a partir de la iniciativa de un equipo de APS, se estableció un flujo de atención primaria y secundaria para tratar eficazmente las úlceras venosas que asociaban medidas farmacológicas con terapia compresiva y, en los casos más graves, escleroterapia. Así, por medio de la atención humanizada dirigida a restaurar la calidad de vida de la población, fue posible recuperar a individuos con lesiones crónicas.

Palabras clave: Escleroterapia. Várices. Terapia.

INTRODUÇÃO

As úlceras são danos superficiais ao tecido cutâneo ou mucoso, também conhecidas como feridas. Essas lesões, uma vez que causam a exposição de tecidos mais profundos devido à ruptura da camada celular mais superficial, o epitélio, podem tornar-se crônicas se não fechadas rapidamente. As lesões ulceradas que afetam os membros inferiores podem apresentar diversas etiologias, desde doenças infectocontagiosas, neoplásicas, inflamatórias até vasculares, sendo essas de fisiopatologia venosa – como na insuficiência venosa crônica (IVC) e na trombose venosa profunda (TVP) –, arterial – como ocorre na doença arterial obstrutiva periférica (Daop) e na trombose arterial aguda – ou ainda secundárias à pressão, por contato prolongado com superfície rígida1.

A IVC é uma condição prevalente na população, sendo o estágio mais avançado uma das principais causas de úlceras em membros inferiores. Já as úlceras venosas apresentam uma prevalência variável devido aos diferentes métodos empregados nos estudos, seja na idade da população em questão ou na própria definição de úlcera venosa2. A maioria desses estudos apontam prevalência de úlcera venosa não cicatrizada de aproximadamente 0,3%, enquanto o

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relato de úlcera cicatrizada ocorre em aproximadamente 1% da população adulta2-4. Quando tratamos de grupos etários, a prevalência aumenta de acordo com a idade, tendo valor relativo superior a 4% no grupo de pessoas com mais de 65 anos3

Além das feridas, outros sintomas que aparecem no quadro incluem dor e/ou peso nos membros inferiores, que geralmente pioram ao longo do dia5, sobretudo quando expostos à ortostase prolongada. Os sinais clínicos também incluem dilatação venosa leve, varizes, inchaço ou alterações na pele, resultando em uma causa importante de morbidade e na queda da qualidade de vida3-6.

O manejo e a resolutividade das úlceras crônicas de membros inferiores na Atenção Primária à Saúde (APS) são dificultados por diversos problemas, tais como escassez de recursos humanos e infraestrutura, má regulação de centros de referência no cuidado –o que traz mais dificuldades para cidades interioranas – e estigmatização do quadro clínico da doença. Destaca-se, também, a ausência de um protocolo que sistematize a assistência a pacientes portadores das úlceras vasculogênicas e de uma adoção de condutas empíricas pelos profissionais7

A ausência de rigor científico para o cuidado de cada tipo de ferida repercute na escolha da conduta, que tende a adotar um único manejo para todos os casos. Por conseguinte, o tempo do processo de cicatrização é aumentado e crescem as oportunidades de recidiva da doença. Tudo isso pode gerar uma descrença dos usuários na APS8. Portanto, estabelecer protocolos e adotar diretrizes construídas associando a literatura e a realidade das instituições implica melhores resultados para os pacientes e um conjunto de boas práticas para esses serviços na APS.

Este é um relato de caso delineado pela aplicação de um fluxo sistematizado de assistência ambulatorial e resolutividade no tratamento de úlceras venosas nos usuários da APS do município de Morro do Chapéu (BA). Assim, a partir deste relato, pretende-se descrever a experiência do protocolo clínico e manejo adotado para os pacientes com úlceras vasculogênicas nesse município. Objetiva-se apresentar os protocolos e diretrizes adotados associados à realidade de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) do município.

MATERIAIS E MÉTODO

Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo, do tipo relato de experiência, acerca da sistematização da assistência ambulatorial e do tratamento de pacientes com úlceras em membros inferiores na APS do Serviço de Saúde de Morro do Chapéu (BA). Com uma população de 35.413 habitantes, a atenção básica da cidade cobre 100% do território. Para isso, o município conta com 18 Unidades de Saúde da Família (USF), além de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) 24h, porte 1, e um hospital filantrópico de

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pequeno porte. Além disso, estima-se que 95% da população seja dependente do Sistema Único de Saúde (SUS).

Este estudo foi construído por acadêmicos em medicina e a partir da experiência dos profissionais envolvidos no manejo das doenças. Os protocolos adotados e a dinâmica de assistência foram expostos nos resultados e posteriormente discutidos para a formulação da conclusão dessa experiência.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Este estudo aborda o caso da paciente V. E. S. R., 65 anos, viúva, que mora sozinha, tem quatro filhos, é aposentada por invalidez e moradora do município de Morro do Chapéu. Ela foi acometida por uma lesão em membros inferiores há mais de trinta anos. Afirma comorbidades como hipertensão, diabetes mellitus, hipotireoidismo e traço falciforme. Nega etilismo e tabagismo. Para melhor descrição do caso, vamos nomeá-la de Maria. Maria refere o início das lesões após a primeira gestação, com piora após o último parto.

Em 2018, após diversas tentativas de tratamento frustradas e até mesmo uma indicação de amputação, Maria foi orientada por uma médica da USF a se submeter a um novo tratamento. A médica, E. A. M., faz parte da equipe de saúde da APS de Morro do Chapéu e foi contratada pelo município pelo programa Mais Médicos, do Ministério da Saúde (MS). Esse programa foi introduzido no Brasil em julho de 2013 como parte de uma série de medidas para combater as desigualdades de acesso à APS.

Na avaliação inicial da ferida, observou-se lesão hipertrófica no terço inferior dos membros inferiores, com grande perda de tecido adjacente e sinais de infecção como edema, exsudato em grande quantidade, dor e odor fétido. Dentre as causas mais frequentes das feridas, destacam-se insuficiência venosa e insuficiência arterial, seguidas por neuropatia, linfedema, traumas, artrite reumatoide, vasculite, anemia falciforme, osteomielite, tumores cutâneos, doenças infecciosas, entre outras9

As úlceras venosas aparecem com frequência na parte interna da extremidade das pernas. As lesões são caracterizadas como únicas, de contornos irregulares, bordas eritematosas ou arroxeadas, podendo se tornar claras, endurecidas ou hipertróficas10. A dor é um sintoma comum nas úlceras venosas, podendo ser exacerbado durante as trocas de curativos, e o seu controle está associado a uma melhor reparação tecidual, pois o estímulo doloroso induz a liberação de fatores inflamatórios que prejudicam a cicatrização11. Maria relata que sentia muita dor na lesão, o que a impedia de realizar suas atividades diárias e, por um longo período, ficou restrita na cadeira de rodas, sendo necessário auxílio da família para o autocuidado.

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Um fator importante na piora da algia, no caso de Maria, é ser portadora de HbAS, traço falciforme, heterozigose para hemoglobina S, variante da doença falciforme. A doença falciforme é causada por uma mutação no gene que produz a hemoglobina A (HbA) e, devido a uma alteração estrutural no cromossomo 11, resulta na produção de hemoglobina S (HbS) defeituosa. Assim, tem-se a formação de eritrócitos danificados em forma de foice ou meia-lua. Essas células defeituosas sofrem hemólise precoce, acarretando anemia, aumento da viscosidade do sangue e presença de moléculas de adesão que, com o formato e rigidez do eritrócito, causam obstrução de pequenos vasos sanguíneos. Assim, a oclusão de vaso geralmente leva à isquemia, causando danos aos tecidos e resultando em dor ou falência do órgão, provocando complicações agudas e crônicas12

Além disso, a presença da lesão levou Maria ao isolamento social pois, segundo ela, “estava quase morta”. Nesse sentido, um estudo sobre as repercussões sociais vivenciadas pela pessoa idosa com úlceras venosas revelou que esses indivíduos são socialmente estigmatizados, sendo vítimas de preconceito, constrangimento e segregação social, o que pode permitir o aparecimento de sintomas de baixa autoestima, depressão e ansiedade. Dessa forma, por vergonha do volume de exsudato e do odor fétido, Maria acabou restringindo o convívio social e, apesar de se considerar católica, até mesmo deixou de comparecer à igreja por dez anos devido ao problema de saúde13.

Após avaliação médica inicial, foi realizado um desbridamento físico da ferida e instituído antibioticoterapia e terapia compressiva. Não foi realizada cultura da ferida; devido à dor intensa, a paciente não permitiu. Sabe-se que o antibiograma é um recurso importante para a seleção do antibiótico para o tratamento específico da infecção. Contudo, diante da impossibilidade, pode-se prescrever os antibióticos de forma empírica, levando em consideração a avaliação clínica e epidemiológica de cada caso14. As úlceras são colonizadas por diversos microrganismos que, na maioria das vezes, incluem Staphylococcus, Streptococcus, Escherichia coli, Proteus e Pseudomonas, causando atraso na cicatrização15

A IVC é a doença vascular mais prevalente na sociedade e é classificada segundo a CEAP, método de mensuração do comprometimento venoso com base em dados de sinais clínicos (C), etiologia (E), distribuição anatômica (A) e fisiopatologia (P). Para além da classificação clínica, faz-se necessária avaliação dos níveis anatômicos envolvidos com a realização de exames complementares, sendo a ultrassonografia com doppler o mais utilizado. A classificação clínica é dividida em: C0 (sem sinais de doença venosa); C1 (telangiectasias e veias reticulares); C2 (veias varicosas; subdivide-se em C2r, que representa varizes recorrentes); C3 (edema); C4 (alterações subcutâneas; subdivide-se em C4a, que representa alterações na

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pigmentação e eczema, C4b, lipodermatoesclerose e atrofia branca, e C4c, corona flebática); C5 (úlcera de estase cicatrizada); e C6 (úlcera de estase aberta; subdivide-se em C6r, úlcera aberta recorrente)16

Outro questionário é o Venous Clinical Severity Score (VCCS), cujo objetivo é mensurar os sintomas e gravidade da doença, e deve ser aplicado de forma complementar ao CEAP. Por meio dele, avalia-se a gravidade da insuficiência venosa a partir dos parâmetros relacionados à dor, varizes, edema venoso, inflamação, enduração, número de úlceras, duração da úlcera, tamanho maior da úlcera, terapia compressiva e pigmentação da pele. O intuito é nortear a investigação diagnóstica e a evolução da doença e acompanhar o resultado do tratamento. Ademais, é importante aplicar um questionário de qualidade de vida (QV) para compreender o contexto biopsicossocial em que o indivíduo está inserido, visando identificar fatores que podem fortalecer ou dificultar o tratamento17. Entre as condutas estabelecidas, estão o uso de meia compressiva e a realização da escleroterapia com espuma densa ecoguiada, que consiste em uma terapia alternativa e eficaz para o tratamento da insuficiência venosa crônica com refluxo observado em sistemas superficial e comunicante. A técnica consiste na aplicação de espuma de polidocanol no segmento venoso a ser tratado com auxílio de ultrassom com doppler. O procedimento, apesar de invasivo, pode ser realizado a nível ambulatorial e tem índices de cicatrização de úlceras venosas elevados e duradouros a curto e médio prazo18. Nesse sentido, pacientes com sinais e sintomas de doença venosa crônica refratários ao tratamento inicial podem ser submetidos à escleroterapia. No entanto, não deve ser realizada em pacientes que apresentem sinais de trombose venosa aguda (superficial ou profunda)19

No caso de Maria, a fisiopatologia da lesão era multifatorial, por apresentar IVC. A classificação do CEAP demonstrou escore C6, que evidenciou úlcera ativa, e a classificação VCCS pontuou valores numéricos maiores que vinte, caracterizando alto comprometimento vascular, comprometimento falciforme (HBAS) e grau avançado de linfedema. Portanto, foi necessário acompanhamento multiprofissional, com suplementação de ácido fólico, medidas para evitar ortostase prolongada e medidas comportamentais de elevação dos membros inferiores ao deitar, além da terapia de compressão dos membros inferiores. A terapia compressiva inicialmente utilizada foi a Bota de Unna, mecanismo de compressão inelástica que exerce compressão de 18-24 mmHg. É composto de óxido de zinco, goma acácia, glicerol, óleo de rícino e água deionizada. A troca prevista é de três a sete dias, sendo realizada por pessoal treinado para que seja estabelecida compressão venosa adequada, no intuito de garantir retorno venoso e pressão tissular suficiente para a reabsorção dos fluidos pelo sistema linfático e vascular15. Para Maria, o plano terapêutico estabeleceu a troca da bandagem a cada três dias devido à grande quantidade

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de exsudato. A partir da quinta semana, a troca da Bota de Unna tornou-se semanal, sendo usada até a décima segunda semana de tratamento, pois observou-se sangramento no leito da ferida. No entanto, já na sétima semana de tratamento, após controle inicial do grau de edema e exsudato da ferida alcançado com a terapia inelástica com a Bota inicialmente empregada, Maria foi encaminhada para o serviço de angiologia do Hospital Ana Nery, em Salvador (BA), no qual foi realizada ultrassonografia de membros inferiores com doppler venoso para definir a conduta com base no grau de comprometimento vascular identificado por meio de escalas de classificação. Foi realizada escleroterapia dos segmentos tributários que estavam associados à úlcera e mantida a elastocompressão com meia elástica de média compressão.

A experiência de Maria acabou motivando a equipe de saúde e chamando a atenção da gestão municipal. Assim, ao analisar dados epidemiológicos da APS, foi observado um número relevante de casos semelhantes no município. Dessa forma, a unidade de saúde na qual a médica E. A. M. atende tornou-se referência no atendimento de úlceras venosas, prestando orientação às equipes de saúde de outras unidades para atendimento de pacientes com a mesma condição clínica, fato que chamou a atenção da Secretaria de Saúde de Morro do Chapéu e permitiu estabelecer um fluxo de atendimento a fim de garantir tratamento e atenuar custos.

Em Morro do Chapéu, desde 2017, a médica E. A. M. acompanhou e orientou mais de uma centena de casos de pacientes com lesões ulceradas crônicas. Diante da demanda, a estratégia inicial da gestão municipal, em 2018, foi adquirir coberturas especiais para os curativos dessas lesões e disponibilizar um profissional exclusivo para o curativo. As avaliações do angiologista eram realizadas por serviços de saúde pactuados pelo município em clínicas especializadas em Salvador. Contudo, observou-se alto custo para transporte desses pacientes e, em 2021, a nova gestão da secretaria de saúde decidiu contratar uma equipe de angiologistas para tratamento no município, incluindo a realização de escleroterapia com espuma densa ecoguiada.

O fluxo de atendimento com o serviço de angiologista ocorre da seguinte maneira:

(1) a equipe de saúde da família identifica necessidade de avaliação especializada ou o próprio paciente procura a unidade de saúde; (2) médico ou enfermeiro preenchem uma ficha de triagem, registram as alterações vasculares com fotos e encaminham para a equipe de angiologistas;

(3) após avaliação da triagem e imagens, a equipe de angiologia, verificando a necessidade de esclerodermia, entra em contato com o paciente, agendando atendimento; e (4) no dia do atendimento, o angiologista realiza uma ultrassom com doppler de membros inferiores e institui tratamento conforme necessidade. Para cada caso, é estabelecida conduta individualizada e a quantidade de sessões de esclerodermia depende da avaliação médica. Os indivíduos que passam pela esclerodermia recebem orientações médicas e já saem do consultório com a meia

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compressiva adequada. Já os indivíduos que não necessitam de esclerodermia são acompanhados pelo serviço de angiologia do próprio município. Além disso, nos casos em que a esclerodermia não obtém êxito, os pacientes são encaminhados para o Hospital Ana Nery.

Outro ponto importante é que os indivíduos com lesões crônicas, mesmo após a esclerodermia, precisam continuar realizando curativos. Esse serviço é realizado nas USF por profissionais capacitados. No entanto, pessoas com doenças crônicas associadas a lesões de pele que não têm condições de ir à unidade de saúde contam com apoio da Equipe Multidisciplinar de Atendimento Domiciliar (Emad). No ambiente domiciliar, além de realizar o curativo e avaliar a ferida, é possível reforçar orientações de cuidados com a ferida, prevenção de infecções, alimentos e nutrientes necessários à cicatrização, terapias compressivas elásticas e inelásticas, uso de meias elásticas para a prevenção de recidivas e elevação dos membros inferiores para melhora do retorno venoso20. O Emad é um serviço contratado por meio da adesão do município ao Programa Melhor em Casa (PMC) do Governo Federal, cujo objetivo é ofertar atendimento qualificado com vistas à humanização da atenção, redução da demanda por atendimento hospitalar e/ou do período de permanência de pacientes internados, desinstitucionalização e ampliação da autonomia dos usuários21.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entende-se que as úlceras venosas são consideradas um problema de saúde pública devido às limitações físicas, que comprometem muitas vezes as atividades de vida diárias e o autocuidado, e psicológicas, provocadas pelo isolamento social. Apesar das pesquisas de incidência e prevalência desse problema serem incipientes, sabe-se que há um número relevante de casos na população.

É importante salientar que a maioria dos trabalhos sobre o tema são desenvolvidos pelos profissionais de enfermagem, tornando muito mais relevante o pioneirismo de uma médica em desenvolver pesquisa sobre o assunto. No caso de Morro do Chapéu, verifica-se a prevalência de muitos casos acompanhados na APS por meio da sistematização do cuidado. Nesse sentido, é importante identificar e tratar precocemente os indivíduos já na APS e reduzir os impactos biopsicossociais da doença.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Anna Laura Ribeiro Oliveira, Eliana Alves Machado, Eduardo José Farias Borges Reis, Silvio Romero da Silva Larangeira Junior e Roberta Clere da Silva Santana.

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2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Roberta Clere da Silva Santana, Silvio Romero da Silva Larangeira Junior.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Igor Lobão Ferraz Ribeiro e Eduardo José Farias Borges.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Eduardo José Farias Borges, Silvio Romero da Silva Larangeira Junior e Roberta Clere da Silva Santana.

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Recebido: 30.4.2022. Aprovado: 18.11.2022. Publicado: 12.1.2023.

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DIRETRIZES PARA AUTORES

A Revista Baiana de Saúde Pública (RBSP), publicação oficial da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), de periodicidade trimestral, publica contribuições sobre aspectos relacionados aos problemas de saúde da população e à organização dos serviços e sistemas de saúde e áreas correlatas. São aceitas para publicação as contribuições escritas preferencialmente em português, de acordo com as normas da RBSP, obedecendo a ordem de aprovação pelos editores. Os trabalhos são avaliados por pares, especialistas nas áreas relacionadas aos temas referidos.

Os manuscritos devem destinar-se exclusivamente à RBSP, não sendo permitida sua apresentação simultânea a outro periódico, tanto no que se refere ao texto como às ilustrações e tabelas, quer na íntegra ou parcialmente. Os artigos publicados serão de propriedade da revista, ficando proibida a reprodução total ou parcial em qualquer meio de divulgação, impresso ou eletrônico, sem a prévia autorização da RBSP. Devem ainda referenciar artigos sobre a temática publicados nesta Revista.

CATEGORIAS ACEITAS:

1 Artigos Temáticos: revisão crítica ou resultado de pesquisa de natureza empírica, experimental ou conceitual sobre um assunto em pauta, definido pelo Conselho Editorial (10 a 20 páginas).

2 Artigos Originais de Tema Livre:

2.1 pesquisa: artigos apresentando resultados finais de pesquisas científicas (10 a 20 páginas);

2.2 ensaios: artigos com análise crítica sobre um tema específico (5 a 8 páginas);

2.3 revisão: artigos com revisão crítica de literatura sobre tema específico, solicitados pelos editores (8 a 15 páginas).

3 Comunicações: informes de pesquisas em andamento, programas e relatórios técnicos (5 a 8 páginas).

4 Teses e dissertações: resumos de dissertações de mestrado e teses de doutorado/ livre docência defendidas e aprovadas em universidades brasileiras (máximo 2 páginas). Os resumos devem ser encaminhados com o título oficial da tese/ dissertação, dia e local da defesa, nome do orientador e local disponível para consulta.

5 Resenha de livros: livros publicados sobre temas de interesse, solicitados pelos editores (1 a 4 páginas).

6 Relato de experiência: apresentando experiências inovadoras (8 a 10 páginas).

7 Carta ao editor: comentários sobre material publicado (2 páginas).

8 Documentos: de órgãos oficiais sobre temas relevantes (8 a 10 páginas).

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ARTIGOS

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Segunda folha/Metadados: iniciar com o título do trabalho, sem referência a autoria, e acrescentar um resumo de no máximo 200 palavras, com versão em inglês (Abstract) e espanhol (Resumen). Trabalhos em espanhol ou inglês devem também apresentar resumo em português.

Palavras-chave (3 a 5) extraídas do vocabulário DeCS (Descritores em Ciências da Saúde/ www. decs.bvs.br) para os resumos em português e do MESH (Medical Subject Headings/ www.nlm. nih.gov/mesh) para os resumos em inglês.

Terceira folha: título do trabalho sem referência à autoria e início do texto com parágrafos alinhados nas margens direita e esquerda (justificados), observando a sequência: introdução – conter justificativa e citar os objetivos no último parágrafo; material e métodos; resultados, discussão, conclusão ou

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considerações finais (opcional) e referências. Digitar em página independente os agradecimentos, quando necessários, e as contribuições individuais de cada autor na elaboração do artigo.

RESUMOS

Os resumos devem ser apresentados nas versões português, inglês e espanhol. Devem expor sinteticamente o tema, os objetivos, a metodologia, os principais resultados e as conclusões. Não incluir referências ou informação pessoal.

ILUSTRAÇÕES E TABELAS

Obrigatoriamente, os arquivos das ilustrações (quadros, gráficos, fluxogramas, fotografias, organogramas etc.) e tabelas devem ser encaminhados em arquivo independente; suas páginas não devem ser numeradas. Estes arquivos devem ser compatíveis com o processador de texto “Microsoft Word” (formatos: PICT, TIFF, GIF, BMP).

O número de ilustrações e tabelas deve ser o menor possível. As ilustrações coloridas somente serão publicadas se a fonte de financiamento for especificada pelo autor.

Na seção resultados, as ilustrações e tabelas devem ser numeradas com algarismos arábicos, por ordem de aparecimento no texto, e seu tipo e número destacados em negrito (e.g. “[...] na Tabela 2 as medidas [...]).

No corpo das tabelas, não utilizar linhas verticais nem horizontais; os quadros devem ser fechados.

Os títulos das ilustrações e tabelas devem ser objetivos, situar o leitor sobre o conteúdo e informar a abrangência geográfica e temporal dos dados, segundo Normas de Apresentação Tabular do IBGE (e.g.: Gráfico 2 – Número de casos de aids por região geográfica. Brasil – 1986-1997).

Ilustrações e tabelas reproduzidas de outras fontes já publicadas devem indicar esta condição após o título.

ÉTICA EM PESQUISA

Trabalho que resulte de pesquisa envolvendo seres humanos ou outros animais deve vir acompanhado de cópia escaneada de documento que ateste sua aprovação prévia por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), além da referência na seção Material e Métodos.

REFERÊNCIAS

Preferencialmente, qualquer tipo de trabalho encaminhado (exceto artigo de revisão) deverá listar até 30 fontes.

III

As referências no corpo do texto deverão ser numeradas em sobrescrito, consecutivamente, na ordem em que sejam mencionadas a primeira vez no texto.

As notas explicativas são permitidas, desde que em pequeno número, e devem ser ordenadas por letras minúsculas em sobrescrito. As referências devem aparecer no final do trabalho, listadas pela ordem de citação, alinhadas apenas à esquerda da página, seguindo as regras propostas pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (Requisitos Uniformes para Manuscritos apresentados a periódicos biomédicos/Vancouver), disponíveis em http://www.icmje.org ou http://www.abeceditores.com.br.

Quando os autores forem mais de seis, indicar apenas os seis primeiros, acrescentando a expressão et al.

Exemplos:

a) LIVRO

Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales.

2ª ed. Washington (DC): Organizacion Panamericana de la Salud; 1989.

b) CAPÍTULO DE LIVRO

Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68.

c) ARTIGO

Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Hum Biol. 1982;54:329-41.

d) TESE E DISSERTAÇÃO

Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 1997.

e) RESUMO PUBLICADO EM ANAIS DE CONGRESSO

Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1α (IL-1α). In: Anais do 30º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p. 272.

f) DOCUMENTOS EXTRAÍDOS DE ENDEREÇO DA INTERNET

Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Regimento Interno da Coreme. Extraído de [http://www.hupes. ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001].

IV

Não incluir nas Referências material não publicado ou informação pessoal. Nestes casos, assinalar no texto: (i) Antunes Filho FF, Costa SD: dados não publicados; ou (ii) Silva JA: comunicação pessoal, 1997. Todavia, se o trabalho citado foi aceito para publicação, incluí-lo entre as referências, citando os registros de identificação necessários (autores, título do trabalho ou livro e periódico ou editora), seguido da expressão latina In press e o ano.

Quando o trabalho encaminhado para publicação tiver a forma de relato de investigação epidemiológica, relato de fato histórico, comunicação, resumo de trabalho final de curso de pós-graduação, relatórios técnicos, resenha bibliográfica e carta ao editor, o(s) autor(es) deve(m) utilizar linguagem objetiva e concisa, com informações introdutórias curtas e precisas, delimitando o problema ou a questão objeto da investigação. Seguir as orientações para referências, ilustrações e tabelas.

As contribuições encaminhadas só serão aceitas para apreciação pelos editores e revisores se atenderem às normas da revista.

Endereço para contato:

Revista Baiana de Saúde Pública Centro de Atenção à Saúde (CAS)

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V
Revista Baiana de Saúde Pública

GUIDELINES TO THE AUTHORS

The Public Health Journal of Bahia (RBSP), a quarterly official publication of the Health Secretariat of the State of Bahia (Sesab), publishes contributions on aspects related to population’s health problems, health system services and related areas. It accepts for publication written contributions, preferably in Portuguese, according to the RBSP standards, following the order of approval by the editors. Peer experts in the areas related to the topics in question evaluate the papers.

The manuscripts must be exclusively destined to RBSP, not being allowed its simultaneous submission to another periodical, neither of texts nor illustrations and charts, in part or as a whole. The published articles belong to the journal. Thus, the copyright of the article is transferred to the Publisher. Therefore, it is strictly forbidden partial or total copy of the article in the mainstream and electronic media without previous authorization from the RBSP. They must also mention articles about the topics published in this Journal.

ACCEPTED CATEGORIES:

1 Theme articles: critical review or result from empirical, experimental or conceptual research about a current subject defined by the editorial council (10 to 20 pages).

2 Free theme original articles:

2.1 research: articles presenting final results of scientific researches (10 to 20 pages);

2.2 essays: articles with a critical analysis on a specific topic (5 to 8 pages);

2.3 review: articles with a critical review on literature about a specific topic, requested by the editors (8 to 15 pages).

3 Communications: reports on ongoing research, programs and technical reports (5 to 8 pages).

4 Theses and dissertations: abstracts of master degree’ dissertations and doctorate thesis/ licensure papers defended and approved by Brazilian universities (2 pages maximum). The abstracts must be sent with the official title, day and location of the thesis’ defense, name of the counselor and an available place for reference.

5 Book reviews: Books published about topics of current interest, as requested by the editors (1 to 4 pages).

6 Experiments’ report: presenting innovative experiments (8 to 10 pages).

7 Letter to the editor: comments about published material (2 pages).

8 Documents: of official organization about relevant topics (8 to 10 pages).

VI

EDITORIAL

The editors are responsible for the editorial, however a guest might also write it if the general editor asks him/her to do it (1 to 3 pages).

GUIDELINES TO THE AUTHORS

CHECK ITEMS FOR SUBMISSION

As part of the submission process all the authors are supposed to verify the submission guidelines in relation to the items that follow. The submissions that are not in accordance with the rules will be sent back to the authors.

GENERAL INSTRUCTIONS FOR SENDING MATERIAL

The editors must evaluate the papers and the revisers will follow the order of receipt and shall abide by the following criteria of submission:

a) all the submissions must be made by the publisher online submission system (SEER). The metadata must be filled in. Failure to do so will result in the nonevaluation of the article;

b) the text pages must be formatted in 1.5 spacing, with 2 cm margins, Times New Roman typeface, font size 12, A4 standard page, numbered at top right;

c) drawings and digital pictures will be forwarded in separate files;

d) the maximum number of authors per manuscript is six (6).

ARTICLES

Cover sheet/Metadata: inform the title (with an English and Spanish version), name(s) of the author(s), main institutional connection of each author, funding organization(s) and postal and electronic address of one of authors for correspondence.

Second page/Metadata: Start with the paper’s title, without reference to authorship and add an abstract of up to 200 words, followed with English (Abstracts) and Spanish (Resumen) versions. Spanish and English papers must also present an abstract in Portuguese. Keywords (3 to 5) extracted from DeCS (Health Science Descriptors at www.decs.bvs.br) for the abstracts in Portuguese and from MESH (Medical Subject Headings at www.nlm.nih.gov/mesh) for the abstracts in English.

Third page: paper’s title without reference to authorship and beginning of the text with paragraphs aligned to both right and left margins (justified), observing the following sequence: introduction –containing justification and mentioning the objectives in the last paragraph; material and methods; results, discussion, conclusion or final considerations (optional) and references. Type in the acknowledgement on an independent page whenever necessary, and the individual contribution of each author when elaborating the article.

VII
Revista Baiana de Saúde Pública

ABSTRACTS

The abstracts must be presented in the Portuguese, English and Spanish versions. They must synthetically expose the topic, objectives, methodology, main results and conclusions. It must not include personal references or information.

ILLUSTRATIONS AND TABLES

The files of the illustrations (charts, graphs, flowcharts, photographs, organization charts etc.) and tables must forcibly be independent; their pages must not be numbered. These files must be compatible with “Microsoft Word” word processor (formats: PICT, TIFF, GIF, BMP).

Colored illustration will only be published if the author specifies the funding source.

On the results section illustrations and tables must be numbered with Arabic numerals, ordered by appearance in the text, and its type and number must be highlighted in bold (e.g. “[...] on Table 2 the measures […]).

On the body of tables use neither vertical nor horizontal lines; the charts must be framed.

The titles of the illustrations and tables must be objective, contextualize the reader about the content and inform the geographical and time scope of the data, according to the Tabular Presentation Norms of IBGE (e.g.: Graph 2 – Number of Aids cases by geographical region. Brazil – 1986-1997).

Illustrations and tables reproduced from already published sources must have this condition informed after the title.

RESEARCH ETHICS

Paper that results from research involving human beings or other animals must be followed by a scanned document, which attests its previous approval by a Research Ethic Committee (REC), in addition to the reference at the Material and Methods Section.

REFERENCES

Preferably, any kind of paper sent (except review article) must list up to 30 sources.

The references in the body of the text must be consecutively numbered in superscript, in the order that they are mentioned for the first time.

Explanatory notes are allowed, provided that in small number and low case letters in superscript must order them.

VIII

References must appear at the end of the work, listed by order of appearance, aligned only to the left of the page, following the rules proposed by the International Committee of Medical Journal Editors (Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals/ Vancouver), available at http://www.icmje.org or http://www.abec-editores.com.br.

When there are more than six authors, indicate only the first six, adding the expression et al.

Examples:

a) BOOK

Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2ª ed. Washington (DC): Organizacion Panamericana de la Salud; 1989.

b) BOOK CHAPTER

Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68.

c) ARTICLE

Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Hum Biol. 1982;54:329-41.

d) THESIS AND DISSERTATION

Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 1997.

e) ABSTRACT PUBLISHED IN CONFERENCE ANNALS

Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1α (IL-α). In: Anais do 30º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p. 272.

f) DOCUMENTS OBTAINED FROM INTERNET ADDRESS

Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Regimento Interno da Coreme. Extraído de [http://www. hupes. ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001].

Do not include unpublished material or personal information in the References. In such cases, indicate it in the text: (i) Antunes Filho FF, Costa SD: unpublished data; or Silva JA: personal communication, 1997. However, if the mentioned material was accepted for publication,

IX
Revista Baiana de Saúde Pública

include it in the references, mentioning the required identification entries (authors, title of the paper or book and periodical or editor), followed by the Latin expression In press, and the year.

When the paper directed to publication have the format of an epidemiological research report, historical fact report, communication, abstract of post-graduate studies’ final paper, technical report, bibliographic report and letter to the editor, the author(s) must use a direct and concise language, with short and precise introductory information, limiting the problem or issue object of the research. Follow the guidelines for the references, illustrations and tables.

The editors and reviewers will only accept the contribution sent for evaluation if they comply with the standards of the journal.

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X

DIRECTRIZES PARA LOS AUTORES

La Revista Baiana de Salud Pública (RBSP), publicación oficial de la Secretaria de la Salud del Estado de la Bahia (Sesab), de periodicidad trimestral, publica contribuciones sobre aspectos relacionados a los problemas de salud de la población y a la organización de los servicios y sistemas de salud y áreas correlatas. Son aceptas para publicación las contribuciones escritas preferencialmente en portugués, de acuerdo con las normas de la RBSP, obedeciendo la orden de aprobación por los editores. Los trabajos son evaluados por pares, especialistas en las áreas relacionadas a los temas referidos.

Los manuscritos deben destinarse exclusivamente a la RBSP, no siendo permitida su presentación simultánea a otro periódico, tanto en lo que se refiere al texto como a las ilustraciones y tablas, sea en la íntegra o parcialmente. Los artículos publicados serán de propiedad de la revista, quedando prohibida la reproducción total o parcial en cualquier soporte (impreso o electrónico), sin la previa autorización de la RBSP. Deben, también, hacer referencia a artículos sobre la temática publicados en esta Revista.

CATEGORÍAS ACEPTAS:

1 Artículos Temáticos: revisión crítica o resultado de investigación de naturaleza empírica, experimental o conceptual sobre un asunto en pauta, definido por el Consejo Editorial (10 a 20 hojas).

2 Artículos originales de tema libre:

2.1 investigación: artículos presentando resultados finales de investigaciones científicas (10 a 20 hojas);

2.2 ensayos: artículos con análisis crítica sobre un tema específico (5 a 8 hojas);

2.3 revisión: artículos con revisión crítica de literatura sobre tema específico, solicitados por los editores (8 a 15 hojas).

3 Comunicaciones: informes de investigaciones en andamiento, programas e informes técnicos (5 a 8 hojas).

4 Tesis y disertaciones: resúmenes de tesis de maestría y tesis de doctorado/ libre docencia defendidas y aprobadas en universidades brasileñas (máximo 2 hojas). Los resúmenes deben ser encaminados con el título oficial de la tesis, día y local de la defensa, nombre del orientador y local disponible para consulta.

5 Reseña de libros: libros publicados sobre temas de interés, solicitados por los editores (1 a 4 hojas).

6 Relato de experiencias: presentando experiencias innovadoras (8 a 10 hojas).

7 Carta al editor: comentarios sobre material publicado (2 hojas).

8 Documentos: de organismos oficiales sobre temas relevantes (8 a 10 hojas).

XI
Revista Baiana de Saúde Pública

EDITORIAL

De responsabilidad de los editores, también puede ser redactado por un invitado, mediante solicitación del editor general (1 a 3 páginas).

ORIENTACIONES A LOS AUTORES

ITEM DE VERIFICACIÓN PARA SUMISIÓN

Como parte del proceso de sumisión, los autores son obligados a verificar la conformidad de la sumisión en relación a todos los item descritos a seguir. Las sumisiones que no estén de acuerdo con las normas serán devueltas a los autores.

INSTRUCCIONES GENERALES PARA ENVIO

Los trabajos apreciados por los editores y revisores seguirán la orden de recibimiento y deberán obedecer a los siguientes criterios de presentación:

a) todos los trabajos deben ser enviados a través del Sistema de Publicación Electrónica de Revista (SEER). Completar obligatoriamente los metadatos, sin los cuales el artículo no será encaminado para evaluación;

b) las páginas deben ser formateadas en espacio 1,5, con márgenes de 2 cm, fuente Times New Roman, tamaño 12, página patrón A4, numeradas en el lado superior derecho;

c) los diseños o fotografías digitalizadas serán encaminadas en archivos separados;

d) el número máximo de autores por manuscrito científico es de seis (6).

ARTÍCULOS

Página de capa/Metadatos: informar el título (con versión en inglés y español), nombre(s) del(los) autor(es), principal vinculación institucional de cada autor, órgano(s) financiador(es) y dirección postal y electrónica de uno de los autores para correspondencia.

Segunda página/Metadatos: iniciada con el título del trabajo, sin referencia a la autoría, y agregar un resumen de 200 palabras como máximo, con versión en inglés (Abstract) y español (Resumen). Trabajos en español o inglés deben también presentar resumen en portugués. Palabras clave (3 a 5) extraídas del vocabulario DeCS (Descritores en Ciências da Saúde/ www. decs.bvs.br) para los resúmenes en portugués y del MESH (Medical Subject Headings/ www. nlm.nih.gov/mesh) para los resúmenes en inglés.

Tercera página: título del trabajo sin referencia a la autoría e inicio del texto con parágrafos alineados en las márgenes derecha e izquierda (justificados), observando la secuencia: introducción – contener justificativa y citar los objetivos en el último parágrafo; material y métodos; resultados, discusión, conclusión o consideraciones finales (opcional) y referencias. Digitar en página independiente los agradecimientos, cuando sean necesarios, y las contribuciones individuales de cada autor en la elaboración del artículo.

XII

RESÚMENES

Los resúmenes deben ser presentados en las versiones portugués, inglés y español. Deben exponer sintéticamente el tema, los objetivos, la metodología, los principales resultados y las conclusiones. No incluir referencias o información personal.

ILUSTRACIONES Y TABLAS

Obligatoriamente, los archivos de las ilustraciones (cuadros, gráficos, diagrama de flujo, fotografías, organigramas etc.) y tablas deben ser independientes; sus páginas no deben ser numeradas. Estos archivos deben ser compatibles con el procesador de texto “Microsoft Word” (formatos: PICT, TIFF, GIF, BMP).

El número de ilustraciones y tablas debe ser el menor posible. Las ilustraciones coloridas solamente serán publicadas si la fuente de financiamiento sea especificada por el autor.

En la sección de resultados, las ilustraciones y tablas deben ser enumeradas con numeración arábiga, por orden de aparecimiento en el texto, y su tipo y número destacados en negrita (e.g. “[...] en la Tabla 2 las medidas [...]).

En el cuerpo de las tablas, no utilizar líneas verticales ni horizontales; los cuadros deben estar cerrados.

Los títulos de las ilustraciones y tablas deben ser objetivos, situar al lector sobre el contenido e informar el alcance geográfico y temporal de los datos, según Normas de Presentación de Tablas del IBGE (e.g.: Gráfico 2 – Número de casos de SIDA por región geográfica. Brasil – 1986-1997).

Ilustraciones y tablas reproducidas de otras fuentes ya publicadas deben indicar esta condición después del título.

ÉTICA EN INVESTIGACIÓN

Trabajo resultado de investigación envolviendo seres humanos u otros animales debe venir acompañado con copia escaneada de documento que certifique su aprobación previa por un Comité de Ética en Investigación (CEP), además de la referencia en la sección Material y Métodos.

REFERENCIAS

Preferencialmente, cualquier tipo de trabajo encaminado (excepto artículo de revisión) deberá listar un máximo de 30 fuentes.

XIII

Las referencias en el cuerpo del texto deberán ser enumeradas en sobrescrito, consecutivamente, en el orden en que sean mencionadas la primera vez en el texto.

Las notas explicativas son permitidas, desde que en pequeño número, y deben ser ordenadas por letras minúsculas en sobrescrito.

Las referencias deben aparecer al final del trabajo, listadas en orden de citación, alineadas apenas a la izquierda de la página, siguiendo las reglas propuestas por el Comité Internacional de Editores de Revistas Médicas (Requisitos uniformes para manuscritos presentados a periódicos biomédicos/ Vancouver), disponibles en http://www.icmje.org o http://www.abeceditores. com.br.

Cuando los autores sean más de seis, indicar apenas los seis primeros, añadiendo la expresión et al.

Ejemplos:

a) LIBRO

Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales.

2ª ed. Washington (DC): Organización Panamericana de la Salud; 1989.

b) CAPÍTULO DE LIBRO

Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68.

c) ARTÍCULO

Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Hum Biol. 1982;54:329-41.

d) TESIS Y DISERTACIÓN

Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 1997.

e) RESUMEN PUBLICADO EN ANALES DE CONGRESO

Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-α (FNT-α) e interleucina-1α (IL-1α). In: Anais do 30º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p. 272.

f) DOCUMENTOS EXTRAIDOS DE SITIOS DE LA INTERNET

Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia. Regimento Interno da Coreme. Extraído de [http://www.hupes. ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001].

XIV

No incluir en las Referencias material no publicado o información personal. En estos casos, indicar en el texto: (i) Antunes Filho FF, Costa SD: datos no publicados; o (ii) Silva JA: comunicación personal, 1997. Sin embargo, si el trabajo citado es acepto para publicación, incluirlo entre las referencias, citando los registros de identificación necesarios (autores, título del trabajo o libro y periódico o editora), seguido de la expresión latina In press y el año.

Cuando el trabajo encaminado para publicación tenga la forma de relato de investigación epidemiológica, relato de hecho histórico, comunicación, resumen de trabajo final de curso de postgraduación, informes técnicos, reseña bibliográfica y carta al editor, el(los) autor(es) debe(n) utilizar lenguaje objetiva y concisa, con informaciones introductorias cortas y precisas, delimitando el problema o la cuestión objeto de la investigación. Seguir las orientaciones para referencias, ilustraciones y tablas.

Las contribuciones encaminadas a los editores y revisores, solo serán aceptadas para apreciación si atienden las normas de la revista.

Dirección para contacto:

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XV
Revista Baiana de Saúde Pública

SECRETARIA DA SAÚDE DO ESTADO DA BAHIA – SESAB

REVISTA BAIANA DE SAÚDE PÚBLICA – RBSP

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XVI
i

Revista Baiana de Saúde Pública

EDITORIAL

ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE PERFIL DOS USUÁRIOS E ATENDIMENTO DAS UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE EM UM MUNICÍPIO DE CRICIÚMA (SC)

QUALIDADE DE VIDA DE ACADÊMICOS QUE SE DESLOCAM PARA UMA UNIVERSIDADE PARTICULAR EM SERGIPE RELAÇÃO ENTRE O PESO CORPORAL E A INSATISFAÇÃO COM A IMAGEM CORPORAL ENTRE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS TRABALHO E PRÁTICAS DE CUIDADO OBSTÉTRICO DA ENFERMAGEM EM MATERNIDADE PÚBLICA INFLUÊNCIA DO NÍVEL DE ATIVIDADE FÍSICA NA PREVALÊNCIA DE EXCESSO DE PESO EM ADOLESCENTES ESCOLARES PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DAS VIOLÊNCIAS INTERPESSOAL E AUTOPROVOCADA EM PORTO VELHO: NOTIFICAÇÕES PRÉ E TRANSPANDEMIA COVID-19

SATISFAÇÃO DA ENFERMAGEM DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE COM A EDUCAÇÃO PERMANENTE IMPACTOS PSICOLÓGICOS DA MASTECTOMIA: UMA ANÁLISE NA ASSOCIAÇÃO DE APOIO À PESSOA COM CÂNCER INFLUÊNCIA DO NÍVEL DE ESCOLARIDADE SOBRE A DISSEMINAÇÃO DO SARS-COV-2 NA REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE O TRABALHO COMO DETERMINANTE DE SAÚDE: PERFIL E VULNERABILIDADES DE AGRICULTORES EXPOSTOS A AGROTÓXICOS ARTIGO DE REVISÃO

ATUAÇÃO DA FISIOTERAPIA NA INCONTINÊNCIA URINÁRIA EM MULHERES NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA BRASILEIRA NO PRIMEIRO ANO DA PANDEMIA DA COVID-19: UMA REVISÃO INTEGRATIVA RELATO DE EXPERIÊNCIA

ATUAÇÃO DE CIRURGIÃ-DENTISTA, COM ÊNFASE NO PRÉ-NATAL, NA ATENÇÃO PRIMÁRIA: RELATO DE EXPERIÊNCIA RELATO DE CASO PROTOCOLO DE CUIDADOS EM PACIENTES COM ÚLCERAS VASCULOGÊNICAS EM MEMBROS INFERIORES NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UM RELATO DE CASO

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